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ACESSO A RECURSOS GENÉTICOS E SUA

PROTEÇÃO NO BRASIL
PoR MARIA THEREZA WoLFF

A lNVALIDA~Ão DAS MARcAs CoNSTITUíDAS


POR ExPREssõEs DE Uso GENÉRico,
VuLGAR, CoMUM ou NECESSÁRIO
PoR LÉLIO DENícoLI ScHMIDT

A IMPRECISÃO NA DEFINIÇÃO LEGAL DE MARCA


PoR MAURICio LoPES DE OLIVEIRA

Ü MINISTÉRIO PúBLICO E O DIREITO AUTORAL


PoR EDUARDO Ss PIMENTA EVIVIANE RicCI

A DEDUÇÃO FISCAL DOS PAGAMENTOS PELA FRANQUIA


PoR Luis HENRIQUE Do AMARAL

TUTELA CAUTELAR E TUTELA ANTECIPADA:


DISTINÇÕES FUNDAMENTAIS
PoR REIS FRIEDE

DOCUMENTO
SELOS DE IDENTIFICAÇÃO DE ÜBRAS INTELECTUAIS
DECRETO Nº 2.894, DE 22 DE DEZEMBRO DE 1998
pARECER DA ABPI
DocuMENTo
PROTEÇÃO LEGAL DE DESENHOS E MODELOS
DIRETIVA 98/71/CE DO PARLAMENTO EUROPEU
E DO CONSELHO DA UNIÃO EUROPÉIA
DOCUMENTO
MEDICAMENTOS ÓRFÃOS
PROPOSTA DE REGULAMENTO (CE) DO pARLAMENTO
EuROPEU E DO CoNSELHO DA UNIÃO EuROPÉIA
.,.

LÉLIO DENICOLI SCHMIDT


Advogado (Advocacia Pietro Ariboni S!C)

Sumário: I. Introdução -2. Das Marcas de Uso Genérico, Vulgar, Comum ou Necessário- 3. Do Lapso Decadencial- 4. Dos Bens de Domínio Público-
5. Nulidade Superveniente ou Perecimento de Direito?- 6. Conclusões

1. INTRODUÇÃO rém, que o legislador fixou um prazo fatal para o ajuizamento


desta ação de nulidade. Com efeito, preconiza o artigo 174 da
Oartigo 124 da: Lei da Propriedade Industrial (9.279/96) elen- Lei da Propriedade Industrial que "prescreve em 5(cinco) anos
ca diversas hipóteses nas quais é vedada a concessão de um a ação para declarar a nulidade do registro, contados da data
registro de marca. Dentre os casos ali contidos, ganha relevo da sua concessão".
para o presente estudo o disposto no respectivo inciso VI, à Em recentes estudos que vieram a lume sobre o tema, questio-
luz do qual é irregistrável como marca sinal de caráter genéri- nou-se a incidência deste lapso qüinqüenal no que tange à hi-
co, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, pótese de nulidade de que cuida o artigo 124, inciso VI, supra-
quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, transcrito. Adiscussão foi lançada na Revista da ABPI (voi. 35,
ou aquele empregado comumente para designar uma carac- págs. 50/51) pelo colega Gabriel Francisco Leonardos, que, em
terística dO> produto ou serviço, quanto à natureza, nacionali- comentários a acórdão do Superior Tribunal de Justiça, de modo
dade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de pres- firme sustentou que a ação para decretar-se a nulidade de re-
tação do serviço, salvo quando revestido de suficiente forma gistro de marca com fundamento em falta de distintividade pode
distintiva. ser proposta a qualquer tempo. Idêntico é o posicionamento
Caso inadvertidamente venha a ser concedido um registro de de Mario Augusto Soerensen Garcia e Claudia Alves, que tam-
marca que incida no óbice supra-apontado, o ordenamento bém na Revista da ABPI (vol. 36, págs. 25-30) demonstraram
jurídico contempla o cabimento de uma ação de nulidade. que o decurso do prazo previsto para a ação de nulidade não
Neste sentido, o artigo 165 da Lei 9.279/96 preconiza que "é poderia acarretar a convalescença de registros de marca inde-
nulo o registro que for concedido em desacordo com as dis- vidamente concedidos a denominações genéricas.
posições desta lei". Àmesma exegese se chega com o exame Estimulados pela salutar discussão que se instalou, arrisca-
dos incisos 11 e Vdo artigo 145 do Código Civil. Ocorre, po- mo-nos a tecer as presentes linhas, no intuito de dividir com

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AINVALIDAÇÃO DAS MARCAS CONSTITUÍDAS POR EXPRESSÕES DE USO GENÉRICO, VULGAR, COMUM OU NECESSÁRIO

os demais colegas as reflexões que tivemos após a leitura dos 3. Do LAPSO DECADENCIAL
estudos acima mencionados.
Caso, porém, quaisquer das expressões supra-arroladas
tivessem sido registradas como marca, haveria prazo para
2. DAS MARCAS DE Uso GENÉRICO, VuLGAR, CoMUM ou
ajuizar-se a ação de nulidade? Oartigo 174 da Lei da Pro-
NECESSÁRIO
priedade Industrial, como já mencionado, assinala que
as ações de nulidade de registro de marca prescrevem
Como é sabido, a função primordial da marca é servir de ele-
em cinco anos.
mento distintivo, de modo a diferenciar determinado produ-
to, mercadoria ou serviço dos demais ofertados pela concor- Como bem destacaram Mario Augusto Soerensen Garcia e
rência. Na feliz expressão de Gama Cerqueira, "as marcas as- Claudia Alves 8 ( op. cit., pág. 28), a despeito do emprego do
sumem assim toda a sua força de expressão: marcam efetiva- verbo "prescrever", esta norma encerra na verdade um pra-
mente o produto, que passa a ser um produto diferente, na zo de decadência. De fato, a ação de nulidade consubstan-
multidão dos produtos congêneres" 1• Por esta razão, veda-se ciao exercício de um direito potestativo, caracterizado pelo
o registro como marca de expressão genérica, de uso comum, poder de sujeitar alguém à constituição, alteração ou extin-
vulgar ou necessário, pois as mesmas são destituídas de qual- ção de um estado jurídico. Como não se exige da parte con-
quer cun~o distintivo. trária nenhuma prestação e o direito não é preexistente à
:lesão, não se cuida na esp,écie de prazo prescricional.
Aexpressao de uso comum ou necessário é a que identifica o
produto designado, constituindo o substantivo pelo qual o Partindo-se da premissa (que adiante será impugnada)
mesmo é conhecido enquanto coisa. "Automóvel" e "sapato" de que o artigo 174 da LPI seria aplicável à hipótese con-
são exemplos de expressões de uso comum ou necessário tida no artigo 124, VI, do mesmo diploma legal, respeitá-
para aludir-se a uma espécie de veículo e de calçado. Aex- vel corrente doutrinária sustenta que isto impediria que,
pressão vulgar, ao seu turno, é a que por uso coloquial pas- uma vez ultrapassado o lapso decadencial contido naque-
sou a identificar a coisa em si, como "pinga" e "grana", dentre la norma, se pudesse proceder ao reconhecimento inci-
outras. Genéricas, por fim, são as palavras que designam qua- dental da nulidade do registro indevidamente concedido,
lidade~ peso, valor etc., sendo este vocábulo também usado' numa ação de abstenção de uso ou indenização,,por exem-
numa acepção lata, para abranger o conjunto das palavras de plo, que o titular do registro viesse a ajuizar contra quem
uso comum, necessário ou vulgar. dele estaria a fazer uso. É que a decadência, por extin-
Ajurisprudência está repleta de casos em que se impediu o guir o direito, obsta a que este possa ser invocado mes-
registro como marca de expressões desta ordem, como "Fei- mo a título de defesa, como forma de excepcionar uma
ra Livre de Automóveis" 2, "Banco 24 Horas" 3, "Cheese" para pretensão alheia.
produtos alimentícios 4, "Centro de Estética"5, "Karaokê"6, Neste sentido pronuncia-se Câmara Leal, para quem "não se
"Nosso Pão" 7 etc. pode aplicar à decadência a máxima quae temporalis sunt ad

I. Tratado da Propriedade Industrial, vol. 11, nº 473, págs. 756/757, 7. TRF- 2• Região- I' Turma- AC 89.02.01526-2- rei. Des. Fed.
Ed. RT, 1982. Çhalu Barbosa- j. 28111/94, pubi.DJU 18/4/95, pág.21.882.
2. TFR -4•Turma- AC I07.310- rei.Min.Antôilio de Pádua Ribeiro 8. Op. cit., pág. 28. No mesmo sentido, Gama Cerqueira (Op.
- j. 24111/86,publ. DJU 11/12/86. cit., nº 688, págs. 1.08111.082) e Fábio Konder Comparato
3. TRF - 2• Região - I• Turma - AC 92.02.02639-4 - rei. Des. Fed. ("A Natureza do Prazo Extintivo da Ação de Nulidade de
Tânia Heine- j.l/6/92,publ.DJU l/7/7/92,pág.20.451,mantido Registro de Marcas", em Rev. de Direito Mercantil 77162).
em Embargos Infringentes, j. 8/9/94, publ. DJU 1/9/5/95, pág. Sobre a distinção entre direitos potestativos e direitos
27.311. prestacionais e seu inter-relacionamento com os prazos
4. TRF - 2' Região - 2• Turma - AC 90.02.20656-9 - rei. Des. Fed. prescricionais ou decadenciais, vide Agnelo Amo rim Filho
D'Andréa Ferreira- j. 8/2/94, pubi.DJU 1/16/5/95, pág. 29.115 e ("Critério Científico para Distinguir a Prescrição da
JSTJ eTRF 80/417. Decadência e para Identificar as Açôes Imprescritíveis", in
5. STJ- Emb.Divergência em Resp 7.259-0- j.14/I0/92,pubi.DJU RT300/37 e RT744/725 e ss.).
16/11/92.
6. TRF- 2• Região - 4• Turma - AC 94.02.04546-5 - rei. Juíza
convocada Valéria Medeiros de Albuquerque- j.20/11/95,publ.
DJU 1/13/2/96, pág. 6.756.

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agendum, perpetua in excipiendo 9• Quer isto dizer que a deca- llouard 13 e Théophile Huc 14, assinalando lsidoro Modica15 ser
dência do direito não só impede seja ele invocado por via de esta a posição uníssona dos doutrinadores alemães.
ação, como ainda por via de exceção. Extinguindo-se o direi- Em sentido contrário coloca-se Rubens Limongi França, para
to pela decadência, essa extinção o torna inoperante, não quem é imprescritível "a exceção de nulidade, isto é, o direito
podendo, portanto, constituir o fundamento jurídico de qual- de, à guisa de contestação, se alegar a nulidade de um ato nulo
quer alegação em juízo, quer essa alegação se faça por meio de pleno direito, ainda que haja tempo determinado para a pro-
da ação, quer, em defesa, por meio de exceção" 10• positura da ação" 16 . Este entendimento tem encontrado acolhi-
Outro não é o posicionamento de Maria Helena Diniz 11 , para da na jurisprudência. Com efeito, os tribunais pátrios não têm
quem "extinto o direito pela decadência, torna-se, portanto, hesitado em reconhecer incidentalmente a invalidade de regis-
inoperante; não pode ser fundamento de qualquer alegação tros de marca outorgados em relação a expressões tidas como
em juízo, nem ser invocado, ainda mesmo por via de exceção. genéricas, comuns ou necessárias, mesmo após o término do
Adecadência produz seus efeitos extintivos de modo absolu- lapso qüinqüenal de que cuida o artigo 174 supratranscrito.
to". Esta também é a posição de Carlos Maximiliano 12 • Na dou- Caso interessante é o da marca Ticket. Os titulares dos res-
trina comparada, expressam este sentir, entre outros, L. Gui- pectivos registros ajuizaram ação cominatória de modo a in-

9. Carlos Maximiliano explica o significado e a razão de; ser deste 13. Traité de la frescription, vol.l, nº 45, pág.4~, Ed.A. Pedone, Paris,
brocardo nos seguintes termos: "o que é temporário, em se 190l.No original:"on ne devra pas appliquer aux déchéances
tratando de ações, é perpétuo no tocante às exceções, ou, mais !e príncipe de la perpétuité de l'exception: c'est souvent sous
sinteticamente, o direito de acionar é temporário; o de defesa, cette forme d'exception que la déchéance est oppossée,et elle
perpétuo.( ... ) Nenhum fundamento de defesa perde a eficácia devre l'être dans de délai fixé par la loi,malgré la regle quae
enquanto persiste, para o adversário, a faculdade de acionar. temporalia ad agendum,perpetua ad excipiendum".
(... )A ação exercita-se à vontade do titular do direito; o mesmo 14. Commentaire Théorique & Pratique de Code Civil,tomo XIV, nº
não se dá com a exceção, a qual ninguém pode opor quando 318, pág. 389, Ed. EPichon, Paris, 1902. No original:"on decide
queira; o seu titular precisa aguardar o ataque por parte do encare que la regle quae temporalia sunt ad agendum
adversário; por isto, não seria cabível alegar inércia do perpetua sunt ad excipiendum, sur laquelle nous aurons à
defendente, e, conseqüentemente, prescrição" (Hermenêutica revenir:ne saurait avoir d'applicatioi\ aux déchéances".
e Aplicação do Direito, n"' 347-A e 347-B, págs. 281/282, Ed. 15. Teoria del/a Decadenza nel Diritto Civile Italiano, vol.l,nº 343,
Forense, 1990). pág.399,Ed. Unione Tipografico-Editrice,Turim, 1906. No origi-
10. Da Prescrição e da Decadência, nº 83, pág. 127, Ed. Forense, nal:"é applicabile la massima quae temporalia ad agendum,
1959. perpetua sunt ad excipiendum, alia decadenza? Accolto i!
11. Curso de Direito Civil Brasileiro,vol.l,pág.I99,Ed.Saraiva, 1983. concetto della scuola tedesca,e senza dubbio imammissibile
Pontes de Miranda chega mesmo a destacar que o brocardo l'applicazione, perche, secando essa, i! diritto sottoposto a
tempora!ia ad agendum perpetua sunt ad excipiendum é falso, decadenza ha una durata determinata,oltre la quale piu non
pois se havia ação e esta se extinguiu ou prescreveu,a exceção esiste, e per conseguenza e assurdo l'esercizio di un diritto
não mais subsiste (Tratado de Direito Privado, tomo VI,§ 635, non piu esistente,sia per la via d'azione che d'eccezione".
pág. 25, Ed. Borsoi, 1955). 16. Instituições de Direito Civil, pág. 219, Ed. Saraiva, 1994.
12. Op. cit.,nº 347-E,pág.286.

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surgir-se contra a adoção por terceiros da marca Ticket Para- isto não tenha sido explicitado no acórdão, reconheceu-se de
naense- Ticketpar. Do acórdão do Tribunal de Justiça do Pa- modo incidental a nulidade do registro de marca, a exemplo
raná extraem-se as seguintes passagens de relevo: "não era dos outros julgados mencionados.
mesmo reconhecível a exclusividade do uso da expressão 'ti- Em outra oportunidade, o mesmo Tribunal de Justiça de São
cket', que é de domínio público e é vulgarmente empregada Paulo foi chamado a apreciar recurso que girava em torno de
em língua portuguesa, inglesa e francesa, para designar um registro de marca, concedido para o ramo alimentício, do qual
cartão ou pedaço de papel impresso utilizado na freqüência constava a palavra "Premium", que havia sido reproduzida
de casas de diversão e outros espetáculos públicos, viagem por terceiros. Otribunal considerou este vocábulo como ten-
ou veículos coletivos, enfim, serve para identificar qualquer do cunho genérico, por ser comumente usado para identifi-
tipo de bilhete ou vale empregado no comércio, inclusive no car uma linha nobre de produtos, tidos como de qualidade
ramo de alimentação. Aexpressão aportuguesada 'tíquete' é superior 20 . Ao invés de reconhecer incidentalmente a invali-
registrada no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, dade do registro, este aresto optou por dar-lhe exegese res-
Ed. Nova Fronteira, 2• ed., pág. 1.680" 17 • tritiva, de modo a não lhe conferir a exclusividade em outras
Orelatório do acórdão dá conta que as autoras-apelantes alu- classes de produtos, por maior que fosse a afinidade.
diram à impossibilidade de invalidação dos registros de mar- Outro caso que guarda pertinência com o tema é o que envol-
ca que constituíam o fundamento da açã~, por já estar ultra- veu de um lado a marca Fórl!1ica. Atitular do registro desta
passado o lapso qüinqüenal de que cuid'a a regra em exame. no' Brasil, em litisconsórcio ativo com sua licenciada, preten-
O argumento, porém, não logrou acolhida, tendo o tribunal
deu obter a condenação de uma sociedade que havia adota-
abraçado a tese oposta. Não temos ciência se o caso chegou
do como nome comercial a denominação Império das Fórmi-
a ser levado ao Superior Tribunal de Justiça.
cas Ltda. OSupremo Tribunal Federal manteve a improcedên-
Em outro julgado, curiosamente acerca da mesma marca Ti- cia da ação 21 , por entender que a palavra fórmica teria setor-
cket, o Tribunal Regional Federal da 2• Região veio a indeferir nado genérica e de uso comum, estando como tal inclusive
pedido de registro desta como marca notória. Eis a ementa inserida em dicionários do idioma pátrio. Aliás, o titular do
deste acqrdão: "Apelantes pretendem atribuir a marca Ticket , registro desta marca chegou a ajuizar uma ação contra um
como marca notória. ALei 5. 772/71, em seu artigo 65, item 20, conhecidíssimo lingüista, insurgindo-se contra a inclusão em
dispõe que 'não é registrável como marca: nome, denomina- um dicionário do significado da palavra fórmica. OSTF repu-
ção, sinal, figura, sigla ou símbolo de uso necessário, comum
tou lícita esta inserção, destacando que a mesma não poderia
ou vulgar quando tiver relação com o produto, mercadoria
ser considerada como uso indevido da marca, já que se ateve
ou serviço a distinguir, salvo quando se revestirem de suficien-
ao sentido genérico do termo, consagrado pela linguagem
te forma distintiva'. Sentença incensurável. Apelações conhe- 22
popular •
cidas, porém improvidas" 18 • Também não temos informes
quanto ao trânsito em julgado deste acórdão.
Mencione-se ainda a demanda que envolveu duas empresas 4. Dos BENS DE DoMíNIO Púsuco
do ramo de perfumaria. Uma delas era titular de um registro
de marca mista, cujo aspecto nominativo consistia na expres- A nosso ver, o encaminhamento do tema passa pela com-
são "De luxo", que veio a ser reproduzida por outrem, com preensão de que as expressões de uso comum, genérico, vul-
acréscimo. Ajuizada a ação de abstenção, o Tribunal de Justi- gar ou necessário estão contidas no domínio público e na
ça de São Paulo manteve a improcedência da demanda, repu- percepção das conseqüências que daí advêm.
tando a expressão em questão como inapropriável, por de- Ensina Pontes de Miranda23 que "dizem-se marcas livres, ou
19
signar estado ou qualidade superior, magnificência • Embora sinais livres, os que já pertencem ao domínio comum. Acons-

17. TJPR- 2• Câmara Cível- AC 45.743-2- j. 6/3/96- publ.DJU25/3/96. 21. STF- I>Turma- RE nº 107.892-PR- rei. Min. Rafael Mayer- j.
18. TRF- 2• Região- 3• Turma- AC 91.02.010006-1- rei. Des. Fed. 23/5/86- publ. RTJ 118/793.
Celso Passos- j. II/I 0/94- publ.DJU 21/3/95, pág. 14.462. 22. STF- Pleno- RE 77.029-GB- rei. Min. Alio mar Baleeiro- j.
19. TJSP- 2• Câm. Cível- AC nº 237.459- rel.Des.Lafayette Salles Jr. 29111173- publ. RTJ 681258.
- j. 24/9/74- publ. RT 475/95. 23. Op.cit., tomo XVII,§ 2.013, pág.33, Ed. Borsoi, 1956.
20. TJSP- I•Câm.Cível- AC nº 178. 720-1/4-rel.Des.Luís de Macedo
- j. 24/11/92.

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trução jurídica é a das res communes omnium, sobre as quais de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou
todos têm direito. Tudo se passa à semelhança da invenção em conjunto, portadores de referências à identidade, à ação,
que se tornou coisa de todos, antes ou depois da patentea- à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
ção. Quando a lei se refere a 'denominações genéricas, ou brasileira, nos quais se incluem: 1- as formas de expressão".
sua representação gráfica e, bem assim, às expressões em- Aprimeira conseqüência que daí se extrai é que, quando uma
pregadas comumente para designar gênero, espécie, nature- palavra é registrada como marca, isto não significa que ames-
za, origem, nacionalidade, procedência, destino, peso, medi- ma não possa ser usada por outrem dentro de sua acepção
da, valor, qualidade, salvo quando figurarem nas marcas como semântica, ou seja, que não possa ser usada como símbolo
elementos verídicos, revestidas de suficiente forma distinti- semiológico para referir-se ao significado que lhe é atribuído
va' (DL 7.903, artigo 95, 5º) 2\ aludiu ao que é fundo comum de enquanto tal. Exemplificando, o registro da marca Estrela para
cultura e de indicação e ao que, por sua generalidade, não identificar brinquedos não impede a coletividade de empre-
poderia individualizar, ou, individualizando, ofenderia direito gá-la para aludir aos astros celestes. Neste sentido, a palavra
de outrem que poderia empregar a mesma denominação ou seria irregistrável como marca, pois não se poderia atribuir a
expressão. Oque, se fosse de uso exclusivo de alguém, priva- um particular a propriedade sobre um vocábulo integrante
ria os outros de empregarem termo comum, não pode ser do idioma, de uso comum do povo.
registrado. 'O melhor canivete', 'a caneta perfeita', 'bomba As palavras só são apropriáveis como marca descontextuali-
automática', 'a folha: do cafeeiro' para pacotes de café, 'dois zadas, ou:seja, fora do significado semântico que lhes é ínsi-
cajus' para suco de caju são expressões e emblemas descriti- to. Este aspecto foi bem explicitado por julgado do antigo
vos irregistráveis". Tribunal Federal de Recursos, que destacou que "as expres-
Uma vez que as expressões comuns, vulgares, necessárias ou sões vulgares, quando aplicadas em designações diversas
genéricas estão intrinsecamente ligadas ao uso do idioma daquelas a que habitualmente se destinam, se podem consi-
enquanto forma de substantivar ou adjetivar as coisas, inte- derar como de fantasia, e registradas como tais merecem pro-
gram o vocabulário sem o qual as pessoas não podem se co- teção unicamente no âmbito da classe para a qual o registro
municar e se fazer entender. São, pois, de domínio público, foi concedido" 26 .
de uso comum do povo, a exemplo do estado da técnica de Outra' conseqüência importante reside no disposto nos arti-·
que trata o artigo 11, caput e§ 1º, da Lei 9.279/96 25 . Fazem gos 65 e 66 do Código Civil. Àluz destes dispositivos, os bens
parte do patrimônio cultural do país, nos termos do artigo de uso comum do povo, "tais como os mares, rios, estradas,
216 da Constituição Federal de 1988, que em seu inciso I assi- ruas, praças" e, acrescentamos, o idioma - são públicos e
nala que: "constituem patrimônio cultural brasileiro os bens como tal integram o patrimônio da União. Ora, isto torna di-

24. O tema hoje vem regulado pelo artigo 124, VI, da Lei de do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso
Propriedade Industrial (9.279/96). ou qualquer outro meio, no Brasil e no exterior, ressalvado o
25. "Artigo 11. A invenção e o modelo de utilidade são disposto nos artigos 12, 16 e 17".
considerados novos quando não compreendidos no estado 26. TFR- 6' Turma- AC nº 78.471-RJ- rei. Min.Américo Luz- j.
da técnica. § Iº O estado da técnica é constituído por tudo 18110/82- pubi.DJU 2112182.
aquilo tornado acessível ao público antes da data dedepósito

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tos bens inalienáveis e insusceptíveis de prescrição as ações exegese está em consonância com as regras hermenêuticas
cabíveis contra quem quer que os queira usurpar. relativas à prescrição e decadência, segundo as quais a apli-
Esta peculiaridade é destacada por toda a doutrina. No dizer cação destes institutos deve receber interpretação restritiva37 .
de Clóvis Bevilácqua, "não são sujeitos a prescrição os direi- Assiste razão a Gabriel Francisco Leonardos, portanto, quan-
tos da União, dos Estados e dos Municípios sobre os bens do destaca que "a ação para que se decrete a nulidade de regis-
públicos (artigos 66 e 69)" 27 . Hely Lopes Meirelles assinala ao tro de marca com fundamento em falta de distintividade pode
seu turno que "a imprescritibilidade dos bens públicos de- ser proposta a qualquer tempo" 36• Como assinalam Mário Au-
corre como conseqüência lógica de sua inalienabilidade ori- gusto Soerensen Garcia e Cláudia Alves, não se deve admitir a
ginária"28. Para José Cretella Júnior, "tratando-se dos bens que convalescença do registro de denominações genéricas em vir-
fazem parte da dominialidade pública, seu regime jurídico tude de ter sido ultrapassado o prazo de decadência para o
superpõe-se às regras do direito de propriedade, tais como ajuizamento da ação de nulidade. Este prazo, repetimos, não é
as coloca o direito civil, porque agora estão em jogo prin- aplicável ao inciso VI do artigo 124 da LPI, pois do contrário
cípios específicos - inalienabilidade, imprescritibilidade, im- estar-se-ia dando guarida à apropriação, por um particular, de
penhorabilidade - que distinguem os bens públicos, alteran- um bem essencialmente público, sujeitando a um prazo deca-
do profundamente a antiga sistemática conhecida no campo dencial uma ação que, por normas específicas e de maior hie-
29
do direito priyado" .No mesmo sentido posicionam-se José rarquia, é imprescritível e imune à atuação do tempo.
Afonso da Silva30 , Maria Sylvia Zanella Di Pietro31 , Celso Antô- Pot se tratar de vício de ordem absoluta, o efeito da declara-
nio Bandeira de Mello32 e Odete Medauar 33. ção de nulidade há de ser ex tunc, não importando o momen-
No ordenamento jurídico, a inalienabilidade e imprescritibili- to em que esta ação seja ajuizada. As normas supra-aludidas
dade dos bens públicos encontram-se contempladas no arti- impedem que o tempo consolide algum direito para o titular
go 67 do Código Civil ("os bens de que trata o artigo antece- do registro anulando. Oato inválido não gera direito adquiri-
dente só perderão a inalienabilidade que lhes é peculiar, nos do, mormente à luz da não sujeição da ação de nulidade a
casos e forma que a lei prescrever"), nos artigos 183, § 3º, e prazo decadencial, quando relativa a expressão de uso co-
191, § úni~o, da Constituição Federal de 198834, no artigo 12, § mum, genérico, vulgar ou necessário.
1º, do DL 710, de 17 de setembro de 193835 e na Súmula 340 do ' Não havendo lapso decadência! para a ação de nulidade de
Supremo Tribunal Federal 36 • registro, sempre que fundada em falta de distintividade, esta
Se em relação aos bens públicos não há prescrição aquisitiva, invalidade é passível de ser suscitada como matéria de defe-
também não pode haver prescrição extintiva quanto às ações sa, ainda que já tenham transcorridos mais de cinco anos da
que visam reincorporá-los ao patrimônio público. Por força concessão do registro. Não terão incidência aqui as pondera-
destes princípios, o artigo 174 da Lei da Propriedade Industrial ções feitas quanto ao advento da decadência não mais permi-
não é de ser aplicável ao registro de marca concedido com tir a alegação do direito por via de exceção, pois não terá
ofensa ao inciso VI do artigo 124 do mesmo diploma legal. As havido na espécie decadência e o direito de suscitar a invali-
normas supra-aludidas afastam na espécie a vigência do pra- dade conservará a sua força seja por meio de ação, seja por
zo qüinqüenal previsto no artigo 174 da Lei nº 9.279/96 à luz meio de defesa. Élícito, portanto, proceder ao reconhecimento
do princípio da especialidade. Esta regra geral continua regu- incidental da nulidade do registro de marca concedido a ex-
lando as demais espécies contidas no artigo 124 da LPI. Esta pressão genérica, de uso comum, necessário ou vulgar, mes- ·

27. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, vol. I, 35. "( ... ) Não corre usucapião contra os bens públicos de
pág. 350, Ed. Francisco Alves, 1956. qualquer natureza:'
28. Direito Administrativo Brasileiro, pág.455, Ed. Malheiros, 1996. 36. "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominiais como
29. Manual de Direlfo Admúlistrativo, nº 236, pág. 282, Ed. Forense, os demais bens públicos não podem ser adquiridos por
1979. usucapião:'
30. Curso de D1relfo Constitucional fbsitivo,pág.278,Ed.Malheiros, 37. Neste sentido, Pontes de Miranda (op cit, tomo VI, § 666, pág.
1998. 126),Washington de Barros Monteriro (Curso de Direito Civil,
31. Direito Administrativo, pág. 374, Ed.Atlas, 1992. parte geral,pág. 303, Ed. Saraiva, I962), Carlos Maximiliano (op.
32. Curso de Direito Administrativo, págs. 529/531, Ed. Malheiros, cit., nº 347-C, pág. 284) e Vicente Rao (O Direito e a Vida dos
1996. Direitos, vol.l, nº' 141 e 144, págs. 231 e 234, Ed. Max Limonad,
33. Direito Administrativo Moderno, pág. 265, Ed. RT, 1998. 1952).
34. "Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião:' 38. Op. cit, pág. 50.

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AINVALIDAÇÃO DAS MARCAS CONSTITUÍDAS POR EXPRESSÕES DE USO GENÉRICO, VULGAR, COMUM OU NECESSÁRIO

mo que o lapso qüinqüenal a partir da outorga do título já entendida como sendo o próprio. Casos típicos que nos vêm
tenha sido ultrapassado. à lembrança dizem respeito às marcas Xerox, de conhecimen-
Cumpre notar que a ação de nulidade prevista nos artigos 165 e to internacional, e Isopor, de empresa nacional. Difícil será
173 e seguintes da LPl não é a única que cabe contra a conces- para quem quer que seja solicitar uma "cópia eletrofotográfi-
são de registro de marca a uma expressão de uso genérico, ca", porque sempre, indiscutivelmente, pedirá uma "cópia xe-
comum, vulgar ou necessário. Com efeito, a Lei nº 7.347/85 con- rox", não importando qual a máquina que a tire. Por outro
templa, nos incisos lll e IV de seu artigo 1º, o cabimento de ação lado, ninguém é capaz de pedir "um balde, uma caixa, um re-
civil pública contra condutas lesivas a bens públicos e outros cipiente de poliuretano granulado e expandido", porque a sua
interesses difusos e coletivos. Ao contrário do que os artigos solicitação recairá sempre em "um balde, uma caixa, um reci-
3º e 4º desta lei podem sugerir, a ação civil pública pode ter por piente de isopor"40 •
objeto não só pedido cautelar ou de condenação em dinheiro Nesta hipótese, a falta de distintividade será superveniente.
ou obrigação de fazer ou não fazer, mas também qualquer ou- Será que se poderia falar aqui em nulidade? Parece-nos que
tro pedido hábil- de cunho declaratório ou desconstitutivo- a não. Este vício fulminao ato por defeito existente em seu nas-
reparar ou impedir a lesão, por força da remissão que o artigo cedouro. Pode variar, por certo, a eficácia do reconhecimen-
21 de tal diploma legal faz ao Código de Defesa do Consumidor to desta invalidade, quer esta seja absoluta (ex tunc), quer
e à luz do quanto estatui o artigo 83 deste39• seja relativa (ex nunc). Tanto num caso quanto noutro, po-
' , rém, o motivo que levou à ·Invalidade terá sido concomitante
à formação do ato em questão (que no caso consiste na con-
5. NUUDADE SUPERVENIENTE OU PERECIMENTO DO DIREITO?
cessão do registro).
É possível, porém, que à época da concessão do registro a Sobre o tema, ensina Antônio Junqueira de Azevedo41 que "a
marca não fosse de uso comum, vulgar, genérico ou necessá- validade é, pois, a qualidade, que o negócio deve ter, ao entrar
rio, mas que assim tenha se tornado com o passar do tempo. no mundo jurídico, consistente em estar de acordo com as
No dizer de José Carlos Tinoco Soares, "esta atuação é devi- regras jurídicas ('ser regular')". Caio Mário da Silva Pereira42
da primordialmente à má aplicação das marcas na distinção igualmente destaca que "é a nulidade a sanção para a ofensa
dos p;odutos no mercado, posto 'que deveriam elas especifi-' à predeterminação lega1". Portanto, a mácula caracterizadora
car os produtos que assinalam, cujo elemento característico da invalidade deve existir no momento da prática do ato jurí-
é a marca, e não deixar que a marca de produto passe a ser dico ao qual a mesma se refere.

39. 'fl,rtigo 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos Universitária, 1998) e Rodolfo de Camargo Mancuso (Ação
por este Código são admissíveis todas as espécies de ações Civil Púb/ica,pág.36,Ed.RT, 1997).
capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela." Sobre 40. "Os Direitos da Propriedade Industrial como Instrumentos
esta integração entre as normas de direitos difusos e coletivos, para a Defesa do Consumidor", in RT 549/31.
vide Nélson Nery Júnior (Comentários ao CPC, pág. 404, Ed. 41. Negócio Jurídico - Existência, Validade e Eficácia, pág. 52, Ed.
RT, 1996,em colaboração com Rosa de Andrade Nery,e Código Saraiva, 1986, grifamos.
Brasileiro de Defesa do Consumidor, pág. 774, Ed. Forense 42. Instituições de Direito Civil, voi.I, nº 109, pág. 439, Ed. Forense,
1990, grifamos.

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A INVALIDAÇÃO DAS MARCAS CONSTITUÍDAS POR EXPRESSÕES DE USO GENÉRICO, VULGAR, COMUM OU NECESSÁRIO

Esta sistemática é incompatível com a situação ora em foco. Em suma, a superveniente falta de distintividade opera tal qual
Antes de perder a distintividade, o registro de marca não con- uma condição resolutiva e leva à extinção do direito de exclusivi-
tinha nenhum vício ou ineficácia. Não pode, pois, vir poste- dade sobre o registro, extinção esta que pode ser reconhecida
riormente a ser reputado como nulo, pois o ordenamento ju- tanto incidentalmente quanto por meio de ação declaratória para
rídico não contempla hipóteses de nulidade superveniente. tanto ajuizada. Esta ação declaratória não se sujeita ao prazo
Conseqüentemente, o prazo do artigo 174 da LPI não tem apli- decadencial que o artigo 174da LPI contempla para o ajuizamen-
cação na espécie, já que o mesmo só se refere à ação de nuli- to das ações de nulidade de registro de marca. Este dispositivo
dade, não sendo esta a ação cabível na hipótese. só se aplica às ações cuja causa de pedir se situa no plano da
Quando a falta de distintividade vier a se manifestar pos- invalidade dos atos jurídicos. Já alide que integra a ação declara-
teriormente à outorga do título de propriedade sobre a mar- tória acima aludida diz respeito ao âmbito da ineficácia dos atos
ca, não nos parece que seja caso de nulidade ou mesmo de jurídicos (não se alega que a concessão do registro tenha sido
anulabilidade, mas sim de superveniente ineficácia. Ao setor- nula, mas sim que o direito nele contido extinguiu-se), não ha-
nar genérica, a marca terá perdido a sua característica essen- vendo prazo estipulado para o seu ajuizamento.
cial (a distintividade). Isto acarretará o perecimento do direi-
to de exclusividade que advinha do registro. Incidirá na espé- 6. CONCLUSÕES
cie o artigo 77 do Código Civil: "perece o direito, perecendo o
seu objeto", tendo-se presente o disposto nd artigo 78, inciso I. Qudndo uma expressão é registrada como marca, isto não:
I, do mesmo diploma legal, sendo o qual "entende-se que pe- significa que a mesma não mais possa ser empregada por
receu o objeto do direito: 1- quando perde as qualidades es- outrem dentro de sua acepção semântica, isto é, como sím-
senciais ou o valor econômico". Tudo se passará como os bolo semiológico para referir-se ao significado que lhe é atri-
terrenos definitivamente invadidos pelo mar: extingue-se o buído enquanto palavra integrante do vocabulário. As pala-
direito de propriedade que sobre eles havia. vras só são apropriáveis como marca descontextualizadas,
As hipóteses de extinção do registro de marca não estão ou seja, quando não guardam relação com o objeto que usual-
exaustivamente contempladas no artigo 142 da LPI 43 • Há de mente designam.
'
ser acrescentada '
a hipótese de que cuidam os artigos 77 e 2. 'As expressões comuns, vulgares, necessárias ou genér1cas
78, I, do Código Civil. Esta regra geral se aplica cumulativa- estão intrinsecamente ligadas ao uso do idioma enquanto for-
mente àquela norma especial, pois entre elas não há coli- ma de substantivar ou adjetivar as coisas, integrando o voca-
dência. Como preconiza o artigo 2º, § 2º, da Lei de Introdu- bulário, sem o qual as pessoas não podem se comunicar e se
ção ao Código Civil, "a lei nova, que estabeleça disposições fazer entender. Diante de sua absoluta falta de distintividade,
gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem não podem ser registradas como marca, quando esta se refe-
modifica a lei anterior". rir aos produtos, mercadorias ou serviços ligados ao signifi-
Diante deste perecimento de direito, não mais subsiste a obri- cado que estas expressões têm na qualidade de vocábulo cons-
gação passiva universal de abster-se do uso da expressão que tante do idioma.
havia sido registrada como marca. Ainexistência desta rela- 3. Por serem de uso comum do povo, tais expressões são de
ção jurídica pode ser reconhecida seja por intermédio de ação domínio público e integram o patrimônio cultural do país, nos
(de cunho declaratório, nos termos do artigo 4º, inciso I, do termos do artigo 216, inciso I, da Constituição Federal de 1988 e
CPC44, e como tal imprescritível), seja por meio de defesa. dos artigos 65 e 66 do Código Civil. Isto torna estas expressões
Tanto numa quanto noutra situação, o artigo 124, VI, da LPI inalienáveis e insusceptíveis de prescrição ou decadência as
será útil não para demonstrar a nulidade do registro, mas sim ações cabíveis contra quem quer que delas tenha se apro-
a superveniente perda do direito (e conseqüente ineficácia) priado, a teor do disposto nos artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo
que nele vinha consubstanciado, devendo-se conjugá-lo com único, ambos da Constituição Federal, no artigo 67 do Código
os artigos 77 e 78, I, do Código Civil. Civil, no artigo 12, § 1º, do DL 710/38 e na Súmula 340 do STF.

43. '1\rtigo 142.0 registro da marca extingue-se: I- pela expiração pela marca; III- pela caducidade; ou IV- pela inobservância
do prazo de vigência; I!- pela renúncia, que poderá ser total do disposto no artigo 217:'
ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados 44. '1\rtigo 4º-0 interesse do autor pode se limitar à declaração:
I- da existência ou inexistência de relação jurídica:·

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AINVALIDAÇÃO DAS MARCAS CONSTITUÍDAS POR EXPRESSÕES DE USO GENÉRICO, VULGAR, COMUM OU NECESSÁRIO

4. Estas peculiaridades fazem com que o lapso decadencial 7. Na hipótese da palavra ter se tornado de uso comum, vul-
de que cuida o artigo 174 da LPI seja inaplicável à hipótese de gar, necessário ou genérico posteriormente ao seu registro
nulidade contida no artigo 124, VI, do mesmo diploma legal. como marca, a discussão deve ser travada não no plano da
Portanto, a ação de nulidade para declarar a invalidade ex nulidade ou anulabilidade, mas sim a nível de ineficácia su-
tunc de registro de marca concedido com ofensa a esta norma perveniente. Afalta de distintividade acarretará o perecimen-
é imprescritível e pode ser exercida a qualquer tempo. Esta to do objeto do registro, fulminando o direito que dele advi,
matéria também pode ser suscitada por meio de ação civil nha, nos termos do artigo 77 e 78, inciso I, do Código Civil
pública e a título de defesa, mesmo após o transcurso do lap- (que complementam o rol do artigo 142 da LPI). Tudo ocorre-
so qüinqüenal contido no artigo 174 da LPI. rá como se tivesse havido o implemento de uma condição
5. Por não haver decadência na hipótese, o direito de obter o resolutiva, extinguindo-se a eficácia do registro.
reconhecimento da nulidade dos registros de marca concedi- 8. É irrelevante para obstar esta extinção que já tivesse sido
dos com ofensa ao artigo 124, VI, da LPI permanece íntegro, ultrapassado o lapso qüinqüenal do artigo 174 da LPI. Este dis-
podendo ser exercido tanto por ação quanto por exceção, no positivo é totalmente inaplicável, por só se referir às ações que
bojo de defesa apresentada em ações de abstenção de uso, questionam os registros de marca no plano da validade. Não é
indenização etc. Não se aplica aqui a máxima segundo a qual, esta a ação cabível na hipótese de ineficácia superveniente, pois
uma vez decaído o direito, o mesmo não mais pode ser susci- aqui não se alega a invalidade do registro ao tempo de sua con-
tado por ação ou por exceção. cessão, :mas sim o seu posterior perecimento. Esta superve-
6. Oordenamento jurídico não acolhe hipóteses de nulida- niente ineficácia pode ser suscitada tanto por meio de defesa
de superveniente. Se o registro de marca, ao tempo em que quanto por intermédio de uma ação com vistas a declarar a
foi praticado, não contemplava nenhum vício de invalidade, inexistência (insubsistência) da obrigação de respeitar a exclu-
não pode posteriormente vir a ser reputado como nulo ou sividade do registro de marca ou de indenizar os prejuízos que
anulável. o desrespeito a esta exclusividade tiver originado.

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