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15.3 Principios e Métodos Modernos da Datagao Absoluta 15.3.1 Decaimento radioativo e a datacio absoluta Como visto anteriormente, a estimativa da idade da Terra variou muito dos séculos XVI a XIX. Com a descoberta da radioativ lade, este tema ga- hou maior estimulo, ja que estudos realizados por Matie ¢ Pierre Curie e por Bertram Boltwood, no inicio do século X: , mostraram a possibilidade de empregar um étodo fisico na determinacio da idade da Terra, Porém, antes de mostrarmos como € possivel determinar a idade das rachas ¢ mine- tais, vamos entender a radioatividade ¢ o fendmeno de decaimento radioativo. (Os minerais eas rochas, assim como toda a ma- téria do nosso planeta, sio constituides por elementos quimicos que, por sua vex, sao forma: dos por itomos. O miicleo de um atomo é composto por protons e néutrons ¢ é rodeado por uma nuvem de elétrons (Fig, 15.13). O namero de protons determina 0 niimero atémico (Z) do ele mento quimico e suas propriedades ¢ caractetisticas Assim, uma mudanga no ntimero de protons for- ma um novo elemento quimico com diferente cestrutura atémica e, conseqiientemente, diferentes propriedades fisicas © quimicas A soma do niimero de prdtons ¢ néutrons de um atomo €, por sua vez, denominada ntimero de massa do tomo (A). O Carbono, por exemplo, br ea tem atimero atémico 6 € nimero de massa 12, 13 ou 14, dependendo do aiimero de néutrons pre- sentes no scu ndcleo, Elementos com o mesmo rniimero atémico mas com diferentes mimeros de Jos isétopos (Fig, 15.13). A grande maioria dos isdtopos € estavel, tais como os do C,€"C,, mas outros, como o MC, sio instaveis. Osisstopos instaveis (radioativos) sio importantes na geologia uma ver que sua taxa de decaimento pod de formagio de minerais ¢ rachas. ser usada para determinar idades absolutas Decaimento radic ivo & uma reagio espon- tinea que ocorre no niicleo do atomo in: ravel que se transforma em outto tomo estivel; os eléteons que orbitam 0 nicleo nio sio envolvidos no pro- cesso. O elemento com niicleo atémico instavel, em decaimento radioativo, é conhecido como elemen- to-pai ou nuclideo-pai; 0 novo elemento formado com nticleo atémico estivel € denominado elemen- to-filho ou nuclideo-filho (ou radiogénico), O proceso de decaimento pode ocorrer de trés for- mas di rentes, todas resultando em mudangas da cstrutura atomica: decaimento alfa, decaimento beta ¢ decaimento por captura de elétron (Fig. 15.14) Alguns elementos instiveis se transformam em es- tiveis através de um iinico tipo de decaimento, Por exemplo, o "Rb (nuimero atémico 37) decai para "St (niimero atémico 38), emitindo aper s uma pasticula beta; 0 "K (aiimero atomico 19) deeai para "Ar (aii mero atémico 18) com uma nica captura de elétron, Outros is6topos radioativos softem decaimentos con: a secutivos até se tornatem isétopos estiveis: (aximero atdmico 92) , por exemplo, deeai para "Pb 2 @ S 8 6 a g Ss : \ g @ : ® *] \ Jf op & / ree a ay 12¢¢ carbone2) 12¢4 earbono13) "4c, carbono 4} Bee Prston de um estays. peratura atual da sujleeade 0: isétopes de Corbono, Todos tém o mesmo nimero ctémico (2 ssa diferentes (A modelo, postulou valores par Neutron Eltron 6), que €iguel oo ndmero de 12, 13 ov 14), de acordo com o nimero de néurons (6, 7 ov 8) no niclea eee ett et mrt) (niimero atémico 82) apis a emissio de sete particu- las alfa € seis particulas beta, enquanto 0 6 decai para Pb através da emissio de oito particulas beta ¢ seis particulas beta (Fig. 15.15). Durante 0 decaimento radioativo, cada clemen- to-pai leva um ninado tempo pata se transformar em elemento-filho. Estudos de labo- ratério tém mostrado que as taxas de decaimento (denominadas constantes de desintegragio) aio sio afotadas por modangas fisicas ou quisnicas do ambiente, [sto é importante pois assegura que a taxa de decaimento de um dado isétopo seja indepen: dente dos processos geologicos. Portanto, esta taxa a mesma no manto, no magma, sum dado mine ral ow numa toch Usa-se o conceito de meiavida para expressar ws taxas de decaimento radioativo, ou seja, 0 tem: lode. Alera Sino “otameon e- eG Fig. 15.14 Os trés tipos de decaimento radioative. 0) Decaimento alfa, no qual o nicleo instével perde dois prdtons € dois néutrons, diminuindo seu niimero atémico fem 2 @ sua masse alémica em 4. b) Decaimenta beta, no uol um dos néutrons do nidcleo emite um elétron, trans formando-se em préton, © que aumenta o nimero atémico fem I, mas nao oltera o seu niimero de massa, c) Decoimento por captura de elétron ocorre quando um préton coptura um elétron da camado de eléirons que rodeia © nucleo & se transforma em néutron, diminuindo seu nimero atémi ‘co.em um, mas ndo afelande seu nimero de massa, po decostido para que a metade da quantidade ori- inal de éromos instaveis se transforme em étomos estiveis. Por exemplo, apds decorrido © tempo de ama meia-vida, um elemento com 1,000 étomos ins- 300 dicomos instiveis (radioativos) ¢ 500 fitomos estiveis (tadiogénicos). Apés duas meia-vi- das haverd apenas 250 dtomos instaveis e 750 ftomos estaveis (Fig. 15.16). © decaimento radioa- tivo nio depende da massa do material presente, mas da probabilidade estatistica de deeaimento, Assim, nao importa a quantidade inicial do elemento radioativo presente, seja ela um grama ou uma to- nelada, pois as chances do decaimento radioative sio rigorosamente iguais para cada dtomo. Apés o tempo correspondente a uma meia-vida, a metade da massa original do elemento-pai ter se converti- do em elemento-filho. s6topos ¢ da atu © conhecimento da meia-vida dos varios | razdo entre © atimero de ito- mos dos elementos pai e filho da amostra que permite a determinacio de idades de minerais rochas. A Tabela 15.3 apresenta os principais is6topos utilizados em datagio radiométrica e suas respectivas meia-vidas DO ae CRS i HY “Ste cca capt | Toma AS BT SARKIS Fig. 15.15 Série de decoimento radioatvo da Urénio 238, P°U,,) pare Chuo 206 PP, Nee proceso, cua mei vid ¢ de 4,47 blhdes de onos,«-emissGo de porculos ale poriculas bts ranslorma o Urénio 238 (adioatv) em Chum bo 206 {radiogérico}, um elemento estvel, aps ter sda formade momenteneamente um grande nimero de elemen- tos intermedirs, também radioatvos. kr7 we Proporsio de ctomos-pairestantes Fig. 15.16 Decoimento radioativo ¢ 0 Mineral na época de erctalzacoe + Aomoe de clemente-pai + Atomes do elemento-filho ‘Ape uma meia-vida ‘Apés duos meia-vidos 1 Apes tris SEIS ARIS lee to de me‘o-vida. a} A meia-vida de uma vela carresponde, rigorosomente, 20 tempo necessério para queimar 2 metade dela porque a queime depende, dietomente, do nimero de dtowus presente na vel b} Ne decoimenio radioatv 0 processo & diferente, envolvendo o presente. Na curva de decaimenteredioativo, cade unida: ora que metade dos étomos do elemento-pol (radia bilidode dos nicleos dos étomes, independentemente do masse fe tempo equivale a uma meio.vida, que representa o tempo necesséria } se ransfore em étamos do elemento fh (radiogénico. Tabela 15.3 Isétopos mais utiizados em datacéo radiométrica e suas respectivas meio-vidas, Potéssio 40 (*K) rio 40 {Ar} 13 Rubidio 87 (PRE) Estréncio 87 P'S) 488 Sameéio 147 ("Sm) Neodlimio 143 {Ne 106 Teri 232 (Th) CChumbo 208 (Pb) 14,01 Urdnio 235 fu) ‘Chumbo 207 (Pb) 0,704 Urdnie 238 PU) ‘Chumbo 206 Pb) 447 Rénio 187 (""Re} Osmio 187 (70s) 42,3 15.3.2Como se determina a idade de uma rocha ou de um mineral? © ramo da geologia que trata da datagio de ro- chas € conhecido como Geocronologia. Para determinar a idade de uma rocha ou mineral é possi- vel aplicar virios métodos radiométricos, sendo que esta escolha depende da composic¢io quimica do ma- terial a ser datado, da sua provavel idade também do tipo de problema geoldgico que se pretende esta dar. Os métodos radiométricos mais comumente utilizados na geocronologia sio: “K-Ar, "Rb-Sr, U-Pb, °° Pb-™Pb © !Sm-!"Nad, Todos esses métodos exigem laboratdrios quimi- cos especiais, onde o ar é punificado através de filtros, © ambiente € mantido sob presséo ligeiramente mais alta que o ar fora do laborat6rio e as anilises quimicas Slo realizadas em capelas de fluxo laminar de ar (Cap. 12), empregando apenas reagentes superpuros, tudo para evitar problemas de contaminacio, Apés a ptepa- tacio quimica da amostra, as razdes entre os istopos cde um mesmo elemento sio determinados com grande Precisio num equipamento computadorizado chama- do espectrometro de massa co A obtencio de idades de minerais e rochas, inde- pendente do método adotado, € feita utilizando 2 equagio fundamental da geocronologia, basca- da no proceso de decaimento radioativo, represeatada pela seguimte formula NEN t=(/,)In(N/N) se N,=N+ Rentio: 1=(/) n+ E/N) onde: 1N = mimero de dtomos do is6topo mdioativo (le- ‘mento-pai) medido hoje na amostra 1N, = quintidade nical do isétopo radioativo no mo- mento do fechamento do sistema FF = niimero de étomos do isdtopo mdiogénico (cle~ ‘mento-flho) medido hoje na amostra {= tempo decorrido desde o fechamento do sistema ‘sotépico (dade do sistema) 1. constante de desimtegracio do clemento-pai, A datacio pode ser feita em minerais ou auma amos ta representativa de rocha, visando a definigio da idade da cristalizagio da rocha ignea ou da idade do rnvetamorfismo ou da deformagio softida, (Os métodos nidiométticos envolvendo isétopos com Imeia-vida longa (Tabela 15.3) sio os mais utlizados para ddatagio de rochas mais antigas, como as pré-cambrianas. Is6topos de meia-vida curta io utilizados para a dataco cde materiais geolbyicos e eventos niuita mais jovens; 0 4C3por exemplo, com meia-vida de 5.730 anos, é utilize do pura datacdo de materiais de até 70.000 anos, Porém, recursbs tccnoligicos modernos tém permitido empre- gar alguns isétopos de meia-vida longa no estudo _geocronoligico de materiais muito jovens, Os isstopos radioativos de meia-vida longa empregn- dos na geocronologia slo urinio, cori, rubidio, potissio € samitio. A maioria d es elementos niio forma seus roprios minerais, mas ocorrem como “impurezas” nos ‘inetais formadores de rocha, Quando um mineral se forma, os elementos radioativos presentes continua a dlecair, mas agora os elementos radiogénicos podem se acumular no mesmo retculo cristaino onde esta local zado o elemento-pai. Vamos exemplificar este processo usando 0 isd¢opo "Ar, o elemento-filho produzido pelo decaimento do”'K. Por ser um gis nobre, 0 argénio no Patticipa das ligacdes quimicas, estando como tal aprisio- nado mecanicamente no reticulo cristalino do mineral Durante o resfiiamento de um cristal de homblenda, a retengio de argénio se dé a temperatatas em tomo de reer eee 300"C; jé na biotita esta temperatura é da ordem de 300°C. Se 0 mineral apés atingir esta temperatura for rovamente aquecido speraturas mais alas, o reticulo ciistalino se abre, ocorrendo o escape ou, eventual te, a entrada de arg6nio por difaso, A temperatura em «qc © sistema isot6pico se fecha, e por conseajignca, dé inicio ao funcionamento do “ gio” radiomeétrica, & conhecida como temperatura de bloqueio. Cada mé- | todo radiométrico possui uma temperatura de bloqueio dlistina, Desta forina, quando dererminamos a idade de uma hombienda pelo método K-As, estamos, na verda- dd, determinando a época em que © mineral esteve temperatura de 500°C pela ima vez. Por outro lado, a ‘dade da biotita da mesma rocha, obtida pelo mesmo ‘étodo, indica a Epoca quando a rocha esteve& tempe satura de cerca de 300°C. O método K-Ar & muito usilizado para determinat © tempo envolvido no resfriamento de corpos igneo: ou 0 término de um processo metaméntico, entre ou ttas aplicagdes. A presenga de Kem muitos mineras da costa temestre toma este método aplicével em grande nnimero de rochas, enquanto seu tempo de meia-vida permite a datagio de minerais desde muito ovens 60.000 anos) até muito antigos, da ordem da idade da Tera Avangos tecnol6gicos introduziram uma variante do metodo K-Ar que fornece idades muito precisas. Eo método Ar” Ar, que através de sistemas de fusio pon- i tual a daerpossibilita a andlise de cristas individuais. Em | 1997, Paul R. Renne do Laboratétio de Geocronologia de Berkeley, California, E. U. A, analisow amostras de rochas vulcinicas da famosa erupgio do Vesivio que causou 2 destruigio de Pompéia no ano 79 depois de Cristo, Anilises isotopicas de argénio num cristal de sanidina (feldspato com alto teor de potissio) fornece ram uma idade “Ar-Ar de 1.925 + 94 anos, que é ccomparivel &idade da crupeio. A eficicia desse método fem matetiais geologicos muito jovens expande sua apie cago parainsestigacGes arqueoldgicas eestudos de outros registros histéricns da Terra Um outro método radiomérice muito utlizado para datagio de minerais € 0 método U-Pb, que se baseia no decaimento de dois isdtopos radioativos de utinio, o°°U € 0 *U, gerando os isdtopos radiogénicos, 0 "Pb ¢ 0 2+Pb, respectivamente, Cada um destes pares €U2"Pb ¢™"U2"Pb) fomece uma idade independente e quando coincidem costuma-se chami-las idades concordantes Langados em grifico "*U-*"Pb vs. ®"U"Pb, os pontos de todas as idades concordantes definem curva con- cordia (Fig, 15.17). Por outro lado, idades discordantes centre os dois sistemas sio devidas, em geral, a perdas de Pb do mineral, e neste caso os pontos analiticos se ali ‘ham numa reta denominada discérdia. A intersecgio dessa feta com a curva coneddia define aidade de cis talizagao do mineral pp ™8y roy Fig. 15.17 Diagrame Concérdia. Neste caso, a idade de cris- toltzagdo dos crstois de zrcdo analisados 6 obtide através do intercepto superior da rete discérdia com a curva coneéidia. No método U-Pb nfo sio uslzadas homblendas ox rieas, mas minerais que contém Uninio no seu reticulo cristal, tais como zircio, titanita, monazita, etc, Fstes miners, principalmente o zircio (Fig, 15.18), apresentam ‘um reticulocristalino muito resistente, que retérm com maior cficincia tanto os elementos.pai (Ceinio) como os ele- mentos-filho (Chumbo), Alén temperaturas de blogueio m disso, apresentam 10 altas para o sistema isotdpico U-Pb: cerea ce 800°C no exso do zircio; entre 650 ¢ 700°C para tanita; ¢ cerca de 650°C para monazita Devido a esta alta temperatura de bloqucio, 0s ziredes fio capazes de preservar a idade da cristalizigio da rocha ‘gnea original, mesmo em rochas metamorfisadas em Eicies anfibolito (Cap. 18). Adicionalmente, tendo em vistaa tem ppetatura de bloqucio relativamente mais baisa da tanita, esta pode ser empregada na deter o da idade de cventos superimpostos (metamorfismo, por exemplo) as sociados i formagio deste mineral. Os avangos recentes neste método possbiltaram determinagdes precisas em cristais minisculos de zircio, ou até em partes diferen de urn tinico erisal com evidéncias de sobrecrescimento durante um ou mais eventos Neste tkimo caso, € utiliza do um espectrimetro de massa de alta resolugio analitica,o SHRIMP (ensitie bob rsoltion mas spree que permite determinar a idade da esistaizacio jgnea do niicleo do mineral ¢ dos eventos metamérficos registrados no sobrectescimento ¢ porgoes recristalizadas do cristal (Fig, 15.18) Esta técnica foi utiizada na anilse de grios dettioos de zireio do conglomerado jack Hills da Austrlia, o que ppermitiu demonstra serem estes os materais mais antigos sencontrados no nosso planeta (42 bilhdes de anos). Ata- almente, © método U-Ph é considerado um dos mais Drecisos para catar eventos fgneos ¢ metamérficns, assim re en Fig. 15.18 Grée de zircd0 proveniente do sudoaste do Groenléndie formado por rstalzacao concéntrica ha 3,8 bi Ihées de anes. Do lado direilo, observa-se @ recitaizagio Porciol ocoride durante evento metomérfico, hé 2,8 bilhoes de anos. Foto: A. P Nuiman &P Kinney, como as fontes de material detritico em rochas sedimentares, Por estes motivos, este método tem sido "muito uslzado para caibrar a escala do tempo geolbgico, E possivel também utilizar amostins de rocha-total, cm vex de minerais individuais, para obter a idade de cristalizagio de uma rocha ignea ou a idade de metamorfismo, No caso do mérodo Rb-Sr, muito empre zgado principalmente com granitos, virias amostras de um mesmo corpo rochoso sio coletadas, seus teores e suas composigdes isotdpieas de Rb e Sr determinadas e os resultados lancados num diagrama®’Sc/*Sr vs. °Rb/*Se. Se as amostras analisadas forem da mesma idade, com a ‘mesma razo isot6pica inical dle Seda época da crstaliza 0 da rocha e sem diseirbios posteriores no seu sistema isot6pico, os dados obtidos deverio se alinha numa reta, chamada isécrona, Conhecendo-se a constante de decaimento do "Rb, podemos caleular com 0 emprego dda equacio da reta, lustrado pelo angulo de inclinacio da isccrona, a idade do eonjunto de amostras da rocha, Este ¢ 0 diagrama isocrénico (Fig, 15.19) Das tes classes dle rochas, as igneas so as mais ftcis de serem datadas, Por qué? Na cimaea magmiitica, os ele- mentos radioativos sofrem decaimento, libetando os

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