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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


DIRETORIA DE PESQUISA

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC: CNPq, CNPq/AF, UFPA,


UFPA/AF, PIBIC/INTERIOR, PRODOUTOR, INTERDISCIPLINAR, ACERVO, PIBIT, EBTT E FAPESPA

RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO

Período : Agosto / 2016 a Agosto / 2017


(X) PARCIAL
( ) FINAL

Título do Projeto de Pesquisa: Pedra do Peixe no Ver-o-Peso: Etnografia em um lugar


simbólico no centro histórico da cidade de Belém do Pará.

Nome do Orientador: Luiz de Jesus Dias da Silva

Titulação do Orientador: Doutor

Faculdade: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU

Instituto/Núcleo: Instituto de Tecnologia - ITEC

Laboratório: Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural - LAMEMO

Título do Plano de Trabalho: Pesquisa etnográfica na Pedra do Peixe do Ver-o-Peso e seu


entorno físico, bairro da Campina e Centro Histórico da cidade.

Nome do Bolsista: Suelen do Nascimento Vieira

Tipo de Bolsa: ( ) PIBIC/CNPq


( ) PIBIC/CNPq – AF
( ) PIBIC/CNPq- Cota do pesquisador
( ) PIBIC/UFPA
( ) PIBIC/UFPA – AF
( ) PIBIC/INTERIOR
(X) PIBIC/PRODOUTOR
( ) PIBIC/PRODOUTOR RENOVAÇÃO
( ) PIBIC/FAPESPA
( ) PIBIC/ACERVO
( ) PIBIC/PE-INTERDISCIPLINAR
( ) PIBIC/VOLUNTÁRIO
( ) PIBIC/PIBIT

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INTRODUÇÃO

O Complexo do Ver-o-Peso é um marco histórico, patrimonial e sociocultural da cidade


de Belém, desde a sua origem, na segunda década do século XVII pela colonização
portuguesa, até os dias atuais. O Ver-o-Peso influencia e é influenciado pelo meio urbano,
como ponto de centralidade, interfere nas dinâmicas sociais diárias através da articulação de
elementos de ordem material. No caso de Belém, de acordo com Silva (2016), os aspectos de
centralidade histórico-cultural representados pelo seu Centro Histórico se referem às possíveis
vantagens de sua posição na cidade, em função de seu uso e ocupação de hoje, mas que foi
determinado ainda no período colonial, logo após a sua fundação, quando a morfologia local
naturalmente gerou o primeiro ancoradouro da cidade. Para Cruz (1973), este ancoradouro
funcionou inicialmente de modo informal para embarque e desembarque de cargas, até que em
1625 a Coroa portuguesa, através da sua representação local, sentiu a necessidade de ter
domínio sobre os produtos que eram trazidos ou levados da cidade, criando então um posto de
taxação de produtos, logo denominado de Haver-o-Peso. Assim, “[...] na esquina da antiga Rua
dos Mercadores, conforma-se a área onde posteriormente se concretizariam as atividades de
comercialização de ervas, frutas, peixes e as chamadas drogas do sertão[...]” (CHAVES, 2016,
p.19).
Onde hoje está localizada a Pedra do Peixe, ao lado do Mercado de Ferro, se
consolidou o próprio Ver-o-Peso com toda sua dinâmica sociocultural e simbólica à cidade e no
decorrer do interstício entre a sua fundação e os dias atuais, “esse complexo [...] se manteve
ao longo do tempo crescendo, em transformações quase imperceptíveis, até chegar ao século
XXI com esse conjunto de prédios, feiras, mercados, onde diariamente a população se
aglomera para satisfazer suas necessidades em um ambiente de circulação, trocas e outras
relações sociais (SILVA; RODRIGUES, 2012. p. 336).
A consolidação do ancoradouro anteriormente mencionado, foi gradativamente
evoluindo com as construções e reconstruções de trapiches rudimentares, sendo que em 1791,
de acordo com Barata (1973, p. 134), já existia a Ponte da Cidade, que era um trapiche
construído de madeira regional, o qual em 1839 passou oficialmente “ a ser destinado à ribeira
do peixe fresco”, onde hoje existe a Pedra do Peixe, na lateral da doca do Ver-o-Peso, que
muito influencia na microeconomia da cidade, pois é o único entreposto pesqueiro oficial da
cidade, responsável pela recepção de distribuição desse gênero alimentício in natura para toda
Belém e outras localidades. Silva (2016) aponta que na Pedra se vende e compra o pescado
por atacado e essa comercialização se dá durante a madrugada para não concorrer com a
comercialização desse produto no varejo, que se faz no Mercado de Ferro durante o período
da manhã.
Neste nesta pesquisa são etnografadas as ações empreendidas pelos sujeitos
envolvidos na circulação do pescado, que é recebido na Pedra do Peixe para distribuição em
Belém. Além do fluxo específico do pescado à cidade, que influencia na sua economia,
também há de se destacar que muitos dos tripulantes das embarcações que trazem o produto
para tal comercialização, são responsáveis por realizar compras no Ver-o-Peso e lojas dos
arredores, influenciando sobremaneira na vivacidade do centro comercial de Belém. Busca-se
atrelar o conceito de memória à necessidade vital do ser humano em vincular-se ao lugar, seu
ethos ou morada, alicerce da preservação patrimonial. O método etnográfico será a principal
atividade de campo a ser aplicada, além de pesquisa iconográfica e captura de áudio e visual
das atividades nativas realizadas diariamente na Pedra do Peixe do Ver-o-Peso, coleta de
dados secundários que subsidiam o referencial teórico da pesquisa.

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JUSTIFICATIVA

O desenvolvimento da cidade de Belém está intimamente ligado a história do Ver-o-


Peso, pois desde a sua fundação, tem-se nesta área um ponto importantíssimo para embarque
e desembarque de mercadorias. Ao longo do tempo, esse local se desenvolveu sem deixar de
ter seu uso inicial conservado. No decorrer de quatro séculos, há uma reprodução histórica e
cultural que abrange toda a cidade de Belém, com influência social, econômica e demanda por
transporte público, a qual produz um desafio diário para a mobilidade urbana quando a grande
maioria da frota de coletivos urbanos de Belém e região metropolitana, passam pela Avenida
Boulevard Castilhos França, ou seja, converge de toda a cidade para o Ver-o-Peso. A
centralidade observada nesse setor provoca um intenso fluxo de pessoas, e isto repercute em
uma cidade visivelmente dinâmica e viva, onde as trocas e interações de sujeitos se fazem
presentes, sendo esta vitalidade uma das características mais marcantes do Ver-o-Peso,
mantida com o passar dos anos.
Diariamente, há uma demanda de necessidades urbanas sobre o Complexo do Ver-o-
Peso, e do mesmo modo, existem dinâmicas multidimensionais aí inseridas, das quais algumas
são passíveis de serem investigadas. Assim, essa pesquisa se justifica por possibilitar tal
verificação para análise, permitindo maior entendimento quanto ao alcance territorial da Pedra
do Peixe do Ver-o-Peso sobre a cidade de Belém, para que se ressalte as variáveis passíveis
de serem potencializadas se positivas e/ou retificadas, com o fito de garantir a salvaguarda do
complexo paisagístico do Mercado e feira, bem como sua repercussão nas dinâmicas do
Centro Histórico de Belém. A discussão sobre a caracterização da identidade cultural desse
setor da cidade se faz pela utilização do método etnográfico, compreendendo a arquitetura e o
patrimônio através de uma perspectiva cultural.

OBJETIVOS

Objetivo geral
Etnografar atividades nativas realizadas diariamente na Pedra do Peixe do Ver-o-Peso,
quando da recepção e distribuição do pescado para a cidade de Belém.

Objetivos Específicos

1. Acompanhar através da observação direta atividades dos sujeitos, por categoria, que
atuam na Pedra do Peixe;
2. Mapear, por amostragem, pontos de venda de pescado na cidade;
3. Levantar números quantitativos de trabalhadores na Pedra do Peixe.

Nesta fase da pesquisa foi realizado o levantamento histórico sobre o Mercado de Ferro,
Pedra do Peixe e Praça do Relógio, assim como suas análises estilísticas. Estes setores são
importantes pontos do Complexo do Ver-o-Peso para a circulação do pescado. Foi elaborado
ainda o embasamento teórico sobre o método etnográfico. As incursões de campo foram
realizadas, em horários distintos, com a elaboração de três diários de campo, até o momento,
dos quais foram suporte para o registro da etnografia de diversas atividades recorrentes na
Pedra do Peixe. Houve também o registro fotográfico de todas as incursões, enfatizando o
comércio do pescado.

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MATERIAIS E MÉTODOS

O trabalho está sendo desenvolvido com ênfase na Etnografia como método de leitura
da cidade. Além, serão consultadas as obras disponíveis que tratam do Ver-o-Peso, da Pedra
do Peixe, dos sujeitos que tem aquele entreposto pesqueiro como local de trabalho, ocorrendo
ainda a consulta a órgãos públicos que possam contribuir com dados para subsidiar a
pesquisa. Os dados primários serão obtidos a partir da pesquisa de campo com coleta in loco.
A pesquisa contará com a seguinte metodologia:
1. Pesquisa documental e bibliográfica acerca do locus de estudo, em instituições
tais como a SECON, SEMOB, IPHAN, MPEG e UFPA.
2. Realização de incursões de campo, com registro audiovisual.
3. Análise de dados.
4. Produção do Relatório Final.

RESULTADOS

A pesquisa bibliográfica, desta etapa do projeto, reuniu dados históricos de formação e


consolidação do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico do Ver-o-Peso, – tombado pelo IPHAN
em 1977 e inscrito nos Livros do Tombo de Belas Artes e Histórico, Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico – dados importantes para embasar o estudo das dinâmicas existentes no comércio
do pescado, assim como o entendimento dos personagens característicos deste meio e da
arquitetura local. O complexo atual, que abrange cerca de 26.000m², é constituído pelo
Mercado de Peixe, Mercado de Carne, Praça do Pescador, Praça do Relógio, Solar da Beira,
feira livre e sobrados históricos. Para esta pesquisa, será dado ênfase aos locais de circulação
e comércio do pescado: Mercado de Peixe, Praça do Relógio e Pedra do Peixe.

Pedra do Peixe

Praça do Relógio

Figura 01: Mapa de circulação e comércio do pescado.


Fonte: IPHAN – Mercado de Ferro Restauração e Conservação, 2015, p.04 (adaptado).

Cruz, Mesquita e Sarquis (2015), apontam que o Mercado de Ferro do Ver-o-Peso


(conhecido popularmente como Mercado de Peixe), tombado em 1977 pelo mesmo instituto, foi

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inaugurado em 1901, e está localizado entre os bairros da Cidade Velha e da Campina, na
Doca do Ver-o-Peso. O processo de consolidação da doca se deu da seguinte forma:

Com a urbanização da área, a partir do aterramento e da construção


do cais do porto que seguia pelas atuais avenidas Portugal e XVI de
Novembro até o igarapé do Piri (atualmente Av. Tamandaré), foi construída
a doca do Ver-o-Peso, e nela iniciada, no final do século XIX, a construção
dos dois mercados de abastecimento da cidade: o de carne e o de peixe
(CRUZ, MESQUITA e SARQUIS, 2015, p.11).

Inicialmente, esta região situava o local onde comercializavam-se produtos alimentícios


na Amazônia, excedentes de produção e intercâmbios de mercadorias, um porto natural,
formado a partir do encontro entre o igarapé do Piri e a baía do Guajará. Neste espaço,
também irá se consolidar a Pedra do Peixe (Figura 02), ponto de comercialização do pescado
na feira da madrugada.

Figura 02: Pedra do Peixe pela manhã.


Autor: Suelen Vieira, 2017.

Cruz, Mesquita e Sarquis (2015), indicam que a formação da feira, na região onde
posteriormente fora construído o Mercado, não apresenta uma data precisa, mas está
intimamente ligada à fundação de Belém junto ao Forte do Presépio na Cidade Velha e a
necessidade da população em utilizar esse entreposto urbano, fato que despertou o interesse
da Coroa Portuguesa, sendo instalado um programa de coleta de impostos sobre os itens
comercializados neste espaço. Este programa, por sua vez, suscitou ainda mais a
movimentação comercial na área, propícia para o deslocamento de embarcações que seguiam
para o interior da Amazônia ou para outras regiões, cidades e países.
A casa do “haver o peso”, foi então inaugurada por volta de 1625, funcionando até
meados de 1840, responsável por recolher os impostos referentes às mercadorias
comercializadas. Após este período, já no final do século XIX, com o apogeu da exploração da
borracha e seguindo a lógica das transformações e expansões urbanísticas, provenientes de
um ciclo econômico bastante lucrativo, a Intendência Municipal de Belém contratou a execução
de um novo projeto para o entreposto comercial, que deu origem ao Mercado do Peixe.
Para Lima (2008, apud CRUZ, MESQUITA e SARQUIS, 2015), em decorrência da
concentração do comércio extrativista da economia da borracha, Belém se tornou o maior
entreposto comercial da Região Amazônica, isso se deu, tanto pela escoação da produção
interna, quanto pelo recebimento de produtos vindos do exterior para abastecer a cidade, tendo
este complexo de feiras se consolidado pela intensa movimentação de pessoas e mercadorias,
na área de ocupação inicial da cidade, ficando conhecido como “Ver-o-Peso”, em memória ao
antigo posto de arrecadação fiscal.

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O complexo do Ver-o-Peso associa características das cidades
ribeirinhas amazônicas às condições de uma cidade grande, constituindo-se
como lugar de intensa vida social decorrentes das práticas cotidianas de
trabalho em torno das quais são tecidas complexas redes de relações
sociais, públicas e privadas, comerciais e familiares que se objetivam no uso
e formas espaciais. (LIMA apud CRUZ, MESQUITA e SARQUIS, 2015, p.
07).

Figura 03: Mercado de Ferro e Doca do Ver-o-Peso, ainda sem a Praça do Relógio.
Fonte: https://www.facebook.com/belemdopassado/photos/

De acordo com o Lemos (1902), em seu Relatório Municipal de Belém, a indústria da


pesca passou por uma evolução, percorrendo até mesmo pelos processos de conservação
utilizando sal e o gelo, “Ver-se-ia, finalmente, essa recente confederação dos pescadores-
geleiros, porventura a base de uma futura instituição poderosa, que virá transformar a face da
importante indústria da pesca” (LEMOS, 1902, p. 58). Ele afirma que o mercado de Belém
apresenta uma abundância de peixes e mariscos, mas que a sua conservação é bastante
dificultosa por conta do clima, informa ainda que foram intensamente aplicadas em Belém
políticas que pudessem expandir a indústria da pesca, como a inauguração do Mercado de
Ferro em 1901, sendo a sua exploração econômica concedida à firma La Roque, Pinho & C.ª
por 10 anos, em contrapartida pela realização da obra do mercado. Lemos implementou as
seguintes instruções, ditas convenientes para a saúde pública:

a) Impedir que seja exposto á venda peixe fresco que tiver sido morto
mediante o emprego de substancias metallicas ou vegetaes, nocivas á
saúde do consumidor;
b) Examinar não só o pescado exposto á venda no mercado, senão também
o que tiver de ser vendido ambulantemente nas ruas d'esta cidade por
individuos matriculados em virtude de inspecção sanitária;
c) Assignar e expedir a todos esses vendedores de pescado um talão, no
qual conste o exame da mercadoria;
d) Demorar no mesmo mercado de ferro todo o tempo necessário a essa
inspecção;
e) Fazer registrar diariamente com os detalhes necessários essas
inspecções, no livro para tal fim existente no mercado e mandado rubricar e
encerrar pelo executivo municipal;
f) Communicar ao Intendente todas as occorrencias que obstem á execução
d'estas instrucções. Cumpre ainda ao referido medico, para a execução fiel
d'estas instrucções, comparecer diariamente e ás horas convenientes ao
mercado, extendendo o campo de suas inspecções sobre todos os demais
géneros alimenticios offerecidos ao consumo da população. (LEMOS, 1902,
p. 60).

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Lemos (1902), menciona que os pescadores que conservam o pescado no gelo, não
acataram com facilidade a transferência da venda do peixe para o novo mercado, realizando
até mesmo uma greve. O Intendente ordenou então que todos os produtos fossem recolhidos
para o Mercado de Ferro, estabelecimento criado especificamente para este comércio, no
entanto, atentou posteriormente que a medida poderia “prejudicar seriamente o commercio da
doca do Reducto, onde a farinha e o peixe sempre foram objecto de animadas transacções”
(LEMOS, 1902, p.62). E que isso acabaria com a dinâmica já criada entre os mercadores e os
compradores, entretanto, o governo deveria continuar zelando pela higiene pública, criando
uma sucursal do Mercado de Ferro no referido lugar. Sobre a greve dos pescadores, Lemos
(1902) resolveu permitir que as canoas transportando peixes conservados em gelo aportassem
no cais do Ver-o-Peso ou do Reduto, e vendessem o pescado para os vendedores ambulantes,
ou seja por atacado. Os chamados importadores, não poderiam vender quantidade superior a
50 quilos de pescado, e os retalhistas deveriam se submeter às medidas de fiscalização e
higiene, antes de executar a venda pela cidade. A tabela abaixo (Figura 04), foi o motivo pelo
qual os pescadores entraram em greve, pensaram se tratar de um imposto novo, implementado
pela Intendência.

Figura 04: Taxas de entrada e comércio de artigos no Mercado de Ferro.


Fonte: LEMOS, Antonio Jose de. Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém. Belém: Archivo
da Intendência Municipal de Belém, v.1, 1897-1902, p.74.

De acordo com (SILVA e RODRIGUES, 2016, p. 582), a Pedra do Peixe apresenta um


papel muito importante para a dinâmica comercial no Ver-o-Peso:

No contexto socioespacial da maior feira e mercado popular da cidade,


a Pedra do Peixe é o lugar que centraliza, condensa, organiza e distribui as
principais atividades necessárias à manutenção e à expansão da economia
local, especialmente as atividades relativas à comercialização diária da
produção pesqueira do estuário amazônico.

Funcionando durante a madrugada e encerrando às 06h da manhã, a feira na Pedra do


Peixe é uma alternativa de comércio atacadista frente ao comércio varejista do Mercado de
Ferro, nesta condição, são estabelecidas relações e divisões trabalhistas, que por sua vez
caracterizam os atores do comércio do peixe no Ver-o-Peso. Alguns destes atores, QUANTO
ÀS SUAS ATIVIDADES, segundo Silva (2016), podem ser identificados POR CATEGORIAS,
como: balanceiros, peixeiros, carregadores, encarregados, barqueiros, pegadores e geladores.
Segundo o autor, o balanceiro é o responsável por pesar e vender o pescado no atacado,
diretamente para os compradores. Os peixeiros são os compradores que revendem a
mercadoria no Mercado de Ferro ou noutros mercados de Belém. Os carregadores são os

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responsáveis por deslocar o pescado da balança até seu ponto de destino. Os encarregados
são os responsáveis pela embarcação contratados pelo geleiro ou barqueiro, substituindo-os
até mesmo na comercialização com o balanceiro. Os barqueiros ou geleiros são os
proprietários das embarcações. O pegador é um tripulante encarregado de pegar o pescado
estocado nas urnas localizadas no porão do barco, que é jogado para o convés da
embarcação, repassando para as basquetas que serão desembarcadas na Pedra. O gelador é
o encarregado de gelar o pescado dentro da embarcação, em terra, ele repassa a mercadoria
do porão para o convés.

O ECLETISMO E A ARQUITETURA DO FERRO EM BELÉM

Segundo Dias (2008), o ecletismo na arquitetura é caracterizado pela junção de vários


estilos numa mesma obra, sendo introduzido inicialmente pelo alemão Johann Joachim
Winckelmann (1717-1768). O termo, a princípio, estaria ligado a uma arquitetura sem
originalidade. No século XX, passou a ser usado como indicador de fases e fenômenos
sincréticos. Foi a arquitetura própria de uma classe burguesa, que dava preferência ao conforto
e apoiava o progresso.
No Brasil, as transformações socioeconômicas de meados do século XIX - como a
mudança do trabalho escravo para o remunerado -, proporcionaram uma nova forma de fazer e
usar a arquitetura, de acordo com Reis Filho (1978). Com isso, verifica-se a conversão de um
trabalho artesanal para o manufaturado, provocando o acabamento mais preciso e regular, a
utilização de novos materiais de estrutura, o surgimento de escolas de nível superior e grandes
empresas construtoras. Reis Filho (1978) afirma que o andamento da revolução industrial, na
Europa, só reiterou o papel do Brasil enquanto colônia de exploração, já que vários elementos
construtivos e padrões formais eram importados e não produzidos no país, apesar do avanço
tecnológico que esses componentes até então representariam para a arquitetura brasileira.
Reis Filho (1978) aponta o Ecletismo como uma das correntes que embasou as
tendências da arquitetura brasileira na segunda metade do século XIX, esse estilo teria
assimilado as inovações tecnológicas de importação aos padrões arquitetônicos anteriores,
sendo a conciliação entre os estilos ligado ao progresso, com a adoção de soluções plásticas e
construtivas mais complexas.
Com o advento da Belle Époque em Belém, período de transição entre os séculos XIX e
XX, proporcionado pelo ciclo econômico da borracha (1870-1910), a cidade passou por
grandes transformações urbanas implementadas principalmente pelo Intendente Antônio José
de Lemos (1843-1913), durante administração municipal ocorrida entre os anos de 1897 até
1912, que seguia os ideais de embelezamento, ordenamento e saneamento, vigentes nas
cidades brasileiras nesta época. O período em questão, foi um grande marco para o
surgimento de importantes exemplares arquitetônicos do ecletismo e do Art Nouveau na
cidade, segundo Cruz, Mesquita e Sarquis (2015), é neste período que são inaugurados os
grandes mercados públicos e implementados os ajardinamentos em praças, por exemplo.
A vinda da arquitetura do ferro para o Brasil também está relacionada com a ampla
oferta de produção para uma demanda desproporcional dentro do mercado europeu, sendo as
colônias africanas e países latinos uma alternativa de escoamento para esta produção. Os
avanços tecnológicos na utilização do ferro, facilitaram a criação dos edifícios pré-fabricados,
sendo elaborados até mesmo catálogos (Figura 05), que poderiam vender peças, maquinários
e construções inteiras. Essa arquitetura era rápida e facilmente montada, não exigindo mão de
obra técnica especializada.

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Figura 05: Peça MacFarlane encontrada no Mercado de Carne.
Fonte: Catálogo Ilustrado MacFarlane’s Castings, Drip and Barge Frets, p. 81, V. 1, 6ª ed.

Além do Mercado de Ferro do Ver-o-Peso que apresenta toda a sua estrutura metálica
importada, outras obras da arquitetura de ferro podem ser observadas no complexo, como o
Mercado de Carne Francisco Bolonha, composto por 5 pavilhões metálicos, e a Praça do
Relógio. “Neste contexto, não apenas a Municipalidade como também empresas privadas e
famílias mais favorecidas importaram elementos identificados com a arquitetura do ferro, como
armazéns portuários, chalés, postes de iluminação, chafarizes, reservatórios d’água, relógios,
coretos, chafarizes, colunas, escadarias...” (CRUZ, MESQUITA E SARQUIS, 2015, p.09).
O atual Mercado de Ferro do Ver-o-Peso (Figura 06), segundo Silva (1986), foi
construído por dois engenheiros bastante atuantes no período governista de Antônio Lemos,
Bento Miranda e Raimundo Viana. Os dois engenheiros receberam concessão para explorar o
mercado comercialmente por um determinado período. A estrutura metálica, em ferro perfilado,
veio dos Estados Unidos, mas é desconhecido o local exato de sua fabricação. Apresenta
elementos de composição arquitetônica de linguagem clássica e fachadas de influência Art
Nouveau, caracterizando-se pelo ecletismo. Tem planta retangular, da qual em cada canto são
dispostas quatro torres similares a campanários de catedrais góticas, o telhado em telhas
cerâmicas do tipo Marselha, claraboias de vidro e lanternim central, que proporcionavam
iluminação natural ao interior do mercado.

Figura 06: Mercado de Ferro visto do Forte do Presépio.


Autor: Suelen Vieira, 2015.

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Já o Mercado de Carne Francisco Bolonha (Figura 07), de acordo com Derenji (2009),
teve sua estrutura em alvenaria construída em 1867, só após a reforma de 1908, recebeu a
elaborada estrutura metálica e platibanda neoclássica, sendo esta obra confiada ao engenheiro
Francisco Bolonha que também se tornou responsável pela exploração comercial do mercado.
As peças em ferro pré-fabricadas são oriundas da empresa escocesa Walter MacFarlane, e
são de influência Art Nouveau.

Figura 07: Mercado de Carne Francisco Bolonha.


Autor: Suelen Vieira, 2017.

A Praça do Relógio, anteriormente denominada de Praça dos Aliados e Praça Siqueira


Campos, é outro ponto importante para a comercialização do pescado, por estar localizada em
frente à doca do Ver-o-Peso, ela também apresenta elementos da arquitetura do ferro. De
acordo com Soares (2009), no apogeu da economia da borracha cogitou-se construir neste
local o prédio da Bolsa de Valores, sendo este projeto não executado, o terreno ficou vazio, até
a sua inauguração em 1931, contando com um relógio inglês sobre uma torre de ferro de 12
metros de altura, as peças externas, porém, foram encomendadas da empresa escocesa
MacFarlane (Figura 08).

Figura 08: Relógio MacFarlane.


Fonte: Catálogo Ilustrado MacFarlane’s Castings, Clock Towers and Belfries, p. 164, v. 1, 6ª ed.

Apesar de não contar mais com jardins ou outros elementos paisagísticos (Figura 09),
neste período em que se realiza a pesquisa, a praça ainda é bastante utilizada, principalmente
durante o comércio do pescado na feira da madrugada, seu entorno – entre a Praça do Relógio
e a Pedra do Peixe – serve de estacionamento para os grandes caminhões frigoríficos que
recebem o peixe para ser direcionado às grandes redes de supermercado da cidade. Os
veículos de médio porte como as Kombis, também são estacionados no entorno da Praça, mas
estes são responsáveis por levar o peixe para as feiras livres de outros bairros. O espaço da
praça é também bastante utilizado como ponto de venda para pequenos ambulantes, que

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comercializam produtos eletrônicos e até mesmo roupas e calçados, suprindo as demandas de
quem trabalha na feira da madrugada.

Figura 09: A Praça do Relógio com paisagismo.


Fonte: https://www.facebook.com/belemdopassado/photos/

A ETNOGRAFIA

O método etnográfico, utilizado nesta pesquisa como principal atividade de campo, é


fundamental na Antropologia e muito utilizado em outras ciências sociais aplicadas, como o
urbanismo, por exemplo. Por ser um método descritivo, detalhista e analítico, é possível
confrontar as visões de mundo, entender as lógicas espaciais, traduzir e interpretar o que fora
observado, mapear as experiências sociais e compreender os fenômenos através dos sujeitos
sociais. Antes de realizar a etnografia é necessário formar uma base de conhecimentos sobre a
área ou assunto específico. É preciso dar ênfase ao estranhamento, para evitar que a pesquisa
de campo entre na rotina e camufle observações importantes, deve-se registrar densamente
tudo o que se observou, sendo o diário de campo o instrumento básico da etnografia para o
registro de incursões. O método, referencia-se como alternativa de leitura da cidade, neste
caso, através das ações empreendidas pelos personagens envolvidos na circulação do
pescado.
A etnografia também não deixa de ser um processo comparativo entre a cultura do
observador e a cultura do observado, Geertz (1988) aborda três aspectos: o que as pessoas
dizem (discurso), o que as pessoas fazem, e o que as pessoas pensam que se deveria fazer. É
viável realizar incursões de campo em datas, horários ou momentos diferentes, como foi
executado neste relatório, assim, obtêm-se um panorama mais completo do objeto de estudo
observado.
Para Costa (2014), o método da pesquisa de terreno, trabalho de campo ou estudo de
caso, supõe que os investigadores dos contextos sociais se mantenham em presença
prolongada no campo e contato direto com as pessoas e situações, sendo o próprio
investigador o principal instrumento de pesquisa. Sugere registrar as informações
categoricamente em “ (a) observações e informações, (b) reflexões teóricas e metodológicas,
(c) impressões e estados de espírito” (COSTA, 2014, p.132). É importante distinguir ainda as
informações observadas pessoalmente, informações repassadas por outras pessoas e realizar
a fiel transcrição dos enunciados verbais dos atores sociais. Sobre o problema de interferência,
ressalta a conjuntura da “naturalidade observacional”, onde é possível realizar observações
participativas, diretas, sem que se despreze totalmente a informação recebida por estes
procedimentos, a própria presença do investigador no campo já é notória e visivelmente
interferente, “na interacção social não se pode não comunicar” (COSTA, 2014, p.135). A
interferência não deve ser evitada, mas sim percebida e controlada.

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Na observação direta, o impacto mínimo abordado por Costa (2014), é exemplificado ao
sentar-se para tomar café ou andar numa avenida, ou seja, é uma situação pública impessoal,
não estar familiarizado a determinado contexto social já influencia e muito na percepção do
investigador em campo. Essa técnica é enquadrada, por vezes, como uma observação auditiva
e visual, sem envolver interações verbais específicas entre o investigador e o observado. Já a
observação participante, desdobra-se em ações de elevado índice de “interferência”, como a
conversa frequente ou informal, as entrevistas e a permanência em terrenos, privilegia-se a
participação informal como técnica, uma forma de evitar o enrijecimento deste processo e
manter o fluxo de informações.
No caso desta pesquisa, foi possível vivenciar detalhes que só a convivência in loco
permite detalhar, registradas nos diários de campo, como os termos específicos locais,
costumes rotineiros - como o hábito de tomar muito café -, as formas de diálogo entre os
sujeitos do Ver-o-Peso, e principalmente, as relações interpessoais e divisões de trabalho
estabelecidas dentro da comercialização do pescado e na contextualização das redes sociais.

EXEMPLIFICAÇÃO DE DIÁRIO DE CAMPO

Terça-feira, 04/10/16 – Complexo do Ver-o-Peso, Bairro da Campina, Belém/PA - Brasil


*Saída para a Pedra do Peixe: 02:15h, chegada às 02:34h
*Retorno: 04:15h, chegada às 04:37h

Para fins de desenvolvimento do Projeto de Pesquisa “PEDRA DO PEIXE NO VER-O-


PESO: ETNOGRAFIA EM UM LUGAR SIMBÓLICO NO CENTRO HISTÓRICO DA CIDADE DE
BELÉM DO PARÁ”, foi realizada a minha primeira visita de campo ao complexo do Ver-o-Peso,
com foco no método etnográfico para a Pedra do Peixe. Recebi o auxílio do professor e
orientador Luiz de Jesus Dias da Silva, e o acompanhamento do mestrando do Laboratório de
Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO), Luiz Rabelo.
A visita foi realizada na madrugada do dia 04/10/16, em uma terça-feira, data da qual
não ocorria movimentação muito intensa na Pedra do Peixe 1, fato este que possibilitou uma
conversa bastante pacífica com um dos balanceiros2 do Ver-o-Peso, o senhor Adamor. Esta
primeira visita, portando, não consistiu apenas em observar o local de pesquisa, eu estabeleci
contato com alguns personagens importantes para o comércio do peixe na Pedra, com o apoio
do Professor Luiz de Jesus que me apresentou a sua rede de contatos. Deste modo, a minha
entrada no campo de pesquisa foi facilitada, mesmo causando certo estranhamento em alguns,
já que o ambiente na Pedra do Peixe é extremamente masculino. Fora observado também que
se iniciavam os preparativos para a festa do Círio de Nazaré, diversas estruturas metálicas já
estavam sendo montadas para a passagem da Santa na Avenida Portugal, próximo à esquina
da Pedra do Peixe.
Ao chegar na Avenida Boulevard Castilhos França, buscamos por uma vaga de
estacionamento próxima ao Mercado de Ferro, o clima estava ameno, rapidamente notamos a
presença de vários moradores de rua tentando dormir em meio às calçadas da avenida. Um
flanelinha nos abordou para que fosse feita a segurança do veículo contra possíveis furtos.
Após acordo com o flanelinha, seguimos para o campo, no caminho fomos recepcionados por
um alegre e brincalhão cão de rua (Figura 10), que nos acompanhou durante toda a visita na
Pedra do Peixe, - cão este que já era conhecido pelos comerciantes - o pequeno animal
pareceu adivinhar que não frequentávamos aquele local com assiduidade. Senti como se ele

1
Pedra do Peixe é o entreposto pesqueiro que se localiza na enseada das embarcações à margem da baía do Guajará, em frente
ao Mercado de Ferro ou Mercado de Peixe no Complexo Ver-o-Peso.
2
Balanceiro é o trabalhador que vende o pescado na Pedra, utilizando como instrumento de medida a balança.

12
estivesse nos dando boas vindas e como bom anfitrião que era, nos acompanhou em vários
pontos do complexo, parecia estar nos apresentando a sua casa.

Figura 10: Cão de rua no Ver-o-Peso.


Autor: Luiz Rabelo, 2016.

Para a construção da minha rede de comunicação e informação sobre a atividade


peixeira no Ver-o-Peso, foi sugerido pelo Professor Luiz de Jesus, que eu conhecesse pessoas
de vários setores do comércio, importantes para me auxiliar na pesquisa. Fui levada ao Prédio
da Associação dos Balanceiros – situado em frente ao Mercado de Ferro do Ver-o-Peso - para
falar com o Daniel Bandeira3, mas o mesmo não se encontrava no local. Atravessamos a rua e
adentramos no Mercado de Ferro, logo percebi a pouca movimentação dentro do mercado, no
boxe de entrada havia um aparelho televisor ligado e três ou quatro pessoas assistindo-o,
enquanto outras pessoas limpavam seus respectivos boxes para o recebimento do pescado,
neste momento não havia odor muito forte de peixe no ambiente, como é mais comum durante
o dia. No boxe 10, deveríamos falar com o Fernando, presidente do Sindicato dos Peixeiros,
que não estava no local; do mesmo modo, o administrador do Mercado o senhor Oswaldo,
outro contato importante para a nossa rede, por trabalhar na Secretaria de Comunicação do
Estado (SECOM), ainda não havia chegado ao local de trabalho, podendo ser encontrado no
mirante interno e central do Mercado de Peixe do Ver-o-Peso.
Ao seguir, fomos para a Pedra do Peixe, já notava o aumento do fluxo de pessoas,
alguns correndo com uma caixa enorme de madeira na cabeça (Figura 11), repleta de peixes
(capacidade para 100 quilos), os chamados carregadores, que usam para a sua proteção e
transporte de carga unicamente a rodilha4 ou rosca de pano, facilmente avistava-se um
carregamento de 100 kg sendo transportado às pressas. A rua e a Pedra do Peixe já estavam
tomadas por comerciantes e mercadorias, fato este que só foi aumentando no decorrer das
horas. Por conta do estreitamento da rua só era possível a passagem de um carro por vez, os
ônibus ainda não estavam fazendo linha, em seu lugar (na via pública) haviam muitos
carregadores correndo de um lado para o outro.

3
Presidente da ASBALAN, Associação dos Balanceiros do Ver-o-Peso.
4
Rodilha é uma rosca de pano para pôr sobre a cabeça, no transporte de carga.

13
Figura 11: Carregador e sacoleiro dividindo a pista.
Autor: Luiz Rabelo, 2016.

Na esquina da Avenida Portugal com a Boulevard Castilhos França pude encontrar o


senhor Adamor, balanceiro e dono de embarcação que trabalha a 42 anos no Ver-o-Peso, o
Professor me apresentou o comerciante, que logo nos ofereceu um café, sentamos então em
um muro baixinho com cerca de 40 centímetro de altura que serve de contenção do jardim
existente no canto da rua, onde já havia um velho e deteriorado grafite do Kobra5
representando a antiga vida no Centro Histórico de Belém, e assim ficamos por um bom tempo,
escutando e dialogando sobre a rotina do senhor Adamor, enquanto outros entretinham-se
jogando damas, baralho ou dominó, ou entravam na conversa, nós seguíamos em várias
rodadas de café, ato costumeiro de quem trabalha na madrugada naquele lugar, tínhamos a
impressão que recusar o café seria quase uma ofensa. Descobrimos que o cão que nos
recepcionou na chegada ao Ver-o-Peso era mascote de Adamor.
Sentada por alguns minutos na esquina, pude perceber como o trato com o peixe é
rudimentar, sendo muito comum jogar o pescado no chão da calçada (Figura 12), a salubridade
do ambiente pode ser facilmente questionada pelos órgãos de vigilância sanitária, esse é um
dos principais problemas presentes na Pedra do Peixe. Não é notada a presença de lixeiras,
nem a coleta de lixo, há ainda um forte odor de urina presente principalmente nessa esquina,
frequentemente utilizada como mictório.

Figura 12: Peixe e vendedores sentados na esquina.


Autor: Luiz Rabelo, 2016.

5
Kobra é um famoso e premiado grafiteiro do Brasil, com obras realizadas pelo mundo todo.

14
A fumaça do churrasquinho e o odor de peixe também fazem parte da rotina de quem
convive neste ambiente, podendo parecer até bastante hostil para quem o frequenta pela
primeira vez, onde o linguajar utilizado - sobretudo pelos carregadores - é por vezes
intimidador, apesar do tom irônico, como por exemplo - “Se tu não me pagar eu vou te dar uma
facada”. A pornofonia é também uma constante na convivência entre os homens do Ver-o-
Peso.
Os sujeitos locais desenvolveram um tipo de linguajar que só pode ser compreendido
rapidamente por quem frequenta aquele espaço rotineiramente, como pôde ser observado nas
articulações verbais utilizadas pelo senhor Adamor. Talvez a pressa em dialogar, para o
desenvolvimento rápido das atividades comerciais, tenha gerado essa forma de comunicação
tão singular, mas foi observado também em outros atores sociais, algumas especificidades
semelhantes ou diversas, quanto ao modo de falar, por exemplo, o uso de sinais ou mímica.
Naquela madrugada, o barco do senhor Adamor (ele é barqueiro e balanceiro ao mesmo
tempo) não estava na doca do Ver-o-Peso, portanto, não era necessário ele trabalhar com a
balança, apenas recebia pelas vendas anteriormente realizadas no sistema de crédito
denominado de fiado6. Isso possibilitou um tempo maior para que ele me falasse sobre a sua
vida como balanceiro da Pedra do Peixe.
Ele fala que veio de Barcarena e que todos os seus quatro irmãos trabalham com a
venda de frutos do mar, um deles estava presente na roda de conversa, chamavam-no de
Tonico, com 47 anos de idade e trabalhando a mais de 30 anos nesse ramo. Adamor conta
com 42 anos de trabalho e agora pretendia investir no ramo da hotelaria, diz que só não
trabalha todos os dias porque foi proibido7. Apesar de ser o dono do barco, relata que apenas
os pescadores têm controle sobre o mesmo, na pescaria, eles retornam por três motivos,
segundo o balanceiro: quando o gelo acaba, quando o barco enche ou quando precisam de um
favor, por exemplo, num caso de doença grave.
A insegurança também é uma constante na Pedra do Peixe, apesar de ser conhecido e
respeitado no meio, Adamor conta que existem muitos ladrões em virtude da grande circulação
de dinheiro, vendedores de drogas e moradores de rua no mercado. Segundo Adamor,
recentemente um jovem de 20 anos frequentador da feira foi assassinado, envolvido com o
tráfico de drogas. O próprio balanceiro menciona que é comum o furto de peixe dentro da feira
e que ele mesmo já teria sofrido com o furto de um peixe da espécie filhote8 de 120 kg - que
custava na época cerca de R$1.800,00 - conseguiu encontrá-lo posteriormente, escondido
atrás do Mercado de Ferro. Apesar da insegurança, existe um ponto da Policial Militar
localizado no Ver-o-Peso, avistei constantemente um policial solitário caminhando entre
comerciantes, mas não identifiquei o que ele realmente estava fazendo ali.
Após a conversa, Adamor nos convidou para um passeio pelo complexo do Ver-o-Peso,
seguimos primeiramente para o Mercado de Ferro, pois o balanceiro queria nos mostrar uma
observação que havia feito sobre a arquitetura do mercado. Para Ademil, um lado do Mercado
de Ferro estava aterrado, pois a área da parede que divide as janelas dos boxes de venda vai
ficando cada vez mais espaçada de uma ponta à outra do mercado (Figura 13). O balanceiro
fica impressionado com a qualidade do aterro desta região, principalmente na parte da Estação
das Docas, onde dizem que as águas batem na contenção com maior força.

6
Vender fiado significa repassar a mercadoria e aguardar pelo pagamento num momento posterior.
7
No domingo há o descanso semanal.
8
Brachyplathystoma filamentosum.

15
Figura 13: Área abaixo das janelas vai aumentando.
Autor: Suelen Vieira, 2016.

Seguindo para a Pedra do Peixe fui conhecer o senhor Amarildo da Associação dos
Peixes Salgados (novamente senti um forte odor de peixe e urina), Adamor aproveita para
apresentar o novo barco de Santarém, chamado Princesa Isabel (Figura 14), que havia feito a
sua primeira viagem. Ele conta que os barcos da região do Baixo Amazonas só costumam
aparecer nessa época9 do verão em Belém, por conta da elevação dos rios e da escassez dos
peixes, geralmente são barcos maiores como outro de Óbidos, que também estava atracado na
Pedra. Os barcos menores com capacidade para até duas toneladas são utilizados para a
venda de peixe nas ilhas, a maioria dos que atracam na Pedra, com pescado, são de 4 a 30
toneladas.

Figura 14: Embarcação de Santarém, Princesa Izabel.


Autor: Luiz Rabelo, 2016.

Caminhando na Pedra, indo em direção à Praça do Relógio, já pude começar a notar a


permanência dos caminhões de transporte de carga, que estacionam entre a Pedra e a Praça
do Relógio, muitos deles para abastecer as grandes redes de supermercado que atuam em
Belém e cidades próximas, outros trazem o pescado de centros pesqueiros, como o município
de Vigia de Nazaré, por exemplo. Adamor conta que a Praça do Relógio apresentava
vegetação, mas a prefeitura preferiu removê-la por conta do costume de utilizar os arbustos e
plantas como esconderijo para drogas do tráfico. Ainda próximo ao relógio, pude perceber a
presença de mulheres sentadas ao chão, estavam vendendo roupas e calçados (Figura 15)

9
Julho a novembro.

16
numa espécie de bazar itinerante. Suponho que este tipo de mercadoria é facilmente adquirido
pelos ribeirinhos que circulam no Ver-o-Peso durante a noite, sendo esta atividade bastante
oportuna.

Figura 15: Mulher vendendo roupas na Praça do Relógio.


Autor: Luiz Rabelo, 2016.

Dentre os sujeitos mais representativos do Ver-o-Peso estão os balanceiros, do alto de


suas cadeiras, resolvem a venda do pescado sempre ao lado das suas balanças. Fui informada
de que existem ainda os balanceiros Mercosul, estes compram fiado dos peixeiros para
revender. Adamor me apresentou o carregador Faísca - com 51 anos e trabalhando a 19 na
Pedra do Peixe -, ele já desenvolveu uma espécie de “galo” na cabeça por conta do árduo
esforço de seu trabalho, Faísca tem sua própria caixa de madeira para realizar o carregamento.
Próximo de onde conversei com Faísca estavam vendedores de sopa, a mais procurada
era a sopa de mocotó. O mingau também é um alimento bastante procurado pelos
frequentadores noturnos do Ver-o-Peso - além do cafezinho -, é possível encontrar até mingau
de açaí, que diferentemente do mingau de milho, não é doce. O pedido do mingau de açaí
causou estranheza na própria vendedora, já que ele tem um gosto bastante peculiar,
principalmente para recém-chegados à Pedra como eu. Há vendedoras de comida por toda
parte da feira, uma delas é Dona Nazaré que tem seu próprio carrinho, ela nos vendeu os
mingaus.
Próximo das 04h da manhã o fluxo de veículos era maior, o espaço utilizado na rua para
a venda do pescado começara a ficar reduzido, mas o odor de peixe já havia se intensificado.
Do outro lado da Avenida Portugal era possível avistar os vendedores de caixa de papelão,
nessa parte também se realizava o encaixotamento de peixes. Haviam ainda algumas
vendedoras de sacolas, que eram adquiridas pelos compradores de menores quantidades de
pescado.
Voltando para o Mercado de Ferro fui apresentada para o carregador Altino, bastante
conhecido por imitar o barulho de fogos de artifício, o movimento dentro do mercado também
havia aumentado, alguns boxes já estavam sendo abastecidos com peixe. Fui informada de
que dentro do Mercado de Ferro, muitos peixeiros são parentes uns dos outros, passando por
várias gerações de família. Saímos do Ver-o-Peso às 04:15h, nos despedimos de Adamor e o
mesmo disse que poderíamos voltar quando quiséssemos, o cão que havia nos recebido
também se mostrou atencioso, como um sinal de despedida.
Não pude deixar de perceber a pouca participação de mulheres no comércio do peixe,
estas – quando estão presentes - ficam encarregadas principalmente de outros serviços como
a produção e venda de café, tapioca e mingau. Ainda é possível encontra-las vendendo

17
sacolas de plástico, caixas de papelão, roupas e sapatos. Deste modo, a minha presença na
Pedra do Peixe pôde ser percebida facilmente, e de certo modo causou estranheza tanto da
parte das mulheres quanto da parte homens, por ser este um ambiente extremamente
masculino, onde quase não existe a circulação de mulheres se não as que participam ou
desenvolvem alguma atividade subsidiária, ou mesmo comercial de apoio a do pescado.

ATIVIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS NOS PRÓXIMOS MESES

Será dado continuidade às incursões de campo com a etnografia das atividades e


registro em diários, assim como audiovisual, com ênfase nas relações existentes entre os
carregadores e os balanceiros. As informações serão analisadas e sistematizadas a fim de
gerar informações concisas para o relatório final, de forma a mapear os pontos de venda de
pescado na cidade, assim como levantar dados amostrais como número quantitativo de
trabalhadores e embarcações na Pedra do Peixe.

CONCLUSÃO

De acordo com a pesquisa bibliográfica, referente ao processo histórico de formação da


cidade, observou-se que a Pedra do Peixe é um setor importantíssimo para o complexo do Ver-
o-Peso, desde antes da inauguração do Mercado de Ferro, em 1901. A intensa circulação de
pessoas desperta nesse setor um grande fluxo econômico, de trocas de mercadorias e
serviços, tornando este um dos principais pontos do centro histórico da cidade, o intenso fluxo
de pessoas também é importante para manter a cidade sempre ativa. A Pedra do Peixe sempre
foi um local para vigorosas relações humanas, sendo notória até pelo antigo intendente da
cidade, Antônio Lemos, que se preocupava em manter o fluxo do comércio de peixe
constantemente ativo, apesar de preocupar-se também com a salubridade do local das vendas.
Desde essa época, Lemos já reconhecia a Pedra como um lugar de encontro na região, onde a
interação era bem quista e reivindicada pela população.
Hoje, o comércio do peixe se expande, principalmente durante a madrugada, onde há
um número muito maior de trabalhadores ativos divididos em diversas funções, desde a pesca
até a distribuição do pescado. É nesta área, repleta de monumentos históricos proveniente de
uma arquitetura importada da Europa, que se dá o desenvolvimento das atividades comerciais,
e que podem acarretar ou não, na preservação do patrimônio histórico. A pesquisa constatou
que a atividade econômica do pescado é bastante sistematizada, as relações entre barqueiros,
peixeiros, balanceiros, carregadores e demais sujeitos do Ver-o-Peso, desdobram-se em
amplas redes sociais distribuídas por toda a cidade e região metropolitana. Estas redes de
relações também representam uma grande manifestação cultural na área, onde hábitos,
costumes, modos de falar e agir vem à tona, é possível ainda observar as novas atribuições
dadas ao espaço público, como por exemplo, o atual uso da Praça do Relógio como local de
venda de mercadorias para tripulantes de embarcações, percebidos principalmente durante a
feira do pescado na madrugada.

18
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19
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Monumenta, 2009, p. 172. (Roteiros do Patrimônio; 5)

DIFICULDADES

A maior dificuldade na execução do projeto é a inserção do observador no campo de


pesquisa, neste caso a Pedra do Peixe. O horário da madrugada, no qual a feira livre acontece,
não é muito seguro para a observação direta, sendo o Complexo do Ver-o-Peso um local onde
ocorrem muitos furtos e situações perigosas em qualquer horário. O fato dos sujeitos do
comércio do pescado serem majoritariamente homens, dificulta ainda mais o processo de
pesquisa, de forma a sempre se fazer necessário uma companhia para as minhas incursões de
campo.

PARECER DO ORIENTADOR: A aluna Suelen do Nascimento Vieira, que ora apresenta seu
Relatório parcial, realizou a contento as atividades que levarão ao alcance dos objetivos do
Projeto em tela. Pesquisou a bibliografia indicada, iconografia disponível, fez as visitas técnicas
ao campo, incluindo as incursões da madrugada, inicialmente para reconhecimento e em
seguida para coletar dados primários e atualizar outros dados coletados anteriormente ou
observados em bibliografia existente e fazendo a etnografia prevista e narradas parcialmente
no Relatório. Houve dificuldades no andamento, principalmente pela fala dos equipamentos
previstos no Projeto junto à PROPESP. No entanto houve dados suficientes para demonstrar a
exequibilidade do Projeto que precisa avançar e ser concluído. O trabalho da aluna é de muita
relevância para a cidade de Belém, no que concerne aos dados gerais do Centro Histórico da
Cidade e de modo mais específico a Pedra do Peixe no Ver-o-Peso, assim como para novas
pesquisas correlatas ou afins. Desse modo se torna imprescindível a renovação da bolsa para
que a aluna possa concluir seu trabalho e contribua mais com o Projeto PRODOUTOR, em
andamento.

DATA: 23 / 02 / 2017

_________________________________________
ASSINATURA DO ORIENTADOR

____________________________________________
ASSINATURA DO ALUNO

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