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R. Pae. Edue., Sao Paulo 11(1/2):101-134, jan./dez. 1985 O IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCACAO: O ENSINO EM CAMPINAS NO FINAL DO SECULO XIX * Carmen Sylvia Vidigal MORAES ** RESUMO: Este trabalho tem pot objetivo focalizat a educagio escolar, em Campinas, nas tiltimas décadas do século XIX, de forma que as realizagdes educa sionsis nesta cidade sejam entendidas como parte da estratégia politiea de um grupo Tepresentante da fragao cconomicamente mais poderosa da classe dominante (fazen- deiros de café do oeste paulista) que, alijada do poder, almejava ter acesso a ele com a vigéncia do Estado Republicano. Dividiu-se esta exposigtio, basicamente, em duas partes. Na primeira, apés um répido diagnéstico da educacio na Provincia de Sio Paulo, procura-se analisar a. sitmagio do ensino piblico ¢ privado em Campinas. Na segunda parte, propde-se averiguar como se expressa a agiio educativa dos republicanos no que diz respcito & organizagao @ funcionamento do “Culto & Ciéncia”, instituigio particular, de nivel seoundario, por eles criado em 1874, PALAVRAS-CHAVE: Ensino particular. Institnigao popular, Ensine secundario. Projeto politico republicano. I — INTRODUCAO Esta exposicfo tem por objetivo focalizar a educagdo escolar, em Campinas, nas dltimas décadas do século passado, Os anos de 70 € 80, que coincidem com a derrocada do Impétio, podem ser yistos como um momento extremamente significative para a identificagao dos rumos assumidos pela politica nacional nos periodos posteriores, O final do século XIX caracteriza-se pela profunda ¢ vigotosa discussao a respeito das “timitagées” do governo imperial e a conseqitente formulacao de uma proposta politica alternativa. O que se observa é a busca da Icgi- timidade da fala republicana. * Este trabalho apresentado na II Semana de Estudos sobre Histéria de Came pinas, no Museu Histérco © Pedagégico “Dr. Campos Salles”, Secretaria de Estado da Cultura, Campinas, em outubro de 1985, foi parcialmente modificado pata constar nesta publicagiio, Professora Assistente do Departamento de Administragio Escolar e Economia da Educagao. Faculdade de Educagio. USP. 102 CARMEN. SYLVIA VIDIGAL MORAES Como se asbe, antes da Proclamagéo da Republica, Sao Paulo assumiu © ptimeito lugar na produgao brasileira do café, com o espetacular avango da cafeicultura no chamado Oeste Paulista. A nossa investigagao desenvol- ye-se em um periodo no qual a regido polarizada por Campinas é 0 novo eixo econémico de expanstio do café, Convém lembrar que participaram das mais representativas liderangas politicas brasileiras, geradas nesse momento inicial da pregagdo republicana, um nimero bastante significative dos quadros politicos da regido cafeccira, particularmente de Campinas, os quais integrariam, posteriormente, o aparelho de Estado. Foi intensa a militancia politica dos representantes desse setor domi- nante tesponsdvel pela fundacdo do Partido Republicano. Magons, utiliza- vatn-se da Magonaria como verdadeiro partido politico; fundaram a “Gazeta de Campinas” ¢, depois, o jornal “A Provincia de So Paulo” para vei- culagéo do debate politico; além de comporem a diregio dos clubes ¢ associagGes culturais, criaram escolas noturnas para alfabetizagdo de adultos (para trabalhadores livres ¢ escravos); organizaram a Associacéo dos Lavra- dores com 0 objetivo explicito de conscientizé-los da defesa de seus inte- resses de classe © convencer os mais desavisados dos problemas econémicos a serem enfrentados. da necessidade de substituig&o da mio-de-obra escrava pela livre. Através do Clube da Lavoura reivindicaram do governo imperial a criagdo de “escolas agricolas” consideradas necessdrias A formagao de pessoal qualificado para a lavoura. No que se refere aos assuntos educacionais, esses anos sio expressivos nas tentativas de sistematizag%o da politica escolar a ser adotada. A critica republicana, numa dentincia global as instituigdes monér quicas, apontando a farsa constitucional do regime vigente, expressa como sua tarefa fundamental a intengdo de ser um governo do povo. Identifican- do-se a si mesmo como a nagao, o grupo republicano, pertencente aos setores ceconomicamente dominantes, iré dar importincia primordial & difusiio do saber para que todos os homens adquiram consciéncia dos seus direitos e deveres ¢ tornem-se livres, cidaddos do novo Estado a ser constituido, Em Campinas, a acto desses republicanos nao se limitou critica da situacdo do ensino existente, Se nfo foram os Unicos responsdveis pelas realizagdes na area educacional, delas participaram, ainda que indireta- mente, apoiando a iniciativa particular na criagao de intimeras esvolas de estudos primarios ¢ secunditios. Entretanto, nfo Ihes bastou referendar apoio politico e financeiro as instituigées particulares ou compor o corpo docente de muitas delas. Asso- ciaram-se para criar o seu préprio Colégio © o fizeram sem ao menos visar fins lucrativos. Assim surge, em 1869, 0 “Culto A Cigncia”, fundado por uma Associagdo Benemérita, constitufda por elementos de vanguarda dos R. Fac, Edue, 11(1/2):101-134, 1985 © IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCAGAO:... 103 fazendeiros de café, por comerciantes e intelectuais da época que se afir- mayam positivistas, magons ¢ republicanos. Muitos desses idealizadores ¢ mantenedores do “Culto a Ciéncia”, que se tornaram figuras decisivas nos primeiros governos republicanos — como € o caso de Campos Salles, Francisco Glycério, Américo Brasiliense, Prudente de Moraes Barros ¢ outros — influenciaram decididamente, através de sua enérgica atuacdo, nos rumos assumidos pela educagao escolar no sé na Campinas do fim do século como, apés a implantacao da Repii- blica na definigio da politica educacional adotada na Provincia de Sao Paulo ¢ a nivel federal. PropSe-se, portanto, a tratar do ensino em Campinas, no periodo designado, de forma que as realizagdes educacionais sejam entendidas, nao como realizacdes isoladas nesta cidade, mas, como parte da estratégia polt- tica de um grupo repteseniante da frag3o economicamente mais poderosa da classe dominante que, alijada do poder, almejava ter acesso a ele com a vigéncia do Estado Republicano. Os dados, as informages ¢ as andlises a respeito dos acontecimentos histéricos aqui tratados, fazem parte de um trabalho mais amplo de pesquisa realizado para obter¢do do titulo de Mestre em Educagéo na FEUSP, ¢ que se intitula “O Idedtio Republicano ¢ a Educagdo. O Colégio ‘Culto & Ciéncia’ de Campinas (1869 a 1892)”, A seguir, sero apresentadas algumas interpretagdes possiveis, elabo- radas no desenvolver dessa pesquisa, a respeito do papel da educacéo no idedrio republicano ¢ da acao educativa do grupo campineiro em estudo. Il — A CIDADE E A PROVINCIA Uma primeira imagem de Campinas dos fins do século XIX surge das paginas do Almanaque da Cidade para o ano de 1871, nas palavtas de Francisco Quirino dos Santos: © curioso que deseja ver esta terra, saindo de Sundial, caminhe quatro Iégnas para se achar erguido de repente a uma imensa esplanada coberta em todos os pontos de verdejantes cafezais. Ao longe abrom-se os horizontes limpidos para uma perspectiva encantada: parece que dali descnha a opulenta natureza um vulto grandiose a todos os belos sonihos da vida. A vista vai se perdendo, perdendo entre os contornos aznis da gtmosfera afogueada onde © sol rasga a prumo a doitada franja dos sous raios. E a imaginagiio sobe trémula aos espacos da luz... Entrotanto volvidas duas horas, pouco menos, a gente experimenta o que ¢ um choque das muvens abaixo quando The dizem, apontando dois ou trés pardiciros mal acabados: “Ai esié Campinas!” Quase nfo se distingne cousa algumea senéo depois de pisar cho propriamente ‘intra- muros’, Depois umas casinhas airosas ¢ em scguida as ruas © afinal a cidade, que em cheio vai-se espalmando alegre, extensa 3 nossa frente.” E de Campinas que parte e se expande a plantagfio de café que iré se alastrar pelo ceste paulista. A famosa terra roxa que qualifica 0 solo R. Fac. Educ, 11(1/2):101-134, 1985 104 CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES dessa regido sera recoberta pela “onda verde” dos cafezais, a principal riqueza brasileira que chegou a ser responsdvel por quase 70% do valor obtido com a exportagiio.’ Até 1872, aproximadamente, € ainda o porto do Rio de Janeiro que escoa 81% da produgSo nacional, mas a partir desta data seré a Provincia de So Paulo a principal produtora de café, sendo que a “transformagio da lavoura fora, sobretudo, prodigiosa em Campinas”? A marcha do café implica “um universo econdmico em expanséo”+ E tal expansao se traduz no ctescimento da cidade que se modifica fisicamente fomando uma feigzo nova com a construgio de prédios ¢ 0 novo tracado das ruas. A intensificagao do ritmo da economia possibilita maior diversificagéo na organizagéio do trabalho, fazendo crescer o numero de casas comerciais ¢ surgir as primeiras industrias de pequeno porte voitadas, principalmente, ao beneficiamento do café. A sede intermunicipal de transportes também sofre grandes transfor magées. Em 1866 inaugurou-se a estrada de ferro Santos-jundiai e, em 1867, realizava-se em Campinas a fundacZo da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, inaugurada a 11 de agosto de 1872, tendo como um dos acionistas 0 fazendeiro Anténio Pompeo de Camargo, o “idealizador” ¢ membro da diretoria da Sociedade mantenedora do Colégio “Culto a Cigncia”. Segundo a imprensa da época, “o ano de 1872 foi, inquestionavel- mente, 0 inicio de uma nova era”, marco de trés importantes aconteci- mentos: a otganizagdo da Companhia Campineira de Iluminagio a Gés, uma sociedade de nove acionistas sob a presidéncia do Coronel Joaquim Quirino dos Santos ¢ com um capital de 400 contos de réis; 2 da Com- panhia Mogiana, com capital de 3 mil contos, para o prolongamento da via fétrea até Mogi-Mirim, com ramal para Amparo; e o projeto de se fundar um banco agricola com capital de 2 mil contos.* Em sua “Crénica da Iluminagao de Campinas”, de 1951, Julio Mariano conta que a iluminacio publica foi “problema custoso, obra de vagaroso andar, evoluindo por etapas”, uma causa encabecada pela oposigao como arma politica contra a Monarquia “principalmente pela velha “Gazeta de Campinas”, reduto francamente republicano, na pena do bacharel e poeta F, Quirino dos Santos, que muito habilmente ia atraindo para a Campanha a opiniao publica.” PRADO, Ir., Caio — Histériq Econdmica do Brasil. Sio Paulo, Brasiliense, 1976. A. @E, Taunay — “Histéria do Café no Brasil", cit. por SILVA, Sérgio, Expan- silo Cajeeira e Origens da Inddsiria no Brasil, Sio Paulo, Alfa-Gmega, 1974. GEBARA, Ademir — Campinas — 1869/1875, Republicanismo, Imprensa e Sociedade, FFLCH-USP, mimeografado, 1975. PUPO, Celso M. de Mello — Campinas, Seu Berco e Juventuce, publicagio da Academia Campinense de Letras, n.° 20, Campinas, 1969. Be ope R. Fac, Educ, 11(1/2):101-134, 1985 QO IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCACAO:... 105 A construgio de estradas de ferro, extremamente necessérias para o escoamento da produgdo cafegira, acelerou o crescimento da rea urbana. Pelos dados apresentados pelos Almanaques de Campinas dos anos 1870 e 1872, observa-se que o comércio atacadista ¢ o grande comércio voltado para o exterior constituem o setor urbano de maior desenvolvimento relative? Estes fatos demonstram a forga econémica que aos poucos vio assu- mindo os fazendeiros locais, os quais, diversificando a aplicagio do seu capital, impulsionam o desenvolvimento do alto comércio. Para melhor compreensio do nivel cultural da sociedade campincira na época é preciso assinalar que no setor educacional, segundo o Alma- naque de Campinas para 1870, esti matriculados 700 alunos (370 nas escolas urbanas e 130 nas rurais), encontrando-se em 1872, um total aproximado de 890 alunos (700 nas cidades e 130 nas fazendas), Tal mimero equivale a um aumento de 190 alunos em dois anos. Se, como vimos, Campinas constituia-se, naquele momento, em notdvel centro comercial — atividade que exige um minimo de alfabetizagao — era possivel supor que os indices de analfabetismo fossem menores nesta cidade do que os apresentados para o restante da Provincia Declaragdes feitas por Manuel Ferraz de Campos Salles, em artigo escrito especialmente para o Almanaque de 1871, vém confitmar esta hipétese: “Tomada por base (uma populagio livre de 13.000 almas), teremos somente 1.300 meninos no estado de’ aprender por se achatem na idade escolar, se, como ordinariamente se procede, tirarmos dez por cento sobre a populagao livre. Assim tomos que freqiientam as escolas 80% dos meninos que se acham em idade propria ¢ apenas 16% no o fazem. Nao hesitamos em afirmar que este resultado esti no plano dos mais vantajosos, que tém colhido os paises onde a instrugio é vista como a primeira necessidade politica © social. Comperado, por- tanto, com o que se observa em. omttros paises, que, como 0 é salien- temente o Brasil, deixara em pleno abandona a educagao do povo, passa a ser verdadeiro prodigio © resultado que acima apontamos. O Ultimo documento oficial que s¢ tem publicado sobre a instrngZo vem no “Império do Brasil na exposigio universal de 1867”. Segundo o que af se Jé, diz um escrito publicado em 1869, freqiientam as excolas piiblicas 'e particulares do Brasil, corte ¢ provincias, 107.483 meninos, Segundo 0 mesmo documento, a’ populagio livre deste pais elevando-se 2 9.880.000, havera em idade escolar, de 7 a 12 anos, 988.000 crian- Gas, tomando-se a base de dez por cento, o que néo é superior 4 rea lidade, Temos, pois, que freqientam as escolas quase um décimo apenas dos que se acham ‘em idade propria, e 90% nfo o fazem. Se descer- mos_ aos algarismos parciais, continua o mesmo escrito, veremos que na Provincia do Rio de Janeiro, com populaco de 700,000 habitantes, fregitentam as escola: apenas 8.400 alunos; proporglo de 1 para 81, 5. Sobre isso, ver GEBARA, Ademir, op. cit. 6, Também a esse respeito, consultar GEBARA, Ademir, op. cit. R. Fac, Educ, 11(1/2):10-134, 1985 106 CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES No préprio municipio neutro, capital do Império, com 400,000 habi- tuntes, freqtientam as escolas’ 8.434 alunos, proporgdo de 1 para 47, ‘Vé-s0 de tudo isto gue sobrava-nos razio quando dizamos que 0 estado da instrugéo em Campinas é altamente lisonjeiro, O confronto 0 tem mostrada de um modo edificante.” (...) Ao finalizar seu artigo, Campos Salles observa: “Para apreciar # riquez: de uma nagio, disse J, Simon, nifo basta contar a fertilidade de ‘sen solo, a feliz situagio de seus portos e 0 niimero de suas minas; ela pode ter tude isto em abundancia e néo ser, nem rica no interior, nem poderosa no exterior, se nfo tem homens, ‘A educagio faz 0 homem; 0 homem faz a terra.” De fato, considerando-se como corretos os mimeros apresentados por Campos Salles, Campinas demonstrava no ano de 1870, considerdvel adian- tamento no setor de ensino em relagao ao estado da instruc&o na Provincia de Sao Paulo ¢ em todo Império. Para apreciarmos devidamente este adiantamento de Campinas na esfera da educago escolar, detenhamo-nos, por um momento, na situagao do ensino existente na Provincia. Em 1867, de acordo com o relatério do Presidente Desembargador José Tavares de Bastos 4 Assembléia Provincial, existiam na Provincia de Sao Paulo 277 escolas oficiais dedicadas ao ensino primdrio, sendo que 169 eram escolas do sexo masculino ¢ 108 do feminino. O total de alunos matriculados era 8.630: 5.050 alunos (3.717 freqiientes) e 2.580 alunas (2.080 freqlientes) sendo que “neste ntimeto nao estZo incluidos os alunos de 13 escolas de meninos @ 2 de meninas cujos nao foram recebidos a tempo”. O ensino particular primdrio estava distribuido por 106 escolas, “inclusive dez aulas em colégios de instrugio secundaria, para meninos & meninas”. A mairicula de alunos somava 1.263 ¢ a freqiiéncia 1.087; para alunas a matricula atingia 689 e freqliéncia 636, num total de 1.952 alunos matriculados (1.723 freqiientes), Quanto ao ensino piiblico de nivel secundério havia quatto “aulas” de fatim e¢ francés em Mogi das Cruzes, Santos, Sorocaba e Itu, com um total de 98 alunos matriculados com uma fregiiéncia de apenas 22, Na capital, além das aulas do curso anexo a Faculdade de Direito, existiam trés aulas para o ensino de latim, de teologia dogmatica ¢ de teologia moral, com 41 alunos matriculados e 23 freqiientes. Pata o ensino secunddrio particular havia cinco internatos, sendo trés na capital. Além destes estabelecimentos, a Provincia contava com 21 aulas: 6 de latim, 9 de francés, 2 de inglés, 2 de aritmética e geomettia, 1 de retérica e 1 de histéria. O total de mateiculas era de 245 alunos, dos quais 242 freqiientes. Por esses dados constata-se com relaco ao ensino primdrio, 0 predo- minio de escolas ptiblicas frente as particulares: havia, na Provincia, em R. Pac. Edte,, 11(4/2):101-134, 1985 OQ IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCACAO: 107 1867, uma diferenga de 171 escolas a favor das escolas ptiblicas, as quais abrigavam quase quatro vezes o total de alunos freqiientes nas escolas particulares (4.074 alunos). No entanto, o mesmo ndo ocorre com o ensino ptblico de nivel secundario, que nao possuia nenhuma escola regularmente montada, ofere- cendo apenas, em toda a Provincia, um ensino fragmentado em aulas ayulsas de humanidades, as famosas aulas de preparatérios aos cursos superiores do Império. Entre os anos de 1860 e 1870, o ensino priméario © secundario foi declarado livre em quase todas as Provincias do Império, ¢, no caso particular do ensino secundétio, ganhava tettento a tese da desoficializagio. Para as autoridades do governo “a minguada freqiiéncia aos liceus néo compensava a soma relativamente elevada que os mal aquinkoados cofres provinciais dispendiam com a instrugao de uma clite financeiramente capaz de freqiientar os colégios particulares das Provincias ou da Corte” €, pensavam que a supressio do cnsino secundario pdblico viria a facilitar a agdo dos particulares no campo da instrugao. A Lei ne 54, de 15 de abril de 1868, e 0 respective regulamento, de 17 de abril de 1868, & que dispord a reforma do ensino na Provincia de Sao Paulo, entdo sob a presidéncia de Joaquim Saldanha Marinho. A lei institufa a liberdade do ensino ptimério ¢ secundétio e a desoficializagdo do secundatio. A partir de 1872 ¢ até 1884, 0 ensino secunddrio ficou reduzido, na Provincia, &s aulas avulsas de latim e francés de Iu, lecionadas por Joaquim Mariano Costa® ¢ o ensino privado, livremente exercido, passa a ter um crescimento acentuado, principalmente o de nivel secundério. No ano de 1886, o presidente Joao Alfredo registra & Assembléia Legislativa que existiam na Provincia “27 colégios particulares de instrugao prima e secundéria em vdrias cidades e yilas e 32 aulas de primeiras letras.” * Estando o governo provincial, a partir de 1868, liberado do sustento de escolas secundérias era de se esperar que ocortesse consideravel aumento de escolas primarias oficiais, principalmente apés 1874, quando é declarado obrigatério a sua existéncia nas cidades e vilas. 7. MARIOTTO, M, de Lourdes — © Ensino Secunddrio no império Brasileiro. Séo Paulo, EDUSP/Grijalbo, 1972. 8. BARBANTI, M. Livia — Escolas Americanas de Profissiio Protestante na Pro- vineia de Sie Paulo. Um esiudo de suas origens. Sio Paulo, FEUSP, mimeog., 1977, 9. PRIMITIVO, Moacyr — A Insirugio e as Provincias, vol. 2. Séo Paulo, Cia. Edit. Nacional, 1939, R. Fac, Educ., 11(1/2):101-134, 1986 108 CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES No entanto, nao foi o que ocoxrew. Se escolas foram criadas, grande parte continuava desprovida, isto é, vaga, evidenciando 0 despreparo dos candidatos, a maioria reprovada nos concursos para provimento das ca- deiras disponiveis, ¢ o desinteresse dos mais habilitados por essa fungao pliblica de parca remuneragio.!” Na tealidade, os dados mostram que, toniando-se por base o ano de 1874, cm 1876, 58 escolas péblicas primarias deixaram de funcionar ¢, emt conseqiténcia, mais 783 criancas ficaram desprovidas do ensino elementar. Embora desanimadora a situacfo do ensino em Sao Paulo, se compa zado ao das demais provincias, o estado da instrucao publica e, principal- mente, da particular, era, no perfodo, um dos melhores. A destacada posigtio econdmica, politica e cultural que definitivamente Campinas assume no cenério provincial ¢ nacional do fim do século, nao passaya despercebida as outras regides do Império. Tanto é assim que a “Gazeta” faz publicar, freqiientemente, artigos procedentes de jornais das diferentes provincias ¢ da Corte, onde se elogiavam o dinamismo dos pau- listas e, em especial, dos campineiros. Américo Brasiliense, por sua vez, vai conclamar Campinas, bem como os paulistas, os “americanos® do Brasil: “34 alguém qualificou com toda a justiga os Paulistas — Ameri- canos — do Brasil. Na verdade o espirito americano estereotipado na popular frase — go ahead and never mind — que tem sido uma das mais seguras bases da geandeza dos Estados Unidos, vivifica os filhos Uesta provincia, E entre eles, cumpre dizé-lo, sio os campineiros espe- cialmente os que tém inscrito aguele pensamento na bandeira, que des fraldaram, dos melhoramentos locais.” 7 Os campineiros empreendedores a que se refere Américo Brasiliense, nao so outtos sendo seus companheiros de luta politica contra 0 Governo Imperial, a maioria deles fazendeitos de café. E importante assinalar que na Convencdo Republicana de Itu, dos 133 Conyencionais, 76 se declaravam “Iavradores”, ou seja, fazendeiros do Oeste Paulista.” Convém frisar ainda que, no momento de sua propagagdo, © projeto liberal republicano, ao buscar legitimar-se, assinala também um momento de “tomada de consciéneia da classe para a classe’, 0 que significa, neste 10. Fa, ibid. 11. fd. ibid, 12. “GAZETA DE CAMPINAS”, 12/1/1873. 13. COSTA, M, Emilia Viotti da — “O Movimento Republicano em Ita. Os Fazen- deiros do Oeste Paulista ¢ os Prédromos do Movimento Republicano”, In Revista de Histéria, n& 20. 14, BRESCIANI, Maria Stella — Liberalismo: Ideologia e Controle Social (Um Estudo sobre Sao Paulo de 1850 a 1910), FFLCH-USP, 2 vols., mimeog., 1976. R. Fac. Educ, 11(1/2):101-134, 1985 O IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCACAO:... 109 caso, desenvolver nos seus pares a consciéncia inadidvel da necessidade da afirmaggo do poder da iniciativa privada em todas as esferas da acho social, impondo-a ao poder centralizado do Estado Imperial. E na esfera educacional, pela importancia que Ihe é atribuida no idedtio da repiblica, fazia-se fundamental que a iniciativa particular ali marcasse sua presenca, se possivel, de forma predominante. A posigdo liberal expressa na defesa da liberdade de acdo dos parti- culares e na consegiiente restrigfic do poder do Estado — idéias que sc traduzirao primeiro na bandeira da descentralizagio, na autonomia das provincias e, por fim, no federalismo — nao ficou, como se pode observar, apenas no plano das intengdes mas ditigtu o comportamente do grupo republicano de Campinas. © impeto realizador destes homens atingiu os diferentes setores da economia, da politica e da educagio, Eram eles que encabecavam os mo- vimentos na lavoura, no comércio, na indiistria, no ensino € no lazer. Se alguma reunifio havia, fosse qual fosse o objetivo, da subvengio, pelo governo, da m&o-de-obra imigrante destinada & lavoura de café carente de bragos, 4 construgdio de estradas de ferro; da iluminago das ruas da cidade a edificagdo da nova Matriz; da organizaco de sociedades bene- méritas para instrug%o secunddtia como o “Culto & Ciéncia” as aulas notutnas pata o povo; da realizago de um simples baile a0 acontecimento social de maior vulto como, por exemplo, a vinda de Sarah Bernardt; 14 estavam eles reivindicando a realizaggo do empreendimento. Sua ago teceu e¢ envolveu, como uma teia de fios longos ¢ seguros, toda a vida social, cujos prolongamentos levaram & implantagio da Re- publica. Alids, observa José Maria dos Santos acerca da propaganda dos republicanos de Campinas: “A um momento dado, a ‘Princesa do Oeste’, com seus clubes, os seus colégios € os seus circulos de palestra, era um centro de atividades Titerérias © sociolégicas que, pelo menos na pertindcia, talver deixasse atrés Sio Paulo, senfio mesmo o Rio de Janeiro.” Il] — O ENSINO EM CAMPINAS 1. As Escolas Piblicas e a Iniciativa Particular Em sua Monografia Histérica do Colégio “Culto & Ciéncia”, o Prof. Carlos F. de Paula dird que até o ano de 1854 apenas trés campineiros “haviam conquistado a ldurea de um diploma cientflico” © que os jovens procuravam instruir-se “em estabelecimentos de ensino da Capital da Pro- 15. SANTOS, José Maria dos — Os Republicanos Paulistas e « Aboligdo. Sho Paulo, Livraria Martins Editora, 1942, R. Fac, Educ, 11(1/2):101-134, 1985 110 CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES: vincia, no Colégio ‘So Jodo do Lageado’”, enquanto outros faziam seus estudos em colégios que sc fundaram em Campinas, como o Colégio Sao Jofo, do Prof. Jofio Brdés da Silveira Caldeira; 0 Colégio do Prof. Joao Baptista Pupo de Morais, que funcionava na Fazenda “Laranjal” (Joaquim Egydio); as escolas dos Professores Malaquias Ghirlanda, Joaquim Roberto Alves @ outros, Claro estd que os jovens a que se refere o Prof. Carlos de Paula sao os poucos cujas familias possufam recursos financeiros para fazé-los estudar em escolas particulares, nos internatos da cidade ou em internatos de fora. Eva também costume destas familias abastadas, em geral enriquecidas pela cultura da cana-de-agticat e, depois, do café, contratar professores Particulares para a educacdo dos filhos, principalmente das mulheres." Na década de 60 do século passado hé registro da existéncia, em Campinas, além de iniimeras outras escolas que parecem ser de menor expresstio,” de quatro estabelecimentos particulares de ensino sob regime de internato, um destinado ao sexo masculino, dois pata o feminino e¢ outro para a educagdo de ambos os sexos, © Colégio “Cezarino” ou “Perseveranga”, para o sexo feminino, surge em Campinas, em 1860, e era dirigido pelas suas fundadoras D.* Bernardina e D* Amancia Cesarino, Ensinava a ler, escrever, contar, gramitica nacio- nal e francesa, geografia, musica e todas as prendas domésticas. Em 1871 contava com mais de 30 alunos. Encontramos referéacia a esse Colégio na “Gazeta de Campinas” de 29 de dezembro de 1872, em artigo que trata das solenidades de final de ano pare entrega de prémios “As alunas aprovadas com distingdo nos exames”, Presentes, além do Inspetor do Distrito, o Capitéo Pimenta, os 16. Na Provincia de Sdo Paulo, nos meados do século, “niio chegaram a uma dezena os colégios de primeiras letras para meninas: 3 na Capital, 1 em Campinas (0 de Vicincia Bressane Duarte), 2 em Santos, 1 em So Luis do Paraitinga, 1 em Taubaté e 1 em Guaratinguets”, Quanto ao ensina secundario, parece que até a fundago do Colégio “Nossa Senhora do Patrocinio” em tu, no ano de 1858, nfio_existia na Provincia, qualguer cstabelecimento feminino desse nivel de instrucdo. Inspirado no modelo francés, este colégio oferecia 3 séries primérias © 4 secundarias de ensino regular ¢ seriado. (Barbanti, M. Licia, op. cit.). Hm seu estudo denominado “Exposicao Pedagégica” e datado de 1884, 0 Conselheiro Leéncio de Carvalho afirma: “Pouco se cuida da educagio do sexo feminino, para © qual existem em todo o pais 1.315 escolas”. 17, Bscas escolas particulares, sio as seguintes: a que tinha como Professor Joaquim Anselmo do Nascimento e Souza, vulgo “Camées” (ha diividas se cra piblica ou particular); © as regidas por Manuel Delgado, Francisco Engénio das Chagas, Anténio Martins de Oliveira, Antonio Mauricio Ladeira, José Francisco de Abreu, José Alves de Souza, Francisco Wey, José Santa Teresa e Emilio Ferreira de Menezes. (Rodrigues, Joio L., “Subsidios para a Histéria em Campinas”, in Monografia Histéria do Municipio de Campinas, Rio de Janeiro, IBGE, 1959). 18. Almanaque de Campinas para 1871, orgaizado ¢ publicado por José Maria Lisbon, Typografia “Gazeta de Campinas”, 1870. R. Fae, Edtte,, 11(1/2):101-134, 1985 © IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCACAO:... ii. Sts. Diogo Pupo, o Dr. Américo Brasilense de Almeida Mello ¢ 0 Sr, Manuel, Ferraz de Campos Salfes, os dois tiltimos pertencentes & Sociedade “Culto a Ciéncia”. Falando de improviso o Dr. Américo Brasiliense, apés parabenizar “o progresso intelectual das alunas”, “‘as habilitagées profissionais da dirctoria ¢ os esforgos dos professores, no desempenho dos seus cargos”, aconselhou as premiadas, especialmente “as que dando por finda sua educagio tinham de retirar-se do colégio para o seio de suas familias” que “nfo se divorcias- sem dos livros” pois que “a mulher instruida é um poema de enlevos para © homem e a sociedade”. As palavras proferidas pelo Dr, Campos Salles foram assim traduzidas pela “Gazeta”: “Depois de entrar em uma ordem de consideragdes tendentes a detmonsirar quao benéfico é 0 influxo, que sobre os interesses sociais exerce a difusio das Iuzes, fez ver quanto pode a forca de vontade para Os mais aproveitaveis intentos. Em prova dessa assercdo (ali se) apte- sentava o Colégio Perseveranga dirigido por uma familia, que no seio das contrariedades da pobreza soubs educar-se ¢ elevar-se A nobre missio de preceptora da comidade.” Nessa ocasido, foi realizado um leil4o de trabalhos feitos no colégio, os quais alcangaram “altos pregos”, quantia aplicada na compra da “liber- dade de uma preta idosa que presta servicos ao colégio”. O Colégio “Cesatino” desaparece no final de 1876. O outro colégio feminino, o Colégio “Florense”, foi fundado em 1863 por D,* Carolina Florense, de origem alema.’ A escola comegou com sete alunos apenas e ensinava a “ler, escrever, contar, histétia patria, aritmética, geometria, desenho, mtsica, doutrina cristé e prendas domésticas”.” Em 1871, com mais de 70 alunas, entre externas e internas, a escola tinha por professores, além da diretora, D.* Miquelina Pinto Ferraz, Padre Joaquim José Vieira, Francisco de Almeida Salles, Mile. Laura Tell, Theo doro Tahn ¢ Mme. Guilhermina Brodd. Figuram ainda no corpo docente os “melhores professores entdio conhecidos em Campinas”: Dr. Francisco Rangel Pestana, Francisco Caldeira, Jiilio Ribeito, Amador Florense, Dr. Joao Kopke, Miguel Alves Feitosa, Dr. Hércules Florense, Dr. Campos da Paz, Theodoro Jahn e Emilio Henking? 19. Catolina Florence era filha de Jofo Henriqne Krug, secretétio da Associagio “Culto & Cigncia”. Veio da Atemanha paca o Brasil em 1852, com 24 anos de idade. Casowse com Hercules Florence, que possuia pequena fazenda nas imediagées de Campinas. (Rodrigues, J. L., op. cit.). 20. RODRIGUES, J. L. — Op. cit. Afirma este autor que embora Carolina Florence fosse protestante “no fazia de sen colégio instramento de prosélitismo sectério”. 21, RODRIGUES, J. L. — Op. cit. e DUARTE Raphael — “Campinas D’Outrora”, Sio Paulo, Tip. Andrade ¢ Mello, 1905, R. Pac, Edie, 11(1/2):101-134, 1985 12 CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES: No ano de 1862, Jodo Baptista Pupo de Morais abre um internato para meninos na Fazenda do Laranjal a duas léguas da cidade. “Foi um dos melhores do tempo contribuindo talvez, para isso a sua situacio no meio rural”, afirma Joao Lourengo” O Colégio ‘Sao Jodo Baptista” tinha o seguinte programa: ler, escrever, contar, gramatica francesa, latim, geometria e doutrina cristl. Nesse colégio estudaram, como consia na “Gazeta de Campinas”, Candido Ferreira de Camargo, Francisco Teixeira, Bento Quirino dos Santos, Bernardino de Campos, Alvaro Xavier, Manuel Ferraz de Campos Salles ¢ Avelino Antero de Oliveira Valente.™ Pelas informagdes de Mello Pupo, 0 Colégio “Sao Joao Baptista” fechou sas portas quando entrou em funcionamento, em Campinas, o “Culto & Ciéncia”, Consta no depoimento de Raphael Duarte haver, em 1867, um total aproximado de 130 alunos matriculados nestas trés escolas particulares nas cinco “escolas régias”, conforme se denominavam entiio as escolas publicas> O Almanaque de Campinas para 1871 relata a existéncia na cidade de cinco escolas publicas primdrias, sendo duas para o sexo feminino e trés para o maseulino, quando era entio Inspetor do Distrito o Dr. Luiz Silvério Alves Cruz. As escolas piblicas elementares, para meninos, tinham como profes- sores da primeira cadeira: Manuel] da Luz Cintra, cuja escola [uncionava no edificio da Matriz Nova; da segunda cadeira: Manuel Campos Penteado, professor do bairro de Santa Cruz, com aulas dadas na sacristia da igeeia de Santa Cruz.* 22. Como observa Raphael Dwarie, op. cit, “Pato assaz curioso & que apesar de Primétis, ou quigé por isso mesmo, primavam as nossas escolas em iniciar os seus alunos nos conheckmentos da’ Iagua latina. Qualquer deles, com feito, conhecia de cor e salteado as declinagdes”, 24, RODRIGUES, J. L. — Op. cit, 25. PUPO, Celso de Mello — Op. cit, Se compararmos os curriculos dos colégios femininos com os dos mascuilinos veremos que os primeiros mostravam tentativas mais conerctas no sentido de possibilifar as suas alunas uma formacio basica mais completa — provavelmente porque “nfo tendo que preparar sua clientela pata o ingresso nas academias, ainda vedadas 2s mulheres, tivessem mais liberdade de enriquecer o curricnlo tradicional” ¢ adquirir uma feigio propria, fugindo ao esquema do estudo parcelado, 26. Gbservando # jocalizagio das escolas ptiblicas, em sacristias de Igrejas por exemplo, pode-se dedutir a precariedade de seu funcionamento © as péssimas condigées de trabalho enfrentadas pelos professores. No entanto, a Lei n° 54, de 15 de abril de 1968, era muito exigente, a9 menos formalmente, quanto as condigdes de habilitagio dos professores piblices, especiticamente no caso de mulheres. R, Pac, Edue, 11(1/2):101-134, 1985 O IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCACAO:... 113 As professoras das escolas prim4rias ptiblicas para o sexo feminino eram, da primeira cadeira, D.° Maria Eugénia de Campos Penteado, e da segunda cadeira, D.* Maria do Carmo Talman. O curriculo das escolas régias constava das matérias seguintes: Icitura e escrita, nocdes essenciais de gramatica portuguesa, ptincipios elementares de aritmética, sistema métrico de pesos e medidas, doutrina da religifio do Estado ¢ principio de Moral respectiva (art. 4°, Cap. I do Regulamento para a Instrugdo Ptiblica da Provincia de Séo Paulo). © método de ensino adotado, conforme determinagdo da Lei n° 54, eta o “geral ou simultineo” (art. 63 do Regulamento); as aulas tinham durag&o de quatro horas, durante cinco dias da semana (arts. 7 « 8 do Regulamento). Nessas escolas, destinadas a criangas maiores de cinco e menores de 14 anos, néo se admitiam escravos ¢ as matriculas eram feitas duas vezes ao ano, em janeiro ¢ julho (arts, 3, 10 e 11 do Regulamento). Com respeito as realizagdes dos particulares na Area do ensino na cidade de Campinas ainda na década de 60, depara-se com a existéncia de um estabelecimento (alemao) de instrucio. Os dados estatisticos referentes & populacéo da Provincia de So Paulo, publicados na “Gazeta de Campinas” em junho de 1875, mostram que a imigraggo alema cra sogunda mais numerosa (3.731 pessoas), superando-a apenas a portuguesa (6.399 pessoas). Pesquisas sobre a contratacio de mao-de-obra européia pela lavoura cafeeira em Campinas, realizadas por Mello Pupo, indicam o predominio da imigragéo alem& na década de 1850 a 1860, da francesa entre 60 ¢ 70 e da italiana, a partir de 1870.” A numerosa colénia alemi, radicada em Campinas, distinguiu-se “no esforco de propagar a instrugdo ndo sé entre os membros da colénia mas também entre os brasileiros”, criando a Escola Flementar Alem mantida a expensas da Sociedade Alema de Instrugio, dirigida pelo Dr. Huffen Baecher: Com um programa de ensino, propagag%o de culiura e moral evangé- lica, a Sociedade Alema de Instrucfo ¢ Leitura foi fundada em 17 de abril de 1863 pelos seguintes membros da colénia: Anténio Exel, Jorge Krug, Guilherme Krug, Cristiano Mayer ¢ outros. 27. © Visconde de Indaiatuba, Joaquim Bonifécio do Amaral, presidente da Sociedade *Culto & Ciéncia", foi um dos primeiros fazendciros da regio de Campinas a adotar, em 1852, 2 mio-wde-obra enropéia em sua Fazenda Seto Quedas. O Visconde organizou suas primeiras colénias com alemfcs e tirolescs. 28. RODRIGUES, I. L, op. cii. e DUARTE R., op. cit. R. Fac, Educ, 11(1/2):101-134, 1985 114 CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES Pelos artigos publicados na “Gazeta” ve-se que essa escola estava organizada segundo orientagdes pedagdgicas avangadas para a época: des- tinada a criangas de ambos os sexos, permitia que meninos e meninas freqiientassem as aulas reunidos em uma mesma sala — procedimento proibido nos estabelecimentos brasileiros, Em 1871, a escola continuava sob direcio de Huffen Baecher, tendo la lecionado os Professores Theodoro Iahn, José Leopoldo Schiefferli e Pedro Jakob. A Sociedade possuia — segundo informagdes do Almanaque para 1871 — uma “excelente biblioteca com 600 volumes”, para uso dos alunos da escola. Pertencia-lhe, também, o cemitério dos Protestantes, bem como a sua administragéo. “Neste cemitério — nos diz o Almanaque — dé-se sepultura nfo somente aos protestantes como a todos aqueles a quem ela for negada nos cemitérios catélicos, sem diferengas de religiio”. Em 1931, 4 antiga Escola Alem veio fundiz-se a Nova Escola Alema do Reverendo Joao Jakob Zink, passando a se chamar Escola “Rio Branco”. Outra escola elementat para meninos, criada pela iniciativa particular em Campinas, € a de Malaquias Ghirlanda. Natural de Sdo Pato, o Prof. Ghirlanda transferiu-se para Campinas por volta de 1870, quando abriu sua escola, tendo alcangado grande fama, tanto pela capacidade quanto pela severidade” A escola, que mantinha apenas o regime de externato, apresentava organizacao diversa das atuais: comegava pela 3.* séric, sendo, por conse- guinte, a 1," série a mais adiantada” A “Gazeta de Campinas” de 29 de dezembro de 1872, notificando a realizacio dos exames dos alunos da Escola Ghirlanda, traz a relagfo dos alunos que se distinguiram e foram premiados, entre eles, Jtilio Ferreira de Mesquita (0 futuro diretor de “O Estado de S. Paulo), Salustiano de 29. Contasnos a esse respeito, R. Duarte, op. cit: “A sabatina do Ghirlanda era uma verdadeira mdquina de bolos: desafio a qualquer ex-ahino daquele saudoso mestre que conteste essa assercdo, Nenhum deles tomou sd... uma ddziat Cada um pode orgulhat se de ter inscrifo no seu ativo pelo menos dez grosag de bolos de finca-pé. Subia 0 prego da marmelada, porque néo havia marmelos, e ndo os havia porque Ghirlando Ihes comprava ‘as varas a03 feixes, 20s cat gueiros, as carradas; consegiiéncin: néo hd aluno do Ghirlanda que nfo saiba a primor a taboada de multiplicar.” 30. A noticia da “Gazeta” afirma que as provas na Escola Ghirlanda versavam sobre o seguinte: 1° classe: Aritméticn — até proporgdes; portugués — gra- mitica e andlise; francés — gramAtica, tradugio ¢ andlise; geografia — nogdes gerais; caiecismo brasileiro de Ciriaco, histéria sagrada, leitura de Dom Jayme @ escrita ditada; 2" classe: 2s quatro operagies fundamentasi ¢ suas aplicagdes priticas; doutrina cristi, leitura e calicrafin; 3.¢ © 4.* classes: principios rudi- mentares das matérins contidas na 2.°. (“Gazeta”, 29/12/1872). R. Fac, Educ, 11(1/2):101-134, 1985 © IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCACAO:... 1155 Camargo Penteado, Juvenal Gentil Salles, AntOnio Celestino Soares, Fran- cisco de Paula Pinto ¢ Lafayete Laseazar. Estudos recentes indicam que Malaquias Ghitlanda exerceu o magis- tério em Campinas por mais de quarenta anos, mas hé evidéncias de certo exagéro nessa afirmacio, pois se a escola sutge por volia de 1870, estando selacionada no Almanaque de Campinas para 1871, nao conta, porém, no Almanaque para 1900, Na verdade, parece que o Sr. Malaquias Ghirlanda retornou a Sao Paulo, onde, j4 no regime republicano, veio a ser diretor da Caixa Econémica Estadual.” Pode-se observar, nos relatos de escolas particulares de Campinas, que os exames de final do ano contavam ndo apenas com a presenga de atito- tidades que os legitimavam, mas eram abertos ao piblico em geral ¢ também & Imprensa, isto é, & “Gazeta de Campinas”, o finica jornal que funcionava na cidade até 1877.7 Além das mencionadas cinco escolas ptiblicas elementares e das seis patticulares: trés clementates ¢ trés colégios de ensino conjunto de estudos primétios e secundérios, criadas na década de 60 e ainda funcionando em 1870, conforme o Almanaque de Campinas para 1871, encontramos tefe- réncias sobre mais quatro escolas particulares de ensino elementar, uma para o sexo feminino e trés para o masculino. Séo clas: a escola para meninas de D.* Anténia Enfrosina do Amaral, com vinte alunas, que ensinava, a “er, escrever, contar, doutrina ctist’, piano e prendas domés- ticas”; a de Firmo Antonio da Silva; a de Severiano Borges Martins da Cunha, e a escola gratuita da Loja Magénica Fidelidade, dirigida pox Pedro Ernesto d’Albuquerque e Oliveira, com 56 alunos e obedecendo o mesmo programa das escolas pitblicas. O total de alunos matriculados nestas escolas, conforme j4 vimos, era 570, sendo £70 nos estabelecimentos piblicos e 400 nos particulares, Nos anos 70, surge, em Campinas, um novo colégio, oferecendo a alunos de ambos os sexos, o ensino seriado de estudos primdrios e secun: darios. Denominava-se Colégio “Internacional” ¢ foi criado por dois mini tros protestantes, Dr. George Nash Morton e Dr. Edward E. Lane. 31. RODRIGUES, J. C., op, cit. 32. A “Gazeta de Campinas”, uma publicacéio bimensal a partir de 31 de outubro de 1869, foi criada pelo bacharel e literato Francisco Quirino dos Santos com © apoio financeiro de seu sogro, 0 Capitio Joaquim Reberto de Azevedo Mi ques, de seu irméo, também bacherel ¢ poeta, Jodo Quirino dos Santos ¢ dos amigos Jorge Miranda ¢ Campos Salles, 0 jornal teré como gerente José Maria Lisboa e como redator-chefe Francisco Quirino dos Santos. Além dos j& citados colaboradores, também faziam parte, cizcunstancialmente, do corpo de redatores Francisco Rangel Pestana © Américo Brasiliense. A partir de 1875, 0 jornal ‘transforma-se em publicagio diéria. (Julio Mariano, op. cit.) R. Fac. Educ, 1(1/2):101-134, 1985 116 CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES Até os infcios da década de 60 nfo houve Igreja Protestante cons- tituida na Provincia de Stio Paulo” A partir dessa época, com a Guerra da Secessdo nos Estados Unidos, veio para o Brasil, fixando-sc em Ameri- cana, uma grande colénia de americanos sulistas, onde a fundagao da Igreja era sempre acompanhada de uma escola, Em 1869, alguns desses elementos passaram 4 cidade de Campinas fundando a [greja Presbiteriana e o Colégio “Internacional”, o qual alean- gou alto conceito, estando em funcionamento, em prédio préprio, no ano de 1874. Ao reverendo Morton coube a diregdo do colégio e ao reverendo Lane a direcéo do Seminario Presbiteriano, que sé comegou a funcionar tyés anos mais tarde. Afinma J. L. Rodrigues que o Colégio “Internacional” alcancou “grande Yoga por causa de seus métodos de ensino”. Tinha, para o curso secun- dério, um programa renovado no se limitando a preparer os alunos para 0s exames preparatérios A Faculdade de Direito de Sao Paulo* “O Dr. Norton revelou-se neste particular um idealista de largo escrutinio, mas infelizmente nfo chegou a ser compreendide”, tendo perma- necido em Campinas mais ou menos até 1879, quando mudou-se para Sao Paulo, onde fundou o Colégio Morton. Com sua retirada, desapareceu o Colégio “Internacional”, mas como seu remanescenie ficou o Semindrio Presbiteriano, mais tarde elevado a Faculdade de Teologia.” O curriculo do Colégio “Internacional” constava das seguintes maté- rias: Doutrina Cristi, Matemética, Aritmética, Geometria, Algebra, Geo- grafia Politica e Fisica, Qufcia Inorganica, Organica e Animal, Histéria Patria, Historia Universal, Histéria Natural, Caligrafia, Gindstica, Retérica, Desenho, Linguas Antigas, Leitura e Composigéo: Latim, Grego; Linguas Modernas, gramética, Ieitura, composigfo @ conversagio: francés, inglés, alemo, portugués.* 33. A legislagio fazia as seguintes restrigdes aos requerentes para abertura de esco- las clementarcs © secundarias esteangeiras: atestado de moralidade e aptidfio ® etn particular, atestade de que sO leclonariam a outros protestantes @ a seus filhos. (BARBANTI, M. L,, op. cit.). 34, MELLO Pupo, op. cit 35. Os pouguissimos colégios masculinos que, nas titimas décadas do Império, pro- curavam dar 20s alunos uma formacéo basica mais completa e nao apenas pre- paré-los para os cursos superiores, emergitam dentre os instalados para atender ds necessidades de instrusio de jovens nzo catdlicos 2 de ascendéacia estrangeira. Tem-se, como exemplo, 0 Colégio “Koelle”, em 1863, exola alemi na zona de Rio Claro. “Mais que as italianas ou alemis, as protestantes foram 0 sim- bolo da renovagao do cnsino ministrado por particulares, come 0 Colégio Inter- nacional, Campinas, em 1869.” (BARBANTI, M. L., op. cit.). 36, RODRIGUES, J. L., op. cit. 37, RODRIGUES, J, L,, op, cit, 38. “Gazeta de Campinas", 15/3/1874, Neste ano matricularam-se no Colégio 157 alucos, 117 rapazes e 40 meninas, R. Fac. Educ. 11(1/2):101-134, 1985 © IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCACAO:... nr Fizeram parte do corpo docente, entre outros, Herman Rentscliler, (Ph. LD); WmLe Conte, Emilio Henking, Julio Ribeiro ¢ Francisco Rangel Pestana. Se as inovagées encontradas no ensino do Colégio “Internacional” no foram compreendidos por alguns, principalmente por muitos dos pais inte- ressados no preparo espectico que garantisse aos seus filhos aprovacio certa nos exames aos cursos superiores, essa nao era a posicao dos redatores da “Gazeta”. E quando falamos na “Gazeta” falamos de Francisco Quirino dos Santos, seu dono e redator-chefe, falamos de Campos Salles, de Américo Brasiliense, de Rangel Pestana, de Francisco Glycério ¢ muitos outros, que podemos encontrar fazendo parte da diretoria da Sociedade “Culto & iéncia”. © jornal publicava, além dos avisos pagos, conyocagiio e noticias aos pais dos alunos, intimeros editoriais elogiosos ao colégio. A 11 de marco de 1879, por exemplo, F. Quirino dos Santos, contando a “brilhante festa” realizada na escola dird: “(..) A festa... consistiu em recitagées e discurso dos alunos. © intuitiva a influéncia que exerce para todo 0 desenvolvimento inte- lectual o dispor-se um rapaz a falar em ptblico, 0 medo, a impressio, © xcanhamento que costuma tomar de vertigem ao homem feito quando nfo tem adquitido essa pritica de tribune to necesséria para toda e qualquer cerreira literdria, tudo isso desaparece de pronto quando desde a infincia se expée a gente a dominar um auditério com esta primeira forca do espirito — a palavra.” Francisco Rangel Pestana fez publicar, em “A Provincia de $0 Paulo”, do qual era redator, um artigo intitulado “Uma festa no Colégio Interna. cional”, que foi transcrito pela “Gazeta”, em sua edigdo de 1° de jutho de 1876. Além de catacterizar bem a escola, denominar sua clientela, o autor expde seu pensamento sobre o que acreditava ser o papel da educagio: “(...) Nessa casa de educacto jd se estio formando mogos que se aproximam ao tipo de estudantes norte-americanos, altivos ¢ delica- dos, enérgicos ¢ respeitadores das leis sociais, muitos deles falando algumas linguas vivas ¢ atestando assim 0 aproveitamento tirado do ensino pratico, seguido nos primeiros anos e graduado teoricamente nos outros, (..,) No Colégio “Internacional”, posso afirmar, estuda-se € ensina-se convenientemente; nfo se trata de preparar apenas os altos para a matricula nas academias do Impétio, Os estudantes que af fazem © seu curso de preparatérios, apesar de seguirem um programa mui diverso do recomendado pelo ensino oficial, sujeitos a exames na Facut- dade, obtiveram boas notas de aprovagdo. Quem observar atentamente 0s fatos, hé de reconhecer que esse colégio é um dos melhores do pais.” Rangel Pesiana também faz uma observagio sobre a temética dos textos declamados pelos alunos: R, Fac. Educ., 11(1/2):101-134, 1985 118 CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES “Neste exerc{cio utilissimo os alunos do “Internacional” se vio pre- parando para as grandioses Iutas da liberdade. Apreciando extraordina- riamente o sistema de exercitar as criangas ¢ os mogos na declamagio, sentimos que os trechos preferidos, se afastassem tanto das cousas da patria, mal esse que de certo serA evitado em outra ocasifo.” (...) Estudaram nesta escola o jomalista Jilio Ferreira de Mesquita, o mtisico Carlos Gomes, Gabriel Prestes, René Barreto e Paulo de Moraes Barros, além de muitos outros.” ‘Viu-se, nos relatos dos estabelecimentos de ensino criados por parti- culares em Campinas, a presenga constante de elementos que compunham © grupo republicano da cidade, os quais aparecem prestigiando tais escolas, seja publicamente, seja através de artigos pela imprensa e, algumas vezes, como seus “benfeitores” ou “protetores”. No entanto, o impulso realizador desses homens nfo terminaria aqui, A década de oitenta abre-se prometendo novos empreendimentos na area do ensino elementar. Na década anterior, com excessio da “Sociedade Propagadora da Instrucao”, fundada em 1870, tendo, entre outros objetivos, “o de sustentar uma aula gratuita de ensino primdrio”, todos os esforgos parecem estar reunidos na promogéo de um ensino regular, seriado © simultaneo de estudos primérios ¢ secunditios destinados a uma clientela seleta, isto é, aos jovens provenientes de familias capazes de arcar com os custos das anuidades exigidas por Colégios do tipo do “Internacional” ou do “Culto 4 Ciéncia”. As preferéncias esbocadas na escolha do tipo de ensino, na organizacio dos curriculos e na formalizagio dos programas e métodos educativos evidenciam a preocupagéo basica de formar a nova gerac&o oriunda das fragdes da classe dominante, fazendo que dela surgissem representantes “capazes e competentes”. A valorizagio das “humanidades”, a importancia fundamental das “letras”, recomendadas no preparo dos futuros doutores e bacharéis, mos- tram que, na escola, a hierarquia das disciplinas reproduz a divisGo social do trabalho. Em uma sociedade que desyaloriza as atividades manuais, destinadas a esctavos e a trabalhadores pobres, as fragdes dominantes ¢ aquelas que buscam os canais de ascens&o, proporcionadas unicamente pelas profissdes liberais as quais conduziam as academias, deveriam ter uma formaco yalotativa de sua posigdo de classe, uma educagdo voltada exclusivamente & “cultura geral do espirito”. Para os republicanos de Campinas, esta cultura “geral” ou universal deveria ser ampliada por uma formagio propedéutica mais tica em co- 39. Gabriel Presies foi, juntamente com Carlos Escobar e¢ José Feliciano de ol veira, fundador da primeira associagio “de classe” do professorado publico do pafs, nos infcios do século XX. R, Fac. Educ, 1(1/2):101-134, 1985 © IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCACAO:... 119 nhecimentos cientificos admitidos ao lado dos imprescindiveis estudos Titerérios ¢, ainda, pela transformagio da escola secundaria numa escola verdadeiramente formativa. A énfase num programa que abarcasse nfo s6 o costumeiro ensino “Jetrado” das linguas mortas, como latim e grego, mas que incluisse o ensino de linguas modernas — inglés, francés, italiano, ¢ alemao e, prin- cipalmente, da lingua e literatuea nacional; os primeitos passos ainda vaci- lantes, mas em todo caso, dados em direcao aos estudos de matérias “cientificas”, como a quimica, a fisica e biologia, junto as aulas de “huma- nidades”, que também recebiam injecfo renovadora nos métodos de estudo da geografia (fisica e politica), da histéria e filosofia; as discussdes sobre a necessidade de superagao do ensine parcelado de disciplinas preparatérias aos exaines pata os cursos superiores por um tipo de ensino que objetivasse a formacao basica do aluno num todo organico e cocrente de estudos seriados, simultancos ¢ regularcs; tudo isso, mais que propostas “pedagé- gicas” ou “metodolégicas”, traz & tona a preocupagio dominante com © tipo de homem a ser formado ou, como se queira, faz emergir tenta- tivas de construg%o de um novo idedrio educacional adaptado as novas circunstncias e aos interesses nascentes dos quais o grupo em estudo sera um dos mais fortes representantes. Nao é mera coincidénoia, por exemplo, que Rangel Pestana ¢ Francisco Quirino dos Santos, bem como Campos Salles Amético Brasiliense sejam téo incisivos em valorizar o falar em piblico como parte do processo de instrug&io dos alunos dos colégios. O “dom” da oratéria era uma necessidade para aqueles que, como homem piiblicos, teriam que fazer uso da tribuna. ‘A importancia do ensino secundirio eta tal que tanto o governo do Impétio como os particulares reivindicavam seu controle. Embora descentralizado a cargo das Provincias, por forca do Ato Adicional de 1834 e, estando assim “impossibilitado de interferir direta- mente no ensino provincial e particular”, o poder central poderia reformar 0 ensino secunddrio em todo o pais “alterando as condigdes de’ ingresso nos estudos superiores, dos quais detinha o monopélio” Enquanto reconhecia as provincias a mais completa autonomia admi- nistrativa e diddtica no campo do ensino primfrio ¢ médio, o governo central propunha o Colégio Pedro Ii como estabelecimento modelo dos estudos secundarios. © grav de bacharel em letras concedido pelo colégio oficial da Corte habilitava para a matricula em qualquer academia do Império, indepen- dente de novos exames junto as faculdades. No entanto, os mesmos direitos nfo etam atribuidos aos titulos e aprovagées conferidos pelos liceus pro- vinciais, 40. HAIDAR, M. L. Mariotto, op. cii. R. Fac, Educ., 1£(1/2):101-134, 1985 120 CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES © nao reconhecimento dos graus conferidos pelos liceus provinciais influiu decisivamente nos rumos do ensino secundario provincial. Os estudos seriados ¢ regulares desaparecem gradativamente, cedendo lugar a um plano de ensino Kimitado 4s matérias prepatatérias e ao antigo sistema de estudos parcelados. Muitas das provincias, seguinds o exemplo de Séo Paulo que em 1868 desoficializou o ensino secundério, fecharam as portas de seus liceus. J4 nos infcios da década de 70, os estudos secundétios, realizados desordenada e parceladamente achavam-se quase que exclusivamente entre- gwes 4 iniciativa particular, sendo possivel “contar nos dedos de uma s6 mfo, ainda na década de 80, os estabelecimentos particulates que, desa- fiando a incompreensio dos pais, animaram-se a desenvolver estudos sccun- datios mais completos, organizados om cursos scriados ¢ reguares”.! Em Campinas, os estabelecimentos secundétios particulares, dos quais um feminino, 0 de Carolina Florense, ¢ o “Internacional”, para ambos os sexos, so exemplos de cokgios que, com o apoio da imprensa ¢ dos setores dominantes da sociedade local, conseguiram realizar um plano de estudos inovador, no limitade aos preparatérios. Poderia o Colégio “Culto & Ciéncia” ser entendido como a concreti- zagio de aspiracdes politico-ideolégicas desse grupo de republicanos? Teria a sua organizagao interna e 0 seu plano de estudos algum significado pedagégico inovador? Propositalmente, optow-se por tratar do “Culto & Ciéncia” em dltimo jugar, visando, com isso, avaliar se e como — no caso do ensino secundaria — os republicanos campineiros vieram a realizar, na pratica, suas propostas educacionais. Antes, porém, continuemos a discorrer sobre a atuagdo de seus fun- dadores, 2, Realizagdes na drea da denominada “Instrugtio Popular” Nos anos 80, os othos destes homens estardio voltados para o ensino elementar “do povo”. EF seré a “Gazeta de Campinas”, em editorial de 28 de marco de 1880, intitulado “Questxes Sociais”, que falaré dos novos empreendimentos: “Desta vez € a causa da instrugZo popular que parece preocupar todos os espiritos ¢ ter de receber neste generoso municipio invejavel desenvolvimento. Vamos presenciar em um mesmo ano a_inauguracZo de tr8s escolas: wma (...) pelo st. Joaquim Ferreira de Camargo An- drade, nos baixos de sua casa de morada, outra hd de funcionar no clegante edificio que faz atualmente levaniar 0 venerando cidadao sr, Joaquim Ferreira Penteado, e a terceira que deve ser mantida por uma associagfo popular a que 'serd entregue o “Monumento a Corrfa de 4l. HAIDAR, M, L. Mariotto, op. cif. R. Fac. Educ, 11(1/2):101-134, 1985 O IDEARIO REPUBLICANO E A EDUCACAO:... 121 Mello’, edificio construido com o duplo fim de perpetuar a meméria do jlustze botinico brasileiro e servir a causa da educayfio da mocidade. ‘Inés escolas para v ensino gramito das criancas destitufdas de recursos!" A diregiio da escola criada pelo Comendador Joaquim Ferreira Pentea- do, futuro Baro de Itatiba, foi confiada ao Prof. Joaquim de Toledo, professor do Colégio “Culto & Ciéncia”, do qual foi também diretor inte- sino. Além das primeiras letras, oferecia aos alunos mais adiantados 0 ensino de portugués, aritmética, geografia, histéria patria ¢ até mesmo um pouco de francés. A imprensa também estaré presente nas festas da Escola “Ferreita Penteado” ¢ nfo apenas através da “Gazeta”, mas ainda representada pelos redatores da nova folha, o “Didrio de Campinas”. Os filhos do Comendador J. Ferreira Penteado, criaram mais duas escolas ¢ o Colégio Fetreira de Camargo, que teve como primeiro diretor o Pe. Fergo O’Connor de Camargo Daunt, auxiliado por Luis Augusto de Paula, “que mais tarde veio a ser preceptor dos filhos, do Conde d’Eu”. Seu programa, segundo informacdes adquitidas por intermédio de J. L. Rodrigues, aptoximavase do programa do “Culto & Ciéncia”® © outro estabelecimento, criado pelo Bardo de Ibitinga (filho e homé- nimo do Bardo de Itatiba), a Escola “Ferreira Filho”, de nivel primério, funcionava nos mesmos moldes da “Fereriva Penteado”, sendo ditigida pelo Prof. Francisco Ceslau de Moura. A Escola “Corréa de Mello”, outra realizagao na area da instrucio denominada “popular”, seré ardorosamente defendida pela “Gazcta de Campinas”: “(..) Vimos o plano das aulas ¢ 0 consideramos digno da maior accitagio, ae menos como um ensaic. Acha-se ele dividido em dois cursos: no primeire ye ensinaré a leitura, caligtafia e a prética das quatro operagées fundamentais, no segundo, gramética portuguesa, arit- miética, geografia © historia do Brasil. E ainda um plano bem modesto, to acanhado que nJo excede us tains dos das nossas excolas piblicas; mas é fora de divida que, se ele for conscienciosamente desempenhado, ha de habilitar perfeitzmente os alunos na parte propriamente elemen- far, preparando-os para se elevarem daf em diante na medida das forces e vontade de cada um. (...) A instruc elementar, o curso de primei- ras Hetras, nfo deve j4 limitar se a uma leitura’ gaguejada © quase inconsciente, nem satisfazef-se com uma escrita medonhamente incor reia, £ preciso que na escola se apcenda ao menos sofrivelmente o por- tugués. (..-) B nevessario gue 2 escola saiba abrir os espititos para todas as empresas; que tenham em si propria elementos para preparar © futuro cidadio." 42, © “Diério de Campinas” que evoluiu de outro jornal denominado “A Moci- dade", que depois se fez “Atualidade”, para finalmente se transformar_ no “Diario”, tinha como redatores Anténio Sermento, Henrique de Barcellos, Gon- galves Pinheiro © Joaquim de Toledo, Henrique de Barcellox ¢ Joaquim Toledo foram profeysores do “Culto & Cigncia”. 43, ¢ 44, RODRIGUES, J. L,, op. ett. 45, “Gazeta de Campinas", 8 de seiembro de 1885. R, Fac, Educ. 14(1/2):101-134, 1985 122 CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES A ptoposta inicial consistia em ser a Escola “Corréa de Mello” mantida por uma “associagao popular”. No entanto, ao completar um ano de fun- cionamento passou a ser sustentada unicamente a expensas do Coronel Joaquim Quirino dos Santos, membro da Sociedade “Culto a Ciéncia”, pai de Francisco Quirino dos Santos, dono da “Gazeta de Campinas”. Trés anos mais tarde, exatamente em setembro de 1885, a “Gazeta” noticia o fechamento da escola. Em abril de 1886, Joaquim Quirino dos Santos comunica a reabertura do estabelecimento, agora mantido pela As- sociagio Benemérita Circolo Italiani Uniti. 2.1, As Aulas Noturnas, uma realizagéo da Magonaria de Campinas: a “Sociedade Propagadora de Instrucdo” A Loja Macdnica, fundada em 23 de novembro de 1867, com o titulo “Independéncia”, funcionava sob os auspicios do Grande Oriente do Brasil, tendo criado ¢ mantido, a partir de 1870, uma aula gratuita de ensino primério e uma biblioteca, 2 cargo do que denominaram “Sociedade Pro- pagadora da Instrugdo”. A Sociedade tinha por presidente Francisco Qui- rino dos Santos, que era também 0 Venerdvel da Loja Independéncia; por secretérios Joao Braz da Silveira Caldeira e Francisco Glycério de Cerqueira Leite; por tesoureito Joaquim Candido de Almeida e por bibliotecdrio Joaquim Roberto Alves. Francisco Quirino dos Santos, em editorial publicado na “Gazeta” de 23/12/1876, sob o titulo “Educagdo Popular”, discorre sobre o funciona- mento da aula noturna e os objetivos da Magonaria: (...) Nao 6 somente a csmola que alimenta e cura; a ignorfincia & também uma docnea, e essa doenga para o pobre pode levar até a atrofia de todos os sentimentos pclos estragos com que ela invade a eonsciéncia sepultando entre as sombras fatais do erro e do vicio os raios vividos do entendimento. E preciso levar-lhes o bilsamo da ins- trugio c isso 6 fazer uma grande esmola, (...) A educacto & a garantia da familia: a familia é a base da sociedade. Nés que somos a grande familia pela liberdade, buscamos assegurar no coragho de todos os homens © convencimesto dos seus direfios e dos seus deveres, a fim de que possam ver na harmonia desses privelpios 0 ideal eterno © absoluto da jostiga.” Em 1877, a aula noturna, tendo como professor o Sr. Bento Cunha, tinha 131 alunos matriculados, “sendo livres 115 e escravos 16, solteiros 129, casados 2; artistas 46, caixeiros 5, empregados 12, servigo doméstico 9, cartoceitos 2, jornaleiros 5 e 1 empregado de agéncia”” Pela “Gazeta” de 25/2/1880 tem-se noticia de mais um curso aberto pela Loja MagGnica Independéncia, com es seguintes matérias: gramitica 46, Almanaque de Campinas para 1871. 47. “Gazeta de Campinas’, 4/2/1877. R, Fac. Edue, 11(1/2):101-134, 1985

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