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ALBA FLESLER' A crian¢a em analisee as interven¢oes do analista Digitalizado com CamScanner Capitulo 2 As intervengoes do analista na direcao da cura A pergunta pela diregio da cura na anilise de uma crianga sur ge da consideragao de que a cura efetivamente tem direcao. Quando Lacan postula que o analista nao sabe o que esta dizendo, mas deve saber o que faz, ele afirma — em minha opinido - que ele deve saber 0 yy que est fazendo quando se propoe.analisar Desde ja, 0 analista nao sabe quais sao os significantes singulares da historia de quem chega a seu consultdrio, e é precisamente por isso que o convida a falar. Asu- posigdo de saber, efeito da transferéncia, faz-nos crer que 0 analista an- tecipa um saber que em reali fade nao é mais do que algo produzido. Nesse sentido, ha um saber que ira se realizando ao longo do encontro com 0 analista. O saber inconsciente sera da ordem de uma realizacao. Mas ha um saber que o analista tem quando pede ao analisante que fale ou a crianga que brinque. O analista saberd o que esta faz do, ou pelo menos deveria saber, para onde direcionar a cura. Em suma, com 0 exposto acima quero dizer que a andlise ndo € uma aven- tura sem timao. Se o analista nao dirige a vida do paciente, é porque dirige a cura, Essa é a direcdo que deve ter presente, colocando o foco no sujeito e no ato analitico, que compete ao analista, Digitalizado com CamScanner Alba Flesler Desde essa perspectiva, que antecipo, é meu propésito avancar nas especificidades do ato analitico na anilise de uma erianca, por meio de algumas questoes norteadoras nos passos que iremos dando: De que forma ou com quais critérios enfrentar as distingdes en- tre aanilise de um adulto e a anilise de uma crianga? imitar 0 lugar dos pais, do jogo, dos brinquedos, do Como d desenho e do fim da analise? Quando tomar uma crianga em anilise? Quando comegar e quando dar um fim a anilise? Interessa-me voltar a essas questées clissicas no tratamento de ccriangas, mas levando em consideragio as intervengdes do analista. Farei isso com 0 objetivo de formalizar as especificidades do ato ana- litico quando analisamos uma crianga, a partir da apresentagio de al guns casos da minha pratica, Seu relato vé-se animado por um interes: se de transmissio, de fortes raizes freudianas, nutrido sem hesitagio em uma ética atenta ao maximo respeito pelo resguardo da intimidade dos pacientes, Porém, se apesar da minha prudéncia alguém se reco- ahecer em algum dos recortes de anilise aqui apresentados, percebera que o material divulgado visa apenas a fins condizentes com a ética da cientificidade, Sou movida pela conviccio de contribuir, com o relato inha experiéncia, para a formacio das geragdes futuras ¢ desta: car minha conviegao nos efeitos propiciatdrios que a psicanalise ofere- ce, Por esse motivo, farei isso desenvolvendo sua formalizagio logica, para delimitar e dar aleance a operagi analitica, sem deixar de lado © cuidado com o sigilo. Esses esclarecimentos so necessirios antes de adicionar outro motivo importante que move meu proceder. Em minha opinido, atin- sir o estatuto légico nas intervencdes do analista da nio 36 legitimida- de, mas também liberdade ao analista, pois Ihe da ferramentas para saber 0 que faz quando analisa uma crianga e dirige a cura. Todo enuunciado, mesmo impregnado de boas intengées, requer explicitar 0 que o sustenta, Para dirigir a cura sem dirigir o paciente nem fazélo exclusivamente guiado pela intuigao, nés analistas nos propomos a formalizar nossas intervencées refinando a légica do ato analitico. Por s° Acrianga em anilise e as intervenes do analista jss0 continuarei a apresentar 08 meus eixos ¢ coordenadas lgicas, de forma despojada e simples, para 0 acesso & complexidade da nossa pritica, procurando distanciéla tanto da simplificago plana como do barroquismo soberbo ¢ impenetravel. ‘As entrevistas preliminares: a crianca do Outro e a resposta do sujeito Para abordar as entrevistas preliminares e sua especificidade na psicandlise de uma crianga a partir de uma perspectiva logica, come- ‘carei por dizer que a crianca nao é 0 objeto da psicanalise. Assim, ¢ embora parega paradoxal, a conclusiva expressio baseia'se em mais de trés décadas de atendimento a criancas e de sustentagio, convicta, da legitimidade da andlise de criangas. Portanto, a que me refiro com 0 fato de a crianga nao ser 0 objeto da psicandlise e por que colocar essa base nas entrevistas iniciais? Interessa-me justificar passo a passo ‘0 motivo dessa afirmacio. Desde o inicio, a dificuldade de encontrar um articulador ade- quado para nomear a relagio entre a psicanilise e a crianca, seja cla psicanilise com criancas, psicandlise para criangas ou psicandlise de eriancas, mostra, no drduo trabalho de encontrar o elemento conectivo, que en- tre a psicandlise e as criangas nao ha complementaridade espontinea. E que o objeto da psicanilise nao ¢a crianga. Nem 0 adulto, ¢ verdade. A psicanilise, em todo caso, como disse antes, dirige-se ao sujeito: esse €0 seu objeto. E a ele que aponta e se dirige, delimitando - 0 que nio €pouco ~ 0 seu campo diferencial em relacio a todas as psicoterapias. Da mesma forma que, em resguardo da cientificidade, outras disciplinas recortam 0 seu objeto (a conduta, 0 organismo, a mente, a Personalidade ou os transtornos), a psicandlise delimita o seu. Prefiro enfatizar sua relevancia: 0 objeto da psicandlise é o sujeito da estrutu 2. Nesse sentido, e no que diz respeito ao nosso interesse especifico, quando atendemos a crianga, apontamos para o sujeito. E essa disti ‘40 no € menor porque desencadeia consequéncias de ordem pratica. Costumo dizer que atendo a erianga do Outro mas aponto st Digitalizado com CamScanner Alba Flesler crianga do Outro. A questio, embora dbvia, palavras. Em todo caso, ela abre uma quest. mas extremamente complexa. Refiro-me a: Rio se reduz a um jogo de '40 aparentemente simples, © que é ser uma crianga? Cada época a definiu a sua maneirae Ihe deu um tratamento de acordo com o discurso produzido em torno dela. Isso acontecen desde 8 paideia grega até os dias atuais, Por isso, quando a psicandlise final mente deu a palavra a crianga, produziu uma revolugao discursiva ao fazer girar a posicio da crianga, que passou de ‘objeto de educacéio, atencao ¢ cuidado a efetuar-se como sujeito da palavra. Nesse crucial tempo de passagem, a crianga, inicialmente objeto de observagio da Psicanillise, deixou de ser exclusivamente um objeto do Outro, lugar no fantasma do adulto, para abrir uma brecha no saber, inaugurando @ pergunta sobre as especificidades do ato analitico nos tempos da infancia. O trajeto foi sinuoso, pois a crianga, estruturalmente objeto do fantasma do Outro, condensou ali significagio para ser atendido de certa maneira também pelos analistas. Conceitualmente, Freud ja 0 havia tratado, em seus textos clissicos sobre o complexo de Edipo,' em “Batese numa crianga”; e em “Introducio ao narcisismo", afirman- do que o lugar da crianga, como tal, é engendrado tanto como uma equivaléncia simbélica no complexo edipiano da mie, como his majesty the baby no narcisismo dos pais, e também como objeto do fantasma 1. Freud, S., “Algunas consecuencias psiquicas de la diferencia anatémica entre 1os sexos” (1925), em Obras completas,t. XIX, Buenos Aires, Amorrortu, 1985; “El se- pultamiento del complejo de Edipo” (1924), em Obras completa, 1986; “La ons: nnizacidn genital infantil” (1924), em Obras completas, op. cit; “Sobre la sexualida femenina” (1931), en Obras completas, t. XI, 1986; "Nuevas conferencias de itro-

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