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O que nos diz o cenário político

brasileiro?
1 DE ABRIL DE 2020
CAMPUS E COMUNIDADE

Imagem Pixabay
Em meio à pandemia da Covid-19, centenas de milhões de
pessoas em todo o mundo e as economias de mais de 190
países tentam adaptar-se à realidade atual e frear as ameaças
de recessão. As orientações da Organização Mundial da Saúde
(OMS) sobre o assunto são objetivas: para conter o avanço da
doença é preciso promover o isolamento social e reforçar os
hábitos de higiene.
No Brasil, a propagação do novo coronavírus ampliou
também o acirramento político entre a União, os Estados e os
municípios; e a situação e a oposição; especialmente após
controversos pronunciamentos realizados pela Presidência da
República. E o que nos diz a atual conjuntura brasileira? 
O Portal da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
convidou três pesquisadores da instituição para análise do
contexto político nacional: Marina Barbosa Pinto, Fernando
Perlatto e Raul Magalhães.
Marina Barbosa Pinto é doutora em História pela
Universidade Federal Fluminense (UFF), presidente da
Associação de Professores de Ensino Superior de Juiz de Fora
(Apes) e professora aposentada da Faculdade de Serviço
Social.  
Fernando Perlatto é doutor em Sociologia pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e professor do
Departamento de História.
Raul Magalhães é doutor em Ciência Política pelo Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e
professor titular do Departamento de Ciências Sociais. 
Confira abaixo as entrevistas na íntegra:
Portal da UFJF – Neste cenário de excepcionalidade em
virtude da pandemia do novo coronavírus, autoridades
epidemiológicas de todo o mundo orientam, como medidas
preventivas para conter o avanço da Covid-19, o reforço dos
hábitos de higiene e o isolamento social. Na contramão das
orientações, inclusive da Organização Mundial da Saúde
(OMS), o presidente da República Jair Bolsonaro (sem
partido) tem realizado passeios públicos; defendido o retorno
ao trabalho dos brasileiros em distanciamento social; além do
uso de medicamentos cuja eficácia para o tratamento da
doença ainda não foi comprovada cientificamente. Comente,
por favor.
Marina Barbosa Pinto – O Presidente Jair Bolsonaro tem
agido de forma coerente com a sua política e comportamento,
desde quando passou anos como deputado federal e, agora, na
Presidência da República. Seria surpreendente se a postura
fosse diferente. Por outro lado, suas atitudes, estão
impregnadas de elementos do ultra liberalismo, como o
individualismo exacerbado, a “meritocracia”, a defesa da
redução dos gastos sociais do Estado com política social e, o
consequente desmonte de serviços públicos de saúde e
educação, por exemplo. Ou seja: trata-se da negação do social
e da supervalorização do capital. Associado ao desprezo pela
vida e pela ciência. 
“A política de testagem de casos de COVID-19 no
país chega a ser criminosa, o fechamento de
fronteiras é tímido, a política de isolamento social
é pequena e questionada por parte do próprio
Governo” – Marina Barbosa
Aqui, é importante frisar, que políticas semelhantes, talvez
com mudança na forma, também foram defendidas por outras
lideranças mundiais como: o presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris
Johnson. Na Itália, esse tipo de política também foi
inicialmente utilizada, levando o sistema de saúde do país ao
colapso e à inúmeras mortes, servindo como exemplo
mundial de como não se deve enfrentar a pandemia. De
qualquer forma, através de suas atitudes controversas, ele
vem representando a ala ideológica de seu governo e uma
parcela expressiva de sua base de apoio. O processo de
massificação da desinformação por meio das redes sociais e
da grande mídia corporativa criou as condições necessárias
para amplificação do alcance desse tipo de “propaganda”
junto à população, e dessa forma, apesar da incompetência e
inaptidão para o cargo, ele vai se mantendo, ainda, como
opção da burguesia para o enfrentamento à crise do capital
que tende a se aprofundar bastante com a pandemia do
COVID-19. Por outro lado, não é possível separar as atitudes
do Bolsonaro, das ações do Governo Federal. É fundamental
denunciar que para além do “reality show” de desinformação
criminosa protagonizado pelo Jair Bolsonaro, o Governo
Federal tem se mostrado praticamente imóvel com relação à
defesa da população, enquanto transfere recursos vultuosos
para o mercado financeiro. A política de testagem de casos de
COVID-19 no país chega a ser criminosa, o fechamento de
fronteiras é tímido, a política de isolamento social é pequena e
questionada por parte do próprio Governo, as iniciativas de
proteção econômica à população trabalhadora e pobre são
inadequadas e irrisórias. Somando a isso, o Governo Federal
ainda avança contra a educação publica com propostas de
ensino a distância, contra a ciência e tecnologia com corte de
bolsas e ataques às ciências sociais e humanas e contra os
servidores públicos com o corte de salários através da
suspensão de benefícios. Neste momento, precisamos
combater a desinformação com informação. É necessário, de
imediato, efetivar a ampla testagem de casos a fim de oferecer
números mais próximos da realidade para a população e para
a definição de políticas de atenção adequadas ao processo de
contaminação a atendimentos. Adicionalmente, a
subnotificação dificulta o planejamento de ações de combate à
pandemia. O que me parece certo afirmar é que no Brasil, o
desfinanciamento do sistema público de saúde combinado
com o enorme aumento  do desemprego e da informalidade,
bem como com a subnotificação, fazem com que não
tenhamos ainda a idéia da dimensão da “nossa”
pandemia. Precisamos defender, incondicionalmente, as
políticas de isolamento social para que o sistema de saúde
possa dar a assistência necessária aos acometidos pela
COVID-19.
“É fundamental valorizar e destacar o papel da
rede federal de ensino e pesquisa, do SUS e dos
servidores públicos para responder a esta dura
realidade” – Marina Barbosa
Neste momento, defender a ciência e o conhecimento como
ferramentas estratégicas para enfrentamento desta pandemia
e, também, como condição para o desenvolvimento do país é
parte da defesa da vida e das nossas instituições públicas de
ensino e pesquisa. Para tanto, é fundamental valorizar e
destacar o papel da rede federal de ensino e pesquisa, do
sistema único de saúde e dos servidores públicos para
responder a esta dura realidade. Mas é também fundamental
que fortaleçamos a luta contra as políticas do governo, que
pretende se aproveitar do momento para avançar em seus
projetos de destruição das conquistas sociais garantidas pelo
Estado e dos direitos do trabalho. Para isso, neste momento, a
solidariedade de classe é imperiosa, ela permitirá fortalecer os
laços entre aqueles que vivem do seu próprio trabalho na
defesa da vida, e esses laços podem forjar possibilidades  de
construirmos ações mais estratégicas para um novo porvir .
Fernando Perlatto – A postura do presidente Jair
Bolsonaro tem sido desastrosa e insensata desde o início da
crise do coronavírus. Colocando-se em posição contrária ao
que recomendam a OMS, os profissionais da saúde e a
comunidade científica, o presidente da República assumiu um
discurso irresponsável, que coloca em risco toda uma
população. É importante, porém, destacar que esta postura do
presidente não é uma novidade em seu comportamento. Basta
observarmos a trajetória de Bolsonaro para vermos este tipo
de atitude, buscando sempre se colocar contra o “sistema”,
como um outsider, alguém que seria supostamente capaz de
enfrentar os poderes e os conhecimentos historicamente
constituídos.
“Se este tipo de postura do presidente tem
consequências graves em tempos normais, estas se
tornam ainda mais perigosas em uma conjuntura
de pandemia” – Fernando Perlatto
Porém, se este tipo de postura do presidente tem
consequências graves em tempos normais, estas se tornam
ainda mais perigosas em uma conjuntura de pandemia como
a que estamos vivendo. Não podemos nos esquecer de que,
embora venha perdendo parte significativa de sua
popularidade, Bolsonaro ainda detém apoio de segmentos da
população, que se sentem legitimados a terem
comportamentos irresponsáveis como os do presidente, a
exemplo das carreatas em defesa do fim do isolamento social
que foram realizadas em diferentes cidades do país, inclusive
com apoio aberto do Governo Federal.  Em discurso
pronunciado ontem (31), Bolsonaro fez uma pequena inflexão
em relação ao pronunciamento absurdo realizado na semana
anterior, em que chamou de histeria a pandemia, classificou a
Covid-19 como uma “gripezinha” e disse que,
particularmente, não teria consequências mais graves caso
contaminado, em decorrência do seu passado de atleta.
Apesar de não ter reconhecido abertamente o erro do seu
discurso anterior – como fez, por exemplo, o presidente López
Obrador, no México, que teve comportamento negacionista
semelhante ao de Bolsonaro no início da crise, mas depois
admitiu a gravidade da situação –, o presidente brasileiro
esboçou um recuo ao reconhecer o agravamento da situação e
destacar que a cloroquina – remédio antes apresentado por
ele como a verdadeira cura para a Covid-19 – ainda está em
fase de estudos. De todo modo, não é possível afirmar que o
presidente tenha, de fato, se convencido e mudado de posição
para uma postura mais responsável.
“Ele continuará instigando as críticas e fazendo o
enfrentamento aos governadores, com
preocupação direcionada exclusivamente para o
cenário eleitoral” – Fernando Perlatto
Talvez, a mudança de tom adotada pelo presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, e a pressão dos especialistas
e da opinião pública tenham contribuído para ele matizar
aquele seu discurso anterior radicalmente negacionista. Mas,
a se considerar o padrão de comportamento do presidente –
que muda de discurso com uma facilidade tamanha,
sobretudo sob a influência do chamado “gabinete do ódio”,
formado por seus filhos e pelas alas mais radicais do governo
–, devemos estar atentos e manter o ceticismo em relação a
um convencimento real do presidente quanto à gravidade da
crise atual. É provável que, ainda que matizando o discurso,
ele continuará instigando as críticas e fazendo o
enfrentamento aos governadores, com preocupação
direcionada exclusivamente para o cenário eleitoral.
Raul Magalhães – Bolsonaro tem de ser interpretado
dentro do seu repertório relativamente limitado de ações, das
quais ele lança mão para construir a sua figura de governante.
“A postura de desafio a saberes técnicos e
científicos em nome de um senso comum, digamos,
‘egoísta’, ou seja, uma sociabilidade voltada
apenas aos interesses imediatos do indivíduo, é
marcante” – Raul Magalhães
Nesse sentido, sua postura de desafio a saberes técnicos e
científicos em nome de um senso comum, digamos, “egoísta”,
ou seja, uma sociabilidade voltada apenas aos interesses
imediatos do indivíduo, é marcante: por exemplo, ele se
posicionou contra radares nas estradas, acusando-os de serem
caça-níqueis; contra regras de segurança, como cadeiras para
crianças nos carros; contra reservas ambientais que impedem
o uso turístico de áreas naturais; dentre outros absurdos. Há
mais: ele nega o aquecimento global e queria acabar com o
Ministério do Meio Ambiente, e só não o fez porque isso
prejudicava certificações internacionais do agronegócio, mas
mesmo assim minimizou a pasta, indo na contramão do
debate mundial. Bolsonaro também se alinhou a versões
religiosas conservadoras do mundo que o colocam,
juntamente com alguns de seus ministros, em franca
hostilidade com as Universidades e o tipo de cultura de
debate científico que elas representam. Há um longo catálogo
desse tipo de atitude, com ênfase em desacreditar a mídia e os
números que ela publica.
“A rejeição às diretivas da ciência epidemiológica
no caso da Covid-19 é mais um capítulo do seu
antagonismo aos saberes científicos” – Raul
Magalhães
Assim, a rejeição às diretivas da ciência epidemiológica no
caso da Covid-19 é mais um capítulo do seu antagonismo aos
saberes científicos, com a diferença de que desta vez ele colide
com uma preocupação mundial na preservação de vidas. É
importante notar que Bolsonaro infelizmente não está
sozinho em seu obscurantismo, pois as últimas pesquisas
indicam que pelo menos 1/3 da sociedade brasileira ainda se
identifica com suas “soluções”. É sempre para esse público
que Bolsonaro orienta suas falas. Trata-se de manter sintonia
com quem pode garantir certa base social e eleitoral ao seu
discurso. Essa técnica de não ampliar as bases, antes
preferindo continuar a manter o seu quinhão radical,
caracteriza outros líderes populistas de direita como Donald
Trump [presidente dos EUA], seu grande modelo. O caso do
coronavírus é um momento limite da eficácia de sua
estratégia de só falar para seu público interno, pois neste caso
parece que até seus aliados são mais dispostos a aceitar os
fatos. Volto a dizer que se trata da reiteração de uma
estratégia monotemática e que só irá fracassar quando ele for
abandonado por seu público, o que não parece fácil, mas está
no horizonte. Paralelamente, ele dá poderes ao mesmo tempo
que sabota seu próprio Ministério da Saúde, mostrando que a
ambiguidade é uma marca da sua forma de governar. 
Portal da UFJF – As ações controversas do presidente têm
resultado num crescente isolamento político em âmbitos
nacional e internacional. Há desde abaixo-assinados,
solicitando o impedimento do chefe do Executivo Federal, a
movimentos dentro do próprio Governo, no Judiciário e no
Legislativo Federal, que questionam as possíveis
consequências da inabilidade de Jair Bolsonaro para conduzir
questões emergenciais, como a operacionalização da renda
básica para trabalhadores no atual contexto.  Comente, por
favor.
Marina Barbosa Pinto – O decréscimo de popularidade do
presidente Jair Bolsonaro é anterior à chegada da pandemia
no país, principalmente pela incapacidade do Governo de
conseguir índices mínimos de crescimento da economia.
Lembrando que o primeiro ano de Governo Bolsonaro
registrou um crescimento do PIB [Produto Interno Bruto]
bastante inferior ao já pequeno crescimento registrado em
2018, no Governo Temer. Mas, certamente, exercício do
“presidencialismo de confrontação”, em meio a essa terrível
crise econômica e sanitária que estamos vivendo, levou o
presidente Bolsonaro a certo grau de isolamento político.
Também é importante apontar que a crise do capital não
havia sido superada e com a pandemia da COVID-19 essa
crise se transformará numa grande depressão econômica. A
democracia vem sofrendo ataques cada vez mais intensos
nesse cenário de aprofundamento da crise, já têm exemplos
ao redor do mundo de fechamentos de regimes, como ocorreu
na Hungria, no Chile e em Israel. A grande instabilidade
econômica e política no Brasil oferece o cenário  propício para
mudanças de regime, como é próprio da historicidade do
sistema capitalista. Nesse contexto, o presidente Jair
Bolsonaro, pela sua característica explosiva, pela
incapacidade, pelas limitações de articulação política, pela sua
ligação com as milícias, acrescenta diversos elementos que
contribuem para a instabilidade e põe na pauta, exigindo
especial atenção, a opção a ser adotada pela burguesia e alas
reacionárias e ultraliberais da política brasileira. Opção, que
visa responder à crise econômica e social, a qual a pandemia
agudiza e também projetar quem será o sujeito político que
encabeçará esta escolha.
“O custo da luta interna da burguesia e da política
ultraliberal está sendo pago com a vida de
trabalhadoras e trabalhadores” – Marina Barbosa
O que se tem é o isolamento institucional parcial do
presidente e a sua tentativa de maior aproximação com sua
base social via chamada de atos públicos e de aparições em
meio à população em plena pandemia. Esta abordagem
negacionista de Bolsonaro em relação à pandemia amplia o
isolamento institucional. Até mesmo, alguns governadores
que endossam suas políticas se voltam agora contra ele. Sua
ausência de responsabilidade social e política, e, dos que o
apóiam, já esta sendo e será cobrada, o que é demonstrado
com o aumento de protestos e a queda da popularidade. No
atual cenário de crise econômica e social, em meio à grave
pandemia da COVID-19, o custo da luta interna da burguesia
e da política ultraliberal está sendo pago com a vida de
trabalhadoras e trabalhadores. Se os exemplos mundiais já
apontam para desastres humanitários em países centrais, os
cenários para o Brasil chegam a indicar centenas de milhares
de mortes decorrentes da pandemia. O grande desafio frente
ao atual quadro de luta interna da burguesia, e do
consequente isolamento político do presidente Jair
Bolsonaro, é conseguir colocar a classe trabalhadora como
parte desse processo. É necessário demonstrar para a
população que o enfrentamento da pandemia e da crise do
capital tem que passar pela solidariedade de classe para que o
desfecho não seja desastroso para a classe trabalhadora. 
Fernando Perlatto – Todos os países do mundo têm se
deparado com este desafio monumental de enfrentar a
pandemia da Covid-19, que tem impactos diretos não apenas
na saúde pública, mas em aspectos econômicos, sociais e
culturais. O que torna a situação do Brasil particularmente
preocupante é o fato de não termos um presidente com
estatura política para conduzir o país em meio a esta crise que
estamos atravessando. Porém, apesar do comportamento
irresponsável de Bolsonaro, temos visto movimentos
importantes por parte do mundo político, do judiciário e de
setores da sociedade civil na busca de controlar as ações do
presidente que dão certo alento e esperança em meio ao caos
atual. O que estamos testemunhado ao longo dos últimos dias
é uma tentativa de isolamento político do presidente da
República.
“Temos visto movimentos importantes por parte
do mundo político, do Judiciário e de setores da
sociedade civil na busca de controlar as ações do
presidente” – Fernando Perlatto
Isso se verifica dentro do seu próprio governo. Se há, é fato,
aqueles ministros que defendem abertamente a postura
irresponsável do presidente (a exemplo do Ministro da
Educação Abraham Weintraub e da Secretária da Cultura,
Regina Duarte), de outro, vemos, ainda que com gradações e
vários “poréns”, outros ministros se colocando em defesa do
isolamento social e dando suporte às ações que têm sido
levadas adiante pelo Ministério da Saúde, sob a condução do
Ministro Luiz Henrique Mandetta. Este, particularmente, se
vê obrigado a se equilibrar entre manter o posicionamento
responsável e firme em defesa da agenda defendida pela
OMS, pelos profissionais da saúde e pelos especialistas, e a
premência de permanecer no cargo, em meio aos ataques do
presidente. De todo modo, a entrevista realizada ontem (31)
com a presença de vários ministros indicou que há um apoio
– reitero que com gradações – dentro de setores do governo à
execução de ações em consonância com o que vêm fazendo os
demais países. Além da tentativa de isolamento de Bolsonaro
no âmbito do próprio governo, temos assistido ao
posicionamento firme da maior parte dos governadores em
relação às atitudes do presidente. É claro que não podemos
pensar que estas ações dos governadores – sobretudo de João
Doria (PSDB), São Paulo, e Wilson Witzel (PSC), Rio de
Janeiro – sejam apenas movidas por razões virtuosas, sem
preocupações maiores com o jogo eleitoral. Os governadores
são atores políticos e sabem que o comportamento deles
durante a crise será avaliado e julgado em um momento
posterior. De todo modo, é digna de elogio a postura firme
que muitos destes governadores vêm tendo nesta conjuntura,
assim como a maior parte dos prefeitos, como se verifica nas
diferentes notas produzidas pela Frente Nacional de Prefeitos,
com críticas ao presidente, inclusive com a ameaça de ir à
Justiça para responsabilizá-lo em caso de mudanças na
política de isolamento social.
“Temos assistido ao posicionamento firme da
maior parte dos governadores em relação às
atitudes do presidente” – Fernando Perlatto
Parte significativa do Poder Legislativo também tem buscado
impulsionar ações para isolar o presidente e procurar
alternativas para o enfrentamento da crise, a despeito do
Governo Federal. Pelas declarações e ações, percebe-se no
âmbito da Câmara dos Deputados e do Senado Federal uma
preocupação legítima em buscar soluções para mitigar os
efeitos da crise, a exemplo da aprovação do projeto que prevê
R$ 600 a trabalhadores informais. É claro que podemos
problematizar e dizer que o apoio é insuficiente diante do
cenário que vivemos. Mas, de todo modo, este tipo de
iniciativa evidencia que a maior parte dos deputados e
senadores, independente de seus posicionamentos
partidários, está disposta a assumir um protagonismo que o
presidente da República até o presente momento se furtou a
tomar. A busca de controlar e isolar o presidente também tem
ocorrido por parte de setores do Poder Judiciário. Podemos
dar exemplo de algumas ações, tais como: a decisão do juiz
Márcio Santoro Rocha, da 1ª Vara Federal de Duque de
Caxias, que suspendeu a aplicação do decreto presidencial que
incluía igrejas e casas lotéricas como serviços essenciais para
ficarem abertos durante a quarentena ou a proibição por
parte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís
Roberto Barroso, de que o Governo Federal contrate qualquer
campanha contra medidas de isolamento durante a pandemia
do coronavírus. É claro que, em contextos normais, estas
iniciativas poderiam preocupar, pois indicam um
fortalecimento do ativismo judicial. Mas, em um contexto
como este que estamos vivendo, estas ações são importantes
para isolar o presidente, impedindo-o de agravar ainda mais a
crise atravessada pelo país, embora devamos estar preparados
para uma disputa judicial permanente em torno destas
decisões. A essas iniciativas anteriormente citadas é
importante destacar o papel que vários meios de
comunicação, associações diversas de especialistas da área da
saúde e outras organizações da sociedade civil vêm
desempenhando no sentido de isolar o presidente e fortalecer
o discurso em defesa da ciência e da agenda preconizada pela
OMS para o enfrentamento ao coronavírus.
“O governo deve ter uma política robusta de
aporte de recursos públicos direcionados
principalmente para os setores mais vulneráveis
da população” – Fernando Perlatto
Há setores que vem defendendo abertamente o afastamento, a
renúncia ou o impeachment do presidente da República. O
manifesto assinado por Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes
(PDT), Guilherme Boulos (PSOL), Flávio Dino (PCdoB), entre
outros, mostra uma unidade da oposição em torno desta
agenda. Porém, independente do sucesso de iniciativas como
estas, o importante no atual cenário é que Bolsonaro esteja
isolado politicamente e que os atores responsáveis, dos mais
diversos matizes, assumam a condução da crise. Ainda que o
Governo Federal não tenha autonomia suficiente para
impedir as ações tomadas pelos Estados e municípios, ele
deve ter um papel importantíssimo na condução de uma crise
como esta, seja do ponto de vista do planejamento estratégico
das ações – e aí, nesse sentido, a formação de um comitê
nacional de especialistas para gerir o enfrentamento à Covid-
19 seria um passo fundamental –, seja do ponto de vista dos
recursos a serem disponibilizados. Já está mais do que
evidente no mundo inteiro que o governo deve ter uma
política robusta de aporte de recursos públicos direcionados
principalmente para os setores mais vulneráveis da
população. Enquanto outros países estão destinando recursos
mais vultuosos e com agilidade, o Brasil caminha a passos
excessivamente tímidos e lentos nessa direção, a despeito da
desigualdade social abissal aqui existente. Diante do exposto
acima, permanecendo ou não no cargo, o importante é que
Bolsonaro seja isolado politicamente, de modo que ações
concretas planejadas pelos setores responsáveis para o
enfrentamento da crise sejam tomadas e executadas com
rapidez. Além disso, esse isolamento político é
importantíssimo para que o presidente não se sinta
legitimado a tomar atitudes autoritárias para o enfrentamento
da crise, a exemplo do que vem fazendo Victor Orbán,
primeiro-ministro da Hungria, que Bolsonaro tanto admira.
Raul Magalhães – Bosolnaro vem perdendo aliados desde
sua primeira semana de governo. Não atraiu ninguém e tem
hoje como adversários figuras que foram chave na sua eleição,
como os governadores Dória (PSDB-SP) e Witzel (PSC-
RJ). Seu comportamento errático não impediu que a Câmara
Federal aprovasse a Reforma da Previdência, o que parece ser
um sucesso político, mas sabemos que isso não se deveu a ele.
De qualquer forma, o seu cacife político para continuar as
reformas de desmantelamento do Estado, orientadas pelo seu
ministro da Economia Paulo Guedes, conservam uma imagem
positiva junto aos grandes agentes econômicos nacionais e a
segmentos da sociedade.
“Bosolnaro vem perdendo aliados desde sua
primeira semana de governo. Não atraiu ninguém
e tem hoje como adversários figuras que foram
chave na sua eleição” – Raul Magalhães
No entanto, o insucesso claro da economia no seu primeiro
ano amplificou seus atritos com os demais poderes da
República, além de fomentar os movimentos políticos que
querem sua neutralização de alguma forma. Mais uma vez é
preciso lembrar que, com todo o seu catálogo de conflitos com
setores mais poderosos da República: ele já perdeu várias
ações na Justiça e não tem sequer uma pálida maioria na
Câmara ou no Senado; tudo tem de ser negociado a altos
custos. Mesmo assim ele ainda não tem as ruas contra ele e
isso é um fator definidor. Ao contrário, nesses tempos de
quarentena as únicas manifestações de rua lhe são favoráveis,
em clara desobediência às instruções do seu próprio
Ministério da Saúde. A recessão econômica, que já se
desenhava antes da pandemia, vai inevitavelmente se agravar
e, como o quadro é mundial, não haverá muito o que o seu
governo possa fazer. Apenas uma minoria cada vez mais
reduzida e raivosa ficará ao seu lado.
Portal da UFJF – Quais outras questões – não abordadas
nas perguntas anteriores – devem ser destacadas?
Marina Barbosa Pinto – É importante enfatizar que Jair
Bolsonaro ainda representa o grande capital internacional e
seus aliados internos. As suas ações, por mais absurdas que
pareçam, estão alinhadas com as necessidades do capital para
o enfrentamento da crise, maximizando lucros, retirando
direitos da população e rebaixando ainda mais as condições
de vida da classe trabalhadora. As ações não podem ser
atribuídas ao indivíduo, são ações oficiais do Governo Federal
contra a população, contra a vida, contra a humanidade.
“As ações não podem ser atribuídas ao indivíduo,
são ações oficiais do Governo Federal contra a
população, contra a vida, contra a humanidade” –
Marina Barbosa
A pandemia da COVID-19 está apenas deixando ainda mais
explícito os aspectos perversos do capitalismo, com maior ou
menor intensidade, dependendo do país. Lembrando que, no
Brasil, o ano de 2019 foi farto de ataques contra a população,
destacando-se o sucateamento da rede de assistência social do
Estado, o estrangulamento financeiro da rede federal de
ensino e pesquisa, a retirada de recursos do já subfinanciado
Sistema Único de Saúde (SUS), culminando com a destruição
da previdência pública. Neste momento, como servidores
públicos, precisamos atuar na defesa da população, não
somente pelo exercício das nossas atividades e reforçando o
papel social das nossas instituições públicas de ensino e
pesquisa, estando na linha de frente do combate à pandemia;
mas também amplificando as informações corretas e
cientificamente sustentadas.  E ao mesmo tempo, exigir do
Estado, medidas sérias de isolamento social e testagem da
contaminação para a população; o respeito aos preceitos
democráticos, o aumento de recursos para o Sistema Único de
Saúde, o aumento de recursos públicos para a rede federal de
ensino e pesquisa e a garantia de renda mínima digna para a
população.
Fernando Perlatto – Um aspecto que gostaria de abordar é
o que fica desta crise para além de seus impactos negativos.
Tenho a esperança de que esta crise evidencie a importância
de valorizarmos simbólica e materialmente os sistemas
públicos de saúde. No caso brasileiro, o Sistema Único de
Saúde (SUS) – uma conquista civilizatória e que tem sido ao
longo dos últimos anos atacado por diferentes setores e
subfinanciado – precisa sair desta crise muito mais
reconhecido e valorizado. Também tenho a expectativa de que
esta crise fortaleça a percepção da importância do Estado
enquanto agente fundamental para a promoção de políticas
sociais, que sejam capazes de assegurar condições dignas de
vida principalmente para as populações mais pobres que, em
contextos de crise como o que estamos vivendo, ficam ainda
mais expostas e vulneráveis a todos os tipos de riscos.
“O Sistema Único de Saúde (SUS) precisa sair
desta crise muito mais reconhecido e valorizado” –
Fernando Perlatto
Outra esperança é a de que os laços de solidariedade social e
de preocupação com o próximo que têm ganhado força nos
últimos dias permaneçam como um legado positivo após a
superação da crise. Por fim, tenho a expectativa de que esta
crise tenha papel fundamental para o enfrentamento do clima
de anti-intelectualismo e anticientificismo que ganhou força
ao longo dos últimos anos em diferentes partes do mundo e
no Brasil, em particular. Somente superaremos a crise atual –
e haveremos de superá-la – pela atuação de especialistas
diversos, da comunidade científica e das universidades, que
vêm desempenhando um papel fundamental na atual
conjuntura.
Raul Magalhães – Um ponto que merece ser realçado é o
esgotamento em Bolsonaro/Guedes do modelo liberal no qual
o Estado deve deixar tudo para o mercado, pois os
desmantelamento promovido no seu primeiro ano de governo
mostra claros limites. Aliás, em todo o mundo, e a
coordenação do Estado volta a ser central. Acrescento ainda
que o governo Bolsonaro desgasta a imagem do Exército
Brasileiro, afinal ele é cercado de generais que deveriam
passar uma imagem de eficiência que não se verifica.
“Há também um ponto que todos temem: até onde
Bolsonaro pode ir para manter o poder?” – Raul
Magalhães
A pauta da corrupção, que tanto o ajudou, também ronda
persistentemente o seu governo e só não o destruiu porque as
investigações quanto às irregularidades de sua eleição no PSL,
partido ao qual ele já não pertence, e o inquérito envolvendo
seu próprio filho, senador Flávio Bolsonaro, simplesmente
não andam, o que mostra como o seu poder está longe de ser
residual. As suas conexões com organizações criminosas no
Rio de Janeiro vêm sendo neutralizadas. Há também um
ponto que todos temem: até onde Bolsonaro pode ir para
manter o poder? Nesse caso, sabe-se que ele não teria
escrúpulos em tentar uma quebra da normalidade
democrática, rumo a uma versão assumidamente autoritária,
cabe à sociedade limitá-lo quanto a isso.  
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Estado” 
Outras informações: imprensa@comunicacao.ufjf.br

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