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Dados Internacionas de Catalogagio na Publicagio (CIP) (Ciara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Veloso, Zeno, ‘Testamentos / Zeno Veloso. 2* ed, amp, — Balm: CEJUP, 1098. 616. ISBN s5as801688 4. Testamentos 2. Testamentos ~ Brasil 1, Titulo, 228 cpu ss.678)) Indice para eatlogo sistennitico: 1, Brasil; Tostamontos elegades : Direito civil 247.0718) ZENO VELOSO ‘Tabeliso, Professor de Diveito Civil TESTAMENTOS 28 edi¢do ampliada Be By By 2 odio 1903 aleve: Gegie Freie, ‘Ana Rosa Gal Fravee Mara Lila Alinida Cap: Bthevalde Covalento Foto de cap: Le Notre = tenes ta origem frances se KIX, af eanatra, ‘Aceve da fia Faces = Bele, Par ote: Gay de Veloso Revisto: Bmesindo Conta Direitoe Reervador de Composo« impresso na GRAFICENTROICESUP "Tavs Hat Barbora 120, Disubuid por Bates CBSUP Pedidos palo rembalto postal para Bainter CEIUP ‘ray, Rul Barbosa, 726 Fone (091) 26-0955 (PAR) (ice Postal 104 ~ Tole a869 FAX 2119146 ‘CEP 66059.200 = Betty ~ Prd AGT U AGE A saudosa meméria de meu pai Para Liliam e Lolé. B, de novo, para Lygia PREFACIO No inicio dos anos 80, quando eu exercia meu primeiro ‘mandato de deputado estadual, a Assembléia Legistativa do Pard recebew a honrosa visita do ar. Caio Mério da Silva Pe- reira, wm dos maiores civilistas do pais, em todos os tempos, Na Comissdo de Justiea, onde partioipou de uma reunido, num rnpido discurso, em que agradecia as justas homenagens que The eram prestadas, o mestre declarou que, naquela Comisséo, ‘estava uma das mais promissoras voearées de juristas do Bra sil, 0 professor e deputado Zeno Veloso. ‘Passados mais de dez anos, o depoimento do ilustre cate- dritico se confirmou. Zeno Veloso, hoje, é wma das figuras res- peitadas do mundo juridico nacional Vérios testemunhos a este respeito jd foram dadios. Aqui no Pard, em solenidades ppublicas, jd se manifestaram, neste sentido, Carlos Mario da Silva Velioso, Adilson Dallari, Celso Antonio Bandeira de Mel- la, Silvio Rodrigues, Clovis do Couto e Silva, Haroldo Valla- dizo, por exemplo, Aliés, 0 saudoso mestre Valladao prefaciou tum livro de Zeno. Observa-se, dentre os nomes referidos, que sda de noté- veis publicistas e consagrados privatistas. Neste aspecto, um dos méritos intelectuais de Zeno Veloso, que é0 de conseguir estudar, pesquisar, investigar, escrever sobre assunto de sua ‘especialiade — direito civil — bem como a respeito de temas de direito piblico, sendo, inclusive, citado em vérias ¢ impor tantes abras nacionais de direito constitueional, direito admi- nistrativo e direito civil, bastando mencionar: Curso de Dieito Constitucional Positivo, de Tosé Afonso da Silva; Principios Gorais de Direito Constitucional Moderno, de Pinto Ferreira; ‘Mandado de Soguranea, de Sérgio Ferraz; Deteitos dos Negé- cios Juridicos, de Wilson de Sousa Campos Batatha; Norma Constitucional e Sous Efeitos, de Maria Helene Diniz. Ha tempos, o autor vem eserevendo este livro. Dele me falava, constantemente. Referia o enorme trabalho que esta- samt, eg. gu teu ince na rat SUMARIO saison ebtehaelns Prontag one extrcondo ew a Presdncia da Assembla Leglaltia, fle questo de que 0 set ongamento fesse ft na pripra sede do Poder Lepsttivo deta do Par, aja Conattizan, considerada uma das mate liberate progress ' . tas pa data minhaprcle decanting pareconstay | Preto me : ' Wiese Zeno Volos cone veatongera ; o5 stouconvencido de queescelion vatocupar posicde de | + Swoces Lestamentria:nogds gras, importincia 1 destaquera ftertira especatcnda O toma ¢fasshante eos Go desenvolvida Penso gue, desde a grande obra do Mintsro ‘+ Testamento: breve evolugdo historica, conceito, | jjeto caracteristicas a ss 16 Grosimbo Nonato, na décuda de 90, néo ol pubtionda uma abor | tite eae dagem tao completa eprofunda sobre os testamentos. Nenhi- | «ya capacidade para fazer testamento — a7 Ima, ao que eu saiba, com a preocupagto de analisar o tema | ‘@ nivel do direito comparado, como se faz na presente * Do testamento piblico 116 Advertidode que as apresentarbes« prefitos nao devem | serlongos ~ inclusive porque, raramente, sao lidos ~ nda me + Do testamento cerrado 209 ‘atrevo.a tragaro “Perfil do Autor” Basta dizer que se trata | eum vigoroso etelista, um estudiosa do direito publica, um | __* Do testamento particular ———_ 26 sumanista : fave te confersr, todavia, que eu sou muito susptto para | * De eodillo——owm—~ fazer este testamento — que, no caso, é para ter efeito iter |. Roranag egpeciais de testamento 7) vivos~ na medida em que toile por fongos anos mantido | F rpecals de tastamanto @ mais gratficante e fraternal amizade com Zeno Veloso. Além | « Pincipios gor 323 de tuda, quem falard por ele serd este liuro, Lendo-o, quem for Atento e sereno ter com eertesa, a methor ea mais iva int + Do testamento maritimo 330 ressao, um grande proveito. | Esta obra, anote'e, ndo vat fear na primeira edigdo, nem + Do testament it gem 46 ferd por destino reeeber a pocira das prateleiras invisitadas. | Sine vesta agadecet ao autor por terme convdadoa | * Testemunhas dos testament a 38 apresenté-lo, associando meu nome ao seu trabalho. Confessou | me jon fium grande incentivador desta sua realizagao. * Da capacidade para adquirir por testamento ....._.. 415 Fico feliz com este gesto,e meu coragto, quase velho, "03 | 5 Ty og 0rd 9680 eee eevee esse rejuveneseido por tantas esperancas —e tantos sonhos ain- | Horns . da — vibra de ategria e contentamento, + Imexecuedo do testamento: revogagao, rompimento, Belém, janeiro de 1993 | Ce a ~ — = + Interpretagto dos testamentos . 569 Deputado Ronaldo Passarinho pais. Presidents da Aversa do Psa do Par Adie eis BON SUCESSAO TESTAMENTARIA: nogdes gerais, importéncia. 1, Sucessio, no sentido estrito que 0 termo comporta no diroito hereditario, 6a transmissdo, a transferéncia do patri= ménio de uma pessoa que morre, para uma ou mais pessoas, que substituem o defunto nos seus direitos e obrigagdes. 2. Consoante o art. 1.573 do Cédigo Civil Brasileiro, a su- cessio di-se por disposigao de gltima vontade, ou em virtude da lei. Se decorre da lei, chama-se sucessdo legitima ou ab in- testato, ponderando Cunha Gongalves*, com ra7io, que a su- ccessao legitima teria nome mais apropriado e tecnicamente correto se fosse chamada sucessio por disposicio exclusiva da lei. Se a sucessio se processa obedecendo disposicves de liltima vontade, denomina-se testamentiri, Tal sucesso de- riva, diretamente, da vontade do testador, mas, por ébvio, re presenta, também, uma sucessio legal, pois recebe da loi a rani juridica de sua existéncia, 3. Morrendo alguém sem ter feito testamento, sua heran- ase transmite aos herdeiros ex vi legis, sendo caso de suces- sio legitima, Pode ocorrer, ainda, que uma pessoa fara testamento, sem que este Lenka abrangido todos os seus bens. Quanto a esses bens, nio compreendidos no testamento, ocor- ord, igualmente, a sucessio legitima (C.C., art. 1.674). Leg tima seré, também, a sueessdo, se o de cujus® fez testamento, as este caducar, ou for julgado mulo (C.C., art. 1.875). Pode, inclusive, ocorrer o caso de 0 falecido ter manifestado a sua vontade, através de testamento, mas a lei ndo a levar, total: ‘mente, em conta, porque excedeu a parte que podria, livre mente, ser objeto da disposicio e atingiu a quota, a poredo ‘ou a reserva fixada aos herdeiros necessatios (C.C, art, 1.721). Abordando estes casos, Windscheid®afirma que a vocagio he- reditiria dé-so pela vontade do de cujus, ov independen- sdecafes mectnioe oper oe ‘hn de mere a Wael Reside CHES u temente da vontade do de eujus, ou a despeito da vontade do de eulus, “Pao exposto, se uma pessoa falace sem ter manifestado a sua vontade, através de testamento, vem a lei guprit a mani festagdo.e determina a vocagao legitima, Também seré legit mma a sucessto hereditaia, se 0 testamento néo compresnde todos 0s bens do testador, regulando a lel a sucesso no que conceme aos bens nfo abrangidos, como, ainda, eo testamonto teaducar ou for invalidado, De mancira que podemos apontar ‘uma eerta prevaléncia da sucesso testamentéria sobre a le stima, 5. No Brasil, nto éaifundido o uso do testamento, prepon- derando, sob 0 ponto de vista quantitativ, a sucessAo legit rma sobre a testamontéria, Isto, tirante outras razées,— algumas de ordem cultural e psicologiea — deve'se ao modo ‘como a sucesso legitima foi regulada em nosso pals, conten plando, justamente, aquelas pessoas da familia do autor da he- onga, que este, se testamento izesee, certaments eontemplara, ‘Autores id que enxergam na sucesto leitima um tostamento técito on presuinido, eomo Plaiol que leiona: la sucession ab intestat frangaise est le testament tacite, ou le testament Dre sud da défunt, 0 mesmo pensamento ja encontramos ¢™ Gove Pint, no se desi “Trtada sucesao testamentiria, tendo por objeto, precipust mente, disposigdes de ordem patrimontal,envolvendo e arde- nando transmiselo de bens, smn divida, emanagdo do direito de propriedade, de forma que acampanha a sorte a extensd0 deste dieito. Se a propriedade ¢ampla,limitada,estroturando- seno conceito de Direto Subjetivo,elevado ao mais alto erat no spogeu do liberalismo, com corolério do individualismo ju: Fidieo, ampla e também extensa €aliberdade de testar. Se, 20 contririo, a propriedade sore certas limitagbes, eondiciona-se a0 bemestar eoletivo, em uma “fungdo social” publilzarse, 6 testamento,igualmente, recebe estes condieiontmentos, di tados por um interesse mais lato, familiar, eoletivo, que exige FER FT Benne a 08 3 pe 12 rogulamentagio compativel. 0 certo é que, maior ou menor & amplitude do direito de propriedade, maior ou menor a exten- ‘sd0 da liberdade de testar. Entretanto, pondora Walter Moraes’, nas fortes exigtn via, aeompanhe @asseoore 0 teatdor, quando da fotoniyer do testamento, por qualquer de suas Torinas, oO is fencial qua paripagi do treo sj normal vale diver Aksintretsada, honest, som nenhum objetivo cvs, sem hums nerertca no ent Ga vente do tad wea tana 6a unr Sn preci “dia ogese&monfetagi dentate da ponent evr. {ade sobwrana lire qoot stents ebastante prs avaldade = ato. Observa Orosimbo Nonato™ que no hé no testamen- simples aparécia de anateralidee,concuindes ta 6 BS Greta Rein. pads Sre Senso Tomes, 157 30 real: com a s6 vontade, solitéria e indopondente do testador, © ato se completa e se intogra e se perfeicoa”. '39, No testamento, assim, a manifestaio de vontade ¢ no recepticia, ensinando Pontes de Miranda’ que nio existe qual {quer aceitante ou recebedor da declaraggo de tltima vontade. [Ninguém é comparto, ou destinatario, nfo havendo necessida- de de aceitagio, acordo ou assentimento de quem quer que se ja, Ante estes principios, nao nos deve causar estranheza o fato {de a heranga e do legado terem que ser aceitos (C.C. arts. 1.581 « 1.690), porque esta aceitacao se dara depois da morte do tes- tador, quando aberta a sucessio, sendo posterior, portanto, néo concomitante, e nada influindo na validade do testamento”, ‘84, Diriamos, até, que, se comparceesse ao testamento um herdeiro instituido, ou um legato, accitando, previamente, as disposigdes que lhe favorecesse, estar-seia diante de um pac: to sucessério, Lerminantemente proibido pelo art. 1,089 do Co- digo Civil, e que o Projeto de Cédigo Civil, perseverando nesta vedaedo tradicional de nosso Direito, também no consente, conforme seu art. 426: “Néo pode ser objeto de contrato a he- ranga de pessoa viva’ ‘36. A natareza juridica contratual das disposigdes de wti- ‘ma vontade, enfim, a contratualidade do testamento foi defen- dida, principalmente, por Enrico Cimbali™. O notavel jurista italiano, falecdo, prematuramente, em 1887, antes de comple tar trinta e dois anos de idade, considerou 0 testamento nego cio juridico bilateral, um verdadeiro legitimo contrato mortis cauisa, embora com earacteres bem distintos dos outros con tratos, A contratualidade do testamento estaria demonstrada, pela necessidade de sua aceitacdo pelo herdeiro, para que ele produza efeitos juridicos, tendo, portanto, que existir duplo con- ‘sentimento, acardo reciproco do testador e do herdeiro. Alude Cimbali a existéncia de contratos de beneficéncia entre vivos, ‘como a doagdo, e outros, por eausa de morte, que costumam ‘BFan Manda Op ste, § 8.7) 1S Gate alain Dinu Stn at a 4 286 pape 1 Ea Gt tamer s Pg 1 SS Rone a Dike au adotar a forma de testamento, sendo que a doacdo, para tty efeitos, procisa ser acita pelo donatario antes da morte do dow. or, © 08 efeitos do testamento dopendem da accitagao do be. neficiério depois da morte do testador, constituindo-se esta Aiferenca especifica entre os dois “eontratos" Pareco:nos que 0 grande mestre, neste ponto, nfo tery raztlo. A base de seu argumento prendo-se & circunsténcia de ue as disposicdes testamentiris esto adstritas & accitagiy do beneficdrio. Mas nao é pela accitacio do favorecido que y testamento adquirevalidade. le 6 negéciojurdico peefito pela 86 vontade do testador, manifestada em obedincia as exigén. cias erequisitoslogais. Nao existe conjungio, soma, encontra, acordo de vontades porque, simplesmenta, quando o herde u legatario manifesta a sua, o testador jé morreu, 56. 0 testamento tem forga juridica desde que & outorg- do: representa, dosde logo, um nogécio juridio perfeito e aen. Dado, embora de efcdea dferda. Como advertia Orlando Bitar, 2m suas memoréveisavlas na Faculdade de Direito do Paré, ‘muitos enganos sto devidos & eonfusdo que se foz entre pla. 120 de validade e plano de eficdcia' No testamento, a avenitn. sia do beneicdrio importa para que a disposigao, que i existe 2. vélida juridicamente, surta efeto ose cumpra, Mas, 2 cons ‘tuieto do ato de disposiezo de itima vontade nfo depende deste episaio (infra, n.63). Adotamos-o magistério de Anto- nio Cu", de que o testamento 6 negéeiojuridieo absolutamen {e unilateral, sendo suficiente para a sua perfeigao a deelaragso de vontade do testador,e esta nto pode ser manifestada jun- tamente com outra declaragto de vontade, completando 6 at tor: Testamento eaccettazioneeostituiscon guindi due distin, autonomé neigoct 37. A manifestagao de vontade do testador é um ato uni teal, ¢ a accitagio do heneficifro, quo a6 pode ocoreer depois do passamento do disponente, ¢ um outro ato unilateral. Es tes atos nio sio, apenas, temporalmonte distintos, mas inde- pendentes.Enfim, otestamento no 6 um eontrato, podendo-se, 92 ‘mesmo, dizer, como Aldo Alabiso™, che il testamento # la gran- de oceasione dell'autonomia privata per manifestarsi unilate- ralmente, In effetti nel negozio contratwuale la norma scaturisce Galvaccordo delle parti: & frutto di una autonomia bir plurilaterale, Vieeversa nel testamento la norma ® perfetta git ‘all’emanazione da parte del testatore, che poi diventi efficace solo al momento della morte del disponnete attiene ad una di versa caratteristica delVatto ed. ultima volonta. ‘38. 0 testamento é negécio gratuito, induz liberalidade. Os ceontemplados recebern 0 que Thes foi destinado sem dnus cor respondente, sem reciprocidade patrimonial, Dissentindo da ‘aiotia dos eseritores, Roberto de Ruggiero", indaga se o tes tamento, sendo um ato de disposigdo patrimonial, deve 20 mes ‘mo tempo ser, necessariamente, um ato de liberalidade. Diz 0 ‘mestre romano: “Deve responder-se que nio; bem pode a he- rranga ser passiva e representar um dnus pesadissimo para 0 herdeiro, que aceite pura e simplesmente; bem pode a heranca, ativa ser onerada com legados que esgotem por completo 0 seu, facervo, ou conceder-se um legado com um nus tal que des trua 0 beneficio, O fato de na maioria dos easos ser luerativa para 0 beneficidrio, nfo impliea que a disposigao testament ria seja sempre um ato de liberalidade, podendo as vezes fal: tar assim o animo Ii A '39. Quanto a circunstineia de heranea sor passiva e “re- presentar um dnus pesadissimo para o herdeiro", o problema, ‘50 apresentava a luz do direito romano e diante de nosso dieci to précodificado, em que vigeu o principio de que a transmis: ‘530 da heranca implicava a continuacdo no herdeiro da personalidade do de exjus, polo que respondia aquele por to- das as dividas, todos os encargos deixados por este, ainda que ‘opassivo fosse maior do queo ativo, representando, muita vez, para o sucessor, uma damnosa hereditas, que o levava a ruina, Com 0 advento do Codigo Civil Brasileiro, a questo, entre nés, SF atu Ruut set de iC ol dae in pelo de Ary Satna asia wt beep 33 ficou resolvida pelo art 1.587, que estatui que 0 herdeira nfo responde por eneargos superiores as forcas da heranca. O her~ eiro, entio, nao ¢ responsdvel ultra vires hereditatis,fieando esobrigado quanto as dividas da heranca além dos bens ou valores que the couberam. Por forca do art, 1.587 do Codigo Civil hé a separatio bonorum, a distingao entre © patriménio da heranea e o patriménio do herdeiro, eada um deles respon- dendo pelos respectivos énus e encargos. Com relagio a possi bilidade de um legado ser concedido com énus, isto, também, niio descaracteriza a natureza gratuita do testamento. A libe- ralidade existe, ainda nos legados com eneargo, ensina Caio Mé- rio da Silva Pereira’, O encargo nio pode ser considerado wm Ccorrespectivo em compensagao da liberalidade testamentéria. Sobre 0 assunto, pondera Oresimbo Nonato™ que, as vezes, corre certa dificuldade om distinguir 0 ato gratuito do onero- 80. Teoricamente, diz-se ser 0 aninus donandi, a intencio de liberalidade o earacterizador do primeiro, predominando esse movel abstrato e intrinseco no ato gratuito. Onde tal elemen- tofaloce ou aparece, apenas, com valor acessério, o nego to- ‘ma aspecto oneroso, concluindo o mestre: “A intrustio de certo elemento oneroso no ato gratuito nao Ihe apaga o earéter libe ral, salvo se preponderante”. 40. 0 testamento ¢ neggécio formal e solene, Bsta caracte- ‘otica essencial vem do direito antigo. A validade do testamen- to esta condicionada a formas © tipos prescritos, iciosamente, na lei. As formalidades exigidas nio sio, ape- has, ad probationem, mas ad solemnitaters, Portanto, 0 des- cumprimento, a desatencio, a falta de qualquer uma delas implica nulidade insuprivel. Em matéria de testamento, von: tade e forma se integram e se fundem, resultando um todo in- divisivel. A vontade do testador s6 pode valer e somente valeré se exteriorizada por uma das formas previstas e determinadas na lei. Como inoperante seria utilizar-se alguém de uma das for- mas de testamento para solenizar algo que nfo fosse manifes- 4 tagdo de ultima vontade. Em suma: a vontade, expressando as disposiges para depois da morte, externada, porém, por uma das formas prescritas e reguladas na lei, com as respectivas solenidades e formalidades, representa 0 negéeio juridico do testamento. “41, Cunha Goncalves observa que as formalidades do tes: tamento tém triplice Fungo na formaglo do ato: preventiva, probatoria e executiva. Pela primeira, pretende-se evitar que 6 testador seja vitima de captagtes, dolo, fraude, violéncias; pela segunda, assegura-se a demonstragio da dltima vontade do testador; pela terceira, fomnece-se aos herdeiros, legatsrios ‘edemais interessados um instrument, quanto possivel eficaz, para o exorcicio dos respectivos direitos. 42, Dissemos jd, e reiteramos que o testamento € um ato formal, rigorosamente formal, sendo substancialissimas eim- postergveis, sob pena denulidade, as solenidades que a lei exi- {ge para o mesmo. As formalidades testamentérias visam a ‘eerear de maiores garantias, de toda a seguranga e autentici- dade a manifestagio de vontade do testador. Vontade esta que vai ter efiedcia quando o seu autor ndo mais existe. Ao mesmo tempo, tal multiplicidade de formalidades, e a necessidade de todas serem exatamente observadas é que causa 0 maior ni- mero de nulidade das disposigdes testamentarias. Nesta ma- téria, © no que tange a validade do testamento, qualquer omissfo, qualquer descuido ¢ fatal. As regras juridicas, aqui, ingeremse no jus cogens. Desatendida uma formalidade que soja, dentre as essenciais, fica a disposiezo privada de qualquer feito. Neste ponto ¢ que se estabelece um aparente conflit: as formalidades so previstas para assegurar a vontade do tes- tador, vontade esta, todavia, que, muita vez, ¢ desconstituida saerificada porque nfo se abservou algumas dessas forma- lidades, . 48. Todavia, apontaremos om allgumas passagens opinibes decisses que atenuam este rigor, 0 leitor tomara conheci- ‘mento de algumas formulagdes nas quais o magistério dos dou- tos, sentengas de Tribunais © nosso proprio entendimento afastam-se desta rigidez e propugmam pela validade de testa. ‘mentos que, no dmbito de uma interpretacio rigida e sob a otica do direito estrito, nto subsistiriam. Nao infirao critic apres- sado estarmos caindo em contradigio doutrinaria, e a ponde- ‘agio ff feita por Puig Brutau'', que conclu, aguisadamente: laintroduccién de ciertaflxibilidad siempre se funda en crite- os de equidad y éstos tienen su justfieacion en eircunstancias ‘especiales de cada caso. B, em muitos destes casos, 0 cumpr ‘mento do testamento tem sido ordenado sob 0 argumento de {gue entre orito eo Direito € este que deve prevalecer, ber tando-se ojuiz do fetichismo da forma, fazendo veneer 0 con- tetido, se no se levantam contra este objecdes razodveis. As formalidades testamentérias ao que visam? Sem duivida, res- Suardar ¢ a proteger a vontade do disponente, a garantiv-Ihe ‘A Independéncia, a autonomia, a veracidade. Se, nfo obstante 2 descumprimento de um requisito formal, a séguranca e au tenticidade da vontade nto sofrom contestagao, uid juris? NEO s¢ daré resultado juridieo ao fondo por erronia da forma? 44. Ja se v8 que a questio & de dificilimo desate. Desas- tros0 e inevil seria estabelecer-se para o problema tinica ein- varivel solugdo, quando as cireunstncias de cada caso é que dover influir no espirito do julgador. ‘osserand™ iniciow um movimento contra 0 rigorismo das formas testamentarias, atacou a prevaléneia do rito, a pre- onderincia da soleidade, em detrimento da vontada, almente, sem prejuizo da seguranga do ato, a simpli- Fieagto “do testamento. 30. faz nocessavia, no. Brasil, aproveitando-se, inclusive, a verdadeira revolugio, ocorrida ‘no mundo, no campo cientifio ¢ teenologieo, e relativa a mi quinas de eserevereletrOnieas, computadores, videocassetes 45, Na senda aberta por Josserand, © com vistas a conci- liar 0 rigorismo formal com o aproveitamento de uma real von- tade manifestada em um testamento, penetrou o Supremo ‘Tribunal Federal, através de sua 1? Turma, em 11 de junho rand fa daoieon'dutestrent. al Wlanaate de Dll, 192, 36 do 1942, quando assentou que “as nulidades das declaragdes do ultima vontade s6 dovem ser decretadas em face de oviden- tes provas de postergacio da lei; simples defeitos de forma nio podem valer para invalidar a vontade clara e expressa do tos: tador” (RT, 148/330). 46, Traia-se, sem divida, de aplicagso do milonar favor tes- tamenti, que todos citam e quase ninguém expde e explica Para Biondo Biondi", o favor testamenti 60 principio mais geral e caracteristico em que se inspiraram a jurisprudéncia © a logislagso romanas. Supse, com efeito, a tendéncia conti: nua e permanente da jurisprudéncia, de fazer 0 possivel para salvar 0 testamento, com as mais sutis razdes, as mais atrevi das construgdes, os vezes, com oportunas fiegbes, e da legis: Tagio, de reconhever normas einstituigdes que sirvam para dar atuagtio a voluntas mortis causa do disponente, sempre com © objetivo de evitar a abertura da sucessio legitima, Com o recurso a0 favor restamenti, cumpriam-se algumas Aisposigdes que estariam irremediavelmente condensdas pelo rigor dos principios; admitiam-se formas especiais de testamen- to, a partir do festamentum militis, com vistas @ tornar para todos possivel e facil a testamentifagdo; superavan-se ou re- cobiam tratamento diferonte alguns easos tradicionais de in capacidade de dispor ¢ de reeber 0 favor testamenti surgiu como expediente em favor da oredisinstitutio,e depois foi estendido e aplieado a outras dis- pposigdes, aleancando amplitude, sem limites essenciais ‘Tustificava-se o principio com a necessidade de fazer pre- valecer a vontade do de eujus sobre a succssio legitima. Nao se protendia salvar o testamento apenas pelo empenho de dar validade a um ato juridico, mas porque ele continha a vltima vontade de um defunto, que, em todos os tempos, representa algo sagrado. nconcebivel seria dar, modernamente, a extenstio que con- feriram os romanos ao favor testamenti. Sua utilizagio deve ser admitida com muita prudéneia e madera. Até porque {Bion Wn Soin Festomont yn tra cpntl. 2 190,28, 7 a7 testamento repousa no formalismo, na soleni- para este ngéco juridico, Decerto, um earpo franco e aberto para o favor testamenti € 0 a interpretagio das disposigdes testamentérias. 47. Com relacdo, ainda, aquele julgado do Excelso Prots rio, tem havido diserepsincia quanto ao aleance e extensio das, locugdes: “evidentes provas de postergaci da lei" e ‘simples, efeitos de forma”, Divergem os doutores quando se trata de estabelecer a distingdo entre “formalidades da maxima impor- tania” ¢ “efeitos irrelovantes”, para que sejam fixados os critéris ¢ limites que possibilitam invocarse a eqiidade, com vistas a tornar valodia uma declaragdo mortudria manifesta 4a com alguma omissio ou erronia. Aos que dissertam sobre 6 tema e aos juizes, antepdem-se as mais graves questoes. E, no raro, achamse perplexos ente a escolha de uma alternati- vva, pendendo entre respeito ao requisito formal {importante essencial, na espécie)e a necessidade social de salvar e dar umprimento @ lta vontade de um defunto. Que deve pre- volecer: a exegese rigorosa e severa ou 0 entendimento mais brando e flexivel. ___Procuraremos atentrar com precaugdo cautela em seara erigada por tontas dissondncias. E visaremos a aleanear, até Por imperativofiloséfico, o meio tormo conveniente e pruden- te-entre vatiantes que se apresentam, muita vez, em extremo confit, Levaremos em conta, precipuamente — e isto 6 uma verdadeita adverténcia para que se compreenda nossas idéias ~ que, nesta matéri, s6 se pode desertar do dogma e tempe- rar a regra abstrata, quando se tem a conviegio e a certeza de estar abracando o Diroito o a Justga 48.0 testamento 6 um negocio jurdico revogdvel, essen cialmente revogivel. Ele soleniza eexterioriza uma disposi¢a0 do ultima vontade, ¢ esta, justo porque deve ser a derradeira, pode mudar, variar até na hora da morte do testador. Como expressou Ulpiano, ambulatoria enim est voluntas defuncti use ‘que ad vitae supremun exitum, E porque ambulatéria, mulée vel, a vontade do disponente pode ser modificada, quando the aprouver,allerando-se, sempre que convenha a0 autor, as dis- posigbes Lestamentarias. O testamento é a dltima vontade ma- 38 nifestada e tal derradeira estipulagio ¢ a que produz efeitos ‘post mortem, conforme 0 velho brocardo: in testamentis no- bissimae seripturae prevalent. Aubry e Raut, sintetizam ame Ihor doutrina sobre o assunto: Les dispositions testamentai- res sont essentiellement révocables jusqu’au déces du testateur, fet ne conferent, avant cette épogire, aucune espéce de droits ‘aux personnes en faveur desquelles elles sont faites 49. 0 principio da revogabilidade do testamento ¢ tio ar- raigado que nfo vale, tendo-se por nio escrita, a cldusula em ‘que o testador se compromete a no revogar 0 testament. Esté expresso no Cédigo Civil Italiano, art. 679: Non si pud in al un modo rinunsiare alla facolta di revocare o mutare le dispo- sizioni testamentari; ogni clausola 0 condizione contraria non ha effetto. No mesmo sentido, o act. 2.311 do Cédigo Civil Por: tugués. E 0 Codigo Argentino, art. 3.824: El testamento es re- vocable a voluntad del testador hasta su muerte. Toda renuncia orestricelén a este derecho es de ningiin efecto. Bl testamento tno confiere a las instituidos ningiin derecho actual ‘Nao temos, no Brasil, norma explicita proibindo que 0 testador dé o earéter de irrevogabilidade ao seu testamento. Mas ninguém havera de duvidar que tal proibigdo esta inte: grada no direito pitrio. Ao definir 0 testamento, nosso cédigo eclarou ser ele um ato revogavel. O Projeto de Codigo Civil, fart, 1.885, proclama que o testamento 6 ato personalissimo & pode ser revogado a qualquer tempo. Ora, sondo da natureza ‘mesma do testamento a sua revogabilidade, esta implicito nfo ser valedia a eldusula em que o testador renuncia & faculdade de revogar, no todo ou em parte, as suas disposigdes. '50, Quanto a este aspecto, doves ressaltar o entendimento outrinivio no sentido de que se uma perlithagio for feita por testamento pablica, sendo este, posteriormente, revogado, vale ato como escritura pablica de reconhecimento de filiagio. Po- demos concluir que, apesar da irrevogabilidade genérica do tes- tamento, ¢, todavia, irrevogdvel a cléusula nele eontida que ‘expressa um reconhecimento de filiagso. 51, O Codigo Civil Portugués, at. 1.858, dispoe: “A perfi- Thagdo éirrevogével e, quando feiia em testamento, nio é pro- Tits eX. 66 pAsT 39 fudleada pla revogagio deste. No mesmo sentido, o art 256 4oCidige Ci Italians Mriconoseimento@ revocable. Quan ‘to8 contenatoin un testamento ha effet dal giomo della mor tedel testatore anche ceil testamento stato revocato. De igual maneira, oassunto est definido na Espanha (C.C., art. 741), Venexucia (Cx, art. 217), Maio (C.C, at 367, Unigu (CC, art. 289) e Paraguai (CC, art. 231). ” 52, Ja vimos que otestamonto pode conterdisposigdes de ‘ima vontade extrapatsimonisis eupra,n.29. Saberos, en- to, que testamento pode mencionar, prover eregulr assun- tos alheios aun interesse peeunidro, ot, pelo menos, sem um signiado pattimonil preponderance, O reconbecimento de flagdo 6 um dels, A faculdade estava previa no ar. 357 do Céaigo Civil, sendo, agora, mencionada no Estatuto da Crian- $8.edo Adolescent (Lei. 8.069, do 137.90), art. 25. 58, Orlando Gomes e Nélson Carciro, a nosso ver com Inte ao, opnams "Na hpose do reconhecimento om tes mnt, entendese quo a cliusula que oencerra nfo eubs- tancialmente uma ‘disposicao testamentéria, mas. 26 ormatmente, de modo que a revogaga0 —e até mesmo a nu dade —'ndo afta oconteudo da declaragio de vontade, a qual sobrevivepaaesz lia Asin também pensa Amoi Me lezos da Fonseca aludindo a quo a revogacao postorior do tstamnto fat ser, entrtano, napernte para desu os efeitos doreconhecimento vido neo contido. Serpa Lopes", aponta que a tase da subsistncia do reconhecimento, nio obs. tante a revogacio do tstamento, 6 seguida pela doutrina fran esa ctndo Aubry e Mau, Baudey-Lacantineroe Cheneaus ‘line Capitan, Pana, Ripa ¢ Rouse, Furie Terman ara acompreensio da matéria, 6 oportana a interven: Go de Cuba Gongaves slertando quo quanto tesa to, ¢ preciso também distinguir entre rtulo ¢0 conteido, Se, GEE Merci tn ini 46 et asd rns, ode de Porat 3 158 21,9300 {7 Sipe lps Tad ranges Aa vt eee ea . 4% Gitte Ginainee Onasch ast pais 40 ‘no mesmo titulo, otestador faz 0 reconhecimento de um filho, txistem nele dois atos juridicos distintos: um revogdvel — 0 testamento; outro irrevogivel — 0 reconhecimento, concluin- do o antigo professor da Universidade de Lisboa: “A revoga- ‘elo do testamento quanto & 10 dos herdeiros © & disposigio dos bens no poderd prejudicar o reconhecimento do filho ilegitimo, embora este fosse também instituldo her ‘deiro". Assim pensam, igualmente, Colin e Capitant”, ensinan- ‘do que o testamento que contém um reconhecimento de filiaeao, ‘nfo é,na realidade, um ato tinico, mas a reunidio de dois atos: tun testamento en cuanto las disposiciones del difunto relat ‘bas a su patrimonio, un reconocimiento en cuanto a ladisposi- cién relativa a un hijo natural ‘54, No Brasil, vemos a ligdo respeitivel de Caio Mario da Silva Pereira, que do admite a doutrina propugmada por Fran- ‘co Carresi®, segundo a qual oreconhecimento contido num tes tamento ¢ irrevogivel. Para mostre brasileiro: “Regra é ‘bsoluta e coberta de consagragso milenar, que a vontade tes- tamentaria ¢a todo tempo revogivel: ambulatoria voluntas de- fimeti usque ad vitae supremum exitum. Podendo 0 testador ‘a qualquer tempo enunciar a revogacdo do testamento, com esta pode revogar o seu contetido, e, portanto, a declaragio de Feconhecimento perde a eficécia*'. Na Franca, Jean Carbonnier*, aludindo a irrevogabilidade do roconhecimento, Teciona que, sendo ele feito em testamento, ato essencialmen te revogivel, conforme o art. 895 do Codigo Napo- Tedo, é-se obrigado a concluir que a revogagio do testamento comportara a revogagio do reconhecimento. Teixeira de Frei tas® opina que o recanhecimento da filiagto resultante de escri- tura piblica é irrevogavel. Quem o fizer nfo poderé retratar-se, Porém, ao eminente eivilista parece fora de toda a divida que a revogagao do testamento faz cair 0 reconhecimento, argumen- FETS Ge Dy it oi, te Bo Bee Foie Rechte de Pte sus Bit. 17, ‘52 Youn Cartonnir. Op, lt 1, 1, 0.908 SE ASRS Rare ts tei Gu, 9 046,976, ota wo aat2 a tem seu testamento como tal contra ele? Com otestarnento ae rere disposicao de ultima vontade, apés o passamento do perfilhan- Dininieee iSaniet cen pigattminamrsmemetene Justga, em acted de 297.69, eoncuiu que embora exist tes ret aa ee yn ier ie a gn 5 Proce Menino anole Dri Cee Comment 9 o Ml, Tb, 2 658, A tendéncia, universalmente verficada, na doutrina e nas leis, ¢ de considerar irrevoggvel o reconhecimento de fila: ‘glo, mesmo o feito em testamento. A ulterior revogagio do tes: tamento nio prejudica a perfilhagdo que ele contém, embora ‘oaproveitamento, a eficacia da disposigdo, s6 ocorra com ofa Iecimento do declarant. 59, Realmente, é manifesto o cardter declaratério da per- filhagio, Ela importa uma confissio, sendo, portanto, irretra- tavel. O reconhecimento ¢ ato juridico de natureza familiar, que iio admite condigho, termo, retratagio. Alids, como se pode: ‘dar, depois, como inexistente, um fato euja existoncia ja foi deciarada? (ef. R-T..469/216} '60. Deve ser observado, porém, que a irrevogabilidade per- deo sentido seo testamenta é particular ou cerrado, ese 0 res- pectivo instrumento for rasgado, inutilizado, destruido pelo testador. ‘I. A irrevogabilidade do reconhecimonto de fil ‘mo contida a perflhagio num testament, a inclinagio ines Condivel do futuro direito positive brasileiro. 0 Anteprojeto {de Cédigo Civil, de 1963, elaborado por Orlando Gomes, no art. 212, paragrafo inico, provia: "O reconhecimento feito por tos- ‘tamento torna-se efieaz ao tempo da morte do testador, valen- do ainda que o testamento tenha sido revogado". © Anteprojeto foi revisto por uma Comisstio formada pelo préprio Orlando Gomes, Orosimbo Nonato e Caio Mario da Silva Pereira, re dundando no Projeto de Cédigo Civil (n. 8.263, de 1965). Nes- te Projeto, o art. 202, parigrafo unico, repete a formula do art. 212, parigrafo unico, do Anteprojeto, apenas no que faz. de- pender a eficicia do reconhecimento por disposigio de iltima vontade ao tempo da morte do testador. Omitiu-se quanto a parte final, quo ressalvava a validade do ato ainda que o tes- tamento tenha sido revogado. Todavia, no art. 203, 0 aludido Projeto determinou que o reconhecimento ¢ irrevogdvel, poden- do supor-se que a regra seria aplicavel a todos os casos de re- ‘conhecimento de filiagio, inclusive o que fosse feito pela via testamentaria. Jé o atual Projeto de Codigo Civil (n. 634/75), art, 1.626, edita, desenganadamente: “O reconhecimento nfo 43 pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento”. ‘Em sua Exposieio Complementar de Motivos, o autor desta parte do Projeta, prof. Clivis do Couto e Silva, observa que hhouve argigdes contra a regra do ar. 1.625, que, todavia, tra- dduz a melhor doutrina: “Reconhecido ofilho em testamento, ‘arevogagio deste nfo pode alingtr alo de reconhecimento que, or sua natureza, éirrevogével ‘gait © testamento,finalmente, ¢ um negécio juridico de u- ima vontade, ou morts eausa. Apesar de vido, desde logo, servados que tenham sido todos os requsitos press tos lgeis sua efedia ¢ diferida para depois da morte do di Bononts, Vater eer fiz slo givas diversas estdo em planos tints. Pontes de Miranda” eselarece: Os fats juriicos, Inclusive ato jurdioos, podem existe som sorem eficazes. 0 feslamento, antes da mortedo vstador, nenhuma outa efile Gia tem que ade nego juridco unilateral, que perfelto, aguar- 8 6 momento da eficica. O testament, enquanto vivo o testadr,ndo produ qualquer efeto, nam mesino proviso Dreliminar,sendo que precisamente nisto consiste a contra osigdo entre atos inter eivos e mortis eausa, Como expresso dk time vontade do declarante, otestamento se recobre de todo vigor efidea desde a mare do tstador, coma se age Uontade tivesse sido enuncida no momento extremo da vi- 4a do aisponente Gate oportuna uma digressio, embora breve, sobre a $80 entre validadeeefedeia, que adquire importéneia especial diet testamentéro. Evid o ao qu tender todos eauisitoslguis— deforma ede funda — para sus const- {ulex0, conforms o art. 82 do Codigo Civ: “A validade do ato Suro requr agente capa art. 15,0. 1), obeto let e forma Precis cu ndodefes om arts. 19,130 145). Registro Gus alm deste requlsitos geri, inrenes a qusquer ato, hi ue se atende,tambm, os requisites priprios de um deter nado ato ou negécio, vigorando, para og testamentos, 0 disposto ats, 1.682, 1.638 ¢ 1.645, do Cédigo Civil, por exemple, “4 ‘A validade, entio, leva em conta o momento da formagio do ato, devenda ser verificado se o seu suportefitio é eiciente, se a sua elaboracto obodeceu is normas em vigor. Caso posit Yo, nlo havendo vicios ou defeitos, o ato tem idoneidade para ppermanecer no mundo juridieo e produzir efeitos. A efiedcia do Ato ee refere a este outro momento, ou a este outro plano, da produgao de efeitos. Podemos dizer: o ato idoneo (validade) tem aptiddo para produzir efeitos juridicos eda), Bam regra, 0 ao juridico vilido prod, logo, os respectivos efeitos, eriando, re {ulando, modificando ou extinguindo relagdes jurdieas. Por uma série de razdes, que os limites deste livro nfo permitem anal Sar, 0 ato valido pode néo produzir efeitos. Ou nao os produz, imediatamente, A eficdcia do testament depende da ocorréncia deum fato para que se dé airradiagao de seus ofetos. A morte do testador ¢ que determina a eficicia do testamento, Assim, 6 testamento que foi elaborado em consondncia com os requis tos legais, existe, € vilido, mas no 6, ainda, eficaz. Com o fale Cimento do testudor, torna'e ato definitive, irautivel,irevogivel f passa a produzir efeitos 64. B irvelevante que tenba passado muito tempo entre a fac- ‘edo do testamento oa morte do estador, Plo decurso do tempo, 6 testamento néo fica prejudicado. Carlos Maximiliano™, diluek a "Por ser exeqitiveleirzovogive e, portant ato defnitivo ‘86 depois da morte do prolator,o testamento, embora velho de mais de trinta anos, ndo esté sujito a espécte alguma de pres- ‘rigdo direta”. Ainda que uma ou algumas de suas disposigdes 5iando se possam mais eumprir; emibora um ou outro bem j nfo éxista mais no patsiménio do dispanente; mesmo que, ap6s 2 ou torga do testamento, o declarante tenha perdido a capacidade (por ter ficsdo dementa, por exemplo, otestamento ter eficdca, Néocorrendo revogagio ou rompimento, otestamento manténse vilido e produnirs todos os efeitos com a morte do testador. O Codigo Civil Argentino, art. 3.631 debxou expresso Bl testamento hecho con las formalidedes de a ley vale durante la vida del testa- BF Caen Talem. Os tel. 292, 930 6 dor, culos que sa el tempo que pase desde su formacion fientras no estd revocado, se presume que el testadar perseve- ra en la misma voluntad. [ i Estas ligdes valom para os testamentos ordinarios, pois 0s testamentos especiais caracterizamse, em principio, pela sua validade tomporéia (infra, n. 738), 6 DA CAPACIDADE PARA FAZER TESTAMENTO 65, A capacidade tostamontéria pode ser ativa (restamen- 1 factio activa) e passiva (testamentifactio passiva}. A primeira regula quais 0s individuos que podem dispor por testamento. ‘A outra identifiea os que podem adquirir por testamento. Bs: tudaremos, neste ponto, a capacidade testamentéria ativa. ‘No diteito romano, tinham capacidade para testar todos 0s eidadios sui juris, excluindo-se, portanto, os estrangeiros, (0 fili familias, as pessoas in manu, in mancipio @ os esera vos. Entretanto, como observa José Carlos Moreira Alves", no decurso da evolugio deste diveito houve atenuagdes a esse respeito, permitindo-se que testassem, par exemplo, os estran- ieitos a quem fosse concedide o jus comercii v os fli familias, ‘com relagdo ao peeillio castrense © quase-castrense. 166. O Codigo Civil Brasileiro, art. 1,627, enumera as pes- soas que esto incapacitadas para fazer testamento, e pode- mos iniciar este assunto afirmando que podem dispor por testamento todos aqueles que nfo forem declarados ineapazes pela lei. Vigora, aqui, mais do que em qualquer outro departa- mento, a premissa de que a eapacidade se presume, 6 a regra geral (omnes testamentum facere possunt, qui non prohiben- tur). O inverso, a ineapacidade, devera ser expressamente pre- vista, e, se alegada, teré de ser provada de maneira cabal © inelutavel, nfo bastando puros indicios, simples presungoes ou ‘eras deelaragées, juizos © opinides de testemunhas, mormente ‘se forem testemunhas que tenham presenciado 0 testamento,, ‘ue, ao final, esti slegando a propria Lorpeza e se acusam de ter participado de um ato inauténtico. ‘67. Sobre este prinelpio geral da capacidade testament via, o Cédige Civil Portugues, art. 2.188, edita: “Podem testar todos os individuos que a lei nao declare incapazes deo faze" Observe-se que a lei portuguesa no diz que podem fazer tes- ” 1 tome suspeita de nulidade, ou falsidade (C.C. art, 1.655 cle art, 1.644; OPC, arts, 1.125 a 1.197) 701. Nosso direito anterior conhecia as cartas de con cia, reguladas na Resolugdo de 26 de julho de 1813, ¢ men nadas no art. 1.083 da Consolidagao das Leis Civis, de'Teixeira de Freitas, Cartas de consciéncia cram, também, disposigdes de ul- tima vontade, transmitidas, om segredo, ao testamenteiro, para ‘que fossem executadas como se estivessem eonstando, expres: samente, no testamento. Tais determinagies seeretas, por sua extensdo e caracteristicas, assemelhavam-se 908 codicilos, 0 Codigo Civil Argentino, art. 3.620, considera de ne- nhum valor as eartas de consciéneia. Nosso Codigo a elas nao faz nenhuma referéncia. ‘Também nio valem, em nosso dire! to, como disposigao de ultima vontade, ‘702. Talvez.por consideré-lo instituto absoleto e om extin- ‘¢h0, 0 codicilo nfo foi mencionado no Anteprojeto Orlando Go- ‘es, Nem no Projeto de Cédigo Civil (1968), de Orlando Gomes, Oresimbo Nonato e Caio Maio da S Projoto de Cédigo Civil, om tramitagao no Congresso Nacional, arts, 1,908 «1.913, regula o calle nto aprecenta ualquer altoraga0 com relacio ao Codigo vigente. 708. Sobre o assunto que estamos abordando, 6 interes- ssante e original a observagio de Limongi Franca"? de que, 0 fato de nto estar o codicilo provisto de modo a que se possa, Por ele, instituir herdeiro diteto, nio Ihe tira 0 eardter de tos: tamento, sendo apenas The restringe o objeto, Dadas as suas caracteristicas particulares, relacionadas com o objeto e a for ma, ¢ um tipo especial de testamento. Para o referido autor, 4 posigdo sistomiitica do codicil nao deve set a que encontra, mos no Cédigo Civil, entre os testamentos ordinétios e espe. isis, cumprindo fagam parte destes iltimos, “abrindo-selhe capitulo especifico, em virtude de sua feigao peculiar” 922 FORMAS ESPECIAIS DE TESTAMENTO Prineipios gerais [Além dos testamentes comuns, ordindtos:opiblico 0 cer- tado eo para, que podem seinen euahides eos torgados por qualquer pessoa eapaz, nossa lei regula formas tspecinis Ge testamento, «seem atilzadas em determinades ‘éircunstancias, particulares eventos, © em atongdo & situagio exeepeional em que se encontra o que pretende manifostar a ‘sua tlkima vontade Dai, os testamentos especiais serem chamados, também, excepeionais, emergenciis, acidentai, privileiados eextraor- indrios, Od, Nosso Cbdigo Civil regula, apenas, duas formas de tes tamentos especias: martimo eo militar, Bstabelecen os re- duisitos e formalidades de cada um e sujeitou-os a prazos de hescia. "105. A marea inconfundivel dos testamentos expeciais 6 1 facilitagio de sua elaboracio, a diminuigio de formalidades, a redugio de requisitos, a subtragio de exigincias dos testa. rentos ordindrios. 'Nio se infra disto haver nos tostamentos especiais der- rogagao do direito comum. O que hi ¢ o abatimento e descon- toe solenidades, apenas, O a que se visa € atender situagdo singular. O que se pretende éfacultar edosembaracar a possi- bilidade de testar, ante a necessidade premente de uma pes- soa deseat faze, e, pela cireunstncia particular em que se Acha, ndo poder socorrerse de formas ordindris. TEntretanto, permanecem intogros os prineipios superio- res de direito e nfo se idem as rogras gerais aplicaveis aos testamentos, genericamentefalando “706. Assim, nfo obstante as normas de diretoestrito que {nforinans os testamentos especiis, a elos se aplicam todos os prineipios que determinain a eapacidade testamentéria ativa (CC, arts, 1.627 e 1.628), a proibigdo do testamento conjunt: vo (att 1.680), aincapacidade das testerunhas (art. 1.650), 08 Dreceitos referentes ds disposigdes testamentdrias em geral 323 (arts, 1.664 a 1.667), os que tratam da eapacidade para adqui- rir por testamento (arts. 1.717 a 1.720), 0 jus eogens da suees ‘io legitima, a ordom da vocagio hereditaria, orespeite a quota dos herdeiros necessarios, os preceitos referentes 20s defeitos da vontade, a teoria das nulidades, Os beneficios, os prvilégios, as excegdes dos testamen- tos especiais restringem-se & forma. 707. Diversamente, ocorria no dieito romano. Mesmo an tes da Lei das XII Tabuas, quando o testamento militar era privilegiado, nfo, apenas, 20 ponto de dispensar formalidades ‘externas, mas ao extremo de postergar normas substanciais do direito sucessério comum, no tocante a eapacidade do tes. tador € 20 préprio conteido e eficicin das disposigbes, Assim, por exemplo, o principio nemo pro parte testa- tus, pro parte intestatus decedere potest (supra, n.11) nao se aplicava ao soldado, que, mesmo atingide por uma capitis di minuto — que Lornariainvilido um tostamento oxdindtio — inha capacidade de fazer tostamento militar. O soldado mu do ou surdo utilizavarse, igualmente, desta forma especial, que Permitia, ainda, que o militar, desta maneira, fizesse muitos testamentos, preterindo, inclusive, os filhos, ¢ beneficiando usisquer pessoa. Os legados do soldado nso precisavarn res Peitar a reserva legitima, podendo ser feitos com ofensa a Lei Bellare reserva legitima, podendo ser fi fensa aL _, 708. Tal regime, de certa mancira,influenciou 0 nosso. ‘eito pré-codifieado. As Ordenages Filipinas (L. IV, 80, § 3), embora estabelecessem que os fhos-familias néo podiain fazer testamento, ainda que com @ consentimento de seus pais, facultaverlhes, so soldados fossem, testar sobre os bens cas. trenses © quase-castrenses. A regalia foi mencionada na Con- solidactio das Leis Civis, de Teixeira de Freitas, que, declarando no art, 993, § 22, que nao podiam fazer testamento 0s fillhos- familias, ainda que 0s pais consentissem, permitia, entretan- $6 0. fraps poo ua Fla vis anger um es 924 to, que tais pessons, desde que fossem militares, testassem, ten do como objeto aqueles ditos bens. Para Biondo Biondi", o restamentum militis romano aio é uma forma extraordindria de testamento, comparavel 20 testamento militar das legislagdes modemas. Porém, represen- tou um regime particular, de forma o de substancia, um pri légio pessoal fundado na condi¢ao de militar do seu autor. ‘Originou-se o testamento militar de algumas concessses| de César, seguidas por outras, de Tito e Domiciano, Consolidou- ‘0 0 institato com a plonissima indulgentia, de Nerva ¢ Trajano. Constantino, no Cédigo de testamento militis (C.15, L1, "7.21), estabelecia que os militares em campanha poderiam ov. torgar testamento da maneira que Ihes fosse possivel, bastan- do que a vontade se manifestasse de qualquer moda, inclusive redigindo 0 soldado moribundo na bainha da espada, no escu- do, com o seu proprio sangue, ou na arcia, com a ponta da espada. ‘Tustiniano (Inst, 2,11), ressaltando que favor era defe- rrido aos soldados em decorréncia de sua grande impericia pa- ra a observimcia de formalidades na feitura dos testamentos, Aeterminou que o testamento militar teria valor mediante ma- nifestagdo da vontade do testador, escrita, ou ndo, contanto ue exteriorizada por qualquer modo. Tratava-se de uma fa- culdade concedida, somente, aos militares incorporados, em ‘eampanha, Fora desta hipétese, claborariam testamento de acordo com as normas do direito comum. 709. Como observamos antes, otestemento militar, no reito romano, nfo signifieava mera forma especial, para aten- der situagdo extracrdinéria, como se entende, hoje, nas modornas legislagbes, mas representava um auténtico regime juridico, excepeional e particular, influindo na forma ena subs- tncia do ato, vigorando quanto a este instituto, um verdadei- +o jus singulare. No direito luso-brasilero, as Ordenaedes Filipinas (L. 1V, 'T. 80, §5°) regularam o testamento militar, dizendo que o sol- dado em campanha podia fazer testamento, com duas teste- ‘munhas, somente, homens ou mulheres, chamados para tal ato ‘fim de provar o que ouviram o soldado dizer, ou viram o que le esereven. Previa, mais, 0 Codigo Filipino, copiando, neste passo, ‘a legislagio romana, que, no conflito da batalha, o soldado po: din fazer testamento de palavra ou por eserito, ainda que seja 1no chao com a espada, ou nos escudos e espadas com o sangue das feridas, ou em qualquer outra coisa, contanto que se pro- ve com as duas ditas testemunhas, como 0 fizeram, T10. Nao trataram as Ordenacbes do testamento mariti= ‘mo, que era, todavia, admitido pelos praxistas. 711, 0 testamento consular, como observa Orosimbo Nonato*” nao se inclui entre os testamentos especiais admiti- dos em nosso direito, E nao se trata de forma especial, diz 0 exrégio civilista,citando Lacerda de Almeida e Ferreira Alves, “pois neles so observam, obrigatoriamente, as solenidades ex: sernas dos testamentos ordinacios” ‘711.2. 0 testamento nuncupativo, feita de viva voz por ‘tualquer testador, ao tempo de sua mérte, previsto no direito anterior (Ordenagoes Filipinas, L-IV, 'P. 80, § 4°), néo foi ad- nitido pelo Cédigo Civil. Salvo a tiniea hipétese permitida, 20 militar em batalha, ou ferido de morte (infra, 0.768). 712, Nosso eédigo também nao cogitou do testamento tem= ‘ore pestis, que é previsto no BGB (art. 2.250), no Codigo Na- oleio (art. 985), no Codigo Civil Argentino (art, 9.689), no Cédigo Civil Uruguaio (art. 811), no Cédigo Civil Venezuelano (art. 865), Poder-seia argumentar com o progresso da medicina, avango da engenharia sanitaria, os programas de sauide e se neamnento basico, a vitoria da cigneia (mais que a dos gover- nos!) na erradicagio das doongas, moléstias e epidemias, para se concluir estar relegado a um passado medieval o testamen- to feito em tompo de peste, Mas 0 argumento provaria demais! Se estas cireunstin- ‘TA Die Nenata Op wl, 227,304 826 as, no mundo de hoje, so extremamente raras, ocorrendo os, episédios com infreqincia e escassec, mais uma razio e pon- derével motivo para se prever uma forma especial, facilitada, de testamentifagio, na eventualidade, posto que remota, da: queles fatas virem a acontecer. De resto, rogistrese que trés paises, do desenvolvide con- tinente europeu, do Primeiro Mundo, portanto, regularam, re- ccentemente, forma privilegiada de testamento, tendo como ‘motivo e razdo situagies excepcionais, dentro as quais as pes- tes e epidemias: [tia (art. 609 do C.C., de 1942), Espanha (art. 701 do C.C., com a redagao dada pela lei de 24 de abril de 1958) ¢ Portugal (art. 2.220 do C.C., de 1966) E nfo é, somente, a ocorréncia de peste que deveria ense- jar a possibilidade de regulamentagao de uma forma especial de testamento. Refere Arnoldo Wald" que, entre nds, a doutrina lamen- ta.a falta de uma formula geral que permita, em casos de emor- géncia, orecurso a um testamento simplificado, a fim de evitar que a auséncia de um corto nimoro de tostemunhas possa in pedir o cumprimento das tltimas vontades do testador. Neste fentido, Calo Mario da Siva Pereira arguments que nfo se ia despropositado estender o testamento especial 20s casos fe estar otestadorinslado, nfo apenas por efit de opers ‘edo bélica, mas ainda por inundaco, epidemia ou outra causa andloga, que o impora de dispor em forma ordinéxia. E, demons- trando que os doutores acordam, Pontes de Miranda" assi nala que nada justifies que sejam o estar em alto mar (ais, no é, exatamente, o “estar” em alto mar que a li erige como rrequisito, data venia) o estar mobilizado, as duas Unicas cir cunstancias extraordindrias, que permitam os testamentos es- peciais, apontando o mestre que "Os legisladores do Cédigo Civil nfio estavam a par da evolueio técnica do instituto do testamento em estado de necossidade, do Nortestament dos po- vvos que abrem veredas ao direito civil”, e, passos adiante, in 327 dog: “So Ihe apresentarom (a ju) um (testamento, feito na forma do at. 1.663, pela pesson que ficou entre as chamas, ow na forma doar. 1.60, pelo que, creado de aguas, mando em garrfa, quo estava bolando? Nao era militar nao estava fm guerra, mas estava nas mesmas cieanstincias objelivas 6, talves, a servigo do ealvarao publi 718, Concordamos, também, quo.a formula a que choga- ram os logsladresaleifesesuigos havia do moreverestuo © acohimento. 0 Cédigo tedeseo prevé una forma extraordinéria do tes tainento ase uiieada em lugar (Ort que esta eolado, sulado, intereptado, separado om consequéncia da propagacio de uma enfermidade ou de outras cireustancias extraordinds ¥as, que tornam imposcive ou excessivamento dfiell a outor- do testamento sob a forma ordndria, ante um notirio. Neste 280, o testador poder fazer otostamonto ant a primeira a toridade do munieipio ou do dstito rural em que se nconte, vendo esta autoridede convocar duas teotemunhas, ou Om torgar testamento por delaragto oral, ante tes tsterounhas, ate testamonto expt regulado no at 2280 do BGD, che: mado Tetoment in aber Ort esaent nga © Cécigo Civil Suigo, art 408, admit rts formas de te tamentao pale, ohalgrafo eo oral. testamento oral nur. cupativo) deverd sr declarado a duas testemunhas, que cam encarrogedas de dacimentar,convenientamonte as disposes 4otestador. Ete testament 6 pode ser utilzado em ocaioes Partculares situagbes oxtrardindras, emergence, como pe. Figo iminente de more, interceptacin de comunicage, tnlas ou acontecimentos de quot. No ar. 508, a euiga eta ‘que se testador puder, posteriormente sorvi-e do outra for ma de disposito (ou sel, o tstamonto piblico ou halogealh, © testamento orl perderd a valdade, depois de quatorze dia, contades do momento em quo o disponente puder se uiza? do uma daquela formas eseitas para ronovar sua manifest. ‘%o de ultima vontade, Trataso de um prazo ber eurto,eujo Alecurso acarota a preclusto do testamento oral 328 714. Ao contrario do que ocorre no direito aleméo, suifo, italiano, espanhol e portugués, nio temos, no Brasil, norma a respeito de forma testamentéria privilegiada, a ser utilizada com estado de necessidade (epidemias, calamidade pablica, in fortinios, situagdes graves, insuperdveis e excepcionais). “Testamentos especiais, entre nbs, sto, apenas, o mari ‘mo ¢ militar. E proviso que uma lei futura estabelega uma for ‘ma_simplifieada de testamento, quando circunsténcias ‘extraordinérias e eventos anormais ou fortuitos impossibilitem ‘ou tornem extremamente dificil a faccdo do testamento pela via ordindtia, 715, Levando em conta que para o mesmo mativo deve pre vvalecer a mesma lei, estando regulado, no Brasil, 0 testamen- to maritimo, justifiea-se, de jure condendo, 0 testamento aeronéutico. (0 Anteprojeto Orlando Gomes, art. 882, j4 0 previa, es- tatuindo: “Quem estiver em viagem, a bordo de aeronave mili- tar ou comercial, pode testar perante pessoa designada pelo comandante, em presenga de duas testemunhas, observada a forma admitida para o testamento maritimo”. 'A redagio foi mantida no Projeto de 1965 (Orlando Go- ‘mes, Orosimbo Nonato, Caio Mario da Silva Pereira). (0 Cédigo Civil Italiano (art. 616) regulou o testamento aerondutico, mandando que se aplicassem a ele as disposigoes acerea do testamento maritimo, no que foi seguido pelo Codi ‘g0 Civil Portugués (art. 2.219). O testamento especial aerondutico foi regulado no atual Projeto de Cédigo Civil (art. 1.915), inspirado no Anteprojeto Orlando Gomes, e, de resto, na legislagio estrangeira que existe sobre a matéria, 929 das, valeré 0 legado quanto ao seu remanescente. Clovis Bevilaqua™ observa que esta segunda parte do art. 1.709 pro code, quer haje obrigacio alternativa, quer néo, e,afinal, me thor estaria no n, III do artigo antecedente. 568 INTERPRETACAO DOS TESTAMENTOS. 1016. Qualquer ato destinado a produedo de efeitos juridi- cos precisa ser interpretado. Interprotar é fixar o aleanco, de- terminar o sentido de uma proposicdo. Seja legislative ou negocial (bilateral ou unilateral) o to carece de interpretacso, ppara ser compreendido e aplicado. “Antes de cumprir e executar, 6 necessério interpretar, na medida em que interpretar 6 conhecer, descobrir 0 contetido, desvendar o espitito, estabelecer a idea, fixar o objetivo, reve- lar a inteneéo. 1017. As vezes, a expressiio verbal, o enuncindo geamati- cal, © contebde literal se apresenta singelo, escorreito, incon- fundivel, havendo perfeita sintonia, imediata consonéncia, ntegral harmonia entre o pensamento e a palavra, entre a enun ciagio e o contedide, entre o posto ¢ o disposto, entre a vonta- dee a declaracio. ‘Dai, a ogra do art, 675 do Cédigo Civil Espanhol, de que toda disposigdo testamentaria devera entender-se no sentido Titeral de suas palavras, a nfo ser que se conclus, claramente, que foi outra a vontade do testador, observande-se, em caso de divida, o que soja mais conforme a intencio do disponente, segundo 0 teor do proprio testamento, ‘Vérse que foi estabelecida uma geadagio: se as palavras sio claras eo sentide da disposigao resulta evidente no pré- prio toxto, a compreensio tem de ser literal, a interpretacio, portanto, exclusivamente gramatical; se, ao contrério, o enun- ciado nfo 6 compreensivel, de plano, ensejando disceptacdes eduividas, propiciando ambigtidade, hé que se perquirir a real intengio do testador, tornando-se a interpretacdo lagi. 1018. Alertese, desde jé, com a melhor doutrina, que es: tes procedimentos de interpretagio (gramatical — légico) no representam compartimentos estanques, nao sio antagénicos, ‘na verdade, complementam-se, reeiprocamente, aparecendo ‘como fases integrativas, métodas de um processo interpreta- tivo, que é unitdrio, Nao obstante, éforcaso reconhecer-se que a utilizagto do método gramatical tem uma importincia mui 569 to maior na nterpretaco do testamento do que na interprota- Gf da ei ou do contrato, conforme observa Carlos Mantra no:“ “Aplica-se aos atos causa mortis 0 processo filoldgico ou -ramatieal, de Hermeneutie;procura-se commpreender bom aa expressies do estipulant, a palavras empregadas, Dover cas tradazir,implicta ou explictamenta, intone. Em tats ins trumentas eta adquireimportincia conserve, pore se Gave os mess signa, tm forma safcentencate nies ob 0 intaito dadvoso do testador, mae também 0 objets 4a liberaliade oo respectivo benefcario. Eis porque © pre. essofiloligico tem maior valor na exogese dos testarcon Go quan errand dsl" rece que ale expanola fom oar, 1.606 do sige Givi Branco que verenos edn) suit osego brocaido de Paul, iseido no Digest (L 22°20,ra2s,6 19), destnado por sna, os tstainentog: Cam in verbs maaan Biguitas e34 non debet adit otuntas quacstio = “Quando ‘lo houverambiguidade nas palavras, nda se deve admitir pes. ais dia vontade™ io se julzu que clarera do texto nulifca a atividade interpretativa, Nem se imagine possa prosperar a vella sere tenga in lari cess interprtato ="nts cols clara Nod so smite interpretaedo".Até porque o conceito de larers ou de bseuridade nao € absolut, as tlativo: 0 que €retlineo © teanaicido para um, pode sr confugo © bio para outs, ‘Tense, sempre, de interretar. Para aplicar nterpretar 6 indiopensivel. Coneluivse que o texto & claro, aliéaja repre: Senta um asioitrepetative, om o que prociama qu oe @ aru tm, na mente, a pereepeto do vermelho, do brenco, do negro, ¢ fer, previamente, a comparagto, ainda que esta ava. Tago, no cas, seja rapid, espontinea, automatiea © cescorreito ou o ambiguo da expressio verbal depende da ands prévia de quer a rece: de quem tom de interprets I, pata bem compreendle,entondbla sem rugs, e aplen 1a, com certeza soguranga.O in clans essat interpreta 6 370 inacolhivel, representando tal adgio, inclusive, uma contra diglo, Como excluir a interpretagdo, se o texto 6 claro, quan do, para saber-se que 6 elaro ja se teve de interpretélo? Daniel Coelho de Souza, em livro excelente, pondera que esses afo- rismos multisseculares representam coletznea de preceitos dog- miticos, sem maior valor doutrinério, apontando: “Afortunadamente, assa idéia de que a interpretagto & mera atividade eventual, necesséria quando a lel ¢ obscura, mas pres: cindivel quando 6 clara, vai sendo sucedida pola idéia oposta, segundo a qual nenhura lei dispensa o trabalho do intérpre- te”, ¢ esta assertiva do mestre paraense se aplica aos testa montos, como a de Luis Recaséns Siches, de que o ostudo sobre a interpretaciio do Direito um tema essencial, tantona teoria, como na praties, garantindo: sin interpretacién, no hay enabsoluto ninguna posibilided de que exista de hecho ni fun- clone en la préctica ningzin onden juridico. 1020. A lei, 0 contrato e 0 testamento tém notdiveis seme Ihangas. Como afiemou ‘Teixeira de Freitas, “os testadores sio le- gisladores", 0 quo, de resto, ja proclamava a lei das XII Ta bbuas, aneianissima, do sée. V antes do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo: dieat testator et erit lex = “diga 0 testa- dor, 0.0 que disor & ei”. ‘A disposigdo testamentaria é uma regea equiparavel & nor- ‘ma juridiea; o negéeio juridico produz, também, normas de di reita, sem que, com isso, estojamos afirmando que a norma individual, que decorre do contrato, ou 6 fixada em um testa- mento, soja da mesma natureza, extensio, grau ¢ amplitude da norma geral e abstrata, editada polo Estado. Hans Kelsen, o imortal fundador da Hscola de Viena, cxia- dor da Teoria Pura do Direito, na Reine Rechslelre, tem wm pardgrafo, exatamente, com o titulo: “( negocio juridico co- ‘mo fato criador de Direito”, affrmando o sumo jurista que na linguagem tradicional a palevra “nogécio juridico” ¢ usada tan 571

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