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Prevenção Do Suicídio Manual para Profissionais de Saude
Prevenção Do Suicídio Manual para Profissionais de Saude
DO SU I CÍ D I O
MAN UAL PARA
PROFISSIONAIS
DE SAÚ DE
FICHA
Este manual foi desenvolvido TÉCNICA Í N D I CE
no âmbito do projeto «Mês
da Prevenção do Suicídio» da TÍTULO
PREVENÇÃO DO
ARIS da Planície, com o apoio
SUICÍDIO: MANUAL PARA
da Ciência VIva — Agência PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Nacional para a Cultura
COORDENAÇÃO
Científica e Tecnológica, PAULO BARBOSA,
através do concurso SÓNIA FARINHA SILVA,
Comunicar Saúde. NUNO MADEIRA, Nota introdutória 5
ANA MATOS PIRES
Preâmbulo 6
Este projeto conta com a AUTORES
MARIA TERESA VALADAS,
parceria da Associação
PAULO BARBOSA,
Portuguesa de Internos de RODRIGO MOTA FREITAS, PARTE I
Psiquiatria, e Fumaça — SÓNIA FARINHA SILVA
jornalismo independente, ILUSTRAÇÕES
1. Introdução9
progressista e dissidente —, LUÍSA BIGODE
2. Epidemiologia dos comportamentos suicidários 15
com o patrocínio do Programa
DESIGN
Nacional para a Saúde Mental MIGUEL GÓIS 3. Fatores de risco e fatores protetores 27
da Direção-Geral da Saúde.
FORMATO 4. Avaliação do risco de suicídio e encaminhamento 47
DIGITAL
5. Plano de segurança 61
DATA DE PUBLICAÇÃO
Novembro de 2021
ISBN
PARTE II
978-989-33-2890-3
6. Suicídio e doenças mentais 69
www.prevenirsuicidio.pt
www.arisdaplanicie 7. Abordagens terapêuticas 77
7.1. Psicofarmacologia 78
7.2. Intervenções psicoterapêuticas 90
Glossário94
5
PARTE I
1.
I NTRO D U ÇÃO
Paulo Barbosa, Sónia Farinha Silva
• As pessoas que morrem por suicídio são egoístas e fracas. • Alguém que tenta ou fala sobre suicidar‑se
• Muitas pessoas que morrem de suicídio estavam, na ver- só quer chamar a atenção.
dade, doentes. A doença pode ou não ter sido diagnosticada • Em alguns casos, a tentativa de suicídio é a razão para o
antes do ato suicida, mas a grande maioria (mais de 9 em 10) pedido de ajuda (nomeadamente nos serviços de saúde). Um
das pessoas tinham uma doença psiquiátrica. pedido de ajuda desesperado não é o mesmo que uma cha-
mada de atenção.
• Alguém inteligente e bem‑sucedido
nunca tentaria o suicídio. • O risco diminui após uma tentativa de suicídio.
• Tenha em atenção que os pensamentos de suicídio são mui- • As tentativas de suicídio prévias são o mais importante fator
tas vezes mantidos em segredo. O suicídio não tem frontei- de risco para a morte por suicídio.
ras demográficas, étnicas, culturais ou socioeconómicas.
2.
E PI D EM I O LOG IA
DOS CO M PO RTAM E NTOS
SU I CI DÁR I OS
Rodrigo Mota Freitas
Pontos-chave
50 - 69 16,17
70+ 27,45
19
Figura 1. Taxa de mortalidade por suicídio padronizada dio, já que nestes e noutros países onde a religião tem um papel
por idade (por 100.000 habitantes) em 2016. muito importante na sociedade, o suicídio é um ato altamente
condenável. A prática ritual conjunta, a participação comunitá-
ria em celebrações religiosas e um sentido de pertença a uma
determinada comunidade religiosa parecem contribuir para
uma maior coesão social e menor isolamento.
Sexo
21
o 16
dobro e o quádruplo das tentativas dos homens. Esta discre- Apesar desta saliência do suicídio como causa de mortalidade
pância pode ser explicada pelo uso de meios mais letais no sui- em idades mais jovens, as pessoas mais velhas têm taxas de
cídio
11 masculino. suicídio superiores quando é feita padronização para a idade.
Na Europa, a diferença entre sexos nas taxas de suicídio bru- No Gráfico 2 são apresentadas taxas brutas de mortalidade, por
tas6 é ainda maior, correspondendo a um rácio masculino:femi- idade, a nível global.
nino de cerca de 4:1.
1Os únicos países em que se registam taxas de suicídio mais Métodos
elevadas
1990
no sexo
1993
feminino
1996 1999
face
2002
ao2005
masculino
2008
são a 2014
2011
China 2017
e Ban- Os métodos mais usados no suicídio incluem o enforcamento,
Ano
gladesh. A região do Sudeste Asiático apresenta as taxas de sui- afogamento, envenenamento, uso de armas de fogo, precipita-
cídio mais elevadas nas mulheres.
Masculino Feminino Ambos ção para o vazio e outros (mortes nos caminhos de ferro, por
exemplo).
O método mais comum a nível mundial é o enforcamento,
gráfico 2
Idade sendo que o recurso a armas de fogo (mais frequente em
O suicídio é a segunda causa de morte prematura entre os 15 e homens e em países como EUA e Suíça) e a ingestão de pesti-
os 29 anos e a terceira na faixa etária dos 15 aos 44 anos. cidas (frequente nos países em desenvolvimento) são também
relevantes a nível de prevalência.
Gráfico 2. Taxa bruta de mortalidade por 100.000 habitantes
Taxa brutaetário
por grupo de mortalidade por suicídio
a nível mundial em 2017
a nível mundial por grupo etário (2017)
5 - 14 0,63
Grupo etário
15 - 49 11,6
50 - 69 16,17
70+ 27,45
0 5 10 15 20 25 30
Taxa (por 100 000 habitantes)
S u i cíd i o e m Po rtu g a l Gráfico 4. Taxa bruta de mortalidade por suicídio (por 100.000 habitantes)
Taxa
em bruta de mortalidade
Portugal por2018.
por região em suicídio
em Portugal por região (2018)
Portugal apresenta das taxas de suicídio mais baixas a nível
europeu. De acordo com os dados mais recentes disponibili- Nacional 9,61
talidade por suicídio em Portugal foi de 9,7 óbitos por 100 mil Centro 7,69
LVT
habitantes. Separando por sexo, foi de 15,2/100.000 no sexo
Região
9,97
Madeira 10,23
masculino e 4,8/100.000 no sexo feminino.
gráfico 3
Açores 13,15
Em Portugal, a taxa de suicídio aumenta com a idade, sendo
Algarve 16,85
que a taxa bruta para o grupo com idade entre os 75 e 84 anos
Alentejo 18,27
é a mais elevada: 24/100.000.
0 5 10 15
Taxa (por 100 000 habitantes)
Gráfico 3. Taxa bruta de mortalidade por suicídio (por 100.000 habitantes)
Taxa
embruta de mortalidade
Portugal por suicídio
por grupo etário em 2018 Fonte: Mortalidade em Portugal, Dashboard da mortalidade dos residentes em Portugal,
em Portugal por grupo etário (2018) Direção‑Geral da Saúde. LVT: Lisboa eVale do Tejo
25,0 24,0
22,7
Taxa (por 100 000 habitantes)
elevadas no Sul do País. Apesar disso, as taxas de mortalidade de morte violenta) rondará 10‑20%. A notificação de mortes
por suicídio aumentaram em muitas regiões do interior, como por suicídio é um processo complexo, com aspetos médicos e
o Nordeste do país e a região Centro. Em tendência contrária, legais. Entre outros fatores, as normas sociais, crenças culturais
verificou‑se redução das taxas de suicídio na Área Metropolitana e religiosas e as leis locais aumentam a subnotificação das mor-
do Porto, onde se situam os municípios com as taxas mais bai- tes por suicídio.
xas a nível nacional. Assim, atualmente, observam‑se no nosso Em Portugal, o processo de certificação de morte tornou‑se
país taxas de suicídio altas nos municípios rurais e mais baixas totalmente eletrónico em 2014 com a introdução do Sistema de
nos municípios urbanos. Informação de Certificados de Óbito (SICO). No entanto, ainda
Loureiro et al. analisaram também a evolução espácio‑tem não há estudos que avaliem o impacto desta medida na quali-
poral da mortalidade por suicídio em Portugal entre 1980 e dade da notificação dos óbitos por suicídio.
2015. Os autores identificaram períodos de aumento da morta-
lidade por suicídio — 1980‑1984 e 2006‑2015 — que se poderão Referências
relacionar com momentos de maior instabilidade financeira, Antonakakis N, Collins A. The impact of in the Municipalities of Mainland
fiscal austerity on suicide mortality: Portugal: Spatio‑Temporal Evolution
coincidindo com crises económicas vividas em Portugal. Esta Evidence across the ‘Eurozone periphery’. between 1980 and 2015]. Acta
associação entre o aumento da mortalidade por suicídio e difi- Soc Sci Med. 2015;145:63‑78. Med Port. 2018;31(1):38‑44.
Bachmann S. Epidemiology of Suicide Mergl R, Koburger N, Heinrichs K,
culdades económicas é apoiada pela literatura. and the Psychiatric Perspective. Int J Szekely A, Toth MD, Coyne J, et al.
Em contrapartida, no período de 1999‑2002 também se Environ Res Public Health. 2018;15(7). What Are Reasons for the Large
Bertolote JM, Fleischmann A. Suicide Gender Differences in the Lethality
regista um aumento da taxa de suicídio, apesar de correspon- and psychiatric diagnosis: a of Suicidal Acts? An Epidemiological
worldwide perspective. World Analysis in Four European Countries.
der a um momento de prosperidade em Portugal. Tal poderá Psychiatry. 2002;1(3):181‑185. PLoS One. 2015;10(7):e0129062.
ser justificado pelo esforço levado a cabo pela Direção‑Geral da Borrell C, Palencia L, Mari Dell’Olmo M, Oyesanya M, Lopez‑Morinigo J,
Morrisson J, Deboosere P, Gotsens M, et Dutta R. Systematic review of
Saúde entre 2002 e 2003 no sentido de melhorar o registo do al. Socioeconomic inequalities in suicide suicide in economic recession.
suicídio, traduzindo‑se num aumento absoluto de óbitos classi- mortality in European urban areas before World J Psychiatry. 2015;5(2):243
and during the economic recession. ‑254. doi:10.5498/wjp.v5.i2.243
ficados nesta categoria. Eur J Public Health. 2020;30(1):92‑8. Hannah Ritchie, Max Roser and Esteban
Braz Saraiva C, Bessa‑Peixoto A, Sampaio D. Ortiz‑Ospina (2015) — «Suicide».
Suicídio e comportamentos autolesivos — Publicado online em OurWorldInData.
Qualidade dos dados dos conceitos à prática clínica. Lidel. 2014 org. Consultado em:’https://
Direção‑Geral da Saúde, Mortalidade em ourworldindata.org/suicide’
Em 2016, entre os 183 países membros da OMS, apenas 80 man- Portugal, Dashboard da mortalidade Santana P, Costa C, Cardoso G, Loureiro
tinham registos considerados adequados para avaliar a taxa de dos residentes em Portugal, A, Ferrao J. Suicide in Portugal: Spatial
acedido a 24 de Maio de 2020 determinants in a context of economic
suicídio. As taxas de morte por suicídio dos restantes países, Frasquilho D, Matos MG, Salonna F, crisis. Health Place. 2015;35:85‑94.
Guerreiro D, Storti CC, Gaspar T, Värnik P. Suicide in the world. Int J Environ
correspondentes a cerca de dois terços do total de mortes por et al. Mental health outcomes in Res Public Health. 2012;9(3):760
suicídio à escala global, são estimadas por métodos indiretos. times of economic recession: a ‑771. doi:10.3390/ijerph9030760
systematic literature review. BMC World Health Organization, Suicide in the
Existe uma subnotificação das mortes por suicídio e a percen- Public Health. 2016;16:115. World — Global Health Estimates, 2019
tagem de casos não reportados (classificados como outra causa Loureiro A, Almendra R, Costa C,
Santana P. [Mortality from Suicide
27
3.
FATO R ES D E R I SCO
E FATO R ES PROTETO R ES
Maria Teresa Vaiadas, Rodrigo Mota Freitas
Pontos-chave
O suicídio é um fenómeno complexo, não podendo ser atribuído esta razão com o aumento da idade. Já as tentativas de suicídio são
a uma causa única. Resulta da interação entre vários fatores de mais frequentes nas mulheres.
risco e protetores de natureza biopsicossocial, que se influen-
ciam mutuamente. Este fenómeno é melhor compreendido Idade
através do Modelo Stresse‑Diátese. Este modelo postula que, O risco de suicídio consumado aumenta com o avançar da idade,
num indivíduo que possua vulnerabilidades que o predispo- particularmente a partir dos 45 anos nos homens e 55 anos nas
nham a comportamentos suicidários, a presença de um evento mulheres. Este risco acentua‑se ainda mais nas pessoas mais
adverso de vida agudo possa espoletar tais comportamentos. velhas, especialmente a partir da 7.a década de vida. Os adoles-
centes e jovens tendem a apresentar mais tentativas de suicídio,
Figura 3. Modelo Stresse‑Diátese. Fatores da esfera suicida: e a morte por suicídio nesta população tem vindo a tornar‑se um
incluem existência de ideação, intenção e plano suicida, problema crescente a nível mundial. (Ver secções «Crianças», «Ado-
acesso a meios letais e tentativas de suicídio prévias. lescentes» e «Pessoas mais velhas» nas páginas 36 a 39)
Estado civil
Indivíduos solteiros, separados, divorciados ou viúvos apresen-
tam maiores taxas de suicídio, especialmente aqueles sem filhos.
Dentro deste grupo, são os homens mais velhos e viúvos que
apresentam taxas de suicídio mais altas.
Situação profissional
O desemprego é um importante fator de risco para o suicídio,
em todas as faixas etárias, e este risco aumenta com a idade.
Não só o desemprego pode desencadear problemas familiares e
Os fatores de risco e protetores para suicídio revestem‑se de sociais, como se encontra associado com depressão e aumento
extrema importância na avaliação e decisão clínica, apesar de do consumo de bebidas alcoólicas, dois importantes fatores de
muitos carecerem de sustentação científica adequada. Este capí- risco para comportamentos suicidários.
tulo tem como objetivo fazer uma sistematização desses fatores, A situação de reforma é, para alguns, um período de risco
deforma completa e orientada para a prática clínica. suicidário aumentado, contribuindo para a perda de rotinas e
de relações sociais, sentimentos de perda de propósito, autono-
Sexo mia e utilidade, conduzindo muitas vezes ao isolamento.
A nível global, os homens morrem por suicídio duas vezes mais do
que as mulheres e quatro vezes mais só na Europa, acentuando‑se
31
centes. (ver secções «Crianças» e «Adolescentes» nas páginas 36 e 37) mente perfeccionistas. Estes são traços a ter em conta na ava- as causas e fatores
das suas experiências
Os comportamentos suicidários tentem a aumentar em perío- liação do risco. aos quais atribui
sucesso ou fracasso.
dos de crise económica. Os indivíduos que contemplam o suicídio podem apresentar O locus de controlo
externo é a crença
diversas distorções cognitivas, podendo verificar‑se um estilo de que os eventos na
História familiar de pensamento do tipo «eu não presto», «o mundo lá fora é vida das pessoas são
causados por forças
A existência de história familiar de suicídio e/ou de tentativas de perigoso e hostil», «o futuro não trará nada de bom, será tudo externas e estão
fora do seu próprio
suicídio é um reconhecido fator de risco para os comportamen- mau para sempre», «sinto‑me inútil», «sou uma preocupação e controle. Esses fatores
externos podem
tos suicidários, com peso substancial na avaliação clínica. um fardo», «a vida não tem sentido», «sou fraco, um fracasso», incluir Deus, outras
pessoas, natureza etc.
«os outros conseguem e eu não consigo», «quase tudo é muito
Doenças mentais mau», «quase nada é minimamente bom», «não há nada a
As doenças mentais são importantes fatores de risco para com- fazer», «não existe outra alternativa, não existe outra saída».
portamentos suicidários, sendo que cerca de 9/10 dos indiví-
duos que morrem por suicídio apresentam doença psiquiátrica. Doenças físicas
A identificação destas patologias e o seu correto encaminha- A presença doença física crónica, terminal e/ou incapacitante é
mento, para que possam ser adequadamente tratadas, são ful- um fator de risco muito importante e independente para com-
crais na prevenção do suicídio. (ver capítulo «Doenças Mentais» na portamentos suicidários. Os indivíduos que apresentam maior
página 67) risco são os doentes oncológicos (particularmente os com neo-
plasias malignas), hemodialisados, os doentes com SIDA, com
Abuso de álcool e outras substâncias doenças neurológicas, e os doentes com perda de mobilidade
O consumo de substâncias, e particularmente consumos abu- e com perturbação das funções sensoriais. A presença de dor
sivos de álcool e quadros de dependência alcoólica, são fato- crónica é de salientar, sendo por si só um importante fator de
res de risco de extrema relevância para o suicídio. (ver secção risco para comportamentos suicidários, especialmente se mal
«Abuso de álcool e outras substâncias» no capítulo «Doenças mentais» controlada ou se associada a dificuldades no sono. Doenças que
na página 73) provocam desfiguração (como neoplasias da cabeça e pescoço
ou da mama) também devem ser tidas em conta.
33
Tabela 1. Doenças físicas que se encontram mais de doença crónica. Os profissionais de saúde responsáveis
fortemente associadas ao aumento do risco suicidário pelo tratamento destes doentes devem estar sempre atentos à
presença de sintomatologia depressiva e a qualquer indício de
• Doença oncológica, em especial as neoplasias malignas comportamentos suicidários.
• Insuficiência renal crónica em hemodialisados
Experiências adversas precoces
• Doenças neurológicas, como a epilepsia (especialmente Os indivíduos que experienciaram circunstâncias perinatais
epilepsia do lobo temporal, ainda mais se refratária), adversas, bem como negligência, maus‑tratos físicos, abuso
a esclerose múltipla, a Doença de Huntington, lesões
sexual, bullying ou perdas parentais durante o período da infân-
cerebrais (ex: AVC, TCE), lesões medulares
cia e adolescência, apresentam mais risco de ideação suicida
• VIH/SIDA e comportamentos suicidários, que se estende à idade adulta.
• Doença cardíaca (ex: enfarte do miocárdio) Ver em «Crianças e Adolescentes» na secção «Populações específicas», no
Capítulo 3.)
• Lúpus Eritematoso Sistémico
• Doença Pulmonar Crónica Obstrutiva (DPOC) Acontecimentos de vida adversos
• Doença prostática A ocorrência de acontecimentos stressores (ex. crises psicosso-
• Doenças que condicionem perda de mobilidade ciais agudas) e de acontecimentos negativos de vida têm sido
considerados fatores envolvidos na ocorrência de compor-
• Doenças que condicionem desfiguração
tamentos suicidários. Nestes incluem‑se perdas laborais, de
• Doenças que condicionem perturbação estatuto social ou económico, perdas afetivas, como o término
das funções sensoriais de um relacionamento ou o falecimento de um familiar (ex.
cônjuge, filho, etc.) ou de outra pessoa significativa.
Os profissionais devem estar atentos a datas significativas
Ao adoecer, os indivíduos perdem gradualmente a sua fun- relacionadas com estes acontecimentos, pois são frequente-
cionalidade e autonomia, e podem sentir‑se «inúteis» e «um mente escolhidas para as tentativas de suicídio.
fardo» para a família e cuidadores, não vendo «uma saída» para
a situação de fragilidade em que se encontram. Este problema Suporte social e isolamento
reveste‑se de particular importância nas pessoas mais velhas. Os indivíduos mais integrados, com mais relações afetivas e
Doentes crónicos estão frequentemente em contacto com os laços familiares e sociais e, assim, com melhor rede de suporte,
Serviços de Saúde, sendo que cerca de 30% dos indivíduos encontram‑se mais protegidos de comportamentos suicidários.
que morrem por suicídio recorrem aos Serviços de Saúde por O isolamento social e familiar é considerado um fator de risco
doença física nos 6 meses anteriores à morte, 70% sofrendo para comportamentos suicidários. Este problema reveste‑se de
35
especial importância quando falamos em populações social- História pessoal de comportamentos suicidários
mente excluídas, como, por exemplo, as minorias étnicas, as A existência de comportamentos suicidários prévios é um impor-
pessoas em situação de sem‑abrigo, e as pessoas mais velhas, tante preditor de suicídio. Especificamente, a história de pelo
entre outros. Algumas destas populações serão abordadas em menos uma tentativa prévia de suicídio é sempre o fator de risco
maior detalhe posteriormente. mais importante para a morte por suicídio. Este risco parece ser
maior nos 6 meses subsequentes à tentativa de suicídio.
Ruralidade
O ambiente rural encontra‑se geralmente associado a elevadas Desesperança
prevalências de suicídio. Em Portugal, este facto constituiu um Falamos de desesperança quando estamos perante um indiví-
problema particular, verificando‑se taxas de suicídio mais eleva- duo que sente que «nada há a fazer», que «não há alternativa»,
das em zonas rurais do que em zonas urbanas, sendo as taxas e que «não existe luz ao fundo do túnel».
de suicídio em regiões como o Alentejo pelo menos duas vezes A presença de desesperança deve alertar o profissional de
superiores às taxas de suicídio noutras regiões. saúde para a probabilidade de ocorrência de um comporta-
mento suicidário, sendo considerada um preditor mais forte de
Religiosidade e espiritualidade suicídio do que qualquer outro tipo de manifestação depressiva.
A religiosidade é considerada um fator protetor de comportamen-
tos suicidários. Não só grande parte das religiões condenam o Plano estruturado
suicídio, o que poderá dissuadir os crentes de considerarem essa A existência de um plano de suicídio estruturado (ex. local,
opção, mas também o sentimento de pertença associado à inte- data, método) é um importantíssimo preditor da ocorrência de
gração numa comunidade religiosa parecem proteger o indivíduo, uma morte por suicídio, e está associado a uma ideação sui-
reforçando a sua rede de suporte. Ainda assim, há religiões (ex: cida revestida de maior intencionalidade e a uma expectativa
crenças orientais) que veem o suicídio como forma de renasci- de letalidade do método. Deve sempre alertar o profissional
mento e catarse, e nas quais o suicídio como sacrifício religioso é de saúde para o risco iminente, podendo ser considerado uma
uma prática existente. Verificam‑se, assim, maiores taxas de sui- emergência psiquiátrica.
cídio entre indivíduos ateus e protestantes, do que em religiões
que condenam o suicídio, como a católica, judaica e muçulmana. Acesso a meios letais
O acesso a meios é um importante fator de risco para o sui-
Estação do ano cídio, sendo a restrição do acesso a meios letais uma medida
Nos países da Europa do Sul, incluindo Portugal, o suicídio é eficaz de prevenção de suicídio, protegendo os indivíduos.
mais frequente na primavera e verão, nomeadamente entre O indivíduo que contempla o suicídio encontra‑se a maioria das
maio e julho. Já nos países escandinavos, o suicídio é mais fre- vezes ambivalente, e a disponibilidade e o fácil e rápido acesso
quente no inverno. A causa deste fenómeno não é clara. a métodos podem ser um fator determinante na ocorrência de
37
suicídio. A dificuldade e morosidade no acesso aos meios de gias, quer físicas, quer mentais, e diminuiu a probabilidade de
suicídio podem fazer com que o processo suicida se atenue e, um indivíduo em risco de suicídio recorrer aos serviços adequa-
ultimamente, o indivíduo poderá contemplar outras alternati- dos, de ser identificado pelos profissionais de saúde e de rece-
vas e desistir do seu plano. As forças de segurança, portado- ber a intervenção necessária.
res de armas de fogo e os profissionais de saúde são grupos
profissionais com acesso a meios especialmente letais. Os Tabela 2. Fatores de risco mais importantes
meios rurais, devido às atividades agrícolas, facilitam também
o acesso a pesticidas e herbicidas, alguns dos quais de alta • Existência de ideação, intenção e plano de suicídio
letalidade.
• Acesso a meios letais
Tabela 3. Fatores Protetores mais importantes despolete na criança sentimentos de culpa ou vergonha. Neste
grupo etário, existe também um curto espaço de tempo entre
• Ausência de doença mental um evento stressor e o comportamento suicidário.
Como fatores de risco mais importantes podemos assi-
• Emprego
nalar: as perturbações do humor (p. ex: depressão) ou qua-
• Filhos em casa dros mistos de sintomas emocionais e alterações da conduta,
• Sentido responsabilidade pela família a imaturidade cognitiva e impulsividade, a existência de com-
portamentos suicidários prévios como ideação suicida e ten-
• Crenças religiosas, culturais ou morais
tativas de suicídio (preditores também de comportamentos
que desencorajam o suicídio
suicidários na idade adulta), história familiar de suicídio, psi-
• Satisfação com a vida copatologia nos pais ou cuidadores (p. ex: perturbações do
• Estratégias de coping humor, da personalidade, abuso de substâncias e comporta-
• Capacidade de resolução de problemas
mentos violentos), suicídio de um familiar próximo (imitação),
um ambiente familiar disfuncional com pobreza, baixa coesão
• Bom suporte social familiar, separação parental, negligência e abuso sexual e/
• Boa relação terapêutica ou físico, e experiências negativas na escola como dificulda-
• Acesso aos cuidados de saúde des académicas, conflitos com os pares e bullying. No entanto,
o suicídio nas crianças ocorre em indivíduos com menos fato-
res de risco e menos patologia psiquiátrica diagnosticável
Fa i xa s etá ri a s e p o p u l a ções es p ecífi ca s quando comparados com os adultos.
Crianças Adolescentes
O suicídio na criança é um fenómeno raro, mas existe. Apesar A adolescência é o período transicional de crescimento e desen-
de a morte não ser um conceito plenamente compreendido volvimento que ocorre entre a infância e a idade adulta. É um
nestas idades, as crianças podem utilizar o suicídio como tenta- período crítico, de aprendizagem, crescimento e descobrimento,
tiva de fuga perante circunstâncias adversas, desvio da atenção mas também de grande vulnerabilidade psicológica. A depres-
familiar para certos problemas, tentativa de recuperar o con- são é uma das maiores causas de doença e incapacidade entre
trolo, identificação com uma figura parental deprimida ou que os adolescentes, tendo consequências importantes na saúde e
faleceu, ou autopunição, por exemplo. qualidade de vida também na idade adulta, e o suicídio é um
De entre os fatores precipitantes mais comuns para os com- problema crescente nesta população, sendo a terceira principal
portamentos suicidários nas crianças encontram‑se os proble- causa de morte em adolescentes com idades compreendidas
mas disciplinares e os conflitos familiares, ou outra situação que entre os 15 e os 19 anos.
41
As taxas de suicídio e de tentativas de suicídio nos adolescen- meiro reparam que algo está errado, e é essencial envolver a
tes aumentam com a idade. Os rapazes morrem mais por suicí- família e cuidadores no tratamento.
dio, e as raparigas apresentam mais ideação suicida e tentativas No entanto, uma parte dos jovens que morre por suicídio não
de suicídio. Como principais fatores de risco para os comporta- apresenta doença mental. O fenómeno de contágio é de espe-
mentos suicidários nos adolescentes, encontramos: as perturba- cial importância na adolescência, ocorrendo principalmente nas
ções do humor (ex: depressão e doença bipolar), as perturbações escolas, sendo que ter um amigo ou colega que tenha tentado
de ansiedade (especialmente comórbidas com a depressão), as suicidar‑se aumenta o risco de suicídio tanto nos rapazes como
perturbações do comportamento (especialmente nos rapazes), nas raparigas.
perturbações do comportamento alimentar, as perturbações
de personalidade estado‑limite e antissocial, abuso de álcool ou Pessoas mais velhas
outras substâncias; doenças médicas como a epilepsia, a diabe- A população de pessoas mais velhas é de maiores dimensões e
tes mellitus tipo 1 e doenças associadas a perda de funcionali- encontra‑se em crescimento, ao contrário do que acontece com
dade. História prévia de tentativas de suicídio, ideação suicida a população jovem, particularmente em países desenvolvidos.
e comportamentos autolesivos (fortes preditores), traços como Apesar de o suicídio em adolescentes e jovens ser um problema
impulsividade, agressividade, locus de controlo externo, perfec- crescente a nível não só nacional, mas mundial, são os indiví-
cionismo, problemas de autoestima, de autoconfiança e confusão duos pertencentes à faixa etária das pessoas mais velhas que
identitária, estrutura familiar disfuncional, rígida e conflituosa, apresentam as mais elevadas taxas de suicídio. O risco suicidá-
doença psiquiátrica nos pais ou cuidadores (p. ex: depres- rio é particularmente elevado a partir dos 75 anos, e em homens
são e abuso de substâncias), separação parental, negligência e viúvos reformados. As pessoas mais velhas tendem também a
abuso sexual e/ou físico (risco acrescido se abuso sexual intra- escolher métodos de maior letalidade.
familiar continuado), e experiências negativas na escola como Existem diversos fatores associados ao risco suicidário tão
dificuldades académicas, isolamento, dificuldades relacionais elevado nesta faixa etária. É uma altura de muitos eventos adver-
com os pares, com conflitos e bullying, e a ocorrência de even- sos de vida, como a reforma, perda de posição social, perda da
tos adversos de vida (p. ex: perdas e mortes, ruturas afetivas, rede social e relações afetivas, viuvez e perda progressiva de
envolvimento com as autoridades, desemprego na família, etc.). familiares e amigos, doença física, incapacidade, perda de auto-
Nesta faixa etária, as doenças psicóticas contribuem pouco nomia, institucionalização em lar, e o afastamento progressivo
para as taxas de suicídio. É importante realçar que a depres- da família. As pessoas mais velhas são, assim, um grupo vulne-
são no adolescente pode apresentar‑se de maneira diferente rável, em condições de isolamento e exclusão social. Este pro-
do adulto, sendo menos óbvio o humor deprimido, o que pode blema torna‑se ainda mais evidente em meios rurais, onde a má
atrasar o diagnóstico. São mais evidentes a irritabilidade, insta- acessibilidade dificulta, em acréscimo, o acesso aos cuidados
bilidade, alterações do comportamento, isolamento da família de saúde e, para muitos que vivem geograficamente isolados,
e afastamento dos pares. Os amigos e colegas são os que pri- o contacto com as instituições e com a comunidade.
43
A depressão é o diagnóstico psiquiátrico mais frequente nas desemprego e ausência de rendimento, a exposição constante
pessoas mais velhas, e encontra‑se associado ao risco aumentado à adversidade, a escassa rede de suporte, a associação a doença
de comportamentos suicidários nesta população, apresentando mental, comorbidade física e a abuso e dependência de álcool e
geralmente maior gravidade que em indivíduos mais jovens. Os outras substâncias são fatores que se encontram associados ao
sentimentos de desesperança, de inutilidade, e de ser «um fardo», risco suicidário nesta população.
são caraterísticos. As síndromes demenciais e a doença cerebro-
vascular também se encontram associados a risco aumentado de População prisional
comportamentos suicidários nos mais velhos. Os indivíduos que vivem em encarceramento encontram‑se
expostos a um ambiente altamente controlado e restritivo, em
População LGBTI situação de convívio constante forçado (ou de isolamento
(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, extremo), privados da sua liberdade e com as suas relações con-
Transexuais, Transgénero e Intersexuais) dicionadas, constantemente expostos a diversos microstresso-
A população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transe- res. A exposição a estas condições pode ser devastadora, com
xuais, Transgénero e Intersexuais) apresenta risco aumentado consequências diversas para o indivíduo.
de comportamentos suicidários quando em comparação com Apesar de uma relativa restrição de acesso a meios, este
a população geral. Os indivíduos desta população encontram ambiente é por si só gerador de auto e heteroagressividade. Os
‑se em situação de discriminação, opressão, vitimização e exclu- reclusos apresentam, assim, especial vulnerabilidade a compor-
são social, sendo alvo de violência verbal, física, e de grande tamentos suicidários.
estigma, principalmente a população transexual e transgénero, Esta população é maioritariamente constituída por indiví-
que se encontra numa situação social especialmente desprote- duos com baixo nível socioeconómico e educacional, social-
2. Coming out: gida. O período do coming out2 especialmente se em idade pre- mente excluídos, desempregados, com história frequente de
o ato de assumir
perante os outros a coce, pode apresentar maior risco. A não aceitação da família, maus tratos, abuso e negligência na infância.
identidade sexual
a perda de relações, a ocorrência de situações de sexo forçado, Muitos reclusos apresentam também história de abuso e
e a associação com depressão e consumo de álcool e outras dependência de álcool e outras substâncias, comportamentos
substâncias são fatores que contribuem para o aumento do suicidários quando em liberdade, alta prevalência de comorbili-
risco suicidário nesta população. dade psiquiátrica, traços impulsivos, agressivos, e fracos meca-
nismos de coping. O processo de luto de um suicídio de um
Pessoas em situação de sem‑abrigo indivíduo preso pode ser extremamente complexo, afetando
Os sem‑abrigo constituem um grupo marginalizado e particu- não só as pessoas que lhe são próximas, mas todo o sistema
larmente desprotegido que sobrevive em situação de exclusão prisional.
social. Esta população apresenta risco importante de comporta-
mentos suicidários. A precariedade das condições de vida, com
45
4.
Referências
Argento E, Strathdee SA, Shoveller JA, Lutz J, Fiske A. Functional disability and
Braschel M, Shannon K. Correlates suicidal behavior in middle‑aged and
AVALIAÇÃO DO
of Suicidality Among A Community older adults: A systematic critical review.
‑Based Cohort of Women Sex J Affect Disord 227. 2018. p. 260‑271.
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2019 Aug 20;886260519870167. of Suicidal Behavior in Prisons.
Braz Saraiva C, Bessa‑Peixoto A, Sampaio D. Crisis 37, 5. 2016. p.323‑334.
de o indivíduo tentar o suicídio, mas sim delinear a melhor • Apresentam lesões autoinfligidas (comportamentos autole-
estratégia para prevenir que a tentativa aconteça. sivos)
Esta avaliação é realizada com base no julgamento do pro- • Têm doenças físicas que ameaçam a vida particularmente
fissional de saúde e sustenta‑se no conhecimento dos fatores nos casos em há desfiguração, incapacidade ou queixas álgi-
de risco gerais de suicídio, através do seu reconhecimento e cas associadas, juntamente com sintomas psiquiátricos.
enquadramento na pessoa e na sua circunstância. • Têm doença psiquiátrica (casos em que a avaliação do risco
No entanto, é uma decisão altamente subjetiva, intuitiva e de suicídio deve ser realizada periodicamente)
dependente da experiência do avaliador. Uma boa articulação
com os serviços especializados, nomeadamente através de con- Tabela 4. Sinais de alarme para suicídio
sultoria e oportunidades de formação, pode ajudar os profissio-
nais a tomar decisões mais informadas. • Discurso «suicida» com mensagens
A maioria das pessoas não refere espontaneamente os seus implícitas ou explícitas;
pensamentos ou planos de suicídio, podendo manifestar sinais
• Mudanças súbitas de comportamento (impulsividade,
e sintomas inespecíficos como astenia, perda de peso, insónia, comportamentos de risco, isolamento social);
cefaleias persistentes ou problemas gástricos sem causa orgâ-
nica aparente. • Alterações do sono ou do apetite;
Durante uma crise, o indivíduo tem a perceção distorcida de • Acontecimentos de vida recentes experienciados
que o suicídio é a única solução para acabar com o seu sofri- como humilhantes (ex. desemprego recente,
mento, pelo que não é um contrassenso que peça ajuda, mesmo perda económica ou de estatuto social);
que subtilmente. É, aliás, frequente existir uma consulta médica • Dificuldades de concentração;
nas semanas que antecedem uma morte por suicídio. A con-
• Perda de interesse pelas atividades habituais
sulta pode permitir um pedido de ajuda e deve ser vista como (trabalho, escola, atividades sociais, desporto, etc.);
uma oportunidade para intervir.
• Sentimentos persistentes de culpa;
Os profissionais de saúde devem estar preparados para a
necessidade de avaliar o risco de suicídio de um utente a qual- • Autocriticismo e desesperança;
quer altura. • Abuso de álcool e outras substâncias;
• Doação de bens pessoais significativos.
vés do diálogo possa ajudá‑la a refletir e a perspetivar o que o comportamento suicidário. Pelo contrário, estas perguntas
está a acontecer. tendem a aliviar a tensão emocional e a levar a pessoa a falar
abertamente sobre os seus pensamentos de suicídio.
Nestas situações é importante que: Pergunte, por exemplo, «Tem tido pensamentos sobre a morte
• Ouça; ou sobre fazer mal a si próprio?». No caso de uma resposta afir-
• Fale abertamente sobre suicídio, sempre que implícito ou mativa, continue a explorar toda a informação que possa ajudar
suspeitado; a avaliar o risco de o doente passar ao ato.
• Mostre interesse e vontade de ajudar;
• Não julgue; A intenção e o plano suicidas
• Seja empático, não simpático;
• Identifique e valorize os fatores protetores; Tabela 5. Exemplos de perguntas a utilizar na exploração da intenção
• Não tome decisões pela pessoa; e plano suicidas. Em doentes com sintomas psicóticos, considere
• Expresse a sua preocupação sobre a segurança da pessoa; a possibilidade de existirem alucinações auditivo‑verbais imperativas
A ideação suicida
A ideação suicida refere‑se aos pensamentos, fantasias, rumina- A intenção suicida traduz o comprometimento e a expectativa
ções e preocupação sobre morte, provocar lesões em si próprio do indivíduo em morrer de suicídio. Doentes com um maior nível
e morrer de suicídio. Quanto maior a magnitude e a persistên- de intenção suicida, que especificam e descrevem mais detalha-
cia de pensamentos suicidas, maior é o risco de suicídio. damente os seus planos (particularmente através de métodos
Explorar a ideação suicida do indivíduo vai fornecer‑lhe infor- mais violentos e irreversíveis), carecem de especial atenção.
mações de grande importância para a estratificação do risco. No Investigue se a pessoa escolheu um método para o suicídio
decorrer da avaliação, quando for oportuno, não tenha receio e a disponibilidade deste. Mesmo que o método escolhido seja
de perguntar diretamente sobre pensamentos de morte. Per- objetivamente pouco letal, as convicções do doente quanto à
guntar sobre suicídio não leva a ideação suicida, nem precipita sua perigosidade podem significar um risco acrescido.
53
Adicionalmente, procure saber se a pessoa encetou atos pre- Dando continuidade à entrevista clínica, recolha outras infor-
paratórios, como cartas de despedida para entes queridos, tes- mações pertinentes relacionadas com aspetos clínicos e psicos-
tamentos, dádivas em vida ou resolução de assuntos pendentes. sociais do doente.
Tabela 6. Características do ato que se associam a maior intenção suicida 1. Questione sobre fatores de stresse, nomeadamente rela-
cionados com o estado de saúde, finanças, casamento, famí-
• Ato planeado; lia, relações interpessoais, trabalho e aspetos legais. Vivências
de perda devem merecer especial atenção.
• Em local isolado e/ou sem possibilidade
2. Avalie sintomas e sinais de doença psiquiátrica como inquie-
de descoberta rápida;
tação ou agitação, lentificação psicomotora, humor deprimido,
• Com tomada de precauções para evitar a descoberta; ansiedade e ataques de pânico, sentimentos de culpa, humi-
• Recurso a um método mais violento e irreversível; lhação ou fracasso, anedonia e isolamento social, alterações do
apetite e do padrão de sono. Tenha especial atenção a doen-
• Expectativa de letalidade do método usado;
tes com sintomas psicóticos (sobretudo alucinações auditivo
• Mensagem de despedida; ‑verbais imperativas) ou que expressam grande desesperança,
• Sem procura de ajuda após o comportamento. desespero e pessimismo em relação ao futuro.
3. Avalie o padrão de consumo de álcool e outras substân‑
cias. Estados de intoxicação alcoólica e o efeito de substân-
História de comportamentos suicidários cias psicotrópicas podem aumentar a impulsividade e o risco
A história pessoal de comportamentos suicidários é o mais impor- de passagem ao ato suicida.
tante preditor de morte por suicídio. Apure a existência tentativas 4. Apure os antecedentes psiquiátricos. Há história pessoal
de suicídio e comportamentos autolesivos prévios. Caracterize o de perturbações do humor (depressão, perturbação bipo-
timing, a intenção, o método e as consequências desses compor- lar), alcoolismo e/ou abuso de substâncias, fases iniciais de
tamentos, o contexto em que ocorreram, se houve consumo de demência e estados confusionais em pessoas mais velhas?
álcool e outras substâncias associado. É também essencial explo- Verifique a existência de acompanhamento regular especia-
rar história familiar de suicídio ou comportamentos suicidários. lizado e avalie a adesão ao tratamento (farmacológico e/ou
psicoterapêutico).
Se verificar que o indivíduo fez uma tentativa de suicídio recente 5. Avalie outros problemas médico‑cirúrgicos. Houve agra-
e requer tratamento médico‑cirúrgico imediato, encaminhe‑o vamento de doenças crónicas, tratamentos médico‑ cirúrgi-
prontamente para o serviço de urgência. A avaliação do risco cos recentes, diminuição da autonomia do doente para as
deverá ser realizada posteriormente por Psiquiatria, antes da atividades habituais?
alta clínica.
55
Coimbra e tem em conta as contingências e características da Risco iminente de suicídio: encaminhar a pessoa
população nacional. Encontra‑se disponível para utilização em em risco para o Serviço de Urgência
contexto clínico, de formação e investigação ou outras. Os auto- No momento da tomada de decisão sobre o encaminhamento,
res sublinham a necessidade de uma avaliação clínica especiali- deve ter‑se em especial atenção aos indivíduos com uma grande
zada na orientação da pessoa em risco. probabilidade de passar ao ato suicida. Estas situações de risco
iminente de suicídio podem ser consideradas emergências
Encaminhar o doente psiquiátricas e requerem uma observação por Psiquiatria no
A avaliação do risco de suicídio culmina com a tomada de Serviço de Urgência, com vista à avaliação da necessidade de
decisão sobre o encaminhamento e o tratamento do doente, internamento para proteção e estabilização psicopatológica da
garantindo a sua segurança e a resposta às necessidades iden- pessoa em risco. Não deixe o doente sozinho durante a avalia-
tificadas. Demonstre a sua preocupação e apresente as opções ção e garanta o seu acompanhamento ao Serviço de Urgência.
que considera mais adequada. Esta pode consistir no encami-
nhamento imediato para o serviço de urgência, por um pedido Tabela 7. Características e circunstâncias do indivíduo
de consulta de Psiquiatria ou pela marcação de consultas mais que aumentam a probabilidade de passagem ao ato
frequentes para reavaliação, de acordo com o risco observado.
• Acesso a meios letais de suicídio (p. ex. armas de fogo);
• Existência de um plano estruturado
(«Se acontecer… faço…»);
• Sintomatologia psicótica (em particular
alucinações imperativas);
• Uso abusivo de álcool e substâncias
psicoativas a impulsividade;
• Exposição a suicídio ou tentativas de suicídio;
• Resistência à dor;
• Perda do medo da morte;
• Descrição de imagens mentais intensas
sobre morrer ou estar morto;
Figura 6. Orientações sobre o encaminhamento do indivíduo em risco
• Tentativas de suicídio prévias.
de suicídio. Estas recomendações devem ser seguidas com precaução
pelo clínico, tendo em conta o risco presumido e os recursos disponíveis.
59
Estes indivíduos manifestam intenção suicida com plano estru- • Aumente a frequência das consultas nos dias/semanas
turado, com doença psiquiátrica de novo ou agravada (episódio seguintes para reavaliação do risco. Tenha em atenção as
depressivo, episódio maníaco, psicose, recaída no consumo de limitações da sua agenda quando se disponibiliza para aju-
álcool e outras substâncias), dificuldade no controlo dos impul- dar. Visitas domiciliárias e chamadas telefónicas de segui-
sos (incluindo aqueles sob o efeito de álcool e/ou substâncias psi- mento podem ajudar a manter um acompanhamento mais
cotrópicas), para além de terem acesso a meios letais. Os fatores próximo.
protetores são pouco preponderantes nestas situações.
• Garanta a restrição do acesso a meios letais. Reveja a
Risco moderado de suicídio: medicação do doente, identifique os fármacos que têm um
referenciar para consulta de Psiquiatria maior risco de sobredosagem. Algumas pessoas têm acesso
Nos casos de pessoas com ideação suicida em que se apu- a meios potencialmente letais devido à sua ocupação, como
ram alguns fatores protetores e não se verifica um risco de forças de segurança e caçadores desportivos (armas de fogo),
passagem imediata ao ato pode não ser necessário o enca- pesticidas (agricultores), medicação de uso hospitalar (médi-
minhamento para a Urgência de Psiquiatria. Pode optar por cos, enfermeiros, médicos veterinários).
referenciar para uma consulta (potencialmente urgente) no
Serviço Local de Saúde Mental para avaliação e tratamento da • Envolva a família e a restante rede de suporte informal
doença psiquiátrica. Casos relacionados com o abuso de álcool do doente. Para além de poderem fornecer informação cola-
e/ou de substâncias podem beneficiar de avaliação e acom- teral, as pessoas em que o indivíduo em risco confia podem
panhamento especializado por uma Equipa de Tratamento do ajudá‑lo nesta fase. Podem ser aliadas na garantia de um
Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas acompanhamento próximo, identificando situações de risco,
Dependências (SICAD). apoiando a gestão da medicação e na restrição do acesso aos
Não subvalorize o risco. Se não houver indicação de encami- meios letais.
nhamento para uma urgência psiquiátrica, tome medidas para
garantir a segurança da pessoa até à próxima consulta de rea- • Elabore um plano de segurança em conjunto com o indiví-
valiação. Confie na sua avaliação, mas não ofereça o que não duo. (ver capítulo «Plano de Segurança» na página 59)
estiver ao seu alcance.
• Considere a possibilidade de encaminhamento para o
• Considere desde logo iniciar terapêutica farmacológica Serviço de Urgência em qualquer altura, porque o risco de
para controlo de sintomas como ansiedade e insónia e trata- suicídio é dinâmico. Nunca exclua esta opção ao longo da
mento da depressão. (ver capítulos «Suicídio e Doenças Mentais» avaliação inicial ou em qualquer reavaliação.
na pag. 67 e «Abordagens Terapêuticas» na pag. 75)
61
De forma a aumentar o uso do Plano de Segurança, este deve ser: Figura 5. Índice de Risco de Suicídio
• Acessível
• Personalizado
• Partilhado com outras pessoas que sejam significativas
• Atualizado regularmente
• Aproveitado o uso das novas tecnologias.
• Sentar lado‑a‑lado
• Usar um formulário em papel
• Ser o próprio indivíduo a preencher o
formulário, com as suas palavras
• Dar instruções breves e claras
4. Identificar amigos e/ou familiares a quem possam pedir ajuda; • Encorajar o indivíduo a construir uma memória de coping.
5. Identificar profissionais e outros contactos institucionais para
PERGUNTAR
pedir ajuda;
• 0 que pode fazer por si próprio para se impedir de agir sobre
6. Tornar o ambiente seguro.
pensamentos ou impulsos suicidas?
• Qual a possibilidade de conseguir fazer isso durante uma situa-
ção de crise?
INSTRUÇÕES DE PREENCHIMENTO
DO PLANO DE SEGURANÇA
3. IDENTIFICAR CONTACTOS QUE POSSAM AJUDAR A
1. RECONHECER SINAIS DE ALARME DESVIAR A ATENÇÃO EM MOMENTOS DE CRISE
Instrua o indivíduo a usar o passo 3 se o passo 2 não resolveu a crise ou
OBJETIVO
não diminuiu o risco.
• Identificar os sinais de alarme para ideação suicida/compor-
tamento suicidário (e auxiliar). OBJETIVO
• Interagir com pessoas e ambientes sociais que distraiam a
COMO
pessoa de pensamentos mais negativos
• Pedir ao indivíduo para listar exemplos pessoais, nas suas pró-
prias palavras, de pensamentos, emoções, comportamentos COMO
e sensações físicas de quando está em crise. • Listar pessoas ou locais seguros que oferecem distrações
• Importante incluir números de telefone e múltiplas opções
PERGUNTAR
• Evitar incluir relações conflituosas
• Como vai saber que é altura de utilizar o Plano de Segurança?
• Incluir exemplos de lugares: parques, cafés, sítios favori-
• Quais são os seus «alertas vermelhos»’?
tos, etc.
PERGUNTAR
2. IDENTIFICAR ESTRATÉGIAS INTERNAS DE COPING
• Quem é que o ajuda a sentir‑se melhor?
OBJETIVO • Quais são as situações sociais que o ajudam a desviar a aten-
• Tirar a mente do indivíduo dos problemas para evitar a esca- ção dos seus problemas?
lada de pensamentos suicidas.
COMO
• Listar atividades que o indivíduo pode fazer sem ter de con-
tactar outras pessoas, p. ex.: tomar um banho quente, ouvir
música relaxante, interagir com o animal de estimação;
67
das aos comportamentos suicidários, e serão discutidas as par- Mais de metade dos indivíduos que morrem por suicídio
ticularidades da sua associação com os mesmos. encontram‑se deprimidos. Como destacado acima, os pensa-
A depressão, a doença bipolar, a esquizofrenia e as pertur- mentos passivos de morte e a ideação suicida ou autolesiva cons-
bações de personalidade são as doenças mentais que mais fre- tituem possíveis sintomas de uma perturbação depressiva. Em
quentemente se associam a comportamentos suicidários, sendo indivíduos com depressão, a presença de desesperança, pessi-
que as perturbações de ansiedade parecem ser doenças cada mismo e impulsividade, e as fases mais precoces de evolução da
vez mais relevantes para a sua ocorrência. O abuso de substân- doença aumentam particularmente o risco de comportamentos
cias, apesar de ser descrito posteriormente, é um dos fatores suicidários.
com maior contributo para o aumento do risco de suicídio.
Doença bipolar
Depressão A doença bipolar é uma doença mental que se caracteriza pela
A depressão é uma das doenças mentais mais prevalentes no oscilação entre depressão e mania (ou hipomania — sintomas
mundo, sendo uma das principais causas de incapacidade. Repre- maníacos menos intensos). As pessoas com doença bipolar
senta mais que um sentimento de tristeza, sendo uma síndrome podem também apresentar estados mistos, quadro em que
constituída pelos seguintes sintomas: estão presentes simultaneamente sintomas depressivos e
• Humor deprimido; maníacos. Os sintomas de um quadro depressivo encontram‑se
• Anedonia — perda de prazer e/ou interesse nas atividades descritos na secção «Depressão». Já os quadros (hipo)maníacos
habituais; caraterizam‑se por:
• Lentificação psicomotora: • Humor elacionado — sensação intensa de bem‑estar, alegria
• Fadiga, falta de energia e/ou lentificação motora; excessiva, euforia e/ou irritabilidade marcada;
• Lentificação do pensamento, problemas de memória, difi- • Aumento da energia;
culdades de atenção e/ou de concentração. • Aumento da atividade e dos projetos;
• Agitação psicomotora (mais raramente); • Aceleração do pensamento;
• Diminuição da auto‑estima e auto‑confiança; • Discurso acelerado e difícil de interromper;
• Ideias de culpa e auto‑depreciativas; • Diminuição da necessidade de sono;
• Pessimismo, nomeadamente em relação ao futuro; • Agitação psicomotora;
• Insónia (ou hipersónia); • Aumento da libido;
• Diminuição (ou aumento) do apetite, podendo conduzir a • Gastos de dinheiro excessivos;
alterações significativas do peso; • Desinibição comportamental/social/sexual;
• Diminuição da líbido; • Comportamentos de risco.
• Pensamentos de morte e ideação suicida ou autolesiva;
• Sintomas psicóticos, como alucinações ou delírios.
73
Os doentes que se encontram em maior risco de suicídio são Na esquizofrenia, o risco de suicídio é especialmente elevado
aqueles com início de doença em idade precoce, os que se nas fases iniciais da doença, nos períodos após internamento
encontram nas fases iniciais da doença, aqueles que apresen- psiquiátrico, num indivíduo com sintomatologia positiva e/ou
tam doença que segue um curso de agravamento progressivo, menos sintomatologia negativa, quando existe crítica para a
e aqueles que se encontram em fases depressivas e em estados doença, na presença de desesperança, quando existe conco-
mistos. mitantemente sintomatologia depressiva e quando existe uma
fraca adesão à terapêutica.
Esquizofrenia
A esquizofrenia é uma síndrome que se carateriza pela presença Perturbações de personalidade
de sintomas positivos, sintomas negativos, alterações dos afe- O diagnóstico de perturbação da personalidade é feito quando
tos (afetos desadequados às circunstâncias; embotamento afe- um indivíduo apresenta um conjunto de traços desadaptativos
tivo), desorganização (do pensamento e/ou do comportamento) da personalidade que condicionam perturbação significativa na
e disfunção cognitiva. sua vida ou de terceiros, provocando sofrimento e dificuldades
no relacionamento com o outro.
• Sintomas positivos: Várias perturbações da personalidade estão associadas ao
• Delírios — crenças não compatíveis com a realidade, não aumento do risco de comportamentos suicidários, especial-
abaláveis pela evidência ou argumentação lógica; mente quando em comorbilidade com outro tipo de psicopato-
• Alucinações, geralmente auditivas, sob a forma de vozes, logia.
que podem apenas falar, conversar entre elas, comentar A perturbação da personalidade estado‑limite, ou borderline,
o comportamento do doente ou dar ordens ao mesmo. é a mais fortemente associada e as suas características incluem:
• Impulsividade;
• Sintomas negativos: • Explosividade;
• Isolamento social; • Dificuldades no auto‑controlo;
• Anedonia; • Pouca capacidade de planeamento;
• Perda de iniciativa; • Instabilidade emocional;
• Apatia; • Sentimento crónico de vazio;
• Desleixo no autocuidado; • Idealização do outro, seguida de desidealização;
• Pensamento pobre, com poucas ideias espontâneas; • Relações intensas e instáveis;
• Discurso em pouca quantidade ou vazio de conteúdo; • Esforços excessivos para evitar abandono;
• Embotamento afetivo — diminuição da intensidade da • Problemas de identidade e auto‑imagem;
expressão dos afetos e emoções. • Dificuldade em estabelecer objetivos ;
• Frequentes pensamentos de morte e ideação suicida;
75
• Ameaça/ocorrência de tentativas de suicídio e outros com- • Dificuldade em permanecer em ambientes de onde a fuga
portamentos autolesivos. seja difícil;
• Pânico — sintomas vegetativos acompanhados de sensação
A seguir à perturbação da personalidade borderline, é a per- de morte iminente, perda de controlo, medo de «enlouque-
turbação de personalidade antissocial que apresenta maior cer».
risco de comportamentos suicidários. Destacam‑se também as
perturbações de personalidade esquizotípica, evitante e depen- De facto, 75% das pessoas com comportamentos suicidários
dente, não devendo ser esquecidas as perturbações de perso- que têm diagnóstico de outra doença mental sofrem também
nalidade histriónica, narcísica eanancástica. de perturbações de ansiedade, sendo as últimas um fator de
risco independente. As perturbações de ansiedade são, assim,
Perturbações de ansiedade fatores de risco particularmente importantes para comporta-
A ansiedade é uma resposta emocional complexa que, em cir- mentos suicidários, consideradas por alguns fatores de risco
cunstâncias normais, nos prepara para responder ao perigo. No tão importantes como a depressão.
entanto, quando ocorre de forma demasiado intensa, frequente
e sem um fator desencadeante adequado, pode ter um impacto Abuso de álcool e outras substâncias
significativo no funcionamento do indivíduo e na sua qualidade O consumo de substâncias, em particular, consumos abusivos
de vida, constituindo assim uma doença psiquiátrica. de álcool e quadros de dependência alcoólica, são fatores de
As perturbações de ansiedade são um grupo relativamente risco de extrema relevância para o suicídio. Isto torna‑se espe-
heterogéneo de doenças, com diversos sintomas em comum, cialmente evidente se considerarmos a elevada associação não
que incluem: só à depressão, mas às mais diversas doenças psiquiátricas.
• Preocupação excessiva e/ou antecipatória; O consumo de múltiplas substâncias acresce ao risco de
• Hipervigilância; comportamento suicidário. Para além disso, o uso de álcool e de
• Nervosismo, irritabilidade, temor, medo; outras substâncias associa‑se a desinibição, diminuição do juízo
• Irrequietude ou agitação psicomotora; crítico, impulsividade e outros traços desadaptativos de perso-
• Sintomas vegetativos: palpitações, desconforto torácico, nalidade, a comorbilidades físicas, e a deterioração da rede de
sensação de dispneia, aperto na garganta, hiperventilação, suporte, com geração de condições sociais e ambientes familia-
desconforto gastrointestinal e/ou diarreia, hipersudorese, res adversos.
tremor, sensação de cabeça vazia/oca, tonturas; Não é necessária a existência de uma perturbação do uso
• Dificuldades de atenção e concentração; de substâncias para que o risco suicidário esteja aumentado,
• Anorexia/hiperfagia; podendo o abuso destas numa situação específica, pelas razões
• Insónia; acimas descritas, contribuir fortemente para a ocorrência de
• Evitamento de estímulos ansiogénicos; comportamentos suicidários.
77
do efeito terapêutico, tendendo a reverter com o tempo, Tabela 10. Resumo dos principais antidepressivos
reforçando a importância da toma continuada da medica- e as suas principais características.
ção para favorecer adesão terapêutica.
• Dever‑se‑á garantir que o doente compreendeu a informa- Antidepressivo Dose Classe farmacológica Principais efeitos adversos
dos indivíduos que sofrem de depressão, exceto nos casos de Inibidores da recaptação
depressão devido a doença bipolar. Bupropiom 150‑300 mg da noradrenalina e/ Insónia, ansiedade.
ou dopamina
83
Sabe‑se que dos indivíduos que têm um episódio depressivo No entanto, tenha em conta que a descontinuação abrupta
major, 50 a 85% terão um segundo episódio e 80 a 90% dos que do antidepressivo poderá causar sintomas vividos pelo doente
têm um segundo episódio terão um terceiro episódio. O risco como uma evidência de «dependência» ou um sinal de «recaída».
de recidiva (nova doença após recuperação total) é pautado A redução de dose deve ser progressiva, ao longo de quatro
por diversos fatores: semanas (no mínimo).
• História de depressão; Por ser mais frequente a ocorrência de sintomas de desconti-
• Distimia; nuação com antidepressivos de semivida curta, como a paroxe-
• Outras perturbações psiquiátricas; tina e a venlafaxina, a redução de dose destes deverá ser mais
• Episódios depressivos muito longos no passado; prolongada.
• Grande nível de resistência à medicação;
• Doenças crónicas; Tratamento com antidepressivos
• Outros fatores sociais. em populações especiais
Conforme referido anteriormente, tenha em conta as caracte-
Nestes casos, o tratamento continuado com antidepressivos rísticas do indivíduo em causa ao escolher um antidepressivo,
reduz substancialmente a probabilidade de recidiva. Tabela 11. Tratamento antidepressivo em populações especiais
Pessoas mais velhas Mirtazapina, ISRS (doses mais baixas do que o habitual)
Tabela 10. Sintomas mais frequentes
Crianças e adolescentes Fluoxetina, escitalopram
de descontinuação dos antidepressivos
Insuficiência renal Sertralina (não necessita de ajuste de dose)
Comuns Ocasionais
Insuficiência hepática Citalopram, escitalopram, paroxetina
Tricíclicos Sintomas do tipo gripe (mialgias, Mania, arritmia cardíaca,
arrepios, cefaleias, náusea), sudorese doenças do movimento Doença cardíaca ISRS, mirtazapina
excessiva, insónia Bupropion, citalopram e venlafaxina devem ser utilizados com
precaução.
ISRS e Sintomas do tipo gripe, sensações Doenças do movimento, Os tricíclicos devem ser evitados.
relacionados tipo «choque ‑elétrico», tonturas problemas de
exacerbadas pelos movimentos, concentração e memória Diabetes ISRS, com mais evidencia para a Fluoxetina.
insónia, sonhos vívidos, irritabilidade, Evitar mirtazapina, tricíclicos e Inibidores da monoamina
crises de choro oxidase
87
nomeadamente a idade, fatores fisiológicos ou patológicos, As benzodiazepinas poderão ser úteis na janela inicial de tra-
entre outros. A este respeito estão reunidas na Tabela 11 algu- tamento, durante a qual o efeito antidepressivo ainda não se
mas indicações para a escolha do fármaco mais adequado a verifica (2‑4 semanas). Tenha em conta que, neste caso, os cui-
cada situação. dados a ter antes da escolha do fármaco e as recomendações
Nas populações idosas, os tratamentos deverão iniciar‑se são semelhantes aos referidos para o tratamento de doentes
por doses baixas, sendo frequentemente recomendadas titu- com depressão.
lações mais lentas — «start low and go slow»; a evidência mais
recente sublinha, sobretudo, a importância de ajustar doses, Insónia
sendo também de admitir uma maior latência de resposta que O tratamento farmacológico da insónia deve ser precedido de
a habitual em doentes mais jovens. uma avaliação dos hábitos do doente e da implementação de
medidas de higiene do sono (como estabelecer horários regu-
lares para ir dormir e para acordar, evitar fazer sestas durante
B e n zo d i a ze p i n a s o dia, fazer exercício físico e criar um ambiente tranquilo para
As benzodiazepinas, apesar de úteis no tratamento coadjuvante dormir, nomeadamente reduzindo a utilização de ecrãs lumino-
inicial da depressão com ansiedade e/ou insónia, estão asso- sos nos 30 minutos antes da hora de deitar).
ciadas a maior risco de suicídio, especialmente após desconti- No caso de necessidade do uso de benzodiazepinas como
3. Tolerância: Estado nuação abrupta. A sua utilização pode provocar alterações do hipnóticos, dê preferência a benzodiazepinas de ação curta, de
de adaptação à
exposição contínua a comportamento, especialmente em indivíduos com perturba- forma a evitar os efeitos residuais que as benzodiazepinas de
determinado fármaco
ou substância que
ção de abuso de substâncias ou perturbações da personalidade, ação longa podem provocar no dia seguinte. Escolha o zolpidem
provoca a diminuição pelo potencial aumento da impulsividade e da agressividade. como equivalente benzodiazepínico com efeito hipnótico.
do seu efeito, sendo
necessário um Aquando da prescrição, explique ao doente o efeito de tole- Note que alguns antidepressivos (mirtazapina, trazodona, tri-
aumento da dose
deste para se alcançar rância3 e dependência4 das benzodiazepinas, assim como os cíclicos) também poderão ter benefícios no tratamento da insó-
o efeito desejado.
seus efeitos secundários, sobretudo os relacionados com alte- nia resultantes dos seus efeitos secundários sedativos.
4. Dependência: rações cognitivas.
Estado de adaptação
ao uso crónico de Descontinuação das benzodiazepinas
determinado fármaco
ou substância, que
As benzodiazepinas para o tratamento da ansiedade As benzodiazepinas de ação curta (p. ex.: lorazepam, oxazepam,
se manifesta por um Quando a depressão é acompanhada de sintomas de ansie- alprazolam) podem estar associadas a maiores dificuldades de
quadro de abstinência
após a interrupção dade, a prioridade deverá ser o tratamento da depressão. No descontinuação do que as benzodiazepinas de ação longa (ex.:
aguda, rápida
redução da dose, caso do indivíduo sofrer de uma perturbação de ansiedade e diazepam, flurazepam). Assim, recomenda‑se a passagem de
diminuição dos níveis
séricos sanguíneos ter sintomas de depressão comórbidos, o tratamento da per- uma benzodiazepina de ação curta para ação longa, preferen-
ou administração
de um antagonista
turbação de ansiedade frequentemente melhora os sintomas cialmente diazepam. A Tabela 12 mostra as doses equivalentes
desta substância. depressivos. aproximadas.
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Tabela 13. Correspondência de dosagem de benzodiazepinas de dose, caso ocorram sintomas desconfortáveis de absti‑
nência, considere prolongar o esquema de descontinuação,
Benzodiazepina Equivalente aproximado dando tempo para que a intensidade dos sintomas diminua.
a Diazepam 10mg (mg)
Doentes com dependência de benzodiazepinas podem
Lorazepam 1 necessitar de acompanhamento no SICAD. Considere o encami-
Alprazolam 0,5
nhamento para a Equipa de Tratamento do Centro de Respon-
sabilidade Integrado (CRI) local.
Zolpidem 20
Oxazepam 20
Esta b i l i za d o res d e h u m o r
Bromazepam 5‑6
Entre outras indicações, os estabilizadores de humor (ex: lítio,
Clonazepato dipotássico 15 valproato de sódio, lamotrigina) são usados no tratamento da
Triazolam 0,5 doença bipolar, podendo ser combinados com outros fármacos,
como os antipsicóticos.
Clobazam 20
O lítio demonstrou ter um papel importante na preven‑
Flurazepam 15‑30 ção do suicídio nas perturbações do humor, particular‑
Clonazepam 0,5
mente na perturbação afetiva bipolar.
Estazolam 1‑2
A nt i ps i cót i cos
Fonte: https://www.benzo.org.uk/bzequiv.htm
Os antipsicóticos são a principal classe farmacológica utilizada
no tratamento da esquizofrenia (e outras psicoses). Os antipsi-
Não há evidências para apoiar a eficácia diferencial de diferen-
cóticos típicos/clássicos ou de 1.ª geração (ex.: haloperidol,
tes esquemas de redução gradual, sejam dose fixa ou guiada por
levomepromazina, clorpromazina), diferenciam‑se dos atípi-
sintomas. Alguns indivíduos podem tolerar uma redução mais
cos ou de 2.ª geração (ex.: risperidona, olanzapina, aripiprazol, 5. Tolerabilidade:
rápida e outros podem exigir uma redução mais lenta. Contudo, grau em que os
paliperidona, clozapina), de uma maneira geral, pela sua maior efeitos adversos de
considere diminuir a dose progressivamente, reduzindo até
tolerabilidade5 e pela maior eficácia nos sintomas negativos da um medicamento
um oitavo a cada duas semanas, com redução mais lenta podem ser suportados
esquizofrenia. pelo doente.
em doses mais baixas.
A clozapina constitui um fármaco reconhecido pela sua
Para indivíduos a tomar benzodiazepínicos há muito tempo, eficácia na prevenção do suicídio em doentes com esquizo-
o período necessário para a descontinuação completa pode frenia.
variar de vários meses a um ano ou mais. Ao longo da redução
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G LOSSÁR I O C
Comportamento autolesivo
Comportamento sem intencionalidade suicida, mas envolvendo
A atos autolesivos intencionais, como, por exemplo: cortar‑se ou
saltar de um local relativamente elevado; ingerir fármacos em
Alucinação doses superiores às posologias terapêuticas reconhecidas; inge-
São perceções na ausência de estímulos que as justifiquem. Alu- rir uma droga ilícita ou substância psicoativa com propósito
cinações auditivas são as mais frequentemente encontradas no declaradamente autoagressivo; ingerir uma substância ou objeto
contexto psiquiátrico. Existem ainda alucinações visuais, táteis, não ingeríveis (p. ex. lixívia, detergente, lâminas ou pregos).
olfativas e gustativas.
Comportamento suicidário
Ambivalência Engloba a ideação suicida, o plano, os comportamentos autole-
Tendência a vivenciar um fenómeno psicológico ao mesmo sivos e os atos suicidas.
tempo sob dois tons contrários, a experienciar dois sentimen-
tos opostos (ambivalência emocional e afetiva) ou a afirmar e a Coping
negar o meso facto. Comportamentos que facilitam a adaptação à mudança ajudam
a manter um nível adequado de funcionamento no quotidiano.
Anedonia
Incapacidade para sentir prazer ou interesse em situações ou Crise suicida
atividades previamente apreciadas. Período em que um dado indivíduo apresenta ideação suicida
ativa, podendo ou não apresentar plano suicida.
Atos preparatórios
Comportamentos prévios ao ato suicida, como a escolha e pre-
paração do método, elaboração de carta de despedida, prepa- D
ração de testamento e distribuição de bens, etc.
Delírio
Atos suicidas Crenças não compatíveis com a realidade, não abaláveis pela
Designação que engloba dois fenómenos distintos: tentativa de evidência ou argumentação lógica.
suicídio e suicídio consumado.
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Desesperança
Traduz um pessimismo generalizado em relação ao futuro. O vo-
I
cabulário original, hopelessness, surgiu pela primeira vez num
Ideação suicida
trabalho de Aaron Beck na década de 1970, no sentido de um
Pensamentos e cognições sobre acabar com a própria vida, que
marcado cognitivo de expectativas negativas em relação ao fu-
podem ser vistos como precursores de comportamentos auto-
turo. É um importante fator preditor de suicídio.
lesivos ou atos suicidas. Podem apresentar‑se sob a forma de
desejos e/ou plano para cometer suicídio, sem que haja neces-
sariamente passagem ao ato.
E
Intencionalidade
Efeito Werther Pode ser definida como a determinação para agir de modo a
Fenómeno descrito por David Phillips (1974), segundo o qual a atingir um objetivo, neste caso o suicídio. A sua avaliação é feita
divulgação de suicídios nos média, principalmente de pessoas primariamente com base no autorrelato, um meio insatisfatório
conhecidas do grande público, assume um papel facilitador de pelo potencial de viés que envolve ao nível da sua precisão, da
suicídios subsequentes, sobretudo em indivíduos mais vulnerá- memória do ato ou mesmo da ambivalência associada ao desejo
veis. Inspirado numa obra de Goethe sobre os desamores de de morrer. Por outro lado, a intencionalidade pode referir‑se
um jovem chamado Werther. não ao objetivo de suicídio, mas apenas ao propósito de provo-
car lesões ou dor autoinfligidas.
Estigma
Ideia, objeto ou rótulo associado, entre outros, a vergonha ou
reprovação, tido como obstáculo à procura de cuidados. L
Letalidade
H Refere‑se ao potencial de resultado mortal associado ao
método utilizado. Nesta perspetiva, a utilização de armas de
Humor elacionado fogo, a precipitação no vazio e o enforcamento são conside-
Sensação intensa de bem‑estar, alegria excessiva, euforia e/ou rados métodos de elevada letalidade, enquanto, por exem-
irritabilidade marcada. plo, certas automutilações ou alguns tipos de sobredosagem
medicamentosa podem ser considerados de baixa letalidade.
O conceito de letalidade pode ser visto em duas dimensões:
a letalidade objetiva (avaliada, por exemplo, por um médico)
ou subjetiva (avaliada pelo próprio sujeito). À luz dos dados da
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Suicidalidade
P Conceito que envolve ideação suicida e ato suicida.
Pósvenção
É a intervenção específica e especializada que se deve T
disponibilizar após a morte por suicídio de alguém e inclui os
cuidados e o apoio geral, assim como o tratamento específico Tentativa de suicídio
que os sobreviventes de um ato suicida ou comportamento Ato levado a cabo por um indivíduo e que visa a sua morte, mas
autolesivo necessitem. Estes sobreviventes podem ser fami- que, por razões diversas, resulta frustrado.
liares, amigos, outros utentes (sobretudo em meio hospita-
lar), profissionais de saúde que tenham acompanhado o caso,
desconhecidos do falecido, mas que, por circunstâncias parti-
culares, sejam afetados pelo caso — referem‑se aqui casos de
suicídio de figuras mediáticas ou representativas para determi-
nada comunidade.
Referências
Braz Saraiva C, Depressão e Suicídio Plano Nacional de Prevenção do Suicídio
— Um guia clínico nos cuidados de 2013/2017, Programa Nacional Saúde
saúde primários. Lidel. 2014 Mental, Direção‑Geral da Saúde.
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https://www.prevenirsuicidio.pt
https://www.sns.gov.pt
https://www.dgs.pt
https:/www.iasp.info/
https://www.afsp.org/
https:/www.who.int/health‑topics/suicide
https://www.ifightdepression.com/pt/start