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D; 098. Fa Pao : Duds dotees, Quuoleo , Aurow?o- Vabios Exceinos.3.eD, Te S62 ty cso exsnni aRDs 223 Say cowie Be ow MEG piace s se.984) © assunto que me foi confiado nesta série € ape- rentemente meio desligado dos problemas reais: “Ditel- {os humanos¢ literatura”. As maneiras de abordé-o sio muitas, mas no posso comegar a falar sobre o tema es- pectfico sem fazer algumas reflexdes prévias a respeito ‘dos préprios direitos humanos. E impressionante como em 1ost0 tempo somos con- teadiGrion neste capita. Comezo obscrvand que er ‘comparagéo a eras passadas chepamos a um méximo de ‘acionalidade tecnica e de dominio sob &natreza sso peniteimaginar a possiblidade de resolver grande néme- rode problemas matriais do homem, quem sabe inclusive © da alimentaeao. No eniato, a iracionalidade 60 com / Portamento ¢ também méxima, servia feequentemente pelos mesmos meios que deveriam eliza os dsignios da ‘acionalidade, Assim, com a eneriaatOmica podemos a0 ‘mesmo tempo gerarforga eriadorae destuir a vida pela guerra; com oinerivelprogresoindustalaumentamos O / ‘Confort até alcangarnives nunca sonhados, mas exclu” mos dele as grandes massas que condenamos&miséria; em ‘eros pases, como Bra, quomo mais cresce asiquers, mais aumenta a péssma disuibuig dos bens, Poranto, podemos dizer que os mesmos meios que pexmitem 0 Progreso pode provocar a deraasio da mar 4p?" bara, embora se trate de uma barbs (Ora, na Grécia antiga, por exemplo, teria sido im- possivel pensar numa distibuigio equitativa dos bens ‘materials, porque a técnica ainda ado permitia superar ts formas brutais de explocagio do homer, nem criar fbundancia para todos. Mas em nosso tempo € posstvel tanto pensamos relaivamente pou- ibilidade nega uma das linhas mais pro- istéria do homem ocidental, aquela que smissoras da se nutriu das idéias amadurecidas no correr dos sécu- los XVIII © XIX, gerando 0 liberalismo e tendo no so- cialismo a sua manifestagio mais coerente. Ela abriram perspectivas gue pareciam leva A solugto dos problemas ‘raméticos da vida em sociedade. E de fato, durante ‘muito tempo acreditou-se que, removidos uns tantos obs- ‘téculos, como a ignorincia e os sistemas despoticos de ‘govern, as conquistas do progresso seriam canalizadas fo rumo imaginado pelos utopistas, porque a insirugso, ‘saber ea téenica levaram necessoriamente a felicidade coletiva, No entanto, mesmo onde estes obstéculos fo- ‘Todos sabemos que a nossa época é profundamente ligada a0 mé- imo de civlizagdo. Penso que © movimento pelos di _ felos humanos se entronca af, pois somos a primeira era ¥* da historia em que teoricamente¢ possivel entrever uma solo ara as grandes desamonias que geam a injs- "tiga contra a qual Tutam os homens de boa vontade, 8 (buses, nfo mais do estado ideal sonhado pelos wiopisias ‘acionais que nos antecederam, mas do méximo vidvel {de igualdade e justiga, em corrlagio a cada momento 9 da historia, Mas esta verificagio desalentadora deve ser com- \) pensada por oura, mais otimista: nds saberos que hoje 236 ‘08 meios materisis necessérios para nos aproximarmos esse-estigio-methor-erister-€ que muito do que era Se as possi bilidades existem, a Tuta ganha maior cabimento e se forma mais esperangosa, apesar de tudo 0 que 0 nosso tempo apresenta de negative. Quem aeredita nas direitos Ihumanos procura transformar a possbilidade teérica em, realidade, empenhando-se em fazer coincide uma com utra. Inversamente, um trago sistto do nosso tempo & saber que € possvel a solugao d: tantos problemas © no fentanto ndo se empenhar nele. Mas de qualquer modo, no meio da situago atroz em que vivemos hd perspec tivas animadoras, F verdade que a barbétie continua até crescendo, mas nio se v8 mais 0 seu elogio. como se todos soubes- ‘sem que ela ¢ algo a ser ocultade e no proclamado. Sob este aspecto, os tribunais de Nuremberg foram umn sinal dos tempos novos, mostrando que jé nlo € admissivel a ‘um general vitorioso manda fazer inscrigbes dizendo ‘que construiu uma pirdmide com as cabegas dos inimigos ‘mortos, ou que mandou cobras muralhas de Ninive ‘com as suas peles escorchadas. Pazem-se coisas pareci= das © até piores, mas elas nfo constituem motivo de ce- lebragio, Para emitic uma nota postiva no undo do hor- tor, acho que iso & um sina favordvel, pois seo mal & praticado, mas no proclamado, uer dizer que @ homem ‘fo o acha mais 120 natural [No mesmo sentido eu interpretariacertas mudangas ‘no comportamento quotidiano e'na fraseologia das clas ses dominantes. Hoje nio se firma com a mesma tran- ‘hitidade do meu tempo de merino que haver pobres & a vontade de Deus, que eles nto t8m as mesmas neces- ides dos abastados, que os empregados domésticos ‘mo precisam descansar, que s6 more de fome quem for a vadio — ¢ coisas assim. Existe em relaeio 20 pobre ‘uw nova atitude, que vai do sentimento de culpa até 0 medo, Nas caricaturas dos jornals e das revista 0 esfar- ‘apado e © negro nao s8o mizis tema predileto das piadas, ‘porque a sociedade sentiu que eles podem ser um fator {de rompimento do estado de coisas, e 0 temor € um dos ‘eaminhos para a compreensto, Sintoma complementar eu vejo ng mudanga do dis- curso dos politicos e empresérios quando aludem a sua posigio ideolégica ou aos problemas socisis, Todas eles, comegar pelo Presidente da Republica, fazem afirma g8es que. até pouco seriam consideradas subversivas € hoje fazem parte do palavzeado bem-pensant. Por exem- plo, que nfo € mais possiveltolerar as grandes diferengas econdmicas, sendo necessirio promover uma distribuigdo cquitaiva. E claro que ninguém se empenha para que de fato isto aconteea, mas tas-aitudes-e pronunciamentos pparecem mostrar que agora a imagem da injustiga social constrange, e que a inseasibilidade em face da miséria deve ser pelo menos disfargada, porque pode comprome- tera imagem dos dirigentes. Esta hipocrisiageneralizad tmibuto que a iniquidade paga a justiga, € um modo de ‘mostra que © softimento jf nfo deixa Wo indiferente a rméiia da opinido, ‘Do mesmo modo, os poicas e empresérios de hoje ‘no se declaram conservadores, como antes, quando a lexpressio ‘lasses conservadoras” eta ui galardS0, To- dos sto invariavelmente de “ventro”, e até de “centro- exquerda”, inclusive 0s francamente reacionéros. E nem poderiam dizer outa coisa, num tempo em que a televi- so mostra a cada instante, em imagens cujo intuito € ‘mero sensacionalismo, mas cujo efeito pode ser poderoso para despertar as conscigncas, criangas nordestnas ra 28 @ 4uiticas, populagdes inteiras ser casa, posseicos massa- ‘rados, desempregados morand na rua De um Angulo omit, udo isso podria se ees ‘ado Como manfestapdD ins ds conclncn cae ee tis genealizada de que desiuadade€insupoel € pode ser semindaconsderavelmete o ego aul doe recursos tcncon« do orguleagho, Nese sete, Tales se poss falar de um progress no sentiment do Proxine, mexmo sem a dipossao caresondents de farm conn Ea ena orem ds se tam para que 50 aconteya, ou sla ena 9 problem dos direitos humanos. - Les a Por qué? Porque penser em direitos humanos tem ‘um pressuposto: reconhecer que aqui que consideramtos indispensével para nds é também indispensavel para 0 fréximo. Esta me parece a essénsia do problema, inclu. sive no plano estritamente individual, pois € necessirio lum grande esforgo de educagio e auto-educagio a fim de ceconhecermos sinceramente este postlado. Na ver. ‘dade, a tendéncia mais funda é tchar que os nossos di- reitos sdo mais urgentes que os do proximo. Ness poto as pstss so egietemente vias de uma carton babs. Ela sf gue v pr totem det, sem dvs sets bens fundamentals ome cas, emia ina se car gi bem formad admie hoje em dia que sam pl ‘igo de minors, como sno Bras, Mas ar oc Dentam que-o se semethante pobre tia diet a Tet Dostoievski on ouvios quart de Becthoven? Apes as boas inengSes no outro sty lve it no hes 29 (pave ted atin © tos oe passe pel E nfo por mal, mas somente porque ‘quando arrolam 0s seus direitos nfo estendem todos eles 10 semethante. Ors, o esforgo para incluir 0 semelhante rno mesmo elenco de bens que reivindicamos est na base da reflexdo sobre os direitos humans. A ee respeio ¢ fundamental o ponte de vista de lum grande soeiélogo francés, o\dominicano| Padre Louis- Joseph Lebret, findador do movimento Economia e Hu- ‘manisto, com quem tive a sorte de conviver e que atuou ‘ito no Brasil entre os anos de 1940 e 1960, Penso na sua distingdo entre “bens compressiveis” e “bens compressiveis", que estf ligada a meu ver com 0 py blema dos direitos humanos, pois a maneira de conceber a estes depende daquilo que classifieamos como bens acopestvei ro ot que nfo podem se ngados a ninguém, Certos bens sf0 abviamente incompressiveis, como © alimento, a casa, a roupa. Outros sto compresiveis, ‘como os cosméticos, os enfeites, as roupas exira. Mas & fronteira entre ambos € muitas vezes dificil de fhxar, ‘mesmo quando pensamos nos que sio considerados ispenséveis. O primeiro ltro de arroz de uma saca é ‘menos importante do que o dltimo, e sabemos que com base em coisas como esta se elaborou em Econ Iikiea a teoria da “utilidade marginal”, segund valor de uma coisa depende em grande parte da neces- sidade refativa que temos dela. O fato & que cada época ‘cada cultura fixam os critérios de incompressbilidade, ‘que esto ligados a divisdo da sociedade em clases, pois Inclusive a edueagio pode ser instrumento para conven cer as pessoas de que o que & indispenstvel para uma ‘camada social nfo 0 & para outr. Na classe média bra- sileira, os da minha idade ainda lembram © tempo em {gue se dizia que os empregados nto tinham necessidade 20 Se Susp eet oe sec a os ma Sp {See See oe ee ere ear es elie eerie a aera ieaenones Sees pees aaa Se es eee getecientin mo eae eee eee eee Sees eee pe eee Por isso, a Iuta pelos direitcs humanos pressupse @ consideraglo de tais problemas, ¢ chegando mais perto 4o tema eu Iembraria que so bens incompressiveis nfo apenas o§ que asseguram sobrevivencia fisiea em niveis ecentes, mas os que garantem a integridade espriual ‘Sto incompressiveis certamente 1 alimentagio, a mora- Gia, o vestuéro, a instrugdo, a sade, a libetdade in ual, © amparo da justiga piblica, a resistencia & opres- slo ete; e também o dizeto 8 crenca, 2 opinifo, aa lazer por que ndo, 8 arte © 8 literatera Mas a fruigfo da arte e da lteratura estaria mesmo nesta categoria? Como nouiros casos, a resposta 86 pode ser dada se pudermos responder a uma questio prev isto é, elas s6 podero ser consideradas bens incompres- seis segundo uma organizagio justa da sociedade se corresponderem a necessidades profundas do ser hum: ro, a necessidades que nio podem deixar de ser satis feltas sob pena de desorzanizaczo pessoal, ov pelo me os de frustragdo mutiladora. A nossa questio bisia, Portanto, € saber sea literatura € uma necessidade deste tipo. $6 entdo estaremos em condigbes de concluir a respeito. 21 3 ‘Chamarei de literatura, da maneira mais ampla.pos- sivel, todas as criagBes de toque pottic, ficcional ou

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