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Práticas restritivas de asilo: causas e efeitos

Sugerir que as definições de refugiado e migrante económico tenham perdido toda a sua
validade científica seria incorrecto. Nalgumas situações, a distinção pode ser relativamente
fácil de fundamentar. Ninguém sugere que os 400.000 liberianos que vivem na Guiné, se
deslocaram para esse país com o objectivo de melhorarem o seu nível de vida. Do mesmo
modo, não existe realmente dúvida de que os cerca de 1.000.000 trabalhadores filipinos que
vivem fora do seu país sejam migrantes económicos. Mas a questão torna-se mais complexa
em relação aos ruandeses que chegam à Bélgica, aos haitianos que conseguem alcançar os
EUA, aos somáli que atravessam o continente africano até à República da África do Sul, aos
vietnamitas que chegam de barco à costa australiana. Para além disso, ao apresentarem um
pedido de asilo, estas pessoas passam, de facto, a fazer parte do problema de refugiados,
mesmo que em última instância os seus pedidos sejam rejeitados.

No que diz respeito aos países industrializados, este problema tem assumido uma série de
diferentes aspectos. Em primeiro lugar, numa altura em que os governos procuram limitar os
níveis de imigração primária e dar prioridade a determinados grupos bem definidos, a
chegada espontânea de tantos requerentes de asilo representa uma significativa perda de
autonomia. Seria errado sugerir que os países mais ricos se opõem categorica e
unanimemente à imigração. De facto, países como a Austrália, Canadá e EUA, sendo eles
próprios nações de imigrantes, continuam a encontrar aspectos positivos na chegada e
absorção de estrangeiros. Mas os países industrializados e os seus cidadãos desejam regular
este processo e sentir que detêm algum controlo sobre o tipo de pessoas que são admitidas no
seu território.

Em segundo lugar, numa altura em que muitos dos países desenvolvidos são confrontados
com déficits orçamentais significativos e solicitações acrescidas sobre a despesa pública, o
recente fluxo de requerentes de asilo representa um encargo financeiro indesejado. De
acordo com uma estimativa, o custo da gestão dos procedimentos de asilo e a prestação de
benefícios sociais aos requerentes de asilo, em 13 dos mais importantes países
industrializados, aumentou de cerca de 500 milhões de dólares, em 1983, para cerca de 7
biliões, em 1991. Em 1994, pensa-se que só a Suiça desembolsou cerca de 400 milhões de
dólares em gastos relacionados com o asilo.

Um terceiro e mais trágico problema, associado à chegada de requerentes de asilo aos países
industrializados, diz respeito ao aumento das atitudes xenófobas no seio das comunidades de
acolhimento - tendência que tem sido incentivada e explorada por partidos políticos
extremistas. Apelando a um eleitorado mais alargado do que a alienada juventude urbana,
mais abertamente associada a organizações racistas, estes partidos têm conseguido exercer
uma importante influência sobre a agenda política em muitos países europeus. Para manter o
apoio da opinião pública, mesmo os governos mais liberais são levados a procurar formas de
fechar a porta do asilo.
:
Prevenção e dissuasão

Durante a última década, os países industrializados têm multiplicado esforços para prevenir
ou dissuadir os requerentes de asilo de alcançarem o seu território e para acelerar os
procedimentos de análise dos pedidos. Estas medidas incluem, nomeadamente:

o alargamento da exigência de visto a nacionais de países que dão (ou poderão dar)
origem a um número significativo de requerentes de asilo, bem como a imposição de
multas a empresas transportadoras que transportem passageiros sem documentos
válidos;
a interdição a requerentes de asilo em alto mar, seguida do seu repatriamento sumário
ou transferência para um local diferente do país onde pretendiam pedir asilo;
a recusa sumária de entrada de requerentes de asilo nas fronteiras e portos, bem como
a introdução de procedimentos de asilo acelerados ("fast track") que permitam a rápida
deportação de pessoas que apresentem pedidos fraudulentos ou manifestamente
infundados.
o reenvio de requerentes de asilo para países por onde tenham transitado e onde
poderiam ter apresentado o seu pedido de asilo, facilitando em muitas situações o
estabelecimento de acordos de readmissão ou deportação entre os países em questão;
a interpretação restritiva da definição de refugiado, consagrada na Convenção das
Nações Unidas de 1951 relativa ao Estatuto de Refugiado, aumentando desta forma o
ónus da prova relativamente a pessoas que afirmam ter um receio fundado de
perseguição no seu país;
a detenção de requerentes de asilo em condições semelhantes às prisionais, bem como
a exclusão ou redução do direito ao trabalho e a prestações sociais;
a celebração de acordos intergovernamentais, que visam evitar que os requerentes de
asilo, cujos pedidos tenham sido rejeitados, possam apresentar um novo pedido noutro
país.

Qual tem sido o impacto destas medidas? Num sentido estrito, parecem ter conseguido
alcançar os resultados pretendidos, uma vez que, tal como se indicou anteriormente, após um
período de crescimento ininterrupto desde 1983, o número de pedidos de asilo apresentados
nos países industrializados tem vindo a descer nos últimos dois anos. Só na Alemanha, que
recebeu um número de requerentes de asilo muito superior a qualquer outro país europeu, o
número de pedidos baixou, no mínimo, 60% em 1993-94 (ver caixa 5.3).

De acordo com muitos Governos e com alguns analistas independentes, as práticas restritivas
dos últimos anos podem ser justificadas por razões mais construtivas. Tem sido sugerido que
apenas prevenindo a entrada de um grande número de migrantes económicos, através da
porta do asilo, se poderá preservar o apoio da opinião pública em relação à entrada de
refugiados e ao instituto do asilo. A imposição destas restrições pode também ser o preço a
:
pagar pela garantia do bem-estar de comunidades imigrantes, que se encontram estabelecidas
nos países de acolhimento, e pela promoção de relações étnicas harmoniosas. Como afirmou
um analista, "a perspectiva de integração bem sucedida da actual geração de migrantes e dos
seus descendentes na vida política, social e económica dos países da Europa comunitária será
substancialmente mais elevada, se os países membros sentirem que detêm um controlo
efectivo sobre as entradas, do que se os fluxos da imigração não forem regulados (1).

Estes são argumentos de peso e representam


uma importante correcção da ideia, ainda
acarinhada por alguns grupos de defesa, de
que os controlos de imigração são moralmente
errados e que os pedidos de estatuto de
refugiado deveriam normalmente ser
considerados de boa fé. O ponto de partida de
qualquer abordagem séria desta questão deve
ser o de garantir o legítimo interesse dos
países e sociedades em regular o movimento
de entrada de pessoas no seu território. No
entanto, existem elementos suficientes no
sentido de que as medidas que os Governos
têm introduzido para controlar a admissão de estrangeiros têm tido algumas consequências
negativas para os refugiados e para o instituto do asilo.

Implicações da protecção

"Uma vez que os países, em particular no mundo industrializado, intensificam e coordenam


os seus esforços para controlar a imigração ilegal, existe o perigo das medidas legislativas e
administrativas adoptadas, incluindo aquelas que visam acelerar os procedimentos de asilo e
transferir a responsabilidade pela análise dos pedidos para outros Estados, poderem ter o
efeito de colocar os refugiados em situações que, em última instância, poderão levá-los a
regressar a um país onde a sua vida ou liberdade se encontram ameaçadas". Tal como
sugerem estas declarações da Divisão Internacional de Protecção do ACNUR, os métodos
cada vez mais duros e sofisticados, adoptados pelos controlos de imigração dos países mais
ricos têm, nalguns casos, ameaçado princípios fundamentais da protecção de refugiados.

Por exemplo, nos últimos anos, as representações do ACNUR no terreno denunciaram um


crescente número de situações de requerentes de asilo a quem foi recusada entrada num país,
tendo sido reenviados para o último país de trânsito. Contudo, em vez de examinar o pedido
de asilo, o país de trânsito tem, por vezes, procedido à expulsão sumária dos indivíduos em
questão, quer para o país de origem, quer para outro país onde a sua segurança não se
encontra garantida.

Um exemplo desta tendência verificou-se no caso de seis requerentes, nacionais da Somália


:
(uma mulher e cinco crianças) que foram reenviados da Bélgica para a República Checa,
tendo subsequentemente sido expulsos deste país para a Eslováquia e daí para a Ucrânia (que
não é signatária da Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto de Refugiado),
onde se lhes perdeu o rasto. De acordo com o ECRE, todos os meses, milhares de
requerentes de asilo são afectados por estas "expulsões em cadeia" para os países saídos do
regime comunista, que têm pouca experiência em questões de refugiados e a quem faltam
meios para responder às necessidades de assistência dos candidatos ao asilo.

Uma outra ameaça, igualmente séria, aos princípios de protecção pode ser observada no
argumento de que o direito internacional de refugiados não é aplicável a um Estado fora do
seu território. Os requerentes de asilo que viagem de barco ou jangada e que sejam
interditados em alto mar poderão, segundo este argumento, ser sumariamente reenviados
para o seu país de origem, mesmo que corram o risco de virem a ser perseguidos. Tal como
comentou a Alta Comissária das Nações Unidas para os Refugiados, "esta ideia é claramente
inconsistente com os fins e contrária ao espírito da Convenção das NU sobre Refugiados".

Um último exemplo da forma como as práticas restritivas de asilo têm ameaçado a protecção
dos refugiados pode ser observado na expulsão sumária de requerentes de asilo que chegam
sem passaporte ou visto válidos. Nalguns países, as autoridades têm efectuado o controlo de
documentos a bordo de aviões, logo que estes aterram, o que que lhes permite afirmar (aliás
de forma bastante duvidosa) que qualquer passageiro subsequentemente expulso não foi
admitido no território do país e, por isso, não se encontrava em situação de poder pedir asilo.
Infelizmente, o ACNUR tem conhecimento de casos em que as vítimas destas expulsões
foram presas ou torturadas, logo após a sua chegada ao país para onde foram reenviadas.

Poderá ser manifestado um conjunto de outras reservas em relação à forma como os países
industrializados têm procurado controlar a imigração ilegal e o número de pessoas que
procuram asilo no seu território.

Em primeiro lugar, apesar do número de pedidos de asilo recebidos pelos países mais ricos
ter descido nos últimos dois anos, a experiência anterior sugere que medidas restritivas
tendem a desviar o fluxo de potenciais refugiados, sem que necessariamente o volume total
de pedidos seja reduzido. Deste modo, pode não ser coincidência o facto de, em 1994, o
número de pedidos apresentados na Alemanha ter descido cerca de 60%, enquanto na
Holanda, o número de pedidos apresentados, durante o mesmo período, ter aumentado pouco
menos de 50%.

As representações do ACNUR em países como a India, Nigéria, Tailândia e África do Sul,


para não referir os países da Europa do Leste também registam um aumento do número de
pedidos de asilo apresentados por pessoas que, em anos anteriores, poderiam ter tentado
chegar a uma das sociedades industrializadas. Para além disso, existem indicações de que
com o encerramento da porta do asilo, muitas pessoas recorrem à imigração ilegal - uma
tendência que é acolhida com agrado por traficantes e sindicatos do crime que controlam este
negócio em expansão.

Em segundo lugar, embora fosse bom acreditar que controlos de imigração e de asilo
:
apertados poderão contribuir para a harmonia racial e para a integração social de grupos
minoritários, existem poucos elementos que comprovem que isto seja, de facto, verdade. Um
dos aspectos mais desconcertantes do debate sobre o asilo em muitos países desenvolvidos, é
a linguagem de crise de que se tem revestido. Os políticos que falam sobre o facto do seu
país ser "inundado por falsos refugiados", "invadido por estrangeiros" ou "atolado de
imigrantes ilegais" têm conseguido criar um ambiente de muito pouca empatia em relação
aos migrantes e grupos minoritários, qualquer que seja o seu estatuto.

Em terceiro e último lugar, é essencial recordar que, apesar do recente decréscimo numérico
(que pode evidentemente não se manter) o problema da migração irregular não foi, de forma
nenhuma, resolvido. Existem milhares de requerentes de asilo, obrigados a viver num limbo
(ou mesmo em centros de detenção) enquanto aguardam que os seus pedidos sejam
analisados. Os governos continuam a canalizar biliões de dólares para controlos fronteiriços,
procedimentos de asilo e centros de detenção, ao passo que os recursos atribuídos ao
desenvolvimento e à promoção dos direitos humanos nos países de origem têm sido
congelados ou reduzidos.

Tal como tem defendido o Director Geral da OIM, esta situação apela para uma urgente
revisão de prioridades. "Procurem recordar as últimas notícias nos meios de comunicação
social sobre refugiados de que conseguem lembrar-se", sugeriu ele num recente
discurso."Recordem-se da importância atribuída ao número de pessoas envolvidas e às
dificuldades sentidas pelos países que acolhem os migrantes. Não será altura de, em vez
disso, dar importância às razões que estão por trás de movimentos tão grandes de pessoas
que procuram asilo, muitas das quais sabendo que não irão conseguir fundamentar o seu
pedido, mas que o apresentam de qualquer forma? Não será altura de reconhecer que este
enorme número de pedidos infundados reflecte largamente a ausência de outras medidas para
abordar as pressões migratórias? Não será altura de se abordarem as causas de uma forma
pró-activa?"

A ideia de gestão das migrações

Um dos mais interessantes conceitos surgidos dos esforços para se adoptarem abordagens
mais construtivas, em relação ao problema dos refugiados, foi o de "gestão das migrações",
que rapidamente passou a fazer parte do vocabulário de analistas e técnicos desta área. "Para
ser eficaz", escreve o Director do Departamento de Imigração e Naturalização dos EUA
(INS), "a política deve ir além do controlo convencional e das medidas humanitárias, de
forma a que a gestão das pressões migratórias se torne um dos objectivos económicos,
políticos e de segurança dos países" (5). "A gestão eficaz das migrações", observou um
especialista" requer uma visão de longo prazo e uma posição activa, que possibilite o
envolvimento positivo da política naquilo que é um aspecto extremamente complexo e, em
última instância, inevitável do mundo moderno". (3)

A Alta Comissária das Nações Unidas para os Refugiados tem também utilizado este
:
conceito num conjunto de intervenções recentes, sobre o interface entre as questões da
migração e os refugiados. "O desafio actual", afirmou ela, "não é o de construir barreiras
para manter as pessoas fora dos países mais desenvolvidos, mas saber de que forma se
poderão gerir os movimentos de refugiados e movimentos migratórios, de modo a garantir os
direitos humanos e princípios humanitários, abordando ao mesmo tempo as legítimas
preocupações dos países e comunidades de acolhimento".

O primeiro capítulo deste livro debruçou-se sobre a forma como as abordagens tradicionais
do problema das deslocações de população - descritas como reactivas, orientadas-para-o-
exílio e especificamente dirigidas aos refugiados - têm vindo a dar lugar a um modelo
alternativo, caracterizado por ser proactivo, orientado-para-os-países-de-origem e integrado.
A ideia da gestão das migrações é uma manifestação evidente desta evolução.

Embora não tenha ainda sido completamente desenvolvida, tanto em termos teóricos, como
práticos, pode dizer-se que esta abordagem reconhece quatro necessidades básicas em
qualquer esforço para se fazer face a movimentos irregulares de populações:

a necessidade de se abordarem as causas dos fluxos migratórios dos países mais pobres
e menos estáveis, bem como as suas consequências para os países industrializados;
a necessidade de se encontrar um equilíbrio entre, por um lado, os direitos dos
migrantes, requerentes de asilo e refugiados e, por outro, os legítimos interesse dos
países e sociedades de acolhimento, reconhecendo (mesmo que não resolvendo) os
dilemas morais suscitados por este imperativo;
a necessidade de substituir respostas "ad-hoc", unilaterais e de curto prazo, aos fluxos
irregulares de populações, por estratégias coordenadas e orientadas para o futuro, com
o objectivo de tornar os movimentos migratórios mais ordenados e previsíveis;
a necessidade dos países e organizações regionais considerarem, de forma mais
sistemática, as implicações que a sua política interna e externa tem sobre a migração e
assegurar que a discussão sobre movimentos irregulares seja conduzida de forma
serena e transparente.

Apesar do recente surgimento do conceito da gestão das migrações, os esforços para elaborar
e operacionalizar os princípios subjacentes a esta abordagem remontam a anos anteriores.
Uma das mais antigas e melhor sucedidas iniciativas tomadas a este respeito, foi o Plano de
Acção Integrado para os Refugiados Indo-chineses (CPA (Comprehensive Plan of Action for
Indo-Chinese Refugees (CPA), criado em 1989, com o principal objectivo de encontrar uma
solução para a migração mista de refugiados e migrantes económicos provenientes do
Vietname (ver caixa 5.4). Elementos da abordagem da gestão das migrações também poderão
ser encontrados nas operações do ACNUR em países como a Albânia, Haiti, Roménia e Sri
Lanka, bem como na parceria que o ACNUR tem vindo a desenvolver com instituições como
a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Internacional para as
Migrações (OIM).

Com base nestes e noutros exemplos, as restantes páginas deste capítulo analisam as várias
actividades que poderão ser incorporadas num programa integrado de gestão das migrações.
:
Estas dividem-se em três grupos: medidas que visam reduzir as pressões migratórias nos
países de origem, iniciativas concebidas para promover formas ordenadas e legais de
migração e esforços para garantir o respeito por princípios de protecção de refugiados,
prevenindo ao mesmo tempo a utilização abusiva dos procedimentos de asilo.

Pressões migratórias - o campo de actuação nos


países de origem
Por muito bem concebidas que sejam, as
políticas de imigração e asilo não conseguirão
erradicar as pressões que levam tantas pessoas
a sair de países com baixos ou médios níveis
de rendimentos - fracos níveis de crescimento
económico, ausência de oportunidades
geradoras de rendimentos, desigual
distribuição da riqueza, bem como a violência
política e social. A forma mais eficaz de gerir
as migrações traduz-se, por isso, em medidas
que abordem o problema da migração na sua
origem, permitindo que as pessoas possam
satisfazer as suas necessidades e realizar as suas aspirações no seu próprio país.

Esta não é, obviamente, uma ideia original. De facto, nos últimos anos, têm-se observado
abundantes esforços no sentido de analisar que medidas poderão ser tomadas para reduzir as
pressões migratórias. Por exemplo, em 1992, o ACNUR convocou, conjuntamente com a
OIT, uma conferência sobre "a ajuda internacional como forma de reduzir a necessidade da
emigração". Dois anos mais tarde, o ACNUR, a OIM e a OIT colaboraram numa publicação
entitulada "Migrantes, refugiados e cooperação internacional", que se debruçava sobre esta
questão. A publicação concluía que a migração deveria ser uma opção livre e planeada,
realizada através de meios legais e ordenados e não um acto de desespero, de quem é
demasiado pobre ou não tem condições de segurança para permanecer no seu país. "No
mundo actual, afirmava a publicação, "nenhum ser humano deveria ser forçado a migrar para
poder sobreviver". Neste sentido, o direito do refugiado a permanecer em segurança",
discutido no Capítulo II, pode ser complementado com o direito do migrante económico a
permanecer em condições de segurança material".

De que forma poderá isto ser concretizado? Existe uma bibliografia cada vez mais extensa
sobre esta questão, muita da qual chega à mesma conclusão - as pressões migratórias nos
países mais pobres deveriam ser reduzidas através da promoção do crescimento económico,
da criação de novas oportunidades de emprego e do melhoramento dos serviços públicos.
Tem-se defendido que estes objectivos poderão ser prosseguidos sobretudo através:
:
da reforma do comércio internacional e das políticas tarifárias, de forma a melhorar as
oportunidades de exportação dos países menos ricos e aumentar o rendimento que
recebem pelos seus produtos;
da reorientação dos programas públicos de ajuda ao desenvolvimento, de modo a
abordarem preocupações de prioridade humana, em países e comunidades afectados
por elevados niveis de emigração;
do aumento do nível do investimento estrangeiro em países com baixos e médios
rendimentos, com o objectivo de criar novas oportunidades de emprego para a
população local;
da criação de agrupamentos regionais de países e a redução do nível de migração
irregular dentro dessas regiões, através da abolição de barreiras ao comércio e da
legalização de trabalhadores migrantes.

Infelizmente, recentes análises sobre os esforços para limitar a migração através do


crescimento económico, sugerem que os quatro elementos desta abordagem enfrentam, todos
eles, importantes obstáculos. Por exemplo, as políticas comerciais e tarifárias têm que ser
concebidas dentro das apertadas balizas das políticas nacionais. Tal como sugere uma análise
"poucos políticos estão dispostos a enfrentar os seus agricultores, trabalhadores ou
industriais, em particular em momentos de recessão económica"(4). De acordo com outros
estudos, a ajuda pública ao desenvolvimento não tem, geralmente, sido suficiente, tanto em
termos quantitativos, como qualitativos, para poder ter um impacto significativo sobre os
níveis de desemprego e sobre as condições de vida nos países mais pobres e, em muitos
casos, tem sido prejudicada pelo peso da dívida externa e por programas de ajustamento
estrutural.

O investimento externo directo, uma estratégia prosseguida com algum vigor pelo Japão, não
defendeu esse país das pressões migratórias que se têm vindo a desenvolver noutros países
asiáticos. De facto, alguns dos países, de onde é proveniente a maioria dos imigrantes ilegais,
são precisamente aqueles onde as iniciativas empresariais japonesas têm investido mais
fortemente. Por outro lado, o investimento estrangeiro não é um instrumento sobre o qual os
governos tenham um controlo razoável. A decisão de investir é tomada com base nos
potenciais lucros e o investimento estrangeiro é, normalmente, dirigido a países onde as
perspectivas económicas são mais brilhantes e não àqueles que são afectados pela
instabilidade crónica e por níveis de desemprego e de emigração mais elevados.

Passando para a questão da utilização da integração regional como forma de gerir a


migração, vários especialistas têm referido que a criação de zonas de comércio livre ocorre,
normalmente, em regiões como a Europa ocidental, onde os Estados membros têm níveis de
desenvolvimento e taxas de crescimento económico equivalentes. Nos casos em que tal não
se verifica, como por exemplo entre os EUA e o México - ambos membros da NAFTA
(North American Free Trade Agreement) - a circulação de trabalhadores está expressamente
excluída dos termos do tratado.

Finalmente, existe actualmente um consenso generalizado de que, pelo menos a curto prazo,
o crescimento económico estimula a migração internacional em vez de a inibir. Um estudo
:
exaustivo desta questão, levado a cabo por uma comissão do governo norte-americano, refere
que o processo de desenvolvimento aumenta as expectativas, disponibilizando,
simultaneamente, os meios de que as pessoas necessitam para sair do país.

Não se pretende com isto sugerir que os esforços para reduzir as pressões migratórias através
de estratégias de desenvolvimento estejam condenadas ao fracasso e devam, por isso, ser
abandonadas. A experiência tem demonstrado que, a longo prazo, as pessoas permanecem ou
regressam ao seu país sempre que as condições e oportunidades aí existentes forem
suficientemente atractivas. Significa, no entanto, que este tipo de iniciativas deve ser
prosseguido ao longo de várias décadas, e que devemos ter presente que os seus efeitos
imediatos poderão ser quase o oposto daquilo que se pretende.

Ao mesmo tempo, na abordagem do problema dos movimentos irregulares deverão


considerar-se, de uma forma bastante mais séria, as implicações que as políticas comerciais,
as políticas de ajuda ao desenvolvimento, bem como a política externa dos países
industrializados têm sobre a migração. Por exemplo, a comissão norte-americana que
examinou esta questão, concluiu que "nem a política externa do governo, nem a comunidade
financeira e comercial fazem qualquer esforço de avaliação das consequências que as suas
decisões têm sobre a migração". Como sugeriu um analista, "comentários semelhantes
poderiam facilmente ser dirigidos aos governos de outros países da OCDE, da Comunidade
Europeia ou do Banco Mundial" (5).

Embora estas questões sejam importantes, também é verdade que a discussão sobre as
pressões migratórias tem sido, até aqui, de natureza excessivamente económica. Embora o
papel do comércio, da ajuda ao desenvolvimento e do investimento estrangeiro tenha sido
examinado de forma exaustiva, tem sido dada menor atenção a questões como a resolução de
conflitos, a protecção dos direitos humanos, a promoção da boa governação ("good
governance") e do pluralismo político.

Estas questões têm um duplo significado. Por um lado, deve reconhecer-se que as pressões
que levam as pessoas a abandonar o seu país não têm uma natureza puramente económica.
Tal como se sugeriu acima, as pessoas tornam-se migrantes (internacionais) em virtude de
uma complexa combinação de preocupações, incluindo a sua segurança material, a sua
segurança física e o grau de respeito que o Estado tem pelos seus interesses e ideais.
Qualquer esforço para reduzir as pressões migratórias nos países de origem deve abordar
estas preocupações de uma forma integrada.

Por outro lado, não é provável que os países menos desenvolvidos beneficiem da ajuda ao
desenvolvimento ou de relações comerciais e de investimento mais favoráveis se não
demonstrarem ter vontade de resolver os problemas políticos, sociais e de direitos humanos
que afectam tantos deles. Como salientou o Presidente do Banco Mundial, em Julho de 1995,
é fácil sugerir que um maior volume de capitais privados seja canalizado para países com
baixos rendimentos, mas este investimento exige, normalmente, que se encontrem
preenchidas determinadas condições: "um governo estável, um ambiente financeiro e social
seguro e perspectivas de longo prazo geradoras de confiança".
:
O Secretário Geral das NU, Boutros Boutros Ghali, teceu um comentário semelhante. "A
democracia e o desenvolvimento encontram-se intimamente interligados", escreve ele, "a
democracia oferece a única base de longo prazo para se gerirem interesses étnicos, religiosos
e culturais divergentes. A democracia é inerente à questão da governação, que se reflecte em
todos os aspectos dos esforços de desenvolvimento. A governação poderá ser a variável
isolada mais importante do desenvolvimento, susceptível de ser controlada individualmente
pelos países".

Alternativas de migração ordenada


O retrocesso verificado nos países mais ricos,
em relação aos requereenes de asilo e outros
migrantes, pode ser atribuído a um conjunto
de diferentes factores - incerteza económica,
receio de culturas desconhecidas, racismo,
bem como oportunismo político. Como já foi
referido, esses países e sociedades não são
radicalmente contra a migração em si.
Assusta-os o facto de sentirem que o
fenómeno se encontra fora do seu controlo,
assumindo formas irregulares e ilegais. Se os governos e os seus eleitorados puderem ser
convencidos de que são possíveis movimentos mais ordenados, podemos conseguir uma
abordagem mais desdramatizada da questão da migração internacional.

Alguns indícios neste sentido podem ser encontrados na Austrália e no Canadá, que
conseguiram progressos assinaláveis negociando, com os seus cidadãos, o que pode ser
descrito como um "contrato de imigração". De acordo com este "contrato", a imigração é
cuidadosamente controlada, embora permitida com base em critérios claramente
estabelecidos: reagrupamento familiar, necessidades de mão-de-obra, qualificações escolares
e profissionais, competência linguística ou o capital de que os requerentes dispõem para
investir e que pode gerar novos empregos.

Contratos deste tipo têm sido denunciados por alguns analistas por abrangerem os mais
aptos, com melhores qualificações e maiores rendimentos, e excluirem os pobres e os
perseguidos. Embora exista um elemento de verdade nesta acusação, ela é, frequentemente,
feita de forma precipitada. Ao tratar a imigração como uma mais valia, demonstrando que os
migrantes podem trazer um valioso contributo ao seu país adoptivo, estes países têm
conseguido negociar um acordo com a opinião pública que permite uma importante quota de
entrada de refugiados, incluindo alguns dos casos mais "difíceis". Por exemplo, não é pura
coincidência que, para além dos esforços regulares de reinstalação de refugiados, tanto a
Austrália, como o Canadá, criaram programas especiais para a admissão de mulheres
:
refugiadas, que tenham sido vítimas de violência - que provavelmente seriam colocadas no
final de qualquer lista normal de imigração.

Reconhecendo o valor deste tipo de medidas, o Director Geral da OIM defende que "a
promoção de processos de migração ordenada, em todo o mundo, é uma questão central para
a solução que deveríamos prosseguir, com urgência". "Devido ao aumento da
previsibilidade", acrescenta, "os países teriam maior interesse e capacidade de prestar
assistência de emergência ou oportunidades de migração quando essas soluções fossem
necessárias".

Três tipos de migração ordenada têm um peso específico nos esforços para resolver os
problemas dos refugiados. O primeiro, e talvez o menos interessante, consiste na combinação
entre potenciais migrantes, provenientes de países com baixos rendimentos, e oportunidades
de emprego existentes nos países industrializados, evitando assim que procurem entrar pela
porta do asilo.

Os defensores desta proposta referem, frequentemente, que os países desenvolvidos, em


particular na Europa ocidental, têm baixas taxas de natalidade e uma população envelhecida.
Eventualmente serão confrontados com a falta de mão-de-obra, em particular no que diz
respeito a trabalhos braçais, pesados e perigosos, de que a população nacional geralmente
não se quer ocupar.

Esta abordagem não deve ser completamente descartada. Têm sido avançadas propostas,
nomeadamente por parte do Japão, no sentido de serem estabelecidos esquemas e programas
de formação para trabalhadores migrantes, com o objectivo de responder à falta de mão-de-
obra existente naquele país (actualmente, em grande parte preenchida por imigrantes ilegais),
e ao mesmo tempo facilitar a transferência de aptidões e tecnologia para os países de origem
dos migrantes. Contudo, em muitas outros aspectos, o âmbito destas inciativas parece ser
limitado. Como escreveu um especialista sobre migrações, "parece descabido propor o
reinício da imigração de trabalhadores pouco qualificados, quando existem 15 milhões de
desempregados na Europa, a maioria dos quais com menos de 25 anos e muitos deles
imigrantes, sobretudo tendo em conta que a necessidade de mão-de-obra no futuro irá exigir
trabalhadores com maiores qualificações". (6)

Tal como referiu outro analista, com a crescente automatização e relocalização da produção
industrial para regiões como o Sul e Sudeste asiático, existe uma elevada probabilidade de
que os níveis de desemprego nos países industrializados continuem a aumentar e o número
de empregos "braçais, pesados e perigosos" disponíveis diminua. Para além disso, tem sido
defendido que, se num determinado momento futuro, surgirem necessidades de mão-de-obra,
será relativamente fácil para os países desenvolvidos "abrirem a torneira da imigração".
Fazê-lo agora apenas resultaria num acréscimo das pressões migratórias já existentes nos
países menos desenvolvidos.
:
A Albânia e o Vietname

Uma segunda forma de migração ordenada, em muitos aspectos mais relevante para a
procura de soluções para o problema de refugiados, encontra-se nas propostas apresentadas a
potenciais requerentes de asilo, oferecendo-lhes oportunidades de emigração legais, com
base no reagrupamento familiar e em critérios humanitários.

O ACNUR e a OIM descobriram que, por exemplo, na Albãnia um número significativo de


pessoas tem familiares no estrangeiro, podendo, por isso, beneficiar de programas de
reagrupamento familiar. Mas em muitos casos, os interessados não têm consciência dessa
possibilidade, ou não têm qualquer ideia sobre os procedimentos que deverão seguir para
poderem emigrar. Em Tirana, uma unidade conjunta do ACNUR e da OIM tem
proporcionado aconselhamento e informação adequados a estas pessoas. Esta tarefa tem tido
um duplo efeito: Por um lado, permite a um grupo de pessoas, que de outro modo poderiam
ser tentadas a emigrar através de meios irregulares, seguir os canais oficiais. Por outro, tem
ajudado a criar um clima em que a emigração passa a ser encarada como uma actividade
normal, em vez de ser vista como o "fruto proibido" a que todos aspiram.

Estes esforços podem também ter lugar a uma escala bastante maior se for possível
estabelecer esquemas de saída e de admissão adequados. Por exemplo, no Vietname, ao
longo dos últimos 15 anos, o ACNUR tem prestado assistência, através de uma iniciativa
conhecida como Programa de Partidas Ordenadas (Orderly Departure Programme), que
ajudou já cerca de 570.000 pessoas com familiares no estrangeiro ou ex-reclusos de campos
de re-educação e outros grupos especiais a emigrarem legalmente, a maioria dos quais para
os EUA e Austrália. Sem este programa, as pessoas em questão teriam, muito
provavelmente, procurado abandonar o país de barco, juntando-se ao enorme número de
requerentes de asilo vietnamitas que se encontram em campos e centros de detenção, um
pouco por todo o Sudeste asiático.

Reconhecendo a necessidade de promover a migração ordenada e garantir o instituto do


asilo, alguns analistas também propuseram a criação de procedimentos de análise de pedidos
nos próprios países de origem ("in-country processing schemes"), permitindo que as pessoas
possam solicitar protecção internacional, enquanto ainda se encontram no seu país, e, caso o
seu pedido seja aceite, que se possam deslocar para o país que tenha concordado em aceitá-
las. Alguns governos também têm manifestado interesse por estas inciativas, por lhes agradar
o maior controlo que teriam na selecção de casos meritórios.

Contudo, a recente experiência do Haiti, onde, em 1992, foi criado um esquema desta
natureza pelo Governo dos EUA, não tem sido particularmente encorajadora. Isto poderá
dever-se ao facto de nos países onde ocorrem violações dos direitos humanos, as pessoas
com um receio fundado de perseguição, não podem ou não querem tomar a iniciativa de
abordar uma embaixada estrangeira ou centro de análise de pedidos. Por outro lado, as que
não têm qualquer receio de perseguição poderão ter menos inibições em apresentar um
pedido de protecção fraudulento, na esperança de que lhes seja permitido emigrar.
:
Informar os potenciais migrantes

Muitos migrantes, que procuram ser admitidos noutros países através da apresentação de um
pedido de asilo, conhecem mal as condições sociais e económicas prevalecentes no seu
potencial país de asilo, bem como a possibilidade de lhes ser autorizada residência nesse
país. Incentivados a abandonar o seu país pela imagem irrealista que têm sobre os países
mais ricos e não compreendendo os procedimentos de asilo utilizados por esses países,
podem ser deliberadamente mal informadas por traficantes profissionais, desejosos de
angariarem clientes a quem possam prestar os seus serviços.

Estas falsas expectativas poderão ter consequências graves para os requerentes de asilo e
suas famílias, levando-os a colocar em risco os seus escassos recursos, a sua liberdade e por
vezes mesmo a sua vida. Em muitos casos, os migrantes pedem dinheiro emprestado para
pagarem a viagem (por vezes ao próprio traficante que organiza o seu transporte), na
esperança de que, logo que cheguem ao seu destino e encontrem trabalho, possam pagar o
empréstimo. Estes empréstimos têm que ser pagos mesmo quando o requerente de asilo
descobre que, afinal, não será autorizado a trabalhar ou se o seu pedido for recusado.

Ao longos dos últimos anos, o ACNUR e a OIM têm reagido a este problema através da
organização de programas de informação em países de emigração, com o objectivo de
fornecer a potenciais requerentes de asilo e migrantes uma imagem rigorosa das prováveis
consequências da sua decisão de partir. Através da utilização de meios de informação,
nomeadamente programas de televisão, emissões de rádio e artigos na imprensa, estes
programas também têm sido utilizados para informar as pessoas sobre os canais regulares
que podem utilizar para emigrar.

O objectivo deste tipo de iniciativas, deve salientar-se, não é o de prevenir ou dissuadir a


partida de pessoas com um receio fundado de perseguição. Nem se trata de um instrumento
adequado a pessoas que fogem de um conflito armado ou de outras situações que impliquem
um risco de vida. Pelo contrário, é dirigida a indivíduos que desejam migrar, por razões
sobretudo económicas, e que não têm qualquer possibilidade de virem a ser reconhecidos
como refugiados. Ao dissuadir os migrantes económicos de utilizarem de forma abusiva o
canal do asilo, reduzindo, dessa forma, a pressão sobre os países de acolhimento, estes
programas de informação podem legitimamente ser considerados como um instrumento de
protecção dos refugiados.

A experiência adquirida pelo ACNUR e pela OIM em países como a Albânia, Roménia e
Vietname tem demonstrado que tem de se encontrar preenchido um conjunto de condições
para que o efeito destas acções seja optimizado:

Em primeiro lugar, os programas de informação devem basear-se no conhecimento profundo


do perfil socio- económico, étnico, educativo e ocupacional da potencial população migrante,
em qualquer país de origem, bem como na avaliação das suas aspirações e das pressões que
motivam a sua partida. Apenas com este conhecimento será possível assegurar que as acções
:
de informação disponham de uma forma e conteúdo apropriados.

Em segundo lugar, programas desta natureza dependem fortemente do rigor da informação


fornecida, das fontes a partir das quais ela é obtida e da credibilidade dos meios utilizados no
processo de difusão. Isto é particularmente importante em países com pouca experiência de
governo aberto. Como observou a OIM, "não é suficiente que a informação seja objectiva e
credível, ela deve ser entendida como tal, pela opinião pública e pelos potenciais migrantes".
Para além disso, este tipo de informação deve encontrar-se enraizada na realidade e
corresponder à experiência pessoal do público alvo. Seria inútil sugerir que os potenciais
migrantes devem permanecer no seu país e adquirir novas qualificações ou criar pequenos
negócios, se a formação profissional e as facilidades de acesso ao crédito, necessárias à
realização destes objectivos, simplesmente não existirem.

Por isso, em terceiro e último lugar, os programas de informação não podem ser uma medida
isolada, devendo antes ser acompanhados de outras medidas complementares, que ofereçam
aos potenciais migrantes algum tipo de incentivo que os faça permanecer no seu país. "A
nossa experiência indica que a informação credível pode influenciar a decisão de migrar",
conclui a OIM. "Mas estas actividades só podem ser bem sucedidas se a situação social e
económica interna não for completamente desesperada".

Por exemplo, na Abânia, o lançamento do programa de informação do ACNUR/OIM em


1992, coincidiu com a distribuição de géneros alimentares fornecidos pela Itália, iniciativa
que visava reduzir o ambiente de pânico que levava um grande número de pessoas a sair do
país clandestinamente. No Vietname, a campanha de informação multi-média, promovida
pelo ACNUR, tem sido apoiada por um programa de apoio a micro-projectos, no valor de 6
milhões de dólares, visando melhorar as condições de vida locais, através do melhoramento
de serviços básicos, nomeadamente na área dos serviços de sáude, educação, formação
profissional e actividades geradoras de rendimentos.

O regresso dos requerentes de asilo cujos pedidos tenham sido rejeitados


Durante os últimos anos, o ACNUR e os seus parceiros têm revelado cada vez maior
interesse por uma terceira forma de migração ordenada: o repatriamento de requerentes de
asilo que, após análise exaustiva do seu pedido, demonstraram não preencher as condições
necessárias para a concessão do estatuto de refugiado, não tendo necessidade de protecção
internacional.

A razão deste interesse é bastante óbvia. Apesar do grande número de requerentes de asilo
cujos pedidos são rejeitados, geralmente, os governos não têm conseguido ou não têm
querido removê-los do seu território. Nalguns casos, os requerentes rejeitados entraram na
clandestinidade ou deslocaram-se para outro país. Noutros casos, conseguiram encontrar
trabalho e as autoridades têm feito vista grossa à sua presença. Em muitas situações, s
governos têm-se simplesmente mostrado relutantes em suportar os custos financeiros e
:
políticos de organizar programas de deportação em larga escala. Assim, de acordo com
várias estimativas, apenas 20 a 25% dos requerentes recusados na Europa ocidental
regressam ao seu país, de forma voluntária ou sob os auspícios do país de acolhimento.

Embora existam alguns sinais de que as taxas


de expulsão aumentaram nos últimos anos, (na
Alemanha o número de expulsões aumentou
de 5.583, em 1990, para 35.915, em 1993) o
mal já está feito. Os governos e a opinião
pública perderam a confiança nos
procedimentos de asilo e chegaram à
conclusão de que não é grande a diferença
entre um requerente de asilo, um refugiado ou
um imigrante ilegal. Os verdadeiros
refugiados e outras pessoas que necessitam de
protecção têm pago o preço deste retrocesso.

Os defensores dos refugiados devem assumir uma quota parte da responsabilidade por esta
situação, uma vez que o desejo de salvaguardar o direito de asilo e fazer prevalecer
princípios humanitários, levou a que alguns apoiantes da causa dos refugiados tenham
dificuldade em admitir a rejeição ou expulsão de qualquer requerente.

Felizmente, estes sentimentos são agora menos visíveis, permitindo uma discussão mais séria
no que diz respeito à difícil questão do repatriamento involuntário. Começa a surgir um
consenso de que, quando os requerentes não necessitam de protecção internacional, lhes
deverá, em circuntâncias normais, ser pedido que regressem ao seu país. Mas de que forma é
que se poderá conseguir isto sem recorrer a medidas draconianas, que contribuem para uma
ideia negativa dos refugiados e requerentes de asilo e ameaçam perturbar as relações étnicas
em sociedades multiraciais?

Não existem respostas fáceis para esta questão. Alguns países têm respondido ao problema
decretando amnistias e permitindo, periodicamente, a regularização dos imigrantes ilegais.
Mas esta abordagem apenas acentua a atracção da migração irregular.

Em última instância, a questão da determinação do estatuto de refugiado circunscreve-se à


admissão ou rejeição do pedido. Como tem demonstrado a situação dos requerentes de asilo
vietnamitas "rejeitados" em Hong Kong, sempre que os requerentes recusam esta decisão e
não aceitam ser repatriados, é inevitavelmente suscitada a questão da expulsão forçada.

Por isso, pode não ser possível evitar completamente a coerção. No entanto, também parece
existir margem para a introdução de "programas de regresso voluntário assistido", do tipo
proposto e já organizado pela OIM. Ao abrigo destes programas, é oferecida aos requerentes
de asilo rejeitados a oportunidade de regressarem voluntariamente ao seu país, sendo-lhes
atribuído um auxílio modesto, durante o período imediatamente subsequente ao seu regresso.
Caso um requerente de asilo rejeitado opte por ficar para além do prazo limite estabelecido
pelas autoridades, ser-lhe-á retirado o direito a esta assistência e será sujeito aos
:
procedimentos normais de expulsão.

Dada a natureza totalmente voluntária destes programas de regresso assistido, as agências


que se ocupam das questões dos refugiados, da migração e do desenvolvimento, poderão
considerar um envolvimento nestas iniciativas. Em princípio, os requerentes de asilo
rejeitados não têm necessidade de protecção internacional e, por isso, a questão de verificar o
seu bem-estar, após o seu regresso, não deverá levantar-se. Contudo, no Vietname, o
ACNUR reconheceu a necessidade de levar a cabo esta actividade de supervisionamento, de
forma a oferecer aos casos rejeitados a garantia de que existem condições de segurança para
o seu regresso. Novamente, contudo, deve salientar-se a necessidade de uma abordagem
mais integrada do problema da migração irregular. Não se pode esperar que requerentes,
cujos pedidos tenham sido rejeitados, regressem voluntariamente ao seu país, se nada for
feito para reduzir as pressões migratórias que inicialmente motivaram a sua partida.

Combater o tráfico de migrantes


Finalmente, para que a migração internacional assuma formas mais ordenadas e menos
ameaçadoras, terão que ser desenvolvidos esforços no sentido de pôr termo ao negócio do
tráfico de migrantes. Existe, é claro, um dilema moral associado a este elemento da estratégia
de gestão das migrações, uma vez que é inegável o facto de alguns requerentes de asilo, que
têm uma verdadeira necessidade de protecção, recorrerem aos serviços de traficantes. Isto
não deve, contudo, servir de desculpa para nada se fazer, uma vez que os efeitos negativos do
tráfico, tanto para os requerentes de asilo, como para os refugiados, tornam imperativo que
se lhe ponha termo.

O tráfico de migrantes implica a violação de leis nacionais e internacionais, encontra-se


frequentemente associado a outros tipos de contrabando e actividades criminosas e, muitas
vezes, assume formas que colocam em risco a vida, a liberdade e os recursos dos migrantes.
As promessas feitas pelos traficantes e os serviços que prestam constituem um factor de
pressão acrescido e, ao mesmo tempo, alimentam o medo de fluxos desregulados existente
nos países industrializados. Por cada refugiado que encontra protecção através dos serviços
de um traficante profissional, muitos outros são excluídos pelas práticas restritivas que os
Governos têm introduzido com o objectivo de limitar movimentos irregulares.

Uma atitude mais enérgica no que respeita à investigação e julgamento de traficantes


ajudaria, certamente, a acabar com este negócio, sobretudo se existisse uma coordenação
adequada entre os países de emigração e os de imigração. Alguns analistas têm sugerido que
o tráfico de seres humanos também pode ser combatido através do controlo mais rigoroso de
passaportes e vistos, nos portos de entrada, bem como através de uma maior vigilância e da
imposição de sanções a empregadores que contratem imigrantes ilegais. Contudo, medidas
deste tipo têm implicações preocupantes para os direitos civis de cidadãos comuns e
viajantes legítimos, bem como para os direitos humanos dos refugiados. Tal como tem
defendido o Conselho Mundial de Igrejas (World Council of Churches), "um regime para
:
combater o tráfico ilegal só poderá ser bem sucedido se a aplicação da lei for combinada com
a protecção... Deve ser dada uma atenção particular à aceitação e análise de pedidos de asilo,
apresentados por migrantes que entram irregularmente, mas que têm um receio fundado de
perseguição".

Simultaneamente, os esforços para tratar o problema do tráfico de migrantes devem ser


integrados com outros elementos da estratégia de gestão das migrações. Se não forem
informadas dos riscos e dos perigos que correm, as pessoas desesperadas por sairem do seu
país continuarão a utilizar os serviços de traficantes. Existe uma maior probabilidade de
potenciais migrantes permanecerem no seu país se souberem, por experiência própria, que,
caso os seus pedidos sejam rejeitados, provavelmente serão repatriados.

1. M. WEINER, 'Peoples and states in a new ethnic order?', Third World Quarterly, vol
13, no 2, 1992.
2. D. MEISSNER, 'Managing migrations', Foreign Policy, no 86, 1992, p 67.
3. S. COLLINSON, Beyond Borders: West European Migration PoliCY Towards the
20th Century, Royal Institute for International Affairs, London, 1993, p 58.
4. S. CASTLES and M. MILLER, The Age of Migration: International Population
Movements in the Modern World, Macmillan, London, 1993, p 269.
5. D. ASCENCIO, Unauthorized Migration: an Economic Development Response,
Report of the US Commission for the Study of International Migration and
Cooperative Economic Development, US Government Printing Office, Washington
DC, 1990; M. TETELBAUM, 'Effects of economic development on emigration
pressures in sending countries', The Changing Course of International Migration,
Organization for Economic Cooperation and Development, Paris, 1993, p 163.
6. D. COLEMAN, 'Does Europe need immigrants. Population and work force
projections', International Migration Review, vol 26, no 2, 1992, p 413.
:

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