Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Quem Sabe Faz A Hora
Quem Sabe Faz A Hora
QUEM SABE
FAZ A HORA
Reportagens e perfis
sobre decisões que mudam vidas
Professores-orientadores
Profa. Ma. Edilaine Heleodoro Felix e Prof. Dr. Marcos Antonio Zibordi
Quem sabe faz a hora [livro eletrônico]: reportagens e perfis sobre decisões que mudam vidas
/ (org.) Edilaine Felix e Marcos Zibordi ; (ilustrações) João Vitor de Oliveira dos Santos. -- São
Paulo : Editora Casa Flutuante, 2022.
PDF
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-88595-36-7
22-136963 CDD-070.442
Proibida a reprodução por quaisquer meios (eletrônicos, fotográficos, xerográficos, mecânicos, gravação,
estocagem em banco de dados e outros) sem autorização explícita dos autores e autoras, exceto em citações
breves com indicação da fonte.
[2022]
Todos os direitos reservados aos Organizadores
Apresentação
A expressão de um jornalismo necessário.................9
Antonio Lucio Rodrigues de Assiz
A expressão de um jornalismo
necessário
A
lente do jornalismo tem mesmo algo de fantásti-
co. Em tempos difíceis, estão lá artesãos da espe-
rança decifrando os problemas sociais e apontan-
do caminhos, possibilidades, uma luz para a sociedade se
guiar. Ao navegar pelas histórias contadas por futuros jor-
nalistas, encontramos personagens que nos inspiram e dão
força para acreditar que dias melhores virão.
Este livro-reportagem reúne histórias apoiadas em in-
vestigação cuidadosa, sensíveis e narradas com técnicas do
jornalismo autoral que nos fazem percorrê-las com a curio-
sidade e a satisfação de compartilhar o drama e a luta dos
personagens. Ficamos mais íntimos, conscientes e cúmpli-
ces deste mundo que precisa de todos para ficar melhor.
9
As histórias narradas nestas páginas estão contadas
também em 9 documentários, cada um relacionado ao capí-
tulo do livro e igualmente representam uma produção que
certamente ganhará as telas de canais educativos e serviços
de streaming, devido aos excelentes filmes apresentados.
Toda esta produção é o resultado do Projeto Interdisci-
plinar do 6o semestre do curso de Jornalismo da Universida-
de Cruzeiro do Sul, fruto da formação qualificada proposta
pelo curso e acolhida pelos discentes e pelos docentes de
toda a graduação, especialmente o prof. Dr. Marcos Anto-
nio Zibordi, que propôs a ampliação da realização do do-
cumentário para a produção de narrativas textuais, e pela
profa. Ma. Edilaine Heleodoro Felix, que, juntamente com
Zibordi, assumiu a orientação para que esta obra magnífica
pudesse existir.
Parabenizo a todos os envolvidos neste projeto, princi-
palmente os autores, futuros grandes jornalistas!
10
Uber acima de todos
13
QUEM SABE FAZ A HORA
14
UBER ACIMA DE TODOS
15
QUEM SABE FAZ A HORA
16
UBER ACIMA DE TODOS
17
QUEM SABE FAZ A HORA
18
UBER ACIMA DE TODOS
19
QUEM SABE FAZ A HORA
20
UBER ACIMA DE TODOS
21
QUEM SABE FAZ A HORA
22
UBER ACIMA DE TODOS
matar o outro. Uma que diz que ia fazer muita coisa e não
fez nem por ela. Apenas o Ciro que foi educado e que não
alfinetou ninguém. O restante era um alfinetando o outro
com motivos que não tinham nada a ver. Vou pagar os R$
3,50 da taxa por não ter votado e vou trabalhar que eu ga-
nho mais.
Muita gente tem o posicionamento político da passagei-
ras. Ao final do dia, junto com o resultado mais esperado,
saberemos que as pessoas que não votaram chegaram a cer-
ca de 32 milhões de eleitores, representando 20,79% do total
apto a votar. A média se manteve no exterior, onde foram
registrados cerca de 330 mil ausentes, uma taxa de 20,91%.
Por hora, dentro do carro, pelas ruas de São Paulo, o
clima está cada vez mais tenso. Está me aproximando do ho-
rário final da votação. As ruas começam esvaziar. Neste dia
tão importante, o “DataUber” me mostrou algo que nunca
havia presenciado com tanta intensidade. O vai e vem de
pessoas na rua, o entra e sai de passageiros no carro, as con-
versas e os silêncios. Os medos, anseios, angústias. De votar,
de mudar, de permanecer. A tensão aumenta conforme o
horário da apuração se aproximava.
Cinco horas da tarde. A população está ansiosa por no-
tícias, já que neste ano a famosa “Boca de Urna”, pesquisa
de previsão do resultado realizada no dia da eleição, não foi
realizada. É a primeira vez desde 1989 que não acontecem.
23
QUEM SABE FAZ A HORA
24
UBER ACIMA DE TODOS
25
Quando você se coloca no lugar
do outro, tudo dá certo
27
QUEM SABE FAZ A HORA
28
“QUANDO VOCÊ SE COLOCA NO LUGAR DO OUTRO, TUDO DÁ CERTO”
29
QUEM SABE FAZ A HORA
30
“QUANDO VOCÊ SE COLOCA NO LUGAR DO OUTRO, TUDO DÁ CERTO”
31
QUEM SABE FAZ A HORA
32
“QUANDO VOCÊ SE COLOCA NO LUGAR DO OUTRO, TUDO DÁ CERTO”
33
QUEM SABE FAZ A HORA
34
Quem ocupa não quer ser
invadido
37
QUEM SABE FAZ A HORA
38
QUEM OCUPA NÃO QUER SER INVADIDO
39
QUEM SABE FAZ A HORA
40
QUEM OCUPA NÃO QUER SER INVADIDO
41
QUEM SABE FAZ A HORA
42
QUEM OCUPA NÃO QUER SER INVADIDO
43
O corre da comunicação de
quebrada
45
QUEM SABE FAZ A HORA
46
O CORRE DA COMUNICAÇÃO DE QUEBRADA
Contrariando as estatísticas
47
QUEM SABE FAZ A HORA
48
O CORRE DA COMUNICAÇÃO DE QUEBRADA
49
QUEM SABE FAZ A HORA
50
O CORRE DA COMUNICAÇÃO DE QUEBRADA
51
QUEM SABE FAZ A HORA
52
O CORRE DA COMUNICAÇÃO DE QUEBRADA
53
Transtorno de ansiedade e
depressão: a vida acelerada e
em câmera lenta
55
QUEM SABE FAZ A HORA
56
TRANSTORNO DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO: A VIDA ACELERADA E EM CÂMERA LENTA
57
QUEM SABE FAZ A HORA
58
TRANSTORNO DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO: A VIDA ACELERADA E EM CÂMERA LENTA
59
QUEM SABE FAZ A HORA
60
TRANSTORNO DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO: A VIDA ACELERADA E EM CÂMERA LENTA
61
QUEM SABE FAZ A HORA
62
TRANSTORNO DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO: A VIDA ACELERADA E EM CÂMERA LENTA
63
QUEM SABE FAZ A HORA
64
TRANSTORNO DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO: A VIDA ACELERADA E EM CÂMERA LENTA
65
Uma angústia que não se
encerra após o fechamento
da porta
67
QUEM SABE FAZ A HORA
68
UMA ANGÚSTIA QUE NÃO SE ENCERRA APÓS O FECHAMENTO DA PORTA
69
QUEM SABE FAZ A HORA
O ponto de partida
70
UMA ANGÚSTIA QUE NÃO SE ENCERRA APÓS O FECHAMENTO DA PORTA
71
QUEM SABE FAZ A HORA
72
UMA ANGÚSTIA QUE NÃO SE ENCERRA APÓS O FECHAMENTO DA PORTA
73
QUEM SABE FAZ A HORA
74
UMA ANGÚSTIA QUE NÃO SE ENCERRA APÓS O FECHAMENTO DA PORTA
75
QUEM SABE FAZ A HORA
76
UMA ANGÚSTIA QUE NÃO SE ENCERRA APÓS O FECHAMENTO DA PORTA
77
QUEM SABE FAZ A HORA
78
UMA ANGÚSTIA QUE NÃO SE ENCERRA APÓS O FECHAMENTO DA PORTA
79
QUEM SABE FAZ A HORA
80
UMA ANGÚSTIA QUE NÃO SE ENCERRA APÓS O FECHAMENTO DA PORTA
81
QUEM SABE FAZ A HORA
82
UMA ANGÚSTIA QUE NÃO SE ENCERRA APÓS O FECHAMENTO DA PORTA
83
QUEM SABE FAZ A HORA
84
UMA ANGÚSTIA QUE NÃO SE ENCERRA APÓS O FECHAMENTO DA PORTA
85
QUEM SABE FAZ A HORA
86
UMA ANGÚSTIA QUE NÃO SE ENCERRA APÓS O FECHAMENTO DA PORTA
87
O show de amanhã
89
QUEM SABE FAZ A HORA
90
O SHOW DE AMANHÃ
91
QUEM SABE FAZ A HORA
92
O SHOW DE AMANHÃ
93
QUEM SABE FAZ A HORA
94
O SHOW DE AMANHÃ
95
QUEM SABE FAZ A HORA
96
O SHOW DE AMANHÃ
97
No camarim, minutos antes do
concurso
99
QUEM SABE FAZ A HORA
100
NO CAMARIM, MINUTOS ANTES DO CONCURSO
Transição
101
QUEM SABE FAZ A HORA
102
NO CAMARIM, MINUTOS ANTES DO CONCURSO
103
QUEM SABE FAZ A HORA
104
NO CAMARIM, MINUTOS ANTES DO CONCURSO
Camarim da vida
105
QUEM SABE FAZ A HORA
106
NO CAMARIM, MINUTOS ANTES DO CONCURSO
107
QUEM SABE FAZ A HORA
108
Os 100 metros invisíveis de
Fernando Botasso
111
QUEM SABE FAZ A HORA
112
OS 100 METROS INVISÍVEIS DE FERNANDO BOTASSO
113
QUEM SABE FAZ A HORA
114
OS 100 METROS INVISÍVEIS DE FERNANDO BOTASSO
115
QUEM SABE FAZ A HORA
116
OS 100 METROS INVISÍVEIS DE FERNANDO BOTASSO
117
Jornalismo sem literatura
Marcos Zibordi
Q
uando alunas e alunos me perguntam se suas
reportagens devem ser feitas “como jornalismo
literário”, respondo sem pestanejar: “se fizer jor-
nalismo, está ótimo”. A resposta não é só irônica, expressa
uma posição teórica e pedagógica, que não exclui abordar
relações entre jornalismo e literatura.
Nenhuma das reportagens desta coletânea, resultado do
trabalho de um semestre, foi orientada no sentido de ser,
prioritariamente, literária. E não só porque as definições de
literatura e de jornalismo são complexas e sem consenso,
mas, sobretudo, porque o repertório teórico e prático da re-
portagem é suficiente para que sejam produzidas. Leiam,
por exemplo, Cremilda Medina (2001, 2003, 2010, 2016,
119
2022), que não é uma teórica do jornalismo literário, e,
como diria um ex-presidente, a verdade os libertará.
A unanimidade conceitual relativa ao chamado “jornalis-
mo literário” — um dos nomes entre dezenas de outros para a
mesma receita — prejudica imensamente o ensino de jornalis-
mo, sem falar no quanto reduz a teoria à reiteração de um pen-
samento colonizado a partir das ideias do profeta Tom Wolfe.
Existe uma patota feliz, plenamente realizada em sua
crença teórica acrítica, pretensas autoridades no assunto,
repetindo há meio século meia dúzia de bobagens expelidas
por Tom Wolfe no livrinho que, no Brasil, está publicado
com o nome de Radical Chique e o Novo Jornalismo (2005).
Seguindo seu guru, esses teóricos escrevem artigos, li-
vros, participam de congressos, aprovam seus pares em
concursos públicos, formam associações nacionais e inter-
nacionais, mas são incapazes de levantar qualquer questio-
namento relevante, destruindo completamente a ideia de
que a universidade é o lugar do pensamento crítico.
Para tais cientistas, “jornalismo literário” é uma religião,
e suas bíblias, os livros de Tom Wolfe, Edvaldo Pereira Lima
(2009), entre outras e outros (BELO, 2006; BORGES, 2013;
MARTINEZ, 2016; PENA, 2021) cuja lista tomaria muitas
páginas desta introdução.
Uma pergunta útil; aliás, duas; ou melhor, três: o que
é literatura? O que é jornalismo? Qual ou quais correntes
120
teóricas embasam as definições daquilo que seria jornalísti-
co-literário? Dou um doce para quem responder. E se hou-
ver resposta, ela não está na tradição teórica absolutamente
servil, típica de um país de analfabetos cujos doutores são
uma casta assentada em confortáveis bancos acadêmicos.
Para não parecer que escrevo somente com a bílis, vão
aí alguns resultados parciais de pesquisa de pós-doutorado
sendo realizada na sacrossanta Universidade de São Paulo
(USP). Com base em cerca de 30 livros-reportagem mais
citados pela teoria binacional, estadunidense e brasileira,
estamos constando que os quatro pressupostos teóricos de
Tom Wolfe para o “novo jornalismo” simplesmente não es-
tão presentes nas obras das quais ele e seus fiéis seguidores
juram ter tirados aqueles mesmos conceitos...
O teórico e jornalista norte-americano afirmou que
quatro aspectos constituiriam a jornalismo literário. Um
deles é a presença de diálogos, que o repórter captaria em
campo e transcreveria, o mais completamente possível, em
reportagens e livros. Mas esses diálogos raramente apare-
cem. O que lemos são frases isoladas entre aspas, igualzinho
ao procedimento do jornalismo diário, de lide e pirâmide
investida, do qual, em tese, as narrativas jornalístico-literá-
rias se diferenciariam.
Um exemplo? Em Os Sertões (2006), a segunda obra
mais citada pela tradição teórica binacional em nosso
121
levantamento ainda parcial, existem somente dois diálogos
longos, mesmo assim intercalados com observações do
narrador (p. 131-132; 355-356). Além deles, contamos
duas trocas curtas de conversas, com três e quatro orações
(p.112; 293) e outras nove falas isoladas (p. 195, 196, 199,
203, 204, 211, 310).
Ainda segundo Tom Wolfe e seus acólitos, as produções do
novo jornalismo manejariam o narrador de forma inovadora,
ou seja, um personagem conduziria a história. Seria o “ponto
de vista da terceira pessoa”, o que daria ao leitor “a sensação de
estar dentro da cabeça do personagem” (2005, p.54).
Se isso realmente acontecesse, seria inovador. Porém,
praticamente não encontramos tal mudança de perspectiva.
Predomina o narrador em terceira pessoa, homólogo ao au-
tor e falando por ele, criando uma ilusão de distanciamento
que pretende representar a verdade, mas no máximo a en-
cena. Narradores em primeira pessoa são raros e aparecem
em curtas passagens.
Sobre isso, alguém sempre vai lembrar de Os Exércitos
da Noite, de Norman Mailer. Lançado em 1968, é tido como
exemplo de deslocamento do narrador, conforme previsto
pela teoria do novo jornalismo, pois um personagem conduz
a história da marcha à sede do Pentágono, contra a Guerra do
Vietnã. Mas o deslocamento é menos radical do que parece
porque o autor é a própria terceira pessoa, ou seja, Mailer
122
narra a si mesmo, tornando a narrativa um exercício egocên-
trico: não cede a palavra, nem o ponto de vista.
Outro aspecto definidor do novo jornalismo privile-
giaria detalhes significativos de objetos, vestimentas, si-
tuações e personagens. Tal recurso “sempre foi o menos
entendido”, afirma Tom Wolfe, para quem “o registro des-
ses detalhes não é mero bordado em prosa. Ele se coloca
junto ao centro de poder do realismo, assim como qual-
quer outro recurso da literatura” (2005, p.55). Há pelo
menos três equívocos nessa generalização: um histórico,
outro teórico e o terceiro, empírico.
No tratado de teoria literária Do Sublime, provavelmen-
te escrito no primeiro século cristão, o autor afirma que
“encontraríamos necessariamente uma causa do sublime na
escolha indefectível das partes mais essenciais” (2005, p.81).
Ou seja, a percepção e o registro de detalhes significativos
— que Wolfe também chama de “simbólicos” — é uma qua-
lidade literária milenar e atributo que não se circunscreve
à literatura: trata-se de uma propriedade textual valorizada
no contexto da economia da escrita, considerando que os
excessos são sempre condenáveis, ou, segundo a referência
que estamos citando, os “inchaços são ruins no corpo e no
estilo” (2005, p.73). Escrever bem implica em seleção de as-
pectos significativos, na literatura ou fora dela, antes e de-
pois do Realismo.
123
Quanto ao equívoco teórico, não há consenso de que as
produções realistas possam ser caracterizadas pela descri-
ção de aspectos simbólicos, que seriam seu “centro de po-
der”, conforme afirma Wolfe. Ao comentar Madame Bovary,
obra pioneira do Realismo, Charles Baudelaire é veemente:
a “descrição minuciosa” é uma definição rasa:
Do ponto de vista empírico, a presença de detalhes sig-
nificativos encontra um obstáculo significativo em obras
nas quais o repórter não presenciou fatos, não visitou lo-
cais ou não encontrou seus personagens. Em casos assim, a
narrativa investe em reconstituir o passado, prescindindo
de pormenores simbólicos, que, sim, contribuiriam para a
caracterização, mas não impedem que nenhuma história
seja contada.
A narração cena a cena é o quarto conceito-chave da
tradição teórica iniciada por Tom Wolfe. As histórias deve-
riam ser conduzidas concatenando cenas, evitando a “mera
narrativa histórica”, que Wolfe nomeia, mas não define. Ele
124
provavelmente está se referindo a trechos nos quais o narra-
dor recupera fatos, contextualiza situações, fazendo a narra-
tiva progredir, sem fixar cenas.
Ao desconsiderar os problemas na reconstituição de fa-
tos e ações, a começar pelos oriundos da não-presenciali-
dade, receitamos procedimentos, impomos a regra de que
sequências de cenas deveriam ser captadas ao vivo, aceitan-
do, por consequência, noção restritiva de construção de his-
tórias, como se sempre devessem ser escritas fixando uma
cena após a outra.
Wolfe propõe que o repórter seja imersivo, mas descon-
sidera que nem sempre a captação de informações é feita
diante ou durante a ocorrência dos fatos. Em livros-repor-
tagem, em geral ocorre depois. As propostas dependem,
invariavelmente, da presença em campo para registrar fa-
las, cenas e escolher personagens, mas o novo jornalismo é
apresentado como uma questão formal, relativa à maneira
de estruturar as histórias. Por isso, não problematiza que o
autor de uma reportagem ou livro-reportagem não só pre-
sencia fatos e ações, não só entrevista pessoas, muitas vezes
procedimentos impossíveis pela natureza da pauta, mas vas-
culha arquivos, investiga documentos, pesquisa em fontes
científicas, jornalísticas, entre outras.
Também há impedimentos de ordem prática para se
presenciar e reconstituir cenas, quando, por exemplo,
125
a jornalistas são proibidos determinados acessos ou
simplesmente quando é impossível acompanhar ao vivo,
como as dificuldades narradas por Caco Barcellos para
flagrar a ocorrência de crimes ou acompanhar o trabalho da
polícia no livro-reportagem Rota 66 (2002, p.197).
126
partir desse fato, é que o texto praticou uma ousadia estilís-
tica no primeiro parágrafo, eliminando a pontuação para dar
a sensação — real, e não imaginária ou gratuitamente esteti-
zante — de que a ansiedade é sinônimo de rapidez.
Nesse e em outros casos desta coletânea, o investimento
estético tem base na realidade. Não é sua extrapolação, mas
uma tentativa, apoiada estilisticamente, de dizer melhor,
com mais precisão, aquilo que realmente acontece. Não há
fórmula mágica para isso, mas uma observação-experiência
do repórter que vai a campo e, munido de sensibilidade, é
capaz de perceber aquilo que o “gesto da arte” (MEDINA,
2003) pode promover na hora da escrita.
E em sala de aula? Durante o semestre, a estratégia pe-
dagógica se baseia em uma tríade: exposição teórica, inclu-
sive sobre jornalismo literário, pois não abrimos mão dos
conceitos, somente não nos perdemos, nem nos fixamos
exclusivamente na abstração; leitura e discussão de repor-
tagens que ilustram os pontos de vista teóricos, momento
delicado que exige concentração e dedicação da turma, à
qual agradecemos por terem aceitado a proposta; e produ-
ção prática, transformando a disciplina em um, como disse-
mos, laboratório de narrativas.
Como as aulas em outras paragens costumam se resumir a
teorizações e, quando muito, leitura e discussão de algum texto
jornalístico, explico o que entendemos por prática jornalística.
127
Ela envolve todas as fases do processo, da pauta à publicação do
livro. No primeiro momento, os alunos discutem propostas de
abordagem; em seguida, escrevem sobre quem, quando, onde,
como, entre outras justificativas à reportagem que pretendem
produzir. Escrita, a pauta volta a ser discutida. Então eles vão
à luta, quer dizer, a campo. Nenhuma reportagem desta co-
letânea foi feita sem o contato com a realidade de situações e
personagens, às vezes mais de uma vez, quando foi necessário.
Então começa um processo de escrita, discussão e rees-
crita, que ocupa várias aulas. São encontros imensamen-
te produtivos, durante os quais podemos abordar tantas
questões, de estatísticas a estilísticas, que seria impossível
listar todas aqui. Algumas envolvem a construção de per-
sonagens, do aspecto físico ao psicológico, passando pelos
trejeitos; provocamos a sensibilidade em relação àquilo que
aspirantes a repórter não estão vendo; discutimos a melhor
maneira de escrever, do vocabulário à divisão de frases e
parágrafos; assim como apontamos a necessidade de mais
informações, tanto aquelas a serem extraídas da realidade,
quanto de banco de dados eletrônicos. Enfim, as questões
que surgem são infinitas, daí chamarmos de laboratório de
narrativas jornalísticas, porque estamos experimentando,
testando, voltando atrás, obtendo resultados mais ou me-
nos satisfatórios. Aliás, o objetivo principal não é a beleza,
mas a qualidade da informação, apesar do ganho, digamos,
128
artístico — contudo, reitero, literatura não vem primeiro; é
resultado do mergulho na realidade, que, sim, é estetizante,
mas, no jornalismo, nunca a priori, como na ficção, mesmo
a realista, que pode — e não é raro — prescindir do contato
com a realidade palpável.
Após inúmeras discussões, chega o momento em que
estudantes participam de aulas sobre alguns processos edi-
toriais, especificamente edição de livros. Há aula sobre li-
vro-reportagem, depois visitamos sites de editoras especia-
lizadas, mostramos obras, fazemos orçamentos e propomos
a produção da coletânea. Surgem surpresas como a enorme
adesão da turma para o rateio dos custos, além de participa-
ções muito bem-vindas de alunos-artistas que se propõem a
ilustrar as reportagens, como aconteceu desta vez.
Todo esse processo foi realizado em conjunto com dois
professores, em outras duas disciplinas. Uma, capitanea-
da pela professora Edilaine Felix, participa diretamente da
produção textual; outra, liderada por Antônio Assiz, produz
documentários em vídeo, para que estudantes possam per-
ceber as diferenças de abordagem, produção e edição com
imagens em movimento, desenvolvendo a mesma pauta da
coletânea escrita.
Trabalheira, mas os resultados compensam. É como
disse um ex-técnico de futebol, inclusive de time diferente
do meu, mas que devo citar: ao responder pergunta sobre
129
os resultados alcançados por sua equipe, negando qual-
quer sorte ou arte, cravou: “aqui é trabalho, meu filho”.
Referências
130
MARTINEZ, Monica. Jornalismo literário – tradição e
inovação. Florianópolis: Insular, 2016.
131
EDILAINE FELIX é jornalista formada pela Universidade de
Mogi das Cruzes (1999), especialista em Gestão da Comunicação
e mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Doutoran-
da no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação
da ECA/USP. No jornalismo, atuou como repórter em revistas,
sites e jornal impresso. Pesquisadora do grupo Jornalismo, Direito
e Liberdade (JDL). É docente no curso de Jornalismo na Universi-
dade Cruzeiro do Sul (Unicsul).
F
Editora Casa Flutuante
Rua Manuel Ramos Paiva, 429 - São Paulo - SP
Fone: (11) 2936-1706 / 95497-4044
www.editoraflutuante.com.br