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a7 fF aU U C1 <3 as a me wer See eri A queda CO Le Dineitos desta edigdo reservados & Editora Antroposéfioa Lid Rua da Fraternidade, 180 - 04738-020 - Sao Paulo sp” seww.antroposofica.com.br | editora@antroposofica.com. br ‘ests ol 0 ening Lebensjahr’, publicada em 1985, pela Philosophisch-Anthropos la Petar da edigdo inglesa, eo anexo "O Vigoroso Raio de Sol” ‘Tradugio da edigio inglesa: Celia T. Bottura ‘Tradugao do alemdo: Ute Craemer, Paula Bennink ¢ Reinaldo Nascimento, : Dr.Sérgio Spalter. Craemer, Paula Bennink e Celia T, Bottura Felipe Sanches ‘rifico e capa: Gabriela Sofia Antonio Fotografia da capa: Ricardo Telles ISBN 978-85-7122-221-2 2014 Reimpressio - 2016 ‘atalogagio na Publicagao (CIP) do Livro, SP, Bras Dados Internacionais d (Camara Brasil Koepke, Hermann ‘Acrianga aos 9 anos: a queda do paraiso/ Hermann Koepke Antropaséfia, 2014 “Titulo original: Das neunte Lebensjahr: seine Bedeutung in dr Entwicklung des Kindes. ISBN 978-85-7122-201-2 1.Antroposofi 2, Crianga ~ Criagi 3. Crianga~ Desenvolviment ‘Waldorf de Educagio I. Titulo. cpp-37139 oe eee one Tndices para eatdlogo temic 1. Pedagogia Waldorf: Educagio 371.39 13-13342 A CRIANCA AOS 9 ANOS A queda do paraiso Idade de introspeccio e de mudangas internas profundas e decisivas HERMANN KOEPKE IANTROPOSOFICA [INDICE Preficio para a edi¢ao em portugués, 13 Preficio para a edigio inglesa, 15 Agradecimentos, !7 Preficio original, 19 Introdugio, 21 _ parte 1A CRIANGA AOS 9 ANOS, 23 Uma conversa com 0s pais de Pedro, 25 Visita do professor A casa do menino ~ Cooperagio professor ¢ pals — Contos, histérias sobre o mundo real, ¢ religiio ~ José e Robinson Crusoé - Conexio das aulas com a vida diiria ~ De onde vem a cletrcidade? — Retorno & natureza — Influéncias nocivas da técnica no nono ano de vida - Como a conversa pedagogica ajuda na educacdo. Uma conversa com os pais de Ménica, 39 Visita do professor a casa da menina—Comportamento estranho como =Vislumbre da morte e da mortalidade expressio da transigio de vida LigagSes de'"sangue” e amor ~ Sacrificio de Isaac ~ Sara e 0 deménio — 20 préximo com liberdade ~ Percepgio da individualidade. Queridos pais, 5! {A passagem dos nove an e dos adultos ~A visio horizontal do mundo — 1os~ Percepcio do tempo diferente das criangas Limites do presente — scuridzo do futuro ~ Escuridio do passado ~ Abertura gracas i visig vertical do mundo ~ A “queda do paraiso” entre 0 nono e © décimo sano de vida ~Trés exemplos de aula: vivifcagio do passado, ampliagag da presenca do espirto, conexio com o futuro através da vontade = Como a autoridade atua na crianga — Um possivel mal entendido — Porque o nono ano de vida é uma virada essencial, Uma reuniao de pais na oficina, 67 Aprofundamento através do tocar na argi ~ Duas esferas opostas: 9 entorno se torna uma esfera ora convexa, ora céncava, permitindo um exercicio de equilibrio . Do informativo escolar, 79 Abertura da percepgio sensorial e reforco da capacidade de representagio — José e seus irmaos — O interior se exterioriza ~ © exterior surge no interior. Os nove anos na biografia, 83 Heinrich Schliemann, 0 pesquisador — Hans Carossa, 0 poeta e médico ~ Oskar Kokoschka, 0 pintor — Bruno Walter, 0 dirigente ~ Dante ighieri, o poeta — Rudolf Steiner, o fundador da Antroposofia ~ Heinz Miller, o pedagogo. parte 2 ENTENDENDO O SER HUMANO BASEADO NAS EXPERIENCIAS DO 9° ANO, 99. —=—err (a O segundo seténio, 101 Trimembragio do segundo seténio ~ Maturagio terrestre dos dentes e da respiracio — Atuagio de cima e de baixo ~ Passagem™ de duas correntes opostas Uma Comparacio entre a crianga de sete e a de doze anos, 105 (Os membros. 105 CComprimento dos membros em relagio @ idade — Simpatia e antipatia ~ Conscientizagao e estruturagio Acabeca, 107 Cabeca grande e cabeca pequena ~ Espirito da cabeca:adormecido ou desperto— Imaginagio € representacio. O tronco, 110 ‘Altura quando esta sentado ou em pé — Respiracio dominante nos pequenos, valores do pulso nos grandes. Sumario, | ‘Comparacio entre alunos do terceiro e do sexto ano. A crianga na transigao dos 9 anos, 115 ‘A mudanga na prépria casa, 115 Virada no Ambito da cabeca e dos membros ~ Mudanca no sistema ritmico — Atuagio das forcas de cima e de baixo - Cura do pulso ascendente e curva respiratoria descendente - Esquema da mudanga —A passagem do nono ano ~ Libertagio do pensar, sentir € querer através do Eu ~ Olhar complementar da visio do mundo ¢ do ser humano — Unilateralidades no educador e seu espelhamento no educando ~ Repercussées na vida adult Como o curriculo ajuda, 122 Construgéo da casa —Vida rural ~ Ensino de linguas ~ Musica Disturbios no pensar, sentir e querer, |26 Pressio na cabeca, dor de barriga, batimentos do coragio © difculdades respratorias ~ Envenenamento dos trés sistemas através da inelecwalizagio - Comparagio com 0 conto “Branca de Neve A encarnagao do Eu, 129 ‘Ajuda de trés impulsos:A origem divina, 0 vivo no morto,a arte. Pontos de vista do médico da escola: Dr. Walter Holtzapfel M.D, 133 Mudanga de processos vitais no nono ano ~ A doenga escolar ou “sindrome periédica” — Doencas mais graves — Origem e tratamento das doencas escolares. PARTE 3 APENDICES, 137 Os meio-nés lunares, 139 Reversio no nono ano de vida como espelhamento do trajeto lunar. © reverso na troca dos dentes, 141 Olhar comparativo da formagio dos dentes e 0 desenho de forma. Desenhos de forma indicados por Rudolf Steiner para os trés primeiros anos escolares, 145 Notas e bibliografia, !5! PREFACIO PARA A EDIGAO EM PORTUGUES Finalmente chega ao Brasil um livro que preenche uma la- cuna na compreensio da crianga e de seu desenvolvimento, cujo foco é 0 periodo entre os nove e os dez anos de idade. Neste pe- riodo, a crianga passa por um estagio de introspecgao e de trans- formagées fundamentais, tanto fisicas como emocionais, que po- derio, inclusive, definir sua vida futura. Este importante estaigio na vida da crianga foi até hoje desconsiderado por grande parte dos estudiosos do desenvolvimento humano, como se, entre o fi- nal da primeira infancia e periodo de menor importancia no desenvolvimento da persona- icio da adoleseéncia, houvesse um ida pela primeira vez em 1983, na Alemanba, e, osteriormente, traduzida para o mas, esta obra de Hermann Koepke tem sido objeto de estudos e debates entre especialistas, pais, professores e pessoas interessa- las no tema, principalmente ligadas antroposofia e as escolas orientadas pela Pedagogia Waldorf, em diferentes paises. Agora, Pela dedicagao especial do grupo de publicagdes da Associagio Comunitaria Monte Azul, chega is nossas maos, levando este co- nhecimento para além da comunidade antroposética, © autor, na sua exper de professor por quinze anos, pode observar e descrever, minuciosamente, 0 comporta- ‘mento de seus alunos ¢ as transformagies pelas quais passavam. A riqueza de tais observagées, ¢ dos relatos aqui apresentados, mostram a importincia deste momento na vida da erianga. se para mais de vinte idio- fis {ilhos e professor-aluno, e estimula a aproximago n professores, beneficiando sobremaneira a crianga, fundamente as caracteristicas da crianga nesta idade abre o leque de oportunidades para as melhores intervengGes, considerando que pequenas diferengas na abordagem aos comportamentos e sentimentos da crianga podem gerar mudangas significativas em Poderiio existir discordéncias entre os especialistas com relagdo as observagées aqui apresentadas; isto nao as invalida, na medi- daem que o autor nio impée suas ideias, ao contrario, apresenta O resultado de suas observagées, abrindo a possi bate, em que o bem estar do ser humano e a promogao de sua saiide sio 0s objetivos Wimer Bottura Junior Psiquiatra Siio Paulo, 27 de janeiro de 2012 PREFACIO PARA A EDICAO INGLESA Virginia Sease Setembro de 1988 Desde a primeira aparico de “Das Neunte Lebensjahr”, de Hermann Koepke, na Alemanha, em 1983, muitos professores do mundo da lingua inglesa perceberam, com certa esperanca, que este provavelmente poderia dar novos insights para seus tra. balhos com criangas com a idade entre nove e dez anos. O eurri- ‘culo desenvolvido por Rudolf Steiner para cada nivel nas escolas Waldorf esté intimamente relacionado com as idades das erian- sas. Elas devem ter nove anos na terceira série. Como nas esco- las, tanto as piblicas como as privadas, as eriancas geralmente iam seus estudos quando tém seis ou mesmo cinco anos, sur- gem diserepancias, olhando-se para a idade cronologica, a série eo curricu “A Crianga aos nove anos” nao somente explora este perio do importante no desenvolvimento das criangas em geral, como também contém indicagdes especificas que vao ajudar professo- res e pais a reconhecer as transformagées que ocorrem durante esta fase de desenvolvimento, sem considerar a série da crianga na escola, Os professores sero certamente ajudados na prepara- So dos estudos e das atividades com as criangas, de modo que estas diserepancias possam ser mi das. Agradecemos especialmente a Jesse Darel, professora Waldorf na Inglaterra hé muitos anos, pela tradugdo deste tra- balho, que se mantém fiel ao Alemio em sentido, e que pode ser lo como se o original fosse em inglés. Esta tradugio licida ees- isticamente bela serviré para tomar “A erianca aos nove anos” acessivel a pais e edueadores no mundo que fala a Kngua inglesa. AGRADECIMENTOS ee Gostaria de agradecer a todos que atrairam a atengao de tantos pais para este pequeno livro, do qual se tomou necessiria uma nova edicdo depois de um curto espaco de tempo. Com ist eles ajudaram um grande mtimero de eriangas nesta fase critica da vida. Na segunda edigao, 0 capitulo “Queridos pai e aumentado. Agradego ao Dr. Walter Holtzapfel pela sua cooperacio pelo capitulo: “Pontos de vista do doutor da escola’. Ele nos da indicagées importantes ¢ estimulantes provindas de sua grande experiéncia, que vao de encontro aos desejos de muitos pais. i revisto Pascoa de 1985 Hermann Koepke PREFACIO ORIGINAL ee Na vida de todos nés existe um importante “ponto de mu- taco” (turning point) entre as idades de nove e dez anos. Mais acentuado em alguns e menos acentuado em outros. Neste perio- do, acontece alguma coisa que funciona como um fator determi- nante no destino futuro daquele ser humano, Ainda que Rudolf Steiner sempre tenha dado atencdo a este fato em seus escritos fundamentais da Edueacao Waldorf, nada mais foi publicado que trate mais profundamente este assunto. Hermann Koepke descobriu que, nesta fase da infancia, acontece uma reversdo no ser humano trimembrado, uma rever- sio através da qual o Eu passa a tomar conta da organizagio do corpo fisico. Este livro resultou da experiéncia do autor, atuante como professor durante quinze anos, e também de inimeros semina- rios e cursos na Pedagogia Waldorf, Agora, temos a alegria de colocé-lo nas mos do maior niimero possivel de pais. Ele comeca com uma conversa entre pais e professor. O autor mostra, por meio de exemplos, como podemos ajudar uma crianga a atravessar esta fase to especial. Neste ponto critico de mutago na vida da crianga, ela podera ter no Eu uma base que apoiard seu desenvolvimento futuro, em diregio a liberdade. Jorgen Smit INTRODUCAO, Eu havia acabado de pendurar na parede as aquarelas fei- tas pelas criangas do meu 1° ano, quando Gerda Langen, uma das. nossas colegas mais antigas, entrou na sala. Ela ficou olhando para as pinturas com evidente encantamento. Entio, virou-se para mim e disse: “Voc nao precisa se preocupar quando seus unos perderem este rico potencial de fantasia, pois eles volta- io, embora de forma diferente.” Esta afirmacao e outras seguiram ainda esto vivas em minha meméria, embora no me Jembre exatamente palavra por palavra. Elas foram o primeiro estimulo que me levou a escrever este pequeno livro. Gerda, como pedagoga experiente, sabia como as forgas da tenra infancia, no final das contas, desaparecem. Enquanto observava estudantes em uma escola piiblica, durante sua for- macio como professora, ela observou a diferenca entre as faces coradas e felizes das criangas menores, quando vinham para a escola, e a palidez, as olheiras, a aparéncia doentia das mais ve- Ihas. Isto a fez perceber que estas criangas tinham perdido suas melhores forcas depois que comecaram a estudar. Ela se ques- tionou se realmente iria em frente e se tornaria uma professora. Em seguida, contou: "Fui a uma palestra de Rudolf Steiner carre- Bando o fardo deste problema, e algo extraordinario aconteceu: foi como se ele se desviasse do tema de sua palestra para dizer algo que tinha relagio com o que me preocupava. Ele falou sobre um rio que serpenteia sem destino e some dentro do solo, para Teaparecer em outro ponto e continuar 0 seu curso. Comparou ext fendmeno da natureza com o desenvolvimento da alma no or humano, Nestes existem forgas interiores que também de- saparecom, mas que podem retomar novamente de uma forma modificada.” ‘A palestra trouxe um grande alivio para Gerda. Ela se- guiu as indicagées de Steiner e verficou que, através da Pedago- sia Waldorf, as forgas da fantasia perdidas, de fato, retornam de outra maneira. “Em algum lugar, entre os nove ¢ os dez anos” ela continuou, “a erianga passa por uma mudanga consideravel. O nono ano se situa entre a troca dos dentes e a puberdade. Estes dois estagios de desenvolvimento, que se manifestam no corpo, so bem conhecidos. Entretanto, no nono ano de vida, algo acon- tece, inicialmente no animico-espiritual. Rudolf Steiner sempre fala de uma "transigdo na vida", aos nove anos, que acontece principalmente na alma e no espirito. £ o momento mais impor- tante da vida: algo desaparece e algo novo surge.” Esta professora, pela qual sinto uma profunda reveréncia e da qual recebi estas importantes indicagdes, morreu aos 73 anos «em 1970. Sinto seu espirito bondoso, como uma estrela guia so- bre este trabalho, no qual espero que pais e professores possam encontrar muitas ideias que os ajudem. Dedico este livro, com muita gratidio, a Gerda Langen. PARTE | A crianga aos nove anos UMA CONVERSA COM OS PAIS DE PEDRO Nee ee = Desde o infcio do terceiro ano, mais e mais pais vinham solicitando uma visita do professor de classe. Eles queriam saber co que estava ocorrendo com 0s seus filhos. (1) O professor estava ‘acaminho da primeira destas visitas e, conforme caminhava, se Jembrava como Pedro o havia cumprimentado naquela manba. Era um garoto alto, com olhos azuis, cabelos fartos e algumas ssardas no nariz, Uma vez mais ele veio ao encontro do profes~ sor com seu entusiasmo usual. O professor 0 observou entrar na sala de aula: em cada passo parecia “jogar” seus pés, como se os sapatos fossem muito pesados ou muito grandes para ele, 0 que, entretanto, nfo era 0 caso. ‘Amaneira de Pedro andar mostrava que ele tinha mui~ ta dificuldade para se conectar com o chio. Seu cumprimento era, certamente, espontaneo; recentemente tinha se acostumado 1 segurar a mio do professor com vigor e, a0 mesmo tempo, 0 observava. Apenas depois que este tivesse carinhosamente pego as suas méos por alguns momentos, é que Pedro conseguia olha~ -lo nos olhos. Depois saia correndo para junto de seus amigos para bater um papo animado e barulhento, em alta e viva vor. ‘Como todas as eriangas, esses seus amigos, sem piedade, perce- de “Cara Pintada” porque, ocasionalmente, le tinha rubores incontrolaveis. A isto, acrescentaram “Sabe Tudo”, porque ele era dado a fazer, com fre- quencia, eriticas sonoras e petulantes, mesmo durante as aulas. Apesar disto, Pedro era um garoto correto e alegre, y asl etinha dois irmaos e uma irma. No sof mais velo tnha ot tado de seu pro- . The foi permitic ee ars qe ficou imensamente honrado por esta fessor, mesa redonda. i se disse uma palavra durante toda a refei¢lo. Fata ou, as eriancaslimparam a mesa. A um sinal Quand ee erm ote” e desapareceram da sala LOg0, a tou Por que meu filho de repente se tornou tio eritico?” “Tentarei explicar,” disse o professor. “O senso critico que cle apresenta tem a ver com sua dade, Isto acontece frequente- mente no inicio do nono ano. Até recentemente seu filho estava parado, quieto, em seu estigio imitativo anterior, simplesmente jinteragindo com 0 que estava acontecendo a seu redor. Nestas condig@es,estava ainda como que em um sonho, no qual, pode-se dizer, estava conectado com o seu ambiente. Entretanto, agora, aos nove anos, tudo muda para a crianga: aparece uma espécie de ar em sua vida, Ela acorda e, pela primeira vez, vé o que esta acontecendo a sua volta, muito mais conscientemente do que via 's. Ela realmente vive uma mudanga interna, experimenta seu proprio Eu muito mais profundamente do que antes e, como consequéncia, olha para o mundo com olhos novos e observado- Além disso, consegue acompanhar, mais claramente do que antes, © curso dos pensamentos por detras do que acontece & sua volta, Pereebe muitas coisas que antes no percebia. Este despertar pode levar a um questionamento silen- ou também a uma tendéncia a crit também percebe mais conscientemente co cioso, a. A crianga, agora, mportamentos que a ‘do, por exemplo, ela consideraré muito injusto quando seu ai usa, dentro de casa, seu sapato de andar lé fora, enquanto a mesa sempre precisa colocar seus chinelos. 0 pai poderia terse esquecido de tirar os sapatos la fora, ou poderia também precises logo, e manteve seus sapatos nos pés porque nio estava cho. vendo ¢ porque eles nao estavam sujos. Entretanto, coisa nao é levado em conta pela crianga, “Voeé esté dizendo, entao,” disse o pai “que a inclinagio de nosso Pedro para criticar tem a ver simplesmente com este tipo de a sua ida- de?" “Num sentido muito real, certamente, é isto. Nesta idade, a rianca comeca a deixar de ver os adultos como pessoas infaliveis ousuperiores. Bem l no fundo, pergunta: como os adultos fazem Para saber tudo? E, dentro desta interrogaco mais ou menos in- consciente, questiona se eles, de fato, sabem tudo. Os meninos expressam suas dividas ¢ criticas mais rapidamente do que as meninas, que so mais inclinadas a calar e a guardé-las para si.” Nesse momento, o professor ficou em siléncio, Pergunta asi mesmo se o impulso de Pedro para criticar, de fato, se deve apenas & sua idade. A transi¢ao do nono ano muitas veres traz & tona algo que, na verdade, seria uma espécie de visio unilateral ou fraqueza existente no ambiente da crianga, Poderia ser este © caso? O professor notou durante a refeigio que as palavras do Pai, sobre qualquer assunto, apesar de espontaneas eirrefletidas, €ram tomadas como conclusivas. Sua atitude dava o tom para a familia. Suas instrugdes eram executadas imediatamente pelas criangas. Era como se ele estivesse todo o tempo levantando um dedo invisivel, indicador da autoridade paterna. Além disso, 0 ue ele indicava deste modo, referia-se sempre a algo externo. nistrar a familia, eram objetivos a serem focados todos os dias. 2or tanica forma nem a mie tinham tempo para ler, e sua Gnica fon para ouvir miisica era por meio do radio. oe ‘Tudo isto, de repente, ficou claro para o P! ; uudo isto, isto com o pai, e mostrar os O professor estava preocupado em cs fa- zer qualquer tipo de erica, masa questao do autoconhecimento dos pais era importante na presente situago, Os pais de Pedro ja haviam rejeitado criticas vindas do fi- Iho. Como eles poderiam reagir se alguém, fora da familia, ques- tionasse alguma de suas atitudes? O professor percebeu que dependia, fundamentalmente, da cooperagio do pai, mas, jus- tamente neste ponto, ele nao conseguia juntar a coragem ou as palavras que precisava. Ficou pensando em como se situava em relagdo a seu autoconhecimento, e como ele proprio reagiria a este tipo de critica. Mas, poderia, em si consciéncia, ficar quieto? Ele no devia isto a crianga: ser franco e sincero? Os pais nio estariam esperando alguma resposta dele? Esta sua hesitagio, afinal, ndo seria apenas covardia? Justamente quando ele se aprumou e estava para dizer alguma coisa, o pai se antecipou e disse com um sorriso: “Tal- vez meu filho tenha adquirido estas atitudes de mim, No meu “srvico, tenho que supervisionar 0 que as outras pessoas estd0 fazendo e, com certeza aparecem oeasiGes nas quais tenho que Critcar uma coisa ou outra, Isto pode ter deixado suas marcas nele. Vocé nao acha?” Pedro e também suas légrimas — ainda podiam saltar muito rapidamen- ignificariam que o Saroto nao era capaz de ‘que, apesar de sua idade, tede seus olhos - néo si que precisava abordar estas quests “Voré ja contou alguma historia para o Pedro?” tou para a mae. “Eu tentei exatamente fazer i com énfase, “mas nio tive sucesso, melhor conto de fadas que pudesse imediatamente: “Eu nao quero conto > Pergun- sto”, ela respondeu embora tenha procurado 9 encontrar.” Pedro declaroy de fadas, quero ouvir hi reais. Ele nao quer mais saber de contos de fadas”, © professor se culpou por no ter entrado em contato com a familia por tanto tempo. Ele os havia aconselhado a con, {ar contos de fadas para o garoto ha mais de dois anos. Depois disso, muitas coisas mudaram em Pedro. “Contos de fadas nae Sto mais a coisa certa para ele.” disse o professor, confirmando a Spinido da mae. “Contos de fadas, nesta idade, podem atrasar seu desenvolvimento, pois seu filho cruzou o limiar dos nove anos, Nos contos de fadas, as eriangas pequenas vivem em unio pa- Fadisfaca com o mundo, no qual todas as coisas falam entre sie Compreendem umas as outras. Entretanto, depois da transigdo RO nono ano, a crianga néo sente mais o mundo a partir de seu interior, ela nao escuta mais os segredos cochichados entre as coisas, ou como tudo revela alg: teriormente. A crianga agora Vé o mundo a partir de fora, em todos os seus siléncios misterio- 0S. Questées siio despertadas na crianga; ela quer conhecer 0 mundo real.” “Ento, no devemos mais contar historias para ele?” per- Suntou a mie, “Hist6rias, muitas, mas nao mais contos de fada. + 5 ee ttre coisas da © que interessa agora a seu filho sio as conexdes ent Prépria vida, como por exemplo, o que esté acontecendo em uma teressi-lo, ou hist6rias sobre a vente in . fazenda, Isto pode realmen'® DTT ue as pessoas esto fazen- vida na montanha ou na floresta, do em diferentes locais de ee Mas, justamente isto poder vindo a conversa. “Na iiltima vez que esteve aqui, vocé nos: oo tou que deixéssemos nosso filho viver seu mundo de fantasias, Acho que voeé usou a expressio “o mundo interior da erianga. “Na verdade, a proposta dos contos de fada”, disse 0 pro- fessor, “6 para preparar a crianga — como num sonho antes de acordar - para o mundo, Contos de fada ajudam a crianga a ver 0 mundo por esta ética, a reconhecer o que nele é bom ou mau, titi ou errado, Entretanto, seu garoto agora esté em outro estigio. Por exemplo, agora, quando Pedro esta comendo um pedago de pio, ele quereré saber tudo sobre padaria, moinho, colheita, etc.” “O que se poderia fazer quando a crianga deixa de lado suas torradas ou mesmo joga pies fora?” acrescentou a mie rapi- com que tudo emerge no caso de Monica.” “Mas, existem realmente outras criangas com o mesmo spo de experincas?” perguntou o pa, pressionando o profes- sora continuar. A mae, entretanto, interrompeu nesse momento com uma nova linha de pensamento. “tou me lembrando quao profundamente nossa filha tem estado impressionada ultimamente com todas as coisas que voc’ tem dito em classe. Vejo imediatamente isto, ela fica pen- sando intensamente no que foi dito. A histéria sobre a “Queda do Paraiso” assombrou-a.” Volta e meia ela me pergunta 0 que é realmente o mal, de onde ele vem, e por que Deus permite isto. Ela me pressiona arduamente com muitas perguntas. Mas, na verdade, no presta muita atengo ao que respondo. Ela s6 quer desabafar, e ento continua refletindo sobre o assunto. “Quando eu estava contando a historia da Queda”, falou 0 professor, “todos da classe ficaram totalmente em siléncio. Es- cutavam com a atencao. Vocé poderia escutar uma gota caindo. Neste estigio as criangas esto muito preocupadas com 0 }bem eo mal, como vocés tém observado”. “Nao quero me desviar de sua questo", disse o professor ara.o pai, “mas, de certa forma, tudo esté conectado, Justamen- ‘e hoje, uma antiga colega, agora com setenta anos e com dif culdade bara lidar com trabalho de escrita, estava me ditando suas memérias. O que. ‘escrevi, tenho a cumentos, e gostaria de ler qui na minha pasta de do- de uma aula na cidade e tinha que mudar de bonde. Eu estava esperando no ponto e, nesse exato momento, veio a minha me! te, com absoluta clareza, que diante de mim estava toda a minha vida e que era eu mesma que teria que administré-la. Ficou igual- mente claro para mim que, a partir de entio, haveria coisas que eu precisaria resolver totalmente sozinha, inclusive que eu teria que lidar com o mal.” ‘Ao dobrar o papel, o professor disse: “vocés veem que aos nove anos as criangas também jé deram este passo em seu de- senvolvimento. Além disso, nao sei se vocés repararam que o ce- nério, por assim dizer, a parada do bonde, corresponde, de certa descrigdo de sua filha sobre sua experiéneia do limiat. Em muitos casos, as pessoas nao observam suas criangas com tanta atengdo como vocés tém observado. Muitas vezes ndo se presta atengio ao que acontece de marcante nas profundezas da alma da crianga.” “£ como se algo muito novo quisesse entrar na natureza da ‘Monica, mas que nio encontra acesso. O que € isso?” Havia certo desconforto na vor do pai. “im, voc esta certo” - disse o professor. “E 0 Ser do Eu da crianga que est querendo entrar. Infelizmente isto é algo que € muito pouco notado e apoiado. E, também, que o lindo mundo da infincia precisa ser deixado para tris; ele submerge. Entio, 0 medo aparece na crianga. Ouga o que tenho aqui. £ um poema que copie do album de uma colega, que o escreveu aos nove anos.” sol, de um vermelho brilhante, afunda no mar, ‘Nada se move e tudo descansa. Entio, a metade do sol afunda no mar, Pequenos raios ainda ardem no eéu. 0 sol inteiro afundou no mar, Os iltimos raios morreram no céu. Tudo se fez triste e vazio em volta de mim, Como se eu nunca mais pudesse ver 0 sol. # pais, observando. A mie estava sivesse tentando se lembrar de warecia profundamente im- 0 professor olhou para oS olhando para o chiio, como se es! algo de seu proprio passado. O Pal P ; pressionadoe parecia querer falar alguma coisa, mas n90 conse- guia achar as palavras. Finalmente, 0 profes periéncias vocés tiveram quando tinham nove ou dez o tempo todo”, disse a mae, “e sor quebrou o siléneio e perguntou: “que ex anos?” “Tento me lembrar disso agora sei; foi quando perdi meu pai. ‘em siléncio. Seu marido olhou para ela com simpatia e, entdo, de repente,falou: “voce sabe, minha lembranca deste tempo é muito similar: também esta conectada com morte, No meu nono ani- versério, meus pais me prometeram que irfamos para a praia du- rante as férias de verao, Nasci na primavera, e quando chegaram anto, eu tinha nove anos e ” Entio, ela voltou a ficar as férias, pelas quais tinha esperado ti quatro meses. Fomos para uma pequena ilha. Ainda vejo niti~ damente o que vivenciei lé: eu estava com meu pai, no meio de ‘uma multido de pessoas, que estavam muito silenciosas. Entio, passou por nés um grupo de marinheiros carregando um caixdo de ferro, muito pesado, que colocaram num barco. Em seguida, remaram em direcZo ao alto mar, tao longe, que eu dificilmente conseguia ver o barco. Ento, meu p: “olha, eles esto bai- xando o caixiio na Agua. O capitio tera seu tiltimo lugar de repou- so no fundo do mar”. Jamais poderei esquecer a impressao que isto causou em mim. Nunca antes tinha passado pela minha ca- beca que algum dia uma pessoa deitaria num atatide”, O pai ficou profundamente absorto. Algo estava acontecendo dentro dele, que 0 deixou alterado. O professor olhou para ele com simpatia. ___ “Vocé disse anteriormente”, continuou 0 pai com hesita- so, ¢ com uma voz inesperadamente profunda, “que esta sua ex- planagio pode ser comparada com a interpretagiio de um sonho, isto poderia abrir outras possibilidades.” Obviamente agitado internamente, 0 pai olhou atentamente para os olhos do profes- sor, “quem é este ser desconhecido que minha filha procura em- aixo da cama, que dela e de quem ela fugiu para dentro de casa? Quem ¢ ele? Nao poderia simplesmente ser algo ou alguém bom?" “Vocé nao precisa ficar to preocupado”, disse a esposa tentando acalmé-lo. “Vocé nao teria como saber, pois meu ma- rido e eu temos estado suspeitando de algo extraordinirio, mas, depois do que vocé nos disse esta ce sem razdo. Vocé nao acha também?” - falou para seu marido, procurando novamente acalmar sua agitaco, “Preciso Ihe dizer francamente”, disse o pai. “Temos a im- pressio que nossa filha tem intuigdes muito concretas sobre a morte”, Para uma crianga tao altamente sensfvel, sto poderia ser bem possivel. Era bvio, este era 0 motivo pelo qual o pai teve tanta pressa em pedir a “Quanto a isso, posso tranquilizé-los. 0 que voeés tém ob- servado tem a ver com 0 que outros pais tém observado em seus filhos neste estdgio de transigdo. Suas observagdes so muito cor- retas, mas vocés chegaram a um final diferente.” © pai imediatamente olhou para o professor. “Nao entendo bem o que vocé quer dizer com observacio e final’, disse amie. “De certa forma, vocés esto certos sobre o que senti- ram, Quando a Expulsao do Paraiso aconteceu, como eu disse .guintes palavras: ‘barro voee é , nossa ansiedade pare- anteriormente, foram ditas a sei e barro voltard a ser.’ Mas, isto ndo significa que Adio e Eve vessem que morrer lé e naquele momento. Algo diferente estava sendo expresso, Um elemento que nao existia antes entra ago" na consciéncia da erianga, que é a consciéncia da mortalidade do ser humano”. ; ente tém mesma eria as palavras de suas mésicas e elas gvalm™ ‘m morte, Fico imaginando se o que vocé vem dizendo om . mae rtistico precoce.” O pai olhou imével explica um desempenho a a o carpete. “0 que me despertou especialmente, enquanto a sua fi- Tha estava tocando”, disse o professor, “foi o pensamento de que aqui esta uma crianga de apenas nove anos, que ja comegou a dar uma forma artistica a dor e A morte. Realmente, me fascina quando uma crianga dé atengao a isto Poucas 0 conseguem aos nove anos, embora todas passem por esta dolorosa experiéncia. ‘Ao lhe dar forma, Monica esta se libertando: pude ver isto quan- do deixou o piano. Estou certo de que, como artista, vocé mesma esta muito familiarizada com este proceso”. Os dois homens se olharam tranquilamente, por um momento. “Talvez.eu possa acrescentar algo bem pessoal ao que es- tava falando”, disse o professor, com certa hesitagdo. Enquanto isto, o pai tinha recuperado sua compostura. “Se vocé for longe demais em seus questionamentos, sua filha mergulharé ainda mais para dentro de si mesma, Estar focalizando demais a si propria e fieard deprimida, Deixe-a apenas seguir em frente e fa- zer mésica, como ela gosta, sem que voce veja nada de imusitado nisso. Vocé logo vera que a musica é um tipo de terapia para ela.” “Vocé deve estar certo. Vejo que tenho, de fato, interpreta- do de forma incorreta seu lamento melancélico, a maneira dela expressar sua perda do paraiso da infaincia, Parece que estamos apenas lidando, por assim dizer, com a morte em si. Vou ficar e feliz por t@-a ouvido.” 4 mie, “Voeé j nos ajudou muito oe oo vate re S8 Roite, mas hd algo mais também. Vood tevenin gn a Vor? Bossa nos ajudar nisto com o simbolo da morte, ndo "m paz com esta sua visio, estou se do piano com uma expressio mais live e confortavel. Pode ser que seja 0 que voc? disse, mas eu senti algo muito diferente.” Entio, continuou: “anteriormente, eu fieava ao piano com minha filha, ou ela vinha e falava: ‘mamae, venha, quero tocar algo para voce * Como os seus olhos brilhavam nesse momento! fsramos um so corago e alma. Mas, agora minha simples presenca a atrapalha, E vocé pensa que ela, alguma vez, me pergunta se pode tocar algo para mim? Ela nem pensa mais nisto; toca horas para si mesma Entdo, se levanta, como se estivesse profundamente satisfe exatamente como vocé falou, vai para o jardim, visitar uma ou fazer alguma ligao de casa. Faz tudo, exceto vir a se algo tivesse acontecido entre nés. Isto tem acon ela comegou o terceiro ano. Frequentemente, penso que estou per- dendo minha filha; que ela nao est mais a meu lado.” “Esta manha’, disse o professor, “eu estava falando para as criangas sobre o sacrificio de Isaac. Tenho que confessar que por um longo tempo eu mesmo nao conseguia entender esta histéria. Entretanto, através do que vocés me contaram, pela primeira vez ‘comego a vislumbrar algo do significado mais profundo del A mize estava ouvindo com a maior atengao. “Por muito tempo”, continuou o professor, “eu ndo consegui entender que significado teria testar se Abraio amava mais a Deus do que a seu proprio filho. Entretanto, agora percebo a diferenca. O amor Por Deus aparece por si, quando percebemos a atuagao de um Poder superior, divino, nas fases necessérias do desenvolvimento da crianga, e ajudamos esta vontade superior para que este de- senvolvimento necessario se realize completamente, mesmo que ~ como € 0 caso de transigao na vida - exija sacrificio. Este sacri- ficio requer que o amor da mae se torne muito, muito grande - Ponto de libertar a crianga para que caminhe livremente, Se a0 exis Jigao para se sacrificarem, algo poderia Se introduzir no desenvolvimento da erianga, isto & dificultaria amiga, 47 48 6 professor fez. uma pausa. A mie parecia ito”. A x. o desenvolvimeni dentro dela rejeitava essa interpretagao, ee oa i" » problema pai-lho” “Navverdade, esse 0 Pr eo também pode ser verdade”, disse “Ate cart ponte isto também pode ser verdate» diss o professor, “mas, a historia do Saerificio de s ada yosteriormente na iteratura Judaica. historia con mes assim: Satan‘s vai até Sarah, na forma de um homem idoso, e fala para sla: voeé sabe o que aconteceu? Sob o comando de Deus, Abraio sacrificou seu filho Isaac. O garoto chorou ¢ clamou por piedade, ras seu pai mostrou-seirredutivel. Sarah deixou escapar um gri- to agudo, rasgou suas roupas e se jogou no chao. Chorando, ela disse, Isaac, Isaac, meu filho! Eu estava com noventa anos quan- do dei a luza vocé, e agora o Senor 0 abandona para a faca e 0 fogo. Mas, isto foi o que Deus mando’, disse ela, e o que Ele faz estd certo, So somente os meus olhos que choram, meu coragao alegra-se”. “Sarah nao teve paz e foi procurar Abraio, mas, embora cla o tenha procurado em todos os lugares, nao conseguiu encon- tré-lo. Entio, o demdnio se transformou em um homem jovem. ¢, vindo para ela, falou: ‘Isaac esta vivo. Abraiio no 0 sacrificou.” Com estas palavras, Sarah foi acometida por tamanha alegria que seu coragio parou e ela caiu no cho, morta.” © professor viu que a mie estava travando uma tremenda batalha interna, Uma voz interna ; se-Ihe que nao interferisse, apesar de queré-Io. A mae nao falou mais nada, Finalment através de um de teus descendentes, todos os povos da terra setdo abencoados.” “Isto aponta para o nascimento de Cristo”, disse o professor. A mae, como que transformada, virou-se para 0 marido e disse: “acho que s6 agora faco ideia da ligagio mais profunda: Cristo 6 0 mensageiro do amor fraterno; este amor nao é 0. amor familiar, o amor de sangue. Por isso, preciso me afastar de minha filha. Vejo que um novo ser quer nela entrar: seu proprio Ser. Ele quer se sentir livre do velho amor de mie, Mais tarde, voltard a amar sua mie. Tinhamos algo errado em mente: estivemos de Iuto pelo passado. Os tragos da infancia perdem sua nitidez. Isto €passado, encerrou. Agora, nossa filha se encontra consigo mes- ma. Poderemos estar préximos a ela e vivenciar tudo. Em suma, estou muito feliz. com isso. Agora, vejo minha filha por outra ética” QUERIDOS PAIS TM “Antes de comegarmos a falar sobre o nono e 0 décimo anos devvida de nossos filhos, gostaria de convidé-los para uma viagem para as nossas préprias infancias, No tempo em que nio existia 0 tempo, se posso me expressar com tal paradoxo: quando o tempo ainda parava e tinhamos tempo de sobra. Quando, para nés, era muito claro que vinhamos do eéu e tinhamos uma vida eterna. Desta maneira, podem surgir em nds lembrancas claras e felizes da nossa infancia. Quando comparamos nossa vida de adultos, coma consciéncia que temos agora, com os nossos anos de infén- cia, vemos que aconteceram mudangas bastante significativas. Agora, 0 tempo nos escapa, ele é precioso e fazemos todos 0s esforgos possiveis para termos mais tempo. Vemos exemplos destes esforcos inacreditéveis nos campeonatos de esportes, nos quais sempre é exigido um tempo de desempenho cada vez me- nor. Gragas.a estudos e pesquisas, sabemos que em dois segundos Podemos ter dois milhées de pensamentos, mas o tempo se torna cada vez mais angustiante e, entio, surge algo muito importante: Correr contra o tempo. Existe a necessidade de superar 0 tempo, Por que, na verdade, existe este desejo sem sentido? Posso imaginar que isto esteja ligado ao fato de que, mui- tas vezes, s6 vivenciamos 0 momento presente como um ponto de luz e, com isto, temos a sensagao que também este ponto de luz imediatamente desaparece e se torna passado. Assim, tudo desemboca ~ mais eedo ou mais tarde, conforme a capacidade da memoria - numa escuridio que nos assusta. Também, de ou- tro lado, vivenciamos a escuridao: o futuro, ainda que aclarado por plangjamentos, por intuigbes, conforme a nossa maneira de Fiver, 6 basicamente to escuro quanto nossas lembrangas do assado, A diego horizontal, na qual olhamos para o futuro e também para o passado, esti limitada em suas duas extremi des pela escuridao. Isto faz com que sintamos a consciéncia do presente como algo que nos pressiona para baixo. O desejo de po é to compreensivel quanto 0 desejo do preso jerdade. No entanto, como presos, com brecar o tem de trocar sua cela pel nossa conseiéncia temporal reduzida ao presente, precisamos nos conscientizar que perdemos de vista nosso “de onde” ¢ tam- bém nosso “para onde” e que tateamos no escuro quando tenta- mos voltar para a situagao paradisiaca que vivemos na infancia, Entretanto, as religides, a arte e, depois, a filosofia pro- curam ampliar os limites da consciéncia humana do momento presente para que possamos olhar cuidadosamente para aqueles espiritos que podem nos mostrar visdes do futuro. Mas, a0 con- tririo, damos mais valor aquilo que o passado pode nos trazer novamente. Se olharmos para frente ou para tris, em ambos 0s casos, respiraremos um ar mais livre do que o da prisio do tempo “atual”. E, com razio, ansiamos pelo ar libertador das alturas, com énfase na vertical! A identidade de nosso destino surge pela superacdo deste cativeiro. Este designio do destino de cada um tem seu arquétipo na historia da humanidade: o primero casal humano vivia no parai- Pate | ire unido a Deus. Por causa do pecado ori- : » sem piedade, um espago de tempo entre 0 nascimento e a morte, e foram encaminhados a terra, Através da dor do nascimento, perde-se 0 “de onde” eat ces ene ci Com a sua sedugao, tempos! pela morte, o “para rompeu o fluxo da espiral dos para baixo e, Se quisermos compreender as conexdes mais pro- fundas, precisamos primeiramente nos levantar. Trata-se do es- forgo de conseguirmos transformar a visio horizontal de mundo numa visio vertical. Entao, o pecado original se tornaré um fator para o desenvolvimento humano: expulsio do pai seguem o nascimento da religiio, depois o da arte e, mais tarde, oda filosofia. Nelas, esto as grandes questdes sobre o “de onde” eo “para onde”, como marcos de todos os nossos esforgos. E, se nos esforgarmos continuamente para ultrapassar 0 obstculo do tempo, nossa consciéncia do Eu poder ser sempre renovada e Este fato arquetipico vivencia sua individualizagio no des- tino de cada ser humano. Olhemos para o periodo entre o nono € 0 décimo ano de vida de nossos filhos: a crianga se sente sozi- nha, e até mesmo abandonada, assim que se esgota a capacidade de imitagdo que a manteve na situago paradisiaca da primeira Infancia, A crianga dos nove aos dez anos — como néo imita mais ~ sente-se separada de seus colegas e isto déi: sente-se separada de seus irmaos, do pai e, até mesmo, da mie. A pergunta pro- funda sobre o “de onde” poderd estar por tras das palavras "voc’ realmente é minha mae? Foi vocé que me deu a vida? De onde venho realmente?" A corrente cortada do tempo suscita muitos porqués, Sao perguntas como as que uma menina certa vez p6s no Papel. Perguntas que n&o queremos simplesmente responder, mas queremos entender, na sua profundidade. Si pergun- las através das quais poderd se tornar visivel a imagem de uma crianga, que esta como que presa em uma caverna ¢ bate deses- Peradamente na parede: 1 Por que preciso viver? 2- Por que vou a uma excursio? 3~ Por que devo ir A escola? | | | | | ‘ } ail ‘4-Por que deverei ser simpatica com voce? 5 Por que preciso de uma cama? 6-Por que tenho que ter pés? 7 ~ Por que consigo fiear brava? 8 - Por que devo escrever? 49 — Por que devo ser bonita? 10 — Por que eu posso ser eu? E, no final deste “auto-retrato”, ainda aparece rabiscada a pergunta: Por que isso comeca sempre com ‘por que’?” Diversas vezes Rudolf Steiner apontou o periodo entre os nove eos dez anos como a mudanca mais importante na bio- grafia humana. E, nesta mudanga, toda crianga atravessa uma crise de solidao — com maior ou menor intensidade, de maneira perceptivel ou no. Vemos isto particularmente em seus olhos. Pois, no veremos mais os olhos alegres, inquietos e brilhantes, mas, ao contrario, um olhar firme e modificado, com um toque de melancolia. Nessa idade, podem acontecer pesadelos e a crianga frequentemente reclama de sintomas fisicos, como dores de ca- beca e de estémago. Vemos que ela vivencia uma crise absoluta. Ealguns pais, que desconhecem este processo pelo qual seu filho esté passando, ficam desorientados e preocupados. Como pode- mos ajudar a crianga a sair de sua caverna escura? Como ajudé- -la, de tal maneira que ela possa colher na terra o fruto da saida do paraiso? £ dbvio que a consolamos e que somos esp Imente atenciosos e amorosos para com ela. A crianga anseia por isto, entretanto, a maior ajuda nos é dada pelo plano de trabalho (cur- iculo) de Rudolf Steiner. Se 0 aplicamos em nossas aulas, aju- damos a crianga a despertar e realizar um desenvolvimento de Vida condizente ao desenvolvimento da sua faixa etdria. Assim sendo, no comeco do terceiro ano pegamos do velho testamento ‘historia da Criagao do Mundo. Quero contar-Ihes como foi isto com os seus filhos. Primeiramente, perguntamos a eles o que nio existiria em nossa sala de aula, se exclufssemos tudo o que foi feito pelo ser jnumano, pela mio humana; o que o papai, a mamae eo professor fizeram quando construfram a escola? As respostas foram: no cexistiriam paredes, lousa, quadros, lampadas, janelas, cai e mesas, portas, chao, teto, telhado, livros e outras coisas mais. Muitas coisas sumiriam diante dos nossos olhos. Mas, o que res- taria? Restariam as eriangas, o professor, o ar, a luz, as flores, 0 amor, a 4gua na torneira. Entao, partimos para outra pergun- ta bem mais abrangente: 0 que desapareceria diante de nossos olhos se excluissemos tudo o que Deus fez? Nao teriamos mais Arvores, ar, luz, sol, estrelas, lua; a terra inteira nao existiria. Fez- -se um siléncio fora do comum. Disse as criangas que fechassem os olhos e que prestassem bastante atencdo a préxima pergunta que eu Ihes faria: onde estavam todas as coisas antes que Deus as criasse? Aqui e ali criancas levantaram a mao, ainda de olhos fe- chados. Foi algo imensamente festivo, algo sagrado, quando fui até elas e me cochicharam baixinho no ouvido o que tinham es- cutado em seu interior: “com Deus” - disseram alguns - “no cora- So de Deus” ou “no céu”; apenas uma crianga disse “em nenhum_ lugar”, No dia seguinte, iniciamos a Histéria da Criagao. Tentei @proximar as criangas do calor do querer, a partir de um qua- dro contendo uma montanha muito ingreme. Solicitei 4s crian- SS que imaginassem o que precisarfamos levar para escalar esta Montanha. Depois de encontrarmos muitas coisas que coloca- Mos dentro da mochila, demos continuidade ao nosso racio ‘ealmente agora sabemos o que precisamos levar, mas falta uma | coisa muito importante, algo que precisamos ter dentro de nés ‘em grande quantidade. O que seria isto? Chegamos, ento, &for- ade vontade e “como a gente fica aquecido, até quente, quando rhossa expectativa é muito grande”. “O que voeés acham que Deus criou a partir deste forte calor interno?”, perguntei a seguir. “O Sol’, respondeu um menino. E imediatamente apareceu diante de nés uma clara visio; fez-se a luz! Agora havia luz nos olhos das jue uma luz poderia se acender dentro delas, e criangas. Sentiam 4 que também o mundo é radiantemente No dia seguinte, escurecemos a sala e acendi uma vel Primeiramente, observamos como os contornos do espago visi- veis saltavam de ed para lé por causa do tremeluzir da vela. “A luz aumenta e diminui a sala”, disse uma crianga. Ento, contamos ‘0 que estévamos vendo. Os rostos estavam bastante claros, ¢ os olhos excepcionalmente brilhantes. “Os olhos também so como a luz”, disse um menino, “como a luz interna”, completou baixi- nho uma menina. “Afinal, como sera que Deus fez a luz?”, perguntou um me- nino, “Ble criou o sol a partir de seu grande calor interno”, res- pondeu outro. “Entdo, 0 sol é, na verdade, o brilho de Deus”, dis- se novamente a menina quietinha. “Mas, o sol sé brilha de dia”, disse um menino. As eriangas concluiram que cada ser humano também carrega uma luz dentro de si, que também pertence a Deus, da mesma maneira como 0 sol no céu é de Deus. Desta maneira, acrescentamos ao luminoso espaco exterior um espaco interior. Esta foi a preparago para o dia seguinte, no qual viven- Ciariamos a criago dos seres humanos. Queridos pais, permitam-me retroceder ao momento do de nosso encontro, quando refletimos sobre as diferengas que existem nas formas de vivenciar o tempo, na crianga e no adulto. Vimos que, em nossa vida de adultos, a vivéncia do tem- Po, tanto de partes do futuro quanto do passado, esta fortemente minado. obscurecida e que, na verdade, temos apenas a pequena faisca de luz do momento atual. A crianga entre o nono e o décimo ano de vida também ¢ limitada por este espaco de tempo e pode — como viram - se ver numa situagdo bem complicada: por um lado, ela precisa deste limite para encontrar seu Eu; por outro lado, niio deve perder totalmente sua conexio com o mundo espiritual, tri vialmente dito, algo como manter pelo menos um fio conectado. Portanto, depende muito de como ela vivencia este limite. ‘Temos duas maneiras diferentes de olhar para o tempo: 0 passado ¢ o futuro. O passado, da maneira como nossa cons- ciéncia de adultos o sente, é escuro. Mas, a corrente dos tempos no jorra do futuro através do presente, para sumir com o passa- do, como julgamos na nossa viséo horizontal de mundo. Acom- panhemos a historia da criago no primeiro livro de Moisés, no qual 0 passado se torna vivo e, desta maneira, a recordagdo ga- nha uma diregao totalmente diferente e uma forca ‘Nao tomamos 0 caminho que, pela recordacio, leva ao exterior, mas diminuimos este caminho 0 quanto é possivel. Se esvaziar- ‘mos nosso pensamento e fecharmos os olhos, deparar-nos-emos com 0 Ser atuante. Onde estava tudo antes de existir? La esta a fonte de onde se deriva a luz. Luz que depois reencontraremos no exterior e no interior. Luz da qual a crianga nasce. Na qual ela se encontra, a si prépria, o seu Eu. imos, no tremeluzir da chama das velas, 0 gesto vivo da luz. Nisto ha algo semelhante: podemos comparar o gesto da luz com a encarnagio da crianga, Da mesma maneira como a luz tor- na o espago visivel, vemos o cerne luminoso da erianga, e como ele surge no corpo visivel no qual se encarna: de cima para baixo, da cabeca, por cima do troneo, para os membros, impregnando © corpo, Assim, o Eu pode entrar e reinar sobre 0 corpo. Este procedimento estrutura e sustenta a visio vertical, ereta ¢ clara de mundo. A crianga anseia por isto para nao se tornar solitaria, como aconteceria se a visio de mundo fosse a horizontal, que leva escuridio. Até aq ra como demos forma a recordagao, origem espiritual. Daremos o proximo passo na atualida- a0 dos sentidos. Como conduzir ueridos Pais, procure! mostrar a vocés a manei- para que ela nos conduzisse nossa de. Como aprofundar a impress aa uma mudanga de sua vivencia usual, de maneira que a crian a presenga do la nao sinta apenas a pressiio do momento e si spiritual? Deixeros de lado a historia da criagdo e voltemos no- ‘vamente & nossa sala de aula. Chegamos A criagéo do ser humano. As criangas ouviram que Deus criou primeiro a natureza e foi sé depois disto que Ele criou o ser humano, Elas ouviram também que os anjos levaram para Deus tudo que encontraram na natureza, Trouxeram pe- dras, e delas Deus formou os ossos. E da terra, 0 que Ele formou? ‘A carne. Eda onda? O sangue, as lagrimas ea saliva. E do vento? ‘A respiracio. Edo sol? © coragao. Assim eu fazia as perguntas e as criancas respondiam animadamente. Juntamos muitas coisas. “Mas, ainda falta algo, algo que 0 ser humano traz.em si como a coisa mais preciosa, que Deus nao tirou da natureza e que Ele nao péde transformar. O que seré?” “Um earacol!” ~ “Sim, quase nos esquecemos do caracol. Ele veio no final, e Deus formou dele os misculos das orelhas. Mas, quando tudo estava pronto, Deus Pai quis tirar algo de si para acrescentar..."- “Seu sopro!”, gritaram algumas criancas. “Sim, o primeiro ser humano recebeu Seu sopro divino. Assim, Adio aeordou para a vida”. ___"Nés também vivemos porque conseguimos respirar. Se niio tivéssemos este sopro divino nao poderiamos viver”, desco- briram as eriangas, e cada uma tentava ~ algumas timidamente, utras tempestuosamente ~ fungar, chiar, soprar - reinava gran- de animagao com todos esses barulhos e sons, Nesta animagio ainda no havia aparecido a cantoria “Deixe-nos ouvir que som mar: 10S0 a respiragio tem”, e esti- mulei as criangas a entoarem juntas o mesmo tom, Quando isto aconteceu, dividi a classe. Enquanto a metade continuava a en- toaro mesmo tom, a tra metade cantou a terga maior. A seguir, entoamos a terga menor e fomos trocando: terga maior, tera me- nor, sustenido, bemol, fora, dentro. Apesar de termos feito este exercicio de canto por nao mais do que cinco minutos, o efeito foi muito forte e surpreendente para mim: quando me despedi das criangas, as maos que me deram estavam quentes e pulsantes! Desde entio, fazemos todos os dias este exercicio de canto. Que grande vivéncia é esta, que atravessa e liberta as almas das criangas? Elas pressentem que o mundo - que se expande & sua frente ~ quer desvendar um grande segredo. Elas escutam a respiragdo de Deus no vento, a vor de Deus no trovio, sentem, no distante e profundo azul do céu, a alma de Deus ¢ reverenciam Sua enorme forga quando olham para o sol. Um jébilo trespassa alma infantil quando ela se conscientiza que a natureza inteira 6 criagio de Deus, na qual os passarinhos cantam, a chuva cai € os carneirinhos pulam. E ganham uma sensagdo cada ver, mais prazerosa porque também suas vidas tém uma origem divina. As criangas conseguem vivenciar seu corpo como novo, formado por Deus e dado a elas. E, subitamente, que presente so 0s as maos, que fazem tantas cois: ‘as carregam pelo mundo, deste jibilo, jorra amor e gratido para com o espirito de Deus. ‘a crianga expressa estas vivéncias num Vejam como um: je criativida- salmo e faz a Agua “respingar” através de um senso d de linguistica inconsciente: 59 Obrigado Senhor, Por poder respirar, por poder viver. Por poder ver como os carneirinhos saltitam, Como os passaros gorjeiam, como a chuva cai, Como a agua espirra... Obrigado por ter-me dado ouvidos, que me permitem ouvir Quando Vooé quer falar comigo... Por conseguir andar quando quero partir ‘Ou quando brinco de pega-pega. Obrigado por ter me dado bragos para poder Lhe receber, ‘Ou quando preciso buscar algo... “Agradego pelo milho, com seus gros dourados que me alimentam (Qual luz é a luz eterna? Do que é feito o Deus do Céu? Creio que da Luz Eterna; (0 Senhor dé a cada um de nds Uma pequena centelha da Luz Eterna. Por tudo isto, Ihe agradeco. Com isto, os ‘porqués’ da menina de nove anos foram to- dos libertados, nasceu um novo senti | Tentamos por no papel, através de pintura com aquarela, as impressdes grandes e ae bem como as palavras de Deus: “Faga-se a luz”, Entabulou-se, entao, coisas deste tipo: “na tigei Como fazemos para que el tro da tigelinha?” — ue ela fique grossa brilhar se a pintarm uma conversa e as criancas disseram inha do amarelo s6 tem a cor amarela. que ela brilhe mais do que quando est den- la nao brilha se pintarmos de tal maneira © amarela uniformemer nte. Mas, oe , ela poder sentimos a forca de Deus no coragio”. Quando as eriangas, pela primeira vez em seu tempo de escola, pintam o amarelo, fazem de tal maneira que a cor fique bem brilhante. E 0 mais bonito desta aula foi que a crianga que havia respondido “em lugar ne- nhum’” A pergunta sobre onde estavam todas as coisas antes que Deus as criasse, fez uma pintura muito bonita. Queridos pais, vimos que entre os nove e os dez anos, os periodos do passado e do futuro comecam, pela primeira vez, a ficar obscuros. A crianga agora forma também ideias de tempo ‘ano passado”, “préxima semana” “no decorrer de dois ‘meses”, coisas que ainda nao conseguia pensar no passado, por- que nao Ihe eram palpiveis; ela aprende agora a usar consciente- mente o verbo para expressar 0 que é, o que era e 0 que sera. Em outras palavras: a consciéneia da erianga se aproxima da cons- ciéncia usual do adulto. Anteriormente, vimos a pergunta sobre como clarear a vi- véncia obscurecida de espaco de tempo do passado. O segundo asso foi quando Thes tentei mostrar como aprofundar a cons- ciéncia do presente de tal maneira que a impressiio dos sentidos se expanda; que a crianga olha para o mundo e vé mais do que as impressdes exteriores dos sentidos; que toda a plenitude do sen- tir aquece as impressdes dos sentidos, modificando o momento tual. Quero dizer que isso saiu do Salmo; mas eu também vivi o fato, quando as criancas, de repente, em seu respirar, chamaram algo de divino — vivo, e isto também pode se tornar claro por suas opinides durante a aula de pintura. ‘As cores soam de forma harménica ou de forma dissonan- )s ou dissonan- te quando esto juntas, e estes sons harmér tes despertam nas criangas o sentido para o belo ¢ para o feio. ‘Algumas criangas sentem as cores como seres; outras precisam de ajuda, precisam que Ihes contemos como as cores se sentem, al mos ao lado de outra, desta ou daquela manei- «dade podemos perceber como a crianga independente para ouvir 0 som da cor. janga, quando ela fazia, conforme as pintat ra, Na mudanga desta i se torna cada vez mal Podemos dizer: até entdoa arte servia cri maravilhosos desenhos; mas, a partir de agora, como em sonho, yma servidora da arte, algo se modifica: a propria crianga se torna w Retornemos a iltima pergunta: de que maneira podemos rar a crianga para o futuro, para que ela possa se apoderar le? Vontade esta que vem do futu- prepa ‘com entusiasmo de sua vontad 10a0 seu encontro. Voltemos mais uma vez a historia da Criagio do Mundo. Quando contei sobre o “pecado original”, senti, pela pri- imeira vez, que as criangas se indignaram com a histéria. Isto era novo para mim. Claro que as criangas sempre se indignam um pouco quando acontece algo ruim ou errado numa hist6ria, mas também existem aquelas que concordam, porque ficam curiosas para saber as consequéncias. Desta vez, elas se opuseram ao fato do mais profundo de seus seres, o que foi confirmado pelas légri- mas tanto de meninas, como de meninos. A expulsao do paraiso como consequéncia do “pecado original”, que até hoje se aplica a todos, abalou profundamente a classe. Ainda quero acrescentar que, para mim, o arquétipo para a prova do educador 60 momento na porta do paraiso quando ele precisa refletir: temho amor verdadeiro pela crianga ou esse amor Econveniente ¢ um pouco equivocado? Quanta forga esta postura coerente exige de Deus Pai! Quio mais “humano”, “bondoso” € ‘amoroso” Ele seria com um “perdao”, ao invés de coerente! Mas, o que isto causa na erianea? aa “Podemos voltar ao paraiso?" - verdadeira pergunta de eianes oe ano dena apenas um tnue vshambre nen slumbre de luz: . B uma scusado. O “os chamarei de- vagarzinho, se vocés cumprirem seus deveres na terra”, e fecha a porta. Estamos aptos para ter uma atitude como esta? Pessoal- ‘mente gostaria muito mais de nao ser tio severo. Mas vivenciei a magnitude da béncao que esta atitude coerente, severa, mas nao autoritaria, representa para toda a vida futura da erianga. Do que consta esta béngao? ‘A pergunta na porta do paraiso nao é nada mais do que o nascimento da religido, pois a palavra religio, do verbo latino re-ligare, significa “me comunicarei de novo". A pergunta néio teria se fixado com tal forca na alma humana se tivesse faltado a atitude coerente, severa, de Deus Pai. Vejamos o problema: € possivel que a religiosidade se forme corretamente numa erian- ga nesta idade, se Ihe faltar a autoridade? Gostaria de dar con- tinuidade A narrativa sobre a atual época escolar da classe para vocés terem mais pontos de vista, que os ajudem a elaborar suas proprias respostas a esta questio. Acredito que vos encontrem ‘uma resposta quando virem o efeito que o impulso do principio de autoridade provocou nas criangas. Nos dias seguintes, conversamos sobre as consequéncias da “Queda do Paraiso” para a terra. - “Para que eles, Adio e Eva, a partir de entdo, pudessem diferenciar 0 bem e o mal” ~ “Para que eles adquirissem uma consciéneia” - “Deus deu tudo para eles no Paraiso ¢ agora eles mesmos precisam trabalhar” ~ “Para que as pessoas aprendessem a ajudar umas as outras.” ‘As criangas estavam chocadas sobre como Adio e Eva pas- saram a primeira noite, a escuridao e a solidio, o frio e a fome. As préprias criangas fizeram perguntas e mais perguntas, de uma stes trés anos: “Adao e Eva ‘maneira como nunca haviam feito nes 2" “0 anjoestava com puderam se comunicar de novo com Deus: cles?" — “Como se protegiam dos animais selvagens e do tempo? —“Eles tinham s6 peles ou também podiam vestir roupas?” ~ Havia uma caverna para eles?” — “Como fariam ferramentas e de 64 | » _ Perguntas e mais pergun- 0, mas também da arte e da onde sabiam que tas, nao s6 sobre as origens da reli ciéncia. Comegamo: mecando pelos trabalhos manu feitas da mio, do punho, dos dedos, das unhas? Inventamos a a faca e muitas outras coisas. O pa, o martelo, o pente eo serrote, {querer inflamou-se ao méximo quando discutimos sobre a cons- casa e construimos uma casinha no patio daes s a reinventar os bens culturais no mundo, co- Que ferramentas podem ser trugdo da criangas até queriam continuar a construgo na chuva ¢ se tor- nou inesquecivel para mim quando continuaram a serrar tabuas , quando jé estava nevando e soprava um vento frio. Todos os trabalhos manuais foram pesquisados e, de pre- feréncia, feitos imediatamente, o que, em parte, foi possivel rea- 1r em nossa casinha. Quando perguntei as criangas, depois de algum tempo, onde elas prefeririam morar — se no paraiso ou na terra ~ a resposta foi undnime. Todas queriam morar na terra, porque nela também se poderia fazer algo. Afinal, o que a “ex- pulsio” provocou? Desencadeou um fluxo criativo de iniciativ Depois da “expulsdo” surgiu um tempo totalmente novo emnossa classe. Tudo o que acontecia a partir dai tinha a influén- cia da atitude questionadora. Procurévamos, também nas aulas, cultivar a pergunta como elemento metodolégico. Consistia em fazermos apenas a pergunta, sem imediatamente dar a respos~ ta.a.nds mesmos. Em outras palavras: tentdvamos - na medida aoar’ do possivel, com o maior esforgo de que fossemos capazes - Nos nae) fora do jogo. Isso nao era outra coisa sendo tentar aplicar €m nds mesmos 0 “Principio Coerente de Deus Pai”. Era dificil © 40 mesmo tempo, empolgante colocar este limite preciso. O resultado foi um inacredité Ser do futuro. \creditavel fluxo do querer: a conexiio com 0 Queridos pais, vimos neste nosso encontro como a crianga entre os nove e os dez anos sente a finitude do tempo de modo semelhante ao nosso. Ela sente, pela primeira ver, que o futuro 0 passado desembocam na escuridao. Ela se amedronta com 0s limites provenientes de uma visio de mundo alinhada apenas horizontalmente. Depois, vimos que podemos dar a recordagao outra diregdo, na qual ela ganha forga e claridade. Desta maneira, as criangas puderam responder “estavam com Deus” a pergunta “onde estavam todas as coisas antes que Deus as criasse?” Isso condiz. com uma visio de mundo justa e equilibrada. Tendo em vista o futuro, também seguimos um caminho diferente das in- vencdes e das especulages, que nos manteriam presos a diego horizontal. Enquanto exercitévamos a pergunta como um passo metodolégico — segurando-a, mantendo-a como a uma bacia sentimos como esta se preenchia de forga de vontade ¢ ideias. Desta maneira, também se pode vivenciar a visio equilibrada e independente do mundo, a partir da qual o futuro nos inspira com entusiasmo. ‘A vida do camponés nos mostra, de uma maneira muito saco com o tempo: ele colhe aquilo que bonita, sua triplice cresceu no passado; nutre e cuida no presente; enquanto semeia, prepara o futuro. A vida do camponés é muito importante para a crianga nesta idade, porque consegue integrar-se, de maneira saudavel, no fluxo triplice do tempo, que se fecha em um todo. Quero, ainda, me precaver de um engano, acontecer, Pode ter surgido a impressio de que meu props ‘mundo, de preferéncia substitui-la cairia num grande erro. mento do ser humano! que talvez possa to se- ria excluir a visio horizontal de pela vertical. Nao ¢ isto. Se eu fizesse isto, Eu ignoraria a possibilidade de desenvol Pois, quando a alma humana procura repetidamente abrir cam ho e se afastar da visio horizontal de mundo para se aproximar dda visio vertical é que surge sua identidade absolutamente finica. 65 ta mesma maneira que seu filo hé mais ou menos sete 2 mesma die a palavra “eu ee, agora, pela primeira ver, consegue seu Eu como algo atuante na espiral do tempo. Este é mo entre o nono e 0 déeimo ano de vida. dado algumas ideias para vocés. anos, sentir 0 s um passo important Neste sentido, espero ter UMA REUNIAO DE PAIS NA OFICINA Hoje, aqui em nossa oficina, com avental e argila, tenho 0 prazer de saudar os senhores, queridos pais. Eu também gostaria de dizer algumas palavras sobre como surgiu a ideia desta reu- nido, Em nosso tiltimo encontro, ouvimos a frase: seu filho, hé mais ou menos sete anos, disse a palavra Eu, agora ele pode vislumbrar o seu Eu como algo atuante na corrente tem- poral”. Alguns pais manifestaram o desejo de um aprofundamen- to neste tema ou, para ser mais preciso, queriam algo mais con- fender isto melhor?”, creto. Ao me perguntar: “como é possi veio-me a resposta: “talvez através de um trabalho com argila.” £ com a argila que trabalharemos hoje. Faremos duas es- feras. Moldaremos a primeira como fizemos na 1* série, repre- sentando, assim, 0 perfodo no qual a crianga ainda se encontra na fase do imitar, mesmo que este imitar nio seja tao intenso como era ha sete anos. Depois, formaremos uma segunda esfera, como aquela que fizemos na 3* série, para que assim possamos perceber e entender melhor a diferenca, 0 novo. Comegaremos com a esfera da 1° série, na qual o padeiro mestre - 0 polegar - diz aos seus aprendizes, os outros dedos: “venham, vamos partir esta massa em pequenos pedagos. Vamos assar piiezinhos para os andes”. Com estas palavras, 0 professor Segurou em sua mao esquerda uma porgio de argila, tirando pe- dacinhos da mesma. “Coloquemos os ‘piezinhos’ sobre uma ta bua de madeira até que a massa acabe.” .co de argila nas mios e Enguanto os pais seguravam 0 peda rsa alegre siravam pedainios dee, surpreendentemente a conversa alegn esapareceu, Surg un amassarsilencioso ¢ ativo, due foi mui- to benéfico. Quando os torres estavam totalmente separados, v omfessor prosseguiv, dizendo: “agora farel algo mégico, Para ea vista se dirgir, imaginaremos que no existem mais ‘pie- zinhos’ sobre a mesa, mas, sim, ‘abelhas’ andando por todos os Tados, Uma delas 6 a maior. Fa ‘abelha rainha’. Nos a pegamos com os dedos e, naturalmente, todas as outras vio querer estar i 1 possivel dela”. Dizendo isto, pegou pedacinhos de argila, colocando-os no polegar, no ded indicador e no dedo sédio, para que as “abelhas” pudessem se assentar em volta da “abelha rainha”. “Precisamos tomar cuidado para que as ‘abelhas’ nao nos piquem”, disse um pai brincando. “Isto s6 acontece quando as apertamos demais”, respondeu o professor sorrindo. Com um. prazer visfvel, os pais trabalhavam para formar suas “esferas- -abelhas”, Surgiram figuras bem arejadas, sem qualquer sinal de pressio exagerado por forga externa, Uma mie, pereebendo que todo o trabalho fora feito com as pontas dos dedos, disse: “na época de escola, nao conheei tantas sensagdes nas pontas dos de- dos como estou sentindo agora.” Esta foi a esfera da 1 série, Podemos deixé-la de lado e fazer agora a esfera da 3* série, que deve ter trés vezes mais argila do que a da1® série e, para que ndo pereamos nada, vamos amas- ‘é-lasjuntas, um pouco mais, Agora seguremos a argila com uma eee oa tum puno. Vamos eomegar em Fh eames tentaramassa a aga com os noss0s =e Ps ee 0s torrdes sempre com a mao fiquem juntos e : que pouco a pouci e redonda esfera, que cuida para que os torrées ‘9 se transformem em uma bela enquanto a outra mo, o punho, a mao traba- Ihadora, forma cuidadosamente o espago interno, Mesmo que ‘ambasas mos tenham tarefas diferentes, elas sempre trabalham em harmonia. “Nao seria melhor se colocdssemos a argila sobre a mesa professor disse ser importante que as duas mios trabalhassem em conjunto, pois, desta forma, as diferengas entre as duas esfe- ras se tornariam mais perceptiveis. “f um trabalho drduo! As nossas criangas conseguiram?” © professor assentiu que sim. Por fim, o trabalho estava con do. Uma esfera oca maior e uma “esfera-abelha” menor estavam Jado a lado, como testemunhas de dois processos distintos. Na cesfera completa, atua a forga vinda somente de fora, enquanto que, na esfera oca, a forga vem de dentro. “agora, peguem primeiro as esferas de ‘abelhas' e as pas- sem para o vizinho da direita até que sua esfera tenha passado por todos, e retorne as suas mios”, “As esferas so tio diferen- tes”, admirou uma mie, “as vezes grandes, as vezes pequenas, as vvezes quentes, as vezes frias e também com diferentes texturas: duras, macias. Eu jamais poderia pensar em algo assim”. “Foi muito gratificante o fato de todas as nossas esferas terem passa- do por todas as mios. Isto foi como uma saudagdo carinhosa!”, acrescentou outra mae. “Entdo, saudemos também as esferas ocas ¢ as deixemos circular”, sugeriu o professor. Esta cerim6 foi mais animada do que a anterior. Os pais estavam fascinados. “Pensei que fosse dificil segurar a esfera oa, mas isso foi quase melhor do que a esfera de ‘abelhas't”, disse uma mae sor- rindo suavemente. “Isto nao é um paradoxo? A esfera oca contém mais argila... Nossa sensagiio subjetiva as vezes também perce- isse o professor. Trabalhamos com -magao do nosso mun forgas césmicas que contribuem para a for do, nossa Terra, que também é uma esfera. Ela se formou atraves 0 is de fora: encontramos isto em sedimen- de concentragdes vinda: la também atuam forgas internas, tos de rocha, da cal. Mas nel: encontradas em rochas eruptivas e vuledes. Sentimos o que vern de dentro como Teve, € 0 que ven de fora como pesado. Talvez.os senhores também sintam isso. Ago- ame sinto um pouco mais pesado do que durante a modelagem. Por qué? Com a modelagem estavamos mais ligados a esta forga que vem de dentro. E agora? Somente escutamos o que vern de fora e nossos pés pesam. Por isto sugiro que peguemos cadeiras ‘ou bancos, para nao cairmos mortos de cansago.” “Nao é curioso?”, disse outro colega quando todos encon- traram seus Ingares para sentar. “Ja vi que através da maneira como as esferas foram formadas se expressa todo o desenvol mento das nossas criancas! Nesta fase do imitar, onde a forca formadora atua de fora, coletamos ‘abelhas’ de muitos lugares diferentes, mas quando esta fase do imitar vai diminuindo e na crianca a forga interna se forma, partimos também do inter “Acho que qualquer erianga pode fazer a esfera das ‘abelhas’, mas sserd que 0 mesmo acontece com a esfera oca?”, comentou uma mie que trabalha no jardim de infancia. “A esfera das ‘abelhas’ 6 praticamente um trabalho feito com as pontas dos dedos, en- quanto que a esfera oca precisa ser modelada de outra maneira!” dizer! A crianga realiza uma “f exatamente o que eu qu experiéncia profunda e nova. Ela modela, aperta e vé como a es- fera se transforma em uma eéipula, 0 punho modela de dentro. Entio ela sente — pois nao consegue ver — que dentro desta esfera algumas partes sio mais grossas e outras mais finas. Desta ma- neira ela vivencia 0 seu mundo interior ese torna ativa no mundo quando trabalha as irregularidades. Que bom quando uma crian~ ca, ja nesta idade, tem a experiéncia de poder atuar de dentro para fora, de nao ser impotente em relaco aquilo que acontece!” ‘Fascina-me a esfera das ‘abelhas’ e como as criangas Vi~ venciam esta fantasia”, disse uma mie que era professora de trabalhos manuais. “Veem realmente a argila, os ‘paezinhos’, as ‘abelhas’, e, com isto, 0 espaco todo se permeia. Blas andam até mesmo nas molduras das janelas e nos bragos das eadeiras, nos contou, entusiasmada com sua experiéncia, nossa filha Sa- pine. “Por que as criangas se espalham para todos os lados? Elas pbrineam, mas depois nem pensam em arrumar o que desarruma- ram", acrescentou um pai. “A crianca nao vive totalmente em seu espago enquanto 1a fase do imitar. Por isso trazemos a ‘rainha’ para a brinca- est n deira. Ela é 0 centro. A crianga traz isso para dentro de si. Todas as centenas e milhares de impresses que atravessam sua alma de crianga esto dentro destas esferas e ela se percebe nos de- eplica uma camponesa. “Claro que precisamos estimuli- -las um pouco, sozinha isto nao é possfvel.” “Neste contexto, eu gostaria de acrescentar algo”, nuou o professor. “Quando fizemos este exereicio hi trés anos, na 1® série, eu Ihes contei a historia da Rapunzel e de repente me ficou claro 0 que eu, de fato, estava contando. A bruxa pega a tesoura e corta as longas e belas trancas de Rapunzel pelas quais o filho do rei podia escalar a torre. O que faz a bruxa? Ela corta, separa a erianga do seu entorno, Isto é um choque inacreditavel 0 do rei. Alma ¢ espirito se separam, para Rapunzel e para o fill nao podendo mais se encontrar...” Um siléncio impressionante se espalhou entre os pais. Depois de refletir por um tempo, um pai disse: “o senhor me Per mite acrescentar mais uma pergunta? A sua desericio deixou 0 que pensar e eu ainda néo consegui formar um quadro do todo. Esta ‘primeira inféncia’ nao precisa acabar um dia? Em algum A ii a re raciocinio proprio? Elas no poderao permanceet para semp! entendendo algo errado?” al 1m inseguros, outros olhavam espe- 1c ouvia tudo com total interesse, ‘uma jovem mie se adiantou: “me ‘Alguns pais pareceral rangosos para 0 professor, qu ‘Masantes que ele dissesse algo, criangas carregam em si uma forga vigorosa desta pois esta forca nfo se rompeu - ela se transfor- “de onde nossas criangas recebe- parece que as fase do imitar, mou.” Outra mae acrescentou: ram esta forga maravilhosa de formar a partir de dentro? Toda cesta forca, advinda da sua relagao com 0 espago, pode se trans- formar agora em outra forca? No futuro a crianga podera utilizar esta forca para se relacionar e transformar 0 seu ambiente, ao invés de imitd-lo?” “Se me pergunto de onde as criancas da 3* série recebem esta forca, preciso dizer que é uma corrente de forgas que antes atuava de fora, mas que agora brota internamente”, disse uma terceira mle, apoiando o que as duas anteriores relataram. “E 6 ‘muito importante que esta corrente de forgas no se perca e sim que possa se transformar, se individualizar...” ‘Um senhor, que ouvia atentamente e concordava com 0 que esta mae havia dito, tomou a palavra, ponderando: “existe algo no mais profundo da crianga que se tornou vontade. Acre- dito que, para poder se transformar em adulta, a crianga precisa que esta vontade adentre seu corpo. Para nés, pai esta vontade esté presente de alguma maneira. Quero dizer, esta € a minha vontade de vida, a forga que me faz sentir conectado com as pessoas, com 0 meu entomo, com a Terra como um todo. Sera este o Eu transformador que é como uma fonte, que nunca se esgota?” __ Estas palavras soaram para o professor como Agua em seu fencers lain eget aa ane ee disse 0 mesmo pai que i en aE spite da capacidade do imitar wolvimento do pensamento inde- pendente. “Eu gostaria de tentar formular minha pergunta mais ‘uma vez.com outras palavras. Onde estia diferenga entre bruxa ea sua metodologia em relacdo a esta forga do imitar? Esta per- gunta é clara para o senhor?”, perguntou 0 pai. “Neste caso, concorde completamente com a opiniio dos senhores! No entanto, a energia da imitagio precisa terminar para que a crianga possa se tomar um ser completo.” Dizendo jsto, 0 professor se depara com olhares perplexos. “Mas, a minha metodologia se diferencia da metodologia da bruxa. A bruxa pede, desde o comeco, que Rapunzel se conecte com seu entorno. Ela a prende em uma torre. Depois, vem a tesoura: a tranga que até entdo era a sua tinica ligagéo com 0 entorno, cai. Ao contré- rio, eu nao preciso de torre nem de tesoura. Eu quero somente que a crianga adquira impresses sensoriais satisfatorias de seu radicalmente um universo e sei que a forca do imitar diminui dia e, por isso, nao preciso de tesoura. Mas, antes que esta ener- gia diminua, principalmente na 1° série, e também na 2 ainda tento levar esta forca para dentro da crianga através de tarefas ‘que possam atingir seu interior. Talvez eu ainda deva acrescentar que na 2® série hé uma importante transigGo antes das tarefas que sero apresentadas na 3¢ série. Na 2° série formamos 0 que chamamos de ‘cumbuca do polegar’. O polegar pressiona a esfera a partir de cima e os outros dedos tentam girar a esfera um pou- quinho, para que ela nao seja apertada sempre no mesmo lugar.” Na.1° série inicia-se o gesto primeiramente no plano, onde no existe volume, nada realmente pesado, nem um ponto cen- tral. Depois plasmamos um centro. Pode ser um espago onde as jmos um muro criangas correm sobre riachos € rios; ou construil com muitas pedras nos campos. Assim, surge uma espécie de centro ao qual a crianga chega e pode se concentrar. Fazendo isso, ela consegue assimilar bastante do seu entorno, © até en- tendé-lo através dos torres de argila. Um dia ela descobre algo: uma fora dentro dela, com a qual quer fazer algo a partir do seu interior, a partir de si mesma. Recebe um torrdo de argila para fazer uma esfera - nao a partir do exterior, e sim do interior. No isto nao é facil. Ela percebe que precisa usar suas mios mente. As duas in de maneiras diferentes de como as usava ante maos nao podem mais fazer a mesma coisa. E, assim, percebe 0 que é externo e 0 que é interno, através do mistério da interiori- zacio, Nasce a autonomia. “Ja fiz um exercicio parecido com este na modelagem”, disse a médica que coordena consultério da escola e cujos filhos estudaram na escola. “Desta vez, pude per- ceber nitidamente que na esfera oca nao atua somente uma forca de dentro. Na verdade isto é 0 novo que nao acontece na esfera das ‘abelhas’. Mas, no entanto, a forga externa também atua atra- vés da outra mao. Ea tarefa é, pelo que me parece: precisamos harmonizar a oposigao existente entre a forca que vem de dentro ea forca que vem de fora. Pois, quando esta forga interior da direita, totalmente bruta, irrompe sem a oposic&o da forga ex- terna da esquerda, acontece algo terrivel. Mas, se as duas forcas, dentro de mim, harmonizam este conflito e atuam em conjunto de forma tranquila e clara, surgird algo novo. Entao, a crianga se tateia como em seu proprio sistema ritmico e poderd sentir-se nesta corrente de forcas carregada pelo ritmo que nos alimenta dia e noite sem se cansar. Esta é a corrente de energia césmi- a, mencionada pelo senhor. E, com isto, pode acontecer que a Crianga sinta estar adentrando em seu proprio corpo, sentindo-se confortavel e com as bochechas vermelhas, Com a mio interna, ela plasmara Permanentemente a cavidade e, com a mao externa, sig Seep cna! também se formam de dentro lo pulso e da respiragdo, e 0 sobe & dlesce constante do diafragma forma o eéncavo e convexo. Com a troca dos dentes nethate ‘ comega na 3 série o amadurecimento da iraqio ~ a conexio com o sistema ritmico — e, com isto, @ mais superficial, pode progressivamente dar lugar a respiragio central”, “Estou feliz por termos trabalhado hoje com a argila de to estava impressionado com as 1 Entao, ele se di diferentes métodos responder suas pergunta: “Acredito que a sua pedagogia ficou mais clara para serd que podemos saber se aulas? Quero dizer, no cog , acima de tudo? Ou estou pedindo ", disse o professor. “Mas, os se- relagio & idade do tar: “conseguimos i= nhores ainda tém forcas suficient abordamos nas nossas aulas as experiéncias com a modelagem?” Um feliz consentimento por parte dos pais apontava para uma resposta positiva. O professor se sentiu bem com esta decisio. “Quando introduzi para as criangas os gestos basicos da modelagem, estava bem ansioso para ver se elas também pode- iam perceber 0 modelar, assim como na 14 série, quando apren- deram as linhas retas e curvas, e, mais tarde, as descobriam por toda a sala. Entdo, perguntei para os alunos da 3% série onde viam a barriguinha e a cumbuca dentro da sala de aula (a ex- pressio barriguinha referia-se as formas convexas e cumbuca as formas céncavas). Uma lampada, quando vista de baixo, parece ‘uma cumbuca, ¢ de cima ela é ‘barriguda’. Isto também acontece na ferradura acima da porta, nos bragos da cadeira, no bo calea, por dentro ¢ por fora, na pia de cima ¢ de baixo”. “Entio nos deparamos com um grande isto com as quatro paredes, com 0 telhado e com 0 pi ? Querem mesmo ouvir como igudos? Isto parecia bem dificil, até as paredes parecem cumbucas um aluno recem cumbucas ou sao bau queumaaluna descobrit: fe da sala de enao nao poderiamos estar dentro 0 aa sseestou em cima do telhado, a sala de aula é parriguda.’ Este foi o ponto maximo da nossa descoberta. O que ede tio fscinante nisso?” Os pais ainda estavam bastante con- contrados na deserigao do professor, quando uma mile disse: “as criangas deseobriram fora e dentro de uma nova maneira. Isto ‘quando elas olham para o lustre, aberto para baixo e, jd comeca ara mesmo assim, o reconhecem como uma cumbuca. Até entdo, es- tavam acostumadas a combinar o conceito de cumbuca com algo que nfo deixa vazar nada; no entanto a Kimpada esté de ponta cabeca. Também o bolso da calga me fascina. Nés 0 tocamos por dentro e normalmente nao entendemos 0 lado de fora. Mesmo assim, a erianga pode perceber o externo pelo seu pensar e assim também a sala de aula! Toda parede é bem reta. Nao é barriguda ow ‘cumbuca’. Mas, a visio a desperta e ela pode ver que as pare- des, nio sozinhas e sim juntas, constroem algo novo! Quero zer, ali se desenvolve uma capacidade de representagao mével”, acrescentou uma mie que trabalha como psicéloga. Houve uma ‘pequena pausa para reflexo. “Estamos sentados como ‘O Pensa- dor de Rodin’, sorriu o professor. “Ainda temos duas perguntas em aberto: se e como a modelagem atua no emocional e no so- Cial. Preciso confessar que eu ainda gostaria de pensar sobre isto. Precisaria de mais tempo e calma, por isso eu gostaria de pedir a compreensio dos senhores para poder terminar por aqui.” “Acredito que, apesar de uma certa frustragdo, entende- es dppleinceae uma mae de classe. “O relégio nos mostra Sebati prol a Mais este amigavel encontro, nao € Series que Wilhelm Busch quem falou que sempre om as visitas, principalmente quando chegam e quando vao embora! Mesmo assim, eu ainda gostaria de acrescentar algo: pessoalmente aprendi muito, pois fui des- pertada para duas visdes diferentes: como podemos perceber a ‘atuacao do Eu em nossas criangas e que a corrente temporal é 0 sistema ritmico, onde a crianga adentra e encarna quando chega ao nono ou ao décimo ano de vida. Meus agradecimentos a todos que contribuiram com este encontro, seja com palavras, seja com ‘também contribuigées internas € ativas “ainda tenho uma tarefa!”, disse 0 professor em tom de piada, “Alegro-me com 0 fato de termos realmente perecbido hoje as duas esferas, mesmo que isto nos tenha deixado com as ios sujas. Mas imaginem se apenas tivéssemos lido isto em al- ‘gum lugar. Ougo 0 GALLUS no nosso teatro de natal quando diz: ‘Eles’ quer dizer aqueles que ‘podem acreditar, eles nos dara nao viram e nem vivenciaram o milagre do nascimento, e somen- te ficaram sabendo dele através de relatos de outros. Mas, um pouco de argila podemos encontrar em todos os lugares.’

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