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CONCLUSAO “The great enemy of ‘and dishonest ~ but very often not the le — deliberate, co myth ~ persistent, persuasive and unre John F. Kennedy ~ Discurso de formatura na Yale University, 11 de junho de 1962" A democracia brasileira esté num momento de transformagéo inédito. Crengas sio revistas. Ilusdes sao deixadas de lado. Mitos sao sepultados. Entramos, pela primeira vez, na puberdade democritica. Nesta fase da vida, é preciso amadurecer e deixar idealizagées de lado, 'Nossos pais néo sao perfeitos. Nés no somos quem gostariamos de ser. As instituigdes criadas pela Constituigdo de 1988, embora tenham nos proporcionado o maior periodo de estabilidade democritica ja vivida no Brasil, t8m problemas graves. ODireito Administrativo brasileiro, mais antigo quea democracia, precisa entender este processo. Ele deve saber que tem limites diante da realidade e que pode sugerir coisas que agravem os problemas que pretenda resolver. Conquanto nao deva deixar de prescrever solugées e propor avancos, o administrativista necessita aprender a fazer diagndsticos baseados em anamnésias mais realistas. Tal foi a proposta d iar o principio da indelegabilidade na intersego entre politica descritiva e Direito, para propor solugdes de aperfeigoamento institucional consciente de que nao ha modelo ideal, ‘mas uma constante dinémica de melhoriase revisdes, com as ferramentas que possuimos, e dentro das regras do jogo democratico delineado a pattir da Constituicao, 1nos60 itinerdrio foi percorrido numa postura de juridicidade yer quese reeitou a visdo fundacion: normativa, considerando 0 contexto eos incentivos do presiden de coalizao, ao passo em que buscamos, com nossas propostas, melhores * Disponivel em tip/iv fear org/ResoarchResearch-AideReady-Reference/Kennedy- ibray-Fast-acty/Yale-Univesty-Commencement-Address.spx,aceso em 5 Tradugio livre “O grande lnimigo da verdade mulls vezes no 6a mentite plangada e desonesta~ mas o mito ~ prsstents, persuasive elit” 258 | ateagdes ics mas cures ADMNSTRAGAO ORICA resultados (ou consequéncias) para a propria democracia e outros valores constitucionais. ‘Ac longo do trabalho, procuramos deixar claras as nossas conclusdes. Todavia, é itil ~e pragmatico esquematizar enunciados objetivos que aglutinem estas ideias. E o que se passa a fazer. (i) O principio geral de indelegabilidade surge no pensamento de John Locke. Para o iluminista, o parlamentar recebe o mandato do ovo para fazer leis, ndo para criar novos legisladores. Desde entao, tal ideia espalhou-se no mundo juntamente com seus tits pilares basicos: © Estado de Direito, a separacéo de Poderes e a democracia, os quais lidam com o constitucionalismo. (© principio da legalidade administrativa, enquanto vinculagéo do administrador piblico ao Poder Legislativo, é decorréncia da nocao de Estado de Direito. Uma sociedade civilizada nao é governada por homens, mas por leis. Na legalidade clissica so depositadas as, esperangas de que o administrador piiblico nao inovard na ordem jurfdica, exigindo-se, na outra ponta, que o legislador nao delegue suas ibuigdes criativas ao agente administrativo. O Estado de Direito, nesta fracassard se o legislador for capaz, de transferir seu mandato exclusivo a terceiros. O raciocinio ¢ direto: se a delegacao for possivel, aquele que exerce autoridade deixa de se subordinar ao Direito e passa 4 se sujeitar a sua propria vontade; as suas proprias regras. Dai a tese segundo a qual a ago administrativa deve ser mecanica, uma mera aplicagao da lei de offcio. da legalidade foi abalado pela crise da lei formal. A lei foi ctimplice da barbérie, ea atividade do administrador, notadamente apés 0 advento do estado de bem-estar social, deixou de set a mera aplicagio da lei de oficio. )) Administrar é também regular as relagBes econémicas ¢ ;, por exemplo: (i) planejar e desenhar marcos regulatérios; (Gi) fiscalizar e dialogar com os agentes regulados e com os cidadaos {nteressados, para que se busquem formas mais eficientes de se proteger direitos e de se permitir o desenvolvimento de atividades econdmicas; é também (i) julgar possiveis infragdes cometidas por particulares ou por agentes regulados, garantindo direitos relacionados ao devido proceso legal (v. Lei n® 9.784/99). Isto sem mencionar o aspecto prestacional ¢ positive, inseparavel da fungao administrativa contempordnea, do que decorre que administrar abrange (iv) a oferta de iniimeros servigos soci cencisto. | 259 publicos, quer por meio de delegagao a particulares, quer diretamente (att. 175, CREB); bem como (v) atividades de fomento. (v) Ao passo em que a legalidade descia do seu pedestal, 0 constitucionalismo decolava como a proposta possivel para a retomada do projeto iluminista do Estado de Direito. O constitucionalismo foi a ‘grande resposta a insatisfacdo coma lei. O caminho tracado foi o de se passar a delimitar a legalidade na Constituicéo. Ganhou forga a ideia de que a legalidade administrativa deva ser substituida por uma nogéo mais abrangente, a que se denominou principio da juridicidade. (vi) A doutrina da juridicidade almeja, sem se afastar por completo, a importancia da lei formal, reconduzir a agao administrativa a um labor fundado diretamente na Constituicéo. O Direito Administrativo, constitucionalizado, admite que a Administracao Piiblica crie normas legitimadas diretamente pela Lei Maior. leste contexto de ideias, ganha forga uma nogio princi- lidade. A vinculagio administrativa & Constituicao iza tanto na aplicacao direta de regras claras do Texto Maior, quanto por meio do resultado do sopesamento entre os seus variados principios. O método primordial eleito para esta tarefa foi 0 postulado da proporcionalidade, que exige a andlise sucessiva dos seus trés elementos: a adequacdo; a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, A vontade administrativa, neste cenario, torna-se, também, um produto da ponderacio entre os principios constitucionais apliciveis diretamente pela Administracio Piblica. (viii) Por outro lado, deve-se ter 0 cuidado de nao se substituir ‘0 mito liberal da lei pelo mito da Constituigao. O dever de ponderar ‘0 principios constitucionais em jogo se, de um lado, contribui para racionalizar 0 processo de tomada de decisio, de outro, nao afasta a circunstancia de que a aplicago do postulado da proporcionalidade pode gerar mais de um resultado valido e conferir mais liberdade ao agente, com risco de subjetivismos. A exigencia de lei acaba sendo mitigada em azo de outros principios. E aquilo que vier a ser delegado com uma amplitude definida pela diego legal (muitas vezes de textura maleavel) éainda mais flexibilizado pelas muitas possibilidades ponderativas oferecidas pela Constituicéo. (ix) Além disso, a substituicdo do paradigma de legalidade parao de constitucionalidade, se, de uma banda, torna menos rigida a ‘vinculagio administrativa, de outra, acaba por transferir poderes efetivos aos Juizes, podendo gerar excesso (mais um) de subjetivismo judicial. Sim, porque seré o Poder Judiciério o locus em que a Constituicéo poder ser reinterpretada e a vontade administrativa teconsiderada em face 260 | rime rom AAS ECU ALEOSEADNEAGROPDRLCA de mais um juizo de proporcionalidade. E aqui se tem uma delegacio muito mais problemética, pois, se a Administragdo Piblica ndo possui ‘omesmo substrato democritico do Parlamento, o Poder Judiciério, por definicio, deve estar ainda mais longe das vontades eleitorais. Isto sem mencionar que 0 Poder Judiciario ndo detém as mesmas capacidades técnicas da Administragao Publica, (x) Em suma, a consagracao do principio da juridicidade, a despeito de possuir 0 mérito de atualizar 0 projeto do Estado de Direito entre os administrativistas, implica o fortalecimento do papel do Poder Judiciério na revisio dos atos administrativos e das delegagdes, legislativas. Daf que o discurso de legitimacio do Direito Administrative pela vinculagdo & Constituicao acaba sendo um instrumento de reforco substancial da capacidade de controle da Administragao Piiblica por juizes nao eleitos e sem conhecimento técnico. (xi) H dese encontrar, assim, além de caminhos para se mitigar © problema das dificuldades relativas as capacidades institucionais, formas de valorizagao da lei formal e de sua compreensao né do presidencialismo brasileiro. E preciso buscar a dignidade da legislagio das nossas possibilidades, o que implica, para nés, recolocara lei num papel ndo sagrado, mas pragmatista. (xii) A ideia de separacao de Poderes surgiu no pensamento iluminista e trilhou dois caminhos. O primeiro, na Europa, em que tal doutrina expandiu-se dentro de uma solugio, modo geral, compro- missoria entre o rei e 0 povo (ie. eleitores), com a consolidagao de um principio firme de supremacia do Parlamento. O rei se sujeitava a lei formal, invélucro possivel da vontade geral a que aludiu Rousseau, acima da qual nao hé qualquer poder. (xiii) O segundo caminho da separacao de Poderes foi trilhado nos Estados Unidos da América. Com inspiragio nas ideias de James Madison, segundo o qual “[A]mbition must be made to counteract ambition” (Federalistan® 51), desenhou-se um modelo de controle entre as instituigdes, com um Poder Judicidrio independente e um Poder Executivo mais forte, porque calcado em legitimidade democratica permitida pelo presidencialismo. (xiv) A doutrina da separagéo de Poderes merece revisio constante, Destacamos que 0s tedricos da separacao de Poderes no imaginaram seus modelos para a realidade partidéria que acabou se desenvolvendo e para a complexidade trazida pelo presidencialismo brasileiro. O proceso de formagdo de consensos no Brasil implica petcepgdes renovadas sobre o principio da separacio de Poderes, para que ele continue sendo um instrumento eficaz de contencao do poder covcunto | 261 para o bom funcionamento da democracia. E, neste processo, podem estar abrangidas algumas formas de delegagies. Até mesmo porque 0 Poder Executive ocupa uma posicao de lideranca impensavel aos iluministas, ganhando, inclusive, fungdes de criagao do Direito. (xv) O plano de subordinacéo da Administracéo Piiblica a0 Direito também se relaciona coma ideia de que a base normativa desta culagao seja democratica. Nas democracias representativas, isto que esta vontade deva decorrer da vontade do Parlamento, sentido, a legalidade é também o projeto de controle da Adminis- tracio Pablica a vontade politica por meio do processo legislativo. Este 60 ponto de partida concreto da legitimagao do agit administrativo, que, no regime democratico brasileiro, carece de suporte direto no sistema representativo. Dai as teses contrérias & delegacao legislativa. ‘Como consagrado no pensamento tradicional, sio 0s legisladores, € nao os burocratas, os representantes do povo. Partindo desta visio, as delegacdes distorcem a accowntab itoral e prejudicam a ja cambaleante representatividade das instituicées politicas brasileiras. (xvii) Hé equivocos basicos na concepcio de democracia repre- sentativa como impeditivo das delegacées legislativas. Primeiro: 0 conceito de delegacao legislativa nao se confunde com o de delegagso criado pelo Direito privado. O mandato dos agentes eleitos é em principio, livre endo vinculado A vontade dos seus mandantes. O limite efetivo da delegacao nao se encontra nas maos do delegatario, mas na Constituigao, dentro da dindmica com os poderes eleitos. Segundo, a representatividade depositada no Parlamento, se um dia teve 0 escopo primordial de legitimar o governo por meio de leis, hoje se volta a um discurso de legitimagio por meio do controle. Terceiro: o problema delegacio-representagao desconsidera os mecanismos de incremento da legitimidade democratica da Administracio Paiblica, que vai desde a eleicdo do Presidente da Reptiblica, que ocupa posigao central na gestio da maquina administrativa brasileira (art. 84, I, CRFB), até os ‘meios de participagio popular direta nas decisdes administrativas, com procedimentalizacao e incremento de canais de comunicacdo entre burocratase a populacao interessada. Quarto: as delegagies legislativas, quando analisadas diante do funcionamento do presidencialismo de coalizdo, podem ser entendidas como um mecanismo de diminuicio de custos de transacio, alinhamento democratico e aperfeicoamento da democracia. (xviii) A doutrina da indelegabilidade teve um desenvolvimento interessante nos EUA. Naquele pais -0 que parece valido para o Brasil seu escopo basico € 0 de tornar compulsério o processo deliberativo {SOS LECSATIAS RECULAMEWTOSEADMINISTRACSOFOSIEA no Parlamento antes que escolhas importantes sejam feitas de maneira unilateral. A nondelegation doctrine foi usada apenas duas vezes como fundamento para a declaragao de inconstitucionalidade de leis nos Estados Unidos. Ambas em 1935, no auge da Eta Lochner. Hé literatura significativa que sustenta que a doutrina morreu. Sem embargo, a doutrina parece que ainda vive sob a forma de canones (standards). Trata-se de catalizadores de deliberagao para questdes essenciais. Nao é posstvel, em ilustrago a merecer destaque, que o Congreso deixe ampla margem de discricionariedade para o Poder Executivo em questes constitucionais sensiveis. Deve haver, no minimo, parametros inteligiveis. (xix) No Brasil, durante a vigéncia de todas as ConstituigSes, com excegao do hiato da Carta de 1937, entendeu-se que as delegacées legislativas eram inconstitucionais. Na Constituicéo de 1988, o principio geral de indelegabilidade decorre: do principio da legalidade (art. 5° I; eart,37, caput, CRFB), da cléusula do Estado de Direito (art. 1°, CRFB), da separacao de Poderes (art, 2%, CRFB), do art. 25, ADCT, bem como da previsdo constitucional das leis delegadas (art. 68), a qual, a contrario sensu, excluiria outras formas de delegacao. (60x) De um modo geral, pde-se uma carga negativa muito grande nouso da palavra delegacio. Os anos de ditadura e de Administracao Piblica autoritéria sao uma explicacéo para tal posture, o que acabou se refletindo no art. 25, ADCT. O constituinte quis fortalecer Congresso, eum dos caminhos tomados foi o de desfazer as delegages pretéritas. Por conta disto, tanto a literatura especializada, quanto a jurisprudéncia, fazem um esforgo conceitual para diferenciar casos em que se teria uma delegacio normativa indevida e outros casos em que se tem regular cexercicio de poder regulamentar. (xxi) A teoria juridica da indelegabilidade brasileira mistura-se ‘coma teoria do regulamento, que vem acompanhada de certa aversio aos denominados regulamentos delegados ou autorizados, figuras inconcebiveis perante a Constituigdo. Em termos préticos, todavia, ‘0 que se percebe é que, quando se pretende insuflar de validade um dado exercicio de poder normativo externo ao Poder Legislativo, do poder regula- mentar. Por outro lado, quando se almeja rejeitar e invalidar tais regulamentos, diz-se que os mesmos ocorrem no ambito de uma delegacao inconstitucional. (Cexii) Dizer simplesmente que a delegacio nao se confunde com o exercicio de poder regulamentar nao ajuda. E preciso modificar esta forma de entender a questao e enfrentar delegagées e regulamentos concusio | 263 ‘como técnicas de transferéncia de capacidades normativas, que, portanto, ever ser estudadas em conjunto. (xxiv) As delegagées le ivas nfo se exaurem na figura, pouco utilizada, da lei delegada, prevista no art. 68 da Constituicio. Especificamente, entendemos que todo regulamento é, em alguma medida, espécie de delegacio, havendo muito mais incentivo ao seu 1uso, do que a figura do art. 68, que tende a permanecer desimportante. ((cxv) Regulamento éa norma juridica destinada a regular situagSes, geraise abstratasno ambito da competéncia outorgada pela Constituigao, ‘em regra, ao chefe do Poder Executivo, para o desenvolvimento ou exectigao das leis, ou para o exercicio de competéncias diretamente delimitadas pela Lei Fundamental, em cardter reservado ou concorrente. Trata-se da mais corriqueira fonte do Direito Administrativo atual, a ‘qual se expande no apenas quantitativa, mas qualitativamente. (xvi) Os regulamentos de execucao estao previstos no arr. 84, IV, da Constituigao. A possibilidade de aplicar a lei por meio de regulamentagao é aspecto inerente ao Poder Executivo. O que varia, porém, é a intensidade, ou 0 grau da amplitude daquilo que se entende por execucio. De um lado, hé literatura que sustenta, em postura de combate, que qualquer alargamento da atividade criativa da Administracéo Publica seria inconstitucional. Para esta linka de pensamento, 0 regulamento de execucao estrita seria a tinica espécie legitima de acéo complementar da lei pelo Poder Executivo no Direito Brasileiro, Trata-se de um regulamento que pressupée lei prévia, a qual serd o objeto de sua mera assisténcia. (Ccxvii) A rejeicio a criatividade regulamentar na sequéncia da edigao da Constituigao de 1988 pode ser vista como um resquicio do medo de um poder sem legitimidade e controle democraticos. Faz todo sentido que uma das citagdes mais repetidas pelos advogados da legalidade administrativa estrita no Brasil tenha sido veiculada na obra de Miguel Seabra Fagundes, de 1941, no auge do Estado Novo. A ideia de que administrar é aplicar a lei de oficio tornou-se o slogan de valorizacio de um Congreso Nacional cujas portas estavam fechadas. Era preciso resgatar o Parlamento das trevas do autoritarismo. (xxix) Passadas quase trés décadas da promulga¢ao da Consti- tuigdo de 1988, o Brasil nao é mais o mesmo. O Poder Executivo & instituigo dotada de significativa legitimidade democratica, por conta de um sufragio nacional, do controle intenso dos 6rgaos politicos ¢ juridicos, bem como do préprio controle social, permitido por um ambiente inédito de liberdade de expressao. © mesmo se diga da ‘Administragio Publica, que se procedimentalizou e ganhou novos 264 | Sects es PORAMETOSEACMNSTEACKOPORLCA mecanismos de controle, supervisao pelos érgiios eleitos, participagao ¢ transparéncia. O administrador de hoje ndo é, por defini¢ao, 0 déspota que se precisava combater nos periods autocraticos. A aco administrativa cada vez mais se afasta de um superado e autoritério conceito de ato administrativo. O processo ea motivacio ganham forca ese tornam elementos de justificagao do agir administrativo. (Goxx) Além disso, a experiéncia mostrou que uma concepgio por demais estreita de regulamento é simplesmente irreal. O conceito de execucao da lei alargou-se. A defesa de um conceito amplo de regulamento executivo, mais compativel com a complexidade da sociedade contempordnea, acabou prevalecendo no final do século ppassado, e se mostrou a resposta adequada para um legislador que cada ‘vez mais se vale de conceitos juridicos amplos e indeterminados, talvez indispensveis para que as normas juridicas se adaptem as realidades ‘muito cambiantes dos dias de hoje. Gooxi) Num esforgo de sintese, 05 regulamentos de execugao dispoe a lei, sem contrarié-la, ou a complementar o sentido de alguma norma constitucional, diante da inércia legislativa. Tal execugo nao esta cingida a literalidade do texto normativo, mas sim a interpretagao criadora do Direito em cumprimento e complementagao do seu espirito econtetido, (cowl) Partindo-se de conceito alargado de execugio.e delegacio, ‘oregulamento practerlegemt cabe dentro da ideia de aplicagao da lei eda ‘Constituigao (como ocorre com o CNJ), 0 que pode, inclusive, implicar ctiagio de algo novo; ou mesmo direitos e obrigagdes. O preenchimento de lacunas por regulamento nada mais é que uma manifestagao administrativa voltada a aplicar estatutos que nao previram uma dada situacio que demanda resposta. (oxxiv) Regulamentos auténomos so aqueles que tém fundamento direto no Texto Constitucional, que delimita uma esfera de contetidos reservados a tal espécie normativa. Trata-se de um campo material exclusivo no qual o legislador nao pode interferir. Tais regulamentos reservados, no Brasil, tém previsdo, desde a EC no 32/2001, no art. 84, VI, a, CRFB. Faz parte da légica de um regime estruturado com divisio organica funcional de poderes que exigem escolhas que caibam, de forma particular, a cada um deles. Pode-se dizer que é um reflexo da separacio de Poderes a existéncia das chamadas reservas. Tal modelo, de atingir 0 nticleo essencial da separagao de Poderes, incipio, porquanto o Executivo era o tinico Poder que tonomia normativa para a sua propria organizacio. corcunto | 265 (ooxvi) O Supremo Tribunal Federal nunca foi claro para delinear 2 fronteira entre poder regulamentar e delegagées legislativas, A aversio ¢getal a0 vocébulo delegagao norteia, hd muito tempo, os acérdaos da Corte. Aceitam-se regulamentos, ainda que bem alargados, mas so afastadas delegagoes. O exame da jurisprudéncia recente do Supremo ‘Tribunal Federal, contudo, mostra que, na verdade, por vezes, trata-se de ‘uma simples questo de nomenclatura, pois inexiste distingao relevante entre o que seja delegacio e regulamentacao. (ooxvii) A jurisprudéncia do STF mostra, ainda, o quanto ¢ dificil extrair de uma norma constitucional que crie uma reserva especifica de lei, o nivel de densidade normativa que se pode exigit do legislador. E preciso que se aprofunde a andlise da questao para que se definam ctitérios. Acreditamos que tais caminhos envolvam a compreensao do ‘processo politico, Sem isto, impossivel que se construa uma teoria sincera sobre o exercicio de capacidades normativas pela Administracio Publica. (Goowviil) Com um olhar pragmatico, deve-se reconhecer que, se 08 valores que inspiraram a legalidade administrativa ea nogao de indelega- bilidade so onipresentes na formagao do Estado de Direito democratico constitucional, a aplicagao destes principios tem implicacbes distintas em face de diagnésticas diversos em contextos diferentes. Sem que se passe pelo ser, nao é possivel uma arquitetura factivel do dever ser. (Goxxix) Assim como o Direito Puiblico Brasileiro vem dialogando intensamente com a Filosofia, propugna-se 0 coléquio com a ciéncia politica descritiva brasileira. E urgente que o publicista faca propostas ara um Brasil de carne € 0850. (xl) Nesta linha de visdo, inspirada pela Escola das Escolhas 8 (public choice), os individuos agirao para incrementar suas préprias ulilidades ou vantagens. Isto é parte-se do paradigma de um homo economicus, segundo 0 qual os agentes piiblicos e politicos sio maximizadores racionais de seus proprios interesses, de acordo com 0s incentivos estabelecidos pelas regras do jogo. No caso do ambiente politico, trata-se de interesses orientados por uma necessidade basica: ‘manter-se no poder, de preferéncia incrementando-o. Para isto, numa democracia representativa, o politico precisaré de votos suficientes para ganhar uma eleico, o que demanda uma campanha que, por seu tumo, requereré recursos financeiros e apoio politico. Assim, 08 agentes puiblicos eleitos tenderdo a agir com este foco, como ocorre, por exemplo, com a possibilidade de utilizacio do orcamento para projetos politicos individuais e a obtengio de mais votos. (ali) A imagem pessimista da formagio da vontade legislativa nao significa que sempre seja assim. Ha e- espera-se —sempre existirio 266 | Siteeagbs esas cana ¢ADMSTRAGAD RCA politicos movidos por interesses justos e altruistas. Todavia, as insti- tuigdes ndo podem ser pensadas a partir deste otimismo pautado por argumentos da Filosofia abstrata. Carece-se de uma abordagem realista, econdizente com o comportamento humano, a qual, mais cética, busque apontam em sentido diferente. (xii) Além de descrer nas virtudes dos agentes piblicos, a Escola das Escolhas Pablicas também se desanima com a capacidade de formagio de um consenso majoritadrio nas Assembleias de legisladores. ‘Tais abordagens, tributérias do Paradoxo de Condorcet e do Teorema de Arrow, questionam se a vontade consolidada em estatutos seria efetivamente 0 desejo da maioria, O Teorema de Arrow prova que escolhas coletivas difcilmente representario a vontade da maioria,oque ‘raz perplexidades serissimas ao estudioso do Direito Administrative. A vontade geral do povo, a partir do Nobel de Economia Kenneth J. Arrow, nada mais é que o resultado da condugao da agenda de deliberagio. As escolhas piblicas sao resultado do direcionamento dos ciclos de votacao, ou, na melhor das hipéteses, do acaso. (xiii) O cenéirio esbogado pela Escola da Public Choice &0 de que os ‘mecanismos da democracia representativa possuiem problemas agudos. ‘Mas ser esta légica aplicével ao Brasil contemporineo? A resposta a estas indagacdes passa pela compreenso do nosso presidencialismo de coalizao. (xliv) A locugio presidencialismo de coalizao designa a realidade em que o desenvolvimento governamental depende do esforgo de centralizagao do processo politico na pessoa do Presidente da Republica. Aagenda do governo 36 é alcancavel por meio da construcao de aliangas no Congreso Nacional apés a eleicio do chefe do Poder Executivo. Ou por meio de coalizdes que sejam capazes de criar a base de sustentacio necesséria para a aprovacao de leis, medidas provis6rias e emendas constitucionais que fagam parte do proj vitoriosonas eleigdes, majoritérias para a Presidéncia da Republica. E isto suscit tende & fragmentagio. (xlv) E bastante complicado governar o Brasil. Sustentou-se até ‘mesmo que o sistema presidencialista brasileiro pés-1988 nao poderia funcionat. Todavia, tzés descobertas empiricas indicaram um cenério diferente: primeiro, viu-se que governos minoritérios no esto sempre associados ao fracasso da aprovacio da sua agenda no Parlamento; segundo, verificou-se que governos advindos de partidos com minoria legislativa coneusto. | 267 no necessariamente ensejam impasses institucionais; eterceio, consta- tou-se que a fragmentacao partidéria nao leva, em todo caso, a conflitos entre os Poderes. Na verdade, o avesso se mostrou verdadeiro, Com base em dados coneretos, constatou-se que a probabilidade de coalizio éaumentada em uma realidade fragmentaria com presidentes fortes. (xlvi) O presidencialismo de coalizao se mostrava vidvel. O Brasil, outrora visto como a beira de um precipicio institucional, tornou-se cobigado objeto de estudo dos cientistas politicos de varios paises, que ansiavam entender como seria possivel este sucesso surpreendente. ) A Constituicao de 1988, diferentemente da Carta de 1946, proveu a Presidéncia de Repiiblica de ferramentas institucionais que permitiram um bom nivel de governabilidade, ao mesmo tempo em que garantiu um robusto arranjo institucional de controle com

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