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politicamente poderoso, mas totalmente desestruturado, de que “algo precisa ser feito” em funcao das imagens televisivas de teri- vyeis atrocidades cometidas — no Curdistao, no Timor ou onde quer queseja—> cuja: forga étao grande que geraem. Tespostaagdes governamentais mais ou menos improvisadas. Mais recente- mente, as demonstragdes em Seattle e em Praga mostraram a efe- tividade que tém as ages diretas bem enfocadas, realizadas por pequenos grupos atentos as cameras, mesmo sobre organizagées construfdas para serem imunes aos processos politicos democré- ticos, como o Fundo Monetério Internacional eo Banco Mundial. Sehoje aparecem editoriais como “Lideres financeiros do mundo escutam adverténcias”*isso se deve, pelo menos em parte, aos foto- génicos combates havidos entre grupos violentos de manifestan- tes com balaclavas negras e policiais antidistiirbio armados com capacetese escudos, como nas batalhas medievais, que apareceram namaior parte das manchetes e destaques da imprensa. Tudo isso revela o que talvez seja o problema mais imediato e sério para a democracia liberal. Em um mundo transnacional e cada vez mais globalizado, os governos nacionais coexistem com forcas que tém pelo menos o mesmo impacto sobre a vida didria dos cidadaos e que esto, em diferentes graus, fora do seu controle. E,noentanto, eles nao tém a op¢io politica de abdicar ante as for- as que Ihe escapam ao controle, ainda que quisessem fazé-lo. Dedlaragoes de impoténcia a respeito das tendéncias historicas dos Presos do petréleo nado sao tema de politica porque, quando algo Ao sai bem, os cidadaos, inclusive executivos de empresas tm 2 comvicg, nao desttuida de fundamento, de que ogoverno Pode deve fazer algo a respeito, mesmo em paises como a Itélia, onde Praticamente nada se espera do Estado, ou os Estados Unidos, Onde grande parte do eleitorado nao acredita no Estado. final € Pata.essas coisas que o governo existe. ' Maso que é que o governo pode e deve fazer? Mais do queno 109) passado, le vive sob uma incessante pressio da opinizo pica é sensivel a ela — € por isso a monitora continuamente. Isso res. tringe suas escolhas. Nao obstante, 0s governos nao podem parar dle governar. Na verdade, seus peritos em relacdes puiblicas ins. tem em que eles tém de aparecer constantemente aos olhos do puiblico como entidades que esto governando, 0 que, como bem reflete a hist6ria britanica recente, significa uma multiplicacio de gestos, antincios e, por vezes, projetos de lei desnecessétios, Con- tudo, mesmo sem o imperativo das relagGes puiblicas e 20 contré- rio dos sonhos dos que desejariam ver um mundo inteiramente (e benignamente) governado pela “mao invisivel” de Adam Smith, as autoridades publicas de hoje veem-se constantemente as voltas coma tomada de decisoes a respeito de interesses comuns que sto ao mesmo tempo técnicos ¢ politicos. E, nesses casos, os votos democraticos (assim como as escolhas dos consumidores no mer- cado) nao oferecem nenhuma orientagao, No maximo, eles seréo um freio ou um acelerador. As conseqiiéncias ambientais do cres- cimento ilimitado dos meios de transporte eas melhores maneiras de tratar dessa questao nao se descobrem simplesmente fazendo uum plebiscito. Além disso, tais maneiras podem bem ser impopu- lares, E em uma democracia nao é bom dizer ao eleitorado 0 que ele nao quer ouvir. Como se podem organizar racionalmente as finangas do Estado, se os governos esto convencidos de que qual- quer proposta de aumento da carga tributdria em qualquer parte significa um suicidio eleitoral? Ou se as campanhas eleitorais se tornam, por isso mesmo, concursos de perjtirios fiscais € Se 0S orsamentos governamentais so exercicios de encobrimento? Em sintese, a “vontade do povo”, ainda que expressa, nao pode dete minar as tarefas efetivas e especificas do governo. Tal como obser~ vado pelos pouco lembrados te6ricos da democracia SydneY ® Beatrice Webb,apropésito dos indicatos,cla,a“vontadedo pov” ‘do julga os projetos, e sim o resultado deles. B as conseqienciss no so imensuravelmente superiores quando ela se expressacontra,e aoa favor. E,quando alcanga vit6rias negativas maitisculas,como o fim decinglientaanos de governos corruptosna téliaeno Japao, ndo é capaz de discernir por si mesma umaalternativa. Vejamos a conseguird fazé-lo na Sérvia. No entanto, 0 governo ¢ para o povo. Seus efeitos devem ser julgados em fungio do que ele faz para o povo. Ainda que desinfor- mada, ignorante ou mesmo estipida, a “vontade do povo”é indis- pensavel, por mais que sejam inadequados os métodos para revelé-la. De que outro modo poderiamos avaliar a maneira pela qual as solugGes técnico-politicas para os problemas da humani- dade, mesmo aquelas que sao tecnicamente corretas e satisfatérias deoutros pontos de vista, afetam a vida de seres humanos reais? Os sistemas soviéticos fracassaram porque nao havia transito de mao duplaentre os que tomavam as decis6es “no interesse ‘do povo” eos queas recebiam como imposicao. A globalizacao de estilo laissez- {fairedos.iltimos vinte anos cometeu o mesmo erro. Ela foi obra de governos que sistematicamente removeram todos os obstaculos que se Ihe antepunham, seguindo os conselhos dos economistas mais influentes, autorizados e tecnicamente competentes. Depois de vinte anos sem prestar atengao nas conseqiténcias sociais ¢ humanas de um capitalismo global incontido, o presidente do Banco Mundial chegou & conclusao de que, para a maior parte da populaczo mundial, a palavra “globalizacao” sugere “medo e inse- guranca” em vez de “oportunidade e inclusio™? Até Alan Greens: Paneosecretirio do Tesouro dos Estados Unidos, Larry Summers, concordam em que“a antipatia 4 globalizacao € tao. profunda” que recuo das politicas de mercado eo retorno.ao protecionismo"s40 Possibilidades reais” __Exnoentanto, é inegavel que na democracia liberal dar aten- S40 vontade do povo torna mais dificil ato de govern Assolu- Ses ideais praticamente jé ndo estdo a disposico dos governos- m sao aquelas nas quais 08 médicos € 0s pilotes de avido confiavay no passado eainda tentam confiar hoje, em um mundo cada yey mais desconfiado. Elas tinham por base a convicgao popular de que nés¢ eles compartilhamos os mesmos interesses. Nao dizi mos a eles como servir-nos, pois como nao somos peritos nag poderiamos fazé-lo, mas, até que algo de errado acontecesse, nbs Ihes dévamos nossa confianga. Poucos governos — o que nao se aplica aos regimes politicos — gozam hoje dessa fundamental confianga antecipada, Nas democracias liberais, isto é, multiparti- dérias, eles raramente contam com a maioria real dos votos, para nao dizer do eleitorado. (No Reino Unido, desde 1931 nenhum pirtido obteve mais de50% dos votos;e, desde a coalizdo do tempo da guerra, nenhum governo representou uma maioria clara.) As velhas escolas ¢ os velhos dinamos da democracia, os partidos e organizages de massas, que no passado proporcionaram aos “seus” governos essa confianga aprioristica eapoio constante,esfa- celaram-se. Naimprensa, onipresente e todo-poderosa, co-pilotos sem volante nas maos proclamam uma competéncia rival 4 do governo e comentam ininterruptamente seu desempenho. ‘Nessas circunstancias, para os governos democraticosa solu- 0 mais conveniente, ¢ em muitos casos a tinica, é manter a tomada das decisdes o mais afastada possivel do alcance da publi- cidade e da propria politica, ou pelo menos contornar o processo da governanca representativa, o que significa, em tiltima anélise,0 eleitorado eas atividades das assembléias e outras agéncias eleitas por ele. (Os Estados Unidos — reconhecidamente um caso eX tremo — s6 conseguem funcionar como um Estado governado com coeréncia porque os presidentes por vezes encontram manci- tas de contornar os rituais do Congresso democraticamente cleito.) Mesmo na Gra-Bretanha, a notavel centralizagao de um Poder decisério que jé era forte veio. acompanhada da diminuigao das atribuicdes da Camara dos Comuns e de uma transferéncia m ciga de fungdes para instituicdes nao-eleitas, pu : s ‘ ante os trabalhistas. Boa parte das decisoes politicas € negociada nos bas- tidores. Is0 aumentaré a desconfianga dos cidadaos com relagdo gosgovernose omau conceito que les tém dos politicos, Os gover- nos se empenharao em uma guerra de guerrilha permanente con- tra coalizgo formada entre a imprensa e os interesses de campa- nha, minoritarios e bem organizados. A imprensa verd cada vez mais como sua fungio a publicagao daquilo que os governos pre- feririam manter em siléncio, ao mesmo tempo em que depende dos propagandistas das instituigoes que ela deve criticar para preencher suas telas e paginas. Af est a ironia de uma sociedade paseada em um fluxo ilimitado de informagies e lazer. Qual é, entao, o futuro da democracia liberal nesta situagao? No papel, ele nao parece muito desanimador. Exceto a teocracia jslamica, jd ndo ha movimentos politicos poderosos que desafiem, em princfpio, essa forma de governo e nada indica que isso venha aocorrer no futuro imediato. A segunda metade do século xx foia idade do ouro das ditaduras militares, que constitufram, para os regimes eleitorais do Ocidente e das ex-coldnias, uma ameaga muito mais forte do que o comunismo.O século xxI nao parece tf0 favordvela elas —nenhum dos numerosos Estados ex-comunistas escolheu esse caminho — e, de qualquer maneira, praticamente todos esses regimes carecem da coragem das convicgdes antide- moctiticas ¢ se proclamam simplesmente defensores da Consti- tuicdo atéa data (ndo especificada) do retorno ao regime civil. Isso nao quer dizer que estejamos testemunhando 0 fim dos governos instalados por soldados e tanques nas esquinas das cidades, tudo nas muitas regides em que prevalecem a pobreza ¢@ inqui tasdo social, Enfim, quaisquer que fossem as expectativas antes dos terre- ‘Motos econdmicos de 1997-98, jd esta claro, agora, que a utopia de sobre- 13 mercado de tipo laissez-faire, global ¢ andrquico no aconte. um fe ‘ lagdo mundial, e com certeza os que cera. A maior parte da popul

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