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Especial 50ano FapespNOVO
Especial 50ano FapespNOVO
br
50 anos
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O céu de Bagé, no Rio Grande do Sul, escureceu em plena tarde de 12 de novembro de 1966.
Ponto privilegiado para observação do eclipse solar completo, a cidade gaúcha acolheu astrônomos
do mundo todo. Entre eles, um grupo da Universidade Mackenzie, de São Paulo: na foto, Wilson
Lopes e Pierre Kaufmann. Junto a eles, o radiotelescópio adquirido pela FAPESP, um dos primeiros
grandes equipamentos entregues a um projeto de pesquisa. A bordo do fenemê (FNM, sigla da
Fábrica Nacional de Motores), primeiro caminhão da indústria brasileira, ele foi transportado ao sul
e forneceu medições durante o espetáculo celeste.
132 Geologia
Laboratório ajuda a
reconstruir a história da
América do Sul
tecnologia 188 Biologia celular 230 Defesa nacional
Identificação de erro reorienta Legislativo ainda tem
140 Bioenergia estudos de reprodução animal participação fraca no destino
Programa Bioen amplia das Forças Armadas
conhecimento sobre 190 Pecuária
biocombustíveis Cruzamentos deixam bovinos 240 Antropologia
prontos para abate mais cedo Análise de etnografias
148 Indústria aeronáutica desfaz noção do antropólogo
Universidades e Embraer 194 Agricultura como tradutor
aperfeiçoam aviões Inseto é usado para eliminar
transmissor do greening 246 História da ciência
154 Biopolímero Transformação da alquimia
Plástico de cana-de-açúcar em química foi
degrada-se em um ano longa e suave
A
base de dados do ISI, acessível via Web of Science, solicitações concedidas anualmente entre a média verificada
mostra, em 1966, 42 artigos científicos de autores nos primeiros 10 anos da FAPESP e o valor realizado em 2011.
no Brasil. Desses, seis eram de autores no estado de
São Paulo, representando 14% do total nacional. Dez anos Média de concessões anuais entre 1962 a 1971 comparada com
depois, a produção científica brasileira era 26 vezes maior, as de 2011, classificadas segundo a área do conhecimento
(1.073 artigos). A de São Paulo cresceu 90 vezes (535 arti-
Área do Média anual 2011
gos, 48% do total nacional). Daí em diante, a participação conhecimento de 1962 a 1971
paulista ficou entre 47% e 52%.
Saúde 100 3.813
Não é difícil supor que a FAPESP, criada em 1962, tenha
CHS 98 2.174
tido um papel neste crescimento. Também não é difícil su- Engenharias 70 1.476
por que a FAPESP não seja a única responsável: a ciência Ciências biológicas 128 1.364
no Brasil e em São Paulo tem crescido e progredido graças Agronomia 58 1.285
à contribuição combinada de agências de fomento estaduais Química 54 513
e federais e graças ao desenvolvimento de algumas excelen- Física 72 422
tes universidades. Ciência e engenharia 0 309
Não se pode esquecer que as agências financiam equi- da computação
Matemática e estatística 28 298
pamento, material e formação de recursos humanos, mas
Geologia 25 268
quem faz e lidera a pesquisa são professores, pesquisado-
Arquitetura 7 198
res e estudantes de universidades e institutos de pesquisa. Economia 6 145
No Brasil, na década de 1966 a 1976 foi estruturada a pós- Astronomia e 8 57
-graduação, o que deu enorme impulso à capacidade cientí- ciência espacial
fica. Em São Paulo, a USP e algumas escolas, então isoladas Interdisciplinar 34
e que viriam a dar origem à Unesp, organizaram seus siste-
mas de pós e no mesmo período o governo estadual criou Além dos artigos publicados por cientistas paulistas em
a Unicamp. revistas internacionais terem crescido de 83 em 1972 para
A implantação da FAPESP se deu em meio a uma comu- 15.202 em 2007, seu impacto também aumentou. Os de 1972
nidade científica crescente, mais qualificada, exigente e ze- receberam, até 1977, 0,18 citação por artigo por ano (o mais
losa quanto à qualidade do apoio oferecido pela Fundação, citado recebeu 44 citações até hoje). Já os de 2007 têm rece-
conforme estabelecido na Constituição paulista. bido 1,5 citação por artigo por ano (78 deles com mais de 78
Em 1962, a FAPESP recebeu 428 solicitações de finan- citações e o mais citado de 2007 com 582).
ciamento e aprovou 329. Destas, 57 foram bolsas de várias A ciência em São Paulo tem crescido em quantidade e qua-
modalidades; as demais foram para auxílios à pesquisa. Os lidade. Os 50 anos de existência da FAPESP contribuem para
dados dos relatórios anuais elaborados pelo Conselho Téc- isso, e ao comemorarmos é bom lembrar que o desenvolvi-
nico Administrativo da Fundação e sua análise mostram uma mento científico no estado se deve à cooperação entre muitas
evolução notável: em 2011 foram recebidas 20.600 solicita- instituições. Se os 50 anos de FAPESP são fundamentais, é
ções de apoio, das quais 12.356 foram aprovadas. bom repetir que o desenvolvimento da ciência em São Paulo
Usando como referência o relatório comemorativo de não poderia ter acontecido sem o apoio do CNPq, da Capes
10 anos, publicado em 1973 por iniciativa do então diretor e da Finep, e sem o empenho da crescente comunidade de
científico, professor Oscar Sala, e coordenado pelo professor pesquisa ativa nas instituições de ensino superior e de pes-
Tamás Szmrecsányi, verifica-se que na sua primeira déca- quisa no estado.
da toda a FAPESP recebeu 10.500 solicitações, aproxima-
damente a metade da quantidade que recebeu apenas em * “Pesquisa e Desenvolvimento”, Tamás Smerecsányi (coord.),
2011. A Tabela ao lado* mostra a mudança no número de FAPESP, 1973.
O
conceito de estabelecer uma fonte permanente de de “peer review”, com bolsas destinadas à formação de
recursos para fomentar a ciência e a tecnologia e, pesquisadores e financiamento a projetos regulares pro-
com isso, apoiar o desenvolvimento econômico e postos por pesquisadores já formados.
social do estado de São Paulo começou a ser germinado Mas para “construir a autoridade” da FAPESP – no
há 70 anos, quando cientistas paulistas mostraram sua sentido que Hannah Arendt deu ao conceito – foi pre-
competência para solucionar questões técnicas e cientí- ciso agregar algo mais ao que já vinha sendo feito desde
ficas necessárias à defesa nacional quando chamados a a sua criação. Assim, além do exponencial aumento na
colaborar no esforço de guerra brasileiro. quantidade de projetos avaliados e selecionados, a atua-
Com a democratização resultante do fim do Estado ção da Fundação passou por importantes mudanças nos
Novo, a comunidade acadêmica e a Assembleia Cons- paradigmas de organização da pesquisa.
tituinte Estadual de 1946 foram capazes de se integrar Contribuiu para isto a decisão da Assembleia Consti-
para incluir na Constituição de 1947 dispositivo de apoio tuinte Estadual de 1988, em novo exemplo de integração
à pesquisa, patrocinado por deputados de partidos po- da comunidade acadêmica com o Legislativo, pela qual o
líticos com distintas perspectivas, em especial Lincoln percentual da receita anual do estado destinada à FAPESP
Feliciano, do PSD, e Caio Prado Júnior, do PCB. passou de 0,5% para 1% e se adicionou à sua missão o de-
O artigo 123 da Constituição Paulista estabeleceu que senvolvimento tecnológico, por iniciativa dos deputados
“o amparo à pesquisa científica será propiciado pelo es- Aloysio Nunes Ferreira e Fernando Leça, consubstanciada
tado, por intermédio de uma fundação, organizada em no artigo 271 da Constituição estadual de 1989.
moldes que forem estabelecidos por lei”. Os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids)
O parágrafo único do dispositivo previa o fundamento estabeleceram prazos para funcionamento autônomo de
que atribuiu à futura instituição autonomia para manter centros complexos em áreas estratégicas de pesquisa. Ou-
a regularidade no cumprimento de sua missão: “Anual- tros programas de pesquisa abrangentes, com estrutura
mente, o Estado atribuirá a essa fundação, como renda de organizacional complexa, foram criados. Alguns exem-
sua privativa administração, quantia não inferior a meio plos são o Biota-FAPESP, para estudo da biodiversidade e
por cento do total de sua receita ordinária”. proposição de políticas para seu uso sustentável; BIOEN,
A instituição efetiva da fundação foi incluída no Plano de pesquisas sobre bioenergia e o Programa FAPESP de
de Ação do Governo Carvalho Pinto (Page). Aprovado Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais. A apro-
pela Assembleia Legislativa em 1959, o Page cumpriu es- ximação com o setor empresarial para estimular a ino-
sa meta com a Lei 5.918, de 18/10/1960, sancionada pelo vação na produção foi contemplada com os programas
governador. Dois anos mais tarde, a instituição começou da pesquisa em parceria (Pite) e o da pesquisa inovativa
a funcionar segundo os estatutos aprovados no Decreto em pequenas empresas (Pipe).
40.132, de 23/5/1962, assinado por Carvalho Pinto. A internacionalização da FAPESP, por meio de acor-
Ocorreu, então, novamente, um exemplar esforço de dos com entidades congêneres no mundo, tem sido uma
integração entre a comunidade científica e os Poderes constante nos últimos anos. É uma resposta ao desafio da
Legislativo e Executivo de São Paulo, que resultaram em importância, para o avanço do conhecimento, do potencial
princípios de ação sólidos e republicanos, consubstan- de interação entre pesquisadores nacionais e estrangeiros.
ciados nos Estatutos da FAPESP, que continuam atuais Com isso, a FAPESP, graças ao trabalho de todos os que
e eficazes até agora. participaram nesses 50 anos dos seus conselhos Superior
Ao longo deste meio século, a FAPESP manteve as li- e Técnico-Administrativo, de seus funcionários, da comu-
nhas básicas de ação dos que a conceberam e instalaram: nidade científica paulista, tem sido capaz de contribuir
apoiar a pesquisa de qualidade em todos os campos do para que o estado de São Paulo se situe melhor no país e
conhecimento, sem distinção entre teórica e aplicada, no mundo, com o conhecimento gerado pelas pesquisas
por meio de processo decisório realizado pelo sistema que ela patrocina.
Celso Lafer
Presidente
Conselho Superior
Conselho Técnico-Administrativo
issn 1519-8774
Conselho editorial
Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa,
Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger,
Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo Leite,
Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo,
comitê científico
Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente),
Cylon Gonçalves da Silva, Francisco Antônio Bezerra
história exemplar
Coutinho, João Furtado, Joaquim J. de Camargo Engler,
José Arana Varela, José Roberto Parra, Luís Augusto Barbosa
Cortez, Luis Fernandez Lopez, Marie-Anne Van Sluys, Mário
José Abdalla Saad, Paula Montero, Sérgio Queiroz, Wagner
do Amaral, Walter Colli
Coordenador científico
Luiz Henrique Lopes dos Santos
O
Editores Carlos Haag, Fabrício Marques, Jorge Luiz de
Souza, Marcos de Oliveira, Marcos Pivetta, Neldson Marcolin,
Ricardo Zorzetto
planejamento desta edição especial de Pesquisa FAPESP
reportagem Carlos Fioravanti, Carlos Haag, Claudia
foi inteiramente norteado por uma concepção amadure-
Izique, Dinorah Ereno, Eduardo Geraque, Fabrício Marques,
Francisco Bicudo, Igor Zolnerkevic, Jorge Luiz de Souza,
cida numa reunião do Conselho Técnico-Administrativo
Marcos Pivetta, Marcos de Oliveira, Maria Guimarães,
Marili Ribeiro, Mariluce Moura, Ricardo Zorzetto, Salvador
(CTA) da Fundação, no segundo semestre de 2011, quando se
Nogueira e Yuri Vasconcelos
discutiam alguns detalhes das comemorações dos 50 anos da
revisão Mauro de Barros
instituição, completados em 23 de maio de 2012. Estavam ali
fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos
presentes o presidente da FAPESP, Celso Lafer, e os integran-
tes do Conselho, ou seja, o então diretor-presidente, Ricardo
ilustração e infográficos Abiuro, Daniel Bueno, Drüm,
Guilherme Kramer, Guilherme Lepca, Tiago Cirillo
apoio editorial Andressa Matias, Clair Marchetti, Ingrid Renzo Brentani (falecido em 29 de novembro e substituído em
Teodoro e Maria Paula Iliadis
fevereiro deste ano por José Arana Varela), o diretor científico,
É proibida a reprodução total ou parcial Carlos Henrique de Brito Cruz, e o diretor administrativo, Joa
de textos e fotos sem prévia autorização
quim de Camargo Engler. Segundo essa concepção, a revista
Para falar com a redação (11) 3087-4210 especial deveria ter 50 reportagens relativas a 50 projetos apoia-
cartas@fapesp.br
os três diretores da Fundação, do comitê que Pesquisa FAPESP resulta sempre de mo, liderar um bom time dos melhores
científico da Pesquisa FAPESP. Até o fe- um trabalho de cooperação intensa e cria- jornalistas brasileiros de ciência, entre
chamento final dos arquivos que seriam tiva entre pesquisadores, nossas fontes os que fazem parte da equipe regular
enviados à gráfica, o último dos quais em principais, e jornalistas, mediadores da de Pesquisa FAPESP e os colaborado-
22 de maio, eles não cessaram de receber informação, para que se produzam os tex- res que convocamos de outros veículos,
– e atender sempre – as demandas sem tos mais claros que conseguirmos sobre a para compor esta alentada edição – não
fim dos jornalistas que elaboravam as re- produção científica mais relevante deste os nomeio aqui porque são muitos, mas
portagens por informações, entrevistas, país. Não foi diferente com esta edição. seus nomes constam da assinatura de
dados, indicações de artigos científicos e, Cabe, por fim, dizer algo aqui sobre cada texto a que se dedicaram. Destaco
mais adiante, leituras críticas, resolução o imenso trabalho jornalístico e de ar- o trabalho excelente de Carlos Fiora-
de dúvidas, luzes para a elaboração de te mobilizado por esta edição especial. vanti como meu assistente direto nesta
complexos infográficos. Nomeá-los aqui, Primeiro, será preciso lembrar que ele tarefa e, na arte, o belo trabalho da de-
portanto, com os agradecimentos da equi- se fez dentro da mais estreita coopera- signer Mayumi Okuyama, que já fora a
pe da revista, é indispensável e para isso ção com a gerência de comunicação da editora de arte da revista e busquei para
mantenho a ordem em que seus nomes Fundação, Graça Mascarenhas à frente, esta missão especial. Explico: esta edi-
aparecem na rubrica “comitê científico” a quem desde janeiro solicitamos inin- ção ia sendo preparada enquanto corria
no expediente da revista. São eles: Luiz terruptamente informações, dados, tex- o processo normal de elaboração das
Henrique Lopes dos Santos (presiden- tos e imagens, entregues sempre com a edições regulares da revista, portanto,
te), Cylon Gonçalves da Silva, Francisco maior eficiência. E também com o su- era crucial valer-se de recursos exter-
Antônio Bezerra Coutinho, João Furtado, porte diário do consultor de comunica- nos. Esperamos que a edição especial da
José Roberto Parra, Luís Augusto Barbosa ção da FAPESP, Carlos Eduardo Lins da revista para comemorar os 50 anos da
Cortez, Luís Fernandez Lopez, Marie-An- Silva, que, além disso, nos brindou vezes FAPESP se mantenha duradouramente
ne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, sem conta com excelentes ideias para na condição de um testemunho vivo e
Paula Montero, Sérgio Queiroz, Wagner aperfeiçoarmos a qualidade do produ- impresso do quanto esta Fundação con-
do Amaral e Walter Colli. Vale aproveitar to. E, por último, é preciso assinalar o tribuiu para o avanço do conhecimento
a oportunidade para reiterar aos leitores quanto foi gratificante, prazeroso mes- em seus 50 anos de existência.
hipertensão
Virando o jogo da malária 12
Genes bailarinos 24
biologia molecular
defesas orgânicas
Previsões otimistas 20
30 metabolismo do açúcar A trama por trás do diabetes 34 doenças mentais Desarmonia
celular 38
Virando o jogo
da malária
Investigação científica, controle de áreas endêmicas e ação
coordenada de instituições reduzem os casos da doença em Rondônia
Claudia Izique
A
incidência da malária em Rondônia Piovesan Alves. Ela desenvolveu de outubro de
reduziu-se acentuadamente nas duas 1999 a dezembro de 2002, como projeto de dou-
últimas décadas em ritmo mais acele- torado, um estudo sobre a presença de malária
rado que no resto da Amazônia. Mas assintomática vivax em áreas hipoendêmicas da
no município de Porto Velho, capital Amazônia, orientado por Erney, profesor titular
do estado, ao contrário, o número de casos tem se na USP. E ele ampliou sua pesquisa de doenças
mantido e mesmo sofrido ligeiros aumentos nos tropicais negligenciadas para o levantamento da
últimos anos. Como explicar essas contradições? fauna de carrapatos de Rondônia e determinação
Deve-se registrar que no conjunto da região ama- da prevalência nesses artrópodes dos micro-orga-
zônica passou-se de mais de 600 mil casos em 1999 nismos Rickettsia, Erlichia e Borrelia, que podem
a menos de 300 mil em 2011. Em Rondônia, nas causar infecções em seres humanos. O projeto de
décadas de 1980 e 1990, o número de casos repre- Erney, que se estendeu de 2000 a 2004, envol-
sentava 40% do total de registros na Amazônia e veu também o diagnóstico dessas infecções e o
hoje equivale a 12%. Esse resultado deve ser cre- estabelecimento de um sistema de vigilância sa-
ditado às medidas de controle, que melhoraram nitária em Monte Negro. Quanto a Hildebrando,
sensivelmente nos últimos anos, à introdução de seu projeto apoiado pela FAPESP nesta área foi
novos medicamentos como o Artesunato, à as- o estudo de antígenos variantes de Plasmodium
sessoria técnico-científica das autoridades sani- falciparum e sua relação com formas graves de
tárias, à atuação do Centro de Pesquisas em Me- malária, de 1999 a 2001. Em valores da época, os
dicina Tropical (Cepem), da Secretaria da Saúde dois auxílios à pesquisa mais a bolsa de doutora-
do Estado, de um núcleo avançado do Instituto mento concedidos pela Fundação para esses estu-
de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade dos totalizaram um investimento de R$ 876 mil.
de São Paulo (USP), do Instituto de Pesquisa em Luiz Hildebrando estuda doenças tropicais des-
Patologias Tropicais de Rondônia (Ipepatro), e à de a década de 1950, publicou 80 artigos cientí-
obstinação de Luiz Hildebrando Pereira da Silva. ficos sobre malária e foi responsável pela criação
A FAPESP participou desse esforço em com- do Cepem e do Ipepatro. Ele foi professor de pa-
bater a malária, apoiando projetos de pesquisa rasitologia na Faculdade de Medicina da USP e,
de Hildebrando e de dois pesquisadores do ICB- ao longo de 32 anos, exilado na França, dirigiu as
-USP, Erney Plessmann de Camargo e Fabiana unidades de diferenciação celular e de parasitolo-
50% no número
põe de uma equipe especial é o fator essencial da difusão
de controle ético de estudos e extensão da endemia malá-
envolvendo seres humanos. rica. No caso de duas localida-
Houve nos últimos anos
uma redução de 50% no nú-
de casos de malária des ribeirinhas, visitantes e
moradores temporários (pes-
atendidos no Cepem”
mero de casos de malária cadores sazonais) eram res-
atendidos no Cepem e de ponsáveis por um aumento de
mais de 85% no número de 2,6 vezes no número de casos
casos de malária falciparum. registrados. Em 2007 tinha
Isso reflete a situação geral havido 102 casos de malária
de evolução da malária no entre os 379 residentes e 265
conjunto da Amazônia, em casos entre visitantes e resi-
Rondônia e em Porto Velho em particular. O nú- dentes provisórios (pescadores), em particular nos
mero de casos em Rondônia, que nas décadas de meses de piracema, quando os peixes sobem o rio
1980-90 chegou a representar mais de 40% do para desovar e são mais facilmente pescados. Ora,
total de casos da Amazônia, passou a represen- esses pescadores eram moradores da periferia de
tar em 2006 apenas 18,5%, caindo ainda mais em Porto Velho e veiculadores de malária para as áreas
2011, para 12%. Entretanto, os dados do Sivep periféricas da cidade. Os resultados nos colocaram
Malária registram uma situação particular de em posição de contestar as proposições do progra-
aumento relativo da incidência da malária em ma Global Malária da OMS que, com base no mapa
Porto Velho, que representava 34,3 % do total de mundial elaborado pelas equipes da Universidade
casos do estado de Rondônia em 2006, passando de Oxford e considerando a “baixa incidência da
em 2009, 2010 e 2011 a representar, progressiva- malária falciparum na Amazônia”, propunham a
mente, 49,8%, 53,4% e 54,9% do total de casos no utilização dos meios tradicionais para o controle,
estado. Essa situação se deve em grande parte ao em particular o uso de mosquiteiros impregnados
movimento de populações provocado nos últimos associado ao tratamento da malária sintomática.
anos pelas obras das hidrelétricas do rio Madeira. Passamos a defender uma proposição diversa para
Além dos exames no Cepem, são realizados o controle, a de identificar os focos de alta endemi-
exames nos trabalhos campo, essencialmente cidade para concentrar os instrumentos de controle
nas áreas ribeirinhas do rio Madeira para estu- tanto vetorial nos domicílios, como o tratamento
dos epidemiológicos e de controle. Equipes de dos residentes permanentes dos focos, incluindo
microscopistas são instaladas nas localidades os portadores assintomáticos de parasitas.
emergentes
meira descoberta até a proposição no mercado, uma política pública estratégica para o desenvol- Edição nº 73 – março de
e necessita de dezenas ou centenas de técnicos e vimento coordenado desta área. n 2002
Previsões
Ca+
Ca+
Ca+ + Ca+
Ca
Ca+
Ca+
Ca+ Ca+
otimistas Ca+
Eduardo Geraque
U
m bom candidato a fármaco contra a Desde os anos 1970, quando as pesquisas mo-
centenária doença de Chagas poderá leculares começaram com mais ênfase, poucos
surgir em quatro anos, segundo uma avanços no campo prático ocorreram. Fármacos
visão otimista dos pesquisadores do foram descobertos. Mas eles, até hoje, são con-
Centro de Biologia Molecular Estru- siderados bastante tóxicos. Os remédios no mer-
tural – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e cado também não funcionam para a fase crônica
Difusão (Cepid) da Fapesp. da doença, a que mais preocupa os responsáveis
“Se um dia existir um medicamento eficiente pelos setores da saúde. A maior parte do pacien-
contra a doença de Chagas, ele será feito a partir tes registrados hoje está neste grupo.
de uma tecnologia que é 100% nacional”, afirma Dentro dos laboratórios, o processo é tentar iden-
Adriano Andricopulo, um dos coordenadores do tificar as proteínas que possam ser vitais para a
centro da USP de São Carlos. proliferação da doença. Depois de conhecida esta
O caminho tem muito obstáculos, e os bons etapa, então, será preciso tentar desligar bioquimi-
resultados obtidos nos últimos anos não são ga- camente este mecanismo. O que, na prática, poderá
rantia de que o tempo previsto para a chegada cessar a infecção causada pelo parasita.
do fármaco será realmente curto. Entre todas as proteínas-alvo testadas pela
Apesar de vários avanços no conhecimento equipe de São Carlos, a cruzaína, até agora,
biológico do problema nas últimas décadas, o mostrou-se a mais promissora. Ela tem impor-
comportamento do Trypanosoma cruzi ainda tância vital para o T. cruzi. As pesquisas mos-
impõe grandes desafios aos cientistas que se de- tram que a proteína tem a ver, por exemplo,
bruçam sobre o mal. com a replicação do parasita. Desestruturá-
O estágio atual das pesquisas para domar o pa- -la, então, pela ação de um composto químico,
rasita que causa a doença reforça a importância pode ser uma forma eficiente de controle da
de um casamento entre a biologia molecular es- doença. Números da Organização Mundial da
trutural, no campo da ciência básica, e a quími- Saúde (OMS) mostram que 18 milhões de pes
ca medicinal para o desenvolvimento de novos soas têm Chagas. A maioria deste contingente
fármacos, do lado da chamada ciência aplicada. está na América Latina.
1
O T. cruzi provoca uma
lesão na membrana
2
celular. Os lisossomos soltam
Íons de cálcio entram uma enzima que ativa
na célula e fundem os a ceramida, um lipídeo
lisossomos – organelas presente na estrutura
responsáveis por destruir celular.
corpos estranhos – com Ao reparar a membrana,
a membrana celular a ceramida ajuda
o T. cruzi a entrar na
célula
3 Uma vez na
célula o T. cruzi
multiplica-se
até rompê-la
Depois de a pesquisa básica mostrar que o can- nistas da história da pesquisa sobre Chagas no
didato a fármaco realmente atinge o alvo já valida- país nestas últimas quatro décadas.
do pelos pesquisadores, é que novos desafios serão “No Brasil, o enfoque molecular começou a ser
vencidos. Um fármaco, para ser usado do ponto de dado realmente em São Paulo, nos anos 1970. O
vista clínico, precisa ser absorvido, metabolizado Trypanosoma cruzi é um modelo para estudos bio-
e distribuído no organismo. Ele precisa agir tanto lógicos. Nesse período, houve muita evolução no
em nível molecular quanto em escala sistêmica. Ou campo da pesquisa básica. Mesmo assim, estamos
seja, matar realmente o T. cruzi. E não provocar, muito longe de ter um conhecimento completo
junto, a intoxicação do paciente. da biologia do cruzi”, afirma, convicto, o cientista.
A importância da biologia molecular nas pes- A busca pelo entendimento de como a relação
quisas de Chagas está sedimentada desde os anos entre parasita agente transmissor e hospedeiro
1970, quando avanços importantes neste campo ocorre gerou muito conhecimento em pesquisa
começaram a ocorrer porque os grupos de pesquisa básica ao longo dos anos, diz Colli. Além de for-
paulistas passaram a focá-lo com bastante ênfase. O mar muitos profissionais qualificados nas áreas da
objetivo desse olhar voltado mais ao nível molecu- bioquímica e da genômica, principalmente. Um
lar era tentar barrar a proliferação de protozoários olhar mais molecular para o problema sucedeu a
dentro das células hospedeiras, no caso, humanas. visão morfológica, que era antes predominante.
O próprio grupo de Colli, no Instituto de Quí-
P
rojetos e programas de pesquisa voltados mica da USP, acabou, indiretamente, contribuin-
ao tema começaram a ser criados e incen- do para a descoberta de uma molécula nova, que
tivados pelos órgãos de fomento, como a acabou totalmente conhecida em 1979. A douto-
FAPESP. Os resultados científicos gerados nas randa Maria Júlia Manso Alves chegou à estrutu-
bancadas dos laboratórios paulistas desde aque- ra a partir de achados do próprio grupo. Ela de-
infográfico tiago cirillo
la época podem ser divididos em dois grandes monstrou que o cruzi era repleto de açúcares em
grupos, de acordo com o médico Walter Colli, sua forma. O pesquisador Michael Ferguson, da
professor titular do Instituto de Química da Uni- Escócia, repetiu o trabalho. E depois comunicou
versidade de São Paulo (USP) e um dos protago- aos brasileiros que as âncoras proteicas que ele
U
vários grupos de pesquisa, como os da equipe ma outra possibilidade, o desenvolvimento
do Instituto de Biologia Molecular do Paraná, de vacinas contra Chagas, já foi pratica-
vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mente descartada pela comunidade cien-
indica algo diferente. Grande parte da regulação tífica. “Não vai ser possível, por essa via, obter
da expressão gênica do T. cruzi ocorre depois da uma imunização 100%. Existe uma questão de
transcrição. O que seria um mecanismo novo de logística. Em quem aplicar, por exemplo, a va-
síntese de proteína a partir do DNA. cina? Em todos os 190 milhões de brasileiros?”
Vários grupos concordam que essa diferença Como a transmissão pelo inseto barbeiro pra-
importante entre o protozoário e outros seres ticamente acabou, diz Colli, não se tem um pú-
vivos no campo molecular pode ser uma ferra- blico-alvo bem delimitado para receber a vacina.
menta poderosa que explicaria boa parte do su- A forma de transmissão ativa hoje é por meio da
cesso do parasita em invadir as células de seus ingestão de alimentos contaminados pelas fe-
hospedeiros. zes do barbeiro. Os últimos casos, por exemplo,
E
stimativas indicam que um medicamento, para Não é que a transmissão esteja ativa. Mas são
ser colocado na praça, custa para uma empre- países pobres casos antigos, que começam a aparecer agora.
sa algo ao redor de US$ 1 bilhão. E o tempo Depois de o ciclo da doença ficar conhecido,
para ele ficar pronto é algo em torno de 20 anos. desmotiva os as formas de combater a doença passaram a ser
Outros dez anos devem se passar até o remédio mais ou menos delineadas. Ficou claro que eli-
começar a dar retorno comercial. Ninguém, diz investimentos minar o barbeiro, para cortar a transmissão por
Colli, está disposto a fazer isso no caso do mal de completo, seria certamente o método mais eficaz
Chagas. A maioria das pesquisas em biologia apli-
na pesquisa de frear o mal. Ou então, por meio da biologia dos
cada neste campo, nos últimos anos, é feita a partir de novos agentes envolvidos, impedir que o protozoário
de instituições sem fins lucrativos, que investem saísse do intestino do barbeiro para invadir as
grande quantidade de dinheiro a fundo perdido. fármacos células hospedeiras humanas poderia ser outra
A busca de medicamentos mais eficazes para boa estratégia de combate ao mal de Chagas. n
adultos é apenas parte do problema. Remédios para
crianças, por exemplo, que sejam seguros, também
são raros. Mas, em nível sul-americano, a própria
transmissão da doença, da forma tradicional, via O projeto
barbeiro, ainda é um realidade em várias regiões.
Centro de Biologia Molecular Estrutural – nº 1998/14138-2
O pior caso é na Bolívia, onde cerca de dez mil ca- (2000-2012)
sos novos são registrados a cada ano. Mesmo no Modalidade
Brasil, existem indícios de que a doença pode estar Programa Centros de Pesquisa (Cepid)
se instalando em algumas regiões da Amazônia. Coordenador
A aproximação do ser humano de áreas vege- Glaucius Oliva – IFSC/USP
cluiu o estudo em 14 de abril de 1909 (o artigo da BALLIANO, T. et al. Kinetic and Crystallographic Studies on
publicação científica é de 22 de abril do mesmo Glyceraldehyde-3-Phosphate Dehydrogenase from
Trypanosoma cruzi in Complex with Iodoacetate. Letters in
ano), descoberta considerada até hoje a mais im-
© Fundação Oswaldo Cruz-Casa de Oswaldo Cruz-IOC (AC-E)6-33
Genes bailarinos
Equipe do Incor reduz de 2 mil para 80
os fragmentos de DNA candidatos a explicar
a origem da hipertensão
N
uma entrevista pingue-pongue con- numa rede, e vai ficar hipertenso.” É esse “o esta-
cedida em maio para a edição de ju- do da arte atual” sobre a hipertensão essencial ou
nho de 2012 de Pesquisa FAPESP, o primária. Sabe-se dessa “combinação do terreno
professor Eduardo Moacyr Krieger, com o meio ambiente” e não se sabe “mexer no
que em 1985 organizou a Unidade de terreno” preventivamente, mas é o que se quer
Hipertensão do Instituto do Coração (Incor) da conseguir. Se os genes envolvidos na hipertensão
Faculdade de Medicina da Universidade de São forem identificados, se for possível saber a carga
Paulo (FM-USP), origem de um dos mais impor- genética de cada um e com base nisso trabalhar
tantes grupos de pesquisa de hipertensão do país com aconselhamento genético, talvez a hiperten-
e com respeitada inserção internacional, voltou são essencial que atinge 50% dos adultos acima
a lembrar que o sistema de regulação da pressão de 60 anos se torne uma epidemia do passado.
arterial está intimamente ligado aos genes. “Re- Muitos anos antes, em 1999, outro Krieger, o
cebemos como carga genética os mecanismos professor José Eduardo, diretor do Laboratório
controladores da pressão, eles fazem a síntese de Genética e Cardiologia Molecular do Incor,
dos mecanismos pressores e depressores. Essa integrante da equipe e filho do professor Eduar-
carga pode facilitar a produção de substâncias do Moacyr, dissera a Pesquisa FAPESP (edição
pressoras ou formar menos substâncias hipoten- 47, outubro): “Não temos a ilusão de explicar a
soras. Aí começa a história: temos de saída alguma hipertensão por um único defeito genético”. Co-
predisposição para ser hipertenso ou não”, disse. ordenador de toda a parte de genética do projeto
Essa predisposição, entretanto, não basta. Pa- temático Bases fisiológicas da hipertensão: estudo
ra o problema eclodir, há que se ter o concurso integrado, apoiado pela FAPESP desde 1995, ele
decisivo do meio ambiente, “que está o tempo observou na época que, em nenhum problema
todo suscitando regulação da pressão arterial”. biológico complexo ou, mais exatamente, em ne-
E esse meio ambiente, Krieger detalhou, “é o sal, nhuma das doenças complexas que normalmente
a inatividade, a obesidade, o estresse, todas essas correspondem a grandes linhas dos programas de
coisas que de uma forma ou de outra mexem com saúde pública, caso de diabetes, câncer, asma, ate-
o sistema de regulação”. Alguém com um sistema rosclerose, epilepsia e esquizofrenia, encontra-se
SCIENCE PHOTO LIBRARY
de regulação muito bom pode ser submetido a to- um único gene responsável pelo mal. “O que as
das as pressões ambientais e seguir com a pressão explicam são defeitos em vários genes que, sob
normal. “Mas outro, com um sistema muito ruim, a influência de diferentes fatores ambientais,
pode ficar sem comer um grama de sal, deitado determinam as manifestações da doença”, disse.
fisiologia da hipertensão
1940/
1950
biologia molecular
a Dupla hélice
Francis Crick e
James Watson
definem a estrutura
tridimensional do DNA
S
upõe-se hoje que a emergência da hiperten-
Quase 13 anos de estudos sistemáticos e mais são primária resulta de vários defeitos pe-
de 200 artigos científicos depois, publicados nas quenos em múltiplos genes ligados às vias
mais importantes revistas da área – relatando de regulação homeostática do organismo (que
avanços na compreensão teórica da fisiologia e da mantém o equilíbrio da temperatura, pressão, ní-
genética de doenças cardiovasculares, apresen- vel de glicose no sangue etc.). Há, em paralelo, um
tando dados novos para um perfil epidemiológico consenso de que, em 90% dos casos, essa epidemia
cardiovascular dos brasileiros ou explorando os contemporânea resulta de uma estreita interação
resultados da produção de linhagens cada vez entre fatores ambientais e genéticos. Diferente-
mais refinadas de ratos hipertensos –, ainda não mente, nos 10% restantes, em que se situam as
livraram o grupo do Incor, nem qualquer outro formas mais resistentes da hipertensão e aquelas
do mundo, de uma questão central e implacável produzidas por doenças raras, encontram-se ca-
que se mantém como desafio no campo das doen- sos sem nenhuma relação com fatores ambientais
ças cardiovasculares: quais são os determinantes e nos quais, tanto múltiplos genes quanto um só
genéticos da hipertensão primária, essa doença defeito, num único gene, podem determinar a
que atinge 22% da população brasileira adulta e condição patológica da pressão arterial.
um total de 970 milhões de pessoas no mundo? É surpreendente e um pouco frustrante, diz
“Já reduzimos para quatro as cinco regiões Krieger, que a busca incessante desde os anos
cromossômicas em que buscávamos experimen- 1990 pelos componentes genéticos da hiperten-
talmente os genes candidatos a desempenhar um são tenha levado a achados mais definitivos jus-
papel claro na emergência da hipertensão, após o tamente nessas situações de doenças raras e não
desenvolvimento de 12 gerações de ratos hiper- relativamente às manifestações mais gerais e
tensos, ou seja, de modelos animais para investi- comuns do problema. “Há estudos nesses casos
gação, em nosso laboratório”, diz José Eduardo de um só defeito descrito em todos os detalhes”.
Krieger, professor titular de medicina molecular Por exemplo, Richard Lifton,do Departamen-
na USP. E valendo-se de todo o sofisticado arse- to de Genética da Universidade Yale, e colegas
nal de ferramentas que a biologia molecular hoje descreveram nos últimos 15 anos uma série de
coloca à disposição para essa procura por genes, alterações genéticas que desencadeiam a hiper-
cruzando-as com estudos de fenótipos cardíacos tensão dependente da retenção indesejável de
e de fenótipos vasculares que os dados diretos sal e água no organismo.
de pacientes do Incor e mais estudos epidemio- No terreno dos casos alheios à hipertensão
lógicos em diferentes grupos populacionais lhe primária estão também aqueles que têm causa
1960 1970
U
engenharia genética tilizar veias, vasos especializados no trans-
porte de sangue sob condições de baixo
fluxo e pressão, no lugar de artérias, que
renal muito bem determinada. “Quando a razão transportam sangue sob pressões até 20 vezes
da hipertensão é a estenose renal, por exemplo, mais elevadas, limita a cerca de uma década
ela é curável. Corrige-se o defeito simplesmente a durabilidade de parte das pontes de safena.
com um stent, semelhante àquele que se aplica Ocorre o entupimento, ainda que parcial, do im-
em casos de estreitamento da artéria coronária”. plante de segmentos dessa veia retirada da perna
Mas o fato, segundo Krieger, é que a condição sine usado para restabelecer o suprimento de san-
qua non para que a hipertensão seja controlável gue do coração. Em uma série de experimentos
é o rim estar preservado. Seguidor em termos com ratos e vasos sanguíneos humanos, o grupo
teóricos do famoso fisiologista norte-americano de Krieger observou que a pressão do sangue
Arthur Guyton (1919-2003), Krieger defende que sobre as paredes do vaso altera a programação
o sistema nervoso e o estresse, por exemplo, só das células de veias submetidas às condições de
terão um papel permanente na manutenção da funcionamento das artérias. Como resultado,
hipertensão se o sistema renal estiver alterado. as paredes das veias se tornam excessivamen-
“O rim preservado possibilita ganho infinito na te espessas alguns anos depois da cirurgia de
batalha pelo controle da pressão”, diz. Essa vi- revascularização do coração. Essa investigação
são nem sempre foi tranquila e consensual entre já resultou na identificação de várias proteínas
os componentes do grupo do Incor e, pragmati- envolvidas no espessamento dos implantes, duas
camente, o chefe do Laboratório de Genética e delas caracterizadas completamente pela equipe
Cardiologia Molecular diz que “visões teóricas do Incor: a proteína produzida pelo gene p21,
conflitantes são muito saudáveis, até porque am- que inibe a reprodução celular e em geral está
pliam as possibilidades de avançar”. menos ativa nessas condições; e a produzida
Por mais que não se tenha posto a mão, diga- pelo gene CRP3, em geral ativo apenas nas ar-
mos assim, nos genes que desde regiões celula- térias, mas que também é produzida pelas veias
res remotas supostamente ajudam a empurrar a usadas na função de artérias, conforme relatou
coluna de mercúrio dos tensiômetros para além Krieger à Pesquisa FAPESP em junho de 2009
dos 90 milímetros, no movimento de diástole, e (edição 160).
acima dos 140 milímetros, na sístole, o inventá- O professor Eduardo Moacyr assumiu a chefia
rio do trabalho científico do grupo dos Kriegers da Unidade de Hipertensão do Incor depois de
infográfico tiago cirillo
mostra avanços contínuos e consistentes desde 28 anos de uma respeitada carreira de professor e
que se instalou no Incor. Isso engloba os muitos pesquisador na Faculdade de Medicina da USP de
trabalhos teóricos e experimentais em torno dos Ribeirão Preto. Ali sua principal linha de pesquisa
mecanismos de controle da pressão arterial e, fora estudar em modelos de hipertensão expe-
1980 1990
rimental (ratos, pioneiramente) os mecanismos apresentasse uma distribuição aleatória dos ge-
de regulação da pressão arterial, principalmente nes de cada um dos dois tipos”. Ao todo, o grupo
os mecanismos neurogênicos. Assim, ao chegar obteve 12 gerações de ratos e múltiplas sublinha-
ao Incor, ele trazia uma expertise considerável gens de animais congênicos. E nas experiências
para iniciar a formação de um grupo multidisci- a transição com essa geração procurou-se determinar com
plinar de pesquisa que se tornaria um dos mais Ferramentas e precisão, via marcadores moleculares, quais regi-
respeitados do mundo em seu campo. Em 1995, produtos da biologia ões cromossômicas os netos hipertensos haviam
liderando uma equipe de 11 pesquisadores, entre molecular, como o herdado de seus avós hipertensos.
biólogos moleculares, fisiologistas e médicos clí- PCR, começam a se A busca por genes vinculados à hipertensão
nicos, ele submeteu à FAPESP o temático Bases tornar commodities e não é uma aventura meio determinista como
fisiológicas da hipertensão, que se articulava a um toda a biologia passa pode parecer. Encontrá-los aumenta as chances
esforço internacional pelo estabelecimento das a incorporar conceitos de uma descrição precisa dos vários sistemas de
bases genéticas da pressão arterial. Em alguns de genética e biologia controle da pressão arterial, a exemplo do renina-
estudos específicos, a pesquisa brasileira contava molecular -angiotensina, descrito ainda em 1949, e amplia as
com a colaboração de pesquisadores do Medical possibilidades de compreensão dos fundamentos
College de Wisconsin e das universidades Har- das diferenças no comportamento dos sistemas
vard e da Carolina do Norte. de controle em pessoas igualmente hipertensas.
Por fim, permitiria estabelecer prevenção e tera-
E
m 1999, reportagem de Pesquisa FAPESP pias mais adequadas a cada paciente.
(edição 47, outubro) informava que se havia Apesar de o trabalho do grupo do Incor fechar
chegado a “alguns resultados muito concre- o cerco aos genes candidatos a explicar a hiper-
tos”. O primeiro, publicado em 1995 em artigo na tensão, o universo a ser descartado ainda é grande,
Genome Research, fora “a identificação de cinco pois cada uma das quatro regiões que identifica-
regiões cromossômicas em animais de experi- ram abriga cerca de 500 genes. Desde que chegou
mentação (ratos), que explicavam em grande par- a essas regiões, Krieger já conseguiu restringir o
te o aumento da pressão arterial nessas cobaias”. número de genes de interesse de quase 2 mil pa-
infográfico tiago cirillo Fonte linha do tempo e infográfico: josé eduardo Krieger / incor-usp
Parecia haver nessas regiões genes diretamente ra cerca de 80. E continua um trabalho ativo com
envolvidos com a hipertensão e eles seriam busca- ferramentas exploratórias variadas (chip de DNA,
dos por meio de múltiplas abordagens. Nos ratos, transcriptoma, micro RNA e outras) para selecio-
duas das regiões se encontravam no cromossomo nar genes candidatos nos ratos, aliadas aos estudos
2 e as demais nos cromossomos 4, 8 (que estudos de genótipos e fenótipos possibilitados pela obser-
posteriores descartaram) e 16. Havia então uma vação e exames dos pacientes do Incor e do mate-
forte disposição para buscar as regiões cromos- rial dos grandes estudos epidemiológicos como o
sômicas humanas correspondentes. estudo transversal da população de Baipendi, em
Chegou-se às cinco e, adiante, às quatro re- Minas Gerais, realizado com 1.700 pessoas (14%
giões cromossômicas num trabalho contínuo da população adulta) de 100 famílias. “Se chegar-
de cruzamentos e caracterização fenotípica das mos a um ou dois genes candidatos em cada um
cobaias, além da caracterização dos marcadores dos quatro modelos animais e, trabalhando com
moleculares usados na busca dos genes. Confor- técnicas de genômica comparativa, testaremos no
me a reportagem de 1999, “o cruzamento entre genoma humano se existe a alteração dos mesmos
hipertensos e normotensos (com pressão arterial genes ou ao menos das vias bioquímicas com a
normal) visou à obtenção de netos, isto é, de uma qual esses genes estão implicados”, diz Krieger,
segunda geração de animais cuja carga genética “vamos dar um grande passo”. n
2000 2010
mapeamento de
síndromes Garimpagem genética
São identificadas várias
regiões cromossômicas Pesquisadores combinam genética e biologia molecular em
em animais de laboratórios, busca dos genes possivelmente envolvidos na hipertensão
associadas à gênese de
doenças complexas
Os projetos
Gene do rato hipertenso
Estudo integrado da hipertensão arterial: 5 regiões
caracterização molecular e funcional do sistema
cardiovascular – nº 2001/00009-0 (2001-2006) 2 4
Da bancada à clínica: desenvolvimento de
biomarcadores como preditores da resposta à
8 16
Genes Genes que
terapêutica e lesão de órgãos-alvo na hipertensão iguais diferem
arterial sistêmica – nº 2007/58942-0 (2009-2012)
GENE
Mapeamento genético de fatores de risco
cardiovascular na população brasileira – projeto Exon
corações de Baependi – nº 2007/58150-7 (2008-2012) Intron
Modalidade
Gene do rato normal
1. e 2. Projeto Temático Intron
3. Auxílio regular a projeto de pesquisa
Coordenador Em busca de uma linhagem ideal O acasalamento de ratos com pressão
1. e 2. Eduardo Moacyr Krieger – Incor/FMUSP normal e outros hipertensos por sucessivas gerações permitiu identificar cinco
3. José Eduardo Krieger – Incor/FMUSP
regiões cromossômicas ligadas à hipertensão
Investimento
R$ 6.110.874,19
R$ 3.306.336,56
R$ 1.832.181,66
400 a 500 genes cantidatos em
cada região cromossômica
Artigos científicos
Storck, N. J. et al. A biometrical genome search in mistura de genomas Animais das linhagens portadoras de cada região
rats reveals the multigenic basis of blood pressure
variation. Genome Research. 1995.
foram cruzados novamente com ratos hipertensos, o que possibilitou reduzir
o número de genes suspeitos
CAMPOS, L.C. et al. Induction of CRP3/MLP expression
during vein arterialization is dependent on stretch
rather than shear stress. Cardiovascular Research. 2009.
Quando o
organismo
se destrói
Amplia-se o conhecimento de mecanismos
moleculares da sepse, reação inflamatória
fatal produzida pelo sistema imunológico
Salvador Nogueira
nismo é repelida com relativa facilidade pelo de Sofia: se os médicos atacam o sistema imune,
sistema imunológico. A infecção e a inflama- a infecção corre desimpedida. Se deixam que ele
ção generalizadas só costumam acontecer quan- atue, ele mesmo destrói o organismo.
do há algo errado com a rede de defesa do corpo. É preciso, portanto, uma estratégia mais fina,
Por isso, normalmente a sepse acomete quem já que manipule de forma mais sutil o sistema sem
está hospitalizado, sobretudo nas Unidades de desligar nada. É na busca desse conhecimento
Terapia Intensiva (UTIs). que está o grupo de Queiróz Cunha.
óxido nítrico
ajuda a identificar
as bactérias
ativada a ação
ativada a ação
dos neutrócitos
dos neutrócitos
uínea
sang te
os neutrócitos corre
n
ingerem e
digerem as
bactérias
estranhas
Eles descobriram, por exemplo, que o nas revistas científicas Shock, Blood e
estratégia promissora. Como diversos tes clínicos. Uma vez que essas drogas
medicamentos bloqueiam a absorção já foram aprovadas para alguns usos, Artigos científicos
do cálcio e são usados no controle da seria possível encurtar bastante o tempo
1. ROSSI, M. A. et al. Myocardial structural
pressão arterial e na regulação do ritmo de teste para convertê-los numa ferra- changes in long-term human sepsis/septic
cardíaco, Rossi e Cunha tiveram a ideia menta útil na proteção ao coração du- shock may be responsible for cardiac
de tentar usá-los, em animais, para ver rante um quadro de sepse – o que, por dysfunction. Shock. v. 27, n. 1, p. 1-18, 2007.
se havia como protegê-los da sepse. Os si só, já reduziria significativamente a 2. CELES, M. R. et al. Disruption of sarcolemmal
resultados, em colaboração com pequi- mortalidade, pelo menos na fase inicial dystrophin and beta-dystroglycan may be a
potential mechanism for myocardial
sadores do Albert Einstein College of da doença. dysfunction in severe sepsis. Laboratory
Medicine, em Nova York, foram muito Apesar desse potencial, nenhum gru- Investigation. v. 90, p. 531-42, 2010.
expressivos. po especializado em pesquisa com seres 3. CELES, M. R. et al. Reduction of gap and
O grupo demonstrou conclusivamente humanos o procurou para colocar a es- adherens junction proteins and intercalated
que há um aumento dramático de cálcio tratégia em prática. “Fala-se muito na disc structural remodeling in the hearts of
mice submitted to severe cecal ligation and
nas células cardíacas quando o organis- tal medicina translacional, mas não se puncture sepsis. Critical Care Medicine. v. 9,
mo passa por um quadro de sepse. Ape- pratica. A gente conduz a coisa no la- p. 2176-85, 2007.
nas dois minutos depois da instituição do boratório, mas falta quem pegue dali e 4. CELES, M. R. et al. Increased sarcolemmal
choque séptico, o cálcio aumenta 60%. leve de volta ao hospital. E no Brasil são permeability as an early event in experimental
septic cardiomyopathy: a potential role for
Passadas 24 horas, ele continua aumen- ainda mais temerosos”, critica.
oxidative damage to lipids and proteins. Shock.
tado em 20%. Mas, quando há tratamen- Enquanto a transferência não aconte- v. 33, n. 3, p. 322-31, 2010.
to, a história é outra. ce, Rossi e Cunha continuam trabalhan-
“Mostramos que há extrema melho- do para desvendar todos os mecanismos
De nosso arquivo
ra quando os animais são tratados com moleculares envolvidos nesse conflito do
bloqueadores de cálcio”, diz Rossi. En- organismo contra si mesmo. E seus es- Fora de controle
Edição nº 172 – junho de 2010
quanto no grupo controle (camundongos tudos seguem apresentando potenciais
sem nenhum tratamento), após 72 horas, alvos para intervenção médica no grande Resposta controlada
Edição nº 160 – junho de 2009
a mortalidade era de 90%, nos tratados desafio que é vencer a sepse. ■
fotos Marcos Rossi/FMRP-USP
Maria Guimarães
H
á vinte anos esmiuçando o funcionamento bio-
químico de organismos que desenvolvem diabe-
tes tipo 2, o médico Mario Saad, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), descobriu que
a genética talvez seja a parte menos importante.
“Nós somos o que comemos, menos a quantidade de exercício
que fazemos, além do tipo de bactéria que temos no intestino”,
resume. Uma boa máxima, ele admite, para um médico que
pode assim aconselhar aos pacientes um estilo de vida que os
proteja contra a doença – que atinge 350 milhões de pessoas
no mundo todo e causa problemas como obesidade, risco de
amputações e até a morte – ou diminua sua progressão.
Mas não se trata de invenção para convencer pacientes: a
convicção de que o ambiente externo e as bactérias intestinais
sobrepujam a proteção genética no surgimento de obesidade
e diabetes está fundada em sólida pesquisa. O grupo de Saad
revelou, em artigo publicado em dezembro de 2011 na PLoS
Biology, que a população bacteriana inerente a qualquer in-
testino humano, além de benefícios à digestão, também pode
contribuir para a resistência ao hormônio insulina pelas cé-
lulas, a condição precursora do diabetes. Quando o problema
se instala, a insulina – mesmo que presente em altas concen-
trações – deixa de conseguir indicar às células dos múscu-
los e de outros tecidos que retirem a glicose do sangue para
estocá-la ou transformar em energia. Em experimentos com
camundongos, a equipe da Unicamp verificou que o proble-
ma pode ser causado por uma proporção atipicamente alta
A
respostas no Projeto Genoma Humano, Em parte, são defeitos nesse meca- obesidade, os estudos reforçam
mas agora precisamos sequenciar o ge- nismo que causam o diabetes do tipo 2, cada vez mais, é um fator impor-
noma das bactérias para ver como elas aquele em que o pâncreas produz uma tante que age de várias formas no
interagem com o organismo humano.” quantidade suficiente de insulina, mas desenvolvimento do diabetes. Um desses
ela não consegue acionar a maquinaria elos é o angiotensinogênio produzido nas
Rebeliões internas celular responsável por capturar a gli- células adiposas. Essa proteína é precur-
A contribuição das bactérias para o de- cose. Parte do problema acontece nos sora da angiotensina, molécula que tem
senvolvimento de diabetes lembra a ação receptores de insulina nas células do função central no controle da pressão ar-
de alienígenas que invadem o corpo, mas cérebro, mais especificamente no hipo- terial. Em 1995, durante pós-doutorado
esses microrganismos na verdade estão tálamo. Problemas de sinalização nes- com Saad, Lício Velloso se embrenhou
dentro de um contexto muito mais amplo sa parte do corpo podem desregular, no problema e acabou por mostrar que a
de controle bioquímico do metabolismo por exemplo, o apetite, causando uma angiotensina também é um empecilho à
do açúcar, que pode dar errado por uma tendência a comer sem medidas. O que ação da insulina, por meio de alterações
longa série de motivos que vem rechean- hoje é uma falha no funcionamento po- na IRS-1. Estava estabelecida uma co-
do a carreira de Saad. “O que se sabia era de já ter sido importante na evolução nexão clara entre obesidade, diabetes e
que a insulina se encaixava nos recepto- do homem, explica Saad. “A fome e as hipertensão, um trio que costuma andar
res das células e alguma coisa acontecia epidemias causadas por doenças infec- de mãos dadas. Mais do que isso, o grupo
para causar um efeito biológico”, brinca, ciosas, que foram as grandes causas de mostrou também – no trabalho de Carla
resumindo o conhecimento no começo morte de nossos ancestrais, podem ter Carvalho, outra pós-doutoranda – que
dos anos 1990, época de seu pós-doutora- selecionado os genes que favoreçam o drogas anti-hipertensivas que reduzem
do no Centro Joslin de Diabetes, parte da armazenamento de energia e respostas os teores de angiotensina também con-
Escola Médica de Harvard, nos Estados rápidas às infecções.” O próprio acúmulo tribuem para um melhor funcionamen-
Unidos. Foi lá mesmo, durante a estadia de gordura pode ser visto como um me- to da insulina, causando uma melhora
do médico brasileiro, que foi identifica- canismo de defesa caso falte alimento, no quadro de diabetes. A importância
do o substrato do receptor de insulina como era comum nos tempos em que a da descoberta passou longe de desper-
(IRS-1), primeiro passo para entender o espécie humana vivia em cavernas. Hoje, cebida pela comunidade científica. Foi
mecanismo molecular de resistência ao porém, o organismo mantém a ordem de divulgada em 1996 na PNAS e é hoje o
hormônio responsável pelo equilíbrio da comer muito, mesmo que nem sempre a artigo do grupo de Saad mais citado em
glicose no organismo. comida seja escassa. publicações acadêmicas.
M
IRS-1 ostrando que essas relações nun- mo do diabetes, para quem sabe um dia
ca são lineares e que o organis- encontrar mais soluções. n
mo funciona como uma rede
GLUT-4 altamente complexa, essas enzimas –
assim como a óxido nítrico sintase in- Projetos
GLUT-4 duzível (iNOS) – também são acionadas 1. Mecanismos moleculares de resistência à
pelas proteínas de membrana celular insulina em hipotálamo e tecidos periféricos –
TLR-4. Estas, por sua vez, respondem nº 2001/03176-5 (2002-2006)
2. Instituto Nacional de Obesidade e Diabetes –
aos lipopolissacarídeos liberados pe- nº 2008/57952-5 (2009-2014)
INTESTINO la microbiota intestinal dominada por Modalidade
Firmicutes, aquela mesma que contribui 1. e 2. Projeto Temático
Os LPS* liberados por bactérias acionam o
TLR-4**, que ativa proteínas que alteram para a obesidade e o diabetes. O grupo Coordenador
os receptores de insulina. da Unicamp demonstrou o protagonismo 1. e 2. Mario José Abdalla Saad – FCM/Unicamp
LPS do TLR-4 com experimentos usando ca- Investimento
1. R$ 1.116.696,66
mundongos mutantes em que o receptor 2. R$ 3.241.614,71
para essa proteína não é funcional: esses
TLR-4 animais podiam se esbaldar numa dieta
JNK Artigos científicos
IKK-beta gordurosa, e mesmo assim não engor-
davam. Exatamente o contrário do que 1. VELLOSO, L. A. et al. Cross-talk between the
INOS aconteceu no mesmo laboratório, anos insulin and angiotensin signaling systems.
PNAS. v. 93, n. 22, p. 12490, 1996.
depois, com animais mutantes para o
TLR-2. O LPS, mesmo produzido em 2. TSUKUMO, D. M. L. et al. Loss-of-function
mutation in Toll-like receptor 4 prevents diet-
grandes quantidades, não causava pro- induced obesity and insulin resistance.
blemas. Essa importância do TLR-4 na Diabetes. v. 56, n. 8. p. 1986-98, 2007.
IRS-1
conexão entre dietas cheias de frituras 3. CARICILLI, A.M. et al. Gut microbiota is a key
GLUT-4
e o desenvolvimento de diabetes foi par- modulator of insuline resistance in TLR2
te do trabalho de doutorado de Daniela knockout mice. PLoS Biology. v. 9, n. 12,
infográfico tiago cirillo, fonte: MARIO SAAD/UNICAMP
GLUT-4
e1001212, 2011.
Tsukumo. Publicados em 2007 na Dia-
* Lipopolissacarídeos ** Receptor toll like
betes, os resultados renderam ao grupo
de Saad uma de suas publicações mais De nosso arquivo
citadas em artigos científicos. Da obesidade ao diabetes
Revelar esse papel dos receptores da Edição nº 82 – dezembro de 2002
família toll like é importante para a com- Dieta de alto risco
preensão de como a doença funciona, Edição nº 140 – outubro de 2007
mas ainda não chega perto de dar ori- Conexões viscerais
gem a terapias para controlar o diabetes. Edição nº 193 – março de 2012
celular
Desarmonia
Ricardo Zorzetto
O
psiquiatra suíço Eugen Bleuler em outras partes do organismo. E identificaram
balançou o pensamento de sua modificações na estrutura e no funcionamen-
época ao propor em 1911 o termo to das células cerebrais que contribuem para
esquizofrenia para nomear as en- uma compreensão mais abrangente da origem
fermidades mentais marcadas por da esquizofrenia. Somados a trabalhos de grupos
uma dificuldade intensa de estru- estrangeiros, esses resultados deixam cada vez
turar o pensamento e estabelecer laços afetivos. mais evidente que, assim como em outras doenças
Para Bleuler, fragilidades emocionais estariam mentais, são vários os fatores biológicos que in-
na origem da esquizofrenia, até então vista como fluenciam a suscetibilidade e o desenvolvimento
um problema de causa exclusivamente biológica. dessa enfermidade que faz as pessoas sentirem
Desde que apresentou suas ideias, a explicação um profundo vazio emocional e provoca delírios
de como e por que surge a esquizofrenia mudou e alucinações. E, à medida que as investigações
outras vezes. Depois de as opiniões oscilarem entre avançam, mais elementos aparecem.
extremos, hoje, cem anos mais tarde, aparente- O grupo do psiquiatra Wagner Farid Gattaz na
mente se chegou a um meio-termo, que concilia a Universidade de São Paulo (USP) detectou cerca
visão psicológica e biológica. Acredita-se que essa de 300 alterações genéticas que podem compro-
enfermidade, que se manifesta em 1% da popula- meter o desempenho do cérebro e caracterizar
ção, seja o resultado do desenvolvimento – e con- a esquizofrenia; 25% desses genes estão ligados
sequentemente do funcionamento – inadequado à produção de energia e 20%, ao crescimento
das células do cérebro, agravado ou amenizado celular. “Esses dados tornam a compreensão da
por características emocionais do indivíduo ou por esquizofrenia mais realista”, afirma Gattaz.
fatores sociais e ambientais. Agora há sinais de que Talvez já fosse esperado encontrar tantos fatores
LOUISE WILLIAMS/SCIENCE PHOTO LIBRARY
E
stão se acumulando evidências de que na
B
esquizofrenia não é só a transmissão de in-
formação de uma célula a outra que está pre-
judicada. O funcionamento celular parece estar
comprometido, segundo estudos de proteômica
do biólogo Daniel Martins-de-Souza, atualmen-
te no Instituto Max Planck de Psiquiatria, na
Alemanha. Daniel comparou o funcionamento
do cérebro de pessoas com e sem esquizofrenia
C e verificou que algumas regiões cerebrais asso-
ciadas à doença parecem não processar adequa-
damente a glicose, principal fonte de energia do
cérebro. “A proteômica permite ver não apenas
o que está diferente na produção de proteínas,
mas também como, juntas, elas afetam caminhos
Cada ponto na imagem representa um aglomerado de proteínas iguais bioquímicos relacionados”, diz ele.
(separadas em um gel segundo a massa e as cargas elétricas) de uma região Daniel já descreveu potenciais alterações no
do cérebro de uma pessoa com esquizofrenia. metabolismo da glicose em células do córtex pré-
Pessoas não esquizofrênicas produzem mais proteínas identificadas pela letra -frontal e no tálamo, região cerebral que integra
C (de controle) e as com esquizofrenia produzem mais S (de Schizophrenia) informações sensoriais à consciência, e na área
de Wernicke, ligada à compreensão da lingua-
gem escrita. Quase sempre ele encontrou níveis
B C alterados – maiores ou menores que o normal
c8 c1 – de enzimas que participam do primeiro está-
c9
gio de conversão da glicose em energia. “Todo
c3 o metabolismo dessas regiões pode estar mais
c7
lento”, suspeita Daniel, que iniciou em seu dou-
c6 c2 torado os estudos de proteômica no laboratório
de Gattaz em 2004, sob a orientação do biólogo
Acima, sinas da expressão Acima, três proteínas do grupo Emmanuel Dias-Neto.
intensa das proteínas 1 alfa da controle (C1, supressora de O que Daniel viu até agora nas células cerebrais
tubulina (C6 e C7) e a 5 beta metástase de câncer de mama; pode ser uma característica da esquizofrenia com
2. MARTINS-DE-SOUZA, D.
cultura em que acrescenta o uma doença das células da glia,
composto MK-801, que pro-
nervosas pode e não dos neurônios”, diz.
et al. The role of energy
metabolism dysfunction
voca sinais semelhantes aos ser mais lento Esses achados podem ser and oxidative stress in
schizophrenia revealed by
da esquizofrenia em animais relevantes para a compreen- proteomics. Antiox Redox
de laboratório. nas pessoas com são da esquizofrenia, mas, co- Signal. v. 15, n. 7, p. 2067-79,
2011.
Os resultados preliminares mo lembra Gattaz, não será
indicaram expressão alterada esquizofrenia fácil demonstrar se são causa 3. ECKERT, G. P. et al.
Increased Brain Membrane
de proteínas nos astrócitos, cé- ou consequência dessa doen-
Fluidity in Schizophrenia.
lulas que nutrem os neurônios ça complexa e devastadora. n Pharmacopsychiatry. v. 44,
n. 4, p. 161-62, 2001.
DE NOSSO ARQUIVO
Um quebra-cabeça
em construção
Edição nº 163 –
setembro de 2009
O peso do mundo
Edição nº 95 –
janeiro de 2004
FRANCIS LEROY, BIOCOSMOS/SCIENCE PHOTO LIBRARY
Um oligodendrócito,
cuja membrana se
expande, envolve
e protege os
prolongamentos
de neurônios
batalha contra um verme 58 reparo de dna Os sutis danos do sol 62 biologia estrutural
Para entender as proteínas 66 biologia estrutural A essência das moléculas 70 doenças
neurodegenerativas O porteiro das células 74 genética humana O centro das distrofias
Afirmação
tropical
O empreendimento pioneiro da genômica
nacional desvelou ao país sua face de
produtor científico competente e continua
a gerar conhecimento
Mariluce Moura
A
Xylella fastidiosa é a essa altura uma
velha conhecida dos biólogos e dos bra-
sileiros que acompanham as narrativas
da produção científica nacional, inde-
pendentemente de seu campo de atua-
ção. Mas a bem pesquisada doença que essa bactéria
produz em laranjeiras e outras plantas cítricas no
Brasil, a clorose variegada dos citros (CVC), mais
conhecida por praga do amarelinho, ainda resiste
às investidas dos cientistas que insistem há mais de
uma década em decifrá-la integralmente. “Sabemos
como começa a doença e como a bactéria ocupa
os vasos da planta e neles se expande, porém não
somos capazes de controlar eficazmente o estabe-
lecimento da doença”, diz Marie-Anne Van Sluys,
professora titular no Departamento de Botânica da
Universidade de São Paulo (USP) e chefe do Labo-
ratório de Genômica e Elementos de Transposição
(GaTE-Lab) da mesma universidade. Entretanto,
como o método científico não se deixa paralisar
pelo desconhecimento e faculta a quem o segue a Plantação no
proposição simultânea de diferentes hipóteses para interior paulista:
a citricultura é
um mesmo problema – ou o cerco a um mesmo ob- uma das bases
jeto por distintas abordagens –, há hoje, em parale- da economia do
lo, “uma forte percepção de que o momento-chave estado mais rico
para o controle da doença é quando a bactéria co- do país
O
empreendimento
brasileiro segundo objetivo era formar pes-
quisadores altamente qualifica-
dos, em grande escala e em curto
intervalo de tempo, ampliando em mui-
to a competência da pesquisa paulis-
ta e brasileira em biologia molecular. E
o terceiro era mobilizar a comunidade
científica para estudar problemas so-
cioeconômicos significativos que ela
poderia ajudar a resolver, como a pre-
ocupante praga do amarelinho, àquela
altura. Mal se poderia supor ali, entre
as falas que se sucediam no quarto an-
dar da sede da Fundação, a boa dose de
ousadia, autoconfiança e persistência
que seria requerida nos próximos meses
das pessoas e instituições que iriam se
embrenhar pelo indevassado terreno da
genômica no Brasil. “As chances de dar
errado eram enormes”, lembra sorrindo
o hoje empresário e então diretor cien-
meça a produzir o biofilme”, prossegue tífico da FAPESP, o físico José Fernan-
Marie-Anne. do Perez, um dos principais artífices do
Esse biofilme, pouco ressaltado quan- O momento-chave belo voo da biologia molecular no país
do a X. fastidiosa viveu seu grande mo- que o projeto da X. fastidiosa represen-
mento de estrela, no centro do projeto para o controle ta. “Aposto que foi o projeto de sequen-
pioneiro das pesquisas genômicas no ciamento de genoma que começou pior
Brasil, em 2000, é um material de apa-
da doença é preparado no mundo”, disse depois de
rência gelatinosa que se deposita junto possivelmente tudo concluído, com muito humor, o co-
à parede do vaso da planta, encostado a ordenador de DNA do projeto, o inglês
quando a bactéria
capa nature reprodução infográfico tiago cirillo, baseado em roteiro original de ricardo bonalume/folha de s.paulo, ilustração drüm
uma outra substância que ela também Andrew Simpson.
produz: a goma xantana. Esta, sim, por Passados 28 meses dessa solenida-
seu visível papel no entupimento dos começa a produzir de de lançamento, em 21 de fevereiro
vasos e consequente impedimento da de 2000 os 192 pesquisadores que ti-
livre passagem da seiva no xilema da
o biofilme nham recém-concluído com sucesso e
planta, foi destacada como elemento im- explosões de alegria o sequenciamen-
portante para a caracterização da CVC to do genoma da X. fastidiosa viram-se
no artigo científico que tornou público aplaudidos com estonteante entusiasmo
o genoma completo da X. fastidiosa. “A por mais de mil pessoas reunidas numa
sensação que temos hoje é de que, se festa na bela Sala São Paulo, enquanto
for rompida a produção do biofilme no a revolucionar a ciência brasileira. Na- recebiam troféus, medalhas e diplomas
momento em que a bactéria começa quela manhã de 14 de outubro de 1997, o do mérito científico e tecnológico insti-
a produzi-lo ou se essa produção for público de professores, pesquisadores e tuídos especialmente para a ocasião pelo
afetada de algum modo, teremos uma empresários que superlotava o auditório governo do estado de São Paulo (é bem
boa condição para o controle da doen- da FAPESP soube com detalhes que a verdade, registre-se, que a mais prolon-
ça”, comenta Marie-Anne, hoje coor- ambiciosa iniciativa na qual a Fundação gada ovação da noite foi endereçada a
denadora adjunta da FAPESP na área investiria US$ 12 milhões, valor espan- Perez, espécie de regente titular da obra).
de Ciências da Vida. toso para o financiamento de um projeto Já em 13 de julho de 2000, dois anos e
O controle stricto sensu, diga-se, era de pesquisa na época e para o qual o Fun- nove meses após o lançamento do pro-
um alvo desejável, espécie de cereja do do de Desenvolvimento da Citricultura jeto que ao longo desse período levan-
bolo, mas não estava entre os objetivos (Fundecitrus) aportaria mais US$650 tara algumas críticas acerbas de quem
centrais do projeto de sequenciamento mil, tinha como primeira meta sequen- achava que sequenciar genoma não era
do genoma da Xylella fastidiosa, apre- ciar o genoma completo do patógeno e fazer ciência, em meio aos mais nume-
sentado com justiça em seu lançamento descrever os novos achados científicos rosos comentários sobre o salto cientí-
como um empreendimento destinado obtidos nesse processo. Tratava-se, por- fico que ele poderia representar para
Biofilme
2
Outros genes
levam a bactéria
a produzir um
biofilme que se cola
1 Um grupo de genes produz a à parede celular da
goma xantana, que permite planta
à bactéria aderir à parede celular
dos vasos que transportam a seiva
Goma
Goma
concentram-se transportadores
Transportadores de substâncias, que expelem ou
“importam” alguns compostos
6 A Xylella
fastidiosa também
tem genes Toxinas
para produzir Fímbrias
toxinas contra
outras bactérias
7 As fímbrias
também servem
para a adesão
Metais da bactéria
provavelmente ao
aparelho bucal da
Ferro cigarrinha
9 Um grupo de
8 Alguns dos genes ligados genes absorve 10 Um conjunto de
certos metais, 67 genes é especializado
à adesão são semelhantes a
como o cobre na absorção de ferro,
micro-organismos que causam
doenças em seres humanos nutriente importante
para X. fastidiosa pESQUISA FAPESP maio de 2012 _ 47
A cigarrinha transmissora do amarelinho
É
uma definição precisa. Primeiro, situou um pouco abaixo daqueles que
o projeto da X. fastidiosa inequi- científica outros grupos de pesquisa de genoma de
vocamente gerou conhecimento bactéria haviam obtido – por exemplo,
científico que continua se desdobrando,
internacional 54% dos genes com funções descritas
12 anos depois de concluído o sequen- na Thermotoga marítima, 52,5% na Dei-
ciamento da bactéria. E, em paralelo, nococcus radiodurans e 53,7% na Neisse-
ele cumpriu seu objetivo anunciado de ria meningiditis. Os autores atribuíram
ampliar rapidamente a capacitação bra- o resultado mais baixo à inexistência
sileira em biologia molecular, ao mesmo internet) tiveram um impacto evidente prévia de qualquer outra sequência
tempo que serviu de âncora a vários ou- no modo de se produzir ciência em São completa de genoma de bactéria fito-
tros projetos em genômica que vieram Paulo desde então, trazendo-o para a patogênica.
a compor o Programa Genoma FAPESP. velocidade contemporânea. E, por fim, Na virada do século, quando o Brasil
Mais: o projeto ajudou a ressituar o Bra- o projeto foi o ponto de partida para a era produtor de quase metade do suco
sil no mapa da produção científica in- criação de empresas relacionadas ao ne- de laranja concentrado distribuído no
ternacional e contribuiu decisivamente gócio da genômica, spin-offs hoje absor- mercado internacional, a receita nacio-
para um redesenho da imagem do país vidas pelo mercado. nal da citricultura alcançava US$2 bi-
na mídia interna e externa quanto à sua Um bom roteiro para resgatar a par- lhões anuais; as receitas de exportações
competência para criar conhecimento tir deste ponto alguns traços essenciais giravam em torno de US$ 1,6 bilhão por
científico. Não bastassem esses dividen- da experiência da Xylella pode come- ano e a atividade gerava no estado de São
fabio melo fontes/fundecitrus
dos políticos, a arquitetura do projeto, o çar pelas contribuições à genômica con- Paulo 400 mil empregos diretos e indi-
ritmo em que foi tocado e o uso de um tidas no artigo publicado pela Nature retos. Nesse cenário, o adoecimento das
novo meio pelo qual se fariam as trocas e ressaltadas na edição 55 de Pesquisa laranjeiras por CVC, que já atingia 34%
de informações e dados entre pesquisa- FAPESP, de julho de 2000. Nele está dos laranjais paulistas, produzia pre-
dores de três dezenas de laboratórios (a registrado que ali se trata do 24º geno- juízos estimados em US$ 100 milhões
E
bem menor de empregos diretos e indi- Paulista de Tecnologia Agrícola - Insti- ssa terminologia do paper estava
retos, ou seja, 230 mil postos de trabalho tuto Agronômico de Campinas (Apta- ainda no lugar do sonho quando
e a CVC atingindo proporção idêntica -IAC) identificou a existência de célu- ao abrir a solenidade do dia 14 de
dos laranjais paulistas, isto é, 35% deles. las persistentes nos vasos, o que resulta outubro de 1997, o então presidente da
No artigo da Nature abordava-se o em parte na dificuldade de controle e FAPESP e hoje seu diretor científico, o
metabolismo refinado X. fastidiosa, persistência da doença no campo. Eles físico Carlos Henrique de Brito Cruz,
com sua adaptação para o uso de açú- também demonstraram a ocorrência de classificou o genoma da Xylella como
cares encontrados livres na seiva do duas formas de vida da bactéria: a fase “um projeto singular, destinado a marcar
xilema e da glicose derivada da quebra planctônica e a fase de biofilme. A eles um lugar na história da ciência e da tec-
da celulose das paredes das células ve- se juntam os trabalhos realizados pe- nologia no estado de São Paulo e no Bra-
getais. Descoberta de peso do projeto lo grupo de Aline Silva, do Instituto de sil”. Justificou essa visão antecipatória
foi a identificação dos genes que codi- Química (IQ) da USP, que demonstram valendo-se de argumentos que integram
ficam moléculas envolvidas na adesão a importância da adesão da bactéria aos um pensamento que vem refinando ao
da célula. Tais moléculas, anteriormen- vasos e da sinalização por ferro, refor- longo dos anos sobre a construção das
te só vistas em patógenos de humanos çando a observação da existência de 67 sociedades do conhecimento. Assim, ob-
e de outros animais, encontram-se na genes dedicados à retirada de ferro e servou que o projeto iria reunir aspectos
superfície celular da bactéria, respon- outros metais da seiva da planta. da ciência básica e estudos na fronteira
dem pela aderência ao tecido epitelial A síntese do que fizeram os pesqui- do conhecimento teórico com trabalhos
nos hospedeiros, e encontrá-las na X. sadores brasileiros está clara nas con- de pesquisa aplicada e desenvolvimen-
fastidiosa ampliou a evidência de que clusões finais do artigo da Nature. Eles to tecnológico. “Com esse projeto vai se
os mecanismos de patogenicidade das determinaram “não só o metabolismo fazer o que tem sido uma das grandes
bactérias são os mesmos, infectem elas básico e as características de replica- preocupações da FAPESP e de outras
plantas, animais ou seres humanos. ção da bactéria, mas também numerosos instituições de ciência e tecnologia em
Os desdobramentos atuais das hipó- mecanismos potenciais de patogenicida- São Paulo e no Brasil: aliar a ciência à
teses e observações daquele momento de. Alguns jamais tiveram sua ocorrên- produção, aproximar a ciência do PIB,
da riqueza nacional, do desenvolvimento
social e econômico”, disse. Seguiu por
essa via até qualificar o projeto como
“revolucionário”.
As origens e a arquitetura do empre-
endimento da X. fastidiosa foram apre-
sentadas ao público pelo diretor cientí-
fico, José Fernando Perez, não sem ele
antes recorrer a alguns números para
dar suporte à sua visão de que se tornara
urgente e imprescindível a montagem
de projeto com tal dimensão. Divulga-
A laranja menor
foi colhida de
uma laranjeira
infectada pela
Xylella
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 20 21 22 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 56 58 60 61 62 63 64 65 66 67 68 R 70 A 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80
19 23 M 41 55 57 59 I
69
24 rRN A-operon
135001
134 136 138 139 140 141 142 143 144 145 146 147 148 149 150 15 11 52 153 154 155 156 157 159 161 162 164 16 51 66 167 168 169 A 17 0 1 71 172 173 174 175 176 177 178 180 181 183 184 185 186 187 188 189 190 191 192 193 195 196 197 198 199 200 202 203 204 205 206 2
135 137 158 160 16 3 I 179 182 194 201
LR-2 LR-3
270001
258 259 2602 61 263 264 266 267 268 269 271 273 274 275 276 277 278 279 280 281 282 284 285 286 287 288 289 290 291 292 293 294 295 296 297 298299 300 302 303 L 305 307 308 309 310 311 312 313 314 316 317 318 319 320 321 322 323 324 325 326 327 328 330 332 335 338 339
262 265 270 27 2 283 F 301 304 306 315 329 331 333 336
334 337
405001
392 M 393 394 396 397 398 400 401 402 404405 406 407 408 409 411 412 413 414 416 417 419 420 421 422 423 424 425 426 428 429 430 431 432 433 434 435 4 36 437 438 439 440 441 442 444 445 446 447 449 450 451 452 453 454 455 456 457 458 459 460 461 463 464 465 466 467 469 470 471 472 473 475 476 478
Q 395 399 403 410 41 5 418 427 443 448 462 468 474 477
540001
550 551 5525 53 554 556 557 559 561 562 563 565 566 567 568 569 570 572 573 575 576 577 580581 583 584 585586 587 588 589 590 591 592 593 594 595 596 597 598 599 600 601 602 603 604606 607 608 609 610 611 612 613 614 615 616 618 620 621 623 624 625 626 628 629 630 631 632 633 634 635 636 638 640 641 S 642 644 645 647 648 650
555 558 560 564 57 1 574 57 8 582 605 617 619 622 627 637 639 643 646 649
XfP1 579
675001
713 714 715 717 718 720 723 724 725 726 727 728 730 731 733 734 735 736 737 740 741 742 743 745 747 748 749 751 752 753 755 756 75 77 58 759 760 7 61 762 763 764 765 767 768 769 770 772 773 775 776 777 778 779 780 781 782 783 784 785 786 788 790 791 792 793 794 795 796 797 798 799 800 801 802
716 719 721 729 73 2 738 744 746 750 75 4 766 771 774 G 787 789
722 73 9 P LR-7
810001
848 849 851 852 853 854 855 856 857 858859 861 862 863 864 865 866 867 868 869 870 872 873 874 875 876 877 879 880 881 882 883 884 885 886 887 888 889 890 891 892 893 894 895 896 897 898 900 901 902 904 905 906 907 908 909 910 911 912 913 914 915 917 919 920 921 922 924 925
850 P 860 871 87 8 899 903 916 918 923
LR-4 LR-2
945001
986 987 988 989 990 992 993 994 995 996 998 999 1000 1001 1002 1003 1004 1005 100 6 1008 1010 1011 101 2 1014 1015 101 6 1018 1020 1022 1024 1025 1026 1027 1029 1030 1031 1032 1035 1036 1037 1038 1039 1041 1042 1043 1045 1046 1047 1048 1049 1050 1052 1053 1054 1056 1058 1060 A 1061 1062 1063 1064 1065 1066 1067
991 997 1007 1009 1013 1017 1019 1021 1023 1028 1033 1040 1044 1051 1055 1057 1059 L E
103 4
108000 1
1120 1121 1122 1124 1125 1126 1127 1128 1131 1132 1133 1136 1137 1138 1140 1141 1142 1143 1144 1145 114 6 114 8 1150 1151 115 3 1155 115 7 1159 1161 1163 1165 1167 1169 1171 1172 1173 1175 1176 1177 1178 1179 1180 1181 1182 L 1183 1184 1185 L 1186 1187 1188 1189 1190 1191 1192 1193 1195 1196 1197 1198 1200 1201 1202 1204 1206 1209 1210 1
1123 1129 113 4 1139 1147 1149 1152 1154 1156 1158 1160 1164 1166 1168 1170 1174 V 1194 1199 1203 1205 1207
1130 1135 116 2 D 1208
121500 1
1259 1260 1261 1263 1265 1266 1267 1268 1269 1270 127 2 1274 1276 1278 1279 1280 1281 1282 1283 1286 1287 1288 1289 1290 1291 1292 1294 129512961297 1298 1299 1300 1301 1302 1303 1304 1305 1308 1309 1310 1311 1312 1313 1314 1315 1316 1317 1318 1319 1321 1322 1323 1324 1325 1327 1329 1330 1331 1332 1333 1334 1335 1337 1338 1339 1341 1344 1345 1346 1347
126 2 1264 1271 127 3 1277 1284 1293 1306 1320 1326 1328 1336 1340 1342
1275 1285 1307 1343
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dos havia pouco tempo pelo Ministé- ria o desenvolvimento desejável para o investimento nunca passou de 2,4% do
U
fatores estava longe de confortável: 1,69 ma década mais tarde, em pa- Vista, no projeto genoma do boi.
para a produção brasileira e 1,89 para a lestra num ciclo organizado por Há quem veja por outro ângulo as crí-
produção mundial. Observe-se já aqui, Pesquisa FAPESP paralelamen- ticas dirigidas ao projeto da X. fastidiosa,
a propósito, que se em 1996 os artigos te à exposição “Revolução Genômica”, caso de seu primeiro mentor, ao lado de
de biologia molecular correspondiam montada pelo Instituto Sangari no atu- Perez, e depois um de seus coordenado-
a 4,20% do total de artigos científicos al Pavilhão das Culturas Brasileiras, no res, o biólogo Fernando Reinach. “O pro-
brasileiros registrados na base de dados Parque do Ibirapuera (ver Pesquisa FA- jeto era revolucionário”, disse em longa
Scopus, em 2007 eles representavam PESP, suplemento especial de setembro entrevista pingue-pongue na edição 100
6,68%, com sua produção apresentando de 2008), Perez observou que de 1997 da Pesquisa FAPESP. “Encontrou uma
crescimento contínuo a partir de 2002. a 2003, a FAPESP investiu, no conjun- resistência muito grande do pessoal mais
Os números exibidos por Perez, ar- to dos 20 projetos que integraram seu velho (...). Dizia-se que não era ciência.
ticulados ao argumento de que barra- Programa Genoma, US$ 39 milhões. “O Era, enfim, a resistência à mudança. E
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1378 1379 138 0 1 381 1 382 mitir o envolvimento de muita gente no
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1635 1644 1651 1654 1657 1660 1669 1671 1673 1678 1684 1686 1690
2 1783 1784 1785 17861787 1788 1790 1792 T 179 4 1 79 6 1 79 7 1 79 8 1 79 9 1 800 1802 1803 1804 1805 S 180 7 180 9 1811 1813 1814 1815 1817 1818 1819 1820 1821 1822 1823 1824 182 5 1 827 1 828 1829 1830 1831 183 2 1 833 1 834 1835 1836 1837 1838
1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1940 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1956 1957 1958 1959 1960 196 1 1 962 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1975 1976 1977 1978 1979
202500 0
075 2077 2079 2081 2082 2083 2084 2085 2086 20872088 2089 2090 2091 2092 2093 2094 2095 2096 2097 2099 2100 2101 2103 2105 2106 2107 C 2108 2110 211 1 2113 2115 2116 2118 2120 2121 2122 2123 2125 2127 212 8 2131 2133 2134
2220 2222 2223 2224 2225 222 6 2227 2229 223 0 2 231 2 232 2 233 223 4 2 235 2 236 2 237 2 238 2239 224 1 2 242 2243 2244 2246 2247 2248 2249 2250 2251 2252 2255 2256 2257 2258 2259 2260 2261 22622265 2266 2267 2268
Hypothetical
4.92
3.58
4.61
4.41
2.96
2.65
2.89
2.58
3.72
3.27
2.44
0.83
1.38
0.79
D
etalhes saborosos sobre a gênese estratégica com capacidade para res- o pesquisador Andrew Simpson, inglês
do projeto da X. fastidiosa, ilus- ponder “às características econômicas, à que estava há alguns anos no Brasil. Era
trativos de como se dá no mundo biodiversidade, à agricultura, à pecuária preciso ter consultores internacionais de
real o processo de decisões que impul- e a problemas de saúde pública especí- peso já na fase da discussão das caracte-
sionam a produção do conhecimento ou ficos do país”. Eram nesse sentido suas rísticas do projeto e Paulo Arruda levou
as mudanças no ambiente da produção conversas com os assessores no come- à FAPESP Goffeau, entre outras qualifi-
científica, apareceram en passant na so- ço de 1997, em especial com Fernando cações, muito experiente em bioinfor-
lenidade de lançamento. Só mais adian- Reinach, então professor titular de bio- mática. Aliás, essa era uma área-chave
te, contados por Perez ou Reinach, eles química na Universidade de São Paulo num projeto genoma e poderia se tornar
se tornariam elementos da história do (USP) e um dos coordenadores de área crítica, dada a experiência praticamente
aparentemente mais narrado projeto de da diretoria científica da Fundação. E nula do país em suas técnicas. Uma das
pesquisa brasileira, dentro e fora do país. foi como continuação dessas conversas ideias propostas por Goffeau foi que se
“Precisávamos de uma ideia nova que ocorreu um telefonema decisivo de fizesse essa parte do trabalho na França.
que proporcionasse uma mudança na Reinach para Perez. Mas Reinach sugeriu uma conversa do
biotecnologia brasileira, criando com- “Num final de semana, em 1º de maio grupo com dois jovens do Instituto de
petência”, relembrou Perez na palestra de 1997, eu estava no sítio em Piracaia e Computação da Unicamp, João Setúbal
de 2008. Ele a percebia como uma área pensei: em vez de fazer um projeto de e João Meidanis, que já vinham lidando
M
se uma centena que atendeu à chamada esmo admitindo a falta de con- Europa e Japão.
do edital, considerou, segundo Reinach, dições prévias para fazer o que Hoje, uma busca simples pela X. fasti-
que 10 deles precisavam ter algum co- tinha sido anunciado, Simpson diosa para o período 1995/maio de 2012
nhecimento prévio de sequenciamento, não considerava uma “loucura de bra- na base de dados PubMed, referência
outros 10 deveriam ter pesquisadores sileiro” esse começo, onde até a ligação em publicações de qualidade na área de
ligados à agricultura, com alguma no- por internet para desenvolver um projeto medicina, faz retornar 343 artigos que a
ção sobre a Xylella, e mais 10 poderiam que dependia crucialmente dela apresen- citam, dos quais 330 publicados depois
ser comandados por pesquisadores que tava ainda uma enorme precariedade. do paper dos brasileiros na Nature. De-
nem conheciam a bactéria nem tinham “Foi confiança na habilidade da comu- les, 110 artigos, ou seja, um terço do total,
prática de sequenciamento, “mas eram nidade de executar qualquer tarefa dada. têm como endereço o Brasil. Trata-se
pessoas inquestionavelmente compe- Não há nada de loucura.” Para Simpson, de contribuição notável para o conhe-
tentes em termos científicos, sempre o momento mais difícil entre todos foi a cimento do tema.
com vontade de aprender mais, perfil, fase final, em que era preciso vencer os “As predições e hipóteses elaboradas
por exemplo, de José Eduardo Krieger”. gaps que restavam na sequência mon- naquele nosso primeiro artigo foram sen-
Na entrevista que concedeu à Pesquisa tada. “Primeiro, eu não tinha a menor do demonstradas ao longo dos anos”, co-
FAPESP depois de concluído o sequen- ideia de como fazer. Nunca havia feito e menta Marie-Anne Van Sluys. Hoje se
ciamento (Especial “O futuro da genômi- os papers não contam exatamente como indaga sobre a origem da CVC e o papel
ca no Brasil”, edição 51, março de 2000), fazer. Era preciso inventar uma solução. do biofilme na doença. “Há razões fortes
Simpson, que tinha orgulho de seu papel Segundo, tínhamos muito pouca infor- para suspeitarmos de que o controle po-
no projeto e já comemorara muito o fato mação sobre a Xylella antes de começar o de se dar pela intervenção na formação
de o Brasil ter “entrado numa festa seleta sequenciamento. Não sabíamos sequer o do biofilme – retoma o raciocínio Marie-
sem ter sido convidado e ter feito boni- tamanho dos gaps, porque não sabíamos -Anne –, há uma patente depositada pelo
to”, detalhou como foi difícil superar o o tamanho total do genoma”. Por isso, grupo coordenado por Marcos Machado
desconhecimento geral em relação à X. como na época observou Marie-Anne, e Alessandra Alves (INPI: 018110011623
fastidiosa e lembrou, sempre com fino encaixadas em 6 de janeiro de 2000 as PCT: BR/2012/000003 Data depósito:
Os Projetos
2. R$ 1.535.926,46
uso de um análogo de cisteína para blo- tidiosa na América do Sul, três das quais
3. R$ 932.244,71
quear esse processo, estratégia já utilizada infestam citros e as demais, cafeeiros, 4. R$ 1.534.700,66
com sucesso para patógenos de humanos. ameixeira e hibiscos, respectivamente,
Por outro lado, dada a enorme quantidade avançando na pesquisa de genes pato-
de vírus que são encontrados nos geno- gênicos da bactéria. Artigo científico
mas das várias linhagens de Xylella, re-
A
SIMPSON, A.J. et al. The genome sequence of
sultados observados a partir dos estudos lém da continuidade da pesquisa, the plant pathogen Xylella fastidiosa. The
Xylella fastidiosa Consortium of the
de expressão por microarray realizados vale citar como outros atestados Organization for Nucleotide Sequencing and
pelos grupos da doutora Suely Gomes do sucesso do empreendimen- Analysis. Nature. v. 406, n. 6792, p.151-59,
2000.
(IQ-USP) e doutora Marilis do Vale Mar- to da Xylella, a criação, por pesquisa-
ques (ICB-USP), em conjunto com o se- dores ligados ao projeto, das empresas Silva, A.C. R. da et al. Comparison of the
genomes of two Xanthomonas pathogens
quenciamento de múltiplas linhagens de Alellyx, que levou tanto os recursos dos with differing host specificities. Nature.
Xylella coordenado pela doutora Aline genomas como outras ferramentas da v. 417, n. 6887, p. 459-63, 2002.
Silva, sugerem que condições ambien- biotecnologia para a agricultura, Scylla,
tais possam induzir a multiplicação das que presta serviços em bioinformática, e De nosso arquivo
partículas virais até matar a bactéria. “Se CanaVialis, especializada em novas va-
O salto quântico da ciência brasileira
o vírus sair do genoma e se propagar for- riedades de cana-de-açúcar. A primeira e Edição nº 100 – junho de 2004
mando capsídeos virais, ele pode explodir a terceira foram compradas a seu princi-
Da Xylella à Alellyx
a célula, matando a bactéria”, ela imagina. pal investidor, o fundo Votorantim Novos Edição nº 74 – abril de 2002
No ambiente bem fecundado pelo pro- Negócios, também formado na esteira do As descobertas se multiplicam
jeto pioneiro da genômica, grupos de projeto pioneiro da genômica e dirigido Edição nº 60 – dezembro de 2000
pesquisa que ali se consolidaram for- por Reinach, e em 2008 pela Monsanto. Resultado da cooperação
maram novas lideranças e estabelece- O editorial da Nature sobre a X. fas- Dificuldades superadas pela coragem
de arriscar
ram sólidas colaborações internacionais, tidiosa em 2000 observou, entre outros O futuro da genômica no Brasil
indagam-se hoje sobre isso e muito mais: pontos, que o sucesso do projeto da X. Bravo, cientistas!
Edição nº 51 – março de 2000
o grupo original de Marcos Machado, fastidiosa, somado ao fato incomum
no IAC, agora com Alessandra Alves de de uma agência do mundo avançado e Xylella – concluído o genoma da bactéria
Edição nº 50 – janeiro e fevereiro de 2000
Souza na coordenação da linha de pes- industrializado – o Departamento de
Brasil se afirma no seleto clube da genômica
quisa com a famosa bactéria, por exem- Agricultura dos Estados Unidos – ter mundial
plo, debruça-se sobre a interação com contratado a pesquisa genômica de uma Edição nº 48 – novembro de 1999
a planta. O grupo de Marilis do Valle variante da Xylella de um país em desen- Os primeiros resultados
Marques tem trabalhado na obtenção volvimento, “endossa a determinação do Edição nº 29 – março de 1998
de mutantes da X. fastidiosa, úteis para Brasil de entrar na idade pós-genômi- Um projeto para revolucionar a ciência
Aline Maria da Silva, do Departamento ca de mãos dadas com os cientistas dos brasileira
Edição nº 25 – outubro de 1997
de Bioquímica da USP, e lidera o estudo países mais ricos”. n
O mapa da cana
Projeto Genoma pavimentou caminho para o
desenvolvimento de novas variedades da planta
Fabrício Marques
ide
de
mo
das
Suc
A
corrida em busca de novas varieda-
des de cana adaptadas aos diversos
climas e solos brasileiros se benefi-
cia de uma grande articulação que
reuniu 240 pesquisadores de 22
instituições, entre 1999 e 2002. O
Projeto Genoma Cana, responsável pelo mapea-
mento de 238 mil fragmentos de genes funcionais
da cana-de-açúcar, pavimentou o caminho para
o uso de marcadores moleculares no melhora-
mento da cultura. A identificação dos fragmentos,
chamados de ESTs (ou Etiquetas de Sequências
Expressas), foi seguida por um trabalho de pros-
pecção de dados relacionados ao metabolismo da
entificação cana, de modo a obter variedades mais produtivas
marcadores e resistentes à seca ou a solos pobres. “Chegamos
oleculares a partir a 238 mil fragmentos de transcritos, partimos para
s sequências do a identificação da função dos genes, estudamos
cest as características agronômicas associadas e fize-
mos a análise do transcriptoma para ajudar na
geração de plantas transgênicas mais eficientes”,
resume Glaucia Souza, professora do Instituto de
Química da Universidade de São Paulo, uma das
participantes do Genoma Cana.
240
de Pesquisa em Bioenergia, o que, em vez de duas cópias de cada cromossomo,
Bioen (ver reportagem à pági- há de oito a doze cópias, nem sempre iguais. Essa
na 140), voltado para aprimo- peculiaridade fez com que o sequenciamento in-
rar a produtividade do etanol tegral do genoma fosse descartado, pois o processo
brasileiro e avançar em ciên- pesquisadores seria desgastante e demorado.
cia básica e tecnologia relacio-
de 22
O
nadas à geração de energia de projeto teve um financiamento da ordem
biomassa. Uma das vertentes instituições de US$ 4 milhões da FAPESP e outros
do Bioen agrega pesquisas de- US$ 400 mil da Copersucar. Reuniu, pe-
senvolvidas a partir do Geno-
trabalharam la primeira vez numa empreitada comum, labo-
ma Cana. As informações ob- em conjunto ratórios de São Paulo, Pernambuco, Bahia, Rio
tidas pelo genoma funcional de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Norte, Minas
da cana também fertilizaram
no projeto Gerais e Alagoas. “Todos os laboratórios tiveram
outros estudos, como a identi- acesso ao banco de dados e puderam estudar os
ficação da canacistatina, uma genes identificados”, diz Arruda. “Foi realmente
proteína com propriedades antifúngicas, estu- inovador. Centrado em gente muito jovem, que
dada como possível inibidor de patógenos que tinha mais facilidade de lidar com tecnologia que
atacam plantas por um grupo liderado pelo ge- os pesquisadores mais experientes, o Genoma
neticista Flávio Henrique da Silva, do Centro de Cana mostrou que é possível identificar gran-
Biotecnologia Molecular e Estrutural (CBME) da des desafios e reunir talentos para resolvê-los”,
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). afirma o professor. “A repercussão do projeto
Conhecido oficialmente como Projeto FAPESP foi enorme. Reunimos resultados de pesquisa
Sucest (Sugar Cane EST), o Genoma Cana foi um Estufa com numa edição especial da revista da Sociedade
mudas do
dos projetos vinculados à Rede Onsa, sigla para Centro de Brasileira de Genética, que foi a mais citada da
Organization for Nucleotide Sequencing and Tecnologia história da publicação”, afirma o professor. Em
Analysis, infraestrutura de laboratórios espalha- Canavieira: setembro de 2003, um artigo na revista científica
dos por várias cidades, dotados de sequenciado- interesse Genome Research apresentou o principal fruto do
da indústria
res novos e outros equipamentos. A rede, uma estimulou o programa: a descrição minuciosa da constituição
CTC/Basf
espécie de instituto virtual de pesquisa, foi criada Genoma Cana genética da cana-de-açúcar, a planta cultivada há
F
elipe Rodrigues da Silva, biólogo, e Guilher- sob a liderança da pesquisadora Anete Pereira de
me Pimentel Telles, formado em computa- Souza, do Instituto de Biologia da Unicamp. Os
ção, sabem como foi difícil chegar a esses marcadores podem ser usados na identificação
números finais, que encerraram a aventura inicia- de um gene específico, por exemplo, que esteja
da em abril de 1999. Para determinar inicialmen- ligado à produção de sacarose. “Os projetos da
te o número de genes, informação básica sobre Glaucia e da Anete foram dois marcos, porque
qualquer genoma, Silva, então um
doutorando com 29 anos, e Telles,
com 27, tiveram de resolver o que
ainda não havia sido solucionado O artigo da Genome Research
em nenhum outro laboratório do
mundo: descobrir como eliminar mostrou que o genoma
as repetições e aproveitar do me-
lhor modo possível as informações
da cana tem cerca de
contidas em cerca de 300 mil frag- 2 mil genes associados
mentos de genes. O Genoma Cana
foi um dos primeiros projetos de à produção de açúcar
planta no mundo a adotar essa téc-
nica de identificação de genes. Até
acertarem o passo, trabalharam pelo
menos 12 horas por dia, durante quatro meses, demonstraram haver uma comunidade de pes-
com programas segundo os quais a cana teria ora quisadores preparada a investir no tema. Seus
nove mil genes, ora mais de cem mil, ora um valor avanços viabilizaram mapear efetivamente o ge-
intermediário qualquer, que variava de acordo noma da cana, o que não era viável na época do
com critérios diferentes sobre o que é um gene. Sucest”, diz a geneticista Marie-Anne Van Sluys,
Num dos momentos cruciais, descobriram que professora do Instituto de Biociências da USP. n
estavam sendo jogados fora trechos de genes que
poderiam ser aproveitados.
Fundamentalmente, o Genoma Cana deu iní-
Os projetos
cio ao esforço, ainda em curso, de aprofundar
o conhecimento sobre o metabolismo da cana, 1. Proposal for DNA coordinator of the Sugarcane EST
de modo a obter mais rapidamente variedades Project (SucEST) – nº 1998/12250-0 (1998-2004)
2. Bioinformática para projeto EST cana-de-açúcar –
mais produtivas e resistentes à seca ou a solos nº 1999/02837-6 (1999-2002)
pobres. Pelas técnicas atuais de melhoramento 3. SucEST – data mining – nº 1999/02840-7 (1999-2002)
genético, uma nova variedade consome dez anos Modalidade
de trabalho, dos primeiros testes à aprovação pa- 1. 2. 3. Auxílio a Projeto de Pesquisa – Programa Genoma
A batalha
contra um
verme
Genes identificados por método
criado no país são alvos promissores
para novos medicamentos contra
esquistossomose
Salvador Nogueira
C
omo resultado da pesquisa genômica,
iniciada no país há cerca de 15 anos,
pesquisadores brasileiros encontra-
ram alvos promissores para o desen-
volvimento de uma vacina contra a
esquistossomose, doença que atinge mais de 200
milhões de pessoas no mundo. Uma equipe da
Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto
Butantan identificou um conjunto de nove genes
que mostraram uma capacidade de reduzir em até
28% a quantidade de vermes em 22% no organis-
mo de camundongos inoculados, se comparado a
um grupo de animais não tratados.
Os agentes causadores da esquistossomose são
três vermes do gênero Schistosoma: S. haemoto-
bium, S. japonicum e S. mansoni. O terceiro é o
parasita encontrado no Brasil, trazido da África
com os escravos durante a colonização portugue-
Sem esgoto nem
RICARDO AZOURY
sa. Até hoje, tudo que se conseguiu para combatê- água encanada:
-la foram estratégias paliativas, não totalmente condições favoráveis
eficazes. Os medicamentos reduzem à metade o para a contaminação
risco de morte trazido pelo parasita, mas é pouco
o grupo apostou na busca por genes que uma capacidade de reduzir a quantidade
fotos Departamento de Bioquímia e Imunologia/ FMRP-USP
estejam especialmente ativos numa das de vermes em 22% no organismo de ca- OS PROJETOS
fases do ciclo de vida do parasita, a de mundongos inoculados, se comparado a 1. Genoma/transcriptoma do Schistosoma –
esquistossômulo. É justamente nessa um grupo de animais não tratados. Mas nº 2001/04248-0 (2001-2004)
forma que, uma vez invadido o corpo, o o mais importante achado foi o gene 2. Schistosoma mansoni: caracterização
molecular da interação entre parasitas
patógeno passa a se desenvolver dentro Dif 4, que reduziu o nível de infecção e entre estes e o seu hospedeiro humano –
do hospedeiro. em 25%. E o número para esse gene es- nº 2010/51687-8 (2010-2012)
Garimpando os dados do transcrip- pecífico melhorou quando eles usaram Modalidade
toma em busca de alvos genéticos que um segundo protocolo, encapsulando Linha regular de auxílio a projeto de pesquisa –
Programa Genoma
fossem exclusivos do Schistosoma e que o material em microsferas, indo a 28%.
Coordenador
estivessem sendo mais expressados nessa Ainda não é o suficiente para dizer que Sergio Verjovski-Almeida – USP
fase, o grupo chegou a um conjunto de teremos uma vacina, mas é um sinal pro- INVESTimento
nove genes. O passo seguinte foi testar missor, por demonstrar que há resposta 1. R$ 564.829,31
o potencial protetor deles – ver se, ao imune aumentada. 2. R$ 429.444,90
Os sutis
danos do Sol
Sensor detecta as lesões
nos genes causadas pela
radiação solar
Carlos Fioravanti
E
nquanto construía um sensor de lesões de DNA é rompida e refeita, por meio de proteí
da molécula de DNA em um dos labora- na de reparo, em cada célula do corpo humano.
tórios do Instituto de Ciências Biomédi- As lesões, quando não são consertadas, podem
cas (ICB) da Universidade de São Paulo levar a mutações genéticas indesejadas. E essas
(USP), o biólogo gaúcho André Schuch mutações, por sua vez, na medida em que geram
sentiu-se como quando era menino e desmon- células defeituosas que se multiplicam incessan-
tava seus carrinhos para tirar os motores e criar temente, podem levar a várias formas de câncer,
outros brinquedos em Santa Maria, interior do principalmente o de pele, responsável por um
Rio Grande do Sul. Nos primeiros três anos, pro- em cada quatro tumores malignos detectados
jetou, construiu e testou três protótipos que lhe no país. O Instituto Nacional do Câncer (Inca)
mostraram apenas o que não devia fazer. Depois estima que 134 mil brasileiros apresentem cân-
ele acertou a mão com o quarto protótipo, que cer de pele em 2012.
está indicando que temos boas razões para nos Outra verificação é que as regiões com maior
preocuparmos com o excesso de radiação solar incidência de UV-B são as de latitude mais bai-
que chega à pele normalmente pouco protegida e xa – e não as mais próximas dos polos, como
para não confiarmos tanto – principalmente quem seria esperado, já que o buraco da camada de
tem pele clara – no efeito dos cremes de proteção ozônio na alta atmosfera deixaria passar mais
solar ao sair para curtir um dia de praia no verão. radiação ultravioleta do tipo B da luz solar que
Nos testes iniciais, o sensor – ou dosímetro nas proximidades do equador. Em 2006, 2007
– indicou que a radiação ultravioleta do tipo A e 2008, Schuch expôs os sensores à luz natural,
(UV-A), que os protetores solares protegem bem das 10h às 14h, quando a radiação solar é mais
menos que a do tipo B (UV-B), mais energética intensa, em Punta Arenas, cidade do extremo
que a A, também pode causar lesões no DNA, a sul do Chile a 55 graus de latitude, em Santa
molécula que guarda o material genético de cada Maria, em São Paulo e em Natal, capital do Rio
ser vivo. Milhares de vezes por dia a molécula Grande do Norte.
De modo inesperado, foi em Natal que ele re- nasse à luz natural – havia apenas experimentos
gistrou uma intensidade de radiação UV-B 13 de lesões em células, plantas e animais usando luz
vezes maior – e uma quantidade proporcional de artifical – e com mais precisão que os similares dos
danos ao DNA – do que em Punta Arenas, mes- Estados Unidos e do Japão. Já tinha, é verdade,
mo tendo observado um afinamento de 50% da experiência em medir radiação solar por meio de
camada de ozônio durante três dos sete dias em aparelhos chamados radiômetros, com que traba-
que fez as medições no Chile. “Temos de prote- lhara no Centro Regional de Pesquisas Espaciais
ger a pele das pessoas no Brasil, como já fazem de Santa Maria. Como resultado de uma coopera-
na Austrália e no Chile”, diz o geneticista Carlos ção com pesquisadores do Japão, os mesmos que
Menck, coordenador do laboratório de reparo de instalaram os equipamentos no sul, dois radiôme-
DNA do ICB da USP. tros estão instalados no teto de um dos prédios do
Menck conta que recebeu Schuch com muito ICB. “Já temos três anos de monitoramento”, diz
gosto, em 2003, inicialmente para um estágio de ele. “Nossa base de dados está ficando consistente.”
férias. Desde seu próprio doutorado, concluído em
A
1982, Menck estuda as lesões e os mecanismos de os 29 anos, voltando para Santa Maria
reparo de DNA. Há muitos anos ele queria encon- com a esperança de prosseguir a linha de
trar uma forma de medir as lesões nessa molécula, pesquisa materializada em seu doutorado,
mas não estava conseguindo. Mandou amostras ele acredita que as leituras dos sensores poderão
MARTYN F. CHILLMAID/SCIENCE PHOTO LIBRARY
para a Antártida, mas não deu certo. O erro básico, complementar as de radiômetros específicos, co-
que ele viu ao começar a trabalhar com Schuch, mo os que indicam as mínimas doses de radiação
é que usava DNA seco, cuja estrutura se altera e capazes de causar queimaduras de pele conheci-
não reproduz com precisão o que acontece com a das como eritemas. As perspectivas lhe parecem
molécula normalmente imersa em água. animadoras. “Criamos mais do que o protótipo de
Schuch não sabia ainda como, mas, já como par- um dosímetro”, diz ele. “Agora podemos avaliar
te de seu doutorado, queria fazer algo que funcio- os eventuais danos ao DNA submetido à radiação
M
enck e Schuch estão usando o sensor total de pessoas com XP não deve pas-
de lesões de DNA para avaliar a eficácia sar de mil, dispersas pelo país. Schuch pigmentosum
dos protetores solares. “A maior parte também esteve lá, com os sensores de
dos protetores protege bem contra UV-B, mas DNA, e registrou níveis impressio- que vivem em
não tão bem contra UV-A”, diz Menck. Sem es- nantes altos de radiação e de lesões,
perar, eles viram que um tipo de lesão do DNA, mesmo para pessoas comuns – uma
Araras
a 6-4 pirimidina-pirimidona, uma das causas de constatação esperada, diante do vasto
mutações, também pode ser causada pelo UV-A, céu azul do cerrado do Brasil central.
de menos energia, e não apenas pelo UV-B, como Parte da equipe de pesquisadores de seu labo-
já se sabia. Por essa razão, provavelmente vão su- ratório também foi a Araras e se impressionou
gerir um reforço no índice de bloqueio dos raios com a fragilidade da pele dos moradores com
UV-A para a equipe de pesquisa e desenvolvimento XP, que, mesmo assim, continuam trabalhando
de uma empresa fabricante de cosméticos, ainda no campo sob o sol.
mantida em sigilo, com a qual estão colaborando. Uma série de reportagens publicadas no Cor-
Eles querem também encontrar o fator de pro- reio Braziliense em outubro de 2009 deu visi-
teção solar mais adequado para as pessoas com hi- bilidade às pessoas que não podiam tomar sol,
persensibilidade à luz solar, como as que possuem embora trabalhassem no campo durante o dia,
uma doença chamada Xeroderma pigmentosum chamou atenção para o desamparo em que vi-
(XP), causada por falhas em genes de reparo de viam, reconheceu lideranças locais como Gleice
DNA. As pessoas com XP apresentam um risco Machado, presidente da Associação dos Porta-
cem vezes maior de desenvolver tumores de pele dores de Xeroderma Pigmentoso do Estado de
que as pessoas sem esse problema. Para se prote- Goiás, e o trabalho de médicos como a dermatolo-
gerem, têm de usar roupas com mangas longas, gista Sulamita Chaibub, coordenadora do projeto
até mesmo dentro de casa, e passar protetor solar de atendimento multidisciplinar aos portadores
sobre o corpo todos os dias. Para evitar inflama- de XP de Araras no Hospital Geral de Goiânia,
específico
Artigos Científicos
A
dezembro de 2002
senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), por sua ajudam a provocar a resistência dos tumores aos
infográfico Tiago cirillo, Fonte: Carlos Menck e André Schuch / ICB-USP foto WILSON PEDROSA/ae
vez, apresentou um projeto de lei prevendo medicamentos que deveriam destruí-los. Nesses
a concessão de auxílio-doença e aposenta- casos, o que se deseja é reduzir a ação desses ge-
doria por invalidez para os moradores de Araras nes, intencionalmente, para que os medicamen-
com XP. Aprovado por uma das comissões do Se- tos sejam mais eficazes; é o que ele também está
nado em novembro de 2011, o projeto de lei deve tentando, em uma linha de trabalho de resultados
agora seguir para a Câmara dos Deputados. Tam- mais distantes.
bém motivados pelas reportagens dos jornais, pes- Menck reconhece que avançou bastante e mon-
quisadores de universidades em Goiás, do Distrito tou uma equipe produtiva e criativa, que não he-
Federal e de São Paulo intensificaram o estudo das sita diante de propósitos ousados como ajudar os
formas de prevenir o crescimento dos tumores nas moradores de Araras a sofrer menos. Às vezes ele
pessoas com XP de Araras. A prevenção implica volta às origens, tira da estante e folheia um vo-
adaptar os vidros e outros materiais das casas e lume encadernado com capas cor de vinho – sua
de outras edificações para receberem o mínimo tese de doutorado, “Sobrevivência e Sistemas de
possível de luz solar. Ou mesmo construir quadras reparo em células de mamíferos”, com 95 pági-
cobertas para as crianças das escolas. nas, que o colocou na trilha de trabalho em que
Os cuidados são muitos, e muitas vezes imper- está até hoje – e diz: “Tem coisas aqui que ainda
ceptíveis. Quando estava lá, Menck pediu aos fo- não foram bem resolvidas”. n
Para entender
as proteínas
Rede reuniu 20 grupos que
definiram a estrutura e a
função de 200 moléculas
essenciais aos organismos
E
m 1989, o Moniliopthora perniciosa, um de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
fungo originário da bacia amazônica, (CNPq), mapeou o genoma do Moniliopthora
chegou à Bahia e infectou a plantação perniciosa. Nos anos seguintes, um grupo de
de cacau da região de Ilhéus e Itabuna. pesquisadores da Unicamp, entre eles Gonça-
Na década seguinte, a produção anual lo Amarante Guimarães Pereira, e Jorge Mon-
caiu de 320 mil toneladas para algo em torno de dego, do Instituto Agronômico de Campinas
100 mil toneladas, derrubando a participação do (IAC), identificaram 27 proteínas do fungo com
Brasil no mercado internacional de 15% para 4%. potencial para reduzir ou paralisar o efeito da
A força da doença é avassaladora: o fungo invade doença na planta.
as células do cacau, secreta proteínas que inte- Atualmente, essas 27 proteínas-alvo são ob-
ragem com outras proteínas da planta e o ramo jeto do projeto Estudos estruturais de proteínas-
da planta seca e hipertrofia. Este processo fisio- -chave para as doenças fúngicas do cacau – vas-
lógico consome o cacaueiro e, no caso da Bahia, soura-de-bruxa e monilíase –, desenvolvimento de
também exaure a vida de mais de dois milhões de estratégia de controle e entendimento de modelos
pessoas. A solução para deter o avanço da doen- de patogenicidade, aprovado no âmbito da Rede
ça, do ponto de vista da ciência, é compreender de Biologia Estrutural em Tópicos Avançados de
Andre Ambrosio/LNBio
a interação entre o fungo e a planta. Ciências da Vida, o SMOLBnet 2.0, lançado pela
Em 2000, um consórcio liderado pela Uni- FAPESP em 2010.
versidade de Campinas (Unicamp), apoiado pe- Esta rede de pesquisa, a rigor, começou a ser
lo governo da Bahia e pelo Conselho Nacional formada em 2001, quando a FAPESP apoiou a
A
Rede SMOLBnet reuniu equipes de pes- tórios paulistas nas
quisadores de laboratórios que já realiza- técnicas utilizadas. “Nosso objetivo era ensinar
vam a clonagem do gene até a sua expres- o processo de investigação da forma tridimen-
são em proteínas. Com a implantação do progra- sional das proteínas às equipes de pesquisadores
ma, puderam também desvendar a sua estrutura que frequentemente se deparam com a necessi-
tridimensional. “A estrutura das proteínas está dade de conhecer a estrutura dessas moléculas”,
diretamente ligada à sua função. É ela, aliás, quem contou Meneghini ao repórter Ricardo Zorzetto,
define a sua função, e essa é uma informação cru- em reportagem publicada na edição 113 da revista
cial para saber como age nos organismos vivos”, Pesquisa FAPESP de julho de 2005.
explica Rogério Meneghini, que coordenou a rede A constituição da rede, explica Marie-Anne
SMOLBnet desde o seu início até 2004, quando Van Sluys, do Instituto de Biociências da USP e
assumiu a coordenação científica do Programa coordenadora adjunta da área de ciências da vida
Scielo, também apoiado pela FAPESP. da FAPESP, instigou a formação de “massa críti-
Esses grupos puderam contar com uma fer- ca” em biologia estrutural, uma área de pesquisa
ramenta poderosa: o Laboratório Nacional de que ganhou reconhecimento em todo o mundo,
Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas – úni- principalmente a partir dos resultados dos pro-
co na América Latina e aberto à comunidade jetos Genoma. “O SMOLBnet se constituiu numa
científica –, que, na época, além de uma linha de espécie de rede de contatos que, aos poucos, foi
luz Síncrotron de difração de raios X dedicada à ganhando movimento próprio”, diz ela.
realização de cristalografia de macromoléculas, Shaker Chuck Farah, bioquímico do Instituto
contava com um laboratório especializado nessa de Química da USP, estudou proteínas envolvi-
modalidade de investigação, o Centro de Biolo- das em sistemas de secreção e sinalização entre
gia Molecular Estrutural (Cebime) – inaugura- bactérias. “Incorporei técnicas de biologia estru-
Estudos estruturais de proteínas-chave para as doenças fúngicas do cacau – vassoura- André Luis Berteli Ambrósio, R$ 382.051,42
-de-bruxa e monilíase –, desenvolvimento de estratégias de controle e entendimento de ABTLuS
modelos de patogenicidade – nº 2010/51884-8) (2011-2012)
Determinação de estrutura tridimensional de inibidores de proteases e moléculas Aparecida Sadae Tanaka, R$ 155.542,56
anti-hemostáticas identificados em animais hematófagos, vetores de doenças – Unifesp
nº 2010/51868-2 (2011-2013)
Estudos estruturais de proteínas associadas à infecção de tripanossomatídeos, bem como de Eduardo Horjales Reboredo, R$ 281.738,33
seus complexos com moléculas que participam na infecção – nº 2010/51867-6 (2011-2012) IFSC/USP
Combinando genética e RMN para dissecar interações proteína-proteína fundamentais Frederico José Gueiros Filho, R$ 280.305,09
para o funcionamento do complexo de divisão bacteriana – nº 2010/51866-0 (2011-2012) IQ/USP
Estudos funcionais e estruturais de proteínas quinases envolvidas em câncer e doenças Jorg Kobarg, R$ 642.928,67
negligenciadas, visando ao desenvolvimento de novos inibidores – nº 2010/51730-0 (2011-2012) ABTLuS
Caracterização estrutural da proteína alfa-importina e de complexos proteicos importina – Marcos Roberto de Mattos Fontes, R$ 307.249,38
fatores de transcrição do fungo Neurospora crassa – nº 2010/51889-0 (2011-2013) IB/Unesp Botucatu
Estudos estruturais de fatores de transcrição reguladores dos genes de enzimas hidrolíticas Mario Tiago Murakami, R$ 341.802,40
e de “swollenin” em Aspergillus niger e Aspergillus fumigatus – nº 2010/51890-8 (2011-2012) ABTLuS
Estudo de estrutura de proteínas componentes e reguladoras do exossomo de Archaea Carla Columbano De Oliveira, R$ 693.392,06
e de levedura – nº 2010/51842-3 (2011-2014) IQ/USP
Determinação por cristalografia e ressonância magnética nuclear, da estrutura das proteínas André Luis Berteli Ambrósio, R$ 148.691,20
das famílias NEP (Necrosis and Ethylene inducing Peptides) e taumatina, além da oxidase ABTLuS
alternativa – nº 2010/51891-4 (2011-2012)
Etapas da identificação da estrutura espacial de um anticoagulante, o inibidor do fator XIIa: da esquerda para a direita, cristais vistos por lupa
(na escala, 100 = 1 mm) e por difração de raios X antecedem a reconstituição da molécula átomo a átomo
tural em minha linha de pesquisa, tive orienta- pesquisas podem estar vinculadas aos demais
imagens Sergio Schenkman, Aparecida tanaka e ivan campos/unifesp
ção de pesquisadores experientes e formei pes- programas da instituição”, explica Marie-Anne. O PROJETO
soas”, conta. A pesquisa sobre o fungo Moniliopthora perni- Structural Molecular Biology
Decidido a investigar a forma espacial de pro- ciosa que ataca o cacaueiro é prova disso. O pro- Network (Smolbnet)
teínas com que trabalhava havia anos, Sérgio jeto é coordenado por André Ambrósio, do Labo- COORDENADOR
Schenkman, com sua equipe da Universidade ratório Nacional de Biociências (LNBio). Junto Rogerio Meneghini – LNLS
Federal de São Paulo (Unifesp), detalhou a es- com Sandra Dias e Ana Zeri, também do LNBio, INVESTIMENTO
R$ 13.036.329,12
trutura de duas proteínas do inseto transmissor Ambrósio é responsável pelas investigações com
do protozoário Trypanosoma cruzi, causador da foco em biologia molecular estrutural, por meio
doença de Chagas. As proteínas atuam em fases de combinação de técnicas de cristalografia, res- Artigo científico
distintas da coagulação do sangue: uma inibe a sonância magnética nuclear, bioquímica e biofísi- Zaparoli, G. et al. The
ação da trombina e outra impede o funcionamen- ca, com o objetivo de entender a patogenicidade Crystal Structure of
to do fator XIIa. Ambas apresentam potencial da doença. O projeto teve início com o estudo Necrosis- and Ethylene-
Inducing Protein 2 from the
aplicação no tratamento de problemas provoca- das 27 proteínas-alvo identificadas por Gonçalo Causal Agent of Cacao’s
dos pelo aumento da coagulação do sangue, como Guimarães Pereira e Jorge Mondego e já resultou Witches Broom Disease
a trombose (veja ilustração acima). em um artigo publicado na revista Biochemistry Reveals Key Elements for Its
Activity. Biochemistry. v. 50,
em 2011. Várias outras das proteínas inicialmente
E
p. 9901-10, 2011.
m outubro de 2004, uma avaliação interna- propostas já tiveram suas estruturas resolvidas
cional dos resultados da SMOLBnet, reali- e estão sendo estudadas funcionalmente. Outras
de nosso arquivo
zada por uma comissão independente for- publicações estão sendo preparadas.
mada por especialistas do Instituto Pasteur, da O LNBio, aliás, teve origem no Cebime. Cons- Mapeamento de proteínas
França, da Universidade de Oxford, Inglaterra, tituído como laboratório nacional em 2009, in- Edição nº 65 –
junho de 2001
e do Laboratório Nacional de Brookhaven, Esta- tegra hoje o Centro Nacional de Pesquisa em
dos Unidos, mostrou que o esforço compensou. Energia e Materiais (CNPEM) e opera as duas Ourivesaria Molecular
Edição nº 113 –
“A taxa de sucesso desde a obtenção de clones linhas de luz de cristalografia de macromolé- julho de 2005
até a determinação das estruturas é comparável culas do LNLS e um conjunto de equipamen-
à de projetos internacionais”, afirmaram os es- tos de apoio à pesquisa em biologia molecular
pecialistas. Eles recomendaram a instalação de estrutural.
mais uma linha de luz síncrotron dedicada à cris- Determinadas as estruturas das proteínas e de-
talografia de macromoléculas para experimentos finidos os mecanismos de ação, o passo seguinte
que demandem o uso de SAD/MAD (Single and no projeto é o desenho racional de moléculas que
Multiple-wavelength Anomalous Diffraction), permitam inibir a ação dessas proteínas, desta
aberta aos usuários em 2006. feita com o apoio de Rafael Guido, do Institu-
A formação de especialistas, como resultado to de Física de São Carlos, e de Ronaldo Pilli,
da rede, permitiu a constituição do SMOLBnet da Unicamp, especialistas, respectivamente, na
2.0, em 2010. Nessa segunda chamada, o obje- identificação e síntese de pequenas moléculas,
tivo era estabelecer parcerias entre grupos de explica Ambrósio. “Estamos ainda tentando es-
pesquisa em biologia estrutural e grupos de pes- tudar, do ponto de vista estrutural, uma proteína
quisa em biologia molecular. Foram aprovadas associada à membrana mitocondrial de fungos,
23 propostas e, desta vez, não há uma coorde- processo desafiador que, pelo que se sabe, até
nação geral. “Os grupos estão emancipados e as então é inédito no País”, afirma Ambrósio. n
A essência
das moléculas
Cristalografia facilita o desenvolvimento de medicamentos
Eduardo Geraque
S
e há 20 anos eram poucos os laboratórios que
usavam a cristalografia no Brasil, hoje são dezenas
de centros de pesquisa que dominam esta técnica
usada para desvendar a estrutura tridimensional
das proteínas. Em São Paulo, o uso da cristalo-
grafia deu um salto em 2000 e 2001, com o lança-
mento do projeto Genoma Estrutural, lançado em conjunto
pela FAPESP e pelo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron
(LNLS), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ino-
vação. O projeto Genoma Estrutural injetou US$ 3,5 milhões
em dezenas de laboratórios. Com os recursos, os grupos de
pesquisa puderam financiar a compra de equipamentos para
expressão, purificação e cristalização de proteínas.
O Centro de Biologia Molecular Estrutural, do Instituto
de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo
(USP), rapidamente se destacou como um dos protagonistas
do setor. O grupo já havia elucidado a estrutura molecular
de aproximadamente 20 proteínas, usando cristalografia
por difração de raio X. As macromoléculas estudadas eram
potenciais alvos de inibidores de doenças como hepatite B,
malária e alguns tipos de câncer.
Os primeiros passos do centro de cristalografia em São
Carlos ocorreram em 1989. “A área estava passando por um
boom em todo mundo, com muitos centros sendo criados.
cristalografia; as esferas
coloridas representam os
aminoácidos da mioglobina,
que ajuda a estocar
oxigênio nos músculos
E
m 1992, pela primeira vez, uma serpentes como no caso da doença de Chagas, na
proteína, a glucosamina-6-fosfato relação entre parasita e hospedeiro. A
desaminase da bactéria Escherichia medicação precisa funcionar e, de prefe-
coli, foi inteiramente caracterizada no rência, matar o primeiro, sem interferir
país por meio da cristalografia. Em 1997, no segundo.
mesmo ano em que o grupo do Instituto Mas como enxergar todas estas in-
de Física da USP em São Carlos fez cres- terações biológicas, em nível molecu-
cer cristais em gravidade zero a bordo de lar? Só por meio de verdadeiras disse-
ônibus espaciais norte-americanos, uma cações moleculares de todo o processo.
linha de luz específica para estudos de Este é o papel da cristalografia, conjunto
cristalografia começou a funcionar no de técnicas que detalham a estrutura
LNLS, em Campinas. De acordo com de proteínas, por exemplo, por meio da
Oliva, além de ter crescido muito a for- difração (espalhamento) dos raios X em
mação de recursos humanos no setor a um cristal formado pelas proteínas que
partir dos anos 1990, pessoas que hoje se deseja estudar.
lideram grupos de pesquisa em vários
Q
estados do Brasil, a cristalografia passou uanto mais as pesquisas avançam,
por uma “evolução metodológica e tec- mais proteínas são identificadas
nológica muito grande nesse período”. e validadas pela cristalografia,
Se antes todas as soluções usadas para ampliando o banco de dados biológicos
fazer um cristal de uma proteína crescer sobre determinado problema. Assim, o
precisavam ser feitas de forma manual, número de opções que se terá em mãos
hoje existem robôs que praticamente para resolver certos desafios em nível
montam todo o experimento. A velocida- molecular tende a ser maior.
de e o rendimento são muito maiores, di- Este trabalho de montar e desmontar,
zem os especialistas. “Apesar disso tudo, em nível molecular, não existe apenas
a técnica ainda é bastante experimental. para a doença de Chagas, mas para vá-
Não existe teoria para a cristalografia. rias moléstias, além de permitir outras
Você não consegue antever se vai dar aplicações dentro da biologia em geral.
certo ou não”, afirma Oliva. O objetivo é sempre identificar macro-
Em paralelo ao amadurecimento do moléculas e, em laboratório, tentar sin-
centro de pesquisas em São Carlos, no tetizar outros compostos que se ligam
início dos anos 2000, também com a coor- aos chamados alvos biológicos. O que
denação do LNLS, começou a funcionar se pretende é bloquear aquele caminho,
a Rede de Biologia Molecular Estrutu- para que alguns desdobramentos nor-
ral (Smolbnet), facilitando o trabalho malmente desejáveis, como a morte do
de equipes de dezenas de laboratórios, T. cruzi, ocorram.
que identificaram a estrutura tridimen- Outra prova de que as técnicas de
sional de 52 proteínas em dois anos (ver cristalografia são vitais para o desen-
reportagem à página 66). Nessa época a volvimento científico vem do mundo
tura original de uma molécula poderá, paralela no setor empresarial, embora COORDENADORes
1. a 3. Glaucius Oliva – IFSC/USP
acredita-se, ter um uso terapêutico em no Brasil poucas empresas invistam em 4. Maurício Ventura Mazzi – Centro Universitário
muitas doenças. pesquisa de novos fármacos, a principal Hermínio Ometto (Uniararas)
área em que a cristalografia tem sido
U
INVESTIMENTO
m grupo de pesquisa da Fundação aplicada. 1. R$ 1.340.213,83
2. R$ 257.249,99
Hermínio Ometto, de Araras, es- As consequências dos avanços na bio- 3. R$ 28.449.954,27
tá trilhando este exato caminho. logia estrutural apenas conseguirão ter 4. R$ 301.426,83
Os pesquisadores estão interessados em um escoamento esperado, em termos de
isolar um grupo de enzimas do veneno saúde, se os processos de inovação tec- De nosso arquivo
da serpente Crotalus durissus terrificus, nológica e desenvolvimento de fármacos
a bem conhecida cascavel. Além de ou- estiverem totalmente azeitados, alertam Quebra-cabeças da vida
Edição especial Cepids – maio de 2007
tras ferramentas, a cristalografia por di- os pesquisadores. Eles acreditam que o
fração de raios X está sendo usada para desenvolvimento de moléculas que real- A chave para novos medicamentos
Edição nº 57 – setembro de 2000
elucidar as estruturas tridimensionais mente poderão atingir os alvos biológi-
das proteínas selecionadas. cos para os quais elas foram desenhadas Genes identificados podem ter relação
com a CVC
De acordo com o grupo, as enzimas vai ocorrer só se as universidades e as Edição nº 38 – dezembro de 1998
L-aminoácido-oxidases (LAAOs), que empresas conseguirem trabalhar em
Cooperação no espaço
conferem ao veneno da serpente uma conjunto. Só um produto classificado Edição nº 21 – junho de 1997
tonalidade amarelo-âmbar, apresenta- como rentável pelas empresas poderá
Viagem de reconhecimento
ram potencial citotóxico, bactericida e receber apoio financeiro e ser fabricado Edição nº 19 – abril de 1997
antiparasitário in vitro. Elas têm sido em escala comercial. n
2 3
A lâmina vai para um Pode-se então criar um modelo
aparelho de difração de tridimensional da proteína
raios X, que identifica
infográficos tiago cirillo, fonte: UNESP/ UFSCar/PROTEIN DATABASE
os componentes da
proteína selecionada
Rotação
Nitrogênio Detector
O porteiro
das células
Príon celular, a versão saudável da proteína
que causa o mal da vaca louca, controla a
entrada de comandos químicos nos neurônios
Ricardo Zorzetto
desliza para áreas mais delgadas da membrana lopatia espongiforme descrita nos anos 1920 por
e é tragado para o interior de vesículas, onde se Hans Gerhard Creutzfeldt e Alfons Maria Jakob.
Astrócito: produtor
conecta a outras proteínas e envia comandos para Mais estáveis que o príon celular, as moléculas de-
de proteína que ativa o núcleo ou outras regiões da célula. Nas células formadas aderem umas às outras, gerando longas
o príon celular cerebrais, em especial nos neurônios, os sinais fibras tóxicas para os neurônios.
M
as Brentani não se convenceu. com camundongos feitos em parceria com
Anos antes ele havia propos- Iván Izquierdo, pesquisador da Pontifícia MEIO
Proteína ativadora
mesma região da dupla fita da molécula Sul, revelaram ainda que o príon celular e Proteína
de DNA conteria a receita para a produ- a STI-1 eram também fundamentais para Príon celular
transmembrana
por trechos complementares das fitas dulava a resposta às inflamações, ora Vesícula
de DNA também teriam papéis comple- aumentando, ora reduzindo a atividade Proteína
mentares e seriam capazes de interagir das células de defesa, como demons- Sinais
químicos
quimicamente. Mas era uma hipótese trou a equipe de Linden (ver Pesqui- MEIO
CÉLULA
na qual poucos acreditavam. sa FAPESP nº 148). Outras evidências, INTERNO
Até que em 1991 um pesquisador nor- como a de que o príon celular protege
te-americano publicou uma carta na Na- as células do coração contra agressões
ture dizendo que, se Brentani estivesse Vilma, Brentani e Linden recorreram
químicas, se somavam, mas ainda não
certo, o trecho do DNA complementar ao então à ajuda de Marco Antonio Prado, à
se compreendia por que, em certas si-
do gene do príon celular conteria infor- época professor na Universidade Fede-
tuações, o PrP C protegia e em outras
mação sobre a proteína que possivelmen- ral de Minas Gerais, onde investigava o
danificava os tecidos. Um passo impor-
te o acionaria. Estudioso de proteínas transporte de moléculas no interior das
tante era saber como essa proteína, que
associadas ao câncer, Brentani resolveu células. Em parceria com outros pesqui-
fica na superfície externa das células,
analisar o príon celular e a molécula que se comunicava com o interior. sadores, eles marcaram o príon celular
funcionava como seu interruptor. Ele, a de neurônios com um corante
bioquímica Vilma Martins e o biólogo fluorescente e acompanharam
Sandro de Souza, na época pesquisado- Bloquear atividade o caminho que percorria. Foi
res do Instituto Ludwig de Pesquisa so- quando flagraram que, uma
bre o Câncer, mais o bioquímico Vivaldo do príon celular pode vez ativado por certas proteí-
Moura Neto, da Universidade Federal nas, como a STI-1, o príon ce-
do Rio de Janeiro (UFRJ), deduziram a
deter avanço de lular desliza para áreas mais
estrutura dessa outra proteína e a des- doenças cerebrais delgadas da membrana e faz
creveram em 1997 na Nature Medicine. um mergulho temporário na
célula, durante o qual envia co-
mandos para o núcleo ou outras regiões.
O papel de ímã seletivo ou platafor-
ma de montagem de complexos de si-
nalização do PrPC explicava resultados
experimentais que pareciam contraditó-
rios e alterava a compreensão de como
foto glaucia hajj infográficos tiago cirillo
STI-1
multiplicação STI-1 Príon celular
Príon celular
dos astrócitos
Peptídeo
O que se imaginou para essas enfermi- avanço da doença. Os primeiros testes fo-
dades, sugerem os brasileiros, parece ser ram promissores e os pesquisadores de- Os Projetos
aplicável aos estágios iniciais do Alzhei- positaram um pedido de patente para o
1. Papel da proteína príon celular em processos
mer. “Começamos estudando uma do- uso de um dos compostos que impedem fisiológicos e patológicos – nº 1999/07124-8
ença neurodegenerativa e encontramos a interação entre o oligômero e o príon (2000-2004)
conexões com outras”, comenta Marco celular (ver Pesquisa FAPESP nº 194). 2. Papel da proteína príon celular em processos
fisiológicos e patológicos II – nº 2003/13189-2
Prado, hoje pesquisador da Universidade Vilma também tenta combater o glio- (2004-2009)
de Western Ontario, no Canadá. blastoma, um tumor cerebral agressivo, 3. Mecanismos associados à função da proteína
causado pela proliferação descontrolada príon e seu ligante STI1/Hop: abordagens
O
terapêuticas – nº 2009/14027-2 (2010-2014)
elo entre as doenças causadas de células derivadas dos astrócitos. Célu-
Modalidade
por príons e a enfermidade que las que nutrem os neurônios e defendem 1. 2. e 3. Projeto Temático
apaga a memória é que, em am- o sistema nervoso central de invasores, Coordenadoras
bos os casos, a sinalização do PrPC está os astrócitos lançam no meio extracelu- 1. e 2. Vilma Regina Martins – Instituto Ludwig
truncada. No primeiro, por um defeito no lar a STI-1. Enquanto promove diferen- 3. Vilma Regina Martins – Hospital A. C.
Camargo
próprio PrPC. No segundo, por sua ação ciação dos neurônios e a autorrenovação
Investimento
ser bloqueada pelo beta-amiloide. “Não de células precursoras neuronais, a STI-1 1. R$ 2.353.958,10
estamos afirmando que a toxicidade não bloqueia a reprodução dos astrócitos no 2. R$ 1.738.518,72
mata a célula”, explica Vilma, hoje pes- cérebro saudável. Mas dispara a prolife- 3. R$ 1.699.903,33
municação entre o PrPC e o oligômero sível prever se essas estratégias levarão a Uma proteína fundamental
Edição nº 148 – junho de 2008
beta-amiloide, um aglomerado de frag- um medicamento. “O que funciona com
mentos de proteína tóxico que se forma animais”, lembra Vilma, “nem sempre Comunicação interrompida
Edição nº 194 – abril de 2012
no começo do Alzheimer, impedindo o produz os mesmos efeitos nas pessoas”. n
O centro
das distrofias
Grupo paulista identifica novos genes e formas
de doenças neuromusculares no Brasil
Marcos Pivetta
Microscopia de
fluorescência de
células-tronco
embrionárias
neuronais formando
redes neurais. Em
vermelho a proteína
tubulina e em azul
o núcleo celular
E
m 1978, a geneticista Mayana Zatz vol- As distrofias musculares eram (e ainda são)
tou ao Brasil depois de ter feito um pós- uma das doenças mais estudadas por Mayana e
-doutorado de dois anos na Universida- seus colaboradores. Quando iniciou suas pes-
de de Califórnia em Los Angeles (Ucla). quisas, eram conhecidas apenas sete formas de
Quatro anos mais tarde, foi contratada distrofias. Hoje sabe -se que há mais de 30. Até
como professora do Instituto de Biociências da os anos de 1980, seu laboratório trabalhava ape-
Universidade de São Paulo (IB-USP), endere- nas com enzimas, embora a biologia molecular
ço profissional que nunca trocou. Mais de três já tivesse despontado no exterior. Mas, no final
décadas de pesquisas bem-sucedidas nas áreas daquela década, com o retorno de duas alunas
de genética e mais recentemente no campo das que tinham ido ao exterior aprender novas téc-
células-tronco transformaram Mayana numa das nicas, Maria Rita Passos-Bueno e Mariz Vainzof,
cientistas brasileiras de maior visibilidade no país que se tornariam professoras e pesquisadoras do
e também no exterior. Desde o ano 2000, a pesqui- IB, Mayana estruturou um setor de biologia mo-
sadora comanda o Centro de Estudos do Genoma lecular para investigar as doenças neuromuscu-
Humano (CEGH) da USP, um dos Cepids criados lares. Maria Rita montou toda a parte de estudo
com financiamento da FAPESP. Em média, cem de genes e Mariz, a de pesquisa das proteínas
pesquisadores e técnicos estão ligados ao centro, de músculo. Desde então, o grupo identificou 15
cujo serviço de aconselhamento genético atende genes novos, boa parte deles ligada às distrofias.
anualmente de 2 mil pessoas. A produção cien- Os primeiros achados mais expressivos come-
tífica da equipe de Mayana é grande. “Às vezes, çaram a surgir em meados da década seguinte.
publicamos até 50 papers (artigos científicos) num Em 1995, a equipe identificou um gene ligado
ano”, afirma a geneticista, que também comanda a uma forma grave de distrofia de cintura, que
o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de costuma levar uma criança com 10 anos de idade
Células-Tronco em Doenças Genéticas Humanas, para a cadeira de rodas, e outro que, quando alvo
associado ao CEGH. de mutações, causa a síndrome de Knobloch, um
tipo raro de cegueira progressiva. Até hoje, todas
as mutações que provocam a síndrome ocorrem
nas duas cópias do gene COL18A1, que foi iden- Grupo localizou 15 novos genes,
tificado pela equipe do IB sob coordenação de
Maria Rita. A história da descoberta da associa- boa parte deles ligada ao surgimento
ção da doença ao COL18A1, gene localizado no
cromossomo 21 que codifica uma proteína cha-
de distrofias musculares
mada colágeno XVIII, incluiu trabalho, paciência
e uma dose de sorte, ingredientes essencias para
o avanço da ciência.
Ao se detectar uma família com distrofia de
cintura no município de Euclides da Cunha, na que recebeu o nome de ELA8. A disfunção no gene
Bahia, as pesquisadoras perceberam que havia foi encontrada em 34 indivíduos, pertencentes a
também muitos casos de cegueira nesse grupo de sete famílias: 16 pessoas tinham atrofia espinhal, 15
pessoas, formado por casais consanguíneos. Para apresentavam ELA8 e três manifestavam a forma
saber o que se passava com aqueles indivíduos, clássica de ELA. Posteriormente, foram identifi-
Maria Rita foi à cidade baiana, conversou com os cadas centenas de portadores dessa mutação no
familiares e coletou material para pesquisa. “Uma Brasil e também no exterior.
parte da família tem distrofia e a outra cegueira”, As três enfermidades são parecidas e, em cer-
recordou Maria Rita em 1997 em reportagem do tos aspectos, se confundem. A semelhança tal-
boletim Notícias FAPESP, embrião desta revis- vez se deva à descoberta de que a mutação no
ta. Como é praxe nesses casos, todas as famílias gene VAP-B pode ser a causa das anomalias. De
envolvidas nas pesquisas da equipe de Mayana forma genérica, são classificadas debaixo do
recebem aconselhamento genético para saber grande guarda-chuva das chamadas doenças
como lidar com a doença e serem informadas dos neurônios motores. São lesões que afetam
sobre o risco de transmissão de mutações para as células do cérebro e/ou da medula espinhal
eventuais novos filhos. especializadas em enviar impulsos elétricos para
os músculos. Estes contraem ou relaxam a partir
N
a busca por genes associados a doenças de comandos transmitidos pelos neurônios mo-
neurodegenerativas, a equipe da USP obte- tores superiores (cérebro) e inferiores (medula
ve alguns resultados surpreendentes. Esse espinhal). No caso dos doentes com a ELA8, os
foi o caso dos trabalhos com um gene denominado primeiros sintomas costumam aparecer por volta
VAP-B, presente no cromossomo 20. Num artigo Cachorros Ringo e da quarta década de vida e sua sobrevida varia
publicado em novembro de 2004 na revista Ame- Suflair: cães têm de cinco a 25 anos depois de feito o diagnóstico.
mutação que causa
rican Journal of Human Genetics, pesquisadores A principal responsável pela descoberta e ca-
distrofia muscular, mas
do centro paulista mostraram que uma mutação surpreendentemente racterização da nova forma de esclerose lateral
nesse gene podia causar três tipos distintos de do- não manifestam a amiotrófica, a pesquisadora Agnes Nishimura,
ença degenerativa nos neurônios motores: atrofia doença. Pesquisadores que era do centro da USP e hoje é pesquisadora
da USP estão tentando
espinhal progressiva tardia, a forma clássica de do King’s College em Londres, ganhou em 2007
encontrar genes que
esclerose lateral amiotrófica (ELA) e uma nova evitam o surgimento da o Prêmio Paulo Gontijo na categoria Medicina
variante atípica de esclerose lateral amiotrófica, distrofia no zebrafish pelos trabalhos com a doença.
1 2
O
gene VAP-B e a nova forma de esclerose
lateral amiotrófica continuam sendo es-
tudados até hoje pela equipe de Mayana
– e resultados interessantes continuam surgindo.
No ano passado, o mesmo grupo da USP, em co-
laboração com colegas brasileiros e estrangeiros
de centros de estudos norte-americanos, encon-
trou uma pista do mecanismo que parece estar
envolvido na destruição dos neurônios motores
dos doentes. Os cientistas conseguiram gerar
neurônios motores de pacientes com ELA8 e
constataram que os níveis da proteína VAP-B se
encontravam mais reduzidos nesse tipo de célu-
la. “Foi a primeira vez que isso foi feito com essa
forma hereditária de esclerose lateral amiotró-
fica”, diz Mayana, que publicou um artigo com
os resultados do experimento em junho do ano
passado na revista científica Human Molecular
Genetics. Os neurônios motores foram derivados
in vitro de células-tronco de pluripotência indu-
zida (iPSC, na sigla em inglês) que, por sua vez,
haviam sido geradas a partir de um tipo de célula
da pele, os fibroblastos, de pacientes com a do-
ença e comparados com seus parentes normais.
N
a década passada, ao lado dos estudos ge-
néticos mais tradicionais, Mayana dire-
cionou uma parte dos esforços do CEGH
para as pesquisas com células-tronco. “Por ser-
mos um Cepid, tivemos agilidade administativa e
financeira para entrar muito rapidamente nessa
área”, conta a geneticista, que também partici-
pou ativamente nos últimos anos na luta pela
regulamentação das pesquisas nesse setor no
Brasil. Não demorou muito tempo e os primeiros
resultados apareceram. Num trabalho de 2009,
pesquisadores do centro e também da equipe de
Sergio Verjovski-Almeida, do IQ-USP, levantaram
indícios de que as células-tronco presentes no
sangue do cordão umbilical e na parede do cor-
dão, tecidos que podem ser armazenados para o
caso de futuras necessidades terapêuticas, têm
perfis genéticos diferentes. Em 2008, a equipe
já havia demonstrado que o cordão é muito mais
rico que o sangue em células-tronco mesenqui-
mais, um tipo especial de células com potencial de
formar vários tecidos. A particularidade de cada
tipo pode afetar o uso médico dessas células caso
fique comprovado que as diferenças genéticas
representam uma redução em sua versatilidade.
Em abril do ano passado, biólogos do CEGH,
num trabalho coordenado por Oswaldo Keith Oka-
moto, e neurocientistas da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp) publicaram um estudo na
versão da revista científica Stem Cell Reviews and
Reports mostrando que, em ratos com Parkinson
induzido, a presença de fibroblastos humanos anu-
la os possíveis efeitos positivos de um implante de
eduardo cesar
-tronco hematopoéticas, precursoras do sangue. 3. SECCO, M. et al. Multipotent stem cells from umbilical cord:
Parkinson, alias, é uma das doenças que podem cord is richer than blood! Stem Cells. v. 26, n. 1, p. 146-50, 2008.
Coadjuvantes
inesperados
Células normais, como os fibroblastos,
podem facilitar a evolução de tumores
e dificultar o tratamento
H
á mais de um século, médicos e pesquisadores têm
prestado uma imensa atenção nos tumores para
diagnosticar, tratar e entender a origem e o pos-
sível desenvolvimento de dezenas de formas de
câncer. As células tumorais continuam sendo os
atores principais do câncer, mas há alguns anos o olhar está
se ampliando e os coadjuvantes – células normais que podem
beneficiar o desenvolvimento de tumores – começam a ga-
nhar atenção, dando pistas sobre por que os tumores evoluem
de modo diferente ou por que os tratamentos funcionam de
modo distinto nas pessoas.
Em São Paulo, equipes de duas instituições – Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e Hospi-
tal A.C. Camargo – estão verificando que células de suporte
de vários tecidos, conhecidas como fibroblastos, podem ser
encontradas no microambiente tumoral e produzir fatores
que favorecem o crescimento desses tumores. “O microam-
biente tumoral pode ser decisivo na evolução do tumor”, diz
Maria Aparecida Koike Folgueira, pesquisadora da USP. O
Mulheres mais jovens,
às vezes com câncer
microambiente é constituído pelas chamadas células estro-
de mama: causas mais, principalmente fibroblastos, e pela matriz extracelular,
ainda incertas que se encontram dentro ou ao redor do tumor. Em um dos
O
mento dos RNA mensageiros dos fibroblastos utro braço da pesquisa tenta avaliar os
para desvendar alterações que possam ocorrer efeitos hormonais no câncer de mama. Os
nestas células encontradas no microambiente hormônios sexuais, estrógeno e progeste-
e que possam estar envolvidas no prognóstico rona, agem como fatores promotores do câncer
da doença. Em colaboração com o Hospital do de mama, ao estimular a proliferação das célu-
Câncer de Barretos, avaliam também qual las mamárias. Outro hormônio,
seria a influência das células estromais na a vitamina D, que é produzida
resposta à quimioterapia. na pele, a partir de 7-de-hidro-
colesterol, pela ação de raios
E
m outra linha de trabalho, investigam UVB, pode ter ação antiproli-
por que o câncer de mama, doença que ferativa. Este efeito, entretan-
se manifesta principalmente em mulhe- Marcadores to, foi demonstrado apenas em
res idosas, pode em certos casos se apresen- estudos in vitro com linhagens
tar em mulheres jovens. O câncer, por ser, genéticos celulares expostas a concentra-
entre outras causas, o resultado do acúmulo ções elevadas do hormônio, as
de mutações genéticas que fazem as células
se proliferarem sem controle, está normal-
poderiam quais podem ter efeitos colate-
rais indesejáveis in vivo, como
mente ligado ao envelhecimento, que por
sua vez está ligado ao acúmulo de defeitos avaliar hipercalcemia. Em vista dessas
evidências, o grupo da USP, em
na molécula de DNA. parceria com o Instituto Bra-
Chamados de supressores de tumor, os previamente sileiro de Controle do Câncer
genes BRCA1 e BRCA2 participam do re- (IBCC), está estudando a ação
paro do DNA lesado. Quando apresentam a eficácia da do calcitriol, uma forma ativa
defeitos, esses genes respondem por até 10% da vitamina D, em concentra-
dos tumores de mama e 15% dos ovarianos. quimioterapia ções não associadas a efeitos
Outro gene, denominado TP53, o chamado colaterais, na proliferação e ex-
guardião do genoma, monitora a prolifera- pressão gênica do tumor.
ção celular e a interrompe quando detecta
algo anormal, ao menos até que o sistema de hormônios e vitaminas
reparo de DNA possa entrar em ação e fazer Após verificar que pacientes
as correções de rumo necessárias (ver ilus- com câncer de mama apresen-
tração). Mutações neste gene podem levar tam tendência à insuficiência
a falhas em seu funcionamento e originar ou deficiência de vitamina D,
vários tipos de câncer. as pesquisadoras analisaram a
“Os fatores que influenciam o surgimen- ação da suplementação de cal-
to do tumor de mama em idade precoce ainda citriol por curto período (um mês) antes da ci-
são pouco conhecidos”, comenta Maria Apa- rurgia em mulheres com câncer de mama que já
recida. “Estamos examinando as mutações e o haviam entrado em menopausa. Nesse período
perfil molecular do tumor, para ver se ele tem a doença não progrediu – o tumor não cresceu.
alguma característica que o diferencie e ajude Entretanto, verificaram, a análise do tumor co-
a explicar seu surgimento mais cedo.” Dirce letado antes e após esta suplementação indica
Carraro e Maria Isabel Achatz, do Hospital A. que a ação da vitamina D na expressão gênica é
C. Camargo, e Maria Aparecida e Maria Mitzi muito sutil. O grupo avalia agora, em estudos de
Brentani, da USP, estão avaliando as mutações xenoenxerto (implante tumoral) em animais, se
nos genes BRCA1, BRCA2 e TP53 em mulheres a injeção intratumoral de vitamina D poderia ter
que tiveram câncer de mama entre os 20 e os 35 efeito antiproliferativo.
1. Marcadores moleculares
da resposta à quimioterapia
O gene p53 controla a qualidade da neoadjuvante do câncer de
cadeia de DNA. Quando detecta um erro, mama – nº 2001/00146-8
(2001-2004)
interrompe a replicação do DNA e ativa a
Sentido da 2. Expressão gênica de
eliminação da parte defeituosa replicação fibroblastos associados a
carcinomas de mama
classificados em subtipos de
acordo com receptores de
Polimerase estrógeno e progesterona e
RNA C-ERBB2 – nº 2009/10088-7
(2009-2012)
3. Sinalização heterotípica
Religação entre células epiteliais
tumorais e fibroblastos no
carcinoma de mama –
Eliminação nº 2004/04607-8
Polimerase Sentido da p53
não é ativada (2005-2008)
RNA vazio replicação
Modalidades
1. Linha regular de auxílio a
projeto de pesquisa
2. e 3. Projeto Temático
Polimerase
DNA Coordenadora
Maria Mitzi Brentani –
Eliminação p53 Faculdade de Medicina
da USP
Investimento
Quando o p53 tem um defeito, o erro não é
Polimerase 1. R$ 515.088,21
DNA eliminado e a cadeia continua a ser replicada, 2. R$ 1.492.318,72
o que leva à formação de células defeituosas 3. R$ 755.501,06
Artigos científicos
E
v. 11, n. 20, p. 7434-43, 2005.
m 2005, com os chips de DNA desenvolvi- demonstraram que era possível substituir os mi-
dos pelo Instituto Ludwig de Pesquisa so- croarranjos por uma técnica mais barata, chama- 3. ROZENCHAN, P.B. et al.
Reciprocal changes in gene
bre Câncer, Maria Mitzi e Maria Aparecida da PCR (sigla para polimerase chain-reaction, ou expression profiles of
testaram 4.608 genes de uma vez só em amos- reação em cadeia da polimerase), que amplifica o cocultured breast epithelial
tras de RNA extraídos de tumores de mama de sinal de genes ativados por meio da multiplicação cells and primary fibroblasts.
Int J Cancer. v. 125, n. 12,
51 mulheres entre 51 e 67 anos, em busca de di- das moléculas de DNA, e apresenta um custo me- p. 2767-77, 2009.
ferenças que pudessem indicar algo novo sobre nor que os chips. Entretanto, neste estudo ainda
a evolução da doença. Em meio a todos esses utilizaram tumores frescos congelados.
De nosso arquivo
dados, encontraram um conjunto de três genes Nos hospitais, porém, a amostra do câncer é
– PRSS11, CLPTM1 e MTSS1 – que poderiam se- colocada em parafina para então ser encami- Os primeiros sinais de alerta
lecionar pacientes responsivas ou não ao trata- nhada para exames. Portanto, o próximo passo Edição nº 115 –
setembro de 2005
mento quimioterápico, um dos grandes problemas é demonstrar que é possível obter os mesmos
enfrentados pelos oncologistas. Muitos tumores, resultados quando o RNA é extraído de material Mutação em gene pode
definir prognóstico
nos exames, parecem perfeitamente tratáveis. parafinado. Se conseguirem, será uma aplicação
infográfico tiago cirillo
do câncer de mama
Uma das estratégias é começar pela quimio- médica de um conhecimento gerado em labora- Edição nº 26 –
terapia, para reduzir o tamanho da massa a ser tório para detectar e tratar com mais precisão novembro de 1997
extraída cirurgicamente, e depois partir para a uma doença complexa em seus detalhes e suas
operação em si. Contudo, nem todas as pacien- particularidades. n
diversidade
Áreas de especiação
O fôlego de
uma teoria
Um lagarto da Amazônia estudado por
Vanzolini reforçou a proposta de geólogo
alemão sobre refúgios florestais
Eduardo Geraque
E
laborada há mais de 40 anos pelo geólogo alemão
Jürgen Haffer e indiretamente pelo zoólogo brasilei-
ro e sambista Paulo Vanzolini, a Teoria dos Refúgios,
que associa a diversidade biológica na Amazônia aos
períodos de clima seco e isolamento geográfico, aca-
bou declarada como morta várias vezes ao longo destes anos
por vários outros pesquisadores. Mas, como diz a música do
próprio Vanzolini, ela deu a volta por cima e, com um certo
grau de atualização, é considerada válida por vários grupos de
pesquisa, não apenas para explicar o surgimento de espécies
na Amazônia, mas também na floresta atlântica, onde tem
sido aplicada.
Instalado em sua poltrona favorita na sala de seu sobrado
em uma antiga vila do bairro da Aclimação, zona sul de São
Paulo, Vanzolini, aos 88 anos, afirma que não fez teoria ne-
nhuma: “Era apenas um trabalho com uma espécie de bicho.
O que fiz acabou sendo trazer um exemplo prático, daquilo
que o Haffer havia proposto do ponto de vista teórico. Nada
N
genéticas importantes pelas alterações ovos tempos e estudos seguem
do ecossistema. mais ou menos o mesmo cami-
nho. Em um artigo sobre saúvas
Manchas menos definidas na Amazônia publicado em 2008 na re-
Haffer, em uma entrevista que me con- vista PLoS One, cientistas brasileiros e
cedeu em 2005 para uma reportagem norte-americanos propuseram uma es-
no jornal Folha de S.Paulo, defendeu a pécie de reconsideração da teoria dos
Teoria dos Refúgios, mas não deixou refúgios. Na Amazônia, segundo Mau-
de propor algumas correções de rota rício Bacci Jr., bioquímico da Univer-
para o seu trabalho: “É provável que o sidade Estadual Paulista em Rio Claro,
tamanho dessas manchas de floresta a grande explosão de diversidade das
úmida durante os períodos secos fosse formigas ocorreu mesmo com a barreira
maior e bem menos definido do que é geográfica imposta no momento em que
mostrado em muitos mapas que ilustram os rios da região estavam em formação.
a localização dos refúgios na floresta Segundo ele, a superdiversificação de
pluvial tropical”. Haffer morreu em 2010, espécies de saúvas seria algo recente,
aos 77 anos. ocorrida por volta de 2 milhões de anos
Uma das críticas feitas ao longo dos atrás. Entre os rios da região, é possível
anos contra as propostas de Haffer e de que os ninhos de saúva tenham se des-
Vanzolini é exatamente sobre a locali- locado boiando, sobre plantas.
zação dessas tais áreas secas da Ama- As análises genéticas indicaram que,
zônia, que nunca teriam sido realmen- Anolis chrysolepis, além da Teoria dos Refúgios, outro pro-
te registradas. Haffer diz que, ao longo espécie em cesso importante – e anterior – de mu-
que Vanzolini
dos anos, muitas interpretações erradas dança na paisagem amazônica foi de-
se baseou para
foram feitas sobre a ideia dos refúgios: entender a terminante para a diversificação das
“Nossos dados indicam alterações cli- especiação na formigas na região. Há 15 milhões de
máticas pelo menos em áreas localiza- Amazônia anos, antes de o rio Amazonas se for-
O modelo de áreas não houve grandes 2. SCHULTZ T. R. e BRADY, S.G. Major evolutionary
A Galápagos brasileira
Os lagartos das dunas do São Francisco – alguns parecendo cobras
– expressam histórias evolutivas próprias
T
rinta e dois anos depois da primeira em que o rio – ali, com 200 a 300 metros de
expedição às dunas do rio São Fran- largura – as separou.
cisco, o biólogo Miguel Trefaut Ur- Da primeira viagem já trouxe uma espécie no-
bano Rodrigues, da Universidade de va de lagarto, hoje chamada de Eurolophosaurus
São Paulo (USP), ainda se surpreen- amathites, que só vive ali. Em outras expedições,
de com “aquela fauna maluca”, como ele diz. ele e sua equipe encontraram animais que ainda
Em 1980, aos 27 anos, ainda mais magro que ho- não haviam sido descritos, como uma cobra de
je, ele percorreu os arredores de Santo Inácio, duas cabeças e uma cobra subterrânea, ambas
município então com 200 moradores no norte com espécies-irmãs do outro lado do rio. No Saa
da Bahia, sob um sol impiedoso, e se admirou ra brasileiro, com 7 mil quilômetros quadrados
com a diversidade de animais semelhantes: as ao longo de 120 quilômetros do rio, já identifi-
espécies irmãs, com pequenas diferenças de caram quase 30 espécies e oito gêneros novos de
aparência ou constituição genética. Os bichos lagartos exclusivos (endêmicos): é mais do que
quase iguais entre si viviam nas dunas de cada nos desertos norte-americanos ou africanos. Ali
lado do rio, depois de terem se diferenciado a – e só ali – vive também um roedor de 20 cen-
partir de um ancestral comum e seguido cami- tímetros, o rabo-de-facho, e um bacurau de 20
nhos evolutivos próprios a partir do momento centímetros de altura igualmente adaptados às
Calyptommatus
balho de quando começou estudar cobras e la- Xique-Xique Queimadas confusuionibus
gartos, há 40 anos, comparando características
Calyptommatus
externas como o número e a forma de escamas, Vacaria leiolepis
o comprimento do corpo e a forma dos olhos, Mocambo Ibiraba
Calyptommatus
do Vento Ilha do Gado Bravo
para reconhecer uma nova espécie e construir nicterus
a filogenia – a ordem de aparecimento de um Barra Lagoa de Itaparica
Calyptommatus
Gameleira do Assuruá
grupo de animais semelhantes, começando pe- sinebrachiatus
los mais antigos. Kátia Pellegrino, professora na Santo Inácio Nothobachia
Universidade Federal de São Paulo, se vale de ablephara
B
ichos parecidos, porém, podem ter histórias pírito Santo, antes consideradas próximas, não
bem diferentes. Em 2008, comparando tre- se mostraram mais tão próximas, uma tem 38 e Artigos científicos
chos do DNA de 10 populações de lagartos outra 40 cromossomos.
1. KOHLSDORF T. e
do gênero Eurolophosaurus, José Carlos Passoni, Antoine Fouquet, francês que fez o pós-dou- WAGNER G. P. Evidence for
Maria Lúcia Benozzati e Rodrigues, todos da USP, torado com Rodrigues, concluiu que as florestas the reversibility of digit loss:
mostraram que uma das espécies, o Eurolopho- da Guiana foram um refúgio biológico importan- a phylogenetic study of limb
evolution in Bachia
saurus divaricatus, um lagarto de 25 centímetros te para a diferenciação da fauna amazônica nos (Gymnophthalmidae:
de comprimento que vive na margem esquerda últimos milhares de anos. Curiosamente, veio das Squamata). Evolution. v. 60,
do São Francisco, teria surgido há 5,5 milhões Guianas a primeira espécie de cobra que Rodri- n. 9, p. 1896-912, 2006.
de anos. Os habitantes da margem oposta seriam gues identificou, em 1978, quando ainda cursava 2. FOUQUET, A. et al.
Molecular phylogeny and
mais recentes, o E. nanuzae com 3,5 milhões de biologia em Paris (ele fez a graduação no exterior morphometric analyses
anos e o E. amathites com pelo menos 1,5 mi- e a pós-graduação no Brasil). A primeira espé- reveal deep divergence
lhão de anos. cie brasileira, em 1980. Foram quantas, no total? between Amazonia and
Atlantic Forest species of
Os cálculos sobre a origem dessas espécies “Nunca contei”, desconsidera, entre a modéstia Dendrophryniscus. Molecular
de lagartos superaram largamente os modes- e a impaciência para cálculos. Em 2010, Peter Phylogenetics and Evolution.
tos 15 mil anos antes concluídos com base em Uetz, do J. Craig Venter Institute, dos Estados v. 62, p. 826-38, 2012.
dados geomorfológicos. Teria sido nessa época Unidos, teve paciência e contou. Resultado: em 3. AMARO, R. C. et al.
que o rio, à medida que o relevo se modificava, um artigo na revista Zootaxa sobre os 40 biólo- Demographic processes in
the montane Atlantic
teria desviado seu curso do interior para o mar. gos que mais descreveram espécies de répteis no rainforest: Molecular and
As lagoas internas em cujas margens os lagar- mundo desde o século XVIII, Rodrigues é o único cytogenetic evidence from
tos tomavam sol podem ter se desfeito ou o rio brasileiro da lista, em 35º lugar, com 53 espécies the endemic frog
Proceratophrysboiei.
incorporado parte da margem esquerda ao se- descritas – hoje são mais de 60. Molecular Phylogenetics
guir para leste e não mais para oeste. Segundo Miguel Trefaut Rodrigues já pegou malária, and Evolution. v. 62,
Rodrigues, a separação entre as margens norte dengue e muitas outras doenças por andar no p. 880-88, 2012.
e sul deve ter se completado entre 10 milhões mato, geralmente à noite, atrás dos bichos que o
mapa tiago cirillo, Fonte: Miguel Trefaut Rodrigues/IB-USP
e 8 milhões de anos. deixam feliz; uma parte das agruras das viagens e De nosso arquivo
Agora lhe parece claro que os rios – e não só o da produção intelectual desse grupo está no site
Entre cobras e lagartos
São Francisco – funcionam como barreira geo do laboratório: www.ib.usp.br/trefaut. Ele sabe Edição nº 169 –
gráfica para a formação de novas espécies de que fez muito, mas também se inquieta diante do março de 2010
répteis e anfíbios. Anos atrás, Kátia, Rodrigues e que está por ser feito e do que já pode ter sido Aos pés dos dinossauros
outros biólogos mostraram a validade dessa idéia perdido. “Não sabemos nada. Cada vez mais per- Edição nº 154 –
dezembro de 2008
com uma espécie de lagartixa da mata atlântica, cebo que somos completamente ignorantes”, ele
a Gymnodactylus darwinii. As populações des- diz. “Há espécies irmãs de lagartos nos Andes e Um tesouro à beira
do Velho Chico
sa espécie encontradas ao norte e ao sul do rio na restinga da floresta atlântica. Cadê o resto? Edição nº 57 –
Doce, que drena áreas de Minas Gerais e do Es- Desapareceu!” n setembro de 2000
Os pioneiros da
América do Sul
Gambás e outros marsupiais brasileiros
antecedem os cangurus australianos na
escala evolutiva
Francisco Bicudo
E
ntre levantamentos bibliográficos, análises em la-
boratório e coletas de campo, a jornada diária de
trabalho pode chegar a 12 horas. É cansativo, mas o
esforço extra se justifica: até o final de 2012, Arioval-
do Cruz Neto, pesquisador da Universidade Estadual
Paulista (Unesp) de Rio Claro, pretende recolher informações
preciosas sobre o metabolismo energético – produção e gasto
de energia, basicamente – de dez espécies de marsupiais que
vivem na América do Sul. Do outro lado do planeta, pesqui-
sadores australianos que participam do projeto aceleram o
passo e querem contribuir com descrições de outras trinta
espécies que vivem por lá.
“Na literatura internacional, já compilamos informações
para um banco de dados com trabalhos sobre cerca de 70
espécies, feitos nas três últimas décadas. Com as novidades,
vamos ultrapassar a centena”, comemora Cruz Neto. Ele ex-
plica que conhecer hábitos de consumo e identificar como os
marsupiais acumulam e queimam energias é fundamental para
compreender as relações que estabelecem com o meio em que
vivem, como se adaptam a diferentes condições de clima, como
respondem à disponibilidade de recursos naturais, de que ma-
neira partilham seus nichos com espécies similares, além dos
hábitos reprodutivos. A partir desses dados, torna-se possível
simular como se comportariam em cenários de dificuldades
e de rupturas, como mudanças climáticas, fragmentação do
hábitat ou presença de predadores ou de espécies exóticas.
“O metabolismo energético é uma medida altamente inte-
Catita (Marmosa sp./
grativa e representativa, que exprime tanto a pressão que o
Thylamys) na caatinga,
ambiente exerce sobre o animal como as respostas que os bi- no Parque Nacional da
chos desenvolvem para sobreviver naquele hábitat”, define o Serra da Capivara (PI)
O
enredo científico até aqui apurado pela tabólica eram muito parecidas com as verificadas
equipe de Cruz Neto, sempre em parceria em marsupiais australianos que já tinham sido
com os australianos, indica que os mar- estudados e descritos. Segundo o pesquisador, é
supiais surgiram na América do Sul, há aproxi- como se os marsupiais tivessem uma mala com
madamente 160 milhões de anos. Por conta da roupas que lhes permitissem viver em diferentes
competição estabelecida com os vorazes roedo- ambientes. “Uma vez marsupial, sempre marsu-
res (ratos, esquilos, castores e até a capivara), pial, apesar das evoluções diferentes”, sentencia.
procuraram refúgio em nichos chamados de bai- Estudo feito por pesquisadores da universida-
xa energia, onde de- de alemã de Müns-
senvolveram dietas à ter e publicado pela
base principalmente PLoS Biology em ju-
de pequenos insetos, lho de 2010 conse- O Projeto
o que foi suficiente Marsupiais procuraram guiu revelar que o
Energética de morcegos e
para dar conta das pequeno monito del
necessidades de so- refúgio em nichos de baixa monte (Dromiciops
marsupiais: bases estruturais
e significado funcional
brevivência deles e gliroides), que pesa da taxa metabólica basal –
A
estavam ainda bem mais próximos), começaram a dispersão pelos continentes fez surgir ain- 1. ASTÚA, D. Cranial sexual
chegar à Austrália. Como não encontraram com- da exclusividades. A cuíca-d’água (Chirno- dimorphism in New World
marsupials and a test of
petidores que precisassem enfrentar por lá, tive- nectes minimus), que mede 30 centímetros, Rensch’s rule in Didelphidae.
ram liberdade para explorar outros ambientes, tem cauda longa e manchas negras espalhadas Journal of Mammalogy. v. 91,
como túneis, florestas mais úmidas e até desertos, pelo corpo acinzentado, é uma espécie aquática; n. 4, p. 1011-24. 2010.
diversificando a dieta e alimentando-se, além de já a cuíca-de-cauda-grossa (Lutreolina crassi- 2. COOPER, C.E.; WITHERS,
insetos, de açúcares, néctar, frutos e até de carne. caudata), parecida com a lontra, é semiaquática. P.C.; CRUZ-NETO, A.P.
Metabolic, ventilatory and
A Austrália abriga atualmente quase 200 espécies As duas são encontradas apenas na América do hygric physiology of a South
de marsupiais. A mais conhecida é o canguru, que Sul. Por outro lado, são endêmicas da Austrália American marsupial, the
pode alcançar o tamanho de um homem adulto a Tarsipes rostratus, popularmente conhecida long-furred woolly mouse
opossum. Journal of
e pesar até 70 quilos. No entanto, explica Cruz como gambá do mel, por se alimentar de néctar, Mammalogy. v. 91, p 1-10.
Neto, essa diversificação morfológica não signi- e o Sarcophilus harrisii, o famoso e temido de- 2010.
ficou mudanças no metabolismo energético. “O mônio da Tasmânia, que é carnívoro e recebeu
padrão fisiológico de baixo consumo e gasto foi o apelido justamente por ameaçar os rebanhos De nosso arquivo
mantido como marca da espécie. Nesse sentido, domésticos das regiões onde vive. “Nenhum mar-
não houve pressão de seleção”, reforça. supial da América do Sul segue essas dietas”, diz Os mamíferos da discórdia
Edição nº 192 – fevereiro
Na revista Pesquisa FAPESP nº 179, de janeiro Cruz Neto, reforçando que os dados são ainda de 2012
de 2011, o pesquisador da Unesp conta que, de- preliminares e que detalhes ainda mais precisos
fabio colombini
Jardineiras
fiéis
Formigas ajudam sementes a germinar
na mata atlântica e no cerrado
Maria Guimarães
Q
uando viu a polpa de um fruto de O que acontece no chão, entretanto, passou Almoço bem pago:
jatobá aberto ser devorada por for- praticamente despercebido até Oliveira fincar aí ataque a lagartas e
transporte de frutos
migas numa floresta, em meados dos um dos fios condutores de seu grupo de pesquisa. trazem benefícios
anos 1990, o biólogo Paulo Oliveira, Um dos produtos vem do doutorado de Alexan- às plantas
da Universidade Estadual de Campi- der Christianini, agora professor no campus de
nas (Unicamp), começou a duvidar Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos
da noção difundida de que esses insetos sociais (UFSCar). Ele e Oliveira mostram que no cerra-
têm um papel desprezível na ecologia das semen- do de Itirapina, no interior de São Paulo, formi-
tes. Cerca de 15 anos depois, o grupo de pesquisa gas de cinco gêneros recolhem as sementes que
imerso na intimidade das relações entre plantas e chegam ao chão e sugerem, em artigo de 2009 na
formigas mostra que os pequenos animais não só Oecologia, um papel importante para as formigas
arrastam as sementes para locais mais propícios depois que as aves transportaram as sementes
como as limpam, facilitando a germinação. “A para bem longe da árvore-mãe: o serviço mais
dispersão de sementes nos trópicos é muito mais detalhado de jardinagem.
complexa do que se achava”, comenta Oliveira. Aves e macacos costumam depositar as semen-
Quase todos os holofotes dos estudos sobre eco- tes debaixo de alguma árvore. Os restos de polpa
logia de dispersão de sementes estão voltados para então atraem as formigas, que levam nacos para
aves, macacos e outros vertebrados atraídos pelos dentro do formigueiro. “A semente fica limpinha no
frutos coloridos e com polpa saborosa de nove entre chão da floresta”, conta Oliveira, “impedindo que
dez espécies de árvores e arbustos de grande por- fungos se instalem e acabem por matar o embrião
te. Esses animais carregam os frutos por grandes da planta”. Além disso, algumas formigas carregam
distâncias e lançam as sementes ao solo. Se o fruto as sementes até o formigueiro, que o pesquisador
cai por acidente, ele ainda pode estar quase intacto, descreve como “uma ilha de nutrientes”, já que ali
mas mesmo depois de passar pelo sistema digestivo estão pedaços descartados de plantas e restos de
muitas vezes ainda resta um bom tanto de polpa. formigas mortas e outros insetos.
O jatobá (Hymenaea courbaril) despertou a por pequenas gaiolas para evitar que fossem re-
curiosidade do pesquisador. Num experimento, colhidas por animais maiores. Ficou claro que
com colegas da Universidade Estadual Paulista as formigas preferem as sementes com polpa
(Unesp) em Rio Claro e da Universidade Federal (71% da parte vermelha é gordura) e que essas
de Mato Grosso, ele mostrou que 70% das se- sementes germinam muito mais depressa depois
mentes limpas pelas formigas brotaram, o que só de semeadas pelos pequenos insetos, conforme
aconteceu com 20% das que não foram tratadas artigo destacado na capa do American Journal
pelas pequenas jardineiras. De 1995 para cá, essa of Botany em 1998.
linha de pesquisa deu origem a seis doutorados Provado que as formigas transportam semen-
que revelaram que essa relação é bastante gene- tes, restava verificar se essa dispersão é dire-
ralizada na mata atlântica e no cerrado. cionada ou aleatória. Durante o doutorado com
Oliveira, Luciana Passos investigou as relações
Presas fáceis entre plantas e formigas na mata de restinga da
Durante sua estadia no laboratório de Oliveira Ilha do Cardoso, no litoral sul paulista. Parte
nos anos 1990, Marco Pizo se concentrou so- da mata atlântica, essa floresta é menos exube-
bre interações entre plantas e formigas na mata rante por crescer em solo mais pobre e arenoso.
atlântica e mostrou que o arilo nutritivo vermelho Ela espalhou pedaços de sardinha pela ilha para
em torno das sementes da canjerana (Cabralea atrair formigas carnívoras, que a conduziram de
fotos: 1. andré freitas 2. Humberto dutra
Dispersão primária
Aves e mamíferos carregam alimento por grandes distâncias, mas não
retiram completamente a polpa
Dispersão secundária
As formigas limpam os frutos
caídos e transportam as
sementes até o formigueiro
diferentes de aves. A pesquisadora viu O mesmo acontece com a maria-fa- ta persistem, ante só 30% nas bordas.
que as sementes que caem ao chão são ceira (Guapira opposita), cujos frutos Como ali também as plantas germinam
transportadas por até 10 metros pelas pretos de cabo vermelho atraem aves melhor junto aos formigueiros, jovens
formigas Odontomachus e Pachycon- como o araçaripoca e a saíra-sete-cores plantas nas bordas têm cerca de 0,2% de
dyla, carnívoras da subfamília das po- e têm alto teor de proteínas (28%), de chances de sobreviver ao primeiro ano
neríneas, que “têm uma picada dolo- acordo com artigo de 2004 na Oecolo- de vida. Esses resultados deixam claro
rida como se fossem marimbondos”, gia. As formigas Odontomachus carre- que o desmatamento tem efeitos noci-
conta Oliveira. gam as sementes por até 4 metros e em vos tanto sobre as formigas como sobre
Mas a história não aca- torno de seus ninhos as plantas, e que esses efeitos se somam.
ba aí. Luciana investigou – onde a terra é muito Mas, com seu talento de jardineiras, as
mais a fundo e viu que es- mais fofa, além de mais formigas podem ajudar a recuperar uma
70%
sas formigas removem 98% rica em potássio, fós- floresta alterada, contribuindo para a
das sementes que chegam foro e cálcio – se aglo- germinação das sementes.
às fezes das aves ainda não meram brotos.
I
completamente digeridas. Alexander Christia- sso quando as condições adversas não
A bióloga então contou os das sementes nini deu um passo além impedem seu trabalho. Na mata atlân-
jovens brotos de clúsias e demonstrou que o tica, a fragmentação prejudica os be-
e encontrou um número
limpas por desmatamento do cer- nefícios da população de formigas sobre
desproporcional junto aos formigas rado invalida o efeito a regeneração da floresta, segundo tese
formigueiros – o dobro do positivo das formigas de Gabriela Bieber defendida no início
que viu no resto da mata.
germinaram, na ecologia das plantas. de 2012. “As formigas grandes são mais
Além disso, ela manteve o e sem o Já se sabe que o mio- exigentes e não ficam nas bordas das
censo de plantas jovens ao lo das ilhas de floresta florestas”, explica Oliveira. Além disso, o
longo de um ano e viu que
tratamento, é mais fresco e úmido trabalho também mostrou que os insetos
ao redor dos formigueiros só 20% do que a fronteira com têm preferência por frutos já manusea-
elas têm chances significa- áreas desmatadas. O dos ou mordidos por animais maiores,
tivamente maiores de so- pesquisador mostrou cuja presença fica muito reduzida em
breviver. Luciana mandou que as formigas gran- trechos pequenos de mata.
amostras desse solo para análise no Ins- des também são mais comuns no inte- O grupo da Unicamp vem descobrindo
tituto Agronômico de Campinas e verifi- rior do cerrado, onde o solo é mais rico muito mais sobre as funções ecológicas
cou que ele é mais rico em nitrogênio e em nutrientes e mais macio. Ao longo desses soldados e operários em miniatu-
potássio do que o resto da floresta, graças de um ano de monitoramento, 92% das ra. Algumas plantas produzem substân-
aos detritos acumulados pelas formigas. colônias de formigas do interior da ma- cias para atrair formigas, que retribuem
M
as formigas e lagartas nem sem- o peso seco de invertebrados é quatro ve-
pre são adversárias. Num exem- zes maior do que o de vertebrados”. E as
plo da rica diversidade dessas formigas, cujas colônias podem chegar a
relações, as borboletas Parrhasius po- milhões de operárias, são os mais nume-
libetes escolhem pôr ovos em plantas rosos entre os invertebrados. n
repletas de formigas, segundo trabalho
de Lucas Kaminski – outra coorientação
de Oliveira com André Freitas – publi-
cado em 2010 na American Naturalist. Os Projetos
O trabalho foi feito numa área de cer-
1. Ecologia e comportamento de formigas
rado na região de Campinas e mostrou neotropicais – nº 2008/54058-1 (2008-2011)
que as borboletas escolhem pôr ovos em 2. Estudos sobre formigas neotropicais:
Para a predadora ramos onde há formigas pastoreando interações com insetos herbívoros, ecologia
comportamental e organização social –
Pachycondyla striata, cigarrinhas (Guayaquila xiphias) pro- nº 2011/18580-8 (2012-2013)
outras espécies, como o
Odontomachus chelifer,
dutoras de uma secreção açucarada. Ao Modalidade
servem de alimento proteger seu precioso gado, as formigas 1. e 2. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa
Coordenador
1. e 2. Paulo S. Oliveira – Instituto de Biologia,
Unicamp
Investimento
1. R$ 113.080,54
2. R$ 145.747,07
Artigos científicos
foto Paulo Oliveira/unicamp infográfico tiago cardoso fonte: Paulo Oliveira/unicamp
De nosso arquivo
Jardineiras fiéis
Edição nº 161 – julho de 2009
Refrigerador
natural
Q
uando o calor é intenso, nos apressamos a escanca-
rar as janelas e ficamos aliviados quando o vento
sopra forte; no outro extremo, se a temperatura é
O bico do tucano, quase do baixa, corremos para fechar as janelas, agindo ra-
pidamente para ajudar a esquentar o ambiente. É exatamente
tamanho de seu corpo, é um dessa maneira que funciona o bico do tucano, “uma eficiente
janela térmica, quase do tamanho do recinto a ser climati-
eficiente dissipador de calor zado”, como define o biólogo Augusto Abe, da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, que compara o bico
Francisco Bicudo da ave a “um potente radiador de automóvel”. Essa capacidade
de atuar para regular temperaturas foi anunciada em julho
de 2009, em trabalho desenvolvido pela equipe coordenada
por Abe, em parceria com o canadense Glenn Tattersall, da
Universidade de Brock, e publicado na Science. Para chegar
a esta conclusão, no entanto, foi preciso percorrer caminhos
tortuosos – e curiosos.
A história começou em 1985, quando Abe ganhou de pre-
sente um tucano, que não tinha nome oficial, mas era chamado
de Amadeu por amigos mais próximos do biólogo. À noite, ao
se ajeitar para dormir, a ave procurava esconder o bico com a
E
m 2003, a equipe da Unesp recebeu
a visita de Tattersall, com quem
Abe já mantinha parcerias em vá-
rios trabalhos. O canadense trouxe na
bagagem uma câmera de infravermelho,
que naquela oportunidade seria usada 2
O
Modalidade
ca, que fotografava tucanos da espécie estudo foi financiado pelo Insti- Projeto Temático
Ramphastos toco, característica do cer- tuto Nacional de Ciência e Tec- Coordenador
rado brasileiro, e era responsável por nologia (INCT) em Fisiologia Augusto Shinya Abe – Unesp/Rio Claro
produzir imagens em espectros de cor Comparada, criado e mantido pelo Con- Investimento
R$ 1.084.648,98
que variavam do amarelo (mais quente) selho Nacional de Desenvolvimento
ao azul (mais frio). A temperatura era Científico e Tecnológico (CNPq) e a
aumentada ou reduzida de forma bem FAPESP, que estabelece parcerias com Artigo científico
lenta, durante 12 horas por dia. a Coordenação de Aperfeiçoamento de TATTERSALL, G. J. et al. Heat Exchange from the
As imagens mostraram com muita pre- Pessoal de Nível Superior (Capes) e com Toucan Bill Reveals a Controllable Vascular
cisão – quando o ambiente estava frio, o o Banco Nacional de Desenvolvimento Thermal Radiator, Science. v. 325, n. 5939,
p. 468-70, 2009.
tucano interrompia o fluxo de calor para Econômico e Social (BNDES), com in-
o bico, que também resfriava, exatamente tuito de fomentar e articular grupos que
para manter o corpo aquecido; na situa- atuam na fronteira do conhecimento Do nosso arquivo
fotos thiago filadelpho
ção inversa, quando o calor do viveiro científico e em áreas estratégicas para Radiador eficiente
no laboratório era intenso, o tucano au- o país. Atualmente, há 128 institutos Edição nº 162 – agosto de 2009
mentava o fluxo de sangue para o bico, dessa natureza atuando nas diferentes Bico dos tucanos funciona como radiador
que se responsabilizava por dispersar o regiões do Brasil. Edição Online – 23/07/2009
São Paulo
na Amazônia
Equipes paulistas e paraenses colaboram na
formação de novos pesquisadores e em estudos
sobre animais venenosos da região Norte
Marili Ribeiro
vermelha (Epicrates
cenchria crassus), tuto Butantan e especialistas antes dispersos nos podem fazer parte de seu trabalho em São Paulo
Amazonas, 1989 centros de pesquisa do Pará. Os pesquisadores e depois voltam para atuar em sua própria região.
1. Surucucu
(Lachesis muta)
1 2
‘P
1. Ana Moura da Silva – Instituto Butantan
retendo, com minha equipe, apro- quisas e laboratórios para atender estu- 2. Antonio Domingos Brescovit – Instituto
fundar o conhecimento sobre esse dantes e os professores. Butantan
grupo das aranhas mais primitivas, Faz tempo que o Instituto Butantan Investimento
que inclui a aranha-marrom, que causa tem contato com animais da floresta 1. R$ 345.000,00
2. R$ 814.653,03
problemas graves às pessoas e pode le- amazônica. Essa região permaneceu
var à morte”, diz Brescovit. “São bichos isolada das outras regiões do país até o
raros, difíceis de coletar e complexos de início do século XX, por causa da difi- Artigos científicos
trabalhar, porque estudamos a minúscula culdade de comunicação e transporte. 1. CALVETE, J. J. et al. Snake population venomics
genitália [para diferenciar as espécies]. Mesmo assim, de acordo com um levan- and antivenomics of Bothrops atrox:
fotos: 1 e 3 instituto butantan/ANTONIO COR DA COSTA 2 Rafael indicatti
Aliás, há poucos estudos sobre as ara- tamento de Maria de Fátima Furtado e paedomorphism along its transamazonian
dispersal and implications of geographic venom
nhas desse grupo na América do Sul e Myriam Calleffo, publicado nos Cader- variability on snakebite management. Journal of
muitas lacunas de conhecimento sobre nos de História da Ciência, Emília Sne- Proteomics. v. 74, n. 4, p. 510-27, 2011.
as espécies da região Norte.” thlage, então diretora do Museu Goeldi, 2. LUCAS, S. M. et al. Redescription and new
Normalmente as pesquisas se concen- de Belém, enviou em 1914 uma coleção distribution records of Acanthoscurria natalensis
tram em espécies mais vistosas de ara- de serpentes do Pará ao Butantan para (Araneae: Mygalomorphae: Theraphosidae).
Zoologia. v. 28, n.4, p. 525–30, 2011.
nhas, que fazem teias, e deixam de lado identificação e guarda. O envio de ani-
as de menor porte, como a marrom, o mais não parou mais, e hoje o instituto
que Brescovit considera “um erro, já que paulista reúne 6.625 exemplares de 213 De nosso arquivo
é essa espécie que pode ser perigosa”. localidades da região amazônica. Os venenos da floresta
Ele evidencia um paradoxo: “A maio- Em 1924, Vital Brazil Mineiro da Cam- Edição nº 167 – janeiro de 2010
ria das pessoas tem medo das aranhas- panha, o primeiro diretor e que então Amazônia em foco
-caranguejeiras, mas o veneno delas é reassumia a direção do instituto, contra- Edição Online – 11/01/2010
Em clima de
mobilização
Pesquisadores de várias áreas, das ciências
naturais às humanidades, articulam-se para ampliar
o conhecimento sobre as mudanças globais
Fabrício Marques
N
o maior e mais articulado esforço
multidisciplinar já feito no Bra-
sil para ampliar o conhecimento
a respeito das mudanças climáti-
cas globais, cientistas do estado
de São Paulo de múltiplas áreas
– das ciências físicas e naturais às humanida-
des – engajaram-se no Programa FAPESP de
Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais
(PFPMCG). Iniciada em agosto de 2008, a ini-
ciativa prevê investimentos de R$ 100 milhões
ao longo de dez anos – ou cerca de R$ 10 milhões
anuais – em estudos básicos e aplicados sobre as
mudanças climáticas globais em curso e de seus
impactos sobre a vida da humanidade. É provável
que este valor seja ainda maior, pois só nos três
primeiros anos mais de R$ 40 milhões já foram
desembolsados.
O saldo dos três primeiros anos de progra-
ma contabiliza projetos de pesquisa em temas
abrangentes que envolvem as ciências naturais,
biológicas e sociais. Vários estudos envolvem a
compreensão dos efeitos da ação do homem na
alteração do padrão de chuvas e no aumento da
concentração de gases na atmosfera. Também são Enchente nas cidades
estudados o impacto das queimadas na colheita de Navegantes e Itajaí,
da cana-de-açúcar e a influência de práticas de em Santa Catarina, em
novembro de 2008: a
manejo agrícola nas emissões de gás carbônico população urbana será a
oriundas do solo. Outros temas importantes, como mais atingida pelos efeitos
a vulnerabilidade de municípios do litoral norte de das mudanças globais
gia brasileira no patamar dos principais centros binação de modelos calibrados assimilando os
mundiais”, diz Osvaldo Moraes, coordenador dados de campo”, afirma.
T
ambém debruçado sobre as dimen- vadas na Amazônia, foi uma vitória dos
sões humanas, o professor Ricardo ambientalistas, causada pela taxa de des-
Abramovay, da Faculdade de Eco- matamento ter chegado a 29 mil quilô-
nomia, Administração e Contabilidade metros quadrados nesse ano. No entanto,
(FEA) da USP, coordena um projeto que os ruralistas, organizados politicamente,
busca levantar os impactos socioeconô- impediram que a lei fosse aplicada”, diz
micos das mudanças climáticas, também Câmara. Segundo ele, a variação anual
com o objetivo de auxiliar na formula- das taxas de desmatamento não é bem
ção de políticas públicas coerentes. A explicada por modelos estatísticos, que
iniciativa tem várias frentes. Uma delas tentam correlacionar preços de merca-
é a busca de ferramentas que ajudem a dorias com áreas desmatadas. “Buscamos
tos climáticos extremos, como foi o caso melhorar a capacidade de previsão dos um entendimento socioantropológico
do furacão Catarina, que atingiu a costa efeitos sociais e econômicos das mu- sobre os atores institucionais na Amazô-
catarinense em 2004, Hogan decidiu se danças climáticas. Um segundo foco é a nia e o desenvolvimento de modelos que
concentrar em cidades médias do lito- análise da disposição do setor privado de usem esse conhecimento para construir
ral de São Paulo. “Isso porque elas estão responder às mudanças climáticas. “Mui- cenários realistas.”
menos preparadas para enfrentar o pro- tas empresas têm explicitado intenções
blema do que as grandes cidades”, disse de reduzir as emissões de carbono em Impactos na agricultura e na fauna
Hogan à Pesquisa FAPESP, em maio de seus processos produtivos. Queremos sa- Alguns projetos seguem uma direção mais
2009. Segundo Lúcia , uma questão se ber se essas intenções são verdadeiras e aplicada, buscando compreender como
coloca depois de vários anos de pesquisa. quais são seus desdobramentos”, afirma sistemas biológicos em áreas cultivadas,
“Se as pesquisas apontam a percepção Abramovay . Outra frente é a análise dos como cana-de-açúcar, soja e eucalipto, in-
generalizada de que a influência da ação processos de negociação que podem le- terferem nos padrões de emissões de gás
humana sobre as alterações climáticas é var à formação de mercados de créditos carbônico. Siu Mui Tsai, pesquisadora do
um fato; que a vulnerabilidade de mu- de carbono, hoje instáveis. “Também nos Cena-USP, é a responsável por um projeto
nicípios do litoral a eventos extremos e debruçamos sobre questões decisivas, que busca monitorar a diversidade e as
desastres ambientais é conhecida pela como a do consumo sustentável. A in- atividades funcionais de micro-organis-
opinião pública, em especial as tão co- tenção é mapear como o modelo de pro- mos impactados pelo desmatamento e
nhecidas áreas de risco; se há uma estru- dução e de consumo será afetado pelas as mudanças do uso da terra em cultivos
tura político-institucional mínima para mudanças climáticas”, afirma. de soja e de cana-de-açúcar. O impacto
enfrentar esses desafios, então por que Um projeto liderado pelo pesquisador na atmosfera da região Sudeste do lan-
foto neil rabinowitz/www.neilrabinowitz.com
as escolhas sociais, estejam elas no nível do Inpe Gilberto Câmara busca identifi- çamento de material particulado – par-
do comportamento individual ou cole- car os atores institucionais relacionados tículas muito finas de sólidos e líquidos
tivo, recaem sempre sobre as atividades aos desmatamentos da Amazônia e estu- suspensos no ar – é investigado pelo pro-
humanas sustentadas no petróleo e gás, dar os seus comportamentos, para cons- jeto do pesquisador Arnaldo Alves Car-
em ocupar áreas de risco, especialmente truir cenários mais eficientes de impactos doso, professor do Instituto de Química
em áreas de proteção à biodiversidade? de políticas públicas. “Chamamos de ato- da Unesp de Araraquara. “Nossa região é
E por que ainda há tanta esperança nos res institucionais os grupos organizados muito impactada por queimadas de cana,
planos de desenvolvimento regional sus- da sociedade que têm influência na ocu- mas ainda faltam estudos que mapeiem
A
partir de 2000, a pesquisa sobre
mudanças climáticas no Brasil
ganhou mais volume e densida-
de, gerou um conjunto de contribuições
originais e alcançou visibilidade inter-
nacional significativa. Vários grupos do
estado de São Paulo se destacaram nesse
esforço, com apoio da FAPESP. Avan-
çou-se, por exemplo, na determinação
do papel das queimadas como fator de
perturbação do equilíbrio da atmosfera e
dos ecossistemas, em projetos liderados
por nomes como Paulo Artaxo, da USP,
Alberto Setzer e Karla Longo, pesqui-
sadores do Inpe. “Houve um enorme
avanço nesse campo”, observa Carlos
Nobre. A modelagem da integração en-
tre vegetação e clima também avançou,
mostrando os riscos das mudanças cli-
máticas para a manutenção dos grandes
biomas brasileiros, como a Amazônia e o
cerrado, sob a liderança de pesquisado-
res como Carlos Nobre e Gilvan Sampaio,
do Inpe, e Humberto Ribeiro da Rocha,
foto 1. eduardo cesar 2. fabio motta/ae
de pesquisas interdisciplinares. Lan- países que compõem o G8 (grupo dos De nosso arquivo
çada em abril, a primeira chamada de sete países mais desenvolvidos mais a
propostas conta com recursos da ordem Rússia). A partir do segundo encontro, Clima de união
Edição nº 151 – setembro de 2008
de € 20 milhões, dos quais € 2,5 milhões em Londres, em 2010, o grupo passou a
serão investidos pela FAPESP, sendo contar com representantes de agências Cardápio energético
Edição nº 157 – março de 2009
€ 1,5 milhão para projetos de pesquisa de países emergentes como o Brasil, re-
sobre segurança hídrica e € 1 milhão pa- presentado pela FAPESP, China, Índia e Elenco eclético
Edição nº 160 – junho de 2009
ra pesquisas sobre vulnerabilidade cos- África do Sul. “O PFPMCG é um marco
O futuro da natureza e da agricultura
teira. Os projetos serão executados por importante de incentivo a pesquisas in-
Edição nº 164 – outubro de 2009
pesquisadores do estado de São Paulo terdisciplinares em uma área estratégica
Para evitar novos flagelos
nessas áreas em parceria com cientis- para o Brasil”, afirma Paulo Artaxo. “Par-
Edição nº 171 – maio de 2010
tas de, pelos menos, outros dois países cerias nacionais e internacionais estão
Rajendra Pachauri: O homem do clima
participantes do fórum. sendo articuladas no programa, incenti-
Edição nº 192 – fevereiro de 2012
Coordenado pelo International Group vando a internacionalização da pesquisa
A voz dos cientistas na Rio+20
of Funding Agencies for Global Change em São Paulo. O trabalho em conjunto Edição nº 193 – março de 2012
Research (IGFA), o Belmont Forum foi com os programas Biota e o Bioen, da
criado em 2009 durante uma conferência FAPESP, também é fundamental na es-
realizada pela National Science Founda- truturação de políticas públicas e no esta-
tion (NSF), dos Estados Unidos, e pelo belecimento de estratégias de mitigação
Natural Environment Research Council das mudanças climáticas que serão im-
(Nerc), do Reino Unido, na cidade norte- plantadas em nosso país. Tais estratégias
-americana de Belmont. Participaram necessitam de sólida base científica, e é
do primeiro encontro representantes de papel da FAPESP promovê-las”, afirma. n
Raios cósmicos,
ainda um enigma
Análise da origem e da identidade de partículas de altíssimas
energias avança e traz outras perguntas difíceis
Carlos Fioravanti
miguel boyayan
E
spalhados por 3,3 mil quilômetros dois representantes brasileiros, ao lado de
desse valor fica cem vezes menor”, diz
quadrados – o dobro da área da ci- Ronald Shellard, pesquisador do Centro
Carola. “Os raios cósmicos mais energé-
dade de São Paulo –, os detectores Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do
ticos têm mais do que 1019 eV e somente
de superfície funcionam de modo inte- Rio de Janeiro, e atual coordenador da par-
uns poucos deles chegam à Terra por
grado com os 27 telescópios de fluores- ticipação brasileira no Auger. Desde abril
quilômetro quadrado por ano. Para as
cência, os chamados olhos-de-mosca, de 2011, Escobar trabalha como pesquisa-
partículas com energia acima de 1020 eV,
capazes de registrar a tênue luz emitida dor convidado no Fermilab, em Chicago,
essa taxa cai para uma partícula por qui-
pelas moléculas de nitrogênio da alta Estados Unidos. lômetro quadrado por século.”
atmosfera quando excitadas pelas par- Segundo ela, nas análises
tículas do chuveiro iniciado pelo raio dos raios cósmicos ultrae-
cósmico que chegou à Terra. Por serem nergéticos detectados no Ob-
tão sensíveis é que os detectores de fluo- servatório Auger, o resultado
rescência, instalados em quatro prédios, Só uma partícula de da correlação com os núcle-
só funcionam às escuras, em noites sem os ativos de galáxias refor-
lua, enquanto os tanques captam as par- altíssima energia chega ça a hipótese de que os raios
tículas do chuveiro o tempo todo. cósmicos sejam prótons, ou
O Pierre Auger foi o experimento pionei-
à Terra por quilômetro seja, núcleos de hidrogênio.
ro em integrar os dois métodos indepen- quadrado por século “O raciocínio por trás dessa
dentes de observação, até então adotados interpretação é que os raios
isoladamente em observatórios menores cósmicos teriam sido pouco
desviados pelos campos mag-
néticos que atravessaram, guardando,
assim, a proximidade angular com suas
Detectores em campo possíveis fontes”, diz. “Caso fossem nú-
cleos de elementos mais pesados, como
O Observatório Pierre Auger ocupa 3,3 mil quilômetros quadrados, o ferro, por exemplo, eles teriam sofrido
o dobro da área da cidade de São Paulo ou 10 vezes a de Paris deflexões maiores nos campos magnéti-
cos, o que acabaria com essa correlação.”
Mas não é assim tão simples. As ob-
servações do desenvolvimento dos chu-
veiros de partículas pelos telescópios
de fluorescência e comparações com
previsões teóricas indicam que os raios
cósmicos poderiam ser – ao menos al-
guns deles – núcleos mais pesados, co-
mo o ferro, ou seja, blocos de 26 pró-
Compartimentos
com os telescópios
tons e 30 nêutrons. “Essa interpreta-
de fluorescência
ção é bastante dependente da validade
Detectores de dos modelos teóricos na descrição do
desenvolvimento dos chuveiros”, ob-
superfície
2 3
As partículas são
também registradas
quando reagem
com a água dos
tanques dos detectores
A colisão entre as de superfície
partículas produz
uma tênue luz
azul, captada pelos 4
telescópios de Um computador central reúne as
fluorescência informações dos telescópios e dos
detectores de superfície para definir
a possível origem e direção dos
raios cósmicos.
P
ara chegar a uma resposta menos Os patamares de energias totais nas ocupa é tão grande que mesmo o mais
dúbia, os físicos terão de ajustar, colisões das partículas que estão anali- alucinado dos motoqueiros que voam en-
corrigir ou ampliar essas aborda- sando são cerca de 100 a 200 vezes mais tre carros na cidade de São Paulo dificil-
gens teóricas para elucidarem a identi- altos que os das produzidas no Large mente conseguiria ver em apenas um dia
dade dos raios cósmicos. A física teórica Hadron Collider (LHC), o maior acele- todos os 1.660 tanques cilíndricos de 3,7
não explica como os raios cósmicos po- rador de partículas do mundo, situado metros de diâmetro por 1 de altura, cada
dem adquirir uma energia 100 milhões no Centro Europeu de Pesquisas Nuclea um a uma distância de 1,5 quilômetro de
de vezes superior à das partículas do res (Cern), em Genebra. Os grupos do outro, formando uma malha triangu-
mesmo tipo produzidas no Tevatron, o LHC também vivem avanços, recuos e lar. De dois anos para cá, conta Escobar,
mais poderoso acelerador de partículas desvios para confirmar a existência do os tanques ganharam mais dispositivos
do mundo, situado no Fermilab. Ou seja, chamado bóson de Higgs, uma partícula eletrônicos e, além de registrarem a luz
as ferramentas conceituais são limitadas hipotética que deveria conferir massa às produzida na colisão com a água dos
e as alternativas, ainda frágeis. “Nossos demais partículas e confirmar as fórmu- tanques, estão servindo para registrar a
dados de 2007 enfraquecem ainda mais las com que os físicos trabalham há 50 chegada das partículas formadas quan-
os modelos top down”, diz Escobar. De- anos. “Heráclito já dizia que a natureza do os raios cósmicos se fragmentam ao
fendidos por outros grupos de físicos, os ama esconder-se”, diz Escobar. “Para bater na atmosfera terrestre, reforçan-
modelos top down pressupõem a exis- sabermos com precisão se os raios cós- do a argumentação para desvendarem a
tência de partículas com energias ainda micos são prótons ou núcleos de ferro, identidade dos raios cósmicos.
infográficos tiago cirillo ilustrações drüm
O
1020 eV. Em oito a dez artigos científicos da de dados”, diz ele. “Na época em que s leitores eletrônicos dos tanques
publicados a cada ano, os físicos do Au- construímos o observatório não parecia, do Observatório Pierre Auger já
ger têm detalhado essas e outras con- mas 3 mil quilômetros quadrados, a área são capazes de detectar chuvei-
clusões, além de apresentarem as novas atual do observatório, é pouco.” ros iniciados por neutrinos e fótons na
possibilidades de uso dos equipamentos, Construído de 2002 a 2008, o Pierre alta atmosfera; neutrinos são partículas
como o monitoramento do clima ou do Auger é o maior observatório de raios com uma quantidade ínfima de massa e
movimento de placas tectônicas. cósmicos em funcionamento. A área que muito abundantes, só menos abundan-
O
Instituições também é importante.” trabalho atual é relativamente
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas Como atual coordenadora do projeto simples, diante da quantidade
(CBPF); Pontifícia Universidade Católica – temático ligado ao Auger (os projetos de imprevistos que já enfrenta-
Rio de Janeiro (PUC-RJ); Universidade de anteriores estavam sob a coordenação ram. No início, os tanques Cerenkov não
São Paulo (USP), Instituto de Física, São de Escobar), ela está acompanhando a funcionavam por uma razão simples:
Paulo; Universidade Estadual de Campinas troca das baterias dos tanques Cerenkov. as vacas do pasto se interessaram pelos
(Unicamp); Universidade Estadual de Feira As baterias armazenam a energia produ- novos vizinhos, os tanques, e algumas
de Santana (UEFS); Universidade Estadual zida pelos painéis solares e usada por começaram a mastigar os fios de trans-
do Sudoeste da Bahia (Uesb); Universidade um miniprocessador que detecta os si- missão de dados. Foi o argentino Ricardo
Federal da Bahia; Universidade Federal do nais dos raios cósmicos e os transmite Perez, responsável pela manutenção dos
ABC (UFABC); Universidade Federal do Rio ao computador central, a quilômetros tanques, que usou seu conhecimento de
de Janeiro (UFRJ) de distância. ex-técnico em mineração e bolou uma
“O trabalho de trocar as duas baterias caixa de proteção dos fios – e as vacas
Empresas de cada um dos 1.600 tanques, à medi- nunca mais atrapalharam a ciência.
Alpina Termoplásticos; Rotoplastyc Indústria da que vão se esgotando as suas vidas “Quando esse projeto começou”, re-
de Rotomoldados; Equatorial Sistemas; úteis, é contínuo, e a reposição durante corda-se Carola, “tudo parecia um so-
Schwantz Ferramentas Diamantadas; e os próximos quatro anos está garantida nho inatingível”. O maior observatório
Acumuladores Moura pelo apoio da FAPESP”, diz Carola. São de raios cósmicos do mundo começou a
em média 600 baterias por ano ou duas ser planejado em 1992 pelo físico norte-
-americano James Cronin, professor da pela Unicamp e agora a acompanha co- observatório, um belíssimo prédio com
Universidade de Chicago premiado com mo professor da Universidade Federal do largos vidros no lugar de paredes, como
o Nobel de Física em 1980, e pelo escocês ABC. “A participação brasileira teria sido parte dos passeios de finais de semana.
Alan Watson, da Universidade de Leeds, menor se tivesse sido escolhido um dos Conhecida como principal região produ-
da Inglaterra. Como a necessidade de co- outros dois países candidatos, a África do tora de vinhos da Argentina, Mendoza
operação internacional se tornava clara Sul ou a Austrália.” A participação brasi- avançava também no campo científico.
em vista das proporções que o projeto leira, oficializada em 17 de julho de 2000
L
original assumia, eles convidaram uns na Unicamp, traduziu-se em investimen- ogo começaram a chegar os cami-
poucos colegas inte- tos de cerca de US$ 4 nhões – muitos caminhões – com
ressados e experien- milhões, na forma de equipamentos. Desde o início de
tes na área de física equipamentos com- 2001, a Alpina, uma empresa de São
de partículas para uma prados de indústrias Paulo, fabricou e despachou os tanques
primeira conversa, em nacionais e no custeio Cerenkov, em viagens que não levavam
junho de 1995. Um dos de bolsas de pós-gra- menos de duas semanas e estavam su-
participantes era Esco- duação e de despesas jeitas a todo tipo de imprevisto, de bu-
bar, na época profes- Em 2011 de viagens. racos em estradas estreitas a guardas
sor da Universidade de Malargüe, cidade rodoviários que pediam para ver o que
São Paulo (USP). começou a de 23 mil habitantes havia dentro dos tanques. A Rotoplastyc,
Em uma reunião e dois cruzamentos uma empresa do Rio Grande do Sul, fez
realizada na sede da
troca das com semáforo a 420 parte dos tanques em operação e parti-
Unesco, em Paris, em baterias dos quilômetros de Men- cipou do desenvolvimento e produção
novembro de 1995, doza, o centro urbano dos tanques em novo formato.
Escobar, Ronald Shel 1.600 detectores mais próximo dotado A Schwantz, de Indaiatuba (SP), fez e
lard, do Centro Bra- de linhas aéreas regu- enviou as lentes corretoras dos telescó-
sileiro de Pesquisas de superfície lares, começou a mu- pios de fluorescência; feitas com vidro
Físicas (CBPF), e Ar- dar com o início das alemão, as lentes convergentes em for-
mando Turtelli, da obras, em meados de mato de trapézio, com 25 centímetros
Unicamp, e os cole- 1999. Começaram a de altura, formam um anel corretor ao
gas argentinos Alber- chegar os pesquisa- longo das bordas do diafragma, que re-
to Etchegoyen e Alberto Filevich defen- dores estrangeiros, vindos dos Estados gula a entrada de luz, como o diafragma
deram arduamente a possibilidade de o Unidos, Itália, Alemanha, Polônia, Es- de uma câmera fotográfica, e aumenta o
fotos miguel boyayan
novo observatório ser construído na Ar- lovênia e muitos outros países. Depois raio da lente de 85 para 110 centímetros,
gentina. “Esse foi um momento crucial”, de vencerem o estranhamento inicial, sem perder a qualidade da imagem. A
conta o físico Marcelo Leigui, que parti- os malarguenses correram para apren- Equatorial, de São José dos Campos (SP),
cipou dessa pesquisa como pós-doutor der inglês e incluíram visitas à sede do fabricou o protótipo de um dispositivo
Os Projetos
1. Estudo dos raios cósmicos
de mais altas energias com o
Observatório Pierre Auger –
nº 2010/07359-6 (2010-2014)
2. Observatório Pierre Auger
– nº 1999/05404-3
(2000-2007)
modalidade
1. e 2. Projeto Temático
Coordenadores
1. Carola Dobrigkeit
Chinellato – Unicamp
2. Carlos Ourívio Escobar
de 2,5 metros de diâmetro que permite a regula- largüe. Com ele estava José Roberto Leite, físico
investimento
gem automática das lentes dos telescópios e os da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da 1. R$ 3.064.952,43
shutters (obturadores), que expõem o telescópio Sociedade Brasileira de Física (SBF), que faleceu 2. R$ 6.034.341,71
para observação noturna. A Moura, de Recife, inesperadamente no ano seguinte.
tem feito as baterias para os painéis solares dos A construção guarda algumas coisas notáveis. artigo científico
detectores de superfície. A primeira é que os dados já eram coletados à
medida que os equipamentos eram instalados. The Pierre Auger
C
Collaboration. Correlation of
ada um dos 17 países participantes contri- Outra, que os físicos e engenheiros não hesitavam the Highest-Energy Cosmic
buiu com o envio de equipamentos e de em fazer qualquer trabalho que fosse necessário. Rays with Nearby
pesquisadores, de modo que o observatório “Temos de fazer o que for preciso”, disse-me em Extragalactic Objects.
Science. v. 318, n. 5852,
guarda um pouco da melhor tecnologia do mundo. 2003 o francês Xavier Bertou, coordenador de p. 938-43, 2007.
A Argentina entrou com a infraestrutura, com as operações científicas. Bertou deixara Paris no
máquinas para purificação de água dos tanques ano anterior, instalara-se em Malargüe e não dis-
De nosso arquivo
e uma parte dos tanques e das baterias para os pensava mais o chimarrão no final de tarde. Ele
painéis solares que alimentam os detectores de e outros físicos, na maioria pós-doutores na casa Mais massa para os raios
dos 30 anos, montavam equipamentos durante o cósmicos
superfície, numa divisão de tarefa com os mexi-
Edição nº 170 – abril de 2010
canos e os norte-americanos. Da Austrália saíram dia nos tanques ou nos prédios dos telescópios
Enigmas do espaço
os detectores de nuvens e da França, os dispositi- e à noite, muitas vezes até 3 da madrugada, nas
Edição nº 167 –
vos eletrônicos para os detectores de superfície. oficinas do prédio da cidade. janeiro de 2010
Os tchecos enviaram os espelhos dos telescópios “Mostramos que é possível executar um projeto
Pierre Auger é inaugurado
e os espanhóis, os painéis solares dos tanques. Os de grande porte com um orçamento inferior ao Edição nº 154 –
detectores de luz fluorescente dos telescópios planejado”, disse Escobar em 2007. Os gastos to- dezembro de 2008
integraram câmeras italianas e comandos eletrô- tais foram de US$ 54 milhões, US$ 6 milhões abai- Pierre Auger, agora pronto
nicos feitos por ingleses e por alemães. xo do previsto. Como conseguiram, se a maioria Edição nº 149 –
julho de 2008
Os leitores desta revista acompanharam a cons- dos projetos estoura os orçamentos? Negociando
trução do Pierre Auger. Em agosto de 2000, a preços com os fornecedores de equipamentos e A longa jornada dos raios
cósmicos...
matéria de capa de Pesquisa Fapesp, escrita por economizando o máximo possível. Em 2005, ao Edição nº 142 –
Mariluce Moura, contava dos bastidores das ne- ver que estavam gastando muito, Escobar decidiu dezembro de 2007
gociações e do início da construção. Em abril de que os integrantes da equipe brasileira deixariam Chuva de partículas
2002, outra matéria descrevia o ritmo das obras: de ir para o Observatório Pierre Auger por meio de Edição nº 116 –
“Neste momento, num espaço que às vezes lembra dois voos e começariam a ir de avião só até Bue- outubro de 2005
o refinamento de uma nave espacial e outras, as nos Aires, de onde poderiam tomar um ônibus e Os olhos do deserto
obras robustas de uma hidrelétrica, dezenas de chegar a Malargüe depois de 16 horas de viagem. Edição nº 90 –
agosto de 2003
operários, técnicos e pesquisadores trabalham Ninguém contestou. Em um ano, Sérgio Carme-
intensamente na montagem dos equipamentos lo Barroso, como pós-doutor da Unicamp, teve Os raios cósmicos estão
chegando
de medição dos raios cósmicos”. Nessa época, de ir dez vezes a Malargüe para montar e testar Edição nº 74 – abril de 2002
José Fernando Perez, então diretor-científico equipamentos. Ele continua participando desse
Cerco no ar, captura na terra
da FAPESP e presidente do comitê financeiro trabalho, agora como professor da Universidade Edição nº 56 –
do Observatório Auger, visitou as obras em Ma- Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). n agosto de 2000
Ourivesaria
em átomos
Um punhado de partículas de
ouro e prata pode formar
intrigantes joias nanométricas
Igor Zolnerkevic
U
m momento histórico para a ciência brasi-
leira aconteceu no dia 17 de dezembro de
2001. A edição daquela semana da mais
importante revista de física do mundo,
a Physical Review Letters (PRL), estampava pela
primeira vez em sua capa uma pesquisa 100% tu-
piniquim. A simulação por computador descrita no
artigo em destaque, assinado por Edison Zacarias
da Silva, da Universidade de Campinas (Unicamp),
e Adalberto Fazzio e Antônio José Roque da Silva,
ambos da Universidade de São Paulo (USP), re-
velou pela primeira vez como um amontoado de
300 átomos de ouro esticado pelas pontas pode se
distender formando um fio, que só se rompe após
se afinar, até criar um colar feito de apenas cinco
átomos enfileirados.
Esse trabalho teórico foi inspirado nos resultados
de experimentos realizados em microscópios eletrô-
nicos, na época sob administração do Laboratório
Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), e que hoje fa-
zem parte do Laboratório Nacional de Nanotecno-
logia (LNNano), em Campinas. Os experimentos fo-
ram idealizados pelo criativo físico argentino Daniel
Ugarte. Desde que chegou ao Brasil em 1993, para
trabalhar no LNLS, Ugarte, que atualmente é profes-
sor da Unicamp, formou uma equipe cuja pesquisa
rende até hoje artigos na PRL e em outras revistas
fernando sato
Filme de ouro
Buracos
tais no exterior já haviam conseguido – o drigues, que construiu um instrumento elétrica pelos filamentos. Diferentemente
time de Ugarte passou a última década capaz de criar nanofios e medir suas pro- de um fio macroscópico, a corrente elétri-
descobrindo e explicando a formação de priedades elétricas, o chamado experi- ca em um nanofio não diminui de maneira
estruturas completamente inéditas, do mento de quebra mecânica controlada suave e linear à medida que seu diâmetro
tamanho de poucos nanômetros (isto é, de junções. Para tanto, o maior desafio foi se reduz. Em vez disso, a corrente elétrica
de milionésimos de milímetros), feitas criar uma câmara de ultra-alto vácuo, um permanece constante em certas faixas de
do encadeamento de átomos de metais compartimento sem ar e extremamente tamanho e cai em vários saltos abruptos.
infográfico TIAGO cirillo, fonte: USP/Unicamp/LNLS simulação zacarias da silva, roque da silva e adalberto fazzio
nobres: as menores ligas metálicas já limpo, onde puderam analisar as mais pu- Cada tipo de nanofio tem um padrão de
construídas e o menor nanotubo de prata ras possíveis amostras de seus materiais. saltos diferente, que funciona como uma
possível na natureza. impressão digital.
N
Entender essas nanoestruturas metá- o equipamento desenvolvido por Enxergar os nanofios só foi possível a
licas se torna cada vez mais importante à Rodrigues, as pontas afinadas de partir de 1998, quando Ugarte começou a
medida que a miniaturização dos micro- dois filamentos metálicos de apro- coordenar no LNLS a montagem do que
chips dos dispositivos eletrônicos chega ximadamente um décimo de milímetro seria, dentro de dez anos, o laboratório
cada vez mais perto da escala atômica. de espessura são encostadas uma na ou- de microscopia eletrônica mais com-
É bem provável que nos próximos anos tra. No ambiente de ultra-alto vácuo, as pleto do país. Utilizados por centenas
sejam construídos transistores feitos de duas pontas ficam grudadas pela força de pesquisadores de todo o Brasil, seus
uma única molécula. E para conectar atrativa entre seus átomos. Em seguida, seis instrumentos, com poder de am-
uma série dessas moléculas em um mi- os pesquisadores forçam de leve o contato pliação de mais de um milhão de vezes,
crochip, os engenheiros precisarão de entre elas. É nesse momento que os nano- custaram R$ 8 milhões, financiados pela
fios nanométricos que conduzam eletri- fios se formam, como o queijo derretido FAPESP. Ugarte supervisionou o pro-
cidade bem e sejam resistentes. entre dois pedaços de pizza sendo sepa- jeto especial do prédio e das salas que
rados, pendurados entre as pontas dos fi- abrigam os microscópios, construídos
Nanoartesanato lamentos. O instrumento não permite ver com R$ 6 milhões da Financiadora de
Ugarte começou a estudar nanofios de os nanofios, o que é possível apenas por Estudos e Projetos (Finep), e que isolam
cobre, ouro, prata e platina em 1996, com meio de microscópios eletrônicos. Para ao máximo os delicados instrumentos
seu então estudante de mestrado e hoje detectar sua presença, os pesquisadores de vibrações mecânicas, mudanças de
colega professor na Unicamp, Varlei Ro- monitoram a passagem de uma corrente temperatura e campos eletromagnéticos.
P
ara criar os nanofios no microscó- ta também motivou Fazzio e sua equipe
pio eletrônico, Ugarte usou o pró- a desenvolver técnicas que simulam de
prio feixe de elétrons da máquina. maneira realista a passagem dos elétrons
Focalizado em sua máxima intensidade, por moléculas orgânicas, nanofios metá-
o feixe é capaz de abrir buracos na su- licos, nanotubos, nanofitas e superfícies
perfície de lâminas metálicas finas, com de carbono, que renderam várias publi- B
apenas algumas dezenas de átomos de cações, inclusive na PRL.
espessura. Depois de perfurar a lâmina Enquanto isso, o grupo de Ugarte ini-
até que ela ficasse como um queijo suí- ciou uma parceria que perdura até hoje
ço, o físico ajustava rapidamente o feixe com a equipe do físico teórico Douglas
eletrônico para explorar sua superfície. Galvão, da Unicamp. “A gente se reúne
É em pontes estreitas, na borda entre com os alunos, os dele e os meus, e discute
dois buracos muito próximos, em ques- o que é possível medir e calcular”, conta
tão de segundos, que o metal se distende Ugarte. “É uma colaboração extremamen- C
espontaneamente até formar os nanofios. te frutífera”, diz Galvão. Além de realizar
Ugarte e Rodrigues descobriram que, alguns cálculos similares aos da equipe de
dependendo de sua orientação em rela- Fazzio, que simulam no máximo algumas
ção à maneira como os átomos se orga- centenas de átomos, Galvão desenvolveu
nizam no metal, os nanofios podem se junto com Fernando Sato, Pablo Coura e
romper abruptamente ou aos poucos, Sócrates Dantas, todos da Universidade
se esticando até formarem cadeias de Federal de Juiz de Fora, um método mais
átomos enfileirados. Além disso, usando aproximado, que, no entanto, permite si-
um modelo geométrico simples, foram mular milhares de átomos e assim compa- D
os primeiros a conseguir relacionar as rar o resultado dos cálculos diretamente
estruturas atômicas dos nanofios vistas com as medidas experimentais.
ao microscópio com suas impressões di- O primeiro desafio encarado em con-
gitais de condução elétrica. O resultado junto pelos grupos de Ugarte e Galvão foi
foi publicado em 2000, na PRL. tentar explicar as distâncias extremamen-
te longas entre os átomos de ouro das ca-
Teoria na prática deias atômicas. Enquanto em um pedaço
Nenhum modelo teórico simples, entre- de ouro qualquer os núcleos dos átomos
tanto, conseguia explicar como se forma- se encontram 0,3 nanômetro distantes uns
vam os fios de ouro com apenas um áto- dos outros, Ugarte E
mo de espessura, até que, incitados por observou nas cadeias A simulação
Ugarte, Zacarias da Silva, Fazzio e José distâncias de até 0,5 publicada na revista
Physical Review
Roque decidiram realizar uma simulação nanômetro entre os
Letters em 2001
extremamente detalhada, a partir de so- átomos de ouro. A revelou, passo a
luções exatas das equações da mecânica explicação propos- passo (A a F), as
quântica. A simulação que saiu na capa ta em 2002 em um ligações e posições
dos átomos de ouro
da PRL finalmente conseguiu mostrar artigo na PRL por
durante a formação
passo a passo os arranjos que assumem Ugarte, Rodrigues, e rompimento F
um conjunto de átomos de ouro sob ten- Galvão e Sérgio Le- de um nanofio
L
te discorda e não se ofende com isso”. possível verificar o resultado dessas si-
agos passou dois anos modifican-
Fazzio, por sua vez, comemora os frutos mulações, uma vez que os átomos de do o equipamento criado por Ro-
do que chama de “briga salutar”. Por ouro e prata são praticamente indistin-
drigues para medir a condutância
exemplo, estudando o efeito de vários guíveis nas imagens preto e branco do
elétrica dos nanofios resfriados. Depois,
tipos de impurezas nos nanofios, o grupo microscópio eletrônico. Mas seu cole-
adaptou o método de criar e observar
de Fazzio mostrou em outro artigo pu- ga Bettini passou um ano aprimorando
nanofios ao microscópio eletrônico para
blicado na PRL em 2006 que a inserção os sistemas de detecção e tratamento
baixas temperaturas. Por conta de vibra-
de átomos de oxigênio tornava as cadeias de dados do instrumento, até conseguir
ções das peças do microscópio causadas
atômicas de ouro mais resistentes – um a sensibilidade para discernir entre as
pelo processo de resfriamento, o experi-
efeito verificado posteriormente por ex- tonalidades de cinza dos dois tipos de
mento exigia que Lagos passasse quatro
perimentos de outros pesquisadores. átomo e obter as primeiras imagens das
dias trancado em uma sala escura até
Agora, Fazzio e sua equipe esperam re- menores ligas metálicas já observadas.
conseguir a estabilidade necessária para
solver de vez a questão desenvolvendo Os resultados foram publicados em 2006
suas medidas. Foram anos de trabalho
métodos de simulação ainda mais de- para obter poucas deze-
talhados, que levam em conta efeitos nas de filmes com alguns
quânticos do movimento dos núcleos segundos de duração, em
atômicos e de flutuações térmicas – mé- A polêmica continua, que se podem ver clara-
todos que poderão ser aplicados em mui- mente os nanofios.
tos outros estudos. Do ponto de vista da com os grupos publicando O mais espetacular
contenda entre os dois grupos, porém, dos nanofios observados
os resultados ainda preliminares desses artigos e comentários foi um tubo oco de seção
cálculos não parecem animadores. “Tal-
vez Ugarte tenha razão”, admite Fazzio.
em defesa de suas teorias quadrada, feito de átomos
de prata. A estrutura sur-
ge e desaparece em ques-
tão de segundos, durante
o esticamento de um bastão de alguns
átomos de espessura, um pouco antes
deste se afinar criando uma cadeia atô-
mica e arrebentar. Galvão explica que é
a menor estrutura tridimensional que a
prata pode formar. “Nem teoricamente
foi especulado que esse nanotubo podia
existir”, ele diz. “Foi realmente uma des-
coberta inesperada.”
Embora o surgimento da curiosa es-
O curioso formato trutura pareça óbvio nos vídeos filmados
quadrado dos por Lagos, não foi nada fácil para os pes-
fotos fernando sato
menores nanotubos
quisadores determinarem sua verdadeira
de prata possíveis
foi uma descoberta natureza. Só através de muito raciocínio
inesperada e simulações computacionais, eles con-
firmaram que o tubo que enxergavam de
1. Centro de Microscopia
Eletrônica de Alta
Resolução –
nº 1996/04241-5
(1998-2002)
2. Conductance
quantization in
metallic nanostructures
– nº 1996/12546-0
(1997-2000)
3. Synthesis and
characterization of
nanostructured
materials –
nº 1997/04236-4
(1997-1999)
4. Analytical
transmission electron
microscope for
spectroscopic
nanocharacterization
of materials –
nº 2002/04151-9
(2004-2009)
5. Simulação
computacional de
As menores ligas materiais
2 metálicas já nanoestruturais –
construídas valeram-se nº 2001/13008-2
do encadeamento (2002-2006)
de átomos de 6. Simulação e
metais nobres modelagem de
nanoestruturas e
materiais complexos –
nº 2005/59581-6
(2006-2010)
7. Propriedades
eletrônicas,
ARTIGOS
perfil nas imagens era realmente oco e esticados até formarem cadeias atômi- magnéticas e de
científicos
formado por uma série de quadrados, cas. O segredo dessa plasticidade é que transporte em
nanoestruturas –
feitos de quatro átomos de prata. Com- os átomos dos nanofios se movem mais nº 2010/16202-3
1. SILVA, Z. da et al.
How do Gold
parando seus cálculos com as imagens, devagar a baixas temperaturas. Assim, (2011-2011)
Nanowires Break?. explicaram também como os quadra- eles não podem se rearranjar abrupta- MODALIDADEs
Physical Review dos de prata podem se mexer, girando, mente, o que provocaria o rompimento 1. a 4. Auxílio Pesquisa
Letters. v. 87, p. 25610, – Regular
2001.
contraindo e expandindo o nanotubo. do fio. Em vez disso, planos de átomos se 5. a 7. Projeto Temático
“Conseguir ver e entender isso foi uma deslocam no fio, criando degraus na su- COORDENADORes
2. LAGOS, M. J. et al.
Observation of the
maravilha”, diz Ugarte. A descoberta foi perfície. São esses defeitos na superfície 1. a 4. Daniel Mário
smallest metal publicada em 2009 na Nature Nanotech- que permitem que o fio se alongue mais, Ugarte – Laboratório
Nacional de Luz
nanotube with a nology, enquanto os detalhes do modelo sem se romper. Os cálculos dos pesqui- Síncrotron
square cross-section.
Nature Nanotechnology.
da dinâmica do nanotubo, executado por sadores demonstraram como o tamanho 5. a 7. Adalberto Fazzio
v. 4, p. 149-52, 2009. Pedro Autreto renderam um artigo na e a forma dessas superfícies defeituosas – Instituto de Física
da USP
PRL, em 2011. controlam a deformação dos nanofios.
INVESTIMENTO
De nosso Também em 2011, na PRL, os pesqui É no estudo da influência desses de- 1. R$ 2.621.484,09
arquivo sadores publicaram uma explicação feitos nas propriedades mecânicas dos 2. R$ 113.921,64
para a conclusão principal da tese de materiais que Galvão, Rodrigues e Ugarte 3. R$ 69.251,70
Ponte delicada 4. R$ 5.039.090,12
Edição nº 115 –
doutorado de Lagos, considerada como planejam se concentrar a partir de agora, 5. R$ 924.102,48
setembro de 2005 uma das melhores de 2010, pelo Prêmio investigando a relação entre o mundo 6. R$ 607.550,62
As impurezas do ouro
Marechal-do-Ar Casimiro Montenegro nanométrico e o macroscópico. “A fadi- 7. R$ 1.324.211,88
Edição nº 85 – Filho, concedido pela Secretaria de As- ga e a fratura de metais são fenômenos
março de 2003 suntos Estratégicos da Presidência da ainda não completamente entendidos e
Desafios para o futuro República. Lagos observou que, resfria- que têm a ver com a propagação desses
Edição nº 74 – dos a -150 °C, os nanofios não se tornam defeitos na escala nanométrica”, explica
abril de 2002
quebradiços como se poderia imaginar. Galvão. A nova pesquisa poderá ajudar a
Átomos de ouro Muito pelo contrário, fios que se rom- desenvolver novos materiais mais resis-
entram no circuito
Edição nº 72 – periam bruscamente a temperatura am- tentes, para serem usados, por exemplo,
fevereiro de 2002 biente ficam mais flexíveis, podendo ser na fuselagem de aviões. n
Nasce um
continente
Laboratório pioneiro ajuda a reconstruir
a história geológica da América do Sul,
determinando a idade das rochas
Igor Zolnerkevic
É
difícil imaginar que as fundações rochosas susten-
tando os continentes não sejam eternas e estáticas.
Ao longo da segunda metade do século XX, porém,
ficou claro para os geólogos que os continentes se
movem lentamente, abrindo e fechando oceanos
à sua volta, e que sua estrutura interna é fruto de
uma complexa colagem de imensos blocos de rocha que foram
crescendo e sendo embaralhados na superfície do planeta ao
longo de mais de 4 bilhões de anos.
Impulsionados pelo calor do interior da Terra, esses blocos
às vezes se fragmentaram em unidades menores, às vezes se
fundiram em supercontinentes, constantemente modificando
as feições do mapa-múndi. Essa conturbada dinâmica, expli-
cada pela chamada teoria da tectônica de placas, ergueu várias
cordilheiras de montanhas, hoje completamente erodidas,
mas que já foram tão altas quanto os atuais Andes e Himalaia.
Também criou e destruiu inúmeros oceanos ancestrais, até
esculpir o contorno atual dos continentes.
Destrinchar cada passo dessa história é literalmente um
quebra-cabeça de proporções globais, cujas peças ainda estão
para serem totalmente compreendidas. Funcionando há qua-
se 50 anos, o Centro de Pesquisas Geocronológicas (CPGeo),
do Instituto de Geociências (IGc) da Universidade de São
Paulo (USP), foi o pioneiro na América Latina em dominar a
lalo de almeida
– muito tempo depois do que supunham 1968, porém, uma série de artigos cientí- há pouco mais que 100 milhões de anos.
os geólogos da época. A pesquisa desen- ficos foi publicada, exibindo as principais “Contribuímos para a mudança de pa-
cadeou discussões sobre a evolução da evidências e propondo pela primeira vez radigma das geociências”, diz Cordani.
bacia do Paraná, um tema que, segundo quais seriam os mecanismos por trás da
Cordani, continua sendo um dos pro- teoria da tectônica de placas. Cronômetros geológicos
blemas em aberto da geologia brasileira. O artigo na Science foi resultado de uma A geocronologia se baseia na medida de
Em 1967, a revista Science publicou o colaboração entre uma equipe do Ins- quantidades ínfimas de certos elementos
artigo científico que Cordani considera a tituto de Tecnologia de Massachusetts químicos aprisionados dentro de mine-
principal contribuição (MIT), liderada pelo rais nas rochas. Chamados de isótopos
do CPGeo à ciência. geólogo Patrick Hur- radioativos, esses elementos se transfor-
Embora a deriva dos ley, e os pesquisado- mam em outros, ao longo de bilhões de
continentes já tivesse A evolução res da USP Fernando anos. No primeiro método desenvolvido
sido proposta em 1912, de Almeida, Geraldo no CPGeo, chamado de potássio-argônio,
pelo geocientista ale- da bacia do Melcher, Paul Vando- por exemplo, os pesquisadores sabem
mão Alfred Wegener, ros, Kawashita e Cor- exatamente quanto tempo demora para
até o início dos anos
Paraná dani. No trabalho, os uma quantidade do isótopo radioativo
1960 predominava en- continua pesquisadores compa- potássio-40 se transformar no isótopo
tre os geólogos a teoria raram as idades de vá- argônio-40. Assim, a proporção entre
verticalista – a ideia como um dos rias formações rocho- as quantidades de potássio-40 e argô-
de que os continentes sas do Nordeste brasi- nio-40 funciona como uma espécie de
sempre permaneceram problemas leiro com formações cronômetro, marcando o tempo desde
no mesmo lugar, sendo semelhantes na África que o argônio foi formado e aprisionado
que a estrutura das ro-
em aberto Ocidental, contribuin- no mineral contendo potássio.
chas, suas dobras e fa- da geologia do para demonstrar Para tanto, os geocronólogos usam ins-
lhas podiam ser expli- que os dois continen- trumentos chamados de espectrômetros
cadas exclusivamente brasileira tes formavam um só, de massa, capazes de separar e medir
pelo afundamento e so- antes de o nascimen- as abundâncias de diferentes isótopos
fabio colombini
erguimento dos blocos to do oceano Atlântico de elementos químicos. Dentro dos es-
rochosos. Entre 1964 e começar a separá-los, pectrômetros de massa, as amostras são
C
ajudavam a implantá-las – intercâmbios ordani explica que os primeiros 30 Internacional, na cidade do Rio de Ja-
possíveis graças a bolsas da FAPESP. “Ho- anos do CPGeo foram dedicados neiro, em 2000. Escrito em colaboração
je somos um dos centros de geocronologia a um extensivo mapeamento das com dezenas de pesquisadores de várias
mais completos do mundo”, afirma Ben- idades das rochas dos principais blo- universidades do Brasil e do exterior, o
jamin Bley de Brito Neves, pesquisador cos que formam a crosta continental da volume apresentou a síntese mais com-
do CPGeo. “Cada método tem suas quali- América do Sul: os antigos, imensos e es- pleta até aquele momento da evolução
dades, defeitos e finalidades”, ele explica. táveis blocos de rochas conhecidos como de cada núcleo rochoso do continente,
O método potássio-argônio data dos crátons, formados em sua maioria entre delineando a história de como cresceram
episódios em que as rochas passaram por 500 milhões e 4 bilhões de anos atrás, e se juntaram.
mudanças de temperaturas, desde a sua sendo o maior deles o cráton amazônico,
formação. Implantado no começo dos contendo 52% do território brasileiro, Um novo patamar
anos 1970, o método rubídio-estrôncio, seguido dos crátons do São Francisco e Embora as linhas gerais da história da
fornece a idade de movimentações que do rio de La Plata, e fragmentos conti- formação da América do Sul já sejam
bem compreendidas, ainda há muitos
detalhes importantes a serem desven-
dados. “A geologia vive de interpretar as
Vestígios de Rodínia informações disponíveis no momento”,
explica Miguel Basei, do CPGeo, que co-
Fragmentos se espalham pela América do Sul ordenou o mais recente projeto temático
do centro, “A América do Sul no Contex-
to dos Supercontinentes”, iniciado em
2005 e concluído em 2011.
Graças à reforma e ampliação do
CP-Geo realizados durante o projeto,
seus pesquisadores obtiveram um nú-
mais de 2,5 bilhões de anos mero recorde de dados sobre a idade e
2,35 a 2,3 bilhões de anos a composição química de rochas. Foram
2,2 a 2 bilhões de anos milhares de datações realizadas todo ano
2 a 1,8 bilhão de anos que permitiram confirmar ou refutar
1,8 a 1,5 bilhão de anos uma série de hipóteses sobre a evolução
1,3 a 1 bilhão de anos dos blocos que se fundiram para formar
menos de 1 bilhão de anos a América do Sul, bem como suas antigas
conexões com blocos em outros conti-
nentes, especialmente na África.
“O patamar do nosso conhecimento
mudou”, afirma Colombo Tassinari, do
CPGeo. As novas visões da história geo-
lógica foram publicadas em capítulos de
A - Cráton São Luís
livros e duas centenas de artigos científi-
Benjamin Bley Brito Neves / USP
U
m deles é um microscópio de ca- menos de precisão, mas em 50 segundos
todoluminescência, que obtém e com um custo de operação um terço
imagens de cristais de zircão (o mais barato, usando o Neptune – um es-
mineral que contém o Urânio), cujo ta- pectrômetro de massa de ablação por
manho varia de 30 a 300 micrômetros laser adquirido em 2009 com verba da
(milésimos de milímetro). As imagens Finep e instalado com apoio da FAPESP. tro de massa convencional, o Triton. Um
parte do Brasil, se amalga- atrás, a determinação precisa da 3. FUCK, R. A. et al. Rodinia descendants in
South America. Precambrian Research. v. 160,
maram em um supercon- idade das rochas auxilia
superfície
p. 108-26, 2008.
tinente conhecido como a exploração desses mi-
Rodínia. Bley, junto com nérios. Tassinari cita co-
Reinhardt Fuck, da Univer- do planeta mo exemplo a datação de De nosso arquivo
colaboração internacional de lava velaram ter 2 bilhões de A História do planeta contada pelas rochas
que publicou, em 2008, na anos. As companhias de Edição nº 30 – abril de 1998
conforto 148 biopolímero Útil, sem poluir 154 semicondutores A memória do futuro
158 novos materiais Fragilidade superada 162 novos materiais Diamantes versáteis
166 engenharia naval Desafios em águas profundas 170 indústria petrolífera Métodos
refinados 174 tecnologia da informação Mil e uma aplicações 176 tecnologia da
informação Fios mais finos 180 revisor gramatical Idéia ou ideia? 186 biologia
Do genoma à usina
Programa Bioen faz avançar o conhecimento sobre
cana-de-açúcar e biocombustíveis
Fabrício Marques
P
esquisadores da Universidade de São A pesquisa é um exemplo de como o conhe-
Paulo (USP) e da Universidade Estadual cimento sobre cana-de-açúcar e etanol avançou
de Campinas (Unicamp) desvendaram nos últimos anos. Por meio do Programa FAPESP
em 2011 cerca de 10,8 bilhões de pares de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), iniciado em
de bases do DNA da cana, 33 vezes o 2008, do qual Glaucia Souza é coordenadora, a
produto dos dois anos do projeto Genoma Cana, Fundação vem patrocinando um grande esforço
encerrado em 2001, que mapeou os genes expres- de investigação, que articula pesquisadores de
sos da planta. O resultado faz parte de um proje- várias áreas do conhecimento, para aprimorar a
to temático, coordenado pela bióloga molecular produtividade do etanol brasileiro e avançar em
Glaucia Souza, da USP, e com conclusão prevista ciência básica e tecnologia relacionadas à geração
para 2013, que busca o sequenciamento dos genes de energia de biomassa.
da cana-de-açúcar. Dada a complexidade do geno- Um dos objetivos do Bioen é superar entraves
ma, 300 regiões já estão organizadas em trechos tecnológicos e ampliar ainda mais a produtivida-
maiores que 100 mil bases, que contêm de 5 a 14 2007da
de do etanol de primeira geração, feito a partir
genes contíguos de cana, em um projeto temáti- fermentação da sacarose, que aproveita um ter-
co da geneticista Marie-Anne Van Sluys, também ço da biomassa da cana. Outro mote é participar
professora da USP. Os pesquisadores querem ir da corrida internacional em busca do etanol de
além do Genoma Cana, tanto na quantidade de segunda geração, produzido a partir de celulose
dados como nas perguntas sobre como funciona – o que tornaria possível obter o biocombustí-
o genoma da planta que se tornou sinônimo de vel também do bagaço e da palha da cana e de
Delfim Martins/pulsar imagens
Plantação de energia de fonte renovável. Estudos de gramíneas diversas outras matérias-primas. O programa
cana-de-açúcar como sorgo e arroz mostraram que para melho- tem cinco vertentes. Uma delas é o de pesqui-
em Lins, interior
rar a produtividade das plantas é preciso saber sa sobre biomassa, com foco no melhoramento
paulista:
produtividade como a atividade dos genes é controlada, função da cana. A segunda é o processo de fabricação
crescente de trechos do DNA conhecidos como promotores. de biocombustíveis. A terceira está vinculada a2
“Planta energia”
A produtividade atual
da cana, que é de 80
toneladas por hecta-
Colheita manual em re/ano em média, po-
Cordeirópolis (SP), em deria alcançar 381 to-
2010: estudos buscam
conhecer e amenizar
neladas por hectare/
impactos econômicos ano, com o desenvol-
e sociais vimento de variedades
talhadas para a produ-
aplicações do etanol para motores auto- ções moleculares com potencial para o ção de bioenergia, dotadas, por exemplo,
motivos e de aviação. A quarta é ligada desenvolvimento de marcadores”, diz de alta produtividade, alto conteúdo de
a estudos sobre biorrefinarias, biologia Marie-Anne, que é professora do Ins- açúcar, tolerância à seca e resistência a
sintética, sucroquímica e alcoolquímica. tituto de Biociências da USP e uma das pestes e doenças. Esse cálculo foi publi-
E a quinta trata dos impactos sociais e coordenadoras do Bioen. cado num artigo científico de autoria de
ambientais do uso de biocombustíveis. um grupo de pesquisadores do Bioen e
U
m projeto liderado por Ricardo do Centro de Pesquisa em Agricultura
Genética Zorzetto Vêncio, da Faculdade do Havaí. Segundo o estudo, a chamada
Em quase quatro anos de existência, de Medicina de Ribeirão Preto, “planta energia” precisa de crescimento
os resultados do programa Bioen são da USP, desenvolveu a versão-piloto de rápido, necessidade reduzida de insumos
palpáveis e variados. A experiência em um software para tentar caracterizar as para o crescimento e ser adaptada para
genômica de Marie-Anne Van Sluys, da funções de genes da cana-de-açúcar. A a colheita mecanizada. Para fazer esse
USP, e de Anete Pereira de Souza, da abordagem é inovadora, porque não se inédito cálculo teórico, o estudo asso-
Unicamp, levou-as à liderança de proje- limita a atribuir a uma sequência de ge- ciou dados tecnológicos de produção da
tos cujo objetivo é gerar um sequencia- nes de um organismo as funções já ob- cana com informações sobre a fisiologia
mento parcial de dois cultivares de cana servadas numa sequência semelhante da planta (fotossíntese, crescimento, de-
(R570 e SP80-3280) e subsidiar o desen- de outro ser vivo. A ideia é utilizar al- senvolvimento e maturação da cana) e
volvimento de ferramentas moleculares goritmos que contemplem a incerteza propôs, através de estudos de genômica
capazes de auxiliar na compreensão contida nessa associação. “Em vez de funcional, possíveis genes alvos para o
deste genoma. Um dos alvos é o estu- simplesmente dizer que um gene tem melhoramento envolvendo a partição de
do dos chamados elementos de trans- uma função específica, queremos dizer carbono, que é a maneira como a cana
fotos Delfim Martins/pulsar imagens
posição, regiões de DNA que podem se qual é a probabilidade de ele ter essa distribui os carboidratos que produz via
transferir de uma região para outra do função e, neste cálculo, levar em conta fotossíntese.
genoma, deixando ou não uma cópia no diferentes evidências como a relação Publicado na Plant Biotechnology
local antigo onde estavam. “Programas evolutiva com outros genes ou se tem Journal em abril de 2010, o estudo mos-
de melhoramento também poderão ser algum experimento que confirma a fun- trou quanto a cana poderia render com o
beneficiados tendo acesso a informa- ção”, diz Ricardo Vêncio. uso de ferramentas biotecnológicas para
U
e Embraer iniciaram um estudo sobre m processo inovador para a pro- Impactos econômicos e sociais
os principais desafios científicos, tec- dução de bioquerosene a partir de O Bioen busca mensurar os impactos
nológicos, sociais e econômicos para o vários tipos de óleo vegetal, que sociais e econômicos de uma sociedade
desenvolvimento e adoção de biocom- poderá tornar o combustível usado em baseada em energia de biomassa. “Te-
bustível pelo setor de aviação comer- aviões menos poluente e mais barato, já mos grupos de pesquisadores estudando
cial e executiva no Brasil. Com duração foi desenvolvido na Faculdade de Enge- modelos econômicos capazes de ava-
prevista de nove a 12 meses, o estudo nharia Química (FEQ) da Unicamp. Após liar as mudanças de uso da terra cau-
será orientado por uma série de oito sua extração e refino, o óleo é colocado sadas pela produção em larga escala de
workshops programados para este ano, em um reator junto com uma quantida- biocombustíveis”, diz Glaucia Souza.
“Também há estudos sobre os gargalos
econômicos da produção de biocom-
bustíveis, mapeamentos agroecológicos
e impacto na biodiversidade, para citar
A produtividade do etanol alguns exemplos”, afirma a professora.
Conhecimento novo à parte, Glaucia des-
Biocombustível brasileiro tem o melhor rendimento taca o potencial dos biocombustíveis no
combate à pobreza. “A cana-de-açúcar
contribui para o desenvolvimento rural,
8.000 mas a agricultura ainda reverte pouco
lucro para os produtores. A produção de
7.000 6.800
biocombustíveis pode agregar valor ao
6.000
agronegócio, permitindo, por exemplo,
5.400
5.200 que o setor gere sua própria energia e
5.000 venda o excedente, contribuindo para o
desenvolvimento regional e o combate
Litros por hectare
3.000
2.400 Brasil ser forte na agricultura voltada à
2.000 alimentação e substituir terra boa da pro-
dução de alimentos para plantio de cana.
Tailândia
Índia
EUA
0 fonte unica
economista André Nassar, do Instituto
Etanol Etanol de Etanol Etanol Etanol de Etanol
de cana beterraba de cana de milho mandioca de trigo de Estudos do Comércio e Negociações
Internacionais (Icone), financiado pela
de chuva e de calor, além do esperado produção de energia renovável, de uma energia a partir de fontes renováveis.
avanço de pragas. Já é sabido que a alta forma harmônica e com benefícios so- Hoje esse processo ainda não é viável
concentração de gás carbônico produz ciais, além de impacto ambiental míni- economicamente. Se os pesquisadores
um aumento na fotossíntese e no vo- mo”, afirma Buckeridge. encontrarem formas de reduzir custos, o
P
hidrólise enzimática. A lignina é uma or meio de estratégias de engenha- Um salto no interesse pela pesquisa
macromolécula encontrada em plantas, ria metabólica, o grupo conseguiu, em cana e etanol aconteceu em abril
associada à celulose na parede celular, em escala de bancada, aumentar de 1999, com o advento do Genoma Ca-
cuja função é conferir rigidez e resistên- em 11% o rendimento da produção de na, que mapeou 250 mil fragmentos de
cia. Quebrá-la é um desafio para obter etanol sobre a sacarose utilizando uma genes funcionais da cana (ver reporta-
etanol de celulose. “Para entender co- levedura geneticamente modificada. “Es- gem à página 54) e se caracterizou pela
mo a remoção de lignina pode diminuir se experimento ainda não foi testado em interação com o setor privado. Após o
a recalcitrância das paredes celulares, ambiente industrial. Mas, levando-se encerramento do programa, o interesse
têm sido avaliados, além de varieda- em conta o grande volume da produção das empresas pela pesquisa em bioener-
des comerciais, híbridos de cana com atual, um aumento de apenas 3% no ren- gia não arrefeceu. Em 2006, a FAPESP,
teores contrastantes de lignina”, diz dimento da fermentação alcoólica per- em parceria com o BNDES, firmou um
Adriane Milagres, professora da Escola mitiria hoje um incremento de 1 bilhão convênio com a Oxiteno, do grupo Ul-
de Engenharia de Lorena, da USP, uma de litros de etanol por ano, só no Brasil, a tra, para o desenvolvimento de projetos
das coordenadoras do projeto. “Quan- partir da mesma quantidade de cana-de- cooperativos em que se investiga desde
do materiais são tratados com métodos -açúcar. O que já seria um ganho extra- o processo de hidrólise enzimática do
seletivos, a remoção de 50% da lignina ordinário”, diz Andreas Karoly Gombert, bagaço da cana para a obtenção de açúca-
original já eleva o nível de conversão professor da Escola Politécnica da USP e res até a produção de etanol de celulose.
da celulose para 85%/90%.” Segundo coordenador do projeto. O projeto surgiu No ano seguinte, a Dedini Indústrias de
Adriane, o avanço do projeto também a partir de uma iniciativa do professor Base celebrou convênio com a FAPESP
está direcionado para avaliar quais são Boris Ugarte Stambuk, da UFSC, que para financiar projetos sobre técnicas de
os coquetéis enzimáticos mais apropria-
dos para obter um nível de hidrólise
enzimática elevado usando bagaço de
cana que tenha sido pré-tratado com a
menor severidade possível. “Isso porque
os teores iniciais de lignina das plan-
tas selecionadas já são baixos”, explica.
Primeira geração
O Brasil detém vantagens acentuadas na
produção de etanol de primeira geração,
feito a partir da fermentação da sacaro-
se. A produtividade da cana-de-açúcar
aumentou muito nos últimos 30 anos, a
uma taxa média de cerca de 4% ao ano.
Essa produtividade pode crescer ainda
mais se alguns desafios tecnológicos fo-
rem superados. Um projeto realizado por
pesquisadores da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (USP), em
colaboração com grupos de pesquisa da
Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e da Delft University of Techno-
logy, da Holanda, demonstrou que existe
uma margem para avançar por meio do
Caldeiras da Usina
Santa Elisa, em
Sertãozinho (SP):
produção de
energia elétrica com
bagaço de cana
ARTIGOS CIENTÍFICOS
De NOSSO ARQUIVO
Cardápio energético
Edição nº 157 – março de 2009
O alvo é o bagaço
Edição nº 163 – setembro de 2009
Energia do futuro
Edição nº 170 – abril de 2010
Cálculo original
Edição nº 184 – junho de 2011
Biorrefinarias do futuro
Edição nº 192 – fevereiro de 2012
Em busca
de segurança
e conforto
Universidades e Embraer criam
conhecimento para aperfeiçoar
aviões comerciais e de defesa
Claudia Izique
H
á pouco mais de dez anos, a cidade de ciaram que o município fora escolhido para abrigar
Gavião Peixoto, com quatro mil habi- a quarta fábrica da empresa, um empreendimento
tantes, emergia timidamente em meio de R$ 340 milhões e dois mil empregos diretos.
a um imenso canavial, pontilhado, O estímulo do estado foi crucial na decisão da
aqui e acolá, por pomares de laranja. Embraer de instalar-se em Gavião Peixoto: o go-
Hoje, junto à área urbana da cidade impõem-se verno cedeu à empresa uma área 15 km2 por um
uma pista de decolagem com 5 mil metros de período de 35 anos, renováveis por mais 35, além
comprimento, a maior da América Latina, e uma da infraestrutura básica do terreno: água, ener-
unidade de fabricação da Embraer. Ali, além de gia, pavimentação de rodovias, entre outras. Teve
testes e ensaios em voo, a empresa produz as asas peso, é claro, a proximidade que a futura fábrica
dos Embraer 190 e 195, fabrica os jatos Phenom teria de universidades e institutos de pesquisas
100 e 300, além do Super Tucano – um turboélice de São Carlos e Araraquara. Mas contou pontos,
militar multifunção. Também é ali que a empresa e muito, o apoio da FAPESP: menos de um mês
reforma caças da Força Aérea Brasileira (FAB), após o anúncio da nova fábrica, foi lançado no
razão pela qual a região é considerada área de âmbito do Programa de Apoio à Pesquisa em Par-
segurança – que a imaginação de desavisados ceria para Inovação Tecnológica (Pite).
identifica como a “área 51 do Brasil”, numa refe- Ao longo dos últimos 12 anos, a FAPESP de-
rência à base militar norte-americana, instalada sembolsou R$ 16,4 milhões para apoiar oito pro-
no deserto de Nevada. jetos, que também contaram com contrapartida
fotos divulgação embraer
A paisagem e o futuro de Gavião Peixoto come- da Embraer. “Foi uma parceria estratégica que
çaram a mudar no início da década, precisamen- permitiu à empresa avançar no domínio da tecno- Canaviais e pomares
de laranja de Gavião
te no dia 24 de junho de 2000, quando o então logia e aumentar o seu diferencial competitivo”, Peixoto (SP) deram
governador de São Paulo, Mario Covas, e o então avalia Jorge Ramos, diretor de desenvolvimento lugar aos imensos
presidente da Embraer, Maurício Botelho, anun- tecnológico da Embraer. galpões da Embraer
1. Comportamento de
materiais e estruturas
aeronáuticas sujeitas a
impacto – nº 2002/11313-5
(2003-2006)
2. Aplicações avançadas
de mecânica dos fluidos
computacional para
aeronaves de alto
desempenho – nº 2000/
13768-4 (2002-2006)
3. Identificação de derivadas
de estabilidade e controle de
aeronaves via filtragem
não linear e otimização
estocástica: algoritmos e
aplicações a dados de ensaio
em voo – nº 2001/08753-0
(2002-2006)
4. Estruturas aeronáuticas
de materiais compósitos –
nº 2006/61257-5 (2011-2014)
5. Conforto de cabine:
desenvolvimento e análise
integrada de critérios de
conforto – nº 2006/52570-1
(2008-2012)
6. Desenvolvimento de um
sistema GPS Diferencial
para posicionamento e
Muitos dos projetos desenvolvidos em parce- utilizado para consultar centenas de passageiros, guiagem da aeronave em
ria com universidades e instituições de pesquisa habituados a viajar de avião, sobre as condições tempo real – nº 2001/08751-8
(2002-2005)
se transformaram em conhecimento de enge- de conforto em voo. Jurandir Itizo Yanagiha- 7. Desenvolvimento de
nharia e foram – ou poderão ser – aplicados em ra, coordenador do projeto, adiantou à Agência tecnologia de ensaios
produtos para a aviação executiva, comercial e FAPESP que uma das tendências identificadas foi aerodinâmicos bi e
tridimensionais para o
de defesa. O projeto Estruturas Aeronáuticas de a criação de espaços alternativos para a interação projeto de aeronaves de
Materiais Compósitos, que investiga soluções de passageiros em grandes aeronaves. alto desempenho –
em compostos de fibra de carbono para reduzir As restrições legais aos ruídos de aeronaves nº 2000/13769-0
(2001-2007)
o peso e melhorar o desempenho das aeronaves também pautam pesquisa. Em Aeronave Silen- 8. Aeronave silenciosa:
em relação aos materiais convencionais, já iden- ciosa: uma investigação em aeroacústica, pesqui- uma investigação em
tificou metodologia que poderá ser incorporada sadores desenvolvem métodos e equipamentos aeronáutica – nº 2006/
52568-7 (2008-2011)
aos componentes em materiais compósitos que a supressores de ruídos. Procuram identificar a
Modalidade
empresa vai produzir numa das duas fábricas que fonte – se proveniente da asa, dos flaps, da tur- 1. a 8. Parceria para
está construindo na cidade de Évora, em Portugal. bina ou do trem de pouso, por exemplo – e medir Inovação Tecnológica – PITE
As pesquisas cobrem vários temas relacionados a intensidade do ruído, utilizando grandes con- Coordenadores
à aeronáutica. Em três dos projetos financiados, juntos de microfones instalados na cabeceira da 1. Marcílio Alves – Embraer e
Escola Politécnica da USP
e ainda em andamento, pesquisadores de várias pista de ensaios de Gavião Peixoto. No final da 2. João Luiz Filgueiras de
universidades e institutos de pesquisa buscam primeira fase, os estudos já resultaram em dois Azevedo – Embraer e CTA
soluções para tornar as aeronaves mais confor- pedidos de patentes relacionadas a atenuadores. 3. Luiz Carlos Sandoval Góes –
Embraer e CTA
táveis, silenciosas e seguras. O estudo conta com a participação de 70 pesqui- 4. Sergio F. M. de Almeida –
No projeto Conforto de Cabine: desenvolvimen- sadores da Embraer, da USP, da Universidade Embraer e ITA/CTA
to e análise integrada de critérios e conforto, por de Brasília e de duas federais: de Santa Catarina 5. Jurandir Itizo Yanagihara
– Embraer e USP
exemplo, iniciado em 2008, os pesquisadores (UFSC) e de Uberlândia (UFU). 6. Helio Koiti Kuga –
desenvolveram um ambiente que simula cabines Embraer e Inpe/MCT
dos modelos 170 e 190 da Embraer para estudar Pesquisa em rede 7. Olympio Achilles de Faria
Mello – Embraer e CTA
parâmetros operacionais como o conforto térmi- Todos os projetos, aliás, envolvem diversas uni- 8. Julio Romano Meneghini –
co, a pressão, o ruído, a vibração, a iluminação e versidades e institutos de pesquisas de São Paulo Embraer e USP
a ergonomia, além de odores e materiais. A in- e até de outros estados. O Conforto de Cabine, por investimentos
tenção é avaliar e integrar os vários aspectos do exemplo, abriga, além de pesquisadores da USP, 1. R$ 367.896,00
2. R$ 3.826.117,01
conforto humano e estabelecer parâmetros de também da Universidade Federal de São Carlos 3. R$ 587.702,23
projeto e design. Esse equipamento de pesquisa, (UFSCar) e da UFSC. O projeto Aplicações Avan- 4. R$ 1.851.527,59
inédito no Brasil, está instalado no Laboratório çadas de Mecânica dos Fluidos Computacional 5. R$ 3.205.550,76
6. R$ 688.295,73
de Engenharia Térmica e Ambiental (LETE), na para Aeronaves de Alto Desempenho, reuniu um 7. R$ 4.201.476,05
Escola Politécnica da USP. No ano passado foi número de instituições ainda maior: o Instituto 8. R$ 3.741.069,33
foi construída em 2002 para a produção do ERJ números e índices mostram o progresso”, afirma
145, um avião para 50 passageiros. O país mudou o prefeito Ronivaldo Sampaio Fratuci. De nosso arquivo
e a empresa agora investe no mercado de luxo: a A Embraer ainda é a única empresa instalada Bem-estar no ar
intenção é adaptar a fábrica chinesa para produ- no polo aeronáutico da cidade. “Ainda não temos Edição nº 194 – abr. 2012
zir o Legacy 650, um jato executivo que utiliza a um distrito industrial, mas estamos caminhando Aeronaves mais silenciosas
mesma plataforma do 145, mas comporta 12 pas- para instalá-lo em breve e, com isso, será mais Edição nº 155 – jan. 2009
sageiros e que deverá atender às demandas de provável a vinda de empresas fornecedoras para Premiados da inovação
empresas num país de dimensões continentais a cidade ou mesmo de outros setores”, ele afirma. Edição nº 143 – jan. 2008
e aos novos bilionários. A baixa qualificação da população impediu que Ciência de empresas
A empresa se prepara agora para entrar no a fábrica promovesse mudanças na estrutura de Edição nº 133 – mar. 2007
mercado de satélites. Embraer e Telebras anun- emprego. “Boa parte dos trabalhadores da fábrica Plano de voo
ciaram, por meio de um fato relevante publica- mora em Araraquara ou em Matão. Muitos vieram Edição nº 128 – out. 2006
do no site da Comissão de Valores Mobiliários de grandes metrópoles e preferiram se instalar em Impacto em voo
(CVM), a assinatura de um memorando de enten- cidades grandes. Alguns gavionenses trabalham Edição nº 126 – ago. 2006
dimento para a criação de uma empresa conjunta na Embraer, exercendo atividade nos setores de Leveza no ar
para gerenciar o projeto do Satélite Geoestacio- limpeza, alimentação, segurança e serviços ge- Edição nº 97 – mar. 2004
nário Brasileiro (SGB). A nova companhia deve- rais”, ele relaciona. A maioria da população ainda A Embraer voa mais alto
rá atender às necessidades do governo federal trabalha nas colheitas de cana e de laranja. Edição nº 93 – nov. 2003
“relativas ao plano de desenvolvimento satelital, A prefeitura está investindo em capacitação de Dureza extra no ar
incluindo o Programa Nacional de Banda Larga pessoal para ampliar as oportunidades de traba- Edição nº 85 – mar. 2003
e comunicações estratégicas de defesa e gover- lho aos gavionenses. “Entre 2009 e 2011, entrega- Parcerias acadêmicas
namentais”, diz o comunicado. mos mais de três mil certificados de capacitação Edição nº 82 – dez. 2002
A presença da Embraer está provocando profun- náutico, como, por exemplo, eletricista, mecâni- Altos voos da Embraer
das modificações em Gavião Peixoto. Em 2000, co hidráulico e pneumático, pintor automotivo, Edição nº 77 – jul. 2002
ano em que o governador anunciou a instalação entre outras”. Mais resistência à fadiga e à
do empreendimento, a arrecadação do Imposto O prefeito aposta que a cidade também tem corrosão
Edição nº 76 – jun. 2002
sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços potencial para se tornar um polo ecoturístico.
(ICMS) foi de R$ 1 milhão. Em 2011, o valor sal- “Estamos investindo nessa ideia. Já começamos a Planador com concepção
nacional
tou para R$ 5 milhões. “Em 2000, tínhamos um desenvolver o projeto e realizamos alguns eventos Edição nº 75 – mai. 2002
Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal no rio Jacaré Guaçu. O projeto vai gerar frutos
Embraer fica em São Paulo
(IFDM) de 0,66; hoje estamos em 0,79, com níveis de longo prazo e a Embraer, naturalmente, fará Edição nº 54 – jun. 2000
altos de desenvolvimento de educação e saúde. Os parte dessa história.” n
Evanildo da Silveira
A
té 2015 deverá entrar em operação ocorre com gordura nos mamíferos e outros ani-
a primeira fábrica do Brasil de plás- mais. O passo seguinte do processo produtivo é a
tico biodegradável feito a partir de extração e purificação do PHB acumulado dentro
cana-de-açúcar, que será construída dos micro-organismos. Isso é feito com um sol-
pela PHB Industrial, empresa per- vente orgânico, mais especificamente um álcool
tencente aos grupos Irmãos Biagi, de Serrana chamado propionato de isoamila, que não provoca
(SP), e Balbo, de Sertãozinho (SP). Com capa- danos ao ambiente quando descartado. Ele quebra
cidade para produzir 30 mil toneladas por ano, a parede celular das bactérias, liberando os grâ-
o empreendimento é um desdobramento de um nulos do biopolímero. “Com 3 quilos de açúcar,
projeto financiado pelo Programa de Pesquisa obtém-se 1 quilo de plástico biodegradável”, diz
Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FA- o engenheiro de materiais Jefter Fernandes do
PESP, entre 2001 e 2004. Nascimento, coordenador do projeto do Pipe e
Batizado com o nome comercial de Biocycle, o hoje consultor da PHB Industrial.
plástico pode ser usado na fabricação de peças rí- Antes de chegar nessa fase, o desenvolvimento
gidas como painéis de carros, materiais esportivos, de biopolímero teve uma longa história. Ela come-
brinquedos e objetos descartáveis como barbeado- çou em 1992, quando um grupo de cientistas do
res e escovas de dentes, além de canetas, réguas e Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) passou
cartões. Uma das vantagens desse produto é que a realizar pesquisas nessa área. Numa parceria
ele se degrada no ambiente em um ano, enquanto bem-sucedida com a Cooperativa dos Produtores
os plásticos comuns podem durar até 200 anos. de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo
Na verdade, trata-se de um biopolímero da famí- (Copersucar) e o Instituto de Ciências Biomédicas
lia dos polihidroxialcanoatos (PHA), que são um (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), eles
dos resultados do metabolismo natural de várias descobriram novas espécies de bactérias capazes
espécies de bactérias. O que será produzido na de transformar açúcar em plástico.
nova fábrica é o polihidroxibutirato ou, simples-
E
mente, PHB, daí o nome da empresa. Seu proces- m 1994, foram concluídos os estudos labo-
so de produção começa no cultivo de bactérias da ratoriais para as fases de produção, desde a
espécie Alcaligenes eutrophus em biorreatores, nos pré-fermentação, a fermentação, a extração
quais elas são alimentadas com açúcares de cana, e a purificação do biopolímero. No mesmo ano,
principalmente sacarose. Em seu metabolismo, começaram os estudos para a construção de uma
os micro-organismos ingerem os açúcares e os fábrica-piloto, para que a tecnologia desenvolvi-
transformam em grânulos (bolinhas milimétricas) da em laboratório pudesse ser testada em escala
intracelulares que são, na verdade, poliésteres. industrial. Ela foi inaugurada no ano seguinte,
Polímero
biodegradável
Esses poliésteres, que nada mais são do que na Usina da Pedra, em Serrana, com capacidade
na forma de o plástico biodegradável, funcionam como uma para produzir cinco toneladas por ano de plás-
grânulos reserva de energia para as bactérias, assim como tico biodegradável.
Alcaligenes eutrophus
PHB
As bactérias são alimentadas Depois, elas começam a criar bolsas As bactérias são mergulhadas
apenas com sacarose de reserva (sacarose) sob a forma de em solvente orgânico para a
Polihidroxibutiratos (PHB) separação do PHB
3 quilos
das começaram a ser enviadas a vários institutos (quebra estrutural do produto) libera
de pesquisa e empresas, tanto no Brasil como na açúcares (glicose, xilose e arabinose)
Europa, Estados Unidos e Japão. O objetivo era presentes no bagaço, um resíduo da in-
avaliar as propriedades do produto e possíveis dústria sucroalcooleira. Só depois dis-
aplicações. A partir desse ponto do desenvolvi- so, as bactérias conseguem consumi- de açúcar são
mento e em função dos resultados dos testes e -los e transformá-los em biopolímero.
aplicações dos institutos de pesquisa e empre- Ela conta que na época o bagaço era
necessários para
sas, vários ajustes foram feitos na fábrica-piloto. usado apenas na geração de energia, obter 1 quilo
Em 2000, ela foi remodelada e adequada e sua por meio de sua queima, e havia um
capacidade de produção passou a ser de 50 to- excedente dele. “Não se pensava ainda
de plástico
neladas por ano. no seu potencial uso como matéria- biodegradável
-prima para outros produtos, como
seleção de bactérias hoje se quer utilizá-lo para fabricar
Paralelamente a esse, outro projeto financiado etanol de segunda geração”, explica.
pela FAPESP levou ao desenvolvimento de uma “Propusemos então o seu uso para produzir po-
tecnologia diferente para obtenção de plástico lihidroxialcanoatos e gerar plásticos biodegradá-
biodegradável. Coordenado pela bioquímica Lui- veis utilizando o hidrolisado do bagaço de cana.”
ziana Ferreira da Silva, então no Agrupamento de Para isso, a equipe identificou e selecionou du-
Biotecnologia do Instituto de Pesquisas Tecno- as espécies de bactérias (Burkholderia sacchari e
lógicas do Estado de São Paulo (IPT), o trabalho Burkholderia cepacia), a primeira até então des-
tinha como objetivo encontrar bactérias capazes conhecida, altamente eficientes no processo de
de utilizar o hidrolisado de bagaço da cana para síntese e produção do bioplástico do hidrolisado
produzir os biopolímeros. Intitulado “Seleção, do bagaço. Mas, para chegar a isso, uma série de
melhoramento genético e desenvolvimento de obstáculos teve de ser vencida. “No nosso proje-
processo fermentativo para utilização do hidroli- to, a hidrólise era feita em meio ácido que libera
sado do bagaço de cana-de-açúcar para a produção os açúcares, mas também produz uma série de
de polihidroxialcanoatos (PHA)”, polímero para compostos tóxicos para os micro-organismos”,
plásticos biodegradáveis, o projeto buscava ain- explica Luiziana. “Por isso, tivemos de desenvol-
da desenvolver um processo de produção destes ver uma metodologia para eliminar a toxicida-
materiais em biorreatores em escala de bancada. de do hidrolisado de bagaço e, assim, permitir o
Exemplos do dia a dia:
A pesquisadora, que também foi membro da seu uso pelas bactérias.” Apesar do sucesso, essa réguas, copo e chaveiros
equipe que desenvolveu o bioplástico a partir tecnologia ainda não é usada comercialmente. feitos de bioplásticos
A memória do
futuro Filme ferroelétrico de finíssimas
camadas poderá substituir películas
ferromagnéticas nos computadores
Yuri Vasconcelos
U
m filme ferroelétrico, constituído de Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, e o
finíssimas camadas de um material outro pelo professor Elson Longo, do laboratório
semicondutor, poderá ser utilizado também chamado Liec, da Universidade Federal
para fabricação de memórias que de São Carlos (UFSCar). Atualmente, Varela é o
equipam computadores e uma infi- diretor-presidente da FAPESP e Longo, aposen-
nidade de aparelhos eletrônicos, com vantagens tado da UFSCar, atua no Liec da Unesp.
sobre os filmes ferromagnéticos empregados O desenvolvimento do filme ferroelétrico re-
atualmente pela indústria de semicondutores na corre a um novo método relativamente simples e
produção de chips. A capacidade de armazena- de baixo custo de deposição química que utiliza
mento desse novo material, criado em meados um forno de microondas caseiro. Ele é produzi-
da década passada pelo Centro Multidisciplinar do a partir de uma solução orgânica obtida de
para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos ácidos cítricos, presentes em frutas como limão
(CMDMC), é até 250 vezes maior do que a das e laranja. Essa solução é usada para preparação
memórias convencionais. Sua durabilidade tam- de um composto sólido e com estrutura quími-
bém é imensamente superior: em torno de 300 ca polimérica, semelhante à dos plásticos, que
anos, ante cinco anos dos chips de hoje. leva bário, chumbo e titânio como ingredientes.
A novidade poderá trazer grandes benefí- O composto é levado a um forno simples, com
cios para os consumidores e novos rumos para temperatura de até 300 graus Celsius, para reti-
a indústria de informática e eletroeletrônica rada de alguns elementos orgânicos indesejáveis,
no âmbito nacional e internacional, segundo os como o carbono. Em seguida, é feita a cristaliza-
pesquisadores envolvidos. Os trabalhos foram ção do material em um aparelho de microondas
conduzidos por dois grupos de pesquisadores, doméstico para a obtenção de um filme fino de
um deles coordenado pelo professor José Arana titanato de bário e chumbo.
Varela, do Laboratório Interdisciplinar de Ele- “Tivemos que superar muitas dificuldades téc-
troquímica e Cerâmica (Liec) da Universidade nicas para conseguir desenvolver o filme ferro
C
ada célula de memória consiste
carbono materiais indesejáveis
de um único transistor de acesso
conectado a um capacitor ferroelé- 3 Um forno elimina
Ca
trico, dispositivo que armazena energia as impurezas Ca Ca Ca Ca
‘C
(2005-2009)
ada etiqueta com um chip embutido 1992. O conhecimento originado desses Modalidades
poderá custar menos de R$ 0,02”, estudos resultou na publicação de 208 1. Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão
ressalta Varela. O consumidor que artigos científicos em revistas nacionais (Cepid)
2. e 3. Auxílio Pesquisa – Projeto Temático
for às compras saberá antecipadamente e internacionais. Desde 2000, quando
Coordenadores
quanto gastou ao passar a uma distância esse Cepid foi criado, foram formados 1. Elson Longo – Centro Multidisciplinar para
de três ou quatro metros de um painel. 18 doutores e 22 mestres em materiais o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos,
Caso concorde em fi- ferroelétricos. UFSCar
2. e 3. José Arana Varela – Laboratório
nalizar a compra, antes As novidades apre- Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica,
de sair pela porta será sentadas pelas equi- Unesp
feito o débito ou crédi- Nos carros pes dos professores Investimento
to do cartão que carre- Longo e Varela, que 1. R$ 21.025.671,96 por ano para todo o
Condutor ao forno
de bismuto, ferro e oxigênio. Pode ser O mercado mundial de semicondu- Edição nº 97 – março de 2004
uma alternativa às memórias convencio- tores é bilionário e, de acordo com in- Segurança para crescer
nais, por ter baixo consumo de energia. formações da Semicondutor Industry Edição nº 72 – fevereiro de 2002
“O ponto fraco é a elevada corrente de Association (Associação da Indústria de Maior capacidade de memória
fuga, o que diminui sua aplicabilidade. Semicondutores, em português), movi- Edição nº 52 – abril de 2000
Estamos trabalhando para reduzir a mentou US$ 299,5 bilhões em 2011, um re-
corrente de fuga”, diz Longo. Segundo corde histórico. Há alguns anos, o governo
ele, até agora a principal aplicação do brasileiro tenta, sem sucesso, atrair uma
novo material, sintetizado por russos multinacional de semicondutores para o
e norte-americanos, é no desenvolvi- país. Em 2010, foi inaugurada a fábrica da
mento de sensores. Ceitec, em Porto Alegre. A estatal, ligada
A pesquisa que resultou nos filmes fi- ao Ministério da Ciência e Tecnologia, é
nos de titanato de bário e de chumbo faz apontada como o embrião da fábrica de
parte de uma corrida mundial com cer- semicondutores brasileira. n
Fragilidade
superada
Por meio da cristalização controlada, equipe
de São Carlos elabora vitrocerâmicas para
telescópios, computadores e ossos do ouvido
Yuri Vasconcelos
U
m grupo de pesquisadores da Uni- avaliado em testes clínicos em seres humanos.
versidade Federal de São Carlos Este trabalho foi feito em conjunto com a Uni-
(UFSCar) pesquisa e desenvolve versidade da Flórida. No final dos anos 1990,
há 35 anos novos materiais vítreos, uma patente foi licenciada à empresa American
entre eles as vitrocerâmicas, que Biomaterials, dos Estados Unidos. “No proces-
podem ser usados para fabricação so de patenteamento, por ingenuidade nossa,
de produtos tão distintos quanto espelhos pa- fomos identificados apenas como os inventores
ra telescópios gigantes, substratos para discos do produto e não como os titulares – aqueles que
rígidos de laptops, ossos e dentes artificiais, pi- são os detentores dos direitos sobre a patente”,
sos de luxo que imitam pedras raras, panelas lamenta Zanotto. “Tivemos um papel fundamen-
transparentes resistentes ao choque térmico e tal na inovação, mas nunca recebemos um tostão
placas de modernos fogões elétricos. O trabalho de royalties. Aprendemos uma valiosa lição e já
é liderado pelo engenheiro de materiais Edgar tomamos as devidas providências para evitar
Dutra Zanotto, coordenador do Laboratório de repetir tal erro”, lamenta.
Materiais Vítreos (LaMaV) do Departamento Outro material biocompatível criado no LaMaV
de Engenharia de Materiais (DEMa). foi o biosilicato, uma vitrocerâmica bioativa for-
Um dos produtos criados pela equipe, uma mada por silício, sódio, potássio, cálcio e fósforo.
bio-vitrocerâmica para fabricação de pequenos Concebida na forma de pó, ela se destina a tra-
ossos humanos, como o martelo, o estribo e a tamentos dentários. Quando se liga ao esmalte
bigorna, que formam o ouvido, já está sendo dentário, cura a hipersensibilidade da dentina.
relacionadas a esses desenvolvimentos foram te, que atua no setor de fotônica, e a siderúrgica
depositadas pela UFSCar, respectivamente, em brasileira Usiminas. Com esta última, a equipe
Vitrais da Notre-Dame
Além do desenvolvimento de novas vi-
O mistério da santa, agora resolvido: forma humana em uma vidraça em Ferraz de Vasconcelos (SP) trocerâmicas, o LaMaV é responsável por
contribuições relevantes nos campos da
pesquisa básica, em especial nos estudos
patente pelo INPI e aos bons relacionados à nucleação e crescimento
Um novo material, resultados do projeto, a Usi- de cristais em vidros e às propriedades
minas planeja construir uma físico-químicas de vidros. “Nossas pes-
o biosilicato, já é planta-piloto para fabricação quisas deram significativa contribuição
da vitrocerâmica. Estudos téc- para o entendimento dos processos que
produzido em pequenas nicos e de viabilidade econô- controlam a nucleação e o crescimen-
quantidades para testes mica estão sendo realizados to de cristais em inúmeros vidros. No
com essa finalidade. campo científico, descrevemos proces-
sos cinéticos e testamos, aprimoramos
DESCOBERTA ACIDENTAL e desenvolvemos diversos modelos te-
As vitrocerâmicas são um óricos”, afirma Zanotto. Um exemplo
desenvolveu uma vitrocerâmica para ser sofisticado material policristalino que se das contribuições nessa área foram dois
empregada como piso, revestimento de origina do vidro – e que sempre contém artigos publicados por Zanotto, em 1998
parede ou na decoração de ambientes, uma fase vítrea, com teor variável entre e 1999, no American Journal of Physics,
produzida a partir de escórias de aciaria, 99% e 1%. Descobertos acidentalmente o primeiro deles comentado na Scien-
um subproduto da indústria metalúrgica na empresa norte-americana Corning ce, desmontando o mito de que as igre-
com alto teor de sílica e óxidos metálicos. Glass e sintetizados pela primeira vez jas medievais como a Notre-Dame, de
O trabalho, iniciado por volta do ano em 1953, os materiais vitrocerâmicos Paris, por terem vitrais mais espessos
2000, foi realizado em parceria com o são produzidos a partir da cristalização na base do que no topo, constituem a
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento controlada de materiais vítreos, fenômeno prova de que o vidro pode fluir na tem-
da Usiminas, localizado em Ipatinga, que acontece quando o vidro, contendo peratura ambiente. Que o vidro é um
Minas Gerais. Naquela época, a siderúr- um agente nucleante dissolvido, como o líquido viscoso, o pesquisador não dis-
gica gerava cerca de 125 mil toneladas óxido de titânio, óxido de zircônio, óxido cute, mas demonstrou que para escoar a
de escórias de alto-forno e aciaria por de fósforo ou prata, é submetido a altas ponto de atingir a espessura observada
mês, um resíduo que causava enorme temperaturas, entre 500 e 1.000 graus nos templos o material levaria milhões
preocupação ambiental. “A produção de Celsius. Como resultado desse processo, e milhões de anos. A partir da análise da
vitrocerâmicas de escórias siderúrgicas ele se cristaliza parcialmente e se trans- composição de 350 vitrais medievais, ele
tem o potencial de livrar o ambiente de forma em um novo material, dotado de concluiu que as diferenças de espessura
parte desses subprodutos, bem como características diferenciadas. em questão, na verdade, decorrem ape-
miguel boyayan
permitir a substituição de rochas natu- “As vitrocerâmicas são materiais nas de defeitos de fabricação do vidro.
rais e outras matérias-primas”, afirma lisos e muito mais resistentes do que o O trabalho desenvolvido por Zanotto
Zanotto. Graças à recente concessão da vidro. Além disso, podem ser dotadas e seu grupo – integrado também pelos
Artigos científicos
De nosso arquivo
dois projetos temáticos: “Pro-
Possibilidade que blemas correntes sobre cristali-
A beleza das vitrocerâmicas
Edição nº 191 – janeiro de 2012
zação de vidros”, já encerrado, e
começa a ganhar forma: “Processos cinéticos em vidros e
Babel de vidro
Edição nº 178 – dezembro de 2010
vitrocerâmicas”, em andamento.
vitrocerâmicas feitas de Mistério desvendado
Edição nº 79 – setembro de 2002
escórias siderúrgicas Cristais em vidro
A santa das vidraças –
O LaMaV atua numa rede com- Mais um mito do vidro
posta por 30 instituições, sendo Edição nº 79 – setembro de 2002
20 internacionais, e encontra-se Muito além do vidro
no mesmo nível dos laborató- Edição nº 76 – junho de 2002
professores Ana Cândida Rodrigues e rios mantidos pelas universidades de Falta integração com a
Oscar Peitl – teve início em 1977, com Nagaoka, no Japão, de Missouri, nos indústria vidreira
a dissertação de mestrado do pesqui- Estados Unidos, de Jena, na Alemanha, Edição nº 76 – junho de 2002
sador no IFSC-USP e prosseguiu com e dos institutos privados de pesquisa Programas de bom tamanho
seus estudos de doutorado, realizados da Nippon Electric Glass, também no Edição nº 73 – março de 2002
na Universidade de Sheffield, no Rei- Japão, Corning Glass, nos Estados Uni- A defasagem entre a ciência e
a tecnologia nacionais
no Unido. Trinta e cinco anos depois, dos, e Schott Glass, na Alemanha. A re-
fotos 1, 2 e 3. Vlad fokin/Lamav/ufscar foto 4 ® Thayer Dental Laboratory, Inc
Diamantes
versáteis
Produto sintético é usado em brocas
odontológicas, para perfuração de
petróleo no mar e como bactericida
Dinorah Ereno
U
ma nova linha de 30 brocas de uso odontológico
com pontas recobertas por diamante sintético
foi lançada comercialmente em dezembro de
2002 pela empresa Clorovale Diamantes, de São
José dos Campos, no interior paulista. A broca
trazia como principal novidade o fato de fun-
cionar por vibração a partir de ondas de ultrassom, livrando
os pacientes do incômodo ruído do motor das brocas conven-
cionais que operam por rotação ultrarrápida. E a promessa de
um tratamento com menos dor, dispensando o uso da anestesia
na maioria dos casos. “Por serem mais precisas, essas brocas
de diamante não causam traumas desnecessários aos dentes”,
disse em 2002 o físico Vladimir Jesus Trava Airoldi, sócio da
Clorovale e pioneiro no desenvolvimento de diamante CVD
(sigla de chemical vapor deposition, ou deposição química na
fase vapor) sintético no Brasil.
As pesquisas com diamante sintético, um material de cor
escura e sem brilho, foram iniciadas em 1991, quando Airoldi
retomou seu trabalho como pesquisador no Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe) após concluir seu pós-douto-
rado no Laboratório de Propulsão a Jato da Agência Espacial
Norte-Americana (Nasa, na sigla em inglês), em Pasadena, na
Califórnia. “Meu propósito era encontrar um projeto na Nasa
que tivesse um grande teor científico e ao mesmo tempo um
alto teor de aplicação”, relata.
Na época, os estudos de diamantes CVD sintéticos eram
muito teóricos, não se tinha ainda a dimensão do que viria a
eduardo cesar
A
lém disso, por ser um material nasce e cresce na própria haste metálica,
com condutividade térmica mais recobrindo-a na espessura desejada. “São
elevada do que a de todos os ou- brocas que sofrem um desgaste mínimo
tros materiais conhecidos e com um com o uso e têm vida útil superior à das
grande intervalo de transmissão óptica, brocas tradicionais”, diz Airoldi. Além
que abrange desde o infravermelho até disso, sua fabricação não utiliza metais
o raio X, o diamante sintético pode ser ou outros resíduos danosos ao ambiente
empregado em ferramentas de corte e nem ao paciente, porque as matérias-
abrasão, protetores de superfícies contra -primas utilizadas são basicamente os
corrosão química, ferramentas médico- gases hidrogênio e metano.
-odontológicas, protetores ópticos e ou- A Clorovale nasceu com financiamen-
tras aplicações. “No começo da década to da FAPESP por meio de um projeto
de 1990, já se vislumbrava nos Estados na modalidade Programa Pesquisa Ino-
Unidos um mercado de bilhões de dó- vativa em Pequenas Empresas (Pipe).
lares, o que de fato ocorre hoje”, relata. Desde então, outros quatro projetos fo-
“Atualmente, cada chip de computador ram aprovados pela Fundação na mesma
tem uma base de diamante CVD porque modalidade, além de dois projetos temá-
ele dissipa mais rapidamente o calor.” ticos e três auxílios regulares a pesquisa
Inicialmente, Airoldi pensou em de- concedidos para o grupo de Airoldi no
senvolver diamantes sintéticos para a Inpe. A empresa também recebeu finan-
área espacial, como dissipadores de ca- ciamento em 2006 por meio de um pro-
lor, lubrificantes sólidos e protetores jeto de subvenção econômica à inovação
ópticos. Mas, pela ampla gama de pro- aprovado pela Financiadora de Estudos e
priedades do material, quis estender su- Projetos (Finep), do Ministério da Ciên
as aplicações para produtos usados no cia e Tecnologia.
dia a dia. A escolha da odontologia co-
O
mo primeira aplicação industrial para o pesquisador tem hoje 12 paten-
diamante foi fruto de uma estratégia que tes depositadas relacionadas a
considerou o fato de os dentistas serem diamantes sintéticos. A patente
profissionais que apreciam ter um dife- do diamante CVD já foi concedida nos
rencial tecnológico no consultório para Estados Unidos, Europa, Austrália, Japão
atender melhor os pacientes. e China. “A adesão do diamante à área
Para produzir as pontas de diamante metálica é a parte mais importante do
sintético destinadas às brocas odonto- invento, o objeto da patente”, relata Ai-
lógicas, Airoldi criou em 1997 a empre- roldi. Seu grupo de pesquisa, composto
sa Clorovale Diamantes. Acopladas a por cerca de 30 pessoas, entre pesqui-
aparelhos de ultrassom em substituição sadores, alunos e pós-doutorandos, já
aos tradicionais de rotação, elas são hoje publicou mais de 150 artigos científicos
vendidas para o mercado interno e exter- sobre diamantes. Como reconhecimento
no. “Somos a única empresa no mundo pelo seu trabalho, em dezembro do ano
a empregar o diamante CVD na área de passado Airoldi recebeu o Prêmio Finep
Interior do reator
odontologia”, diz ele. de Inovação 2011 na categoria Inventor
onde crescem os O diamante CVD é produzido em pe- Inovador. Recebeu também, na mesma
diamantes quenos reatores, como uma cobertura na ocasião, o prêmio de melhor invento
A
tungstênio câmara
de quartzo de deposição
depósito
gás plasma Clorovale fabrica atualmente mais
substrato substrato onde
onde cresce cresce o filme de 30 modelos de pontas, desen-
de diamante
refrigeração o diamante
cristalino amorfo volvidos a pedido de dentistas e
medidor
professores de odontologia. Elas são usa-
H2o
Fonte de
de vácuo das para remoção de cáries, de resina e
Bomba
alta tensão amálgama, no desgaste de dentes, no aca-
Bomba
de vácuo escape de gases bamento de obturações e até em cortes
de gases
ósseos para implante de dentes – e aju-
daram e inspiraram novos cursos. “O pri-
Diamante cristalino Diamante amorfo meiro curso de odontologia ultrassônica
Metano (CH4) e hidrogênio (H2) Metano, nitrogênio (N2) e ar se do país foi criado na Universidade de São
são aquecidos em uma câmara. misturam em reatores gigantescos, Paulo em Bauru”, diz Airoldi. A USP de
Os diamantes crescem em que permitem a produção de Bauru tem hoje dois cursos, um na área
pequenos reatores sobre uma milhares de peças de cada vez. de dentística e outro na de odontopedia-
superfície metálica e chegam Cada diamante pode ter mais de tria. Outros cursos similares são dados
a no máximo 300 milímetros. 1.000 milímetros. na Faculdade de Odontologia da USP
de São Paulo, na Faculdade de Odonto-
logia da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) em Araraquara e São José dos
mundial, concedido pela World Intel- sem esmagar a dentina, região onde fi- Campos, ambas no interior paulista, e
lectual Properties Organization (Wipo). cam os filamentos nervosos que dão mais mais recentemente na Escola Paulista
Mesmo cercado de bons predicados, o sensibilidade ao dente. de Medicina Oral em São Paulo.
produto inovador só conseguiu conquis- Além da broca com ultrassom para Além das brocas odontológicas, a tec-
tar o mercado depois de um longo cami- odontologia, na época a empresa desen- nologia CVD é usada no Brasil em bro-
nho. “Enfrentamos muitas dificuldades volveu uma outra de rotação conven- cas para perfuração do fundo do mar na
quando começamos a vender o nosso cional com ponta de diamante CVD. A busca por petróleo. Nesse caso, pequenos
produto”, diz Airoldi. As vendas só co- técnica para recobrir as duas brocas é tarugos de diamante sintético são incor-
meçaram a se fortalecer em 2009, quan- similar. O diferencial consiste na forma porados no corpo da broca por meio de
do a empresa passou a exportar o pro- de atuação da ponta no dente, por rotação soldas ou processos especiais. Inicialmen-
duto após receber a aprovação da União ou vibração. “Como na época a obtenção te a broca foi testada para perfuração de
Europeia. Na avaliação do pesquisador, do diamante pelo processo CVD era mui- poços de água. Além de cortar 30% mais
o demorado tempo de resposta se deve to cara, decidimos focar a produção ape- rápido e dar mais estabilidade ao eixo de foto eduardo cesar infográfico tiago cirillo, fonte: Vladimir Airoldi/CLOROVALE
ao fato de os consumidores resistirem à nas nas brocas com pontas acopladas a perfuração do que a convencional com pó
inovação tecnológica brasileira. “Mesmo aparelhos de ultrassom, que consistia em de diamante nas pontas, a broca mostrou
fora do Brasil, pelo diferencial da nossa uma novidade no mercado”, diz Airoldi. ser duas vezes e meia mais durável. Dian-
tecnologia não é tão simples apresentá-la te dos resultados, a Petrobras testou a tec-
Q
ao potencial consumidor”, diz. uase dez anos se passaram des- nologia com um protótipo especialmente
Antes de serem introduzidas no mer- de que a Clorovale colocou seus desenvolvido para poços profundos de
cado, as novas brocas foram testadas por produtos no mercado. Nesse pe- petróleo, com resultado considerado sa-
cerca de 500 dentistas e os resultados se ríodo, novos materiais foram incorpo- tisfatório. Outros testes estão previstos
mostraram bastante promissores. Segun- rados à rotina dos consultórios – como para serem conduzidos com dois novos
do Airoldi, profissionais que testaram o resinas e materiais cerâmicos que ne- protótipos encomendados pela Petrobras.
produto antes do seu lançamento con- cessitam de pontas mais eficientes nas A Clorovale se dedica a uma linha de
cluíram que o tratamento era indolor em brocas de rotação – e o diamante CVD pesquisa com diamantes sintéticos chama-
mais de 70% dos casos, porque a broca se tornou mais competitivo em termos dos de amorfos. Enquanto os cristalinos
atinge a cavidade dentária pela vibração, de custos em comparação com o tra- têm uma estrutura organizada de átomos
motivaram a
permitem a produção de milha-
res de peças de cada vez. 1. Novos materiais, estudos e aplicações
inovadoras em diamante-CVD e Diamond-Like
O criação de
Carbon (DLC) – nº 2001/11619-4 (2002-2007)
DLC, mesmo não sen- 2. Diamante-CVD para um novo conceito de
do tão duro como o dia- ferramentas de alto desempenho para perfuração
e corte – nº 2006/60821-4 (2007-2010)
cursos para
mante cristalino, tem 3. Filmes de DLC para aplicações em superfícies
propriedades extremamente antibacterianas, antiatrito, espaciais, industriais e
interessantes, como alta ade- para tubos de perfuração de poços de petróleo –
dentistas
nº 2006/60822-0 (2007-2010)
rência em superfícies metáli-
Modalidades
cas, além de ser um bactericida 1. Projeto Temático
e biocompatível. A propriedade 2 e 3. Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas
bactericida é uma das mais im- (Pipe)
portantes e pode ser melhorada quando testado para aplicação em ferramentas Coordenadores
1. Vladimir Jesus Trava Airoldi – Inpe/Clorovale
se faz a incorporação em sua estrutura utilizadas em implantes ósseos na orto- 2. Leônidas Lopes de Melo – Clorovale
de nanopartículas bactericidas. “Quan- pedia e para revestimento de bandejas 3. Alessandra Venâncio Diniz – Clorovale
do o diamante amorfo DLC é aplicado usadas para transportar instrumental Investimento
em instrumentos médicos ou peças de cirúrgico em hospitais. 1. R$ 576.456,12
2. R$ 550.661,41
transplantes, ele funciona também como Segundo ele, o diamante amorfo DLC 3. R$ 505.917,65
inibidor de formação de coágulos san- pode ser utilizado para revestimento de
guíneos”, diz Airoldi. Um dos projetos qualquer dispositivo ou instrumento de
Artigo científico
em andamento nessa linha de pesquisa é aço inoxidável. Ao receber uma fina cama-
o seu uso para revestimento de válvulas da do produto, o aço adquire propriedades Marciano, F. R. et al. Oxygen plasma etching of
do coração e em coração artificial. A Uni- como baixo coeficiente de atrito e torna- silver-incorporated diamond-like carbon films.
Thin Solid Films. v. 517, n. 19, p. 5739–42, 2009.
versidade Federal de São Paulo (Unifesp) -se bactericida, além de ficar protegido
de São José dos Campos, a Universidade contra a corrosão química e o desgaste
do Vale do Paraíba (Univap), também mecânico. Na área espacial, o diamante De nosso arquivo
de São José dos Campos, o Hospital das amorfo estará na plataforma multimissão Trajetória vitoriosa
Clínicas da Universidade de São Paulo, de todos os satélites brasileiros. “Não im- Edição nº 192 – fevereiro de 2012
entre outros, são parceiros da Clorova- portamos mais lubrificação sólida, tudo é Sem medo do motorzinho
le nessa pesquisa. O produto está sendo feito no laboratório do Inpe.” n Edição nº 78 – agosto de 2002
Desafios em
águas profundas
Estudos da dinâmica de plataformas e tubulações apoiam avanços
na exploração de petróleo em alto-mar
Igor Zolnerkevic
Plataforma P-37,
campo Marlim Sul,
bacia de Campos:
trabalho em equipe
para evitar o
movimento provocado
por ventos
e correntezas
de óleo e gás do mundo todo e frequentemente realizando testes de prospecção de longa dura-
estão envolvidos em investigações que geram ção. No sistema, todas as dezenas de amarras se
inovações e patentes”, afirma Luiz Levy, geren- conectam na torreta – um único eixo vertical
te de tecnologia de otimização de operações e de 10 metros de diâmetro que trespassa o na-
logística do Cenpes. vio, em torno do qual a embarcação pode girar.
A
alternativa ao sistema torreta é espalhar IPT e Petrobras, bem como da Universidade de
as amarras por toda a extensão da em- Cornell, nos Estados Unidos, do Imperial Colle-
barcação. Nos anos 1990, pesquisadores ge e da Universidade de Southampton, no Reino
da Petrobras desenvolveram um novo sistema de Unido, e do Centro Aeroespacial Alemão.
amarração espalhada, o Dicas (sigla em inglês
para sistema de ancoragem de tensionamento
diferenciado), no qual são usadas linhas de ma-
teriais de rigidez diferentes (aço ou poliéster, por Quase sem oscilar em alto-mar
exemplo), distribuídas ao redor da plataforma de
acordo com as direções dos ventos e das corren- Cabos de ancoragem
tezas da região do poço. “Nossas pesquisas desse reduzem a vibração das
período contribuíram para a adoção do sistema plataformas
Dicas, bem como o uso de cabos de poliéster,
iniciados no Brasil e hoje utilizados no mundo
todo”, lembra Kazuo Nishimoto, o responsável Plat
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do projeto pela implementação dos modelos ma- Área
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temáticos em simulações computacionais. ní
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pesquisadores da Petrobras, IPT, USP, UFRJ e Ris
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outras universidades brasileiras. As simulações 00
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4.
computacionais cada vez mais sofisticadas cria-
Sa
das pelo grupo do TPN se mostraram essenciais Oscilação
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6.
para o projeto das plataformas brasileiras, desde
a semissubmersível P-18, inaugurada em 1994,
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Pe
O
(2002-2006)
como são de fato os risers pendendo de uma pla- s recursos do projeto permitiram a Ara-
Modalidade
taforma em alto-mar. Quando uma correnteza nha e seus colegas equipar o Núcleo de 1. 2. e 3. Projeto Temático
passa pelo tubo, o escoamento da água ao redor Dinâmica de Fluidos (NDF) da Poli com Coordenadores
dele forma uma série de vórtices tubulares, que clusters de computadores e construir um tanque 1. Hernani L. Brinati – USP
se desprendem um de cada lado do tubo de for- de água recirculante, idêntico a um existente no 2. e 3. José A. P. Aranha – USP
ilustração poli/usp infográfico tiago cirillo, fonte: petrobras foto Prof. Dr. Gustavo R. S. Assi
Métodos refinados
Programa capaz de processar informações em sequência com vários
computadores ajuda a aprimorar produção das refinarias
Evanildo da Silveira
U
ma colaboração da maior empresa diz. “Criamos um software que vem evoluindo até
0,25
brasileira, a Petrobras, com a Uni- hoje e é usado por nós e pela Petrobras.”
versidade de São Paulo (USP) e a Schiozer afirma que os modelos numéricos
Universid ade Estadual de Campi- criados para prever a produção de petróleo têm
nas (Unicamp) iniciada há mais de muitas incertezas, pois se desconhece grande
15 anos continua rendendo frutos. Uma solução parte das variáveis dos reservatórios, como pro- dólar por barril
de software capaz de processar informações em priedades de rochas e fluidos. “Por isso, os enge-
sequência com vários computadores, para analisar nheiros, geólogos e geofísicos fazem o modelo
de petróleo
o histórico do comportamento de antigos reser- inicial e, à medida que o reservatório produz, ele é refinado
vatórios de petróleo e gás, é um desses resultados, calibrado para reproduzir a resposta real”, diz ele.
assim como a criação de um grupo de pesquisa “Com isso, obtém-se uma previsão de produção
é o ganho
na área de simulação numérica e gerenciamento mais confiável e em menor tempo. Antes, eram adicional
de reservatórios de petróleo e a instalação de um necessários até seis meses para serem feitas as
centro de excelência em automação industrial. previsões de extração. Com o novo sistema esse
proporcionado
Foram inicialmente dois projetos, um da Uni- prazo foi reduzido para poucas semanas.” pelo novo
camp e outro da USP, apoiados pelo Programa de O trabalho no departamento de engenharia
Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tec- química da Escola Politécnica (Poli) da USP re-
software
nológica (Pite) da FAPESP, um com início em 1996 sultou em um software usado para otimizar a
e outro em 1997, ambos em parceria com a Petro- produção das refinarias de petróleo da Petrobras.
bras. Denis José Schiozer, professor da Faculda- “O objetivo era conseguir a maior produção pos-
de de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, sível com o menor custo”, diz Claudio Oller do
conta que o objetivo de sua equipe era criar uma Nascimento, coordenador do projeto. “Com o
forma de distribuir simulações de reservatórios programa que desenvolvemos foi possível fazer
em redes de máquinas para uma aplicação espe- uma otimização integrada de todos os processos
cífica. Trata-se da calibração de modelos numé- e operações do refino de petróleo.”
ricos de previsão de produção de petróleo, que O software da USP atualizou e aperfeiçoou o
consome muito tempo e esforço computacional. Sistema de Controle Avançado da Petrobras (Si-
“Hoje, isso é feito com frequência e em clusters de con). O resultado prático foi um ganho adicio-
computadores, mas na época era uma novidade”, nal de US$ 0,25 por barril de petróleo refinado.
Os projetos
1. Paralelização de ajuste
do histórico de produção
em rede de estações
usando PVM (Parallel Virtual
Machine, ou Máquina
Paralela Virtual) –
nº 1995/03942-7
(1996-1999)
2. Desenvolvimento da
Otimização Integrada
das Unidades de uma
Refinaria de Petróleo –
Hoje, o total desse ganho extra, nas 11 refinarias novos algoritmos de controle preditivo”, diz An- nº 1996/02444-6
da empresa no país e quatro no exterior, chega a tonio Carlos Zanin, consultor sênior do Cetai e (1997-2001)
US$ 80 milhões por ano. Isso ocorre porque esse funcionário da empresa há 29 anos. As tecnologias Modalidade
1. e 2. Programa Parceria
programa de computador otimiza as operações desenvolvidas no centro visam melhorar a produ- para Inovação Tecnológica
de refino e torna possível extrair do petróleo mais tividade e a lucratividade de processos industriais (Pite)
derivados nobres, com maior valor agregado. da companhia por meio de ferramentas avançadas Coordenadores
de engenharia de processo e automação. 1. Denis José Schiozer –
Faculdade de Engenharia
Colaboração antiga O Cetai funciona como uma refinaria virtual e Mecânica (FEM), Unicamp
A relação entre a USP e a Petrobras vem desde simula o funcionamento de uma unidade indus- 2. Cláudio Augusto Oller do
1988. “Durante três anos”, relata Nascimento, trial real. “Desenvolvemos modelos matemáticos Nascimento – Escola
Politécnica, USP
“formamos 42 engenheiros de automação para de vários tipos e complexidade, continuamente
Investimento
refinaria.” Eram funcionários da Petrobras que ajustados para representar o comportamento 1. R$ 184.667,97 (FAPESP)
todas as semanas tiravam dois dias para estudar das unidades da Petrobras, avaliar o seu desem- e R$ 261 mil (Petrobras)
no departamento de química da Poli. O projeto penho, prever a trajetória futura e determinar 2. R$ 266.786,21 (FAPESP)
e R$ 573 mil (Petrobras)
do Pite de 1997 evoluiu para a criação do Centro as melhores opções de parâmetros e condições
de Excelência em Tecnologia de Aplicação em operacionais delas”, explica Zanin.
Automação Industrial (Cetai), em 2000, por meio Na Unicamp, um dos desdobramentos do traba- Do nosso arquivo
de um termo de cooperação entre a empresa e a lho com a empresa foi a criação do Unisim, gru- Projetos entre o mundo
Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo po de pesquisa que completou 15 anos em 2011 e acadêmico e o empresarial
(Fusp). Com 225 metros quadrados, o centro fica desenvolveu com a Petrobras vários modelos de têm bons resultados
Edição nº 58 –
dentro do departamento de engenharia química simulação para prever produção de petróleo de outubro de 2000
da Poli; um de seus principais objetivos é trans- forma mais confiável. Segundo Schiozer, coorde-
Unicamp e Petrobras
formar pesquisa e desenvolvimento em tecnologia nador do Unisim, as aplicações mais comuns são elaboram software
de otimização do refino de petróleo. metodologias de ajuste de estratégia de produção para controlar reservatórios
O Cetai reúne várias áreas da Petrobras em e de avaliação de riscos ligados à lucratividade. Edição nº 51 –
ricardo azoury/pulsar
março de 2000
atividades de pesquisa, desenvolvimento e ensi- “O investimento inicial rendeu frutos tão po-
no de tecnologias de automação industrial. “Em sitivos que a Petrobras vem financiando o nosso O salto tecnológico
da Petrobras
conjunto com a USP, foram organizados cursos grupo há 15 anos e já temos um novo acordo por Edição nº 37 –
de especialização em otimização e a criação de mais quatro anos”, comemora Schiozer. n novembro de 1998
Mil e uma
aplicações
Projetos em colaboração viabilizam novos
usos das ciências da computação em energia,
saúde, design, antropologia e outros campos
Prevenir a cegueira
Jacques Wainer, professor do Instituto
de Computação da Unicamp, também
tenta desenvolver uma tecnologia ainda
inexistente no país. Aprovado na segun-
da chamada pública lançada pelo insti-
tuto, seu projeto Triagem automática
de retinopatias diabéticas: Tecnologia da
Informação contra a cegueira prevenível
busca desenvolver um software capaz de
detectar alterações em imagens de fundo
de olho de pessoas, indicativas de reti-
nopatia diabética, doença causada pelo
diabetes e que pode levar à cegueira.
Desenvolvido em parceria com a sediadas na Vila União e
Universidade Federal de São Paulo seu entorno em Campi-
(Unifesp), o trabalho começou no fim Uma nova rede social nas”, conta Maria Cecília.
de 2008 e terminou em julho de 2011, A ideia é que elas consi-
com financiamento de cerca de R$ 300 facilita o acesso e a gam facilmente compar-
mil do instituto. Segundo Wainer, fo- tilhar informações, como
ram analisadas cerca de mil imagens
participação de pessoas troca de produtos, servi-
de 400 pacientes. Os resultados obti- com baixa escolaridade ços e outras atividades.
dos ainda precisam ser aperfeiçoados, Depois de suas expe
no entanto. “Nós desenvolvemos uma riências à frente desse
técnica de direção de anomalias que trabalho, Maria Cecília fir-
é incomum na área de processamen- mou a convicção de que é
to de imagens médicas, que tem certas De acordo com ela, esse desafio é úni- inegável a importância de institutos como
vantagens, mas também algumas des- co, pois não existem experiências no ex- o Microsoft Research-FAPESP para a ciên
vantagens”, explica. “O software que terior nas quais se inspirar. Maria Cecília cia no Brasil. “Principalmente pelo fato
desenvolvemos detecta as anomalias lembra ainda que o design das redes so- de olhar para os projetos a partir de duas
mais frequentes em pacientes de reti- ciais hoje disponível não tem a preocu- perspectivas”, diz, “sendo uma alinhada à
nopatia diabética, mas ainda não todas. pação de facilitar o acesso de todos os pesquisa internacional na área de conhe-
E as taxas de acerto em detectar essas segmentos da população. “Para nós, as cimento em questão e outra que situa os
anomalias ainda não estão comparáveis soluções do design de sistemas interati- benefícios esperados e os avanços científi-
com os melhores resultados publicados vos e suas interfaces devem ser pensadas cos no contexto do país e da sociedade na
na literatura.” no contexto cultural do grupo social em qual os problemas têm relevância direta.”
questão”, explica. “Por isso, pensamos
Inclusão social em criar uma interface que torna possí- Valor do método abstrato
O projeto E-cidadania: sistemas e méto- vel que as pessoas olhem para a tela do Para o físico Ricardo Vencio, da USP de
dos na constituição de uma cultura me- computador e saibam o que fazer, que Ribeirão Preto, a importância desse ins-
diada por tecnologias de informação e consigam entender e usar o sistema pa- tituto é enorme. “Ele fomenta algumas
comunicação, por sua vez, busca desen- ra se comunicar e trocar informações.” áreas que, se deixadas somente com o fi-
volver a arquitetura e o design de redes Aprovado na primeira chamada, o pro- nanciamento tradicional, não receberiam
sociais virtuais, que possibilitem a in- jeto recebeu financiamento de R$ 228 mil atenção”, diz. “Em geral, os acadêmicos
clusão de qualquer cidadão, mesmo os do Instituto Microsoft Research-FAPESP tendem a ficar satisfeitos com o proof-
analfabetos ou com baixo letramento. e foi realizado entre novembro de 2007 -of-principle. Entidades como a Micro-
“Um dos grandes desafios da compu- e abril de 2010. Um dos seus principais soft Research sabem o valor que tem um
tação hoje em dia é a busca de métodos resultados é a criação de uma rede social método abstrato se transformar numa
e design de sistemas que possibilitem o inclusiva, que pode ser acessada no ende ferramenta real e usável por outros. Essa
acesso de todos e façam sentido princi- reço eletrônico www.vilanarede.org.br, sinergia de visões, no nosso caso, possibi-
palmente para aqueles em desvantagens com a participação ativa de pessoas co- litou o financiamento de um estudo que,
no alcance ao conhecimento”, diz Ma- muns incluindo digitalmente analfabetos sem esse espírito, talvez ficasse na gaveta
ria Cecília Baranauskas, professora do e pessoas com baixo letramento. “Ela foi para sempre por falta de apoio.”
Instituto de Computação da Unicamp desenvolvida em conjunto pelo grupo de Segundo Brito Cruz, diretor científico
e coordenadora do estudo. pesquisa e as comunidades parceiras, da FAPESP, com a criação do instituto,
Fios mais
finos
Físicos desenvolvem fibras ópticas que podem
interligar circuitos nos computadores do futuro
Marcos de Oliveira
N
inguém percebe e poucos sabem que “Essas micro e pequenas fibras poderão servir
qualquer envio de e-mail para fora no futuro para interligar ou funcionar como filtro
do país ou o acesso a um site norte- nos circuitos de computadores quando a luz de
-americano, por exemplo, é feito via lasers poderá ser empregada no lugar dos chips
cabos de fibras ópticas. Esses finos tubinhos atuais”, diz o professor Cristiano Monteiro de
feitos de sílica purificada de areia transportam Barros Cordeiro, coordenador do projeto que in-
as informações de um lado para outro por meio tegra o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica
da luz de lasers. Agora o mesmo princípio começa (Cepof ) de Campinas, liderado pelo professor
a ser usado para a concepção dos computadores Hugo Fragnito e financiado pela FAPESP dentro
do futuro em uma tendência tecnológica que do Programa de Centros de Pesquisa, Inovação
propõe o uso de circuitos totalmente feitos de e Difusão (Cepids).
luz. A ideia é usar micro e nanofibras ópticas As novas fibras podem medir até quinhentas
para a interligação dos circuitos computacionais vezes menos que um fio de cabelo, ou 500 nanô-
que estão por vir. Trata-se de dispositivos que metros (1 nanômetro igual a 1 milímetro dividi-
são estudados no Brasil e já foram elaborados do por 1 milhão). As fibras comerciais são bem Pequenos tubos de
vidro que, depois
no Laboratório de Fibras Especiais (LaFE) do maiores, com diâmetros de 125 mícrons, portanto de aquecidos , são
Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da um pouco maiores que um fio de cabelo. “O uso transformados em
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). das micros e nanofibras ainda é um exercício de fibras de vidro
O
perspectiva de consumir menos energia estudo e concepção de fibras óp- tra. Mas não para grandes distâncias,
e aquecer pouco o sistema, uma qualida- ticas e demais segmentos das co- porque possuem no seu interior uma
de importante para a principal função a municações por meio de laser microestrutura de buracos de ar, múl-
que elas são candidatas, a de interligar já podem ser considerados uma tradi- tiplos núcleos e novos materiais que as
chips e demais circuitos dentro de um ção nos laboratórios do IFGW da Uni- direcionam a outras aplicações, como
computador. Algumas das novas fibras camp. Foram lá que surgiram, no final usos em equipamentos industriais, re-
têm diâmetro de 1 mícron, portanto, são dos anos 1970, as primeiras fibras ópticas lógios de precisão, sensores, aparelhos
menores que o comprimento de onda no Brasil, ainda uma novidade mesmo de diagnóstico médico ou ainda para in-
dos feixes de laser típicos desses dis- nos países mais avançados em tecnologia. tegrar dispositivos eletrônicos.
positivos, de 1,5 mícron, usados nas co- A primeira surgiu exatamente em 1977 e As fibras de cristal fotônico, já fabri
municações ópticas atuais. Assim, parte teve a liderança dos professores Rogé- cadas por empresas na Europa, estão
da luz fica do lado de fora da parede da rio Cerqueira Leite, José Ripper Filho sendo usadas, por exemplo, no interior
fibra, mas a onda luminosa continua a e Sergio Porto. Eles trabalharam como de novas fontes de luz e nos amplifica-
acompanhar o comprimento do dispo- pesquisadores no Bell Labs, nos Estados dores de comunicação óptica para recu-
sitivo. “Se essa parte de luz que fica para Unidos, centro de pesquisa responsável perar os sinais em redes de transmissão.
fora ajuda ou atrapalha a interconexão pela invenção dos transistores e do laser Os estudos do IFGW na área de fibras
óptica futura ainda é uma questão aber- e onde foram realizados os primeiros microestruturadas incluem a parceria
ta em todos os grupos mundiais que es- testes com fibras ópticas. Perceberam a com a Universidade de Bath, na Inglater-
tudam essas fibras”, diz Cordeiro, que novidade que se formava naquele centro ra, onde surgiu a primeira fibra de cris-
se dedica ao estudo desse tipo de fibra de pesquisa com o uso de laser e fibras tal fotônico, a Universidade de Sydney,
óptica desde 2009. Entre esses grupos nas telecomunicações e trouxeram para na Austrália, e o Max Planck Institute
estão a Universidade de Southampton, a Unicamp a ideia inovadora. for the Science of Light, em Erlangen,
no Reino Unido, e o OFS Laboratories, As etapas seguintes desses estudos na Alemanha.
dos Estados Unidos, ligado à empresa tiveram a participação dos professores Em 2007, pesquisadores da Unicamp,
Furukawa, do Japão. Hugo Fragnito, Carlos Henrique de Brito em parceria com colegas de outras ins-
Outra função dessas fibras é o uso Cruz, atual diretor-científico da FAPESP, tituições, elaboraram e depositaram três
como sensor óptico, aspecto que foi e Carlos Lenz, pesquisadores que já tra- patentes relativas às fibras de cristal
objeto de um depósito de patente no balharam no Bell Labs. “O Bell Labs era fotônico. A primeira trata da estrutura
Instituto Nacional de Propriedade In- um ambiente em que se discutia muito desses tubinhos finos de vidro. Em relação
dustrial (INPI) no final de 2011. O grupo o futuro e indicava o que tínhamos que às tradicionais, elas possuem arranjos de
miguel boyayan
produziu uma fibra com 50 vezes mais estudar hoje e o que seria importante buracos internos que correm em paralelo
sensibilidade à tração mecânica que as nas próximas décadas”, diz Fragnito. ao eixo da fibra e por todo o comprimento
O
s pesquisadores da Unicamp e para fazer sensoriamento químico na
do Laboratório de Comunicações detecção de vazamentos em indústrias
Ópticas e Fotônica da Universida- ou ainda em poços de petróleo”, diz
de Presbiteriana Mackenzie, de São Pau- Cordeiro, que, depois de se doutorar na
lo, aplicaram novos buracos em torno do Unicamp, fez um pós-doutorado no la-
núcleo para uma fibra que funcione como boratório do criador das fibras de cris-
um sensor biológico ou químico. Assim, a tal fotônico, o britânico Philip Russell,
luz percorre o seu caminho tradicional e na Universidade de Bath, na Inglaterra.
deixa entrar em furos laterais o material, Russell trabalha atualmente no Instituto
como gases ou líquidos, a ser analisado. A Max Planck, na Alemanha.
análise acontece com a difração de parte A terceira patente, também elabo-
da luz que viaja do núcleo para a casca da rada em parceria com a Universidade
fibra e encontra o material. Mackenzie, é sobre uma fibra de cristal
fotônico com núcleo e casca (a parte da
fibra que envolve o núcleo) preenchi-
dos com diferentes líquidos como água
Diversidade funcional ou etanol. Os pesquisadores utilizaram
água na casca e uma mistura de água e
Propriedades das fibras variam de acordo com a forma glicerina no núcleo sem que se misturas-
sem. O emprego dessa fibra destina-se às
áreas de sondagem e sensoriamento, co-
mo, por exemplo, para realizar a análise
espectroscópica de líquidos, para medir
a emissão ou absorção de radiações ele-
tromagnéticas de uma substância.
fotos 1. ifgw-unicamp 2. universidade de bath 3. ifgw-unicamp 4. cristiano cordeiro 5 e 6. glaudecir biazoli/ifgw-unicamp 7. marcelo gouveia/ifgw-unicamp
utra conquista no âmbito da pes-
quisa em transmissões fotônicas
1 2
foram os experimentos de um
amplificador para linhas de transmis-
sões ópticas. Nos últimos anos, o grupo
de Fragnito conseguiu bater recordes
mundiais entre 2007 e 2009 em rela-
ção à capacidade da largura da banda
de transmissão de um amplificador ela-
borado na Unicamp. Ele foi capaz de re-
ceber e transmitir vários sinais de laser
ao mesmo tempo num amplo espectro
3 4 de ondas eletromagnéticas voltadas pa-
Quantidade de túneis nas microestruturas regulam a passagem da luz nas fibras de cristal fotônico ra a transmissão de dados e telefonia,
o que não acontece nos equipamentos
convencionais.
Esses amplificadores têm a função de
reforçar o sinal de luz que percorre o in-
terior das fibras, principalmente entre
cidades e nas conexões internacionais
ao longo de um percurso – entre 20 e 100
quilômetros. Ele recupera a onda lumino-
sa, que perde potência ao longo da trans-
missão. O avanço tecnológico dos novos
5 6 amplificadores é imprescindível para au-
Nanofibras experimentais (imagem 5) poderão servir para integrar chips de computadores; mentar a capacidade e a velocidade do
algumas versões incluem o uso de bactérias (imagem 6) sistema de telecomunicações e diminuir
os custos de implantação de novas redes.
A nova geração do amplificador ópti- transmitir dez vezes mais, ou seja, 40 Tb/s
co é chamada de Fiber Optic Parametric por fibra ou, para dar uma ideia do que is- OS PROJETOS
Amplifier (Fopa), ou amplificador para- so significa, praticamente todo o tráfego 1. Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica
métrico de fibra óptica, e estudada na de internet passando por uma única fibra. (CePOF) de Campinas – nº 2005/51689-2
Unicamp da mesma forma que em outros Hoje, isso parece muito, mas em poucos (2006-2012)
2. Fotônica para comunicações ópticas
centros, como no Bell Labs, atualmente anos será insuficiente para atender ao cres- nº 2008/57857-2 (INCT) (2009-2014)
da empresa Alcatel-Lucent, universidades cimento. Se em vez de um núcleo por fibra Modalidade
Stanford e Cornell, nos Estados Unidos, e pudéssemos ter mais seis, somando sete, 1. Centros de Pesquisa (Cepids)
de Tecnologia Chalmers, da Suécia, além a capacidade de transmissão seria de 280 2. Projeto Temático
de companhias japonesas e francesas. Tb/s em uma fibra óptica”, diz Fragnito. Coordenador
1. e 2. Hugo Fragnito – Instituto de Física da
O conhecimento gerado no novo ampli-
P
Unicamp
ficador poderá evitar congestionamentos ara ele, os grandes desafios para Investimento
futuros da internet. Para Fragnito, nin- permitir o crescimento da internet 1. R$ 1 milhão por ano para todo o Cepof
guém sabe ao certo as aplicações que vão nos próximos 15 a 20 anos estão em 2. R$ 2.950.799,01
ser necessárias no futuro. “O que sabemos aumentar a capacidade das redes por um
é que será preciso passar, de forma rápida, fator entre 100 e 1.000, reduzindo o cus- Artigos científicos
filmes ou televisão com a maior resolução to, tamanho e consumo energético dos
1. Chavez Boggio, J. M. et al. Spectrally flat and
possível. Em algumas situações, a capaci- equipamentos de rede pelo mesmo fator. broadband double-pumped fiber optical
dade de transmissão atual está chegando “Para isso, no Fotonicom, além dos Fopas parametric amplifiers. Optics Express. v. 15, n. 9,
ao limite. Uma ideia circulante em estu- e das fibras multinúcleo, apostamos na p. 5288-309, 2007.
dos de comunicações ópticas é que cada óptica integrada, incorporando centenas 2. Chesini, G. et al. Analysis and optimization of
fibra possua mais núcleos independentes, de lasers, amplificadores, receptores e an all-fiber device based on photonic crystal fiber
with integrated electrodes. Optics Express. v. 18,
cada um com vários comprimentos de outros dispositivos num pequeno chip nº 3, p. 2842-48, 2010.
onda”, diz Fragnito, que, além do Cepof, com alguns mícrons.”
coordena o Instituto Nacional de Ciên- As comunicações ópticas avançam pa-
De nosso arquivo
cia e Tecnologia (INCT) de Fotônica de ra dar suporte às novas mídias e à inter-
Comunicações Ópticas (Fotonicom), que net. A conversão dos sinais elétricos para A força da fibra
recebe financiamento da FAPESP e do os de luz é caminho sem volta e só vai Edição nº 81 – novembro de 2002
Conselho Nacional de Desenvolvimento ser definitivamente estruturado quan- Luz na dose certa
Científico e Tecnológico (CNPq). do todas as transmissões e circuitos se Edição nº 106 – dezembro de 2004
“Com a tecnologia atual é possível trans- tornarem possíveis via fibras ou novos Filamentos versáteis
mitir 40 canais de laser e cada um pode guias ópticos. “Ainda temos problemas Edição nº 147 – maio de 2008
ter 100 gigabits por segundo (Gb/s) do que bem difíceis em relação às fibras ópticas Feixes Multiplicados
resulta em 4 terabits por segundo (Tb/s) que se transformam em desafios cientí- Edição nº 169 – março de 2010
Idéia ou ideia?
Ferramentas compatíveis com as versões atuais do pacote
Office são licenciadas pela Techno para a Microsoft
A
última grande mexida se deu Já o grupo de pesquisa do Núcleo da O princípio
em 2009. Foi por conta da USP, que participou ativamente do pro- O software de revisão gramatical para a
introdução da reforma or- jeto, segue investindo em vários estudos língua portuguesa nasceu como parte dos
tográfica que, por exemplo, ligados ao processamento computacional projetos de pesquisas em que a FAPESP
deixou a escrita da língua da língua portuguesa, como informa a financia de 20% a 70% da iniciativa, no
portuguesa sem o trema. Mas isso já foi professora. “O projeto do Revisor Grama- âmbito do Programa de Apoio à Pesquisa
feito por uma empresa privada, longe tical foi, sem dúvida, precursor de todo o em Parceria para Inovação Tecnológica
do campus universitário. Consolidado e desenvolvimento dessa área no Brasil.” (Pite), sempre com a contrapartida da em-
bem-sucedido, o Revisor Gramatical Au- As ferramentas de revisão (ortográ- presa interessada. Quanto maior o risco
tomático para Português – desenvolvido fica, gramatical, hifenizador, dicionário do projeto, maior é a parte da FAPESP. Es-
em parceria entre o Núcleo Interinsti- de sinônimos) são de propriedade da sa linha de investimento é consequência
tucional de Linguística Computacional Itautec e foram trabalhadas em conjunto da crescente consciência de que o ritmo
da Universidade de São Paulo (USP), do com a USP. Após o término do convênio de inovação tecnológica mundial é tão
campus de São Carlos, e a Itautec-Philco com a USP, a Techno Software assumiu acelerado que o Brasil precisa alavancar
S.A., com apoio da FAPESP – hoje é ope- todos os desdobramentos do produto a sua capacidade para atuar de forma equi-
rado pela Techno Software. pedido da Itautec. “As últimas imple- valente aos países desenvolvidos. Não há
“O convênio com a Itautec terminou mentações foram para adequá-las à re- dúvida de que quem não tiver tal capaci-
em 2008 e, desde então, não temos inves- forma ortográfica, e isso foi feito no final dade de inovar fica marginalizado.
tido no revisor”, conta Maria das Graças de 2009. A partir de então, temos dado Em sintonia com essa demanda, em-
Volpe Nunes, que foi a coordenadora do manutenção nas ferramentas e comple- presas brasileiras experimentam os efei-
projeto desde o seu início, em 1993, e que mentando e corrigindo o léxico quando tos de parcerias com universidades e
também é professora do Departamento necessário”, informa, por e-mail, Carlos institutos de pesquisa. Novos produtos
de Ciências da Computação e Estatística Henrique Ferreira, da Techno Software. e processos de produção industrial vêm
da USP em São Carlos. “Como o revi- “Como estas ferramentas são licenciadas surgindo dessa convivência e têm garan-
sor já estava estabilizado, dentro de um para a Microsoft, também fazemos ade- tido retorno financeiro às que apostam
ótimo padrão de funcionamento, após quações para compatibilizar com as ver- nessa interação. Um dos caminhos de
os ajustes da revisão ortográfica, feitos sões atuais do pacote Office”, acrescenta. impulso à arrancada do processo, que
pela equipe da empresa Techno Softwa- O software produzido e comercializado cresce em diferentes setores econômicos,
re (parceira da Itautec), acredito que o pela Itautec teve seus direitos adquiri- se dá graças ao apoio do PITE.
produto não evoluiu mais”, completa dos pela Microsoft, que o incorporou ao O projeto do revisor gramatical foi
Maria das Graças. programa Office 2000. aprovado no PITE em 1996. Nesse mo-
Principal
dificuldade:
ambiguidades da língua
1,5 milhão de
verbetes do nosso léxico
(incluindo as derivações
e conjugações verbais)
mento, ganhou impulso. Antes disso, a gigante Microsoft, que procurou a empre- O software não interfere no estilo, não
proposta de um revisor estava presente sa para incorporar o revisor no programa padroniza a estrutura do texto, mas per-
nas pesquisas realizadas desde 1993 atra- Office, o mais vendido no Brasil e em todo corre sentença por sentença para ve-
vés de convênio entre a Itautec-Philco e a o mundo. Para a língua portuguesa fala- rificar a estrutura sintática e oferecer
Fundação de Apoio à Física e à Química da no Brasil, a multinacional americana opções gramaticalmente corretas de
de São Carlos. O trabalho era executado usava o antigo revisor criado em Portu- construção. O programa arrisca a fun-
por uma equipe multidisciplinar de lin- gal, que comportava 200 mil palavras. O ção pela proximidade de um verbo ou
guistas e profissionais da área de compu- da Itautec já dispunha de 1,5 milhão de adjetivo e sugere correções para as dife-
tação, com a participação de docentes do palavras. O revisor foi incorporado ao rentes estruturas sintáticas decorrentes
Departamento de Ciência da Computação Office 2000, com a Itautec licenciando de cada um dos diferentes significados. n
e Estatística, do Instituto de Ciências Ma- o produto por um período de três anos
temáticas e de Computação e do Instituto pelo valor de US$ 421 mil. Novos acertos
de Física de São Carlos, sempre coorde- foram feitos depois na renovação de uso. o projeto
nado pela professora Maria das Graças. No desenvolvimento do produto, a
A entrada da FAPESP facilitou a amplia- Itautec gastou R$ 78 mil, enquanto a Projeto e implementação de um revisor
gramatical automático para o português –
ção do escopo da pesquisa, que passou a FAPESP investiu R$ 17,9 mil, além de nº 1997/02608-1 (1997-1998)
contar com a colaboração dos professores US$ 9,2 mil, utilizados na compra de má- Coordenadora
Claudio Lucchesi, Tomas Kowaltowski e quinas e equipamentos para a USP. Entre Maria das Gracas Volpe Nunes – Instituto de
Jorge Stolfi, do Instituto de Computação da os acadêmicos envolvidos com o proje- Ciências Matemáticas e de Computação, USP
Unicamp. Em São Carlos, sob a coordena- to não havia qualquer projeção sobre a Modalidade
Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para
ção de Maria das Graças, foram desenhados dimensão que ganharia, principalmente Inovação Tecnológica (Pite)
os algoritmos e formado o banco de base de com o contrato com a Microsoft. investimento
palavras e, em Campinas, desenvolveram- O revisor detecta um grande número R$ 17.900,00 e US$ 9,200.00 (FAPESP) e
-se a compactação do sistema e a diminui- de erros comuns cometidos por usuários R$ 78.000,00 (Itautec Philco S.A.)
A herança do clone
Identificação de erro na reprogramação celular da bezerra Penta
reorienta estudos de reprodução animal
N
aquela manhã fria de 30 vítima de uma série de infecções e aca- genético normal, de indivíduos doadores
de junho de 2002, o Brasil bou morrendo por sepse”, conta Joaquim saudáveis, por que essas aberrações e
acordou cedo para vibrar Mansano Garcia, do Departamento de equívocos acontecem? É possível supe-
com os dois gols de Ronal- Medicina Veterinária e Reprodução Ani- rá-los? São perguntas feitas por vários
do Nazário, o Fenômeno, mal da Faculdade de Ciências Agrárias e laboratórios do mundo e que também
contra a Alemanha, que garantiriam à Veterinárias (FCAV) da Unesp. decidimos investigar”, revela Garcia.
seleção nacional a conquista do quinto Superada a tristeza, a morte da bezer-
O
título de Copa do Mundo. Poucos dias ra incentivou a equipe da Unesp a tentar pesquisador explica que existem
depois, em 11 de julho, o Brasil alcança- entender os riscos envolvidos no proces- nos seres vivos enzimas chama-
ria outro feito memorável, desta vez na so de reprogramação celular. Levou-a das de DNAmetil-transferases,
área científica – nascia em Jaboticabal, também a investigar mais detidamente o responsáveis pela incorporação de radi-
no Hospital Veterinário da Universidade que faz os genes se manifestarem de for- cais metil ao DNA. Esse mecanismo por
Estadual Paulista (Unesp), com 42 qui- ma equivocada ou simplesmente silen- sua vez atua para dar mais estabilidade e
los, a bezerra Penta (evidente homena- ciarem, como se estivessem desligados, proteção às células, ajudando-as a esta-
gem ao escrete canarinho), o primeiro quando o embrião é obtido a partir de belecer relações mais equilibradas com
clone brasileiro gerado a partir de célu- técnicas de clonagem. As consequências o meio externo. Nesses 10 anos, os estu-
las de um animal adulto. Os dois clones desses desvios de rota podem ser, entre dos desenvolvidos pela equipe da Unesp
anteriores resultaram do uso de células outros, malformações e problemas res- conseguiram confirmar que, para que os
fetais ou embrionárias, que se reprogra- piratórios, neurológicos, imunológicos riscos de erros na reprogramação sejam
mam mais facilmente. e ósseos, além do envelhecimento pre- minimizados ou anulados, é preciso que
A euforia, no entanto, transformou- coce. Tudo isso pode resultar em morte, o metil seja encontrado nas células em
-se rapidamente em decepção. Penta como aconteceu não só com Penta, co- padrões considerados adequados – se
morreu com um mês – em 12 de agosto. mo também com outra ovelha famosa, há excesso ou falta dele, as chances de
Consequência de erros de reprograma- a Dolly, primeiro ser vivo a ser clonado genes silenciarem e de a clonagem não
ção celular – quando genes não se ex- com sucesso em laboratório, em 1996, dar certo são ampliadas. “Sabemos que
pressam ou se manifestam de maneira no Instituto Roslin, na Escócia. os níveis de metilação podem ser altera-
desordenada — ocorridos durante a clo- Dolly viveu seis anos. Era um animal dos pelo ambiente, mas ainda não temos
nagem. No caso da bezerra brasileira, o ao mesmo tempo jovem, considerado o como agir, em laboratório, para tentar
defeito de fabricação estava relacionado tempo médio de vida das ovelhas, e ido- corrigir ou controlar essas mudanças”,
ao sistema imunológico, devido a uma so, dado que foi clonada a partir de uma diz Garcia.
baixa produção de anticorpos. “O timo, célula adulta, com as pontas dos cromos- Justamente por conta das relações
órgão responsável por ativar o sistema de somos – os telômeros – já mais curtas. estabelecidas com o ambiente e de even-
defesa nos recém-nascidos, não funcio- “Há uma aparente contradição que pre- tuais prejuízos que podem causar à clo-
nava de forma adequada. Penta tornou-se cisa ser resolvida. Se usamos material nagem, o pesquisador da Unesp lembra
Material genético
vaca holandesa nuclear
implante
doadora do óvulo
célula reconstruída
óvulo
remoção do
núcleo do óvulo
perto e estudar elementos como o siste- uma mistura um pouco mais acentuada.
ma de cultura das células e as condições Penta confirmou que, na clonagem, o
do óvulo doado que irá gerar o embrião. material do citoplasma prevalece sobre
Se forem manipulados ou conservados o do núcleo”, confirma Garcia.
de maneira errada ou pouco cuidadosa, Os pesquisadores da Unesp revela-
poderão ser responsáveis por erros de ram, em agosto de 2002 (edição nº 78 de
reprogramação. Atento a esse cenário, Pesquisa FAPESP), que, embora tenham
atualmente Garcia coordena um estu- se valido da mesma técnica usada para
Penta
do que avalia, comparativamente, o que produzir a Dolly, a clonagem de Penta
acontece com a metilação do DNA em fe- inovou ao utilizar o cloreto de estrôncio
tos e placentas com 60 dias de gestação, combinado à droga ionomicina para ati-
obtidos a partir de fecundação natural var o óvulo reconstituído. Experimentos
(in vivo), artificial (in vitro) e por meio anteriores tinham optado por aproveitar
de clonagem. O objetivo é identificar a ionomicina com o composto 6DMAP
eventuais roteiros distintos de evolução (6-dimetilaminopurina). Segundo Gar-
e diferenças relacionadas à reprograma- cia, o cloreto de estrôncio é mais vantajo-
ção genética, nas três situações. Os pri- so, pois é capaz de reproduzir com mais
meiros resultados do trabalho devem ser fidelidade os efeitos de uma fecundação
conhecidos até o final do ano. normal por espermatozoide.
O projeto
Para ele, além de abrir os horizontes
P
enta certamente contribuiu pa- sobre as perspectivas de melhoramento Estudo da Função e Herança do DNA
ra sofisticar o conhecimento dos genético do rebanho bovino no Brasil, tra- Mitocondrial (mtDNA) nos Bovinos: Um
Modelo Animal Produzido com Nelore –
brasileiros sobre clonagem, mes- balhos como os que resultaram na clona- nº 98-11783-4 (1999-2004)
mo tendo vivido por pouco tempo. Ela gem de Penta podem servir de ferramenta Modalidade
nasceu a partir do DNA de uma célula para o estudo das mitocôndrias, que são Projeto Temático
somática (com 46 cromossomos) reti- os chamados reservatórios de energia e Coordenador
rada da cauda de uma vaca nelore (Bos responsáveis pela respiração das células. Joaquim Mansano Garcia – Unesp Jaboticabal
indicus, rebanho indiano) e injetado em “Mudanças nas funções dessa organela”, Investimento
R$ 875.415,17
foto Walt Yamazaki/UNESP
um óvulo doado por uma vaca holande- diz Garcia, “podem prejudicar o metabo-
sa (Bos taurus). No entanto, apesar de lismo celular e, dependendo da intensi-
o núcleo pertencer à mãe indiana, 97% dade, predispor a doenças degenerativas De nosso arquivo
do código genético de Penta era seme- que se manifestam também em humanos, Penta, o clone campeão
lhante ao da mãe europeia. “Era um re- como o mal de Alzheimer”, diz Garcia. n Edição nº 78 – agosto de 2002
Maturidade
precoce
Cruzamentos, manejo e biologia
molecular deixam bovinos prontos
para o abate em 15 meses
Evanildo da Silveira
B
ois prontos para o abate com menos idade que
a média nacional e novilhas que têm o primeiro
parto mais jovens são os principais resultados de
dois projetos de pesquisa realizados no início da
década passada com financiamento da FAPESP.
Os dois trabalhos ajudaram a melhorar a pecuária
nacional e, consequentemente, aumentar sua competitividade
no mercado de carne internacional. Com 209 milhões de bovi-
nos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), o Brasil tem o maior rebanho comercial do mundo.
Daí a importância de estudos nesta área.
O mais antigo dos dois projetos, Estratégias de cruzamentos,
práticas de manejo e biotécnicas para intensificação sustentada
da produção de carne bovina, realizado de 1998 a 2002, reuniu
duas dezenas de pesquisadores de quatro instituições: Embra-
pa Pecuária Sudeste, sediada em São Carlos; Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de
São Paulo (USP), em Piracicaba; Faculdade de Ciências Agrá-
Fazenda
rias e Veterinárias (FCAV) da Universidade Estadual Paulista Canchim, da
(Unesp) em Jaboticabal; e as unidades de Sertãozinho e No- Embrapa, em
va Odessa do Instituto de Zootecnia do Estado de São Paulo. São Carlos:
experiências em
Coordenado pelo engenheiro agrônomo Maurício Mello
eduardo cesar
cruzamento de
de Alencar, da Embrapa Pecuária Sudeste, o projeto tinha raças europeias
como principal objetivo avaliar o ciclo completo de vida do e zebuínas
O
s pesquisadores avaliaram animais re- habilidade materna, eficiência reprodutiva, exi-
sultantes de cruzamento de vacas nelore gência nutricional, comportamento, resistência
com touros da mesma raça e das raças a parasitas e qualidade da carcaça e da carne”,
canchim, angus e simental, submetidos a prá- explica. Além disso, nas fases de recria e de re-
ticas de alimentação e manejo não intensivo e produção das fêmeas nelores e cruzadas, foram
intensivo. “Na fase de cria, avaliamos cinco sis- estudadas estratégias de alimentação e de mane-
temas de produção”, diz Alencar. “O que usamos jo para redução da idade à primeira cobertura e
como referência foi o de nelore sob manejo não melhoria da eficiência reprodutiva. No caso dos
intensivo, com um animal por hectare. Nesse sis- machos, foram avaliados o crescimento, a con-
tema, que é o mais usado no país, vacas nelore versão alimentar e características quantitativas
ou aneloradas foram acasaladas com touros da e qualitativas da carcaça.
mesma raça.” Foram estudados os animais sob Os resultados do trabalho mostraram que o
manejo intensivo, com cinco deles por hectare, nível de suplementação não influenciou a pre-
com suplementação alimentar das va- cocidade sexual (idade até a
cas no inverno e adubação das pasta- puberdade) das novilhas, mas
gens no verão. o cruzamento sim. As vacas
O nelore (Bos taurus indicus), ori- cruzadas tiveram o primeiro
ginário da Índia, foi escolhido por ser
o zebuíno predomimante na pecuária
Agora é possível bezerro mais cedo do que as
nelores. Entre elas as resul-
saber a idade
de corte nacional (80% do rebanho). O tantes da mistura entre angus
canchim é uma raça sintética criada no e nelore, nascidas na prima-
Brasil, composta de 5/8 de charolês e vera, tiveram a primeira cria
3/8 de zebu, de porte médio, e o simen-
tal é um taurino (Bos taurus taurus) da
ideal para abate com menos de 2 anos de idade
– mais precisamente aos 709
dos animais
Europa continental, de tamanho gran- dias, ou 23 meses e 19 dias. Na
de. O angus também é europeu, mas da pecuária brasileira o normal
Grã-Bretanha e de porte médio. Can- era ter o primeiro parto aos
4 anos. Entre os machos nas-
cidos no outono, destinados
Confinamento cedo e regime alimentar especial: economia de terras ao abate após confinamento
iniciado aos 12 meses de idade, os animais cru-
zados de angus com nelore foram abatidos aos 16
meses com cerca de 20 arrobas (300 quilogramas
de carcaça), bem mais cedo do que a média de
idade de abate à época no país. Outros resulta-
dos importantes obtidos se referem a resistência
a parasitas, exigência nutricional de vacas, com-
portamento animal, marcadores moleculares e
efeitos da intensificação no uso das pastagens.
O trabalho evoluiu para o estudo de alterna-
tivas de cruzamento envolvendo raças bovinas
adaptadas e não adaptadas. O objetivo é obter
animais que sejam produtivos nas condições tro-
picais, precoces, tanto em reprodução quanto
Miguel Boyayan
14. Custo da arroba produzida (item 13/8): R$ 62,72 de avaliação de carcaça dos animais em tempo
15. Custo inicial bezerro: R$ 900,00 real por meio de aparelho de ultrassom. “Com ela, Artigo científico
16. Custo total confinamento (itens 13+15): R$ 1.535,36 conseguimos verificar o tempo ideal para abater
os animais”, diz. “Além disso, torna possível a se- BIANCHINI, W. et al.
Crescimento e
Lucratividade do sistema leção de touros para maior crescimento muscular características de carcaça
17. Preço arroba de venda: R$ 105,00
e deposição de gordura na carne e separação de de bovinos superprecoces
animais em lotes em confinamentos para melhor nelore, simental e mestiços.
18. Total bruto arrecadado (itens 5x17): R$ 1.920,45 Rev. Bras. Saúde Prod. An.
19. Lucro anual (item 18 – 16): R$ 385,09 desenvolvimento e desempenho dentro do sis- v. 9, n. 3, p. 554-64, 2008.
20. Lucro mensal (item 19/3): R$ 75,81 tema de terminação.” Um segundo resultado foi
21. Rentabilidade (item 19/16): 25,12% a identificação de marcadores moleculares para
De nosso arquivo
22. Rentabilidade mensal (item 21/3): 4,94% maciez da carne e deposição de gordura, prin-
cipalmente na raça nelore, que tem a carne mais Rebanho de fino trato
FONTE: Antonio C. Silveira, Luís Artur Chardulo e Cyntia Ludovico Martins/UNESP
dura do que animais europeus. Edição nº 102 –
agosto de 2004
A
O avanço da boiada
introdução de um sistema de alimenta-
Edição nº 88 –
ção privativa para bezerros, chamado de junho de 2003
proporção de Bos taurus taurus, mantendo um creepfeeding, de cochos pré-moldados, foi
Jovem, enxuto e com
elevado potencial de adaptação a regiões de cli- outro resultado do projeto. Eles são colocados peso de boi
ma tropical” , explica Alencar. em lugares do pasto onde só os bezerros – ain- Edição nº 60 –
dezembro de 2000
da mamando – têm acesso. Assim, eles chegam
Modelo biológico superprecoce ao desmame com maior peso – cerca de 30 a 45
Precocidade também foi o principal resultado do kg a mais. O trabalho de Silveira e de sua equipe
projeto Crescimento de bovinos de corte no mode- também resultou na produção de silagem de grão
lo biológico superprecoce, desenvolvido de 2000 úmido como forma de processamento de milho
a 2006 na Faculdade de Medicina Veterinária e para as dietas de bovinos. “Durante as pesquisas,
Zootecnia da Unesp em Botucatu. Sob a coorde- compramos uma máquina que produz a silagem
nação do professor Antônio Carlos Silveira, do de- em bags”, ele conta. “É uma maneira alternativa
partamento de melhoramento e nutrição animal, de conservar alimentos.”
e a participação de 30 pesquisadores, o trabalho Todos esses métodos e tecnologias desenvol-
resultou num sistema de criação de bovinos que vidos durante o projeto foram repassados para
reduz a idade de abate para até 15 meses. São os os criadores e hoje estão difundidos em todo o
chamados novilhos superprecoces que, nessa ida- Brasil, contribuindo para a melhoria da pecuá
de, atingem 450 quilogramas. Eles se originaram ria nacional. “O principal resultado do nosso
do cruzamento de gado nelore com raças euro- trabalho foi esta consolidação do sistema de
peias, como angus, hereford, simental, braunvieh, produção de carne de animais jovens intitulado
charolês, limousin e pardo suíço. superprecoce”, diz Silveira. “Ele já foi adotado
Esse trabalho permite queimar etapas no pro- como um modo de produzir carne de qualida-
cesso de criação. Agora os bezerros não passam de, padronizada pelos pecuaristas confinadores
pela fase da recria, que pode durar de dois a três em nosso país.” n
C
omeçam a surgir soluções para a mais
Inseto é usado cruel doença da citricultura brasi-
leira conhecida por um complicado
para eliminar nome em chinês, huanglongbing, ou
ainda greening, em inglês, que já se
transmissor mostrou mais agressiva que outras
do greening, uma enfermidades dos laranjais como o cancro cítrico
ou a clorose variegada dos citros. Novas formas
das doenças mais de combatê-la são muito bem-vindas, porque a
indicação hoje é simplesmente arrancar a planta
graves dos citros com raiz e fazer severas pulverizações de inseti-
cidas. Já foram erradicados cerca de 14 milhões
de plantas de laranjeiras de 2005 a 2011.
A mais nova solução para conter essa epidemia
Marcos de Oliveira agrícola prevê o combate ao inseto transmissor da
bactéria Liberibacter, que causa a doença. Conhe-
cido como psilídeo (Diaphorina citri), ele pode
ter sua população diminuída por meio de manejo
ecológico com o uso de uma vespa, a Tamarixia
radiata, que não causa danos à agricultura e ao
homem. Essas vespas parasitam os psilídeos ainda
jovens – quando estão na fase de ninfa e não voam
– ao colocar ovos no corpo do inseto transmissor
da doença. As vespas depois de saírem do ovo des-
troem o ser parasitado. O ciclo de reprodução da
Tamarixia e do psilídeo foi obtido por uma equipe
do professor José Roberto Postali Parra, da Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq)
da Universidade de São Paulo (USP). Em estudos
realizados no município de Araras (SP), a soltura
da vespa em pomares da região teve resultados en-
tre 51% e 72% de eliminação das ninfas do inseto.
O domínio da técnica se completou em 2011,
por meio de estudos desenvolvidos pela equipe
de entomologia da Esalq, que conta com 10 pes-
quisadores, num projeto financiado pelo Fundo
de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), entida-
de mantida pelos produtores. Atualmente, para
manter o experimento, são produzidos de 60
mil a 100 mil vespas por mês na Esalq. Elas são
liberadas no campo em áreas com altas popula-
ções de Diaphorina citri, numa relação de 400
vespas por hectare.
O problema com esse tipo de manejo já veri-
ficado em estudos preliminares pelo professor
Parra, que tem parcerias também com o Instituto
Agronômico (IAC), o Instituto Biológico de São
Paulo e a Universidade da Califórnia, em Davis,
nos Estados Unidos, é que a vespa migra e mor-
henrique santos/fundecitrus
N
vegetativo (período de menor atividade as goiabeiras reside uma outra pos- o objetivo de repelir o inseto”, explica.
metabólica da planta com queda de fo- sível solução para barrar a inves- O huanglongbing (HLB) foi identificado
lhas) das plantas cítricas”, diz Parra. A tida do transmissor da bactéria. no Brasil pela primeira vez em 2004 por
adoção dessa técnica permite que a li- “Elas produzem algumas substâncias pesquisadores do Centro de Citricultu-
beração de Tamarixia radiata possa ser voláteis que repelem o inseto, como foi ra Sylvio Moreira, vinculado ao Institu-
realizada também em áreas com apli- observado inicialmente no Vietnã, onde to Agronômico (IAC), e do Fundecitrus.
cação de inseticidas, atuando de forma se plantam goiaba e laranja nos mesmos A rápida expansão da doença pode ser
complementar à ação desses produtos. pomares, de forma intercalada”, diz o percebida em um experimento realizado
Uma série de alternativas para elimi- agrônomo José Belasque Júnior, pesqui- pela equipe do agrônomo Marcos Macha-
nar o psilídeo ainda está em estado ini- sador do Fundecitrus. A pesquisa encon- do, diretor do Centro de Citricultura, em
cial de estudo. “Uma delas é o uso de tra-se na fase de identificação química um projeto financiado pela FAPESP, entre
bactérias que interferem no comporta- dos compostos repelentes para os psilí- 2005 e 2008, com a parceria do Fundeci-
mento e na biologia dos insetos, além de deos. Estudos para identificação e síntese trus, para estudo da bactéria em relação
fungos que podem ser utilizados como dessas substâncias voláteis da goiabeira ao diagnóstico, à biologia e à forma de
agentes de controle”, diz Parra. Esse ti- estão sendo feitos pelo Instituto Nacional combatê-la. O pesquisador Renato Bas-
po de controle biológico é feito de for- de Ciência e Tecnologia (INCT) de Se- sanezi, do Fundecitrus, isolou um pomar
ma semelhante a inseticidas industriais mioquímicos na Agricultura, financiado novo de laranjas em Araraquara com 10
com a aplicação de fungos misturados à pela FAPESP e pelo Ministério da Ciên- mil plantas sem HLB, cercada por plan-
água, sobre os insetos e nas plantações. O cia, Tecnologia e Inovação, que tem sede tações de cana e distante um quilômetro
fungo é inerte para os vegetais e ao ho- na Esalq e é coordenado pelo professor de qualquer outro pomar.
mem, mas parasita tanto o inseto adulto Parra. “A ideia é produzir essas substân- Foi feito o controle químico com inse-
como as ninfas, deixando-os secos como cias no futuro nas próprias laranjeiras ticidas, com diferentes tipos de aplica-
A
deixa as folhas amareladas e os frutos doença é relatada na Ásia desde o as bactérias de plantas doentes quando
verdes, deformados e imprestáveis para século XIX, continente de origem se alimenta nos vasos do floema, o sis-
o consumo ou para o processamento in- dos citros. Foi primeiro descrita tema de circulação da seiva da planta.
dustrial. “A infecção é severa. Não adianta na China e mais tarde ganhou também A importância desse vetor no âmbito da
cortar galhos, é preciso arrancar a árvore, o nome greening na África do Sul, que doença logo acionou Parra que apresen-
inclusive com a raiz, com uma máquina se refere aos frutos que não amadure- tou um projeto sobre o inseto à FAPESP
para que não volte a brotar”, diz Machado. cem e ficam verdes. No Brasil, segundo ainda em 2004. “Até aquele momento,
Atualmente, existem cerca de 160 mi- Machado, o HLB pode ter chegado por o inseto não havia sido estudado pro-
lhões de árvores de citros no estado de meio material de propagação vegetativa, fundamente. O nível populacional não
São Paulo e o período de produção de ca- há mais de dez anos. O inseto que dis- justificava estudos e um controle maior
da uma é de até 20 anos. Em 2011, segun- semina a bactéria é um velho conhecido por parte do produtor”, diz. “Com o te-
mático, conseguimos conhecer melhor o
Diaphorina e indicar medidas biológicas,
comportamentais e recomendar o uso de
inseticida de forma racional sem dese-
quilibrar o ambiente e sem matar os seus
inimigos naturais, como algumas peque-
nas vespas”, explica. “Identificamos que
o inseto se desenvolve melhor em outras
árvores, principalmente na murta.”
A fêmea coloca os ovos nas brotações
dessas plantas. Nos citros, ela coloca uma
média de 160 ovos, enquanto em outras
chega até a 348. “Estabelecemos parâme-
tros climáticos e zoneamento dos lugares
onde a praga ocorre mais intensamente. A
maior prevalência acontece nos municí-
pios de São Carlos, Bariri, Botucatu, Lins
e Araraquara.” O professor Parra realiza
há mais de 40 anos pesquisas com insetos
ligados à agricultura e sente que o desa-
fio de entender e combater o grenning é
grande, talvez o maior de sua carreira.
“O inseto é de difícil manejo na criação.
Há também o problema das populações
que são variáveis ao longo do ano, das es-
tações e de condições de temperatura e
chuva, o que nos impediu de estabelecer
fotos henrique santos/fundecitrus
Mudas de murta são Após 10 dias, as ninfas dos psilídeos são removidas para
colocadas em uma gaiola, outra caixa; aí são postas as vespas na proporção de uma
onde os psilídeos para cada grupo de 10 ninfas. A vespa coloca o ovo na ninfa e
colocarão os ovos, retirados depois a larva se alimenta da própria ninfa.
depois de sete dias Em 12 dias, as vespas adultas saem do corpo da ninfa.
hoje elas não têm uma identificação ta- “A concentração na laranjeira é muito O menor genoma da Liberibacter sig-
‘P
ara cultivar a Liberibacter é pre- tar no futuro com o conhecimento do identificada em 2005. A Flórida, com
ciso um caldo de que ela goste, e genoma da bactéria. O sequenciamento mais de 60 milhões de pés de laranja,
isso é feito por meio de sequências genético da Ca.Liberibacter asiaticus foi é o segundo produtor mundial, atrás
de tentativa e erro”, diz Elliot Kitajima, finalizado em 2008 pelo Departamento de São Paulo, com quase 78% do total
professor da Esalq e especialista em mi- de Agricultura dos Estados Unidos. A de frutas do Brasil. Flórida e São Pau-
croscopia eletrônica. Ele e Francisco espécie asiática possui um genoma pe- lo somados são responsáveis por cerca
Tanaka, também professor da mesma queno, com cerca de 1,2 milhão de pa- de 80% da produção mundial de suco.
universidade, fizeram imagens da Li- res de base, enquanto a bactéria Xylella Os próprios agricultores é que têm de
beribacter em um floema da vinca ou fastidiosa, que causa a clorose variegada, combater a doença. No Brasil, uma lei
maria-sem-vergonha [Catharanthus ro- tem 2,4 milhões de pares, e a Xanthomo- federal os obriga a eliminar as árvores
seus], uma planta ornamental usada co- nas axonopodis citri, bactéria causadora doentes mas nem sempre isso ocorre.
mo hospedeiro alternativo da bactéria. do cancro, possui 4,5 milhões de pares. “Metade dos citricultores, principal-
mente os pequenos não pulverizam as
plantações com inseticidas. Embora fá-
cil, esse procedimento não é barato”,
diz Armando Bergamin Filho, professor
da Esalq-USP e coordenador de outro
projeto financiado pela FAPESP que
aborda a infestação do greening, inicia-
do em 2008. “O controle tem que ser
regional, não adianta um produtor pul-
verizar com inseticidas e o vizinho não
Fotos digitais de folha com greening exposta à luz de LEDs, mostrando alterações captadas pela fluorescência fazer o mesmo.”
A invenção dos índios no Brasil 240 história da ciência Nos ombros de gigantes mágicos
berrante marca
a abertura de um
rodeio em Ribeirão
Preto (SP)
O Brasil rural
não é só agrícola
Projeto Rurbano mostra que o país, seguindo
o modelo de sociedades desenvolvidas, reduz
abismo histórico entre campo e cidade
Claudia Izique
E
m 1950, 64% dos brasileiros conta de que 44,7% dos brasileiros que
viviam na zona rural, nas con- residem na zona rural têm renda prove-
tas do Instituto Brasileiro de niente de atividades não agrícolas, sendo
Geografia e Estatística (IBGE). que em São Paulo esse percentual atinge
Vinte anos depois, com a mo- a impressionante marca de 78,4%.
dernização da agricultura e a migração Essa mudança – sinal inequívoco de
em direção às cidades, este percentual que o Brasil começava a reproduzir uma
caiu para 44%. Nos anos 1980, no entan- dinâmica típica nos países desenvolvidos
to, as estatísticas surpreenderam: apesar – começou a ser analisada no final dos
da queda no emprego agrícola, a popu- anos 1990, na pesquisa Caracterização
lação rural ocupada crescia, sinalizando do Novo Rural Brasileiro 1992/98, bati-
que um profundo processo de mudanças zado de Projeto Rurbano. Apoiado pela
no campo estava em curso. Mais duas FAPESP, pelo programa de Núcleos de
décadas e o novo cenário se delineou: a Excelência (Pronex/CNPq/Finep) e pela
agropecuária moderna e a agricultura de Secretaria de Desenvolvimento Rural do
subsistência estavam dividindo espaço Ministério da Agricultura e do Abaste-
com atividades ligadas à prestação de cimento (SDR/MMA), o projeto reunia
serviços, à indústria, ao turismo e ao la- mais de 40 pesquisadores, 11 unidades
zer, tornando cada vez menos nítidos os federais e dois núcleos da Empresa Bra-
limites entre o rural e o urbano no país. sileira de Pesquisa Agropecuária (Em-
E o processo mostrou-se inexorável: os brapa). Em 2000, os resultados das duas
últimos dados disponíveis (2009) dão primeiras fases da pesquisa foram repor-
tagem de capa da edição nº 52 da revis- sa Nacional por Amostra de Domicí- já exerciam exclusivamente atividades
ta Pesquisa FAPESP. “O mundo rural é lios (Pnad). Constataram, por exemplo, não agrícolas.
maior que o agrícola”, constatava o então que na década de 1990 a população rural Os dados indicavam, ainda, um sig-
coordenador do projeto, José Graziano cresceu a uma média de 0,5% ao ano e nificativo crescimento do número de
da Silva, do Instituto de Economia da que três em cada dez pessoas ocupadas desempregados e aposentados residen-
Universidade de Campinas (Unicamp), estavam vinculadas a atividades não agrí- tes no campo, evidenciando que estava
hoje diretor-geral da Organização das colas. Dez anos antes, essa proporção era em curso uma dissociação entre o local
Nações Unidas para a Agricultura e Ali- de dois para dez. de residência e o de trabalho, próprio
mentação (FAO). das cidades. “O crescimento das cidades
N
Além de lançar luz sobre uma pers- a segunda fase da pesquisa, ini- em direção ao campo e a facilidade nos
pectiva de análise até então equivoca- ciada em 1999, os pesquisadores transportes contribui para isso”, subli-
da, que reduzia o rural ao agrícola, os observaram que as áreas de agri- nha Belik, descrevendo um fenômeno
resultados do Projeto Rurbano, ainda cultura e pecuária cediam lugar para a conhecido como commuting.
em curso, teve – e segue tendo – forte criação de aves nobres e exóticas, ven- Os pesquisadores analisaram também
impacto sobre políticas públicas. O Pro- didas a supermercados, restaurantes e o trabalho feminino. “Constatou-se au-
grama de Apoio à Agricultura Familiar à agroindústria; aos pesque-pague; ao mento de famílias rurais com mulher na
(Pronaf ), cujo crédito beneficiava ape- turismo ecológico ou rural; e aos condo- atividade econômica entre as famílias
nas os produtores rurais com 80% da mínios de classe média e alta. Isso sem pluriativas, principalmente no Sudeste
renda originária de produção agrícola e falar nas festas de rodeio, estimadas em e em São Paulo”, lembra Eugênia Tron-
os empregadores agrícolas com até dois mais de mil em todo o país. Só a do Peão coso Leone, do Instituto de Economia
empregados permanentes, alterou essas de Boiadeiro de Barretos, em São Paulo, da Unicamp. A participação da mulher
regras, ainda em 1999, abrindo a pos- movimenta anualmente algo em torno na renda das famílias rurais agrícolas
sibilidade de financiamento de outras de R$ 20 milhões, além de criar mais de era, no entanto, baixa, e provavelmente
fotos 1. TIAGO QUEIROZ/AE 2. Luciana Whitaker /olhar imagem
atividades. “Hoje um produtor rural po- 5 mil empregos diretos e 10 mil indiretos, estava embutida na renda do chefe. Mas
de conseguir crédito para comprar uma nas contas dos organizadores. era mais significativa entre as famílias
moto que utilizará para vender produ- A pesquisa mostrou ainda que, en- pluriativas. “Entre as famílias não agrí-
tos na feira”, exemplifica Walter Belik, tre as 7,7 milhões de famílias residentes colas o emprego doméstico constituía a
do Instituto de Economia da Unicamp, em áreas rurais, boa parte delas exercia principal atividade das mulheres ocupa-
atual coordenador do projeto. pluriatividade, ou seja, combinavam o das”, afirma.
trabalho no campo com atividades não Na terceira fase do Projeto Rurbano,
Evolução do projeto agrícolas, por meio da qual auferiam, in- iniciada em 2000, os pesquisadores fo-
O Projeto Rurbano começou em 1997, variavelmente, renda substancialmente ram mais fundo: passaram a analisar os
com o objetivo de reconstruir séries maior. Metade dessas famílias trabalha- impactos dessas mudanças no meio am-
históricas a partir dos dados da Pesqui- va por conta própria, sendo que 538 mil biente e no emprego, entre outros, por
Agricultura
orgânica em
2 Correias (RJ), 2008
A
programa Bolsa Família, tualmente, cerca de 3,4 milhões
passou a destinar àqueles de famílias vivem abaixo da li-
que vivem abaixo da linha nha da miséria, sendo 1,1 milhão
da miséria – R$ 70 diários per capita – um residentes em domicílios rurais. Destas,
fomento equivalente a R$ 2.400, trans- 367 mil produzem para autoconsumo.
feridos em três parcelas, para comprar Elas têm mais sorte que as famílias re-
sementes, equipamentos, entre outros sidentes em regiões metropolitanas ou
insumos à produção de alimentos. em cidades fora de eixo das metrópoles,
Nessa fase do projeto, concluída em onde pouco mais de 108 mil famílias se
2005, o foco foi segurança alimentar das beneficiam dessa renda “invisível”, mas
famílias beneficiárias dos programas de fundamental para garantir a segurança
fotos 1. eduardo cesar 2. SÉRGIO CASTRO/AE
média é muito baixa (4,1 anos em 2009, Federal do Norte Fluminense (UFNF), 3. SILVA, J. G. da, DEL
no estudo Agricultura e a recente queda GROSSI, M. E. A mudança
ante 9,3 anos nos demais setores) e sua
do conceito de trabalho
dispersão tende a crescer durante todo o da desigualdade de renda no Brasil, pu- nas novas Pnads.
período de 1995 a 2009”, ele explica. “Pa- blicado em Políticas Públicas e Desen- Economia e Sociedade, n. 8,
volvimento, editado pela Universidade p. 1-16, 1997.
ra o conjunto das pessoas ocupadas na
indústria e nos serviços, por outro lado, Federal de Viçosa (UFV).
a dispersão da escolaridade tende a cair Devido ao fato de as rendas agrícolas Do nosso arquivo
desde 1998, contribuindo para reduzir a serem, em média, mais baixas, elas cons-
O novo rural brasileiro
desigualdade da distribuição da renda.” tituem um componente progressivo da Edição nº 52 – abril de 2000
O aumento do valor real do salário mí- renda total, isto é, elas contribuem para
nimo, que contribuiu para a redução da reduzir a desigualdade da distribuição
desigualdade, não teve o impacto unifor- da renda no país como um todo. n
Araioses (MA),
2005: moradores
das áreas de
agricultura de
subsistência
são o público-alvo
do Plano Brasil
2 sem Miséria
A reconstrução
do passado
Memórias dos trabalhadores
rurais lançam luz sobre o fim do
colonato nas usinas de açúcar
Claudia Izique
Cortadora de cana:
A. brugier
histórias de violência,
traição e medo
C
om 11 mil alqueires, a Usina Amália era o janeiro de 2001.
braço agroindustrial das Indústrias Reu- A relação da empresa com os colonos tensionou
nidas Francisco Matarazzo. Além das la- com a implantação do Estatuto do Trabalhador
vouras, sediava unidades industriais para o apro- Rural, em 1963, que igualou os direitos do homem
veitamento da cana e do bagaço, do eucalipto e do campo aos do trabalhador urbano, tornando
de frutas e legumes produzidos no local. Ali se ilegal o sistema de titularidade, escreveu Pivetta.
produziam açúcar, álcool, papelão, ácido cítri- Os cortadores de cana passaram a ter direito a
co, sabonetes e conservas. No início dos anos férias, 13º salário, carteira assinada – para cada
1950, a Usina Amália antecipava-se ao conceito trabalhador e não apenas para os titulares do
de biorrefinaria no aproveitamento da biomassa. contrato, como ele sublinhou –, atendimento
Empregava milhares de pessoas – de trabalhado- médico pelo INSS e aposentadoria. Essa tensão
res rurais a operários – todos eles vinculados ao foi arbitrada pelas leis de Segurança Nacional e
Sindicato da Indústria da Alimentação, de acordo de Greve, no primeiro ano da ditadura militar:
com a legislação da época. No caso dos colonos, instilados pelo sindicato, na avaliação de Maria
o titular do contrato de trabalho era chefe da Moraes, os trabalhadores rurais da Usina Amá-
família, mas o cálculo de produtividade – pela lia foram à greve pelos direitos garantidos pelo
qual ele era remunerado – envolvia o trabalho novo estatuto e foram expulsos da fazenda por
não remunerado da mulher e dos filhos. terem deflagrado um movimento considerado
Os funcionários mais graduados tinham acesso ilegal. “Assim que um cortador era despedido e
à escola, ao hospital, a cinema, à igreja e até a um convencido a deixar a fazenda, sua antiga casa
supermercado, todos instalados na área da fazen- era posta abaixo pelos patrões”, contou Pivetta.
da. Os trabalhadores rurais, não. Distribuíam-se Junto com a casa do colono, arruinava-se um
entre mais de 20 colônias – cada uma delas com sistema de relação de trabalho.
100 a 150 famílias – distantes da sede, no meio do Na memória de alguns desses ex-colonos, a
canavial. Tinham direito a cultivar um pequeno greve, que durou seis dias, teria se estendido por
pomar e horta, mas os produtos necessários à cinco anos, período em que tramitaram os pro-
A
valores não pagos pela empresa por ocasião do li, nesses “lugares”, como ela diz, estão
dissídio coletivo aprovado pelo Egrégio Tribu- guardados fragmentos de histórias in-
nal do Trabalho e à obediência à determinação dividuais e coletivas. “À medida que as
da Justiça do Trabalho ao decretar a cessação do lembranças vão brotando dos subterrâneos da
movimento”, escreveu Maria Moraes, no artigo memória e se dirigindo à superfície, aquilo que
Greve na Fazenda, publicado na coletânea His- era até então nebuloso vai aos poucos assumindo
tória Social do Campesinato no Brasil. formas nítidas, com conteúdos multicoloridos”,
Nesse ínterim, “muitos trabalhadores fizeram escreveu a pesquisadora no artigo A memória
acordo com a empresa, mediante o pagamento de na esteira do tempo, publicado em 2001. “Nossa
quantias irrisórias, depois de muitos anos de espe- vizinha fazia umas broinhas de fubá: quebrava
ra pela solução judicial”, ela afirma. Respaldados os ovos ali, bate bem, põe gordura ali, põe canela
pela Justiça, alguns permaneceram na fazenda, ali, uma meia dúzia de ovos e bate bem... com a
sem qualquer vínculo empregatício ou trabalho mão mesmo. Depois ainda engrossava com fubá
para lhes garantir o sustento, de milho. Ficavam macias e gos-
apenas aguardando o desfe- tosas. Ela fazia e mandava para
cho desde sempre inevitável. a mamãe uma biscoiteira cheia
Nas memórias dos ex- daquelas broinhas...”, contou-
-colonos não há registro de -lhe dona Onícia, aos 93 anos,
qualquer triunfo da Justiça. Relatos recriam abrigada num passado em que
“Eles retiram da experiên- lealdade e retribuição eram ma-
cia vivida relatos permeados manifestações nifestações simbólicas de um
de dramaticidade, emoções, grupo social.
simbolismo, fruto não de
simbólicas
uma mera descrição do pas- do grupo social Bricolagem
sado, mas de sua recriação Mas a memória trama, recons-
e revificação”, afirma Maria trói e reinventa lembranças
Moraes. fragmentadas, fazendo das cul-
O Projeto
As mulheres, sujeitos pri- turas uma espécie de “canteiro
vilegiados da pesquisa, guar- de obras”, nas palavras do his- Mulheres da cana: memórias
dam na lembrança a dificuldade em conseguir toriador Peter Burke. Algumas das ex-colonas da – nº 1996/12858-2
(1997-1999)
trabalho, a fome, a sopa de mandioca nos momen- Amália ainda integravam, nos anos 1990, grupos
modalidade
tos de extrema dificuldade. “Ainda que não parti- de Folia de Reis, uma antiga festa rural. “O senti- Auxílio a projetos de
cipando diretamente da greve, elas, como filhas do da festa ainda era o mesmo: o pagamento de pesquisa
ou esposas, sofreram as consequências”, analisa. promessas feitas aos santos por uma graça alcan- Coordenadora
Trinta anos depois, Maria Moraes encontrou çada”, explica Maria Moraes. Mas as andanças Maria Aparecida de
Moraes Silva
muitas delas na condição de chefes de família. dos foliões, os cânticos e o encontro das bandeiras
investimento
Para desempenhar esse novo papel, tiveram que dos Santos Reis tinham novos significados sur- R$ 16.608,13
vencer desafios ainda maiores do que em seu gidos da simbiose entre rememorar e reinventar
passado de colonas, observou Pivetta na maté- personagens renascidos pela trama narrativa. Ela
Artigo científico
ria publicada pela revista Pesquisa FAPESP em própria acompanhou uma festa de Reis na cidade
2000. “Concorrendo com homens mais novos e de Barrinha: a bandeira dos Santos Reis, “aquela SILVA, M. A. M. A memória
máquinas que vão tomando conta do corte da que saiu pelo mundo”, encontrava-se com a de na esteira do tempo. São
Paulo em Perspectiva. v. 15,
cana, as mulheres bóias-frias enfrentavam enor- Nossa Senhora Aparecida, que não tinha foliões, n. 3, p. 102-12, 2001.
mes dificuldades em encontrar emprego no meio simbolizando outro momento bíblico: o encontro
projeto Mulheres da Cana: Memórias
rural.” Algumas catavam tocos de cana rejeitados de Maria – encarnada em Nossa Senhora Apare-
De nosso arquivo
por colheitadeiras ou “mexiam” com agrotóxi- cida – e Jesus durante a via-crúcis. “Na demora
co em viveiros de mudas da planta; outras eram dos três Reis/Herodes se indignou/chamou seus Casa-Grande e Senzala
empregadas domésticas. secretários e seu decreto, decretou/ Que seguisse dos Matarazzo na
Califórnia Paulista
Na periferia das cidades, elas guardavam também para Belém/ e que lá fosse matando/e que matasse Edição nº 61 – janeiro e
lembranças das relações familiares, do compadrio e menino homem/ até a idade de dois anos.” n fevereiro de 2001
Uma metrópole em
metamorfose ambulante
Centro de Estudos da Metrópole desvenda
múltiplas faces de São Paulo
D
epois de muita reflexão, o milionário (em especial para órgãos públicos) e difusão de
americano Nelson Rockefeller con- informações para especialistas e o grande públi-
cluiu que “o principal problema das co. Estão entre os objetivos do centro analisar as
pessoas de baixa renda é a pobreza”. mudanças em curso nas metrópoles e avaliar seus
Pode-se rir da obviedade da observa- efeitos, usando novas abordagens conceituais e
ção, mas, a “pérola” de sabedoria é uma falácia. metodológicas; servir como centro de referência
“A renda é uma dimensão muito relevante para para documentação e consolidação de informa-
a análise da pobreza e da desigualdade e não é à ções e estudos sobre a Região Metropolitana de
toa que as comparações internacionais focam esta São Paulo (RMSP) e outras cidades; sustentar e
dimensão. Entretanto, nosso esforço no Centro de atualizar um Sistema de Informações Geográ-
Estudos da Metrópole (CEM) tem se orientado ficas (SIG), que mapeia a metrópole, inclusive
a examinar a pobreza e a desigualdade em suas por meio de satélites.
múltiplas facetas, porque a situação de pobreza “A hipótese central e o foco de nossos esforços
de um indivíduo é resultado da combinação de analíticos, hoje, é verificar que a reprodução so-
diferentes aspectos, além da renda”, explicou a cial da pobreza é resultado de uma combinação
diretora do CEM, a cientista política Marta Ar- de processos econômicos e mecanismos sociopo-
retche, em entrevista concedida em 2010. “Estes líticos”, afirma Marta. A partir dessa constatação,
são: seu acesso ao mercado formal de trabalho, o CEM priorizou em sua agenda de pesquisas
aos serviços públicos e a vínculos sociais e asso- formas de socialização, redes sociais, padrões
ciativos. A situação de desproteção de um indi- de segregação residencial e a eficácia e exten-
víduo é resultado dessas múltiplas dimensões.” são das políticas públicas sobre esse estado de
A grandeza da Criado em 2000 e sediado no Centro Brasileiro coisas. As pesquisas igualmente revelaram que
ponte estaiada, de Análise e Planejamento (Cebrap), o CEM, um havia, na literatura especializada nacional, uma
na zona sul de
dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão ênfase excessiva em aspectos econômicos na
São Paulo, e as
mazelas da favela (Cepid) apoiados pela FAPESP, realiza ativida- análise da dinâmica da metrópole. “Nossas pes-
Real Parque des de pesquisa, transmissão de conhecimento quisas revelaram um aparente paradoxo: que
E
ntraram em cena então outras variáveis,
como redes sociais e espaço urbano, que
ajudaram no entendimento dos mecanismos
que reúnem processos macro e estruturas com
ações micro, ligadas ao indivíduo e ao comporta-
mento familiar, cujo impacto poderia reduzir ou
reforçar as desigualdades. Mesmo a religião e o
lazer entraram no escopo das pesquisas. “Nossos
estudos partem do pressuposto teórico de que
o trabalho, os serviços sociais e a sociabilidade
são mecanismos decisivos para a superação de
atenuação das situações de pobreza. Você pode
ter dois indivíduos com a mesma renda nominal,
mas, se um deles tem acesso à habitação e saúde
subvencionada pelo Estado, e o outro não tem,
um é mais pobre e segregado do que o outro. É
preciso analisar sempre além da renda”, avalia
Marta. “A pobreza até pode estar sendo atenua-
da, mas por outro lado a desigualdade pode estar
sendo reproduzida”, avisa a pesquisadora.
Esse mapeamento e descobertas das pesquisas
permitiu o surgimento de um painel mais amplo
da dinâmica espacial e social das metrópoles,
não apenas trazendo novas luzes para o debate
acadêmico, como também contribuindo para a
idealização e formalização de políticas públicas.
Segundo a diretora do CEM, a instituição abriu
mão da ambição de apontar uma grande solução
para o problema das metrópoles, pela impos-
sibilidade de realizar a tarefa, e, no lugar, pas-
sou a selecionar temas específicos para os quais
conseguisse contribuir. Assim, entre os estudos
mais importantes do CEM, o destaque é o Mapa
da vulnerabilidade social, que utilizou dados do
Censo de 2000 e técnicas de geoprocessamen-
to para mapear a pobreza no município de São
Paulo. Divulgado em 2004, o mapa cartográfico
produziu um mosaico da situação de cada um
dos 13 mil setores da cidade estabelecidos pelo
IBGE, conseguindo captar situações específicas
de vulnerabilidade em grupos de 300 a 400 famí-
lias agregadas em cada setor censitário.
A cada novo estudo, o CEM desmitifica noções
Da favela Real antigas que, já há algum tempo, guiam políticas
Parque, em São Paulo, públicas na direção errada. “Há uma série de pro-
é visível a segregação
cessos que já não estão ocorrendo em São Pau-
do tecido urbano
lo há muito tempo e se continua com a mesma
impressão e diagnóstico sobre a cidade, datados
dos anos 1970, que já não fazem muito sentido”,
afirma o sociólogo e pesquisador do CEM Eduar
do Marques, que lançou em livro a pesquisa São
Paulo: novos percursos e atores (Editora 34, 2011).
Segundo Marques, um dos mitos está relacionado
aos processos migratórios que se reduziram muito
intensamente nas últimas décadas. “Hoje, poucos
assuntos relacionados a São Paulo são fortemen- muito, acima de escolaridade e outros fatores, se
te impactados pela questão da imigração”, avisa. o indivíduo está ou não empregado, a qualidade o projeto
A cidade, ao contrário do que se dizia, parou de do emprego e a sua renda.
crescer e de receber migrantes, com mais gente “Pessoas com amigos têm muito mais chances Centro de Estudos da
Metropole (CEM)
saindo do que entrando, em especial a força de de ter um emprego e, assim, ampliar a renda e, 1998/14342-9 (2009-2012)
trabalho de menor qualificação, que teve suas logo, diminuir a desigualdade, por meio de suas Modalidade
chances diminuídas. relações pessoais, mostrando que essas redes de Programa Centros de
Assim, o novo panorama paulista apresentado relações são mais efetivas do que as políticas pú- Pesquisa – Cepid
pelo CEM é de uma cidade que cresce pouco, mas blicas”, analisa Marta. Para a diretora do CEM, Coordenadora
Marta Teresa da Silva
continua se expandindo para as periferias, que se o combate à pobreza não pode prescindir das Arretche - Cebrap
tornaram mais heterogêneas. A boa notícia é que políticas sociais tradicionais, mas como redes Investimento
o Estado se faz muito mais presente em todas as têm muita penetração nas comunidades, sua in- R$ 9.727.502,00
áreas da cidade, inclusive nas periferias. Mas há tegração às políticas do Estado pode ajudar a que
grandes diferenças de qualidade de suas políticas, essas cheguem de forma mais precisa e customi-
Artigo científico
o que faz com que as desigualdades sociais então zada. A metrópole não é mais apenas “a boca de
se coloquem de forma diferente, mais multiface- mil dentes” descrita por Mário de Andrade em COELHO, V. S. et al.
tadas e menos simples de serem compreendidas. Paulicéia desvairada. “Como é a vida de um de- Mobilização e participação:
um jogo de soma zero?.
“As diferenças de acesso às políticas públicas sempregado numa metrópole agora? Apesar das Revista Novos Estudos
têm se reduzido, embora tenham se recolocado dificuldades, os filhos dele continuam na escola e Cebrap. v. 86, p. 121-39,
diferenças de qualidade de serviços públicos, e ele ainda conta com serviços de saúde. E o mais 2010.
o tecido urbano tenha ficado mais heterogêneo”, importante: sem precisar de favores ou benesses GOMES, S. “Vínculos” e “nós”
avalia o pesquisador. É um ciclo complexo: a ci- de nenhum político”, conta Marta. no centro da explicação da
pobreza urbana. Revista
dade fechou suas portas para um determinado Segundo a pesquisadora, as regiões metropolita- Brasileira de Ciência Sociais.
tipo de trabalhador, que se vê obrigado a morar nas não são mais os piores lugares do Brasil. “Nessa v. 27, n.78, p. 176-9, 2012.
em municípios próximos ou regiões próximas, perspectiva, o Brasil parece estar seguindo uma BOTELHO, I. Os
expulso da metrópole. trajetória particular, pois a democracia brasileira equipamentos culturais na
tem conseguido produzir redução da desigualdade cidade de São Paulo: um
U
desafio para a gestão
m exemplo notável dessa nova complexi- de renda combinada à redução da desigualdade de pública. Espaço e Debates -
dade surge, por exemplo, na pesquisa re- acesso a serviços públicos”, pondera a cientista po- Revista de Estudos regionais
alizada por Nadya Guimarães. “Agora se lítica do CEM Argelina Figueiredo. A desigualdade e urbanos. V. 3, n. 43, 2004.
pede diploma de segundo grau ou universitário também pede uma reflexão política, e não apenas ALMEIDA, R. R. M. e
para qualquer função. Um gari da prefeitura, por econômica. A expectativa da maior parte dos cien- D´ANDREA, T. Pobreza e
Redes Sociais em uma
exemplo, precisa apresentar diploma de segundo tistas sociais no início da década de 1990 era de Favela Paulistana. Novos
grau, tamanha a distorção. É um efeito perverso que o Estado brasileiro seria incapaz de atender Estudos. v. 68, p. 94-106,
dessa elitização da cidade”, disse. “A pergunta às demandas da dívida social herdada do regime 2004.
que fica é: qual é a recompensa de se ter estuda- militar, uma séria ameaça à democracia. “Os go-
do para acabar fazendo telemarketing e ganhar vernos que se seguiram à ditadura levaram cada De nosso arquivo
tão pouco? São Paulo só confirma a ideia enrai- vez mais adiante na agenda da redemocratização
Terra em transe
zada na nossa cultura de que o estudo não leva a o resgate da dívida social deixada pela ditadura. Edição nº 193 – março de
nada.” Surge, porém, nessa metrópole segregada Não há dúvida de que a concentração de renda e 2012
uma nova força: as redes de sociabilidade. “A po- o acesso limitado das camadas mais baixas da so- Desigualdade sem igual
breza tem uma dimensão territorial: pessoas po- ciedade tiveram origem na configuração de forças Edição nº 169 – março de
bres podem estar segregadas espacialmente, mas políticas e nas políticas públicas priorizadas pelos 2010
podem estar unidas espacialmente, combatendo governos de plantão”, diz Argelina. “Estes homens Dentro da boca de mil
exatamente esse efeito da segregação”, observa de São Paulo, iguais e desiguais, parecem-me uns dentes
Ediçâo Especial Cepids –
Marques. Pesquisas revelam que relações com vi- macacos, fracos, baixos e magros”: a visão de Má- maio de 2007
zinhos, familiares, amigos, colegas etc. importam rio,
2 agora, parece desvairada. n
H
á permanências preocu- Améruca Latina, como Chile, Uruguai campanhas pelo desarmamento, pes-
pantes no comportamento e Argentina.” Para os profissionais que quisas recentes do NEV/USP mostram
da população brasileira em investigam o tipo de democracia e gover- que a crença que a presença de uma ar-
relação à consolidação dos nança que se desenvolve no Brasil a partir ma em em casa traz segurança persiste.
princípios democráticos, das relações entre violência, democracia “A população acredita que dessa forma
apesar de todos os avanços do país nas e direitos humanos, essas permanências está protegida. Há um sentimento de que
últimas décadas no plano econômico e antidemocráticas são assustadoras. as leis não funcionam e o cidadão toma
social. Na linha do tempo sobre a evolu- Sergio Adorno, coordenador do NEV/ para si a tarefa de se proteger.”
ção dos dados recolhidos, comparados USP, explica que o trabalho do núcleo A Justiça, um dos pilares da democra-
e analisados pelo Núcleo de Estudos da vem concentrando grande energia na cia, falha em passar para a população a
Violência da Universidade de São Paulo investigação dos avanços da sociedade razão de sua existência e não reforça o
(NEV/USP), em 25 anos de existência, brasileira, mas sempre considerando o fato de que está presente na sociedade
salta aos olhos dos coordenadores que ali contexto do país, onde persistem graves para proteger o cidadão de um potencial
trabalham desde o início das atividades violações de direitos humanos, existem abuso do poder por parte do Estado. “As
a mentalidade conservadora da popula- territórios dominados pelo crime orga- pessoas não conseguem entender isso”,
ção no combate à violência. Sobressai um nizado e são elevadas as taxas de homi- afirma Nancy. “Os brasileiros ainda se
viés autoritário com inclinação a resolver cídio, entre outros problemas. “Temos consideram alheios à Justiça.” Quando
conflitos pelas próprias mãos. de reconhecer profundas mudanças, so- se pergunta ao brasileiro se é melhor
“Um ranço reacionário da sociedade bretudo nessa última década, com me- soltar dez culpados para garantir que
não desaparece com o avanço da demo- lhoras na oferta de trabalho, redução das um inocente não sofra por um erro da
cracia”, observa a pesquisadora Nancy imensas desigualdades que ainda preva- Justiça ou manter um inocente preso,
Cardia, vice-coordenadora do NEV/USP. lecem na sociedade brasileira e avanços a maioria prefere mantê-lo na cadeia.
“A democracia não conseguiu até agora no acesso às instituições promotoras de “Esta resposta é o oposto dos resultados
se tornar um valor universal e, após to- bem-estar”, pondera. “Mas há um longo internacionais, que mostram que não
dos os ganhos e progressos obtidos nas caminho a percorrer.” se concebe que um erro prejudique um
últimas décadas, um terço dos brasileiros Segundo Nancy, a crença de que a lei único cidadão”, observa Nancy.
apoiaria um golpe militar, algo fortemen- vale para todos não está arraigada aqui Desde 1999, Nancy coordena uma pes-
te mais rejeitado em países vizinhos da no Brasil. Ela lembra que, apesar das quisa que tem por objetivo focalizar o
A violência
consentida
Viés autoritário da mentalidade brasileira é uma das
preocupações do Núcleo de Estudos da Violência da USP
Marili Ribeiro
A vida de crianças de rua é
um dos objetos de estudos
do nev/usp
SERGIO AMARAL/ae
U
ma das conclusões é que, após 27 do tempo. Os levantamentos mostram
anos de democracia, o apoio aos que dados colhidos em delegacias são
direitos civis e políticos não é tão falhos e, muitas vezes, nem sequer pre-
sólido o quanto seria de esperar. Entre as servados. Há 11 anos, Sergio Adorno se
duas pesquisas realizadas em 11 capitais, dedica a um estudo que reflete, de cer-
diminuiu a proporção daqueles que dis- ta forma, a origem da impunidade no
cordam que “os tribunais podem aceitar Brasil. A pesquisa “Inquérito policial
provas obtidas através de tortura”. Era e o processo em São Paulo: caso dos
de 71,2% em 1999 e caiu para 52,5% em homicídios”, financiada pela FAPESP e de provas é pouco explorada. “Casos se-
2010. Mas dobrou a proporção daqueles que está em fase de finalização, traça o melhantes têm soluções diferentes”, diz
que concordam em parte com a tortura fluxo do sistema de Justiça, das delega- Adorno. Cauteloso, prefere não avançar
(de 8,8% em 1999 para 18,3% em 2010). cias à sentença final. Foram analisados em conjecturas. Mas é impossível não
344 mil boletins policiais, dos quais so- considerar que a inoperância do siste-
LABORATÓRIO mente 6% viraram inquérito. Desse uni- ma endosse a descrença da população
A meta do NEV/USP tem sido enfrentar verso, cerca de quatro mil eram registros na Justiça.
desafios a partir de dados trabalhados de homicídio, dos quais Adorno fez um
cientificamente e de forma interdiscipli- recorte para monitorar 600. “Levei dois QUEDA DE HOMICÍDIOS
nar para auxiliar as políticas públicas no anos para conseguir resgatar os dados de A queda nas taxas de homicídios em São
controle democrático da violência. Cer- somente 197 inquéritos. O resto não foi Paulo, explica Adorno, representa para
tos temas dependem de pesquisa de lon- localizado”, relata. Outro agravante é que o NEV/USP a oportunidade de testar, ao
ga duração, além de serem em si campos toda a investigação se faz em cima das menos em parte, em que medida e com
novos. Na literatura mundial, há poucos provas testemunhais, o que resulta em que peso as melhorias sociais e econômi-
estudos que mostram como se constroem fragilidade nos processos. A produção cas, bem como mudanças na segurança
Batida policial em
suposto ponto de
encontro de membros
da facção criminosa
Primeiro Comando da
Capital (PCC), em São
Bernardo do Campo:
inquéritos frágeis
debilitam ação da
Justiça
N
Sociologias. v. 16, p. 274-307, 2006.
o Brasil, a violência foi elevada a Núcleo de Estudos da Violência da USP
4. PERES, M.F.T et al. Homicídios,
uma das quatro principais causas se empenhou em criar metodologias que desenvolvimento socioeconômico e violência
de óbito desde 1989. Tomando as produziram relatórios com participação policial no município de São Paulo, 2000.
Revista Panamericana de Salud Pública. v. 23,
taxas de homicídios como indicadores destacada em organismos internacio-
n 4, p. 268-76, 2008.
de violência, a gravidade dessa situação nais. A credibilidade e constância das
fotos 1. ANDRÉ HENRIQUES / diário do gde abc 2. FÁBIO MOTTA / ae
Q
uando o liberalismo começou a fazer
água na América do Sul e lideranças
de centro-esquerda assumiram o go-
verno de diversos países, a “percepção
de risco” passou a pautar a formulação
das políticas norte-americanas para o continente.
No caso do Brasil, esse pragmatismo ganhou matiz
de “interesse benévolo” sem, no entanto, traduzir-
-se em uma agenda política efetiva. “As iniciativas
norte-americanas para a região têm se mostrado
mais reativas do que proativas, respondem a cir-
cunstâncias específicas e raramente se baseiam em
análises abrangentes”, afirma Tullo Vigevani, da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), coordena-
dor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT/Ineu).
Há quem comemore o relativo distanciamento de
Washington, levando em conta um recente passado
fortemente intervencionista. Mas a relativa euforia
deve ser contrabalançada com novos riscos. Inclu-
sive com questões relativas a desentendimentos na
própria região. Ainda há potencial de acirramento
de rivalidades entre Estados – como no conflito que
opôs a Colômbia ao Equador e à Venezuela – ou de
instabilidade – como no caso da Bolívia.
O monitoramento sistemático das políticas norte-
-americanas pode ser um exercício revelador, dado
a centralidade desse país no cenário mundial e, par-
ticularmente, no sul-americano. No caso do INCT/
Ineu, essas análises já se materializaram em oito te-
ses de doutorado e 20 de mestrado, outras em anda-
mento; coletâneas; inúmeros artigos; muitos infor-
mes diários; boletins quinzenais e, é claro, diversos
C
onstituído como um Instituto
Nacional de Ciência e Tecnolo-
gia no final de 2008, o Ineu reúne
oito universidades brasileiras, além do
Centro de Estudos de Cultura Contem-
porânea (Cedec), num total de mais de
50 pesquisadores. A exemplo de outros
INCTs, o Ineu é apoiado pelo Conselho “O espanto ante
Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq) e pela FAPESP. a cultura
A ideia de criar um instituto de estudo
sobre as relações externas dos Estados
norte-americana
Unidos surgiu da constatação de que, não se produz,
apesar da intensa exposição dos bra-
sileiros aos produtos da cultura norte- a dúvida não
-americana, pouco se sabia sobre aquele
país. “Os elementos de informação dis- chega a brotar”,
poníveis não se organizavam em con-
juntos estruturados e significativos. Na
diz Vigevani
maioria das vezes eram estereotipados,
positivos ou negativos”, justifica Vigeva-
ni, ressaltando os objetivos do instituto.
A carência de reflexão – ou a “irrefle- de latino-americanas, mas o grande pú- sobre as relações internacionais norte-
xão”, como ele prefere – é o resultado, blico ignora, de fato, a realidade latino- -americanas, apoiado pela FAPESP na
apenas aparentemente contraditório, -americana. “Analisam essas informações forma de Projeto Temático, coordenado
da sensação de familiaridade ou proxi- com categorias próprias à sua cultura e por Sebastião Velasco e Cruz. O foco, no
midade provocada pela sobrecarga de sociedade, o que gera uma forma de des- caso, era a exportação de ideias liberais
informações sobre os EUA. “O espanto conhecimento diferente, mas não menos para países em desenvolvimento. O mes-
não se produz, a dúvida, que é mãe do grave”, avalia Vigevani. mo grupo – ampliado com a participa-
conhecimento, não chega a brotar.” Pior: O interesse pelos Estados Unidos co- ção de pesquisadores das universidades
“Usamos os Estados Unidos como mode- mo objeto de pesquisa se iniciou há al- federais de Santa Catarina (UFSC), de
lo para identificar nossas características guns anos, com a publicação de obras Uberlândia (UFU), da Paraíba (UFPb)
próprias, medir nossas insuficiências e importantes de autores nacionais e com a e do Piauí (UFPI), e da Universidade
definir a figura do ser coletivo em que constituição de grupos de pesquisa sobre Estadual da Paraíba (UEPB) – reúne-se
gostaríamos de nos transformar”, está diferentes aspectos da política e da socie- agora no INCT/Ineu. “Já foram criadas
escrito no documento de apresentação dade norte-americanas. No final dos anos disciplinas de estudos sobre os Estados
do projeto do Ineu. 1990, por exemplo, professores da Unesp Unidos em programas de pós-graduação,
Um paradoxo assimétrico instalou-se – Vigevani, entre eles –, da Universida- sobretudo o Programa de Pós-graduação
do outro lado: vários centros de estudos de Estadual de Campinas (Unicamp), em Relações Internacionais San Tiago
norte-americanos dedicam-se à análise da Universidade de São Paulo (USP) e Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP)”,
da economia, política, cultura e socieda- do Cedec criaram um grupo de estudos sublinha Vigevani.
F
oi em meio à crise do “americanis-
mo” no exterior, a pior crise econô-
mica desde 1929, que Obama ele-
geu-se presidente, assinala Reginaldo
Moraes, da Unicamp, no artigo Obama,
Obamismo – Origens, Futuro, Limites, pu-
blicado no site do INCT/Ineu. Obama
trouxe para as urnas segmentos e gru-
pos que “aparentemente”, como ele diz,
haviam se refugiado em movimentos so-
ciais e comunitários, “uma
O instituto está organizado em quatro multidão de jovens” ansio-
grandes áreas temáticas. A integração e sa por mudanças. Contra
crise na América do Sul e política dos os “mudancistas”, mobili-
Estados Unidos para a região é uma de- Papel do dólar se zam-se os conservadores,
las. O objetivo é examinar o panorama “os que temem que as mu-
sul-americano numa dupla dimensão: debilita e a corrosão danças sejam maiores do
avaliar a sua interação com a política que o possível, algo que eles
externa dos EUA e a dinâmica política e
da hegemonia acontece identificam com aquilo que
econômica dos países da região. Os pro- em todas as áreas acham desejável”. A chave
jetos de pesquisa são orientados por uma da questão está na “conexão
mesma “hipótese geral”: o desenvolvi- entre as forças de mudança
mento de iniciativas independentes da internas aos Estados Unidos
influência norte-americana é favorecido sendo “vagarosamente corroída”. “Es- – e que em grande medida gravitam em
pela emergência de novos polos de poder tão surgindo alternativas. Há uma cesta torno de Obama, mas não apenas – e as
no cenário global – China, Índia e Rús- de moedas que debilita o papel do dó- forças de mudanças externas – governos
sia – e pelo papel secundário da América lar. Apesar da crise, o euro avança. Mas e movimentos sociais”, escreve Moraes.
do Sul na agenda internacional norte- o dólar ainda é mais importante que as De olho nesse equilíbrio, o INCT-Ineu
-americana. “Historicamente, a auto- moedas chinesa ou japonesa”, ressalva. acompanha atento o início da campanha
nomia política e econômica na América Esse processo não é exclusivo do plano eleitoral norte-americana. n
do Sul avançou sempre nos períodos em econômico: a corrosão da hegemonia,
que os Estados Unidos atribuíram pouca segundo ele, acontece em todas as áreas.
importância à região”, explica Vigevani. “Recentemente, José Graziano da Silva O Projeto
foi eleito para o cargo de diretor-geral Instituto de Estudos das Relações Exteriores dos
A
s outras áreas temáticas estudadas da Organização das Nações Unidas para Estados Unidos – nº 2008/57710-1 (2008-2014)
são a política de segurança norte- a Agricultura e Alimentação (FAO) e não modalidade
Projeto Temático
-americana, a política econômica era o candidato dos Estados Unidos. Na
Coordenador
internacional e o papel dos Estados Uni- ONU, a política norte-americana nem Tullo Vigevani – Unesp
dos na estrutura de governança global. sempre se impõe e o país também não investimento
Sob este último aspecto, Vigevani endossa tem mais a mesma força quando se trata R$ 1.125.321,05
a análise de Benjamin Cohen, da Univer- de propor modificações ao Fundo Mone-
sidade da Califórnia em Santa Bárbara, tário Internacional (FMI).” artigo científico
que participou de um dos seminários or- Até mesmo o domínio militar está des-
ganizados pelo INCT-Ineu em Florianó- gastado pelo novo tipo de guerra. “Veja COELHO, J. C. Trajetórias e interesses: os EUA
e as finanças globalizadas num contexto de crise
polis, de que, de fato, a hegemonia norte- os desastres militares no Vietnã, no Ira- e transição. Revista de Economia Política. v. 31,
-americana no plano internacional está que e no Afeganistão”, exemplifica. “São n. 5, p. 771-93, 2011.
O presidencialismo
se move
O poder de legislar do Executivo
tende a amenizar a imagem do
governo como clientelista e corrupto
Claudia Izique
O
regime presidencialista, num sistema
federalista, associado a uma legisla-
ção eleitoral que prevê o voto pro-
porcional em lista aberta, aparente-
mente impede o exercício da plena
democracia no Brasil e é raiz do clientelismo e
até da corrupção. No caso do Brasil, essa tríade
perversa, na visão dos muitos brazilianistas, ex-
plicaria a dificuldade dos governos de implemen-
tar, por exemplo, políticas distributivas, tendo
resultado, muitas vezes, em paralisia decisória.
Um projeto temático realizado com o apoio da
MARCEL GAUTHEROT, Brasília, 1958 / Acervo Instituto Moreira Salles
O
presidente tem exclusividade na conforme escreveu o repórter Ricardo
iniciativa de propor medidas em
pelo Executivo Aguiar. Ao longo dos 13 anos seguintes,
três áreas fundamentais: admi- foi de 75% novas informações lançaram ainda mais
nistrativa, orçamentária e fiscal. “E pode luz ao sistema brasileiro de governo.
pedir urgência para as leis que apresenta,
garantindo prioridade na definição da Derrubando mitos
pauta do Legislativo.” Possui autoridade As regras constitucionais e os regula-
para editar decretos com força de lei e de mentos do Legislativo conferem ao pre-
vigência imediata, por meio de medidas sidente e aos líderes partidários da base
provisórias. Esse poderoso instrumento governista meios para inibir iniciativas
legislativo, no entanto, precisa ser apro- individualistas dos deputados. “A cen-
vado pelo Congresso, que pode emendar tralização do poder decisório tem efeito
ou rejeitar a iniciativa do governo. “O no funcionamento e nos resultados da
presidente não pode ignorar a vontade atual experiência democrática brasilei-
do Legislativo”, ela afirma. ra”, conta Argelina. E dá provas: entre
O Congresso, por seu turno, é altamen- 1998 e 2007 – no início do segundo man-
te centralizado em torno dos líderes dos dato do presidente Luiz Inácio Lula da
partidos que exercem rígido controle Silva –, o índice médio de aprovação de
sobre a agenda do Legislativo: definem projetos apresentados pelo Executivo
o calendário de votações do projeto, to- foi de 75,08%. “Apenas durante o perío-
mam decisões sobre votações nominais do Collor, que governou sem maioria no
e apresentações de emendas e cuidam Congresso, esse índice ficou bem abaixo
da ordem da pauta. “O regulamento in- dos demais”, compara.
E
sses resultados indicam que a cen-
Legislação ordinária tralização do poder de decisão no
Produção legislativa por governo 1988-2007 * Executivo, compartilhada com as
lideranças partidárias, pode neutralizar
Governo Partido do Coalizão do Sucesso do os efeitos do federalismo, da legislação
presidente na governo na Executivo** eleitoral e do presidencialismo. “O Bra-
Câmara dos Câmara dos (%)
sil foi, aos poucos, derrubando mitos. A
Deputados Deputados
(% de cadeiras) (% de cadeiras)
centralização dá margem a que se façam
políticas nacionais, até redistribuição de
Sarney 40,61 58,59 73,83 renda, e que se implementem medidas de
Collor 5,05 33,79 65,93 combate à inflação, uma política difícil.
Franco 0,00 57,28 76,14 Hoje, os interesses nacionais se sobre-
Cardoso I 9,36 71,62 78,72 põem aos interesses locais.”
Cardoso II 18,32 67,87 74,38 Essa nova face do presidencialismo no
Lula I 11,11 59,52 81,47 Brasil pouco difere das do regime par-
lamentarista. “Ainda nos anos 1990, o
Subtotal 14,07 58,11 75,08 parlamentarismo era considerado uma
forma superior de governo: esse regime
Fonte: Banco de dados Legislativos, Cebrap
funde os dois poderes e elimina conflitos.
* 31 de dezembro de 2006
** Porcentagem de projetos do Executivo apresentados e sancionados durante o próprio governo No presidencialismo, diferentemente, as
bases eleitorais do Executivo (nacional)
verno foi de 91,1%. “Esse apoio não variou ela conclui. Coordenadores
Fernando de Magalhães Papaterra Limongi – USP
com os diferentes presidentes”, observa O presidencialismo de coalizão não é Argelina Maria Cheibub Figueiredo – Unicamp
Argelina. Quando a coalizão está dividida, exclusividade brasileira. “Os países da Investimento
essa média cai para 66%. “O apoio ao go- América Latina estão se tornando mul- R$ 110.000,00
verno não é incondicional.” E isso ocorre, tipartidários”, ela constata. Para enten-
em geral, quando os líderes partidários se der os distintos sistemas é preciso fazer Artigos científicos
manifestam contrários à aprovação da ma- comparações.
FIGUEIREDO, A. 2007. Government Coalitions
téria. “É o apoio do partido que garante o “Iniciamos um trabalho sobre gover- in Brazilian Democracy. Brazilian Political Science
voto da bancada”, ela conclui. nos minoritários na América Latina e há Review. v. 1, n. 2, p. 182-16, 2007.
dificuldades de encontrar detalhes sobre
A
FIGUEIREDO, A. et al. Political and Institutional
s derrotas ocorrem quando não aspectos institucionais. Começamos a Determinants of the Executive’s Legislative
são firmados acordos com a ban- organizar um consórcio de pesquisa- Success in Latin America. Brazilian Political
Science Review. v. 3, n. 2, p. 155-71, 2009.
cada. Collor de Mello, por exem- dores para montar um banco de dados.
plo, que governou sem coalizão majori- Estamos coletando dados para 14 países,
tária – e sem apoio do PMDB –, perdeu com informações sobre a formação de De nosso arquivo
14 de 61 votações que exigiam maioria ministérios desde 1980. O difícil é achar
Deputado profissional
simples. FHC, ao contrário, perdeu 11 o partido dos ministros. Consultamos até Edição nº 169 – março de 2010
entre 205 votações em assuntos que de- no Facebook para encontrar respostas”,
Presidencialismo torna fácil governar
pendiam de quórum simples. Nas 222 vo- ela conta. O grande obstáculo, explica, Edição nº 49 – dezembro de 1999
tações de matérias constitucionais – três é que no presidencialismo nem sem-
quintos dos votos do plenário – sofreu pre o ministro ocupa o cargo na cota
apenas 18 derrotas. do partido. n
Autonomia
sem discussão
Legislativo ainda tem participação fraca no
destino das Forças Armadas
Carlos Haag
H
á duas décadas, durante a conferência Rio 92, mi-
litares ocuparam a cidade, com aval do presidente
da República, o único autorizado a chamar tropas
para cuidar de questões internas. A população e o
Parlamento aplaudiram. Em junho, os tanques estão
de volta às ruas para a Rio+20. “Os blindados serão usados, va-
mos empregar aeronaves e mais de 10 mil homens e mulheres.
Teremos atiradores de elite, forças especiais, grupo antiterror e
helicópteros. Se a população vai ver, é outra coisa”, afirma o co-
ronel Saulo Chaves, do Comando Militar do Leste. Mas será que
os representantes da população estão vendo? “Pela Constituição,
o Congresso não precisa ser consultado, mas o Legislativo preci-
sa se envolver no processo e considerar a Defesa Nacional como
estratégica à democracia. Se não o fizer, será sempre um poder
subalterno”, avisa o cientista político Eliézer Rizzo de Oliveira,
titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e que
em 2000 coordenou a pesquisa “Forças Armadas e democracia:
o papel do Poder Legislativo”, com apoio da FAPESP.
Nesses doze anos, os militares mudaram muito e o Ministério
da Defesa, com um civil à frente, detém hoje poder mais amplo
sobre as Forças Armadas, uma notável modernização desde a
sua criação, em 1999, pelo presidente Fernando Henrique. “Infe-
lizmente, não houve mudança significativa na responsabilidade
2. Tropas usadas
para invadir favela
carioca em 2011
O
processo de pacificação de mor- militares gozam de 75% da confiança pronunciar sobre decisões presidenciais
ros no Rio de Janeiro constitui o dos brasileiros, como revelou a pesquisa, de empregar forças militares na seguran-
exemplo mais evidente do velho publicada recentemente, Democracia e ça pública e em forças de paz, como no
adágio de que a solução dos problemas confiança: por que os cidadãos descon- Haiti. Além disso, precisam pressionar
é “tropa nas ruas”. “Os militares estão fiam das instituições públicas? (2010), o Ministério da Defesa a produzir o ‘li-
atuando como policiais. A gravidade da organizada pelo cientista político José vro da Defesa Nacional’, que estabeleça
situação conduz à militarização da segu- Álvaro Moisés e que contou com o apoio as diretrizes e parâmetros do funciona-
rança pública, o que acho um equívoco”, da FAPESP. Para Eliézer, são vários os mento militar”, observa. O pesquisador
analisa. O mesmo vale para a utilização motivos. “Não houve ainda uma supera- lembra como, entre 1988 e 1991, intervalo
das Forças Armadas nas fronteiras para ção total do passado autoritário, o que entre a promulgação da Constituição e
combater o narcotráfico. “O combate é faz uma parte articulada da população a edição da primeira lei complemen-
feito pela Polícia Federal e pelas polí- rejeitar as Forças Armadas. Com isso tar regulamentando questões militares,
cias estaduais. Quem defende a ideia de veio o desprestígio das funções de De- houve uma brecha jurídica que permitia
militarizar as fronteiras esquece-se de fesa Nacional. Além disso, nossos políti- a qualquer membro dos três poderes a
que elas medem 13 mil quilômetros, com cos, em geral, acreditam que não temos convocar tropas para garantir a “lei e
7 mil quilômetros de floresta. Há muita problemas de segurança, uma falácia”, a ordem”. Foi o que ocorreu, em 1988,
expectativa sobre o que o Exército pos- diz. “As ameaças hoje são outras: nar- quando um juiz requisitou soldados para
sa fazer. Os militares, ao contrário, tem cotráfico, crime organizado, presença controlar uma greve na Companhia Si-
os pés no chão.” ineficiente do Estado em áreas rurais, derúrgica Nacional, em Volta Redonda,
tráfico de pessoas, poder despótico da o que resultou em três operários mortos.
Então, para que servem? delinquênc ia onde o Estado não tem “Ainda que o Executivo tenha a di-
Congressistas e a população, ao se depa- presença. Isso está incluído na questão reção exclusiva das Forças Armadas, o
rarem com essas observações, chegam da defesa”. Congresso poderá se transformar em
U
m passo importante foi a apro- 1. OLIVEIRA, E. R. Democracia: quando o presidente indica alguém que
vação em 2008 da Estratégia Na- passado e presente. Como as não é dos quadros diplomáticos”, lembra
democracias incorporam
cional de Defesa, cujo objetivo é Eliézer. Este, aliás, foi um dos fatores que
temas. Nossa América.
justamente a modernização nacional da Revista do Memorial da levaram à queda do ministro Viegas, um
defesa pela reorganização das Forças América Latina. São Paulo, diplomata, da chefia do Ministério da
SP. v. 22, p. 38-41, 2005.
Armadas, a reestruturação da indústria Defesa. Curiosamente, hoje, o cargo é
brasileira de material de defesa e a im- 2. OLIVEIRA, E. R. Política de ocupado novamente por um embaixador.
Defesa Nacional e relações
plementação de uma política de com- Por sorte, nota o pesquisador, os milita-
civil-militares no governo do
posição dos efetivos militares. “A ideia presidente Fernando res, atualmente, são bem mais tolerantes
é que, cada vez mais, se atualize a Po- Henrique Cardoso. Caderno com um superior civil.
Premissas (Núcleo de
lítica Nacional da Indústria de Defesa Mas crises recentes, como a aconte-
Estudos Estratégicos).
e da Política de Ciência e Tecnologia e Campinas, n. 17-18, cida em 2009, com a greve dos contro-
Inovação para a Defesa Nacional”, nota p. 37-68, 1998. ladores militares de voo, em que o pre-
o pesquisador. “Foi também criada uma sidente da República interveio em favor
estrutura de consulta em Defesa e Segu- De nosso arquivo dos sargentos grevistas, demonstrando
rança no plano sul-americano. Este é o clara simpatia pela desmilitarização do
Quem guarda os guardiões?
papel da Unasul, que poderá evoluir para setor, são um aviso de que a trajetória
Edição nº 130 – dezembro
uma estrutura de ação conjunta de for- de 2006 ainda é tortuosa e exige, nota Eliézer,
ças armadas de diversos países. De certo uma crescente valorização do Ministério
fotos 1. ANTONIO SCORZA/afp 2. fábio motta/ae
Um papel pouco
modo, o Haiti configura este laboratório, compreendido da Defesa. “Estamos, porém, num bom
pois, cabendo ao Brasil o comando das Edição nº 65 – junho caminho, com os esforços de equipar as
de 2001
operações militares, diversos vizinhos Forças Armadas, mas não antes que pas-
também estão ali representados”, diz. sem por um processo de transformação
Aqui se dá um cruzamento delicado que as habilite a defender adequadamen-
entre as Forças Armadas e o Itamaraty. te o Brasil. O que inclui, é claro, uma po-
Quando se pensou na criação do Minis- lítica de integração do setor da indústria
tério da Defesa, um dos nomes cotados de defesa com nossos vizinhos.” n
A invenção
dos índios no Brasil
Análise de etnografias produzidas por missionários salesianos desmonta
a noção do antropólogo como tradutor | Carlos Haag e Mariluce Moura
U
m debate instigante e certamente formando-a em diferença, consegue traduzi-la
oportuno sobre qual é, afinal, o pa- em termos acessíveis ao universo simbólico de
pel do antropólogo – e a natureza onde partiu para sua jornada.
de seu trabalho de pesquisa – tal- Em lugar dessa tradução um tanto enciclope-
vez possa ser um dos resultados do dista surge então, como objeto e forma do traba-
livro Selvagens, civilizados, autên- lho do antropólogo, a invenção – e numa acep-
ticos: a produção das diferenças nas monografias ção bem precisa do termo, porque “não há nada
salesianas no Brasil (1920-1970), se os estudio- previamente ali” pronto para ser capturado. Os
sos da área receberem com espírito aberto as agentes de dois universos de conhecimento hete-
provocadoras propostas nele apresentadas por rogêneos – neste caso do estudo, padres e índios –
Paula Montero. Fruto mais recente de uma déca- movem-se ambos por interesses, um em direção ao
da de pesquisa apoiada institucionalmente pela outro, e, de fato, “precisam estabelecer um certo
FAPESP – via o projeto temático Missionários acordo para que a invenção exista, invenção que
cristãos na Amazônia brasileira: um estudo de será sempre diferente, a depender de quem esteja
mediação cultural e o projeto regular A textua- lá”, segundo a antropóloga, professora titular da
lidade missionária: as etnografias salesianas no Universidade de São Paulo (USP) e presidente
Brasil –, o novo livro da pesquisadora propõe de do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
forma clara a desmontagem da velha visão do (Cebrap). Foi exatamente para entender tais acor-
antropólogo como uma espécie de tradutor. Pelo dos, ou seja, o que afinal acontece quando esses
olhar teórico e empiricamente aguçado de Paula, agentes entram em interação, que Paula tomou
esfuma-se inteiramente a ultrapassada figura do o tema das missões salesianas como campo pri-
especialista que vai a um mundo do qual nada se vilegiado de reflexão e pesquisa. E a essa altura,
sabe – o “outro”, a incompreensível alteridade –, firmemente ancorada na noção de que as ideias
captura ali, na interação com um informante se movem por meio de sujeitos e, portanto, que
privilegiado que ele jamais apresenta, alguma há que se entender os agentes para compreender
coisa que até então ninguém sabe o que é, trata a construção de sua interação, ela pode obser-
de classificá-la, organizá-la e, finalmente, trans- var que, se o padre tem o projeto de converter,
S
e na Itália a especialidade salesia- de empurrar as fronteiras, que com Var- o contraponto à cidade ou à civilização
na era educar jovens operários de gas se tornaria muito forte e incorporaria, cristã.” O elemento novo, a introdução
origem rural, eles foram também por exemplo, o Mato Grosso inteiro. Mais do cientificismo no plano das relações
chamados ao Brasil originalmente para adiante o projeto envolveria também a entre homens e natureza, trazia um novo
educar os filhos das elites rurais e treinar Amazônia, com bastante sucesso, e a im- dilema. No texto do livro, a pesquisado-
os migrantes urbanos em novas profis- plantação de cidades até os anos 1960”. ra assinala que “ao assumir que civiliza-
sões, uma vez que dominavam modernas Nesse processo de expansão, o índio ção, progresso e pátria são sinônimos, os
tecnologias educacionais. “Havia então começou a ser um problema para o Es- salesianos, em oposição ao positivismo,
uma visão não conformista das relações tado em tais regiões, enquanto os sale- queriam ressacralizar a natureza, re-
criadas pelo industrialismo. Os salesia- sianos poderiam representar a solução. cuperando no selvagem a ‘razão natu-
nos se voltaram para cuidar dos jovens Em outras palavras, “as condições polí- ral’ que compreende o mundo natural
mais pobres, percebidos como abando- tico-históricas que definiram o proje- como obra divina; e em contraposição
nados e em situação de risco, com o ob- to expansionista da congregação sale- à ‘religião natural’ dos indígenas, que
jetivo de integrá-los às novas formas de siana para as Américas articularam-se adoram a natureza, deveriam civilizá-
civilidade urbana”, observa Paula. às estratégias econômico-políticas de -la, de modo a torná-la parte da ordem
Pois foi com esses mesmos ideais e o ampliação da soberania nacional sobre social e racional da nação.”
beneplácito do imperador Pedro II que, novos territórios”, como diz Paula. As Se muitas vezes o problema do “índio
em 1883, eles aportaram no Brasil, num missões salesianas poderiam assegurar brabo” se resolveu pela violência e pela
momento em que as ideias progressistas a “pacificação” dos selvagens, o que per- brutalidade, o Brasil na verdade nunca fa-
começavam a surgir entre os plantado- mitiria a introdução de atividades eco- voreceu, segundo Paula, a implementação
Aldeamento do Sagrado Coração em imagem feita para relatório comemorativo dos avanços na construção do espaço que visava atrarir chefes bororo e famílias
P
roduzir conhecimento e descrever gia das mediações. “Mediações materiais
a vida indígena era parte dos ins- e simbólicas que se dão sempre na intera-
trumentos intelectuais disponíveis ção e que produzem discursos.” Ou seja,
para fazer face a essas dificuldades. “Uma deslocada a ideia de tradução do trabalho
das operações simbólicas mais centrais do antropólogo para o discurso dos agen-
das monografias foi produzir a conver- tes, ela abandona o conceito de alteridade
gência entre modos distintos de ver e como noção fundadora do conhecimento
estar no mundo, introduzindo como re- antropológico buscando superar o parado-
ferente comum a separação das esferas xo que consiste em pensar um outro antes
religiosas, sociais e políticas”, diz Paula. da própria razão que o pensa. n
Nos ombros de
gigantes mágicos
Processo de transformação da
alquimia em química foi mais
longo e suave do que se imagina
Carlos Haag
F
oi preciso muita coragem para Einstein assumir,
em plena idade moderna, que “a ciência sem a
religião é coxa e a religião sem a ciência é cega”.
Em especial, a primeira parte da citação ainda
provoca calafrios em muitas mentes científicas
que associam de forma ortodoxa ciência à ideia
de progresso: assim, os antigos conheceram pior do que os
medievais e estes pior que os modernos, totalmente libertos
de qualquer “obscurantismo” religioso. “Em especial, há a
visão de uma estreita passagem da alquimia para a química,
entre meados dos anos 1600 e finais dos anos 1700, cujas
marcas seriam a publicação de Químico cético, de Boyle, li-
vro que teria iniciado a química moderna em 1661, e o ‘gran
finale’ de Lavoisier em seu Tratado elementar de química, em
1789”, explica a professora Ana Alfonso-Goldfarb, do Centro Reprodução do
Simão Mathias de Estudos em História da Ciência (Cesima), livro O museu
hermético:
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Alquimia &
“Não se pode dissociar o desenvolvimento da ciência de Misticismo, de
aspectos religiosos, assim como o saber alquímico e tradição Alexander Roob
A
laboratório: a busca por
educacional e médico, onde todos poderiam se partir de questões alquímicas, iniciou-se princípios materiais nos três
reinos até a especialização
beneficiar dos avanços feitos nos laboratórios. a discussão sobre a necessidade de uma das ciências no setecentos –
“Eles queriam tornar tudo o que era incompre- ciência universal, em cujo centro estava nº 2005/56638-7
ensível, logo ameaçador, em compreensível, via a preocupação com a capacidade de reproduzir (2006-2011)
puritanismo, gerando o melhor e mais racional um dado experimento, em se estabelecerem pa- modalidade
Auxílio Pesquisa – Projeto
dos mundos”, conta Ana. Longe de delírio, era râmetros científicos, um meio do caminho entre Temático
um debate que envolveu intensa troca de cartas aspectos místicos e ciência. “O desenvolvimen- coordenadoras
entre membros da Royal Society e figuras como to gradativo da imprensa, que permitiu a maior Ana Maria Alfonso – Goldfarb
Espinoza e Leibniz. Einstein, que não jogava circulação de informações, e as trocas entre os Márcia Ferraz
Cesima – PUC- SP
dados com o universo, tinha lá sua razão. que haviam, tradicionalmente, guardado infor-
investimento
Ao lado das pesquisas híbridas com a alqui- mações sigilosas, extraídas da antiga literatura R$ 659.361,18
mia, todos eram segredos guardados a sete cha- e portadoras de seus vestígios, foi um fator de
ves. “Muitas vezes, havia casos de suborno, es- peso para o nascimento da nova ciência quími-
Artigos Científicos
pionagem e roubo de ‘re- ca”, analisa Ana. “Em troca
ceitas’ alquímicas a mando das buscas obsessivas por 1. ALFONSO-GOLDFARB, A. M.
de Oldenburg, em nome do materiais lendários, o labo- et al. Gur, Ghur, Guhr or Bur?
The quest for a metalliferous
progresso científico”, con- ratório acabou garantindo prime matter in early
ta a pesquisadora. Essas re- Foram marcadores excelentes pa- modern times. British
ceitas, porém, levantavam ra os progressos de análise Journal for the History of
nal, os papéis secretos ti- dois séculos deles uma expressão mate-
et al. Chemical Remedies in
the 18th Century: Mercury
nham ingredientes exóticos rial e visível para o estu- and Alkahest. Circumscribere.
ou não os descreviam com para que o velho do dos princípios ou bases v. 7, p. 19-30, 2010.
Documentos que
Reproduções do livro O museu hermético: Alquimia & Misticismo, de Alexander Roob valem ouro
Edição nº 182 –
abril de 2011
O ouro da sabedoria
Edição nº 177 –
novembro de 2010
O Brasil
visto do sítio
Estudos sobre Monteiro Lobato fazem ressurgir a
complexidade do escritor em todas as suas contradições
Carlos Haag
C
om grande precisão Monteiro Lobato
(1882-1948) resumiu numa frase o cre-
do de sua vida: “Um país se faz com
homens e livros”. Ele tentou melho-
rar, modernizar e reunir, sem grande
sucesso, este trio e por causa dessa mesma trinca
amargou críticas ferozes, incompreensão e desi-
lusão. Ele meteu o “narizinho” em todos os aspec-
tos da sociedade brasileira com uma sabedoria
digna de Dona Benta, atacando o conhecimento
antiquado dos “sabugosas” e acertando o atraso
nacional com um bodoque certeiro. Parecia ter
tomado uma “pílula falante” e sua “torneirinha”
e jorrava vitupérios contra os males nacionais.
Foi, acima de tudo, um poço de contradições.
“Lobato é um pouco como todos nós, brasi-
leiros. Ora assumindo posições polêmicas, ora
se antecipando a seu tempo. Cresci lendo seus
livros e muito de minha criatividade e liberdade
de pensamentos devo a seus textos que levam à
reflexão, ultrapassam o limite temporal. Ele era
um brasileiro sob medida”, explica Marisa La-
jolo, professora da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e da Universidade Presbi-
Ilustração de 1936
de Belmonte para a teriana Mackenzie, vencedora do Prêmio Jabuti
turma do Sítio de 2009 por Monteiro Lobato: livro a livro, obra
‘A
ge de fugir das contradições ou de abrandá-las,
carreira poliédrica de Lobato foi fruto de
aprofunde as oposições, inserindo suas ações em
uma visão de mundo arrojada e moderna,
contextos cada vez mais abrangentes”, observa
sempre em perfeita sintonia com o seu
a pesquisadora. momento histórico”, analisa Marisa. “Ele deixou
É nesse espírito que a equipe do temático pre-
marcas profundas na cultura brasileira e sua he-
para agora um novo estudo, desta vez dissecando
rança está presente nos lugares mais diversos. Por
“livro a livro” a sua obra adulta, pouco conheci-
exemplo, no perfil moderno da indústria livreira
da e apreciada em face do sucesso das criações
que criou, e também na problematização de vá-
infanto-juvenis. Ao longo dos anos, a história da
rios aspectos de práticas nacionais de escrita e de
literatura fixou uma imagem multiforme e um
leitura, de produção e da circulação de livros. Ele
tanto contraditória do escritor. De um lado, no-
foi um dos primeiros e raros intelectuais a per-
ta Marisa, afirma-se o escritor inventivo, consi-
ceber a profunda alteração pela qual passavam,
derado o criador de nossa literatura infantil; de
na modernidade, livros e leituras”, observa. Para
outro, despreza-se o crítico de pintura que tri-
tanto, empenhou o que tinha e o que não tinha.
Como comprovam, aliás, cartas
inéditas recém-descobertas por pes-
quisadores da Unidade Especial de
“As luzes sobre o modernismo Informação e Memória da Univer-
sidade Federal de São Carlos (UFS-
paulistano jogaram Lobato Car). No material descoberto, datado
de 1925, Lobato pede ajuda finan-
no limbo. Ele virou o vilão.” ceira ao fazendeiro Carlos Leôncio
de Magalhães, mais conhecido co-
mo Nhonhô Magalhães, para salvar
sua editora da falência. “Na primeira
carta ele diz ao fazendeiro que, se
ajudasse a editora, quem sabe um
dia os filhos do fazendeiro se inte-
ressariam por livros. Já na segunda,
Lobato diz que, se Nhonhô o aju-
dasse, não ajudaria somente o Bra-
sil, mas também a salvar sua vida,
em um tom mais emotivo”, conta
o professor João Roberto Martins,
coordenador da Unidade Especial.
A resposta de Nhonhô veio de for-
ma impessoal e datilografada, expli-
cando que não fazia mais negócios
por “necessitar de repouso”. “Essa
consciência aguda da dimensão eco-
nômica de livros e literatura são uma
As capas de das maiores marcas da modernidade
Marquez de de Lobato”, analisa Marisa Lajolo.
Rabicó, 1925, por
Daí a importância de mergulhar
Voltolino; Chave
do tamanho, 1949, na sua produção, em especial na qua-
por Augustus; e se esquecida literatura não infantil,
Emília no País da que voltou a ser editada apenas a
Gramática, 1934,
partir de 2007, quando a Editora Glo-
por Belmonte
bo assinou um contrato com os her-
deiros após anos de uma pendenga
com a Brasiliense, que detinha todos
os direitos sobre a obra lobatiana.
S
egundo Marisa, quem conhece Lobato apenas entusiasmo exacerbado, a ponto de perder, no-
como o incrível inventor do Sítio do Picapau vamente, seu patrimônio e parar na cadeia como
Amarelo pode conhecer o melhor Lobato, subversivo. No final da vida, o Jeca, agora trans-
mas, mesmo assim, está perdendo um bocado da formado em Zé Brasil, lutava não mais contra
personalidade do paulista sem papas na língua. doenças endêmicas, mas contra o latifúndio e a
“Entre 1882 e 1948, o escritor viveu entre dois bra- distribuição injusta de terra.
sis. Um mais agrícola, patriarcal, tradicionalista. “Monteiro Lobato fez mergulhos no imaginário
Com este, ele ajustou contas inventando um sítio coletivo e simultaneamente o fecundou; ‘taquigra-
onde impera o matriarcado, onde em vez de gado fou’ novas ideias sobre infância, que circulavam nas
há um burro falante e um sabugo sábio. O outro várias esferas culturais de seu tempo – como, por
era o Brasil que mudava de cara com a industria- exemplo, as teorias da Escola Nova – e as transpôs
lização. Para este segundo, ele foi um cidadão sob para sua obra literária”, analisa a pesquisadora
medida, feito de encomenda”. Fazendo no Vale do Cilza Bignotto, professora de teoria literária e lite-
‘Q
Artigos científicos
grupos de camponeses caipiras do interior de São uero fazer livros para criança morar. Não
Paulo, a gente pobre da periferia que começava a ler e jogar fora, mas morar como eu morei LAJOLO, M. P. Mário de
se formar na capital do estado”, analisa. Foi, aliás, no Robinson Crusoé”, escreveu o escritor Andrade e Monteiro Lobato:
um diálogo modernista em
com um achado de Cilza que o temático coorde- em carta ao amigo Godofredo Rangel. A Repú- três tempos. Teresa (USP).
nado por Mariza Lajolo ganhou matéria-prima de blica Velha pregava o ideal do moço sério, um v. 8-9, p. 141-60, 2008.
primeira. A pesquisadora, fazendo o seu mestrado, adulto em miniatura, quieto e pronto a obedecer LAJOLO, M. P. A figura do
deparou-se num porão de um livreiro em Santos e aceitar os valores estabelecidos. Na época, os negro em Monteiro Lobato.
Presença Pedagógica, Belo
com montanhas de material inédito de Lobato e livros reproduziam o sistema, ou seja, criança
Horizonte. v. 04, n. 23,
usou dinheiro da sua bolsa da FAPESP para adqui- levada era castigada. “Ele rompeu essa tradi- p. 21-31, 1998.
rir os tesouros, que decidiu colocar ao alcance do ção autoritária, inspirando-se no e inspirando o LAJOLO, M. P. Monteiro
público, doando tudo ao Instituto de Letras da Uni- projeto de renovação educacional estabelecido Lobato: um brasileiro sob
camp. Isso permitiu a criação do Fundo Monteiro após a revolução de 1930, quando os intelectuais medida. São Paulo: Editora
Moderna, 2000. v. 1. 99 p.
Lobato, que reúne hoje um acervo de mais de dois passaram a pregar um novo sistema de ensino
mil itens, entre originais, cartas, fotos, primeiras como forma de resolver os males do país”, ob-
edições, etc. Foi o “baú do Lobato” que ajudou os serva Cilza. Entre eles, destacou-se o educador De nosso arquivo
pesquisadores a adensar os trabalhos do temático baiano Anísio Teixeira e sua Escola Nova, que O futuro do presente
Monteiro Lobato e outros modernismos brasileiros. pretendia democratizar o saber, fazê-lo agradá- no pretérito
A análise dos novos achados deu novas peças ao vel aos jovens. Lobato soube trocar a travessura Edição nº 184 –
junho de 2011
quebra-cabeça que continua a ser montado pelo por aventura, colocando ao alcance da criança o
grupo e foi se configurando um Lobato ainda mais gesto libertário na figura da Emília. Lobato lu- O latifúndio de Lobato
Edição nº 157 –
complexo. Afinal, como observa Marisa, sempre tou por isso até morrer, ou melhor, até virar “gás março de 2009
atento a sua realidade, ele soube incorporar, em inteligente”, sua metáfora da morte. Apesar do
Independência ou morte
uma obra ficcional pautada pela fantasia e pelo tempo, ele permanece o inconformista ideal para Edição Especial FCW –
humor, informações muitas vezes coincidentes os tempos modernos, tão conformados. n outubro de 2007
112 mil
bolsistas
desde 1962
96 mil
auxílios regulares
a pesquisas
desde 1962
1.185
pesquisadores
apoiados pelo
programa Jovens
Pesquisadores
desde 1995
54
convênios e
acordos de
cooperação
internacional
em vigor
1.535
Projetos
Temáticos
aprovados
desde 1991
1.200
projetos de
Pesquisa e
Inovação
Pequenas
Empresas
(em 2011, dois
aprovados
por semana),
eduardo césar
desde 1997