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Paulo cobra dízimo da "igreja" em 1 Coríntios 9:13-14?


"Não sabeis vós que os que ministram as coisas santas vivem das coisas do templo? E que os que
esperam no altar são participantes do altar? Assim também ordenou o Senhor aos que pregam o
evangelho, que vivam do evangelho." (1 Coríntios 9:13,14 BKJ) Será que Paulo cobra dízimo da
"igreja" de Corinto nesses versículos? Será que ele realmente está defendendo o salário pastoral
aqui?

Quem eram os destinatários de Corinto?


Mesmo sendo "dízimo" o assunto do presente estudo, é
importante definirmos quem eram os leitores para os
quais Paulo estava escrevendo sua carta, pois isso vai nos
dar nova e correta direção em nossa abordagem e
entendimento do tema. E não é difícil descobrir isso, basta
ver 1 Coríntios 10:1-2,18 e 2Co 11:21-22.

Por isso, irmãos, não quero que vocês percam o significado


do que aconteceu com nossos pais. Todos eles foram
guiados pela coluna de nuvem e todos passaram através
do mar, e em conexão com a nuvem e com o mar todos
foram imersos em Moisés ... Olhem para o Israel físico: os
que comem dos sacrifícios não participam do altar? [...]
Contudo, se alguém ousar orgulhar-se de algo - falo como o insensato! -, eu ouso. Eles são
hebreus? Eu o sou. São filhos de Israel? Eu o sou. São descendentes de Abraão? Eu o sou.

1 Co 10:1-2 e 2 Co 11:21-22, adaptado da BJC

Nos versículos acima, Paulo afirma que seus "pais", isto é, seus antepassados atravessaram o mar
com Moisés e foram guiados pela coluna de nuvem que Deus enviara para os proteger durante 40
anos nos desertos. Mas ele afirma que estes eram os antepassados de seus leitores também. Logo,
ele está escrevendo para uma comunidade de israelitas!

Além disso, Paulo também destaca que os líderes de Corinto eram israelitas, como deixa claro que
ele também era. Então, ele não estava escrevendo para nenhuma igreja evangélica ou católica,
como muitos imaginam.

Basta ver também como tudo começou nessa comunidade, em Atos capítulo 18, o qual faremos
breve análise abaixo:

Logo que chegou em Corinto, Paulo, cujo nome original é Shaul, isto é, Saul, se une a um casal de
judeus e começa a anunciar as boas novas em uma sinagoga judaica (At 18:1-4).

E para não deixar de frisar, naquela comunidade também haviam estrangeiros, conforme
menciona o v. 4. Ou seja, no contexto do 1º século de nossa era, judeus e estrangeiros viviam juntos
aprendendo a Lei de Deus, e isso dentro das sinagogas judaicas!

Como Saul e seus amigos encontraram certa resistência da parte de alguns judeus daquela casa de
reunião, então eles decidiram sair de lá e focar o anúncio de sua mensagem com os estrangeiros
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(gentios) que haviam recebido sua palavra. Daí eles se concentram na casa de Tício, que morava ao
lado da sinagoga. Ali, o próprio chefe da sinagoga continua frequentando as reuniões com Saul e
seus companheiros, então a temática do ensino deles não foge tanto do que o povo israelita já
estava acostumado. Ele fica ensinando essa comunidade por mais um ano e seis meses (vs. 6-11).

E assim nasce a comunidade de Corinto, formada de descendentes israelitas, mas também de


estrangeiros que aprendiam as Escrituras junto com o povo de Israel.

Mas o que tudo isso tem a ver com nosso conteúdo proposto aqui? É que Israel difere das igrejas
no seu lidar com os dízimos, então é por este ponto de vista que devemos considerar cada palavra
de Saul em suas cartas aos coríntios.

Então, Paulo realmente cobra dízimo em 1 Coríntios


9:13-14, ou não?

Sendo uma comunidade de quase totalidade judaica


nos primeiros anos de anúncio das boas novas do
Messias, seus discípulos sabiam muito bem que os
dízimos ordenados na Lei de Moisés, isto é, na Torá,
eram estritamente ligados à vivência nas terras de
Israel.

Eles [os dízimos] foram ordenados por Deus a serem dados em forma de alimentos (Lev.
27:30-33), e tinham destinatários e finalidades bem especificadas, conforme lemos na lista abaixo:

1. Eram para sustento da tribo de Levi, que não recebeu heranças territoriais em Israel como
as demais tribos e deveriam se dedicar para manutenção do serviço do templo de Deus (Nm
18:21-24; Ne 13:5).
2. Regularmente, estes dízimos também eram comidos em festividades anuais em Israel (Dt
14:22-26),
3. e ainda eram usados para alimentar órfãos, viúvas e estrangeiros pobres (Dt 14:27-29;
26:12).

Ora, os emissários (apóstolos) não poderiam cobrar dízimo em dinheiro dos irmãos, pois tirariam-no
de sua finalidade já definidas por Deus em Sua Lei. E no tempo deles estes dízimos continuavam com
as mesmas finalidades, basta ver Mt 23:23 e constatar que ainda eram dados alimentos como
dízimos. Além disso, Saul era da tribo de Benjamim, e não de Levi, por isso jamais poderia reivindicar
salário de dízimos para si, nem mesmo tais alimentos (cf. Rm 11:1; Fp 3:5). Se ele fizesse isso, ele
quem estaria roubando os dízimos bíblicos.

Portanto, e infelizmente o digo, só com este breve histórico concluímos que o dízimo que está sendo
pregado por aí nas igrejas não é o dízimo bíblico, e claramente é uma versão deturpada deste.

Se Paulo não cobra dízimo em 1 Coríntios 9:13-14, então o que ele quis dizer?

Saul, basicamente, recitou as palavras de Moisés e de seu Mestre em paralelo para mostrar que, os
emissários encarregados de anunciar as boas novas pelo mundo poderiam, e até deveriam, receber
suporte material e financeiro pelo seu intenso e dedicado trabalho.

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No versículo 13 ele lembra àquela comunidade, que já tinha conhecimento do ofício dos sacerdotes
levitas, que o sustento destes era proveniente do próprio ofício. A Torá garantia a alimentação dos
levitas com os dízimos das colheitas e dos rebanhos, bem como das ofertas de animais oferecidos
no altar, veja Nm 18:21-24, Dt 18:1, 2Cr 31:4-6, Ne 10:35-39.

No versículo 14, Saul recita as palavras do Salvador, que disse: "... quem anuncia as boas-novas que
seja sustentado por elas" (BJC). Essa palavra se encontra em Lucas 10:7.

Nesse trecho, no entanto, o Mestre nada menciona sobre o dízimo em dinheiro que temos hoje,
consequentemente nem de salário proveniente do dinheiro de dízimos.

O texto basicamente afirma que os crentes que recebessem tais pregadores em sua casa deveriam
ajudá-los com suas despesas, pois era para apoiar a mensagem de salvação do Messias.

Concluímos com isso que, lamentavelmente, os líderes religiosos que desviam o dízimo bíblico
mencionado em textos como Ml 3:10 e Mt 23:23 de seu real ensinamento, e criam para si com isso
super-salários, não estão só enganando o povo, mas promovendo também adulteração da doutrina
bíblica. É por isso que Paulo não cobra exatamente dinheiro do dízimo de seus irmãos.

Note mais uma vez que são duas citações em paralelo para esclarecer um ensinamento só:

1. "... quem trabalha no templo recebe o alimento do templo, e quem serve no altar partilha
dos sacrifícios oferecidos ali..." (ref.: Lv 6:14-16; 7:1-6,31-32; Dt 18:1);
2. "... quem anuncia as boas-novas que seja sustentado por elas" (ref.: Lc 10:7; Mt 10:7-10).

Então, é dever dos receptores da mensagem divina ajudar com as despesas dos mensageiros que
trabalham, ocasionalmente ou não, em tempo integral no anúncio da mensagem. Isso deve ser algo
analisado e acordado entre eles, porque é justo que os orientadores recebam um mínimo de apoio
pelo seu trabalho, vide 1 Co 9:4-6, 2 Co 11:8; cf. Gl 6:6. Saul e Barnabé, porém, abriram mão desse
direito para com a comunidade de Corinto, para evitar problemas, cf. vs. 11-15.

Além disso, vale ressaltar que, o próprio mestre Yeshua recebia ofertas voluntárias de algumas
pessoas que queriam lhe ajudar com suas despesas, basta ver Lc 8:1-3, por exemplo. Era com esse
dinheiro, dado espontaneamente por pessoas generosas, que ele e seus discípulos se sustentavam,
embora também usassem dele para repartir alguma coisa com os pobres, veja Jo 13:29.

Mas como mostramos, nem Paulo cobra dízimos, e nem o Senhor poderia fazê-lo, já que era da tribo
de Judá, não de Levi. Porque, como conferimos, os dízimos faziam parte do sistema civil israelita e
tinham destinos específicos. O sustento do Mestre e de seus discípulos vinha inteiramente da
generosidade espontânea dos irmãos. Quanto ao emissário Saul ("apóstolo Paulo"), as vezes ele
recebia sustento dos irmãos para se dedicar mais à obra de Deus, mas geralmente trabalhava para
garantir seu próprio sustento, veja At 18:5, 2Co 11:8-9, 2Ts 3:7-9 e At 20:32-35.

Portanto, Paulo não cobra dízimo de nenhum crente, mas ensina que todos deveriam ajudar os
obreiros que são enviados para anunciar as boas novas.

É claro que uma congregação pode optar por assalariar seus líderes, a fim de que se dediquem mais
ao ministério de ensino da Palavra, vide 1 Tm 5:17-18 e 1 Pe 5:2-3. Para tanto, porém, não é
necessário manipular os relatos bíblicos com interpretações adulterinas afim de atender a
conveniências. Os dízimos de Malaquias 3:10 ou Matias (Mt) 23:23 se referem àqueles ensinados na
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Torá, relacionados às colheitas e criação de gado e rebanho nas terras de Israel. Eles são destinados
para o sustento dos levitas e dos pobres que lá vivem, e para serem comidos regularmente nas
festas de peregrinação (no caso de haver um templo).

Não obstante a tudo isso, alguém pode se inspirar nos exemplos de Abraão e Jacó (que deram
dízimos), ou em textos como Provérbios 3:9-10, para dedicar espontaneamente uma porcentagem
de seus rendimentos a Deus, seja doando aos pobres e necessitados, ou para trabalhos diversos de
ensino das Escrituras Sagradas. Ora, os sábios do povo de Israel apóiam o dízimo em dinheiro como
tradição e não como mandamento bíblico, baseados nestes dois exemplos. Veja o rabino Rony
Gurwitz dando essa explicação num vídeo sobre o dízimo (a partir de 9:51), em seu canal no Youtube
(Contraste).

Concluindo: este tipo de dízimo (porque existem vários), é algo voluntário e pessoal do dizimista,
como o foi no caso de ambos patriarcas mencionados. Então, ninguém tem o direito de ficar
constrangendo o outro a entregar uma porcentagem de seu dinheiro sob ameaças de céu se
fechando, devorador destruindo ou maldições atacando a vida do crente, pois como vimos, esses
casos se aplicam a um contexto diferente.

Você pode conferir um histórico completo acerca da doutrina do dízimo no livro "7 Contradições
sobre o Dízimo pregadas nas Igrejas atuais", de minha autoria, disponível em versão digital na
Amazon Kindle.

Autor: Gabriel da Rocha Filgueiras (apoia.se/gabrielfilgueiras).


Publicação: Blog Bíblia se Ensina (bibliaseensina.com.br).
Conteúdo livre para ser compartilhado ou usado em estudos em grupo.

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