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Coordenacao Editorial: Carla Milano Benclowicz Colaboracio: Sueli Geraldo Pereira Revisio: ‘Adélia Bezerra de Meneses, José Claudio Quartaroli ¢ Sandrelei Navarro da Silva Tradugao: Luiz Carlos Daher (1.* parte) Adélia Bezerra de Meneses (2.* ¢ 3.4 partes) Capa: Desenho de Leén Ferrari CIP-Brasi, Catalogacio-na-Publicasio Camara Brasileira do Livro, SP Subirats, Eduardo, 1947 soma Da vanguard a0 pés-moderno | Eduardo irats: waducio de Laie Carlos Daher e Adclia Bezerra de Meneses. = Sio Paulo: Nobel, 1984 Bibliograia, ISBN 85-213-0252-5 1. Modernismo (Arte) 2. Pis-moderno 3. Vanguarda (Estetica 1. Titulo epp-701.17 700.904 Indices para catalogo sistemético: 1. Modernism: Artes 700.904 2: Péwmoderna: Arte 700.904 3. Vanguarda: Estetica: Artes 701.17 Eduardo Subirats Da Vanguarda ao Pos-moderno Nobel Do ponto de vista especifico da teoria estética ¢ da criagao artistica, em quaisquer formas do desenho, esta situagao de dissolucao e exigén- cia interior de renovacao coloca um primeiro objetivo: o distanciamento € a reflexao do ponto de vista das categorias teéricas, bem como das cconcepedes formais e estilisticas dos paradigmas das vanguardas e da Uwopia artistica da modernidade. Sob esta perspectiva gefal devem destacar-se, entretanto, dois momentos fundamentais. O primeiro deles cconsiste na reconstrugao da “dialética das vanguardas”, quer dizer, da- quele processo ao mesmo tempo interior ao desenvolvimento dos estilos artisticos e utopias culturais da arte moderna; ¢ exterior a ele, enquanto movimentos que afetaram 0 desenvolvimento e a consciéncia da cultura objetiva. A reconstrucao desta logica dos movimentos de vanguarda conta a este respeito com um objetivo preciso: averiguar os elementos que levaram suas posturas artisticas ao esgotamento, ou entio a integra- ‘sono seio de uma civilizacao tecnocritica vitalmente vazia. O segundo objetivo se desprende imediatamente deste tiltimo programa de ciamento eritico © contemplaao reflexiva. A critica da positividade ‘opaca que as posicdes programaticas dos pioneiros da arte moderna al- ccancaram supée, pelo menos indiretamente, sair ao encontro daquele niicleo radical que conferiu &s vanguardas seu sentido ut6pico e trans- sressor. A critica radical das vanguardas ¢ da cultura moderna como re- alidade objetivada e opaca é a premissa da recuperacao do sentido er tico mais profundo da arte e da cultura modernas. A ambjgua utopia do maquinismo Desde Descartes a méquina foi concebida na historia da cultura ocidental como a méxima expressio ¢ 0 mais decisivo meio do poder hhumano sobre a natureza e, conseqllentemente, como instrumento ‘emancipador. © carter cultural liberador da maquina provém, na so- ciedade moderna, tanto de seu potencial écnico como meio de ampliar 0 dominio humano, quanto da racionalidade que Ihe €intrinseca. Esta ra- cionilidade, um principio econémico e funcional ligado ao conheci ifico, teve uma dimensao técnica especificamente ligada & producio, mas transcendeu rapidamente o modelo organizativo para a sociedade em seu conjunto. Desde Descartes até as téenicas de organi- zagio social do século XIX, o modelo da maquina estende-se da concep- ‘si0 do corpo humano & organizagao inteira do proceso vita, individual € socialmente considerado.’ Entretanto, somente com a aparigo das vangiardas artisticas do século XX, somente com a modernidade esté tica tepresentada pelos movimentos artisticos de ruptura europeus, este principio da maquina adquire um valor cultural universal.’ Obviamente nao se pode reduziraarte ea arquitetura modernas, nem mesmo em seus ‘expoentes mais ligados & esfera da producio ou da organizacio sociais, a formula simples do maquinismo. Mas s6 pela intervencao das van- guardas, e mais concretamente, de correntes artisticas como o cubismo, © futurismo, a Neve Sachlichkeit*, 0 neoplasticismo ou a Bauhaus, & ‘maquina se converte em um valor cultural fundamental e em um princi Pio espiritual de signo transcendente na realidade sociale histirica.” O processo de desenvolvimento da arte moderna, naquelas concepcdes 1) C1.Gitbert Simondon, Durmode existence des objets techniques, Pars 1969, pp. 119 2) Marcel Duchamp, Duchamp du signe, Barcelona, 1978, pp. 46. ss. C. também: Le Corbusier, Hacia una arguitectra, Barcelona, 196, pp. Se 3) CFG. Deleuze, F. Guattari, EI Antiedipo, capitallzmo ¥ esauicofrenia, Barcelona, 1973, * Neve Sachlichteit: Nova Obietividad. 2B mais estreitamente ligadas ao desenho, &produgioe is transformages, socinis, assim como o desenvolvimento geral da cultura moderna, s0- freu fundamentalmente os avatars do maquinismo como principio spi ritual e fator constituinte da cultura.‘ Entretanto, o curso da historia ‘moderna pss claras também a ambivaléncia que tl principio carega subjetiva e objetivamente. A crise do principio de racionalizacao que 0 maquinismo acaretou deve lgar-se, neste sentido, o sentimento de ce. tieismo, ou melhor, de simples fracaseo que hoje afeta os valores este os, cose policos gerados pelo Movimento Moderna e pelo processo Gas vangsatdas statics cm geral Este questonazsento poset! uma savetgetars © rofudidada tao maplas conic oe préprios translornoe Socal, pollicos © latlectuais que orginarams aa vanguardas, Suas re percitsdes afetam couceits formals eailaticns e, através dles, Propriaconcepgiode arte earquitetura, sua fungosocal sua projeglo Historica frente ao futuro préximo, Esta constelacdo ao mesmo tempo civliztriacartiatica nto sb coloca sérias perpuntas, mat também s6- Fas tarefas quanto a nova definicéo dos valores extéticos e politic morals da modernidade. Novos conceitoseatilsticos, mas também uma reconsideragio dos eritérios normativos das cultures que hoje atraves- sam, de uma ou oura forma, um processo complexo de transformagées tecnoldgicas, econémicas ¢ politicas, impéem-se para cobrir 0 vazio dos velhos valores forjados pelas gragées de atstas de comesos do século, Muitas ¢ bem diferentes sao as tarefas que hoje convergem ou cointidem neste objetivo transformador. Uma dlas € a propria consciéncia hist Tiea de nosso imediato passado artistic e arquitetGnico. A histra da arte moderna em geral esteve até ha pouco presiidn por uma constr- io global, totalizadora prfetamentefechada em torn de uma evo: Gio simples logic, Ela pressupunha um processo, com seus pioneiros, Seus momentos culminantes, seus elementos dvergentese seu maior ou menor grau de aceitacdo. Esta concepgao fechada e totalizadora, ligada © mais das vezes a um credo racionalista da arte e da arquitetura, Tevela-se agora falsa diante dos conflitos mais 6bvios de nosso contexto Cultural socal. Mas ainda, revelse constrocsolegtioaora de con- cepséesctéticas herdadas dea Vanguardanentrementes petrifcadasem Um acedemismo ester, ou em um hermetismo cultural e socialmentein- 4) Erich Mendelsohn, Briefe eines Arcitekten, Munchen, 1961, pp. 42. ss. Femand Le. ‘er, Fonctions dela peinture, Paris, 1965, pp. 63¢ ss, propésito da estétca da maquina. 3.1. P.Oud,”"Kunst und Maschine" im: Hans L. C.Jaflé, Mondrian und De St. 92-3 Py Georg Grosz. Sem rtulo (1920), Kunstsammlung Norheim — Westfalen, Disseldor, 2s transcendente. Hoje é necessério, precisamente por nossa consciéncia de novos problemas histéricos, um redelineamento dos caminhos per- corridos pela modernidade artistica de nosso século, Impde-se esta revi- sdo do passado precisamente como uma maneira de transformar o pre- sente critico em que vivemos e de abrir, assim, uma perspectiva para 0 futuro e para uma realidade melhor. De nossa perspectiva histérica, parece ja longinqua e prodigiosa uma afirmagio do arquiteto expressionista Erich Mendelsohn, que pro- ‘clamava a miquina como uma forga hist6rica objetiva que carregavaem seu interior um principio organizador destinado a conferir nova harmo- nia a cultura moderna, A maquina, ou melhor, o maquinismo enquanto fendmeno a0 mesmo tempo técnico-cientifico e civilizador, adquiriu en- ‘quanto isso o carter universal de um principio de homogeneizacao ¢ or. ‘ganizacao sociais, mas nao presidiu a constituigio de uma harmonia per- feita. O maquinismo, como se disse algumas vezes, desempenha na cul- ‘ura moderna ao menos alguns dos papéis que o século XVIII atribuia a propria natureza ou ainda a elementos mitol6gicos ou principios metafi- sicos mais antigos. No contexto da modernidade estética adquiriu fun- oes demitirgicas, proféticas, messianicas, bem como demoniacas, in- fernais ¢ destrutivas. Para Mendelsohn, Le Corbusier, Oud, também ara Léger, Malewitch e Schlemmer, a maquina assumiu o mesmo papel cultural que © romantismo outorgara ao génio como poténcia ordeng- dora e como natureza. Certamente, esta visio nascia no dificil context de uma guerra na qual, precisamente, os fatores sociais irracionais, as velhas identidades culturais e hist6ricas, as nacionalidades, a moral, os vested interests* — para empregar um conceito de Velblen a este res- eito — haviam ocasionado o caos, a desesperanca e a destruicao. A maquina surgiu para a consciéncia artistica de comegos do século sob a dupla dimensao de meio de poder técnico sobre a natureza e fator ‘ordenador em um sentido simultaneamente social e simbdlico. Este se- gundo aspecto foi fundamental para a nova perspectiva artistica. En- uanto fildsofos como Simmel ou Spengler viam no maquinismo um principio de desintegracao cultural e de empobrecimento, os movimen- tos artisticos revolucionarios do pés-guerra celebraram precisamente sua chegada como uma forca racional, democratica, suscetivel de igua- lar socialmente as classes e de liberar 0 homem das pesadas fadigas da * Vested interest: interessesinvestidos. %6 Fercinand Léger. Os tes camaradas (1920), leo sobre tela. Stedelik Museum, Amster a sobrevivéncia.* Ao contemplar a maquina como fator emancipador de ‘ordem social ¢ elevé-la como tal a valor estético e cultural universal, os artistas das vanguardas restabeleceram aquela dimensio radical do pro- gress, concebido como identidade de desenvolvimento técnico- ciertifico e moral, caracteristico da filosofia da hist6ria do Hluminismo. As vanguardas realizaram a monumental sintese dos valores eco- némicos, tecnolégicos e epistemol6gicos do maquinismo moderno com valores culturais de signo ut6pico, em alguns casos espiritualistas ¢ es catclogicos, como na arquitetura expressionista, e em outros, raciona- listas ou funcionalistas, como sucede no construtivismo ou na Bauhaus Nesta tarefa, 0s pioneiros do Movimento Moderno comprometeram a autonomia da arte e da arquitetura, assim como seus contetidos seman- ticos e simbélicos, transformando-as em um meio real para conferir & nova tecnologia uma dimensao universal ¢ absoluta. O maquinismo foi ¢elevado a valor cultural supremo ao longo deste processo. Léger em pin- tura, Oud ou Hilbersheimer em sua concepcao do urbanismo, Le Corb sier em sua nova idéia de arquitetura, para mencionar apenas alguns exemplos, converteram a maquina em objetivo e valor por si, em torno do qual se articulava o conjunto das questdes formais, plasticas, compo- sitivas, construtivas e organizativas do desenko. A sociologia européia desenvolveu (sob perspectivas teéricas par- cialmente diferentes ¢ desde fins do século XIX) uma critica radical da colenizagao mecanicista da vida humana individual e socialmente con- siderada. Tal critica articulou-se em torno dos conceitos de racionaliza- 0, de intelectualizacao e abstragao das relagbes sociais, de reificacao, de mecanizacao ou de razao instrumental, por socidlogos ¢ fil6sofos como Weber, Simmel, Lukas, Spengler, Horkheimer e-Adorno respec- tivamente. ° Nao obstante, 0 maquinismo, como 0 propuseram artistas da envergadura de Schlemmer ou Malewitch, ou ainda Mendelsohn ou 0 futurismo italiano, ultrapassou a dimensao de uma pura racionalizacao 5) Oxwald Spengler, La decadencia de occidente, 1-1, pp. 380e ss; Georg Simmel, Filo- sofladeldinero, Madi, 1977, pp. 55860. Cf. também: Lewis Mumford, The Condition of Man Chicago, 1973, pp. 317 € 88. ()M, Weber, Economia y sociedad, Mexico, 1979, pp. 178-9 (sobre araclonalizagio do oder); Georg Simmel, Filosofia del dinero, op cit. Georg Lukes, Geschichte und Klas Senbrwussisein, Neuwied v. Beri, 1968, particularmente pp. 257-87 sobre oconceito de Oskar Schlemmer. Escada de Senhoras (1925), témpera eéleo sobre tea “cosicacio"; Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Dilektk der Awfldrung, Frank Kunstmascum. Base fut, 1968, p18, 2» 30 Heinrich Hoerle Homens-méuina (1930), 6leo sobre madeira (100xS0:m). Galeria det Levante, Milo, dda vida ou da expansao da racionalidade tecnol6gica por meio da arte. A ‘méquina converteu-se em valor supremo e em um fator social e econ ico dotado de uma racionalidade em si mesma emancipadora. Por isso Le Corbusier podia escrever "La maison est un outil: domaine de pure technicité’’*, ou Erich Mendelsohn podia formular muito cedo, em 1915 {que ““a maquina, considerada como ponto de partida da nova cultura, leva jd cumprida, em seu interior, a lei”.’ Nenhuma dessasafirmacées, ‘como também acontece com os enunciados cubistas, futuristas ou cons- trutivistas de mesmo teor, reduz-se a uma concepcao estritamente me- canicista ou sequer funcionalista, mesmo quando, com a dissolucao do espirito das vanguardas, serviram efetivamente como postulados legi- timadores de uma concepeao tecnocratica da cultura e do poder. A mé- quina € © maquinismo tiveram naquele contexto artistico € histérico, pelo contrério, uma dimensao espiritual prépria, capaz de constituir-se ‘no principio de uma utopia. Seu valor foi projetado para o sublime ou inclusive para o terreno do religioso e do mitol6gico. © maquinismo corverteu-se de fato em principio de salvacao e de esperanca." Sob esta aspiracio absoluta e universal do maquinismo, a unidade dos aspectos racionalistas da nova concepcao formal (em outras pala- vyras, a estética cartesiana) e de outro lado, dos aspectos priticos e produ- tivos ligados a sociedade industrial, cumpria-se como um objetivo revo- lucionario. Esse sentido, entretanto, desapareceu progressivamente do ‘espirito da arte e da arquitetura modernas jem fins da década de 20. Ha que considerar fatores extrinsecos e, ao mesmo tempo, intrinsecos no monento de interpretar 0 processo desta regressio ou, pelo menos, deste desgaste das posigdes tanto te6ricas como formais das vanguar- das. E entre os fatores extrinsecos devem-se levar em conta, sobretudo, as condigdes politicas, certamente dificeis, que cercaram a evolugao tonuosa das vanguardas, entre seus primeiros expoentes anteriores & Primeira Guerra Mundial, como 0 cubismo, até a aparigao das estéticas fascista e stalinista que puseram fim aquela experiéncia. 7) Lz Corbusier, “Architecture d'époque machinist", in: Journal de Psychologie, Paris, 1926, p. I Erich Mendelsohn, op cit. p. 54 4) "Para a vontade cultural de estilo a maquina se encontra na primeira fil” — escreve “Theo van Doesburg em “Der Wille zim Sit (1922), in: Safe, op cit. p. 148 *Lamaison esti onl: domaine de pure technicté: casa é um utensil: dominio de pura teencidade 31 ‘A defesa simultdnea de uma estética cartesiana e de um principio cultural ut6pico ligado ao maquinismo, que levaram a cabo van Does- burg e Oud ao longo de varios artigos publicados em De Stijl, mudou radicalmente de sentido quando seus elementos foram aplicados com a perfeicaio sublime de uma linguagem hermética, no Pavilhao de Barce- Iona de Mies van der Rohe. Os manifestos neo-plasticistas expoem uni- vocamente a estética racionalista ¢ o principio formal e cultural da ma- quina como contraponto a realidade tragica que atravessa a Europa, 0s conflitos sociais efetivos que ameacam dissolver a integragao social, € 0 sentimento de destruicao e caos posterior a guerra.” A pureza das cores primérias, os ngulos retos, a obsessio maniaca pelas horizontais e ver- ticais, assim como seus correlatos teéricos: a postulagao da arte como representagdo de uma ordem absoluta ¢ de uma harmonia acabada, a in- vocacéo de um mundo cultural integralmente racionalizado, tudo isso respondia a uma exigéncia social, ética em sentido profundo, de signo transformador e libertador. Algo parecido se pode dizer a respeito da experiéncia didatica e estilistica desenvolvida ao longo dos primeiros anos da Bauhaus: a indagacao de uma ordem construtiva ¢ de um princi- pio racional na pintura, no desenho, na danca ou no teatro perseguiam, sobretudo, aquele reprendre a zéro* que também formularam Le Cor- busier e as vanguardas em geral. ” Nao obstante, os mesmos postulados estéticos adquiriram sentido diferente na obra mencionada de Mies van der Rohe ou, para mencionar um caso extremo, na declaragao de princi- pios que Hitchcock e Johnson expuseram no livrinho The International Style."" De um ponto de vista extrinseco, ja nao se tratava mais de for mular artisticamente uma ordem histérica e cultural transgressora, ¢ por ‘conseguinte revolucionéria ou ao menos ut6pica. Pelo contrario, sob as novas condicdes histéricas tornava-se antes necessario desenvolver as formas capazes de representar fielmente o dado, ou seja, os valores de ‘uma civilizagdo fundada na extensao indefinida de um poder instrumen- tal nascido sobre a base de valores cientificos ¢ racionais. A partir dos ‘anos trinta, os portadores da modernidade ja nao se viam ante anecessi 9) Piet Mondrian, Neue Gestaltung, Mainz, 1974, p. 10. 10) Oskar Schlemmer comenta x incorporago do rtm da miquina no novo conceito de arte em seus Brie und Tagebicher, Statgart, 1977, p. 57. CE. também Walter Gropius, Apolo in der Demokrate. Maia, 1967, pp. 20s. ‘i Henry Ruseel Hitchcock, Philp Johnson, The International Style, New York, 1966 4932) “Reprendre a zero: recomecar do 1210. 32 dade de criar um estilo como inovacao revolucionaria de uma forma ca- paz, por si mesma, de transformar os valores da sociedade industrial. ‘Tratava-se antes de criar uma linguagem que fosse suficientemente ho- mogénea, consistente e congruente com as exigéncias da construcao in- dustrializada para converter-se em um paradigma generalizvel. Tal foi ‘oespirito dos promotores de um International Style a partir da Segunda Guerra Mundial. E certo que o estilo internacional do pés-guerra foi um ‘compéndio, uma sintese dos elementos formais desenvolvidos pelo cu- bismo, construtivismo, neo-plasticismo, suprematismo, Bauhaus, pu rismo e inclusive pelo expressionismo. Entretanto distinguia-se radi calmente destes movimentos na mesma medida em que o estilo P6s- mnoderno norte-americano distingue-se das linguagens hist6ricas que diz assimilar: em ambos 0s casos a forma, o estilo, € acolhido no sentido mais banal e superficial da palavra. Trata-se de um cédigo, estrutural- mente bem organizado, mas artisticamente vazio de qualquer conteiido, ide qualquer dimensao espiritual, social e cultural. Certamente 0 estilo internacional esta ligado a valores de uma cultura democratica com alto sgrau de desenvolvimento técnico-cientifico € a um padrao social nio ‘menos elevado, Mas so condigdes sociolégicas, ¢ nao auténticos im- pulsos sociais e culturais no sentido em que se encontram nas arquitetu ras de Taut, Mendelsohn, Gaudi ou Gropius. Mies van der Rohe. Pavilhio de Barcelona (1929). 3 Para empregar uma analogia extraida da linguistica atual poder-se- ia dizer que o estilo internacional, ¢ com ele aquele que se utilizou inter- nacionalmente do nome de moderno, €, diante do que criaram os pionei- ros das vanguardas européias, aquilo que a gramética transformacional representa diante da linguagem poética. Nesta tiltima habita a liberdade ‘e acriagdo auténticas, enquanto a teoria transformacional trata de esta belecer as impossiveis leis de sua normalizacao tecnologica. Assim também o estilo internacional converteu as audazes aventuras estéticas de uma modernidade critica no repert6rio gramaticalmente sistemati- zado de uma linguagem morta. As suas custas, por outro lado, os ele- ‘mentos estéticos das vanguardas européias se converteram, nao nas. tegorias de uma critica e de uma utopia radical, mas naquela tradica0 ‘que, precisamente como tradi¢o, legitimava sua nova versio, radical- ‘mente académica e positiva, formalistica e intranscendente do ponto de vista cultural. ‘A decadéncia da modernidade artistica das vanguardas comecou realmente com obras como as de Hilbersheimer, Mies ou Johnson, ou com sua traducao intelectual, de corte explicitamente professoral, como © citado livro sobre o estilo internacional. Em todos estes expoentes, forma, 0 proprio conceito de estilo, separava-se drasticamente dos con- telidos culturais, éticos, politicos, do impulso hist6rico, enfim, que ha- ‘via conferido aos pioneiros um sentido reformador e critico. Os elemen- tos da estética cartesiana conservavam-se como tais, porém privados daquele nexo interior com a realidade social que havia caracterizado a vontade de estilo da vanguarda. A esta separagao acrescentou-se poste- riormente um segundo e ainda um terceiro fator. Em primeiro lugar 0 progresso técnico-cientifico mostrou-se, mal terminada a Segunda Guerra Mundial, sob um novo aspecto, mais ambivalente. Seu desen- volvimento jé nao aparecia como um signo univocamente liberador. As perspectivas histdricas pessimistas que a filosofia havia lancado nos nais do século passado recobraram uma nova vigéncia. Assim como a forma, 0 estilo frio, geométrico e impessoal da nova arquitetura se des- prenderam de seus significados revolucionarios, no sentido de uma or- dem racional e livre da sociedade, também a razao técnico-cientifica separou-se radicalmente de seus interesses e dimensdes éticas, politicas eculturais. A crise, no que se refere a concepean filoséfica das ciéncias e ‘a Seu papel social, foi dupla. Por um lado, assumia-se pessimisticamente a impossibilidade de estabelecer um vinculo interior entre razao cientifica 4 € 0s contetidos da autonomia e mesmo da sobrevivéncia humana: as conseqiiéncias do chamado Projeto Manhattan, que culminou na bomba atémica, evidenciavam-no dramaticamente. Por outro lado, a propria ciénzia assumia uma atitude filoséfica de signo cético: nao Ihe cabia es- tabelecer um nexo te6rico entre conhecimento e consciéncia moral, en- te verdade ¢ liberdade. Contudo, a dupla cisao entre a forma e seu significado cultural ou social, ¢ entre progresso técnico-cientifico e interesse humano pela au- tonomia e sobrevivéncia, ainda teve que confrontar ulterior e mais dras- tica realidade: a de um desenvolvimento tecnol6gico de signo diret mente destrutivo e de uma concepsio formalistica do desenho que de- semboca em estratégias sociais de cardter manipulativo e empobrece- dor. Ja ndo se trata, neste terceiro momento, que caracteriza nosso sen- tir atual, de um simples ceticismo que contempla a cisio interior do mundo moderno como um fendmeno de decadéncia. Trata-se muito mais da consciéncia angustiada ante os efeitos diretamente regressivos de uma razao cientfica e sua tradugao formalistica nos valores mais epi- g6nicos da modernidade estética. * Se 0 fracasso dos movimentos revolucionérios que gravitavam a0 redor dos pioneiros das vanguardas, associado & ascensio dos totalita- rismos fascista e stalinista como pano de fundo, puseram fim as espe- rangas daqueles, a obviedade da destruicao ecol6gica, do progresso de técnicas manipulativas ede controle, ¢ ocrescente desenvolvimento das tecnologias militares confrontam a consciéncia moderna com um nii- lismo radical. As conseqiéncias negativas do progresso arrebataram hoje da cultura moderna a confianga no futuro, que infundia a seu es forco prometéico um valor morale estético. A prépria tecnologia, o pré- prio principio maquinista, no qual a modernidade estética pusera as es- Perancas de uma ordem harménica converteu-se em uma poténcia sel- vvagem, em uma hybris incontrotivel. Ao invés de constituir 0 suporte objetivo de uma utopia historica converteu-se, paraa consciéncia atual, no simbolo de uma angiistia apocaliptica frente ao futuro, no novo Le- Viattan de um poder total Desta perspectiva declinante se atingem dois aspectos centrais que constituem 0 reverso, a sombra da sintese utépica de maquinismo e arte 12) Lmadefinicd banal epedante de racionalim cstético pode-re encontrar, porexem Plo, em E,Bonifanti,R.Bonicali. A. Ross, M. Scolari eD. Vitale, Arauitecturaracionl. Madi, 1979. pp. 156 35 dias vanguardas histéricas.O primeiro deles€ a transformagio dos ideais transgressores e ut6picos inerentes & racionalidade tecnol6gica € eco- ‘némica do maquinismo no seu oposto: um principio de racionalizacao e de integragio coercitiva da cultura artistica historica as exigéncias do desenvolvimento tecnolégico. A segunda questio vem a ser a conse ‘iiéncia iconogréfica desta consciéncia negativa que hoje mina a con- fianca na razio instrumental: a associacao simbdlica da méquina e suas expressdes culturais com 0 destrutivo e demoniaco. Ambos aspectos nao podem ser considerados fenémenos novos. Na realidade acompa- nharam o desenvolvimento industrial ¢ a evolugéo artistica das van- uardas como sua contrapartida e limite interior. Talvez somente a gra- vVidade dos conflitos hist6ricos atuais tenha posto em questao, radical- mente, a utopia artistica da modernidade, em virtude da negatividade que estes dois prineipios encarnam. Desejo empregar em primeiro lugar a categoria de racionalizagao como quadro geral da impugnacao da estética cartesiana e de suas con- seqiéncias culturais em sentido amplo. Como ja assinalei anteriormen- te, este conceito possui no pensamento de nosso século uma solida tra digao que comeca com a sociologia de Weber ea psicanalise de Freud, € acaba na critica social de Adorno e Horkheimer. Neste contexto di do, acritica da racionalizagao remete a um nexo comum: a substituigo {da realidade vital do ser humano por um paradigma tecnolégico. Trata- se, formulando-o a0 contririo, da extensao da racionalidade técnico- cientifica ao conjunto de processos vitais, inividuais ou coletivos, sem reconhecimento de sua autonomia real. Semelhante expansio de um modelo de atuacio tecnol6gica aos processos vitas foi discutido tanto no plano sociologico, como epistemologico. Entretanto, é precisamente no terreno da arte, e particularmente da definigao da modernidade estética, que o principio de racionalizagao descobre todo seu significado como processo de reduciio da experiéncia individual e de anulagio da autonomia reflexiva da existéncia humana. 44 Walter Benjamin ressaltou em um delicado ensaio sobre a arte mo- derma, Erfahrung und Armut (*Experiéncia e Pobreza’) como o desapare- cimento do ornamento, a estética do geométrico-cristalino, os novos s industriais impunham, através da arquitetura moderna, uma limitagao e empobrecimento da experiéncia individual. Oreducionismo, a negagio tendencial da experiéncia estética da realidade, proprios da estética cartesiana tornam-se patentes quando comparamos, por exem- 36 plo, oretrato “roméintico" com oretratocubista. Naquele, oespectador se sente soliitado a experimentar a totalidade biogrifica e histrica de uuma pessoa. Todos 0s elementos pictricos servem solidariamente a ex- jorizagdo desta totaidade estrutural. Mas precisamente a revolugao zstética que os pioneiros da vanguarda reinvindicaram como novum at- na independentizagao dos elementos pictsricos de seu sentido expressivo e representativo. No retrato cubista importa apenas acomposi¢ao formal e coloristica, nao a figura humana. Assim também 4 teoria da cor desenvolvida a partir do p6s-impressionismo, por Itten, Kandinsky, Klee, Albers e outros, tende a extipar da cor seus elemen- 10s subjetivos, para doti-las da qualidade fria de um discurso logico ¢ objetivo — exatamente como na composico. ” Le Corbusier, bem como Mondrian, destacam precisamente em seus programas artisticos a necessidade de que a arte se torne indepen- dente da realidade, e, conseqiientemente, da experiéncia individual da ‘mesma, para converter-se inteiramente em uma composicao pura. A.es- \ética, segundo a formula de Vietor Basch, torna-se uma logica, € a ex- pressio plistica se converte, de acordo com a teoria do cubismo de Xahnweiler, em uma composigio a base de categorias pictéricas —uma formula que recorda bastante a teoria dos Bilder do Tractatus de Wittgenstein." Através dessa reducao ldgica,arealidade particular —o retrato, a natureza morta, 0 objeto em geral — desaparece para converter-se em um prine{pio abstrato e universal: uma sequéncia de fi- suras geométricas e espagos nio-perspectivistas, etc. Mas esta univer- salidade de valores estilisticos abstratos, idéntica a ulterior uniformiza- <4o formal e simbdlica da civilizagio teenologica onde quer que se im- ponha, despenhou a elevagao simbélica do individual a um valor iltimo ¢ itmedutivel que constitura a tarefa por exceléncia da arte ocidental desde o Renascimento. O anti-humanismo que um filésofo como Ortega y Gasset patenteia, ou entdo a tese de um “centro perdido” desenvol- vida por Sedlmayr, do mesmo modo que a critica do empobrecimento e 4a superagao da experiéncia humana individual na arte moderna por 1b) J, Iten, Kunst der Farbe, Stutgat, 1961; W. Kandinsky, De lo espritual en el arte, Barcelona, 1973; Jost Albers Iteration of Color, Kéln, 1970. CF. também: Hans Jo- chim Albrecht, Farbe als Sprache. Koln, 19. '4) Victor Basch sustentou, em L'Esprit Nouveau, a idéia absurda de que “Vesthétique vec Kant, devient une logique”, uma concepsio que, no obstant, exprssaielmente o Heirio pursta da revista, CE L'Esprit Nouveau, .° 1, 1920, 7

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