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“Cag 1990 Jost Mu de Cavallo cpa Sere Caco set Putri, de Re Ure (pier cp) ‘el Apacs de Dek Vile (gtr ap) ropa sar ila evite ine Mar ©. arose Maria ug iis In pa a ep ers ERIS te cm a “Tonos cs deta ego resets 3 Ya Ves Pain, 702 oh 32 (01532042 — Sto Palo— sb srmcrmpnilsrascom be aie eis Agradecimentos Introdugdo . ‘Utopias republicanas . As proclamagdes da Repiblica iNDICE Tiradentes: um heroi para a Republics Republic mulher: entre Maris e Marianne . chino: 0 peso da tradigao Bandei (0s positivstas ¢ a manipulagio do imay Conclusae Notas. Fontes... Indice das ilustragies tio. 219 oer 143 195 + 165 acervos: Igreja Positivista do Brasil, Museu Nacional de Belas Artes, Mu: seu da Republica, Museu Histérico Nacional, Museu da Cidade do Rio de Janeiro. 0s capitulos 4 e 5, e parte do 6, foram escritos na Universidade da California, em Irvine, onde estive como professor visitante do Departa ‘mento de Historia. Sou grato a Steven Topik, professor desse departamento, pelo convite inicial © pela huspitalidade e atengo com que me distingui INTRODUGAO Ensue anterior sobre implant de Replica moscow sla ratcnacio popular e sm preclnmartot a deca dos eros de pote acto nos anos ue se sepium’ Mas penmancceram como agus indogetds. Tera novo regime console apenas com bese na een dh araiooligrqico? Nip teria havo, como sconce qase sempre, tentative de egitimaroqueojsifeasen, se do peranteatulide da populaio, plo menos dante de stores pltcamente mobivaos? Em Ces post, aul teria sido exec, quus a armas wizadaseGul vende? ‘Oinsrumeno clastic de egtimago de regimes politicos no mundo moderno nsturalment, a ideologa juste racional de orgeizaio do pode. Havia no Bra plo meno ts corente que dsptavam defy sig da natarena do ovo Fgine:o liberal americana, coins ‘races o postive. As ds corentes ombteram sc intnsumente nos anos ics d Rep, at avira Sa primeie dels por vole Gevenda do stele Eiborafundamentlmente de natures discursive, a jusicaivas ideologies posuam também elementos que extravasivam © meramene discursive, 0 ceniicamente detonstivl Spunham modelos de rep bla, moselos de organinagao da seiesde ue trian embutios apc. te pies e vstonéris. No cto do jacshirsmo, por eremplo, hava ieaizagio de democraci lisse, a opin ca democaca det, do 80 ‘etn pr interme partipate dita de ods os cidalos, No cso th iberaime, tpi ere outa en de una soca compost por indus sutbnomos, culos interes era compatbiiados pela mao imisivel do mercado. Ness verso, cabia a0 govern interfer © menos vesivel avd dos iados.O pois possla ingredients wtpies Sinda mois saints. A replica ere al vie dento de ume perspective ims ampla qe postlava sa icra ade de our em que o ses fu am plenamente no si de una humane mea. 9 Como discurso, as ideologias republicanas permaneciam eaclausu- radas no fechado circulo das elites educadas. Mas seja pelo proprio con- teudo do discurso, seja pelos elementos utdpicos, elas acabavam por postu- Tara seida do fechado e restrito mundo das elites, acabavam por defender, ‘cada uma a sua maneira, o envolvimento popular na vida politica. Bste era ‘Certamente 0 c230 dos jacobines, cuja inspiragto direta era a Revolugto Francesa. A época da proclamacto da Repiblica, essa revolugio erao exem ‘plo mais poderoso de explosio popular na arena publica. Era também, de ‘certo modo, 0 caso dos positivistas ortodoxos. Embora em principio con: trigjps a movimentos revolucionarios, tinham a Revolugdo de 1789 como ‘mateo na histria da huimanidade e sua visto da Sociedade ideal era comuni {ria e incorporadora, Em menor escala, o modelo liberal poderia também incluirexigincias de ampliagd0 da partcipacdo. Por permitirem, ou mesmo item, tél transbordamento, as ideologias sto aqui discutidas (capt talo 1). extravasamento das visdes de replblica para 0 mundo extra-elite, ‘ou as tentativas de operar tal extravasamento, & que me interessarfo dire tamente. Ele nfo podetia ser feito por meio do discurso, inacessivel a um piiblico com baixo nivel de educacio formal. Ele teria de ser feito mediante Sinais mais aniversas, de leitura mais facil, como as imagens, as alegorias, ‘0s simbolos, os mitos. De fato, um exame preliminar da agio dos jacobinos « postivistes jd me tinha revelado o emprego de tais instrumentos, frequen- temente sob inspiracdo francesa, As deserigBes da época trazem releréncias ‘0 costume dos republicans brasileiros de cantarem a Marselhess, de re- presentarem a Repiblica com o barrete (rigi; informam também sobre, Tuta dos postivistas pela nova bandeira e sobre a disputa em torno da deli- nig do pantedo civico do novo regime, ‘Aprolundando a investigacdo, verilique’ que, embora em escala me- nor do que no caso frances, também houve entre nds batalha de simbolos ¢ legorias, pure integrante das batalhas ideolbgica © politica. Tratava:se de ‘uma batalha em torno da imagem do novo regime, cuja finalidade era atin- sir imagindrio popular para recrid-lo dentro dos valores republicanos. A. batatha pelo imaginario popular republicano seréo tema central deste liv. ‘A claboracio de um imagindrio & parte integrante da legitimagto de qual- ‘quer regime politico, E por meio de imaginario que se podem atingir nfo 36 acabeca ms, de modo especial, © coraglo, isto é, as aspiragBes, os medos as esperangas de um povo. E nele que as sociedades definem suas identi tlades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente ‘¢ futuro.? O imaginario social € constituido e se expressa por ideologias & ‘utopias, sem divida, mas também — ¢ € 0 que aqui me interesta — por simbolos,alegoris, rituais, mitos. Simbolos e mitos podem, por seu cariter sdifuso, por sua letura menos codificads, tornar-se elementos poderosos de projegdo de interesses, aspiragdes e meds coletivas. Na medida em que To tenham éxito em atingir © imagindri, podem também plasmar visdes de mundo e modear condutas.> A manipulacdo do imaginsro social &particularmenteimportan'e em momentos de mudanga politica e social, em momentos de redefnigio de identidades coletiva. NZo foi por acaso que a Revolucio Francesa, em Suas ‘ria fases, tornou-se um exemplo elssico de tentativa de manipular 0s Sentimentos coletivos no esforgo de criar um novo sistema politico, uma nova sociedade, um homem novo. Mirabeau disse-o com claeza: no basta mostrar a verdade, € necessirio fazer com que 0 povo a ame, é necessiio apoderar se da imaginagio do povo.* Para a Revolucio, educacto publica Signlicaveacima de tudo isto: formar as almas, Em 1792, a seco de propar anda do Ministerio do Interior tinha exatamente este nome: Bureau de Esprit ‘A atuagio de David, como pintor, revoluciondrio e tebrico da ste, 0 melhor exemplo do esforgo de educacio civiea mediante 0 uso de sim- bolas ertuais. A época da Revolugdo, o pintor jd se tornara um dos prin cipais representantes do classicismo, especialmente por sua tcla O jura- ‘mento dos Hordcios. Para ele, no entanto, clasicismo nio era apenss um ‘sto, uma linguagem artistic. Era também uma visto do mundo clissico ‘como'um conjunto de valores sociaise politicos. Era a simplicdade, a no- bret, 0 espitit cvieo, das antiga replicas; er aaustridade spartans, a dedicagao até o sacrificio dos herbis romanos. O artista devia usar sua arte para ditundi ais valores.$ Em 1792, 0 pintor fora eleito membro da Convenga6 e participava da Comissto de Educaclo Piblica e de Belas-Artes. Envolveu-se profunt mente no estorgo de redefinir a politica cultural, reformar os saldes artis- tices, produzie simbolos para o novo regime. Foi ele quem desenhou a ban- kira tricolor e organizou o grande ritual da Festa do Ser Supremo em 1794, Presidiu ao comité escolhido pela Convencio para indicar 0 juri que iria amar na exposicio de 1792. Nessa condiclo, apresentou 4 Convencio wm relatério (se ndo redigido, certamente influenciado por ele) em que se estar beleciam as novas detrizes para os artistas e as novas idéias sobre a natu- ‘reza eo papel da arte, O relatorio dizia: “As artes slo imitagdo da natureza ‘nos aspectos mais belas e mais perfeitos; um sentimento natural no homem ‘oatrai para o mesmo objetivo”. Continuava afirmando que as artes deviam inspirar-se em idéias grandiosase iteis. Seu fim ndo ere apenas encanter 0s ‘lhos mas, sobretudo, contribuir poderosamente para a educacio publica fenetrando nas almas. Isso porque “'os tragos de heroismo, de virtudes ci vicas, elerecidos aos olhos do povo, eletrificam suas almas ¢ fazem surgit as Faindce da gloria, da devogdo A felicidade de eeu paix" O pintor da Revo- lugdo foi talvez © primeiro a perceber a importincia do uso dos simbolos ‘a construgZo de um novo conjunto de valores sociais e politico. i 'A vasta produgdo simbélica da Revolugio & por demais conhecida. la passa pela bandeira tricolor e pela Marselhesa, to carregadas de emo- Go; pelo barrete frigio, simbolo da liberdade; pela imagem feminina e pela rvore da liberdade; pelo tratamento por cidado, de enorme forca igual tila; pelo calendatio revolucionéeio iniciado em 1792, esforgo de marcar 0 inicio de uma nova era; pelas grandes festas civicas como as da Federaga0 ‘em 1790 e do Ser Supremo em 1794, grandes ocasides de comunhio civi Poder-se-iam acrescentar ainda varios simbolose alegorias menores, come a balanga, o nivel, o feixe,o leme, a lanca, o galo gaulés, o leo ete. Com rmajgr 0 menor accitacto, esses simbolos foram exaustivamente utilizados, ro tendo sido menos hostlizados pelos inimigos da Revolugio. Uma ver dadeiea batalha de simbolos, em busca da conquista do imaginaio social, ‘ravau-se ao longo de quase um século de historia, ao sabor das ondas revo. lucionrias de 1789, 1830, 1848 e 1871 e das reagBes monirquicas ¢ con: servadoras, Os republicanos brasileiros que se voltavam para a Franca como seu _modelo tinham & disposicto, portanto, um rico material em que se inspirar. (0 uso dessa simbologia revolucioniria era facilitado pela falta de competi- 6 por parte da corrente liberal, cujo modelo eram os Estados Unidos. Esta ‘do contava com a mesma riqueza simbélica a sua disposigio. Por razBes. que nfo cabe aqui discutir, talver pela menor necessidade de conquistar © coragio e a cabeca de uma populacto j convertida aos novos valores. a revolugio americana foi muito menos prolifica do que a francesa na produ- 40 de simbolos revolucionarios. Além disso, nfo interessava muito & cor- rente “americana” promover uma repdblica popular, expandir além da ‘minimo necessirio a participagio politica. Limitava-se 4 batalha da ideolo- gi; quando muito, insistia em sua versio do mito de origem do nove re- ‘gime e nas figuras que o representavam: uma briga pelos founding fathers. Desse mode, o campo feova quse livre part a atugdo dis correntes Entre os propagandistas, o entusiasmo pela Franga era inegavel. A proximidade do centenério da revolucto de 1789 s6 fazia aumenté-lo. Silva Jardim pregava abertamente a derrubada do Antigo Regime no Brasil, fa- Zzendo-a coincidir com o centenirio, Nao se esquecia de incluir o furila- mento do conde D'Eu, 0 francés, a quem destinava o papel do infortunado Luis XVI, numa réplica tropical do drama de 1792. O entusiasmo no podia ser melhor expresso do que nas palaveas de um oficial da Marinha, recor- dando em 1912 os tempos da propaganda: "Todas as nossas aspiraces, todas as preocupagdes dos republicanos da propaganda, eram de fato copia das das traig@es francesas. Falvamos na Franca bem-amada, na influeacia da cultura francesa, nas menores coisas das nossas lutas politicas relem- boravamos a Franga. A Marselhesa era nosso hino de guerra, e sabiamos de cor os episédios da grande revolugto. Ao nosso brado “Viva a Republica!” 12 | sseguia-se quase sempre o de ‘Viva a Franca!’. (..] A Franga era a nossa ‘guiadora, dela falavamos sempre e sob qualquer pretexto"”.? ‘Nilo s6 a Marselheca era tomada de empréstimo. A alegoria feminina ‘da Replica j era utilizads mesmo antes da proclamagio; o barrete {rigio “aparecia invariavelmente, isolado ou cobrindo a cabeca da figura feminina; ‘ tratamen‘o por cidado foi adotado — cidadio presidente, cidadio minis: tro, cidadio general —, substituindo o solene, imperial e catdlico **Deus _guarde Vossa Exceléncia™” da correspondéncia oficial; foi introduzido 0 “Saude e Fraternidade"” * Nesse esforco, salientavam-se jacobinos e positi- vistas, os ultimos com a especificidade que os marcava e que tinha a ver com a visio histérica, fileslica e religiosa de Auguste Comte, com sa concepcio da estratégia politica a ser adotada no Brasil para promover 2s transforma;ées sociais. Ambos os grupos se mostraram conscientes da importincit do uso dos simbolos e dos mitos na batalha pela vitéria de sua versio da espablica, ‘A tarela que me proponho agora ¢ discutir mais a fundo o conteddo de alguns dos principais simbolos utilizados pelos republicanos brasileiros c, na medida do possivel, aval sua aceitagdo ou ndo pelo piblico a que se destinava, isto ¢, sua cficicia em promover a legitimogdo do novo regime. ‘A discussio dos simbolos e de seu contedido poderi fornecer elementos preciosos fara entender a visto de repiblica que thes estava por trds, ou ‘mesmo a vsio de sociedade, de hist6ria ¢ do proprio ser humano. Ela pode ser particularmente importante para revelar as divergéncias e os confitos centre as distintas concepedes de repiblica entdo presentes, A aceitagio ou ‘ejeigdo des simbolos propastos poders revelar as raizes republicanas pre- texistentes no imaginério popular e a capacidade dos manipuladores de sim- bolos de edfazer esse imaginario de acordo com 0s novos valores. Um sim- bolo estabelece uma relacdo de significado entee dois objetos, duas ideias, ‘ou entre abjetoseidéias, ou entre duas imagens. Embora 0 estabelecimento dessa relaclo possa partir de um ato de vontade, sua accitagio, sua eficécia politica, vai depender da existéncia daguilo que Baczko chamou de comuni dade de ieraginacHo, ou comunidade de sentido.’ Inexistindo esse terreno ‘comm, ue terd suas raizes seja no imagindrio preexistente, seja em aspi- races coletivas em busca de um novo imaginério, a relagdo de significado io se estabelece €0 simbalo cai no vazio, se nfo no ridiculo. Entre 0: virios simbolos, alegorias e mitos utilizados, foram selecio- nados alguns que pareceram mais evidentes € mais capazes de jogar Ine sobre o ferdmeno da Republica e de sua implantaglo. Cada um seri objeto dde um capitulo & parte. O capitulo 2 discutiré 0 mito de origem da Rept bliea. A criagio de um mito de origem é fendmeno universal que se veritics ino sh em cegimes politicos mas também em nages. povos. tribos.cidades. ‘Com frequéncia dislarcado de historiografia, ou talvez indissoluvelmente rela entedado, 0 mito de origem procura estabelecer uma versio dos fatos, B ‘al ou imaginada, que dard sentido e legitimidade & situagJ0 vencedora No caso da eriagto de novos regimes, 0 mito estabelecerd a verdade da solugdo vencedora contra as forgas do passado ou da eposicto, Se nio sto abertamente distorcides, os fatos adquitirio, na versdo mitificada, dimen- Bes apropriadas 8 transmissdo da idéia de desejabilidade ede superioridade da nova situacio. A mesma distorgZo solrerdo as personagens envolvidas, Isso nos leva a0 capitulo 3, que trata do mito do hersi, também de tradigio na histéria. Todo regime politico busea eriar seu panteio Civico e salientar figuras que sirvam de imagem e modelo para os membros

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