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| MIEN ene CH URL DER (Org.) ever textos na universidade: 22 EDICAO elaine ee Todos 0s direitos desta odigdo reservados a Pontes Editores Lida, Proibida a reprodugfio total ou parcial enn qualquer midia sem a autorizagtio escrita da Editora. Os infratores estilo sujeitos as penas da lei. ‘A Editora nfo se responsabiliza pelas opinies emitidas nesta Dados Internaciouais de Catalogaco ua Publicagso (CIP) EERE RSESEREANRINGnTEERTE! Diag, Juliana de Freitas, Ow) 5 . Ler (re)esorever textos na universidade: da prion tedrica ¢ do proceseo de aprondizagem-snsine ‘Campines, SP : Pontes Hditores, 2019 - 2 Bdigho Juliana de Freitas Diss (Om) Bibliografia. ISBN 978-85-7113-985-5 1. Leitura e eacrita.- eneino e aprandizagen 3. Formagflo dé professares 1. Titulo Lad eine make Ler E (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM- EN =| 10 CAPITULO 10 NOTAS SOBRE ESTILO Marcia Niederauer! A visibilidade € 0 respeito que nossa presenca receberd em determinadas esferas de atividade dependem, por um lado, de as- sumirmos compromissos e princfpios af valorizados e, por outro, de dominarmos maneiras ai prestigiadas de comunicar (escrita ou oralmente) esses compromissos e principios.Ea partir dai que sere- mos autorizados/as a tomar parte nas praticas préprias dessa esfera. Assim, por exemplo, s6 é credenciado/a para um desfile militar do 7 de setembro um militar que compartilhe os principios, valores pontos de vista do seu batalhao e se apresente exatamente de acordo com as normas estabelecidas. Em um desfile desta nature- Za, oS/as militares buscam ao maximo adequar-se as normas e aos padroes estabelecidos para a execucao da marcha. Apresentar-se em total conformidade com o batalhao revela 0 compromisso do/a militar em relacado ao grupo, aos seus principios, valores e pontos de vista. E, ainda que algumm/a militar discorde de algo, em principio, nenhum/a deles/as esta autorizado/a a mudar a ordem das coisas, seja 14 que coisa for, durante um desfile, nem a sofisticar individu- almente a marcha ou marcar af sua singular presenca. Alguém ja viu um/a soldado/a desfilando com um sabre de luz estilo Darth Vader em lugar do tradicional fuzil? Ou percorrendo somente um trecho 7 Para os fins deste texto, 0s termos “textos da cigncia” e “textos académicos” stio empregados como sindnimos. 285 ees ER E (REJESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE; ev PRATICA at DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO DA PRAT total do desfile por considera-lo demasiado extenso? do score em ziguezague? Ou ainda levantando um cartaz em Ou seophiare frase de protesto, como “Tenente Niederauer, faza ona eu fago a minha”? Acho dificil. Mas escrever textos da ciéncia? nao é desfilar no bat: de infantaria. Parece dbvio, nao é? Nao é. Eu explico 0 essa afirmacao fazer sentido. Fazer parte do universo implica tomar para si formas de produzir conheci falar e escrever sobre ele valorizadas na esfera daa ai tudo bem, mas 0 fato é que a principal forma de do conhecimento cientifico é 0 texto escrito (artig, monografias, dissertacdes, teses, livros e Outros m; cio deixemos claro o lugar central que a linguage; nas atividades proprias do universo académico — € uma das esferas de atividade mais rigorosas q que af sao escritos e circulam. Prova desse rig de regras e convengdes estabelecidas para orie producao e apresentacao de textos da ciéncia, ‘alhao Porqué de académicg Mento e de cademia, Até apresentacag OS, Telatérios, ais) ~ jd de inf. 'M escrita ocupa € a universidade wando aos textos or € a quantidade ntar e normatizar a Diante deste quadro, S6 que vera adequacao a normas e convengdes como a maior em realizar uma aco no mundo é algo que Muito Os militares em desfile do 7 de setembro. Fique claro que isso de maneira alguma € uma critica A rigorosa uniformidade € precisao Préprias dos desfiles militares, Muito pelo contrario, adoro quando a cadéncia do batalhao é impecavelmente harm6nica. im de mim uma definigao operacional de “escrever bem”, nem de “bom exo” Mesmo correndo o risco de incomodar a objetividade, a precisio e a concretude bye ieee de gas it eserita academia, sugiro que casa vn caracterize “escrever bem” e “bom te 42 forma que he fzer mais sentido ne discussio que apresento, LER € (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: (DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO niformes, movimentos... a banda, tudo tao certinho. Eu sempre ico orgulhosa. Mas 0 fato é que escrever um texto académico, pesar dla rigidez de normas e convengoes da universidade, nao é como desfilar no batalhao de infantaria e, Portanto, a auséncia de ingularidades nao é 0 alvo que buscamos ai atingir. O fato é que, 10 contrario do que ocorre em um desfile militar, nos textos aca- jémicos podemos ir além da adequacao, do ajuste, da adaptacio e lo molde, ai podemos e devemos marcar nossa presenca. Ou seja, 10 assumirmos pontos de vista valorizados na esfera académica, odemos (e deveriamos) inscrever af um novo Angulo, ainda que inimamente singular. Nesta mesma linha de pensamento, o lin- ista Sirio Possenti (2007) chama a atencao: a partir de determi- ado ponto, a questao jd nao é aprender a escrever corretamente uu adequadamente, mas, sim, aprender a sofisticar nossos textos, a escrever bem? (notas de rodapé, adoro!), quer dizer, a marcar neles nossa presenga. Aprender, eu diria, a evitar a desmemoria, a assepsia e a sengracisse textuais. Em uma palavra — aprender estilo. Estilo, é esse o meu interesse aqui, mas, pelos motivos que apresento a seguir, nao é por ele que vou comecar. Primeiro, por- que nao da para fazermos de conta que um texto académico bem escrito independe de estar ou nado adequado aos padrées que a universidade valoriza. Segundo, também nao da para ignorarmos que nem todos/as os/as alunos/as entendem bem 0 que sejam as normas e convencoes dos textos da ciéncia, tampouco podemos esquecer que talvez — so talvez — nem todos/as tenhamos alcanga- do um nivel tal de adequacao em nossos textos que nos permita correr para 0 abraco da sofisticacao textual. Daf porque comego um texto que pretende tratar de estilo, direcionando 0 olhar — ainda que brevemente, estilo Marta correndo com a bola em direcao ao gol e olhando as adversdrias — a inadequacdes de ordem formal, digamos assim, que, a meu ver, sao recorrentes em textos escritos 3 Termos alguma nogdo das razBes pelas quais determinadas formulagdes ~ tais como: citaglo, apresentagdo das referencias bibliogrificas, notas de rodapé, expressbes latinas, abreviagdes cle, -Sloaltamente valorizadas na eserita académica pode nos permitir compreender os motives pelos quais nossos/as professores/as tém certas expectativas em relagdo aos nossos textos. 287 ee (OS NA UNIVERSIDADE: Len € (Re) ESCREVER TEXTC ; DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO por alunos/as de graduacao. Em poucas palavras: primeiro vou tra- tar do necessario, para depois tratar da sofisticagao, que é coisa imprescindivel. Textos abarrotados de padrées: escrever adequadamente vale nota Escrever um texto adequado aos padroes valorizados na aca- demia pressupde o dominio de um conjunto de formulagées, nem todas de mesma natureza, que se interligam e funcionam como um todo, podendo ir desde formatacao grafica e modos de apresentar certos elementos (tais como citacao e referéncia bibliografica), pas- sando por vocabulario especifico, regras gramaticais e ortograficas, até estrutura textual, linearidade e organizacao sequencial do tex- to, encadeamento das frases, manutengao e progressao tematica. A respeito das formulagées compartilhadas, mantidas e va- lorizadas na escrita de textos académicos, convém, ja de inicio, alguns esclarecimentos: primeiro, as intmeras normas e conven- gOes colocadas em acio nos textos académicos nao sao fendmenos da natureza, nem surgiram Por acaso. Pelo contrario, trata-se de formulacées histéricas, sociais e culturais, criadas e alteradas por individuos, grupos ou instituigdes com vistas a atividades acadé- micas particulares e finalidades* bem especificas. Formulacées que, ao se mostrarem titeis aos text pela comunidade académica e ai institucionalizadas (BAZERMAN, 2006). Segundo, diferentes areas’ cientificas valorizam, interpretam € executam de modos Particulares as intimeras normas e conven- 0es especificas da Producao e apresentacao dos textos da ciéncia (MOTTA-ROTH, 2001). Dafa importancia em prestarmos atenca0 ee 7 ‘Os da ciéncia, sao incorporadas Aceste respeito vale a pena confer no qual mica, st it 0 artigo 4 construgdo social do género resenha académict ial Motta-Roth (2001 : > afar da anise de resenhas elaboradas em és es dsinns a Economia ¢ Linguistica) argumenta, entre outtas coisas, que, dependendo dO cae apresentg itcule ofa resenhista, a resenha poderd descrever a forma como o lv anit Ceertc,determinados elementos, tis como grficos, imagens e formulas, ou poder’ # Snamento te6rico do/a autor/a do livro em questo, ificada Euros sto 0s textos cuja configuracio é imutavel ¢ etema, Um deles ¢ oe chamada do Globo Repérter: ‘Textos da ciéncia. E possivel aprender a escrevé-los atl iniiseay 2d pessoas que conquistaam seu espago em resem, reenkas ra iniciacdo cientifica. Sexta, no Globa Repérter.” 288 Ler € (Re)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESO DE APRENDIZAGEM-ENSINO ao funcionamento da lingua valorizado em textos que circulam na 4rea de conhecimento a que nos vinculamos. Terceiro, nenhuma dessas formulagGes, qualquer que seja sua natureza, é imutavel ou eterna’, Isso equivale a dizer que nao ha um conjunto facilmente identificavel de prescrigées e procedimentos estabelecidos por um campo cientifico que possa ser seguido ad eternum (expressdes latinas - adoro — sempre conferem alguma elegancia. E quase como colocar uma nostalgica vitrola — que nao funciona ha 46 anos — ao lado da TV de tiltima geracao — que quase sempre funciona). Quar- to, nenhum dos aspectos referentes a adequacao receberd atengéo especial neste texto, mas isso nao significa que todos tenham o mesmo valor para a producao de textos académicos. Antes que alguém aqui comece a achar que é uma vergonha nao saber claramente 0 que sejam as normas e convengées dos textos académicos, fique bem claro que nao ha razao alguma para achar isso. Por qué? Um, porque as regras préprias dos textos da ciéncia geralmente diferem daquelas utilizadas em textos que escrevemos para cumprir tarefas em outras esferas de atividade, tais como a familia, a da religiao, a da escola e assim por diante. Dois, porque essas normas e convenes s6 tém sentido para ati- vidades especificas da esfera académica, nao havendo, portanto, motivos para aprendermos tais regras antes de ingressarmos na universidade. Trés, porque ao contrario do que alguns discursos dao a entender, poucos sao os principios da linguagem valorizada Pela academia realmente dbvios, claros e acessiveis. Até porque, em geral, essas regras e conven¢ées sao construidas pela comuni- dade académica, cuja linguagem nao é exatamente 0 que podemos Classificar como clara e acessivel. — Um esclarecimento adicional: todos os aspectos que constituem um texto, sejam eles verbais OU nao, séo aqui entendidos como linguagem. — E, por ultimo, Porque “perder” tempo com instrugdes explicitas ¢ sistematicas Sobre os princfpios especificos da linguagem da ciéncia nao € 0 forte de professores/as universitarios/as — certamente nao estou 289 Ler € (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESO DE APRENDIZAGEM-ENSINO e referindo aos/as professores/as responsaveis por disciplinas m a is destinadas exclusivamente ao ensino de producao textual. Uma vez esclarecidos os motivos que me levam a afirmar que nao ha razao para alunos/as de graduacao, sejam calouros/as ou veteranos/as, ficarem constrangidos/as por nao conhecerem as normas e convencoes valorizadas nos textos académicos, falemos um pouco sobre adequacao. Bem, ja estamos cansados/as de sa- ber que um texto deve ser estruturado de forma que apresente inicio, meio e fim. Quer dizer, introducao, que é a parte em que anunciamos 0 assunto a ser desenvolvido; desenvolvimento, Parte geralmente destinada a exposicao de revisao tedrica, metodologia de pesquisa/investigagao, andlise/interpretacao e discussao dos dados etc. e; conclusao, onde sintetizamos e/ou arrematamos as principais discussdes e resultados desenvolvidos e, quem sabe, indicamos linhas gerais para estudos posteriores. Vale reiterar que textos da mesma natureza podem ser colocados em acgao de dife- rentes maneiras pelas diversas areas do conhecimento. A titulo de ilustragao, destaco as diferentes maneiras de estruturar Os artigos publicados em dois periddicos académicos brasileiros. Na Revista Brasileira de Engenharia Agricola e Ambiental, por exemplo, todos os artigos apresentam as seguintes secdes, que seguem exatamente a mesma ordem e recebem 0 mesmo subtitulo: Introdugao, Ma- terial e métodos, Resultados e discussao, Conclusao/Conclusoes e Literatura citada. Em contraste, os artigos publicados no peri- 6dico Horizontes Antropolégicos nao apresentam necessariamente © mesmo niimero de segoes, que, por sua vez, sao intituladas de forma bastante livre, havendo inclusive artigos cujas secdes nao sao delimitadas por qualquer subtitulo. Mas, independente da estrutura textual a ser seguida, o fato é que apresentar as segdes exigidas nao garante estrutura adequada a um texto. Para isso é absolutamente crucial que cada uma de suas partes dé conta de sua funcdo. Por exemplo, ao final do texto devemos formular 0 fechamento das discussdes desenvolvidas. Habitualmente anunciamos esse fechamento com 0 subtitulo “con 290 Ler € (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: IDA PRATICA TEORICA E DO PROCESO DE APRENDIZAGEM-ENSINO dusao” ou “consideracées finais”, mas poderemos apresenté-lo, dependendo das exigéncias da area, sem um antincio explicito, como no periddico Horizontes Antropoldgicos. Seja como for, ao final do texto devemos conclui-lo, 0 que parece obvio. Entretan- to, nao é pequeno o numero de textos de alunos/as de graduacao em que, na suposta conclusao, sao apresentadas ideias que, salvo engano, nao surgem das discussdes empreendidas ao longo do trabalho. Trata-se de um “fechamento” cuja légica é altamente comprometida. E a légica do De onde saiu isso? Nao sio poucos também os textos em que o fluxo de uma ideia é interrompido por um “concluimos/conclui-se/em conclusao/em sintese etc.” € seguido pela simples continuagao dessa ideia. Ou seja, estamos lendo e, do nada, aparece um “conclui-se” e... Ué, acabou? A este respeito, vale a pena lembrar que um texto, assim como um jogo, “s6 termina quando acaba” e, para “acabar” um texto, nao basta pararmos de escrever ou langarmos mao de uma palavrinha magica, como “conclui-se”. Em sintese, um texto académico cuja estrutura é adequada, além de apresentar determinadas secdes, deve fazer com que cada uma delas cumpra sua funcao dentro do texto. Em termos de ordenacao e progressdo adequadas das ideias, listo a seguir aspectos que, a meu ver, comprometem, em boa me- dida, textos escritos por alunos/as de graduagao: descontinuidade no desenvolvimento de ideias, falta de conexao e de dependéncia entre as informagdes novas e as ja mencionadas, limites pouco claros entre uma frase e outra ou entre uma ideia e outra, entre- lacamento inconsistente das ideias e falta de inteireza textual. Asso somam-se as ambiguidades, as frases incompletas ou mal formuladas, 0 actimulo de ideias numa mesma frase ou em um tinico pardgrafo, a circularidade ou ainda as digressdes. Deslizes que, na pratica, resultam em textos nos quais uma nova ideia € introduzida, parcialmente desenvolvida e... Ops.-- acabou de novo! eae ae i Me i rasil de Normas Técnicas) formula a iagdo Brasileira Pa Ee cmccann cormelaro venta prota Se a coisas no seja obrigaria, as recomendagdes da jem firetament as instrugbes claboradas pelas universidades para de trabalhos cientificos. : . 291 UNIVERSIDADE: Ler € (RE)ESCREVER TEXTOS NA DA PRATICA TEORICA E DO PROCESO DE APRENDIZAGEM-ENSINO A ideia parece ficar — e fica mesmo — pela metade, Dai surge, do nada, outra ideia, estilo “elemento surpresa , que ndo parece se ligar a qualquer outra anterior. Ha também casos em que, bem ou mal, as ideias séo desenvolvidas e apresentadas com limites nitidos, mas o problema é que, mesmo parecendo nao ter mais o que acrescentar, o/a aluno/a continua escrevendo... e escrevendo e escrevendo... as mesmas coisas. As ideias Parecem estar em um carrossel, desses de parque de diversdes, em que os cavalinhos sobem e descem com as mesmas ideias na garupa, que passam por nds mil vezes, dando tchauzinho. E, do outro lado do tingue, estao os textos digressivos, cujas ideias parecem ter montado em um cavalo xucro que saiu campo afora. Sabem quando, depois de alguns minutos de conversa, nos Perguntamos Do que é mesmo que @ gente estava falando? Enfim, a discussao sobre estrutura textual, organiza¢ao e progressao das ideias nao acabaria aqui, mas vai acabar porque o texto precisa continuar. Quanto as normas formais estabelecidas para padronizar a apresentacao de textos da ciéncia, é importante compreendermos que se trata de fatores de Contextualizacao e, como tais, servem Para situar o texto em determinada esfera de ati expectativas no/a leitor/a, contribuindo Para sua interpretacao (KOCH, TRAVAGLIA, 2009). Conforme mencionado, a academia é uma esfera bastante rigorosa quanto a padronizacao® dos textos que af circulam e é inegavel 0 valor que a comunidade académica confere a padronizacao. Prova disso é que, para publicarmos um trabalho cientifico (artigos, resenhas, ensaios etc.) ou para enviar- mos um resumo a ser apresentado em algum evento da nossa area, devemos adequé-los as “normas Para publicacao” ou as “normas Para submissao de resumos”. Normas geralmente disponibilizadas Nos sites dos periddicos ou dos eventos, onde encontraremos um Conjunto de exigéncias, podendo ir de formato da fonte (tipo, ta- manho, énfase), Tesolucdo de imagens e suas respectivas legendas, layout da pagina (dimensao das Margens), espaco entre as linhas aoe 8 Abstract ¢ keywords sio a tradugto, em geral para o inglés, do resumo do artigo e das palavras- chave, vidade, despertar 292 Ler € (RE)ESCREVER TEXTOS NA Ur INIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE Al = PRENDIZAGEM-ENSINO do texto, numero maximo de paginas (ou de Palavras, no caso do resumo), Sistema a ser usado para citacdes e apresentacao das re- feréncias bibliograficas, até orientacdes sobre a natureza das notas de rodapé e os elementos a serem apresentados em diferentes secdes do texto. Em artigos, por exemplo, é comum exigir-se que a primeira pagina exponha titulo, nome do/a autor/a, instituigao a que se vincula, resumo, palavras-chave, abstract e keywords?). Ha também revistas cientificas que expdem esses elementos na tiltima pagina do artigo, mas sao mais raras. Na secdo habitualmente intitulada “InstrugGes aos autores”, os periddicos costumam alertar: textos que nao respeitarem as normas para publicacdo serao automati- camente recusados. Esse alerta enseja uma questao importante: a rigorosidade de determinadas regras impostas & producao e circulagéo de textos na esfera académica leva muita gente a se preocupar demasiadamente com aspectos que, na realidade, sio de menor relevancia para a producao de bons textos. Diante da diversidade com que distintas areas do conhecimen- tovalorizam e executam as intimeras normas para padronizar textos da ciéncia, seria pouco razoavel de minha parte apontar aspectos gerais que supostamente representassem inadequacdes tipicas de textos escritos por alunos/as de diferentes cursos de graduacao. Por isso, limito-me a comentar um recurso muito utilizado, qualquer que seja a drea, para mencionar outro/a autor/a: a citagao eae isto é, a transposicdo literal de trecho(s) selecionado(s) nas publi- cacSes consultadas. Vale realcar que 0 “didlogo” com outros/as €studiosos/as ocupa lugar central nos textos da ciéncia. ee Sao os/as pesquisadores/as que escrevem sobre um tema, exc a completamente de seu texto 0 que os/as outros/as pale ©assunto. De maneira geral, os/as alunos/as sabem da ee poe €M citar os/as autores/as consultados/as, mas poucos’@s S srigir 0s textos de seus! i flo cor Alias, por que é que os/as professores/as costumam dizer que aie eles/elas tém certeza de Sus alunos/as, em ver de dizerem que vlo avalid-los? St POET ra coisa, Mas isso ue encontrardio erros? Afinal, s6 corti que esti errado, A lik 86 uma nota de rodapé. Ler (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO conhecem as regras proprias para a apresentagao desse tipo de citacdo. A esse respeito, Iskandar (2009, P. 34), baseando-se nas normas da ABNT, orienta-nos: se a citacao direta tiver até trés linhas, “pode ser inserida no préprio paragrafo, entre aspas”. Caso tenha mais de trés linhas, citagdes dessa natureza deverao ser apresen- tadas “em paragrafo separado, com tamanho de letra menor que as letras utilizadas no texto, espaco simples de entrelinhas lela4 cm da margem esquerda do texto [...]” (ISKANDAR, 2009, P. 35). Mas, ainda que a correta apresentacaio grafica das citacdes diretas tenha peso, transgredir as normas especificas desta Pratica € nada frente a outra pratica bem comum em textos de alunos/as de graduacao: a transposicao incorreta de trechos citados.Quer dizer, 0 que era causa no texto lido vira consequéncia no texto do/a aluno/a, 0 que era local é generalizado, o que o/a autor/a nao disse passa a dizer. Eo principio de Anténio Bid, personagem do filme Narradores de Javé: “Escritura é assim, o homem curvo vira corcunda, a gente do olho torto, eu digo que é caolho. Por exemplo, Se 0 sujeito € manco na vida entao na histéria eu digo que ele nao tem perna. E assim, das Tegras da escrita”. Tenhamos em mente, no entanto, que essas “regras da escrita” de forma alguma se aplicam aos textos académicos. Além disso, este tipo de incorrecgao é um forte indicio de que o/a aluno/a nao compreendeu o texto citado. Eu poderia escrever paginas e pdginas, mencionando os intmeros aspectos que determinam a adequacao de um texto académico, mas tenho quase certeza de que nao é pequeno o ntimero de alunos/as que continuaria acreditando que as osten- sivas regras gramaticais é que, em ultima andlise, determinam 0 grau de adequacaio de seu texto, Sabem por que eu tenho quase certeza (ou “quase tenho certeza”) disso? Porque eu tenho certeza de que, com mais frequéncia do que o necessario, as incorresbes gramaticais e ortograficas so os Unicos apontamentos que os/as Professores/as fazem ao lerem (e “corrigirem”)"® textos de alunos/as 10 MEY, Jacob L. Etnia, identidade e lingua, In: SIGNORINI, I. (Org,). Lingua(gem) ¢ identida- et ‘SP: de: elementos para uma discussio no campo aplicado, Campinas, SP: Mercado de Letras; Fapesp, 1998. p, 69-88, 294 Ler € (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE a ‘APRENDIZAGEM-ENSINO, de graduacao. Af muita gente conclui que nao €screve bem porque nao “sabe gramatica”. Conclusao légica — considerando as praticas de avaliacao (ou Corregao?) de textos na universidade -, mas total- mente equivocada (tanto da parte de quem avalia quanto da parte de quem é avaliado), pois o conhecimento de Tegras gramaticais e ortograficas nao é suficiente nem para escrevermos um texto adequado, que dira para “escrevermos bem”, Quer dizer, “ta mais ou menos tudo errado aqui”, para concluir no estilo Galvao Bueno. Fique claro que nao estou dizendo que essas Tegras sao pres- cindiveis. Definitivamente nao 0 sao. S6 estou defendendo que, no final das contas, meia duizia de deslizes gramaticais ou ortograficos ~ tais como conjuga¢ao e grafia incorretas dos verbos agir, haver, intervir ou trazer, “afim” em vez de “a fim”, “atraz” em lugar de “atrds”, falta de crase ou excesso dela, equivocos de concordancia verbal ou nominal, ou mesmo algumas virgulas a mais ou a menos (que séo os deslizes de ordem gramatical e ortografica que mais encontro em textos de alunos/as de graduacao) — nao é 0 que de- termina se um texto é adequado ou nao, se é bom ou outra coisa. No que diz respeito 4 adequacao de vocabuldrio, os manuais elaborados para orientar a producao de textos académicos costu- mam aconselhar 0 uso de vocabulario especifico da area, isto é, de terminologia precisa. Precisdo que, a propésito, € uma dimensao ctucial dos textos da ciéncia, na medida em que é capaz de revelar 0 dominio que o/a autor/a do texto tem da area a que se vincula € do tema sobre o qual escreve. Tanto é verdade que boa parte das disciplinas introdutérias se ocupa do ensino de re e de termos especificos da area, conforme destaca David ae a entrevista a Ramos et al. (2009). As inadequacdes de vocal abe apontadas por esses manuais, de maneira geral, oe ne “quelas que verifico em textos de alunos/as de eee Si de gitias (ta ligado/a?), de palavras vagas € Hagacar eh (bom, Coisa, um negécio), de palavras de conotagao ec tipicas da “timo, ruim, indigno, entediante etc.) € de truncaso linguagem da internet (tbm, qdo, ato et¢:)- 295 Ler & (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO Transcrevo abaixo um trecho do artigo “Etnia, identidade e lingua”, escrito pelo pragmaticista Jacob Mey" e, logo a seguir, apresento uma versao desse trecho que contém intimeras inade- quacoes. Elaborei essa verséo com um objetivo em mente: ilustrar a estreita ligacao entre ser investido/a no exercicio da interlocucao académica e investir no dominio dos padroes de escrita prestigiados na esfera académica. De antemao, peco desculpas por exemplificar apenas inadequacoes de ordem lexical, gramatical e ortografica. Fique claro que, por uma simples questao de comodidade, nao formulei vers6es que contivessem incorregdes de outras ordens que, na verdade, incidem de forma mais cortante sobre a adequagaio de um texto académico. Os conflitos étnicos, do mesmo modo que os conflitos de classes, agem de acordo com a mtisica do mercado; em outras palavras, é a l6gica do capital que dita o resultado de tais conflitos [...]. 0 conceito de etnia [...] serve para mascarar as questées verdadeiras, as da opressdo e da dominagao” (MEY, 1998, p. 87). SEGMENTO 1 Imaginemos que o professor Mey, em vez de expor sua reflexao sobre conflitos étnicos conforme transcrito acima, optasse pela versao apresentada no segmento 2: As briga de branco com negro, de branco com indio e dos branco magnata com os branco lascado, é tudo por causa de #grana; tipo, € 0 velho e bom cascalho que ta por tras dessa parada de comflito étnico. Eu acho que essa hist6ria de etnia sé rola, tipo, pra gente nao sacar a real, que é o lance de mtos sempre levarem a pior. E meia dtizia de bacana, usufluindo sosinhos do bom e do melhor. SEGMENTO 2 ML O segmento 3 foi elaborado com base em comentarios sobre o tema “conflito étnico”, postados em foruns de discussio na internet. Registro que as opinides ai expressas de forma alg traduzem o meu posicionamento arespeito do tema. Muito pelo contrario, concordo totalmt n Com 0 ponto de vista defendido por Jacob Mey. 296 Ler E (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESO DE APRENDIZAGEM-ENSINO Escrito conforme o segmento 2, o posicionamento do autor em relagao ao tema dificilmente ganharia respeito e visibilidade da comunidade académica, pois a forma de expressd-lo estd em desajuste com aquelas prestigiadas na esfera da universidade. Assim, apesar de estar, a priori, comprometido com os principios estabelecidos na academia para pensar e discutir o tema, a lin- guagem utilizada para registrar sua perspectiva nao nos permite definir a universidade como o lugar em que o autor estaria situado ao se pronunciar. Certamente que de nada adiantaria o autor escrever seu texto totalmente adequado aos padrées académicos se nado assumisse determinadas perspectivas e maneiras de compreender o tema discutido. Dito de outra maneira, o dominio de regras gramaticais e ortograficas, de vocabuldrio vasto e especializado, de normas para apresentacao grafica e de recursos e mais recursos para encadear frases e ideias de maneira textualmente incrivel cai por terra se nao compreendermos os textos consultados, os principios e con- ceitos abordados ou ndo demonstrarmos compromisso com as formas aceitas de produzir conhecimento cientifico. Sem isso nosso posicionamento tem poucas chances de conquistar visibilidade e Tespeito nos debates préprios da construcao de conhecimento cientifico. Acredito que ninguém aqui duvide do risco que é, na esfera da universidade, discutirmos um tema sobre 0 qual nosso entendimento passa léguas de distancia dos principios a partir dos quais a comunidade académica pensa sobre esse tema. Por exem- plo, imaginemos que, na avaliacao final (prova) de uma disciplina, devéssemos discutir 0 assunto abordado no seguimento 1 € umva aluno/a se posicionasse da seguinte maneira™: nham basicamente duas ori- ideia de que este sentimento 10 enfermo elimind-la, pode- los conflitos étnicos é fungao \d=39ABF2 ‘os tel sof larizacao-da-ciencia,jsessioni 08 de jul. 2012 297 sg ee eee ERE REVER TEXTOS NA UNIVE E XTOS NA UNIVERSIDAD! RR E (RE)ESCRE\ DA PRATICA TEORICA £ DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO dos invejosos. A outra causa desses conflitos éa desinformacio aa Buscando minimizé-la, varios paises tém tentado Sensibili- zar as criancas ao longo de sua formaco escolar. Ha experiéncias em que idosos e cadeirantes sao levados a escolas Primarias Para que as criangas aprendam que devem ajudar quem precisa, Ao empurrarem a cadeira de rodas de alguém, essas criancas estao construindo a democracia, a igualdade e a real e plena felicidade de seus paises. SEGMENTO 3 O ponto de vista desse/a aluno/a dificilmente ganharia visibili- dade e respeito no debate académico sobre conflitos étnicos. E isto nada tem a ver coma linguagem utilizada para comunicé-lo, que parece adequada aos padrées da escrita académica. A inadequacao desse segmento tem a ver com a Perspectiva defendida pelo/a aluno/a, que, a princfpio, esta na contramao das linhas de raciocinio consensuais a esfera académica Para pensar sobre conflitos étnicos, Este segmento bizarro exemplifica um caso dramatico de desajuste do/a aluno/a aos princfpios académicos aceitos Para pensar sobre um tema. Mas estou bem inclinada a acreditar que casos assim sao raros. Até Porque, sejamos sinceros/as, boa parte dos textos exigidos de alunos/as de Sraduacao se resume a Tetextualizagoes de outros textos. Mesmo quando a proposta é “posicione-se cri- ticamente em relacdo ao tema X”, na pratica, os/as professores/as costumam esperar que os/as alunos/as se Posicionem, apoiando- Se em argumentos e pontos de vista defendidos pelos/as autores/ as Cujos textos foram indicados na disciplina em questio. Ai as Citagdes, diretas ou indiretas, fazem a festa da galera. O que faz todo 0 sentido, haja vista que citar é uma pratica capaz de conferir autoridade a qualquer argumentacao académica. S6 um Pouquinho: Se, em termos de contetido, os textos €scritos por alunos/as de graduacao se caracterizam, em tiltima . fria andlise, a teferéncias fieis, mais explicitas ou menos explicr tas, aos Principios e Pontos de vista defendidos por estudiosos/as mais experientes. £ se, em termos de forma, estas citacoes deve™ 298 Ler E (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE! DA PRATICA TEGRICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEN-ENSINO obedecer a regras bem especificas, entao, que histéria é esta de aluno/a de graduagao marcar presenca e de se posicionar em u texto académico? E uma boa pergunta. Mas é uma pergunta a a qual ha resposta, se compreendermos a presenga e 0 posiciona- mento do/a autor/a como a forma singular com que ele/a assume determinadas perspectivas defendidas pelo grupo ao qual se vincula e com que articula, em seu texto, a voz de outros/as autores/as. Neste sentido, podemos considerar que um/a aluno/a de graduagao marca sua presen¢a e seu posicionamento ao escrever quando, ao demonstrar conhecimento sobre o tema abordado e sobre o posicionamento de outros/as autores/as, registra em seu texto asingularidade com que assume os princfpios e pontos de vista valorizados na esfera académica. Registrar singularidades é fazer 0 texto ir além da adequacao. E algo que tem a ver com escrever bem. E escrever bem tem a ver com estilo. E € de estilo que nos ocuparemos a partir de agora. Antes de avancar, porém, tenho um aviso aos/as adeptos/ as do classico “Vale nota?”: estilo nao vale nota, pelo menos nao oficialmente, entao, concluimos que a leitura acaba aqui. Agora, se a sengracisse nao 6 seu estilo, se a reprodugao sem memoria de frases e mais frases de outros/as autores/as nao é seu estilo e se passar batido/a nao é o seu forte, entao é ndis, em grande estilo! Textos abarrotados de padrées: escrever bem nao vale nota, mas vale a pena Estilo em textos da ciéncia... Mas estilo nao é coisa para textos im por diante? Além dis- literdrios, jornalisticos, blogs pessoais e asst = 50, com tantas normas e convengdes a serem seguidas na producao i te re) € apresentacao de textos académicos, ha como associa-los a estilo? Dependendo de como o definimos, estilo pode sim ser considerado exclusividade de textos de cunho artistico ou profundamente subje- tivo e, dai, nao faria sentido algum associa-lo 4 ere textos Dar ; mpessoalidade, moderacao, narcados concretude, clareza, imp 299 NA UNIVERSIDADE: Ler € (RE)ESCREVER TEXTOS : DA PRATICA TEORICA E D0 PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO ldgica, precisdo, transparéncia e objetividade (SANTOS, 2001). Tra- Gos que supostamente — eu disse supostamente, hein?! — marcam artigos cientificos, monografias, resenhas, resumos e outros textos da ciéncia. Por falar nesses tragos, que supostamente caracterizam a linguagem académica, 0 trecho a seguir, retirado da secdio “Popu- larizagao da Ciéncia” do portal CNPq’, parece ter algo a dizer: A pesquisa cientifica gera conheci mentos, tecnologias e inovacées que beneficiam toda a sociedade. No en- tanto, muitas pessoas nao conseguem compreender a linguagem utilizada Pelos pesquisadores. Neste Contexto, a grande midia e as Novas tecnologias de comunicacgao cumprem o Papel de facilitadores do acesso ao conhecimento cientifico, S6 um paréntese: nao de que o problema sao a compreender a lin: sadores, sei vocés, mas eu fiquei coma sensacao is muitas pessoas, guagem dos pesquisador que escrevem de uma for que nao conseguem €s, € ndo os pesqui- Fecha o paréntese. Ainda que os textos da cién grau, privilegiar a linguagem im; Precisa e objetiva — reiterando: aqui -, cia devam, em maior ou menor Pessoal, moderada, transparente nado me ocuparei desta discussio nao significa que devam ser textos sem graca, sem memoria, tediosos e fadados ao castigo da “autoria asséptica” — expressao que eu criei para me referir aquele tipo de texto tao trabalhado na impessoalidade € na objetividade. Textos que, nao fossem as informagées pontuais divulgadas na primeira pagina, nao saberi- amos se 0/a autor/a é especialista da area, se esta filiado/a a este Ponto de vista ou aquele, se faz Parte desta ou daquela geracao, S€ 0 escreveu no més passado ou hd 17 anos. Enfim, textos que Parecem ter se escrito sozinhos, ET 13 Trecho selecionado em SAN’ TOS, Milton. Por uma outra globalize consciéncia universal, ed, edo: do pensamento tinico 15, Rio de Janeiro: Record, 2008. 300 Ler E (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO Dito de outra forma, ESTO que, ao citarmos outros/as auto- res/as, devamos ser fieis as suas ideias, nao significa que precisamos desaparecer do nosso texto ou que nao possamos marcar af nosso posicionamento. E é ai que entra 0 estilo, se o compreendermos como 0 uso de determinados recursos para conferir consisténcia ao nosso ponto de vista. Desta perspectiva, estilo implica recursos para enriquecer 0 texto, torna-lo mais denso e significativo, ancora- lo em algum angulo minimamente singular, fazendo-o ir, conforme pontua Possenti (2007, p. 23), “além da adequacao (necessdria, mas insuficiente)”. E antes que eu esqueca, escrever bons textos nao éum talento inato, tampouco uma capacidade osmética, entao, 0 slogan “[e|stilo, ou vocé tem, ou vocé nao tem” sé serve para cam- panha publicitaria de carro. Quando 0 assunto é texto, 0 sarcastico Sirio Possenti (2007, p. 20) é que esta certo: “...] estilo se aprende (como se aprende nado de costas ou borboleta)” e é “praticando mais ou menos duramente” que aprendemos a escrever bem. Se aceitarmos que os tracos de estilo podem estar atrelados ao posicionamento social, cultural e histérico de um grupo (POS- SENTI, 2007), nao rejeitaremos o papel fundamental que o domi- nio desses tracos tem para 0 nosso credenciamento, mesmo que incipiente, como interlocutores/as das teorizagoes produzidas na esfera académica. Ou seja, conhecer os recursos que os/as autores/ as de nossa drea lancam mio para sofisticar seus textos e marcar neles a singularidade de sua presenca na producéo intelectual € uma via para sermos reconhecidos/as como protagonistas (seja *screvendo, seja lendo) do campo do conhecimento cientifico : {Ue nos vinculamos. Sob este prisma € perfeitamente razoave 4ssociar a producao de bons textos académicos a estilo. rme valor que a academia Consider; > ‘ando, por um lado, 0 en i ; diosos/as com os/as quals moe # Toes a exblicta dos, Sst de conhecimento ¢, por a autor/a di ducado de con Z i roduca ; ialogou durante a produ¢ onomia com que as Cutto, a relati i ca aut *4Telativa uidado e a pou Vozes de ou Giltoide cI iculadas em textos de alunos/ ade gradu; " propostas formuladas por 301 Ler & (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE. RATICA TEORICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO DA PI i (2002; 2007) para andlise de autoria e ensino de estilo, Possentti ( u foco nao seja a producao de textos académicos: a pe recta a outros/as autores/as e a selecao criteriosa de aes e expressdes usadas para isto. Isto posto, o restante deste texto é dedicado a apresentacao de algumas possibilidades de fazer citagdes diretas — que sao, como assinalei anteriormente, a forma de citar mais recorrente em textos de alunos/as de graduacao — e de breves discussdes sobre o impacto que estas distintas alternativas podem ter em nossos textos no que se refere a estilo. Para tanto, tomemos como base o trecho" abaixo, formulado por Milton Santos em seu livro “Por uma outra globalizacao: do pensamento tnico a consciéncia universal”; As midias nacionais se globalizam, nao apenas pela chatice e mesmice das fotografias e dos titulos, mas pelos Protagonistas mais presentes (SANTOS, 2008, p. 40). Considerando a ampla utilizagéo que os textos da ciéncia fazem dos jargoes listados a seguir para inserir citagGes, pareceu- me razoavel partirmos deles para formularmos outras alternativas: Para Santos (2008, p. 40)/De acordo com Santos (2008, p. 40)/ Segundo Santos (2008, P. 40), “as midias nacionais se globalizam, nao apenas pela chatice e mesmice das fotografias e dos titulos, mas pelos protagonistas mais presentes”. O uso excessivo dessas Palavras e expressdes pode revelar a Pouca autonomia com que o/a autor/a articula diferentes vozes em Seu texto, além de ser considerado por alguns autores, a exemplo de Silva (2006), como a maneira menos criativa de fazer citagoes- A meu ver, no entanto, essa falta de autonomia ou de criatividade ie : is como 4 Este tipo de informagto pode ser facilmente obtido em servigos de busca na internet, co Google, emais especificamente na Platafones Lattes, abase de dados do CNPq que dspon rr de posmanae’ 208/8 Pesquisadores/as brasileiros/as e informagoes sobre insttuigdeS de pesquisa, 302 Ler € (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO 6 um problema menor nos textos de alunos/as de graduacao se comparado ao frequente descuido com que eles/elas se referem aos/as autores/as citados/as, tais como a incoeréncia dos pronomes pessoais ou dos papeis sociais usados para fazer referéncia aos/as autores/as, conforme os exemplos abaixo: Santos (2008, p. 40), afirma que “as midias nacionais se globalizam...”. Ela diz também que a midia nao relata fatos, mas formula noticias. Qs autores dizem também que a midia néo relata fatos, mas formula noticias. Esta cidada diz também que a midia... Ela diz? Ela quem? Milton Santos? Os autores dizem? Milton Santos e mais quem, 0 id, 0 ego e o superego? Cidada? Ai nao, né?! Nem cidadao, nem cidada! Quer dizer, nao podemos nos referir a Milton Santos como “ela”, ou como “os autores”, tampouco como “cidada”. Descuidos que dificultam ao/a leitor/a recuperar claramen- te o/a autor/a do trecho citado, além de nao deixarem duvidas de que quem escreveu 0 texto nada sabe sobre o/a autor/a a que se refere. Convém destacar outro tipo frequente de referéncia deslei- xada a um/a autor/a: a grafia incorreta do nome ou do sobrenome do/a autor/a. Nesta linha, seria injustica nao usar como exemplo um texto em que, em apenas duas paginas, a pessoa se referiu a uma linguista, cujo sobrenome é Scaramucci, com cinco formas distintas: Scaramucci (que era a unica grafia correta), Scarammuci, Scarammucci, Scaranucci e o absolutamente inesperado Sacaramoci. De maneira que, mesmo que 0 uso dos jargoes especificados anteriormente seja alvo de criticas, tomo-os como base para apresentar formas alternativas de fazer citagoes diretas capazes de enriquecer nossos textos e de nos permitir registrar neles nosso posicionamento. Primeiro, a referéncia a um/a autor/a nao precisa se limitar a simples meng&o de seu sobrenome ou de seu papel de “autor/a do texto consultado. Ha intimeras alternativas cabiveis para nos rirm de de opgoes fa intelectual e também uma infinida 303 Ler E (RE)ESCREVER TEXTOS NA UNIVERSIDADE? DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO inoportunas. Cabe a nés selecionarmos as que Mais se ajustam aos propésitos do nosso texto, considerando o Impacto e a con- sisténcia que cada alternativa representa para o Ponto de vista que defendemos. Assim, em lugar do é6bvio Para Santos (2008, p. 40),... ou Para o autor,... (SANTOS, 2008, p. 40), poderfamos optar por referéncias, tais como: Para o geégrafo Para 0 pesquisador Para 0 estudioso Para o pensador brasileiro Para o intelectual brasileiro intelectual brasileiro Milton Santos (2008, P. 40), “as mfdias nacionais...”, Langar mao de diferentes formas de mencionar una autor/a € uma maneira de demonstrarmos c que produzem conhecimento em centarmos novas informacoes's ‘onhecimento sobre aqueles/as Nossa area e também de acres- ao texto. Segundo, produzir um texto nao se resume a escrever. tes disso, é uma tarefa que implica intimeras ages, que, por sua vez, sao interpretadas Pelo/as leitores/as. O que significa dizer que a forma de mencionarmos as acées executadas pelo/a autor/a citado/a é outro recurso capaz de tornar nosso texto mais significativo em termos de estilo. No entanto, alunos/as de graduacao costumam fazer referéncia as ag6es do/a autor/a citado/a, limitando-se aos verbos: achar, afirmar, colocar, dizer, falar, notar e observar, que, por denotarem agdes genéricas, que Nao necessariamente nos remetem a processos de produgao do conhecimento cientifico, tém sua forga de expressao reduzida. Resultados: interpretacao inexpres: Siva das acdes empreendidas : apaec ie ~ ; Pelo/a autor/a mencionado/a, evidéncia de que nao captamos 0 An- z Intes tais como 1S Este tipo de informagio pode ser facilmente obtido em servigs de busca na itere nk rt Google, e mais especificamente na Plataforma Lattes, a base de dads do CNPa que instituigdes © eupos de curTiculos dos/as pesquisadores/as brasileiros/as e informagdes sobre insituigde de pesquisa. 304 Ler & (RE)ESCREVER TEXTC | (OS NA UNIVERSIDADE: DA PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE ‘APRENDIZAGEM-ENSINO efeitos que ele/ela buscou imprimir a seu texto e, por fim, des- valorizagao dessas acdes, conforme exemplo a seguir: Sobre esta questao, Santos (2008, p. 40) diz que “as midias nacionais, Santos (2008, p. 40) acha que “as midias nacionais...”. O verbo achar, conforme ilustrado acima, reduz a agao do pesquisador, além de enfraquecer seu compromisso com as prati- cas de producao de conhecimento cientifico. Achar é basicamente ter uma opiniao e, como tal, nao exige justificativas e argumentos légicos. Nao é preciso fazer pesquisas para achar uma conclusaéo ou para dizer algo. Neste sentido, verbos como esses poderiam ser substitufdos por outros mais significativos em termos de produgao e apresentacao do conhecimento cientifico, capazes, portanto, de conferir densidade e sentido ao texto. Como alternativas terfamos: Sobre esta questao, Santos (2008, p. 40) ‘ argumenta/defende/esclarece que “as midias nacionais...”. critica: “as médias nacionais...”. Apresento a seguir uma lista — que nao é exaustiva — de alguns verbos que podem ser alternativas produtivas para expressarmos as aces de um/a autor/a no texto e nos permitirem marcar nossa Presenca enquanto leitores/as criticos/as de textos da ciéncia. 305 EXTOS NA UNIVERSIDADE: Ler € (RE)ESCREVER T ; 1A PRATICA TEORICA E DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM-ENSINO- o abordar, aceitar, aconselhar, acreditar, acres- centar, aderir, admitir, adotar, alegar, alertar, aliar(-se) a, ampliar, analisar, anunciar, aprovar, argumentar, articular, assegurar, assinalar, associar, assumir, atrelar, atribuir, avaliar, buscar, caracterizar, chamar, citar, classificar, comegar, comentar, comparar, compreender, comprovar, conceber, concluir, concordar, confirmar, confrontar, considerar, constatar, contestar, continuar, contrapor, convergir, convidar, criar, criticar, dar a en- tender, dar voz a, debater, declarar, dedicar- se, defender, definir, demonstrar, denominar, descrever, desenvolver, destacar, diferenciar, discernir, discorrer, discutir, distinguir, elencar, encaminhar, encarregar-se, encarar, entender, enumerar, esclarecer, especificar, especular, estabelecer, estudar, es. truturar, exemplificar, explicar, expor, eviden- ciar, facilitar, fazer alusdo, finalizar, formular, fornecer,gerar, impulsionar, incentivar, incitar, indagar, indicar, iniciar, interessar-se, intro. duzir, investigarjulgar, justificar, lembrar, levar em conta, ligar-se, listar,manifestar-se (a favor de), mencionar, mostrar;narrar, negar, oferecer, opor(-se),parafrasear, Ponderar, Pontuar, pressupor, pretender, Privilegiar, propor, provar, questionar,ratificar, realcar, recomendar, reconhecer, recusar, referir-se, refutar, registrar, reiterar, relatar, responder, ressaltar, resumir, revelar, salientar, selecionar, sintetizar, situar(-se), Sugerir, supor, Sustentar, teorizar, tratar de, verificar etc. Por tiltimo, as caracterizages peculiares podem ser recursos muito relevantes para o acréscimo de in situadas, que podem dar sentido e densi defendemos, evidenciar nosso conhecime compreensao a respeito do posicionamen €nos possibilitar marcar nossa Como exemplo disso terfamos: Para este renomado geégrafo, “as midias nacionais...” p. 40). Para o grande gedgrafo brasileiro, “as midias nacionais...” 2008, p. 40). formacdes e avaliagdes dade a perspectiva que nto sobre o tema e nossa to de outros/as autores/as Presenga na interlocucao académica. (SANTOS, 2008, 2” (SANTOS, Nos termos do sempre Sagaz Milton Santos (2008, p. 40), “as midias nacionais...”. Sobre esta questdo, 0 que “as midias nacionai Santos (2008, p. 40), Como assinalou Santos (2008, midias nacionais...”, 306 inesquecivel Milton Santos (2008, p. 40) res acidamente critico, alertou: “as midias n , P. 40), com sua maneira inimit

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