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Articulancia espacgo para ebuligdo de ideias A Torre de Pisa da Educagao Brasileira Publicado em Z.de dezembro de 20197 de dezembro de 2019 por sergiosoaresblogge Em uma semana onde os resultados do Programa Internacional de Avaliacao de Estudantes (Pisa) dominaram os noticiarios, devido aos baixos resultados apresentados pelos estudantes brasileiros, gostaria de falar de outra Pisa, essa italiana, construida no século XII, e que é um dos grandes patriménios histéricos da Italia, e faz parte do conjunto arquiteténico da Catedral de Pisa, declarado patriménio da humanidade pela UNESCO em 1987. A Torre é um campanério da Catedral de Pisa e apresenta uma altura do solo ao topo de 55,86 metros no lado mais baixo, e de 56,70 metros na parte mais alta. A espessura das paredes na base é de 4,09 metros e 2,48 metros no topo. Seu peso é estimado em 14 500 toneladas. A torre tem 296 ou 294 degraus: o sétimo andar da face norte das escadas tem dois degraus a menos. Sua histéria se confunde com o problema estrutural que a acompanha, desde a sua construcao em 1173, pois ja quando haviam apenas 3 andares construidos percebeu-se que o prédio estava inclinando, em razo de problemas na fundagao da obra. No correr dos séculos varias foram as tentativas feitas para corrigir 0 problema, mas todas sem sucesso até que, em 1990, em uma obra de engenharia ousada, técnicos estaquearam a Torre com cabos de aco, enquanto a terra arenosa era retirada das sapatas atingidas, que foram preenchidas em seguida com chumbo. Segundo os técnicos essa operacao iria garantir estabilidade obra que, desde entao, parou de clinar. Antes do trabalho de restauragao realizado entre 1990 e 2001 a torre estava inclinada com um Angulo de 5,5 graus, estando agora inclinada em cerca de 3,99 graus. Se na Italia a inclinagao da torre se deveu a um erro de engenharia, que construiu o prédio em um terreno alagadico (por isso pouco estavel), aqui a Torre é outra, mas o problema é parecido, ¢ representa a educacao oferecida aos jovens brasileiros nas duas tiltimas décadas que apresenta problemas estruturais (na fundago) como na italiana, pois nao se deu a devida atengao e responsabilidade & consolidacao de habilidades e conhecimentos basicos, que deveriam ter sido construfdos 14 na Educacao Infantil. Eo resultado dessa deformidade estrutural foi identificado no relatério do Pisa, que é um exame de carater trienal, proposto pela OCDE desde 2000 para as nages membros e paises convidades, tal como o Brasil. No illtimo ano a edicao foi aplicada para cerca de 600 mil estudantes de 15 anos de 79 paises diferentes que juntos representam cerca de 32 milhdes de pessoas nessa idade. A cada edicao, uma das trés disciplinas principais é 0 foco da avaliagao — na edicao de 2018, 0 foco foi na leitura. O programa é muito criticado por alguns setores, que alegam ser esse um instrumento da esquerda para validar o discurso oprimido-opressor, outros falam que os mimeros nao representam a realidade dos fatos, pois os grupos amostrais nao so os mesmos no eixo espaco-tempo, portanto, nao haveria como se falar em melhora, piora ou estagnacao, mas a verdade presente nesse exame é que ele é um estrato relativizado das consequéncias da falta de investimentos em Educagao Basica e formagao docente, que nao foi feito no correr dos anos, e que denota um erro estratégico de andlise e planejamento educacional. Contrariando o discurso daqueles que insistem em afirmar que o Pisa nao reflete a realidade da educacao no pais, segundo ntimeros extraidos dos indicadores oficiais (Prova Brasil - 2017) os alunos do 5° e 9° anos do Fundamental, quanto & proficiéncia em Portugués e Matematica, apresentaram os seguintes resultados no Brasil: no 5? ano 56% foram proficientes em Portugués, enquanto que 44% foram proficientes em Matematica, j4 no 9° ano 34% foram proficientes em Portugués, enquanto que apenas 15% foram proficientes em Matematica. Em relagao ao 9° ano, que apresentou 0 pior desempenho, isso equivale a dizer que, de cada 10 alunos, 6 nao aprenderam nada ou quase nada do contetido esperado em Portugués, e 8 aprenderam nada ou quase nada do contetido esperado para Matematica. O cenério dos estudantes mineiros avaliados nao é muito diferente: no 5° ano 64% foram proficientes em Portugués, enquanto que 52% foram proficientes em Matematica, jé no 9° ano 36% foram proficientes em Portugués, enquanto que apenas 16% foram proficientes em Matematica. Em relagao a0 9° ano, isso equivale a dizer que, de cada 10 alunos, 6 nao aprenderam nada ou quase nada do conteiido esperado em Portugués, ¢ 8 aprenderam nada ou quase nada do contetido esperado para Matematica. Olhando para os mimeros do Pisa temos que, 4 em cada 10 alunos nao aprenderam 0 contetido desejado para as disciplinas avaliadas, no caso, Portugués, Matematica e Ciéncias (identificar a ideia principal de um texto, ler graficos, resolver problemas com nuimeros inteiros, entender um experimento cientifico simples), e esse resultado é coerente com os baixos indices alcancados por nossos estudantes, quando avaliados na Prova Brasil Alguns outros indicadores revelam outros resultados muito significativos, pois, segundo o Inep: 68,3% dos estudantes brasileiros que participaram do Pisa em 2018 estudavam na rede estadual de ensino/ 15,6% dos participantes estavam matriculados em escolas particulares / 13,7% foi a proporcao de alunos da rede municipal que fizeram a prova e 2,5% estudavam em colégios federais, o que equivale dizer que, quase 85% dos alunos que foram avaliados, sao estudantes da rede puiblica de ensino brasileira. Voltando, entdo, o olhar para a Torre de Pisa brasileira (que esta em processo de inclinagao crescente), posso afirmar que a falta de anélise e planejamento dessa construcao, representada pelas habilidades desejadas na Educacao Infantil, e na formagao de professores ~ regular e continuada — para esse segmento, representam o mesmo erro estrutural que levou a Pisa italiana a quase cair, no fosse © investimento pesado (em toneladas e em délares) na revisdo estrutural do prédio, e ¢ isso que se espera hoje da educacao basica no Brasil. Infelizmente o cenério que se mostra ainda nao o da “instalagao de contrapeso nas sapatas", a0 contrario, os governos (em suas trés instancias) preferem mitigar o problema, ou simplesmente ignoré-lo sob a alegacao de que a “culpa” da crise educacional brasileira esta centrada no discurso sindical imposto pela classe docente, ou no aparelhamento da esquerda levado para dentro das escolas, 0 que as transformou em niicleos para formacao de militancias Realmente os dois problemas existem, contudo a qualidade do ensino que ¢ oferecido nas escolas (piiblicas em especial) brasileiras nao vai melhorar, sem que sejam amarrados cordames de sustentacao e injetado muito chumbo na base, que nesse caso é a formacao de massa critica, representada por professores preparados para oferecer contetido adequado (e reformulado) para cada segmento, mais especificamente no da Educacao Infantil; mudanga dos paradigmas educacionais — metodologia de ensino, avaliacao e planejamento escolar; investimento na construgao de uma carreira docente que volte a torné-la atraente, para que assim possa surgir uma nova geracio de educadores e a melhoria das condig6es de infraestrutura da escola brasileira, que hoje sofre com o estigma de ser tratada como “despesa obrigatéria do estado”, e ndo como investimento a longo prazo. Além disso, na esfera federal, apesar de alguns avangos no controle e fiscalizagio do sistema de ensino superior, o MEC ainda mantém um discurso muito distanciado desse modelo de investimento na Educa¢ao, e por vezes parece desacreditar que seja possivel uma mudanga estrutural, basta para isso olhar o foco dos programas em vigor (Médio e Formacao Profissional e Tecnolégica como forma de desoneracao do custo “ensino superior”), e pouco ou nenhum enfoque em politicas piblicas que possam fomentar a mudanga na Educagao Basica (a BNCC é uma delas), além do discurso do Ministro Abraham Weintraub, antevendo um resultado no Pisa, pior do que aquele que de fato ocorreu — previu erroneamente — a tiltima colocacdo, mas acertou quanto ao baixo desempenho. Em Minas Gerais a situagao nao é muito diferente: a auséncia de um Planejamento para a Educagao que seja consistente, em forma de politica de Estado e com metas para curto, médio e longo prazos, faz com que o estado viva hoje um remake de velhas politicas educacionais, em quase sua totalidade focadas no Ensino Médio, deixando a prépria sorte mais de 700,000 criancas e jovens - da Educagao Infantil e do Ensino Fundamental. Esse discurso ¢ validado por uma fala subliminar e irresponsavel de que, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educacao ~ LDB reza, cabe ao estado apenas o Nivel Médio de ensino, ficando a cargo dos municipios a Educagio Infantil e a Educacao Fundamental. E a desculpa para tal disparate é 0 caos fiscal nas contas piiblicas, com 0 comprometimento de 80% da receita do estado com folha de pagamento. Esse tipo de postura, realmente, sé pode vir de pessoas despreparadas tanto em relagao a educacéo, quanto em relagio as politicas publicas, e que nao tém 0 menor comprometimento com o maior patriménio do estado - 0 povo mineiro. Nos municipios a situagao nao é muito diferente, apesar de existirem (entre as escolas publicas), ilhas de exceléncia que deveriam ser tratadas como exemplo de boas praticas educacionais, mas infelizmente nao sao nem lembradas, na maioria das vezes. Em Minas quase 80% dos municipios possuem menos de 20.000 habitantes, e dificuldades em cumprir as obrigagGes fiscais e orcamentarias por falta de receita. Entao, a educacdo nessas localidades vira um apéndice, que s6 ¢ lembrado quando da particao das verbas do FUNDEB, da merenda escolar e do transporte. Como so muito pequenos, nao possuem Sistema proprio de Ensino, por isso dependem totalmente das Superintendéncias Regionais de Ensino, que deveriam dar © suporte necessério para que cumprissem, com éxito, o que pede a LDB, mas (como isso nao acontece) propor, ainda que subliminarmente, que estes arquem com a responsabilidade da Educagao Infantil e da Educagéo Fundamental ¢, no minimo, desumano. ‘A seguir nessa toada, em breve tempo verei estampada em letras garrafais na grande midia, nacional e estrangeira, uma manchete apocaliptica que dir — Torre de Pisa vem ao chao, perda total - causa provavel da tragédia: falta de correcdes estruturais na sua base. S6 que a Torre que ruiré nao seré a italiana, mas sim a brasileira, a da Educagao! Professor Sérgio Soares Blog no WordPress.com. WordPress.com.

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