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Unidade II

Unidade II
5 A ORGANIZAÇÃO DA COLONIZAÇÃO

5.1 A estrutura do Antigo Regime e as bases do Mercantilismo Colonial

A modernidade, que tem como marco temporal a queda de Constantinopla (1453) até o início da
Revolução Francesa (1789), produziu um sistema chamado de Antigo Regime. A gestação desse aparelho
de poder ocorreu na Europa em paralelo com as Grandes Navegações.

O poder político definido a partir de monarquias nacionais em que o rei conseguia determinar as
diretrizes políticas, muitas vezes, sozinho, é o chamado absolutismo. Esse tipo de poder, que existia na
Idade Média, inclusive de forma hereditária, não conseguia, na prática, se estabelecer de fato por causa
da descentralização dos feudos.

A estruturação do domínio real é dada, na época moderna, a partir do equilíbrio do monarca com a
nobreza; esta, durante o período medieval, é guerreira e, no processo de centralização, em boa medida, é
conduzida pelo Rei à condição de cortesã, ou seja, sustentada e amparada pelo Estado. A burguesia, que
em vistas da ampliação dos seus negócios, apoia o monarca que gera o controle econômico nacional e
privilégios (como a prática de monopólios). A nobreza, mesmo com suas rendas provenientes da posse da
terra, não era capaz de cobrir as grandes despesas com suas ostentações. Muitas vezes, na corte, buscavam
cargos para seus filhos nas áreas administrativas, possíveis graças a favores concedidos pelo rei.

Figura 38 – As relações econômicas entre o rei e a


burguesia eram fundamentais na época moderna

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Essa situação de equilíbrio e sustentação foi vista com pequenas variáveis em grande parte da
Europa Ocidental. As exceções mais claras foram as cidades italianas, que procuravam a todo custo
manter sua liberdade e um ideal republicano (o que nem sempre conseguiram), e o Sacro Império
Romano Germânico, dividido em diversas estruturas de poder local.

Figura 39 – O Palácio de Versalhes foi o maior símbolo da domesticação da


nobreza e gerava uma enorme ostentação de riqueza e luxo

O Absolutismo foi sustentado por uma produção intelectual que trazia fundamentação a partir de
diversas bases. O livro de Nicolau Maquiavel, O Príncipe, foi utilizado como base da racionalidade no
sistema de governo, capaz de legitimar ações mais profundas e, por vezes, cruéis, em busca da paz e
tranquilidade entre os súditos.

Nesse sentido, a moral não deveria reger as ações promovidas pelo Estado, já que, no fundo, estavam
em jogo questões muito mais importantes. Já Thomas Hobbes, em Leviatã, defende que o poder absoluto
do rei é necessário para garantir a paz e estabilidade social. O homem, sem o poder do Estado, é um ser
capaz de promover grandes atrocidades contra os demais, daí permitir um contrato social que possibilite
viver em sociedade e ser protegido pelo rei. O mais emblemático autor e defensor do absolutismo
foi Jacques Bossuet, em A política extraída da Sagrada Escritura, que promovia o direito divino do
soberano. Bossuet entendia que a Bíblia demonstrava o poder do rei diretamente dado por Deus. Assim,
cabia aos homens obedecê‑lo sem restrições, pois, ao questioná‑lo ou combatê‑lo, estavam diretamente
afrontando a ordenação divina.

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Figura 40 – Luís XIV foi o maior símbolo do Absolutismo da


época moderna. Sua célebre frase “o Estado sou eu”
sintetiza as relações políticas do período

A Reforma Protestante, por sua vez, contribuiu para o fortalecimento do poder absoluto do monarca
ao fazer declinar o poder universal do papado. Mesmo nos países de relações mais imbricadas com a
Igreja, como as monarquias ibéricas, a influência papal foi sendo atenuada e, paulatinamente, retirada
do poder temporal (político).

A grande força real se dá na construção de um interesse coletivo capaz de angariar um exército


real (por muitas vezes sustentado pelo auxílio da burguesia). Desse modo, a nobreza, ainda que fosse
contrária, acabava sendo subjugada e lançada para o domínio real nas Cortes. Até mesmo nas relações
da Igreja, o poder real poderá intervir – no caso extremo, como o inglês, o conflito com o papado fez
com que Henrique VIII assumisse também o controle do poder religioso em seu país.

Essa relação tumultuada entre o poder temporal e o religioso acabou por estabelecer, em grande
medida, durante a Idade Moderna, uma enorme intolerância religiosa. Grupos dissidentes eram
perseguidos, julgados, condenados e mortos (como comentamos anteriormente acerca da Inquisição).
Na prática, essa relação, ao gerar uma forçada unidade religiosa, garantiu a manutenção da unidade
política.

Outra transformação significativa aconteceu no campo cultural. Mesmo com a significativa


participação da Igreja nas relações e nas determinações (como na teorização do direito divino), a
fé já não era o único elemento do saber e de justificação. As críticas promovidas pelos humanistas
do Renascimento tinham o uso da razão como forma explicativa capaz de gerar avanços. Há de

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se ter em vista que, de qualquer forma, a época moderna ainda foi dominada pelo clericalismo.
Quando o racionalismo se tornou a principal base de saber, com o Iluminismo do século XVIII, o
Antigo Regime, mesmo após tentar promover reformas, desmoronou com as chamadas revoluções
burguesas.

A sociedade moderna estava em certa transição, bastante lenta, pois ainda se mantinha
profundamente arraigada aos valores provenientes da Idade Média – sua justificação, por exemplo,
ainda se baseava em questões teológicas. Na prática, a estrutura estamental se sustentava, em boa
medida, apesar do esforço burguês de encontrar sua distinção social pelo avanço econômico e pelo
desenvolvimento do capitalismo. Alguns deles, nesse sentido, acabaram até por comprar posições de
nobreza, ou sonhavam com a mercê régia de nomeá‑lo. Era mais uma forma real de garantir o poder
e sustentação do monarca.

Observação

A sociedade estamental do período medieval era estabelecida pelo


nascimento e justificada por suas ordens (funções). Primeiro, o clero que
conduzia os homens a Deus. Segundo, a nobreza que guerreava. Terceiro,
os demais que trabalhavam.

As perspectivas de avanço do comércio e do início do capitalismo na crise do feudalismo


tiveram que enfrentar os entraves da retração causada pela crise do século XIV. Contudo, a partir
de então, uma ampla dinâmica de rotas inéditas e terras para os europeus, inclusive em águas
nunca antes navegadas, traziam diversos novos produtos que agitavam as feiras e mercados.
É nesse contexto que surgiu a chamada Revolução Comercial. As relações com o Novo Mundo
propiciaram o deslocamento do eixo econômico europeu do Mediterrâneo para o Atlântico,
iniciando uma aceleração de acumulação capitalista e de relações que acabam por solidificar o
capitalismo comercial na Europa. Como o próprio nome identifica, as relações de enriquecimento
eram promovidas pelas trocas vantajosas para as nações. Ou seja, o lucro era dado pela ênfase
comercial em um contexto em que as relações monetárias já estavam bem estabelecidas. Dessa
maneira, não havia tanta atenção para as demais atividades produtivas: como a agricultura e a
manufatura (até, ao menos, meados do século XVII).

A política econômica que orienta as relações do capitalismo comercial da época moderna


foi o mercantilismo. Suas bases eram diretamente o aumento do poder do rei, fortalecendo
suas intervenções e garantindo recursos que enriquecessem o país e o tornassem cada vez
mais poderoso e, além disso, a prosperidade da burguesia capaz de, em suas práticas, criar
condições para um aumento ainda mais significativo do comércio. Não era, contudo, claro aos
contemporâneos que, caso a burguesia enriquecesse sobremaneira (o que se estava oferecendo),
esta poderia desejar dominar a política (o que aconteceu a partir das chamadas revoluções
burguesas do século XVIII).

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Figura 41 – Os portos europeus ganharam enorme importância na


época moderna. As representações retratam, na sequência, Lisboa e Amsterdã

A intervenção do Estado na economia deveria garantir o acúmulo de ouro e prata. O chamado


metalismo era a forma de demonstrar a riqueza do país e o modo de se garantir tal desenvolvimento
era uma balança de comércio favorável. A ideia era simples: acreditava‑se em uma riqueza finita, logo,
tudo que precisava ser feito era exportar o máximo (aumentando as receitas) e importar o mínimo
(diminuindo os gastos). Nesse sentido, um país seria mais próspero e outro mais pobre. A pergunta era:
como garantir, na prática, essa perspectiva?

As primeiras respostas estavam relacionadas ao controle da importação. O rei adotava


uma prática de protecionismo, que propiciava força interna e controle dos demais países.
Dessa maneira, as tarifas alfandegárias eram constantemente aumentadas – sobretudo, se
o produto estrangeiro tivesse competidores no próprio país. Além disso, matérias‑primas
eram cuidadosamente monopolizadas. Outros produtos de suma importância não podiam ser
exportados. Claro que essa defesa não valeria nada se a Coroa não estimulasse a produção
interna de tudo o que fosse necessário para a sobrevivência. Em caso contrário, seria inevitável
o gasto com as importações.

Havia ainda a fundamental política de monopólios. Era essencial privilegiar determinados grupos
burgueses para rapidamente se enriquecer e gerar a manutenção do poder do monarca. Todavia, o preço
não era simples: era preciso proteger as rotas e procurar impedir, ao máximo, qualquer forma de furto
– o que muitas vezes ocorreu com piratas e corsários. Ou seja, grandes investimentos eram necessários
na composição de uma frota de comércio e outra de defesa.

Se todos os países protegiam seus mercados, como garantir exportações? A reposta mais importante
foi a montagem do sistema colonial. Na prática, as colônias se tornaram a peça central do mecanismo
de desenvolvimento da época moderna.

As colônias eram estabelecidas com total domínio e submissão à metrópole, pelo menos até a sua
crise na segunda metade do século XVIII. Para não ser confundido com o neocolonialismo dos séculos
XIX e XX, o sistema da época moderna é chamado de Antigo Sistema Colonial.

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Lembrete

O neocolonialismo foi resultado direto da Segunda Revolução


Industrial, quando as potências europeias e também o Japão passam a
disputar mercados na Ásia e África, garantindo mercado consumidor e
matéria‑prima.

As metrópoles europeias Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Holanda eram o centro do sistema.
Delas provinham todas as diretrizes e sustentação do domínio produzido nas colônias. Estas últimas,
portanto, eram a periferia do sistema. A América foi o continente central, apesar da grande importância
da África e de alguns contatos com a Ásia.

Nas palavras de Fernando Antônio Novais:

O chamado “monopólio colonial”, ou mais corretamente e usando um


termo da época, o regime do “exclusivo” metropolitano constituía‑se,
pois, no mecanismo por excelência do sistema, através do qual se
processava o ajustamento da expansão colonizadora aos processos da
economia e da sociedade européias em transição para o capitalismo
integral (NOVAIS, 2006, p. 72).

Assim, a metrópole forçava a colônia a vender produtos por preços baixos e comprava os
manufaturados por valores bastante elevados. A taxa de lucro também era bastante alta. Cabia às
colônias a produção complementar para a metrópole e o desenvolvimento de relações capazes de
gerar lucro para os países europeus. Daí o sistema não ser apenas uma estrutura de povoamento
do Novo Mundo. Muito pelo contrário, a lógica empregada era a de fazer com que houvesse uma
exploração sistemática de grande lucro. Era este, por exemplo, o grande sentido da colonização
do Brasil:

Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos


constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais
tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio
europeu (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 31‑32).

Os produtos tropicais, nunca antes vistos na Europa, eram a garantia de um amplo mercado, mesmo
que houvesse medidas protecionistas de outros países, como uma produção essencialmente extrovertida.
A perspectiva, portanto, era que tais gêneros gerassem alta lucratividade e complementassem a
tradicional estrutura produtiva da Europa.

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Burguesia é rica – África – Ás

Figura 42 – O Antigo Sistema Colonial era baseado nas relações do Estado absolutista com a burguesia.
O sistema colonial era baseado na subordinação e dominação promovida pelas metrópoles
europeias às áreas periféricas (América, África e Ásia)

Ao mesmo tempo em que toda essa estrutura econômica passou a ser o objetivo central no Novo
Mundo, logo nas primeiras décadas do século XVI, após a conquista promovida pelos espanhóis e a
chegada de outros países às Índias (as especiarias foram por pouco tempo monopólio português), a
ocupação e defesa do território seria imprescindível.

Por fim, o sistema central de uso da mão de obra atendia aos interesses metropolitanos. A
utilização de formas de trabalho compulsório, tanto nas colônias espanholas (com o uso dos
nativos em forma de tributo e, em menor intensidade, o escravo africano), como na portuguesa
(com a grande preponderância da escravidão dos negros), como ainda nas inglesas (com a
escravidão negra no sul e a servidão temporária no norte – chamada de indentured servants),
atendia diretamente à expectativa de lucro das metrópoles. Na prática, esse sistema gerou o
máximo de lucro possível e ainda impediu um grande desenvolvimento dedicado apenas às
colônias. Assim, se observa a importância do tráfico negreiro para o uso da mão de obra escrava
africana na América:

O tráfico negreiro, isto é, o abastecimento das colônias com escravos,


abria um novo e importante setor do comércio colonial, enquanto o
apresamento dos indígenas era um negócio interno da colônia. Assim, os
ganhos comerciais resultantes da preação dos aborígenes mantinham‑se
na colônia, com os colonos empenhados nesse “gênero de vida”; a
acumulação gerada no comércio de africanos, entretanto, fluía para a
metrópole, realizavam‑na os mercadores metropolitanos, engajados no
abastecimento dessa “mercadoria”. Esse talvez seja o segredo da melhor
“adaptação” do negro à lavoura [...] escravista. Paradoxalmente, é a partir
do tráfico negreiro que se pode entender a escravidão africana colonial, e
não o contrário (NOVAIS, 2006, p. 105).

Apesar de esta ser a tônica central, o mercantilismo se manifestou de maneira variada nos países
europeus. O primeiro efeito prático dos produtos do Novo Mundo foi uma enxurrada de metais
preciosos provenientes das conquistas espanholas. Algumas estimativas apontam que, no século XVI,
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os espanhóis levaram para a Europa algo em torno de 16 e 25 mil toneladas de prata e 200 toneladas
de ouro. O impacto seria impressionante. Na Espanha, diversos projetos puderam ser imediatamente
levados a cabo. Milhares viram o quanto seria proveitoso ir para o Novo Mundo e logo se alistaram.
Muitos, com recursos possíveis, pretendiam ser patrocinadores e angariar lucros. E, por fim, claro,
as demais potências estavam enraivecidas. Contudo, toda essa prata gerou um alto preço. O metal
era utilizado para cunhar moedas e logo produziu uma enorme quantidade de meio circulante no
mercado. Assim, surgiu a chamada Revolução dos Preços. Alguns cálculos chegam a mensurar o
aumento do preço em 400%.

Figura 43 – O trabalho indígena na exploração das minas gerou


um enriquecimento enorme e rápido para os espanhóis

Assim, o mercantilismo espanhol é conhecido por ser bulionista, ou seja, era baseado em uma
acumulação pura de metais preciosos e não precisava, necessariamente, promover todas as medidas
restritivas para as importações.

Portugal não teve a mesma perspectiva inicial. O primeiro documento oficial, a carta de Pero
Vaz de Caminha, mencionava que não haviam encontrado ouro ou outro metal. Seu mercantilismo
foi razoavelmente variável: iniciou‑se comercial, com a venda de produtos tropicais, como o
pau‑brasil e o açúcar, mas depois encontrou ouro, se tornando bulionista e, na sua decadência,
tentou criar atividades manufatureiras para ter algum lucro vendendo para as colônias, o que
não durou muito tempo.

Os ingleses, por sua vez, procuraram defender, ao máximo, suas produções locais. Ao mesmo tempo,
desde o reinado de Henrique VIII e, sobretudo, no reinado de Elizabeth I, criaram uma grande marinha,
tanto mercante como de guerra; eram capazes de comprar diversos produtos baratos e vender com

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razoável margem de lucro pelos fretes acessíveis. Por vezes, utilizaram até mesmo corsários. Tudo para
conseguir grande acúmulo primitivo de capital – condição que se mostrou fundamental para a Revolução
Industrial da segunda metade do século XVIII. Assim, seu mercantilismo pode ser caracterizado como
comercial, e, com o desenvolvimento de suas manufaturas têxteis, se torna industrial.

Observação

Os piratas atacavam e saqueavam por conta própria e ficavam com


todo o eventual lucro. Já os corsários, apesar de promoverem as mesmas
atividades, eram patrocinados pela Coroa e dividiam o ganho.

Os franceses não conseguiram ter a mesma marinha e também não detinham áreas coloniais
capazes de promover lucros substanciais. Todavia, no reinado de Luís XIV, a política mercantilista
foi dirigida pelo ministro Colbert. Ele foi peça fundamental para a economia da França. Suas
ações se baseavam na produção de artigos de luxo altamente especializados que atraíam
mercados em todo o mundo conhecido. Essa diferenciação, inclusive, gerava propostas para que
artesãos de outros países trabalhassem na França. O resultado dessa política foi impressionante.
Colbert conseguiu garantir renda para um Estado endividado e profundamente deficitário com
os gastos da Corte. É por isso que o mercantilismo francês, de incentivo industrial, é chamado
de colbertismo.

Por fim, os holandeses se empenharam nas atividades comerciais. Na prática, os burgueses calvinistas
locais foram somados aos judeus que fugiam da perseguição religiosa imposta pela Inquisição no último
quartel do século XVI. Traziam considerável condição econômica e, assim, possibilitaram a ampliação
das transações mercantis na região. Criaram companhias de navegação, promovendo uma estrutura
de investimento particular nas ações coloniais, somadas ao banco de Amsterdã e ao próprio governo.
A partir daí, dominaram boa parte das transações comerciais por toda a Europa. Ao mesmo tempo,
procuravam também ampliar suas atividades manufatureiras. Dessa maneira, seu mercantilismo foi
misto: comercial e depois industrial.

É notório, portanto, que a expectativa de enriquecer o Estado era a condição básica do sistema
colonial. Essa estrutura ficou bem constituída até o desenvolvimento industrial inglês. A partir dali, a
lógica se situou na produção industrial e no liberalismo econômico. A política econômica deveria ser
capaz de permitir o livre comércio, já que as relações deveriam favorecer muito mais a burguesia do
que o poder do rei absolutista, que sofreu severos ataques das revoluções burguesas. Na verdade, todo
o Antigo Regime ficou em xeque. É o brotar da história contemporânea.

5.2 A colonização espanhola

Após a queda das expedições de conquista, os espanhóis, já maravilhados com o ouro e a


prata, rapidamente perceberam que podiam construir um sistema exploratório para esses minérios
tão cobiçados. Cortés entendeu que podia criar uma estrutura simbólica de poder erguendo a
cidade do México em cima das ruínas de Tenochtitlán. A perspectiva era de uma continuidade
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de domínio: dos astecas para os espanhóis. Já entre os incas, Cuzco ficava em um local de difícil
acesso, daí a construção da nova capital no litoral, Lima. As tentativas de poder paralelo inca
também demoraram certo tempo para serem completamente extirpadas. A mesma perspectiva de
continuidade não era vista no sul.

De qualquer forma, o sustentáculo ideológico era, como visto anteriormente, garantido pela Igreja
e suas armas. As transformações eram inevitáveis, ainda que se pudessem encontrar, em determinados
momentos e lugares, fortes resistências ou graves conflitos.

A governadoria, apesar de ser a instituição básica criada nos primórdios do século XVI, buscando
atrair os conquistadores, acabava dando grande liberdade às regiões do Novo Mundo, como o poder
de controlar as terras e os habitantes locais. Contudo, logo a Coroa passou a querer controlar, de
modo absoluto, a criação e desenvolvimento do aparelho colonial. Assim, essa instituição foi perdendo
importância e se transformando em pequenas unidades administrativas.

A formação político‑administrativa desenvolvida pelos espanhóis atendia, dessa maneira, aos


interesses mercantilistas. A Coroa determinava todas as diretrizes e relações estabelecidas para a
montagem do sistema. Na prática, o esforço espanhol consistia em simplesmente transplantar sua
autoridade e estrutura, com os moldes da metrópole, para a colonização. Isso se manifestava, sobretudo,
entre os dois grupos principais em que a monarquia se equilibrava. De um lado, a burguesia recebeu
benefícios no trato mercantil, principalmente monopólios. A nobreza, de outro, ficou com as funções da
administração.

A divisão geral do território recém‑dominado foi dada a partir de quatro Vice‑reinos. O


primeiro, criado em 1535, era o Vice‑reino da Nova Espanha, que compreendia o México, parte
da Mesoamérica e o oeste do território dos Estados Unidos; a capital era a Cidade do México. O
segundo, criado em 1543, compreendia a principal área andina (áreas do Peru e da Bolívia), e a
capital era Lima. Essas eram as áreas centrais dos antigos impérios e também as mais importantes
da mineração. A seguir, vieram as áreas mais periféricas. O terceiro Vice‑reino, criado em 1717, era
a Nova Granada – área andina mais ao norte (Colômbia, Equador e Panamá), e a capital era Santa
Fé de Bogotá. O quarto era o Rio da Prata, criado em 1776, que envolvia principalmente a área
platina (chegava a conter partes do Peru e da Bolívia, além de Paraguai, Uruguai e Argentina) e
Buenos Aires era a capital. Já as demais áreas, Cuba, Guatemala e Venezuela, foram incorporadas
como capitanias gerais.

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Figura 44 – A divisão política da América hispânica,


em geral, foi baseada em grandes áreas administrativas

O membro da nobreza espanhola escolhido para ser vice‑rei, sem dúvida, se tornava a maior
autoridade executiva do Novo Mundo e representava diretamente a Coroa. Os vice‑reis, apesar de
receberem diversas determinações, obtinham um grande grupo de funções. Militarmente, deveriam
garantir a defesa do território. Na justiça, presidiam a audiência geral. Na administração, recebiam as
instruções reais e, em certa medida, distribuíam a terra e doavam porções previamente permitidas.
Religiosamente, detinham autoridade na Igreja do Novo Mundo. Como fiscais, participavam do Tribunal
de Contas. Contudo, a função mais importante, provavelmente, era cuidar das finanças como Presidente
da Junta da Fazenda Colonial. Nesse sentido, a questão central era garantir a lucratividade para a Coroa,
vista pelas relações exclusivistas e impedir, a todo custo, o contrabando – ainda mais quando piratas e
corsários passavam a ser presença constante, sobretudo, nas águas do Caribe.

Os capitães gerais desfrutavam de grande autoridade em seus territórios, ainda que não na mesma
proporção dos vice‑reis. Ou seja, tal sistema, ao ser criado e posto em prática, perpetuava as forças do rei
(tanto na política como na economia), fortalecendo o absolutismo dentro do quadro do Antigo Regime
europeu.

Esse conjunto de funções do vice‑rei trazia a perspectiva de um grande interesse para a mais alta
nobreza. Aliás, a Coroa nem sempre viu isso com bons olhos e, por vezes, escolheu uma “nobreza mais
baixa” para ocupar tão grande poder. Claro que também as adversidades da viagem e de se adaptar
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a um local inteiramente novo eram empecilhos convincentes. O cargo era temporário, apesar de que
houve alguns que depois se tornaram vice‑reis de outras áreas da América. Quando retornavam, eram
membros imprescindíveis do Conselho Real. As palavras do vice‑rei da Nova Espanha, de 1568‑1580, de
Don Martín Enríquez de Almansa, para seu sucessor, são bastante significativas acerca de sua função:

Embora imaginem na Espanha que o posto de vice‑rei aqui é muito fácil, e


que não pode haver muita coisa a fazer nessas novas terras, minha própria
experiência e o trabalho que tive de realizar me desiludiram quanto a isso.
Vós descobrireis o mesmo, pois o vice‑rei aqui é responsável por todos os
deveres que na Espanha são partilhados por várias pessoas diferentes (apud
ELLIOTT, 2012, p. 291).

As duas principais instituições criadas pela Coroa foram estabelecidas ainda no século XVI. A Casa
de Contratação, localizada em Sevilha, ainda em 1503, ou seja, antes do processo da conquista e das
descobertas econômicas, já possuía a função de coordenar as ações para o Novo Mundo como um
centro administrativo e comercial, capaz de fiscalizar a exploração, controlando as entradas e saídas de
todo o aparato utilizado, quer fossem homens, navios ou mercadorias.

A ideia era canalizar todas as ações em um só local para impedir, ao máximo, qualquer desvio e,
sobretudo, contrabando. No entanto, essa função administrativa, a partir de 1524, passou a ser conduzida
pelo Conselho das Índias, que determinava as questões de todos os objetos do sistema colonial, desde
a nomeação dos mais altos cargos, como vice‑reis e capitães‑gerais, até a criação das diretrizes de
desenvolvimento pelas leis ou atuação ainda como última instância das causas judiciais da América.
Contudo, na prática, era muito mais consultivo o agente da vontade do monarca. As recomendações
podiam ou não ser aceitas pelo rei.

A partir daí, o poder passava a ser bastante disseminado em várias instituições. Até mesmo os
mais importantes vice‑reis e capitães‑gerais podiam ser supervisionados pelos juízes de residência ou
mesmo pelos visitadores, que chegavam ao Novo Mundo em inspeções “de surpresa” para garantir o
cumprimento das leis e verificar eventuais enriquecimentos ilícitos.

As Audiências eram verdadeiros Tribunais de Justiça, guardiões oficiais da lei. Já no século


XVI, dez Audiências foram criadas: Santo Domingo, em 1511, México, em 1527, Panamá, em 1538,
Guatemala e Lima, em 1543, Guadalajara e Santa Fé de Bogotá, em 1548, Charcas, em 1559,
Quito e Chile, em 1563. Os visitadores estavam, basicamente, espalhados pelos principais centros
econômicos ou, ainda, por áreas de influência regional. Sua característica mais importante
era que, diferente do vice‑rei, não tinham tempo máximo de estadia. Com isso, geravam uma
continuidade tão significativa a ponto de influir em outras áreas da estrutura colonial. Ao mesmo
tempo, eram temidos pelos vice‑reis por poderem acusá‑los de descumprimento de qualquer
brecha da lei.

Os ouvidores eram os principais funcionários das Audiências. Acabavam por adquirir certo poder
local, ainda que leis bastante restritivas impedissem relações econômicas, tanto com a posse da terra,
como com o trato mercantil, apesar de seus salários não serem elevados.
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Uma instância de justiça de poder muito mais local eram os cabildos, ou ayuntamientos. Eles detinham
certa autonomia e eram formados pela elite colonial. Além disso, selecionavam uma autoridade política
e judiciária, o alcaide, seu grande representante. Na prática, ”os cabildos, como se poderia esperar
do padrão de governo municipal na Espanha metropolitana, eram, ou logo se tornaram, oligarquias
constituídas pelos cidadãos mais abastados que se autoperpetuavam” (ELLIOTT, 2012, p. 295).

Ao mesmo tempo, como já comentamos, a Igreja participava do aparato de dominação, mesmo que
o rei também determinasse as diretrizes (padroado régio). Nesse sentido, a Inquisição foi a principal
instituição.

Deve‑se, entretanto, relativizar a forma real do poder régio, que era garantir que suas decisões
fossem sempre efetivamente cumpridas em um cenário tão vasto e com instituições tão amplas. Como
aponta Elliot:

Externamente, o poder real era absoluto, tanto na Igreja quanto no Estado.


Uma torrente de ordens eram emitidas pelo conselho das Índias em Madri,
e esperava‑se que uma burocracia numerosa, secular e clerical, as colocasse
em vigor. Mas na prática havia tanta manobra pelo poder entre os diferentes
grupos [...] que as leis inoportunas, embora olhadas com deferência devido
à fonte de que emanavam, não eram obedecidas, enquanto a própria
autoridade era infiltrada, mediada e dispersada (ELLIOTT, 2012, p. 299).

Rei

Conselho Conselho
da das
Inquisição Índias

• Casa de Contratação
• Audiências
• Vice-Reinados

Câmara
das
Índias

Figura 45 – A administração colonial espanhola era altamente


centralizada nas mãos do rei, com suas determinações e diretrizes

Quanto às atividades econômicas, a mineração foi a primeira grande ação exploratória para os
espanhóis. As principais minas no México eram Zacatecas (1546), Guanajuato (1550) e San Luís Potosí
(1592), que ofereciam grande quantidade de prata. A última era a única que também produzia ouro.
Na prática, em paralelo à extração do minério, cada vez mais importantes núcleos urbanos foram
sendo formados nessas áreas. Já na região andina, as áreas mais importantes de extração de minérios

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foram Potosí (1545), principal mina espanhola e que se tornou símbolo da exploração colonial, além
de Huancavelica (1563), localizada no litoral peruano, muito importante na produção de mercúrio, e
Oruro (1606). Em Chocó, na Colômbia, os espanhóis encontraram ouro e, por ser uma área com pouca
população nativa, utilizaram a mão de obra escrava africana.

Foram criadas rotas de transporte para abastecer ou retirar materiais das minas e o controle fiscal
era rígido. As atividades subsidiárias, como a agricultura e o gado, ganharam importância com o declínio
da produção dos minérios, sobretudo, na segunda metade do século XVIII.

O sistema de trabalho foi promovido a partir das encomiendas. Adotadas inicialmente no Caribe,
também foram amplamente utilizadas no México e nos Andes. A concessão garantia terra e todo o mais
que estivesse ali, ou seja, todos os nativos do local. O usufruto era voltado à exploração e formavam
grandes extensões de terra. Os nativos não recebiam um salário – eram obrigados a sair de suas aldeias
e, por um período, fazer qualquer atividade determinada.

Os encomenderos receberam uma grande oposição desde o início da conquista, pois eram poucos
e concentravam muitíssimos recursos, além de poderes. Em alguns lugares, inclusive, conseguiram
transformar a região em propriedade privada. Por sua vez, a maioria dos colonizadores ficava sem acesso
à terra e mão de obra. A Coroa resolveu dissolver o sistema e sua manutenção só foi permitida em áreas
não centrais.

A escravidão indígena também foi adotada inicialmente. Ser escravo é, apesar de tantas concepções
diferentes na noção popular, ser propriedade de alguém. É perder qualquer direito, poder ser trocado
ou vendido. A escravatura, apesar de altamente exploratória e, portanto, rentável aos europeus, foi
condenada desde o início. Eram severas as críticas da Igreja católica e geravam grande resistência entre
os indígenas, já que não era uma condição comum, causando a desagregação de comunidades e até
ações armadas contra a colonização. Na prática, o regime de escravidão permaneceu em lugares menos
controlados pela Coroa, como o sul da área andina – Chile, Equador e áreas amazônicas. Havia tráfico,
venda e escritura de compra e venda indígena.

Lembrete

Apesar das fortes críticas da Igreja Católica, e até mesmo contando


com o apoio da Coroa, a escravidão indígena poderia ser usada para atingir
lucro imediato e depois ser alterado.

O sistema de repartimiento, mita na área andina, ou cuatequil entre os astecas, foi o mais utilizado
e importante. Era caracterizado pelo trabalho compulsório, temporário e planejado. Os homens se
deslocavam para as minas e, depois de certo tempo, voltavam para as suas comunidades. Essa mobilidade
gerava um problema: a lucratividade não era tão grande, pois logo que o indígena aprendesse as técnicas
de mineração, acabava seu tempo e um novo grupo era iniciado. Da tradição incaica, era pago um
salário para a subsistência. Não havia a ideia de acumulação. Inclusive, essa já tradição do repartimiento
facilitou seu uso com os nativos – daí a Coroa ter adotado esse sistema. Contudo, a lucratividade agora
81
Unidade II

era gerada para fins privados e para a Coroa, ou seja, não mais para a redistribuição. A intensidade de
trabalho e o tempo foram aumentando ao longo da dominação espanhola. No início, o compromisso
durava 6 meses e eram convocados de 7 em 7 anos. Com o tempo, passaram a durar até 12 meses e o
tempo de rodízio foi diminuindo. Em Potosí, o trabalho era tão duro e desgastante, que para cada duas
semanas de trabalho, uma seria de descanso.

Os salários, ainda que longe de uma visão de acumulação e possibilidade de ascensão social,
aumentavam de acordo com a exigência da atividade: 3 reales eram pagos para quem transportava; 3,5
para as minas; 3,75 para as casa de fundição.

Na prática, a exploração do trabalho era tamanha que já no século XVII houve uma crise. Boa parte
da população indígena já havia morrido, tanto nas conquistas como na opressão dessas tarefas.

Figura 46 – A representação comum dos indígenas e sua miséria e opressão


podem ser observadas nos detalhes e expressões – imagem do museu de Tlaxcala

Há relatos de que o repartimiento foi perdendo o sentido de ser rotativo. Muitos indígenas já
estavam distantes há muito tempo. Essa questão prejudicava diretamente as comunidades. Há de se ter
em vista que esse sistema só fazia sentido para áreas com grande população ameríndia. No Caribe (que
rapidamente teve sua população nativa extinta), no Brasil e nos Estados Unidos ele não foi utilizado.
A Coroa espanhola também o combateu, pois não era um trabalho livre e o nível exploratório gerava
revoltas indígenas.

82
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Aos poucos, foi surgindo uma nova forma de trabalho: a peonagem, que utilizava como trabalhadores
moradores das regiões, empregados tanto na mina quanto na agricultura; eles já estavam habituados
e, eventualmente, podiam se tornar meeiros. A atividade agregava ex‑escravos, mestiços e outros, que
recebiam um salário (em geral, dado em produtos) e não podiam sair da região. Bastante diversificado,
esse sistema foi transitório.

O que se viu, lentamente, foi o crescimento do trabalho assalariado; ele já era importante na segunda
metade do século XVII e se generalizou no século XVIII, quando passou a ser preponderante. Um relatório
do México, de 1697, apontava que a mão de obra da mineração já tinha 68% de assalariados, 18%
repartimientos e 13% de escravos africanos. Não era um trabalho compulsório. O indígena aceitava
voluntariamente e recebia um salário básico, o mínimo para suas necessidades mais gerais, mas que nem
sempre era suficiente. Houve casos de uma “servidão por dívidas”, bastante comum tanto na agricultura
(principalmente) como na mineração.

A Coroa não criou monopólio estatal na extração de minérios, exceto no caso do mercúrio
(Huancavelica). A prática comum era a concessão a particulares que investiam na produção, mas ficavam
com o usufruto do empreendimento. Seus deveres, por sua vez, estavam baseados em uma taxa fixa de
produção para a Coroa – em geral o quinto (20%), mas que, em momentos de crise, chegou a décima
(10%), e no controle rígido da produção, dos trabalhadores e dos impostos. A propriedade era mantida nas
mãos do rei, que procurava, ao máximo, manter um rígido controle dos preços, dos canais de transporte
e da distribuição – afinal, o grande temor era a perda (sempre constante) via contrabando. Com os
recursos existentes, era bastante improvável impedir o completo trajeto – produção, armazenamento,
transporte, distribuição e viagem marítima – sem nenhuma espécie de roubo.

Era a Coroa quem também fornecia e controlava a mão de obra de todas as minas (pelo menos até
a preponderância do trabalho assalariado). O preço dos minérios, na prática, era altamente determinado
pela Coroa. Ainda que sem influências diretas nos valores da prata e do ouro, o monopólio régio sobre o
mercúrio, facilitado por haver apenas uma única mina na América, determinava os valores dos demais
produtos, já que ele era elemento fundamental para a extração.

O sistema da mineração foi guia central para as demais produções estabelecidas na América hispânica,
já que conferia o maior lucro para a metrópole. Quando a crise se instaurou, no final do século XVIII,
a Coroa tentou promover reformas, tudo para restaurar valores de arrecadação – foram as chamadas
reformas borbónicas.

A estrutura agrária e a sua distribuição de terra envolviam a agricultura e a pecuária. Com a


expansão dessas atividades, os conflitos com os indígenas eram cada vez mais vistos. O sistema de
trabalho acompanhava as relações estabelecidas com a mineração, conforme comentamos, apesar de
certas particularidades. Os alimentos já existentes continuaram a ser cultivados, mas outros rapidamente
encontraram ótimas condições climáticas e se propagaram criando uma significativa diversidade.

No México, a localização das duas atividades foi a região central, área indígena, mas que depois
foi se expandindo. Já na parte andina, a agricultura se estabeleceu no litoral, região bastante distante
do território utilizado pelos nativos (o altiplano), já que o beira‑mar era mais fácil para os espanhóis
83
Unidade II

aplicarem suas técnicas e, em algumas áreas, se tornava bem fértil pela presença de oásis formados por
rios. Outra vantagem significativa era a menor quantidade de conflitos com os nativos, apesar de que tal
perceptiva acabou se convertendo em diversas animosidades entre os próprios colonos.

As novas áreas e técnicas promovidas na Nova Espanha (México) incorporaram culturas tradicionais,
como o milho, o feijão e a pimenta, com outras inteiramente novas, como o trigo (nas áreas mais
temperadas). Entretanto, a nova lógica nunca antes havia sido imaginada na América: o sentido era
extrovertido, voltado, no primeiro momento, para o abastecimento das minas. Mas, aos poucos, a
complementaridade dessa atividade foi sobrepujada e passou a ser fonte de lucro para a metrópole,
nos moldes propostos pelo mercantilismo moderno. Na prática, essa atividade era autossuficiente em
termos de custo, e os colonos foram capazes de retomar técnicas indígenas de irrigação, produzindo até
diques para um processo artificial, assim como introduzir especializações produtivas como o arado. As
terras indígenas foram sendo expropriadas e o avanço do caráter privado, dentro da lógica do sistema,
era inevitável. Cultivos tropicais estabeleceram‑se nas áreas litorâneas de menor presença nativa e
atingiam o ápice dos interesses metropolitanos acerca da agricultura. Nesse sentido, o principal produto
foi a cana‑de‑açúcar para concorrer com a produção do Caribe.

De qualquer maneira, a grande revolução foi vista na pecuária. Em um processo extensivo,


ela ocupava áreas muito maiores que a agricultura e modificava, em grande medida, o meio
ambiente e as práticas culturais. Eram animais inexistentes naquele hábitat – como ovelhas,
cavalos, vacas, mulas etc., e que não haviam encontrado nenhum tipo de predador significativo.
Rapidamente, houve transformações nos hábitos alimentares e revolução nos transportes. A
noção de distância como tempo para se percorrer algo foi absolutamente modificada. O vestuário
também mudou, pela introdução do couro. Ao mesmo tempo, o uso de certos animais permitiu
uma maior produtividade na agricultura e na mineração, como força motriz. Inevitavelmente,
esse avanço faz com que os animais passassem a ocupar áreas indígenas agrícolas, o que
provocou duas consequências: por um lado, conflitos e disputas; por outro, a adoção desses
animais pelos nativos para força motriz, alimentação e vestuário. Ou seja, a colonização, além do
processo traumático de destruição, conquista, acabou também por alterar relações culturais nas
populações locais que não eram diretamente controladas e oprimidas pela Coroa. Claro que isso
não diminui o quão terrível foi o processo exploratório da colonização da época moderna. A lã de
ovelha e de carneiro foi utilizada em uma significativa produção de tecidos que se estabeleceu
em áreas domiciliares; esse produto também era voltado para a exportação, propiciando lucro. O
Equador foi o local em que essa perspectiva foi mais vista, apesar de ter sido também importante
no México.

A Coroa tentou, por inúmeras vezes, regulamentar a distribuição de terras, desde 1530. Em 1573,
decidiu criar uma legislação separada para colonos e nativos. A ideia era preservar as comunidades
locais e suas formas de utilização das terras. Em outras áreas, a perspectiva era de que a regulamentação
pudesse impedir conflitos.

Os menores lotes, pelas pequenas necessidades, ficavam nas regiões urbanas. A unidade de medida
mais comum era a caballeria (cerca de 40 hectares, em média, mas tendia a ser um valor um pouco maior
para a pecuária). Uma das grandes discussões era qual seria o tamanho necessário para a subsistência e
84
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

também para o mercado. Em geral, as famílias recebiam duas caballerias. Mesmo as grandes propriedades
pleiteavam maiores extensões devido à agricultura rotativa e à grande extensão necessária à pecuária
(fora áreas problemáticas, repletas de pedra ou com falta de água). De qualquer forma, a caballeria era
a forma legal de acesso à terra, mas que não impedia a existência de ilegais, que mantinham conflitos e
hostilidades). Na prática, os que recebiam as terras eram minorias, uma elite que procurava, de todas as
maneiras, se perpetuar nessa condição, e quando possível, adquirir ainda maiores domínios.

No caso indígena, parte das terras era utilizada para a formação de um núcleo urbano (que,
tradicionalmente, mantinha pequenas hortas), o núcleo da aldeia, e parte para terras comunais – como
era a tradição. No caso específico da pecuária, aproveitavam locais não cultiváveis para pastagens ou
florestas, distribuindo parcelas individuais para os chefes de família. Essas áreas tinham um caráter
privado com limitações: havia a possibilidade de compra e venda, mas era fundamental não permitir que
usurpadores comprassem e que o local deixasse de ser exclusivo da comunidade.

As maiores extensões de terra ficavam para os pecuaristas. Assim, em pouco tempo, se tornaram um
grupo de elevado status. Isso gerava poder local, alguns chegavam a se considerar “donos do mundo”,
em pleno século XVIII. Nesse contexto, sobretudo no México, já estava claro o declínio dos mineiros e a
ascensão da pecuária.

Aos poucos, os interesses dos pecuaristas geraram a perspectiva de tomada das terras indígenas,
sobretudo se estivessem localizadas em áreas privilegiadas para a atividade. Se no século XVI os conflitos
estavam relacionados ao uso dos indígenas como mão de obra compulsória, no século XVIII e, sobretudo,
no século XIX, as contendas giravam em torno da questão agrária. A forma do Estado de contornar o
problema foi gerar concessões gratuitas de caballerias para territórios mais longínquos, geralmente
mais ao Norte – as regularização e manutenção eram dadas pelo pagamento de impostos. De qualquer
maneira, muitos não esperavam por essa doação e partiam para apropriações ilegais, fato bastante
comum no México.

Não é à toa, portanto, que a questão agrária se constituiu o problema central de tal desenvolvimento.
Sempre houve conflitos e revoltas pelas áreas mais significativas de pastos e de melhores localizações
para o rápido escoamento e comércio. Esse processo começou na época colonial e se perpetuou durante
a formação do Estado Nacional. Essa permanência desembocou no processo revolucionário mexicano
do início do século XX.

Exemplo de aplicação

Reflita, nesse contexto, sobre quais foram as origens dos vetores que formaram a América Latina
com uma estrutura fundiária concentrada e de enorme desigualdade social.

Na área andina, a mão de obra e a política de distribuição de terras seguiu o mesmo caminho
da Nova Espanha. As terras concedidas para a agricultura eram chamadas de mercedes de labor e as
dedicadas à pecuária eram mercedes de estancias. Muitas mercedes eram formadas pela peônia e pela
caballería, constituindo um amplo território.

85
Unidade II

De qualquer maneira, a geografia da região, o clima e o relevo impunham muitas limitações à


agricultura. No litoral também havia problemas, como a existência de muitos desertos. Particularmente, a
área em torno de Lima, nova capital, era bastante frutífera devido às irrigações causadas pelos oásis. Além
disso, a cidade tinha um grande número de pessoas, o que gerava um contínuo mercado a ser abastecido. O
mesmo ocorria no entorno de Potosí e das demais regiões mineradoras. A expansão da agricultura privada
foi facilitada pelo declínio da população indígena – bastante explorada nas minas, como demonstramos –,
deixando áreas livres que foram utilizadas para a agricultura. A finalidade central era abastecer as minas.

A mão de obra indígena no altiplano teve como base a criação de ovelhas (com sua rápida adaptação
ao clima frio), que gerava a matéria‑prima fundamental para as manufaturas têxteis, conhecidas como
obrajes e que tiveram grande importância no Equador.

Em outras áreas, a Igreja Católica obteve patrimônios e latifúndios eclesiásticos, alcançando


considerável poder. Nessas áreas, havia produção de açúcar com mão de obra escrava negra; em outras,
criação de gado (estâncias), ou ainda certos obrajes.

A agricultura do litoral teve como base a mão de obra escrava africana, já que quase não havia
população nativa, privilegiando a produção de cana de açúcar e vinho. No Equador, a produção central
foi de produtos tropicais, como o cacau.

As áreas mais periféricas, mais distantes das minas, resultavam em grandes donos de terra que se
tornavam encomenderos e a população foi se configurando com alto índice de mestiçagem. Esses povos
passam a trabalhar como peonagem ou meeiros, ou com base em contratos temporários.

Nas locais de clima temperado, mais ao sul do império, como no Chile e na Argentina, criava‑se trigo.
Esse produto agradava, particularmente, o paladar europeu e, assim, mantinha um ativo mercado. Além
disso, também grandes senhores controlavam as terras, pois a Coroa não mantinha interesse direto ali.

No Chile, a agricultura nasceu, a partir de Santiago, na região central e a pecuária em menor escala.
Como o norte é desértico e o sul muito frio e chuvoso, a agricultura rapidamente se expandiu para
o sul por meio de produtos não tropicais, pois os europeus perceberam que a região tinha condições
semelhantes ao clima do Mediterrâneo. A mão de obra mais utilizada foi a peonagem, chamada de
inquilinato, índios ou espanhóis que não tinham encomiendas ou pequenos proprietários falidos, em
geral, presos às fazendas, costumeiramente agrícolas (a pecuária era apenas para a subsistência).

Na Argentina, o inverso era visto. O gado era a produção comercial por excelência e a agricultura
ocorria em menor escala. Inicialmente, a produção era criada solta em imensas áreas demarcadas.
Os impostos só eram pagos na hora da venda. No início, o trato mercantil era dado com as áreas
mineradoras, mas a proporção atingiu cabedais capazes de gerar certa autonomia e se unir a uma rede
de contrabando com o sul do Brasil.

O destaque do gado foi tamanho que diversos conflitos passaram a ser vistos com as missões para
angariar o máximo de pastos. Assim, a rentabilidade da pecuária, assim como comentamos com relação
à agricultura, gerou o crescimento da disputa pela terra.
86
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

A mão de obra utilizada foi a peonagem com diversas variantes, e, por vezes, com diversos abusos e
contendas, até o século XIX. A partir daí, o trabalho assalariado predominou.

É interessante compreender, por fim, que, como buscamos demonstrar, a agricultura e a pecuária
passaram a ganhar importância cada vez maior, capaz mesmo de gerar grande atenção da Coroa,
justamente quando a mineração fazia o caminho inverso, diminuindo sua produção e já não conseguindo
restaurar os valores produtivos anteriores.

O comércio colonial, por sua vez, era bastante restrito. Sevilha era o porto único de todo
o trato comercial com as colônias. Era proibido o comércio interno. No século XVIII, Cádiz foi
substituto de Sevilha. Apenas os portos de Havana, em Cuba, Cartagena, na Colômbia, Porto
Belo, no Panamá, e o de Vera Cruz, no México, eram portos coloniais autorizados a desenvolver
importação e exportação. A lógica da Coroa, mais uma vez, era facilitar o controle de todas as
relações mercantis.

América
do Norte
Europa
Lisboa Sevilha
ta
prata e pra
(Zacateca) ouro s Cadiz
nufatura
e ma
sed ntos
de M s
a Veracruz alime
ani
lha África
Portobelo Cartagena
ouro da Colômbia
ta

(Buritica)
pra

ta a Lima
pra anilh mercúrio
M
pa
ra (Huancavelica) Oceano
minas de prata Atlântico
(Potosi)
Oceano
Pacífico
Mina
Porto

Figura 47 – A mineração criou complexos circuitos mercantis relacionados a sua extração,


armazenagem e transporte para a metrópole, ainda que em um sistema de navegação anual e portos únicos

Na prática, esse trato era realizado apenas uma vez por ano, pois a navegação era promovida por um
grande comboio, conhecido como frotas anuais. Elas viajavam pelo Atlântico com o máximo de proteção
promovida por navios de guerra. Apenas nas Antilhas eles se dividiam para os seus portos de destino. A
ideia central era fortalecer a defesa contra os ataques piratas, o que nem sempre era possível.

Quando a frota alcançava os portos, era estabelecida uma grande feira para o comércio dos produtos
europeus, sobretudo manufaturados, trocados pelos metais preciosos ou frutos tropicais. Em geral, esse
87
Unidade II

trato mercantil durava até 40 dias. A seguir, a frota se reunia novamente em Havana e partia para a
metrópole. Esse sistema de monopólio do trato mercantil durou até a metade do século XVIII, quando as
reformas promovidas pelos Bourbons tentaram reconfigurar as relações coloniais, frente a um cenário
de crise, como se verá.

Para garantir essas relações de comércio, no século XVII, especialmente no Peru, foi criado um sistema
de repartos. Os índios eram obrigados, além de todas as questões já impostas, a comprar mercadorias
metropolitanas, garantindo o lucro do trato mercantil. Na prática, corregidores exerciam esse comércio
com os mais pobres, principalmente indígenas, o que se tornava sua principal fonte de renda. Alguns
deles compravam esse cargo. Daí a exploração ser a maior possível, pois desejavam recuperar os recursos
aplicados. Como descreve Murdo J. Macleod:

Impunham cobranças ilegais em dinheiro, em alimento ou em outros


bens e combinavam vendas de tributo a preços ilegais com pagamentos
secretos. Exigiam derechos (emolumentos ou subornos) para as contagens
da população, para investimentos no cargo, para a aprovação da legislação
do conselho e para outras funções que, por lei, deveriam ser cumpridas
gratuitamente. Os corregidores encontravam cúmplices dispostos a
concussões entre os membros índios do conselho, que cobravam ilegalmente
por fiestas, votavam aumentos para seus próprios salários, e de várias
maneiras usavam seus cargos para aumentar e desviar os fundos do tributo
em benefício próprio (MACLEOD, 2012, p. 289).

Os produtos dos repartos incluíam mulas, tecidos, velas, o que, muitas vezes, eram completamente
desnecessários aos nativos, uma vez que substituíam artigos já existentes (como a lhama no lugar da
mula ou seus próprios tecidos).

Quanto aos impostos, além do quinto para a mineração, como já comentamos, existia imposto para
esse comércio externo (almojarifazgo), ou mesmo para a proteção dos galeões no Atlântico (averia).
Por fim, havia ainda a cobrança pelo trato mercantil interno e para índios de determinadas regiões
(alcavala). Os índios, contudo, eram particularmente ainda mais taxados. Nas encomiendas, os tributos
podiam incluir também valores em produtos ou em dinheiro, sendo que variavam bastante dependendo
das regiões.

Todo esse aparato e rígido controle não impediam, contudo, as possibilidades de contrabando.
Um caso bastante exemplar era o de Buenos Aires. A cidade, fundada em 1580, cresceu e se
fortaleceu durante a União Ibérica (1580–1564), quando Felipe II unificou as Coroas de Espanha
e Portugal. Com isso, era nulo o Tratado de Tordesilhas e muitas relações se estabeleceram com os
vecinos. E mais, havia a participação de um ativo trato mercantil de escravos com Angola, ou, por
vezes, a revenda do Rio de Janeiro, além da comercialização do couro do gado que se expandia
e ganhava fama. Diversos foram os requerimentos das Audiências e Cabildos para autorizar o
comércio externo, o que estava relacionado, diretamente, aos contatos com os vecinos. De qualquer
maneira, como explica Rodrigo Ceballos:

88
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

A constituição de redes de cumplicidades no porto, permitida em grande


medida pelas inserções lusitanas, foi o que financiou o próprio aparelho
administrativo e militar da Coroa garantindo sua estabilidade e os direitos
dos vecinos. A prática da extralegalidade, a fina cortina composta pelas
(in)formalidades do Império, permitiu o fortalecimento da Coroa e da
própria elite. Este pacto, constituído pelas ações cotidianas e o aval
real, nos possibilita entender a consolidação dos grupos dominantes
da região, assim como a permissividade da presença portuguesa. Isto
não significou a ausência de conflitos ou de proibições régias, mas a
contínua possibilidade de novas formações de redes de poder e exercícios
de autoridade. Foi nesta malha, permitida pela dinâmica do pacto entre
“centro” e periferias”, que os portugueses souberam atuar e negociar
para bem conservar (CEBALLOS, 2009, p. 483).

Assim, é preciso ter em vista que, entre as determinações reais e as práticas do cotidiano,
muitos aspectos eram reestabelecidos. Isso não acabava com a força do poder central, mas trazia,
na realidade, as ações das áreas mais distantes e de seus interesses. É nesse sentido que podemos,
portanto, perceber uma imbricada relação na região sulina entre portugueses e espanhóis, que
promoveu consequências e interesses dos mais variados, como a construção dos Estados Nacionais,
ou mesmo depois, nas disputas de interesses que culminariam no maior conflito da América do Sul,
a guerra do Paraguai.

A sociedade refletia as diversas relações estabelecidas pela política e pela economia, dentro dos
espaços de atuação permitidos pelo poder régio. As diferenças eram altamente visíveis e garantiam,
em boa medida, a perpetuação de uma distinção bastante inflexível. Os chapetones ou guachupines
eram os espanhóis que vinham para a América assumir os principais cargos da administração (como ser
vice‑rei). Os criollos, apesar de também serem brancos, descendentes diretos de pai e mãe espanhóis,
já que havia uma enorme preocupação com a pureza de sangue e com casamentos mestiços, estavam
impedidos de ascender aos principais cargos da burocracia. Assim, acabavam por se empenhar nas
atividades econômicas e, com isso, se tornaram a elite econômica local. Os mestiços, sobretudo resultado
das relações de brancos com índios, eram bastante numerosos e estavam inseridos nas mais diversas
atividades e relações do Novo Mundo. Por fim, os escravos negros eram numerosos em áreas específicas,
principalmente onde os nativos estavam naturalmente mais ausentes (como na Colômbia) ou eram mais
rapidamente mortos (como no Caribe).

89
Unidade II

Figura 48 – A estrutura jurídica da América hispânica privilegiava, em grande medida,


os chapetones, ainda que o criollo, não raramente, fosse seu filho ou descendente direto

5.3 Traços comparativos da colonização portuguesa

Ainda que tenhamos uma matéria específica para o Brasil colonial, é pertinente delinearmos questões básicas
comparativas das colonizações ibéricas, principais potências coloniais da época moderna. Elas tiveram um período
de confluência, entre 1580–1640, quando a Coroa espanhola dominou a sua vizinha, conhecido como União Ibérica.

Uma questão inicial bastante interessante é que a Coroa portuguesa, até 1530, não se preocupou
em criar um sistema colonial, já que a rota do périplo africano se mostrou bastante produtiva a partir de
Vasco da Gama; para alguns historiadores, o lucro dessa viagem inicial atingiu mais de 6.000%.

As expedições promovidas naquele momento eram baseadas em ações exploratórias, sobretudo, em busca
de ouro e prata, já que começavam a surgir as notícias desses metais nos domínios espanhóis, mas também
policiadoras, responsáveis por tentar inibir a presença de outros países no território recém‑descoberto.

O contato com os nativos, de início, promoveu o ciclo do pau‑brasil. Os portugueses se concentravam


no litoral, em feitorias – fortes que garantiam relativa segurança, e utilizavam a mão de obra indígena
de forma livre. A grande questão é que os índios no Brasil ficaram impressionados com a possibilidade de
escambo com os europeus por produtos nunca antes vistos. Ainda que a historiografia tradicional queira
apontar a troca por produtos irrisórios como espelhos, pentes e etc., há de se ter em vista que o principal
interesse do ameríndio nas terras dominadas pelos portugueses eram relacionados à metalurgia, como
machados. Uma tecnologia desconhecida para o indígena inevitavelmente gerava o trato mercantil.

Nesse sentido, ao contrário dos espanhóis, que partiram para um processo imediato de conquista, já
que encontraram a maior riqueza cobiçada dentro da lógica mercantilista, os portugueses lidaram com
a alteridade de uma maneira capaz de fazer ambos os lados terem benefícios, ainda que essa condição
não tenha durado muito tempo.
90
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Adiciona‑se, portanto, mais um caso importante para se argumentar que a principal questão do contato
entre europeus e ameríndios eram os interesses mercantis, muitas vezes camuflados nas ações evangelísticas.

De qualquer maneira, os portugueses logo tiveram que promover um processo sistemático de


colonização. Próximo do fim da terceira década do século XVI, outros rivais europeus já faziam a rota pela
África, ou mesmo circum‑navegação, e o monopólio das especiarias estava arruinado. Ao mesmo tempo, a
presença de piratas, sobretudo, franceses, trazia o temor de também perder os territórios do Novo Mundo
– questão ainda mais forte com a criação, em pouco tempo, da França Antártica no Rio de Janeiro.

Os portugueses, com esparsos recursos e sem a mesma sorte dos espanhóis, tentaram criar um
sistema colonial baseado na administração descentralizada para entregar os custos aos particulares. Os
espanhóis também procuraram deixar os gastos para as ações privadas, como vimos. Mas a diferença
central, a nosso ver, é que a riqueza gerada pela conquista e também a organização já existente de
impérios centralizados e com atividades econômicas em pleno vigor (como a mineração) permitiu mais
facilmente o desenvolvimento.

Na prática, os portugueses criaram as Capitanias Hereditárias em 1534, dividindo o território determinado


pelo Tratado de Tordesilhas em quinze faixas de terras com catorze capitanias (uma delas ficava com duas
áreas). As determinações centrais dadas aos capitães donatários eram simples: deveriam proteger e fazer o
território ser produtivo. Ainda que por um bom tempo a historiografia tenha se preocupado em analisar tal
estrutura com as suas semelhanças ao feudalismo, uma questão clara que divergia era a economia extrovertida,
que se configurava dentro dos moldes do mercantilismo, elemento estruturante do Antigo Regime.

Oceano Atlântico
Terras pertencentes a Portugal
Terras pertencentes à Espanha

Figura 49 – O primeiro esforço português de colonizar com uma estrutura descentralizada

91
Unidade II

Na prática, logo esse sistema se mostrou problemático. O capitão coordenava a estrutura da terra,
inclusive distribuindo as sesmarias (formação básica para as grandes propriedades), mas seus recursos
eram poucos para a enormidade de gastos. Ao mesmo tempo, algumas hostilidades indígenas também
foram significativas, mostrando que já havia uma transformação na relação da alteridade a partir do
momento em que o europeu desejou efetivamente dominar o território.

A Coroa, então, percebeu a necessidade de um sistema central para coordenar o desenvolvimento


ultramarino português. Em 1549, nomeado diretamente pelo rei, foi criado o Governo Geral, que dominava
toda a estrutura administrativa com três auxiliares centrais: ouvidor‑mor (justiça), provedor‑mor
(finanças), capitão‑mor (defesa). Por fim, também havia poderes locais com as Câmaras Municipais,
redutos dos interesses dos mais ricos e importantes de cada região.

Rei
Governador geral
Provedor-Mor
(Fazenda)
Ouvidor-Mor
(Justiça)
Capitão-Mor
(Defesa)
Capitanias hereditárias e
capitanias reais (da Coroa)

Município
(Sede: Vila)
Câmaras municipais

Figura 50 – A nova perspectiva administrativa promovida


pelo Governo Geral garantiria a centralização

A implantação da estrutura econômica nos moldes coloniais para gerar lucro à metrópole
lusa teve como base o que se convencionou chamar de colônia de exploração. Ou seja, como
já comentamos, o objetivo era o lucro da metrópole e, para tal, a economia colonial se tornaria
complementar à Coroa. Assim, a colonização de exploração era caracterizada pelo uso do latifúndio,
pela monocultura, com mão de obra escrava africana devido ao lucro com o tráfico, e, por fim,
extrovertida e naturalmente dependente. Dessa maneira, toda a lógica da especialização e da
grande quantidade de um único produto era absolutamente voltada para os interesses de lucro
metropolitano.

Os portugueses, para implantar a estrutura do açúcar, recorreram à parceria com os holandeses e


seu ativo trato mercantil. Em troca do financiamento da produção açucareira na América (que Portugal
já tinha experimentado nas Ilhas Atlânticas), os holandeses transportavam, refinavam e monopolizavam
o comércio de açúcar na Europa. Assim, ainda que os lusos não ficassem com o lucro central desse
negócio, recebiam bons valores com outros negócios paralelos, principalmente o tráfico negreiro. É
notório, portanto, que o processo de implantação da colonização promovido pelos portugueses foi
significativamente mais problemático que o espanhol. Não foram encontrados nem recursos e nem uma
estrutura produtiva que interessasse para a formação do antigo sistema colonial dentro da perspectiva
92
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

mercantilista. Assim, os lusos tiveram que promover uma ampla relação econômica capaz de adequar‑se
à necessidade da época moderna europeia.

A sociedade, por sua vez, também se tornou altamente desigual, sobretudo durante o modelo central
exploratório do açúcar, capaz de gerar uma elite branca profundamente enriquecida e uma massa de
escravos completamente sem recursos. No entanto, as outras relações que se estabeleceram a partir do
ouro das minas gerais (no início do século XVIII) e as atividades subsidiárias acabam por promover uma
menor concentração de renda e uma miscigenação importante, principalmente com brancos e negros,
ainda que o elemento indígena não possa ser desconsiderado.

5.4 A colonização holandesa

Como comentamos, a Holanda, no início do século XVI, tinha grande trato mercantil. Em Amsterdã,
grandes banqueiros e comerciantes promoviam negócios para as diversas regiões do globo, sobretudo,
com as extensas possibilidades desenvolvidas pelas Grandes Navegações. As relações econômicas
pareciam ilimitadas. Ao mesmo tempo, a região abrigou aqueles que debandavam de outros países
por questões religiosas, mesmo com grandes cabedais financeiros – um dos grupos principais,
nesse sentido, foi o dos judeus ibéricos. Ao mesmo tempo, boa parte dos batavos comerciantes era
protestante calvinista. A ideia de uma ética capaz de valorizar as atividades do trabalho, acima de
tudo como um serviço a Deus, aliada a um estilo de vida ascético, isto é, não dado aos prazeres do
mundo e da ostentação, promovia um enorme enriquecimento e recursos propícios para o aumento
mercantil. Diferente da Igreja Católica, que condenava o lucro e a usura, segundo alguns protestantes
do período, o trabalho e a acumulação demonstravam a ação de Deus em suas vidas, comprovando a
sua eleição aos céus.

Uma das parcerias importantes para os holandeses era o açúcar português, que exemplifica bem
as relações de desenvolvimento. Como mencionamos, o financiamento da montagem dos engenhos
gerava benefícios bastante significativos, como o monopólio do açúcar no transporte, último refino, e
venda na Europa. Na prática, não só o lucro direto era bem‑vindo, como também a construção e uso de
uma marinha mercante e de guerra capaz de atravessar o Atlântico trazendo os produtos em segurança
frente aos corsários e piratas. Essa rede de transporte foi se expandindo e estava bastante relacionada
às diversas áreas de comércio com várias regiões da Europa.

Entretanto, havia um problema político constante: a região fazia parte dos domínios
espanhóis. Uma progressiva política particularmente opressora foi vista a partir da metade
do século XVI, no reinado espanhol de Felipe II, que recebera vastíssimas possessões também
na Europa, além dos domínios ultramarinos, dos Países Baixos, do Sacro Império e de várias
regiões italianas.

Em 1580, Felipe II foi também coroado Rei de Portugal, promovendo a União Ibérica (1580‑1640) e
o auge do Império Espanhol. Suas possessões eram gigantescas e atravessavam o mundo.

93
Unidade II

Figura 51 – O retrato de Felipe II, rei da Espanha,


em um dos momentos decisivos do Império

Apesar disso, em 1581, os holandeses decidiram lutar por sua independência proclamando uma
República nos Países Baixos e unindo sete províncias. A partir daí, uma grande guerra se iniciou. Como
represália imediata, a Espanha proibiu a manutenção da parceria do comércio do açúcar. Com isso,
procurava atingir uma das principais ações econômicas dos batavos.

A reação holandesa foi bem planejada. O país aproveitou o capital existente e fundou a Companhia
das Índias Orientais, em 1602, e a Companhia das Índias Ocidentais, em 1621. Particularmente a
segunda, conhecida também como WIC (sigla do nome em inglês), atingiu vultoso cabedal em torno
de uma parceria entre o Estado recém‑criado e os grandes comerciantes. Era garantido o monopólio da
conquista e do comércio nas principais áreas do Novo Mundo e da África. Entendeu‑se que as possessões
de controle português eram as mais fracas do Império Habsburgo de Felipe II e, então, promoveram‑se
as invasões.

A Holanda acabou por dominar áreas na Ásia, mas o alvo principal foi o circuito Atlântico. O país
dominou áreas do tráfico negreiro na África e promoveu invasões no Novo Mundo. Na verdade, mesmo
antes da criação das companhias, os holandeses, em 1599, tentaram dominar o Rio de Janeiro. Em 1624,
a WIC enviou, sob a liderança de Jacob Willekems, 26 navios e mais de 3 mil homens para a invasão da
Bahia, centro do Governo Geral e território relacionado ao comércio do açúcar. A conquista aconteceu,
mas não durou muito tempo. Uma grande frota ibérica, com mais de 50 navios e milhares de homens,
em 1625, expulsou os invasores.

No entanto, após a rearticulação de recursos, possível a partir da ação do corsário Pieter Heyn, que
conseguiu saquear a frota anual espanhola repleta de prata, nas Antilhas, no ano de 1628, a WIC decidiu
por uma nova invasão. Agora a ação seria promovida nas áreas diretamente produtoras do açúcar e,
segundo alguns historiadores, menos protegidas do que a capital administrativa. Em 1630, liderados por
Diederik van Waerdenburgh e Hendrick Lonck, mais de 50 navios holandeses dominaram Pernambuco
94
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

e por lá ficaram até serem expulsos em 1654. Sabendo da necessidade da mão de obra escrava para a
produção açucareira, os holandeses também se apropriaram de áreas do outro lado do Atlântico: entre
1638 e 1641 dominaram a Costa da Mina e Angola, principais centros do tráfico negreiro realizado pelos
portugueses.

Figura 52 – As investidas holandesas de colonização foram fundamentalmente promovidas


na América portuguesa, em torno da importância do açúcar

As relações promovidas na América pelos holandeses foram bastante desenvolvidas no


governo de Maurício de Nassau, entre 1637 e 1644. O governante procurou promover uma
relação amistosa com a população local. Assim, começou autorizando a liberdade religiosa,
já que os holandeses eram protestantes e a região já tinha uma significativa base católica,
além de estimular o avanço cultural com pintores, artistas, cientistas, biblioteca e observatório.
Mais importante ainda, aliás, foi a sua relação com os senhores de engenho. Nassau permitiu
empréstimos de grandes valores para reconstruir a estrutura do açúcar e o fornecimento de
escravos. Por fim, na política, permitiu a participação da elite açucareira, representada pelo
Conselho dos Escabinos.

95
Unidade II

Figura 53 – A representação do Conde Maurício de Nassau, grande responsável


pelo desenvolvimento colonial holandês na América portuguesa

Rapidamente, assim, a produção de açúcar cresceu e a dominação parecia tomar vulto. Nassau chegou
até mesmo a expandir a conquista litorânea do Nordeste até o Maranhão. Em 1640, na Europa, Portugal
passou a lutar pela Restauração de sua autonomia e a Holanda se tornou uma parceira. Assim, a situação
ficava confusa, pois a América portuguesa já estava há tempos com áreas dominadas pelos holandeses.

Tudo mudou quando Nassau acabou por sair de seu cargo, no ano de 1643. A decisão era devida aos
diversos atritos com a WIC acerca da forma de governo do território conquistado. A companhia exigia o
pagamento imediato dos empréstimos e o administrador rebatia que ainda não era o momento. Os novos
governantes aplicaram o desejo da WIC e provocaram um forte sentimento nativista que acabou por
conseguir expulsar os holandeses em 1654. Estava acabada a experiência colonial na América portuguesa.

Um dos problemas centrais que contribuiu para a decadência do comércio dos holandeses foi a competição
com os ingleses pelo domínio dos mares. Em 1651, os ingleses criaram os Atos de Navegação. Um deles protegia
a marinha inglesa com a permissão de comércio apenas com os produtos provenientes de navios com bandeira
da Inglaterra ou com os de países produtores. A perspectiva era retirar os holandeses desse trato mercantil. Logo
a Guerra de Navegação (1651‑1654) foi desenvolvida. A vitória inglesa criava a força hegemônica inglesa nos
mares (“rainha dos mares”) e contribuía para o enfraquecimento do comércio holandês.

Saiba mais

Uma ótima análise do desenvolvimento do Brasil Holandês pode ser


vista na obra:

MELLO, E. C. de. O Brasil Holandês. São Paulo: Penguin Classics, 2010.

96
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

É notório, portanto, que a Holanda, na época moderna, tinha uma relação muito mais mercantil
marítima do que propriamente o objetivo de montar uma estrutura colonial, de produção e
povoamento. Contudo, as questões políticas acabaram por reconfigurar as necessidades e a
colonização surgiu com base em invasões ao território dominado por portugueses. Apesar de certo
desenvolvimento, os portugueses passaram a sofrer também com a competição inglesa no domínio
dos mares. Sua derrota marcou a decadência desse desenvolvimento, ainda que, antes de serem
expulsos da América portuguesa, tivessem aprendido e levado o conhecimento do açúcar para as
áreas do Caribe. Naquele momento, contudo, também a produção do açúcar português começaria
a declinar.

5.5 A colonização francesa

As Grandes Navegações francesas, conforme vimos, foram iniciadas tardiamente, em boa medida,
por causa dos problemas internos que afligiam o país. As ações de alguns exploradores garantiam
a disputa internacional por territórios, o que acabou se concretizando, sobretudo, na América do
Norte e no Caribe. Além disso, a ação dos corsários também foi bastante perceptível, como as ações
do século XVIII, promovidas para saquear o ouro na América portuguesa. Em 1710, Jean Duclerc
promoveu um primeiro ataque infrutífero no Rio de Janeiro. No ano seguinte, contudo, a mesma
cidade foi tomada com as ações de Duguay‑Trouin. As tentativas mais importantes foram a criação
da França Antártica, entre 1555 e 1567, no Rio de Janeiro, e, depois, da França Equinocial, entre 1612
e 1615, no Maranhão.

A França Antártica foi a primeira tentativa francesa de criar uma estrutura colonial no Novo Mundo
e refletia a não aceitação da divisão do Tratado de Tordesilhas. Houve diversas incursões dos franceses
no litoral português, interferindo até mesmo no comércio de pau‑brasil, pois ele gerava importante
matéria‑prima para a manufatura têxtil.

O rei Henrique II autorizou a ida de uma expedição de mais de 600 homens, contando com católicos,
huguenotes (protestantes franceses), além de certos criminosos (que receberiam uma nova chance além
do Atlântico, mas, ao mesmo tempo, seriam mão de obra básica no início dos trabalhos). A liderança
foi de Nicolau Durand de Villegaignon. Logo conseguiram‑se contatos amistosos com os nativos, o que
permitiu a construção do Forte de Coligny.

A partir de 1560, o governador geral português partiu para a luta pela expulsão. É interessante
notar que esse foi o primeiro momento em que os nativos foram usados, de ambos os lados, para as
batalhas. Ao mesmo tempo, os jesuítas portugueses, principalmente José de Anchieta e Manuel da
Nóbrega, convenceram os tamoios, maiores aliados dos franceses, a selar a paz com o governo português,
conhecido como Armistício de Iperoig, que dava fim à Confederação dos Tamoios. Logo depois, em 1565,
a cidade do Rio de Janeiro foi fundada para acabar com os forasteiros franceses, o que só foi concluído
em 1567.

As ações francesas no Atlântico Sul envolvendo o litoral da América portuguesa ainda perduravam.
Nesse sentido, os portugueses passaram a construir diversos fortes, sobretudo, na área do Nordeste. Ali,
contudo, náufragos tentaram criar uma nova colônia em uma parte menos povoada no Maranhão – a
97
Unidade II

França Equinocial. A liderança inicial era de Jacques Riffault. Entretanto, Charles des Vaux voltou à
França e propagou a ideia de uma colonização nesse novo local. Aos poucos, novos interessados foram
chegando. Em 1612, o forte de São Luís foi construído, mas logo os portugueses se prepararam para
expulsá‑los dali; ação concluída em 1615.

Depois os franceses acabaram por permanecer mais ao norte, na Guiana, onde, ainda que sem um
atrativo econômico significativo, permaneceram.

São Luís
(de 1612 a 1615)

França Equinocial

ico
ânt
Atl
ano
Oce

França Antártica
Rio de Janeiro
(de 1555 a 1587)

Figura 54 – As tentativas de colonização francesa nas áreas


da América portuguesa acabaram sendo frustradas

Quanto à América do Norte, os franceses conseguiram obter amplas quantidades de terras, com
especial destaque econômico para a região de Québec, no Canadá. Ali, um grande comércio de peles
passou a ser um enorme atrativo. A prática já era costumeira entre os nativos, que as utilizavam para
sobreviver nas épocas de grande frio.

Para fomentar maior desenvolvimento colonial na região, o cardeal Richelieu criou, em 1627, a
Companhia de Comércio Nova França. Sua obrigação era povoar as possessões no Canadá para garantir
o avanço da empreitada colonial. Como contraponto, o benefício era o monopólio do comércio de peles.
Missionários católicos franceses fundaram Montreal, em 1642, o que garantiria novas áreas de domínio.
Mais do que isso, ainda no século XVII, novas expedições alcançam os Grandes Lagos e, então, todo o
território foi anexado com o nome de Louisiana – sua extensão era tão grande que alcançava até o sul
da Flórida, já nas proximidades do Caribe.

98
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Figura 55 – A representação do estuário do Rio São Lourenço


demonstrando as ações de comércio de peles

No entanto, a velocidade do desenvolvimento de lucros coloniais não dava por satisfeito o ministro Colbert,
no reinado de Luís XIV. Para otimizar a produção, ele decidiu extinguir a Companhia de Comércio Nova França
e deixar a administração concentrada nas mãos da Coroa. Assim, a região se tornou província do Império, pois
mantinha a produção de peles e iniciava empreendimentos comerciais para a extração de madeira.

Por fim, os franceses também se dedicaram a expandir suas atividades no Caribe, dominando diversas
ilhas no século XVII, que receberá atenção especial mais a frente.

A decadência das forças coloniais francesas na América esteve diretamente relacionada às disputas
fronteiriças com os ingleses e às guerras europeias, que acabavam por diminuir as áreas de domínio.

5.6 A colonização inglesa

Apesar de os ingleses desenvolverem diversas expedições exploratórias, desde o final do século


XV, como as da família Cabot, não havia nenhum processo significativo de colonização. Um primeiro
99
Unidade II

impulso nesse sentido só foi visto quase um século depois. Os problemas internos ingleses eram bastante
expressivos.

De qualquer maneira, Elizabeth I autoriza Walter Raleigh a ir para o Novo Mundo com uma enorme
autonomia, digna dos primeiros navegadores e conquistadores. Com esse poder, funda a Virginia, na
década de 1580, primeiro assentamento populacional da América promovido pela Inglaterra. Contudo,
a falta de recursos e os ataques dos nativos impedem a continuidade do empreendimento.

A dinastia Stuart tentou reconfigurar o desenvolvimento colonial inglês e, a partir de 1606, criou
companhias de comércio. A estratégia era a mesma de outros países: promover investimentos particulares
em troca de amplos direitos nas áreas colonizadas. A London Company, criada nessa data, depois chamada
de Virginia Company, foi autorizada a recriar a Virginia e a explorá‑la da melhor maneira. Contudo,
a expedição liderada por John Smith, mesmo tendo permanecido certo período e com produção de
tabaco, logo falhou, pois as ações indígenas e a nova forma de viver requeriam necessidades que ainda
não eram vistas. Dessa maneira, em 1624, a região voltou a ser domínio da Coroa.

A Plymouth Company, por sua vez, ficou com o direito de exploração mais ao Norte. Ali criou
uma estrutura que passou a ser chamada de Nova Inglaterra. No entanto, mais uma vez, os esforços
particulares não deram conta dos vultosos cabedais a serem investidos. Em 1635, a companhia foi
fechada devido às altíssimas dívidas.

A ocupação efetiva foi promovida a partir do aproveitamento da estrutura iniciada pela


Plymouth. Em 1620, partia o navio Mayflower, com puritanos ingleses (calvinistas da Inglaterra)
que fugiam das perseguições político‑religiosas e sonhavam com um local onde seriam capazes
de viver em completa paz e desenvolver a prosperidade que sua ética, baseada na fé, traria.
Seria, portanto, um local de oportunidades e de transformações. Esse núcleo gerou a colônia de
Massachusetts.

Figura 56 – A representação da esperança promovida pelo navio Mayflower

Depois de enfrentarem diversas adversidades, promoveram um dia especial para o mito de fundação
americana. Em 1621, após a colheita, no final do outono, se reuniram para o Thanksgiving (Dia de Ação
de Graças), convidando um chefe indígena e oferecendo o peru como prato principal.

100
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

A perspectiva central do ideário de ser americano estava estabelecida: protestantes buscando


liberdade e oportunidades capazes de gerar harmonia e desenvolvimento com todos, especialmente
com a família (como a tradição ainda se mantém).

Ainda ao norte, outras colônias foram criadas: Rhode Island, em 1644, Connecticut, em 1662, e New
Hampshire, em 1679. No sul, por sua vez, os católicos criaram um refúgio para si, Maryland, em 1632. A
Carolina foi fundada em 1663 e, em 1729, se dividiu em norte e sul. No extremo sul, surgiu ainda a Georgia.

Inicialmente, a área entre as colônias do Norte e do Sul seria uma faixa central, não povoada,
capaz de impedir qualquer conflito entre elas. Contudo, logo os holandeses, dentro das ações da WIC,
criaram como ação mais importante ali, a Nova Amsterdã, em 1625, que, depois de ser capturada pelos
ingleses, se tornou Nova Iorque. Dessa área central, surgiram ainda New Jersey e Delaware, em 1664,
Pennsylvania, em 1681; todas relacionadas a Wiliam Penn. Estavam formadas as Treze Colônias com
divisões bastante significativas.

Nova Inglaterra
Rio

Terra de Ninguém
ches
Missis

pala
sip

Virgínia
M o n t es A
pi

Figura 57 – A organização inicial da faixa litorânea dominada pelos ingleses teria uma faixa sem colonização

A colonização inglesa da América do Norte, em boa medida, foi possível a partir da vinda de diversos
homens pobres, após terem sido expulsos do campo pelo processo de desenvolvimento conhecido como
enclosures. Até mesmo órfãos eram trazidos, tudo para aliviar os gastos da metrópole e aumentar o
contingente na colonização.

Observação

Os enclosures, também conhecidos por aqui como cercamentos, faziam


parte de uma ampla modernização do campo inglês, gerando maior
eficiência e, com isso, êxodo rural.
101
Unidade II

De qualquer maneira, a chegada de puritanos trazia uma perspectiva de educação bastante


importante. Uma das transformações promovidas pela Reforma foi a capacidade de todo crente ter
um relacionamento direto com Deus; isso envolvia diretamente a leitura e interpretação das Sagradas
Escrituras. Com isso, foi criado um amplo aparato para que a maior parte da população pudesse ler e
escrever. A extensão dessa visão gerou até mesmo a criação de diversas universidades, inicialmente
bastante relacionadas à ética religiosa. Harvard foi, assim, criada em 1636, em Massachusetts, William
and Mary, de 1693, na Virginia, Yale, de 1701, em Connecticut, Princeton, de 1746, em New Jersey,
Universidade da Pensivânia, na Pennsylvania, Columbia, de 1754, em New York e Brown University, de
1764, em Rhode Island.

Bastante diferente da estrutura ibérica, esse ensino não obedecia às determinações de uma Igreja
una, coesa, como a católica. As interpretações podiam variar e não era raro encontrar diversos grupos,
como puritanos, batistas, quakers, pequenos movimentos ou também católicos. Na prática, havia uma
grande liberdade religiosa e de qualquer perspectiva de ensino.

Há de se destacar, dessa maneira, como exemplo mais significativo, os quakers, que eram um grupo
cristão que tinha como base central a simplicidade em todos os aspectos da vida, além da liberdade e da
paz. Um dos seus membros com mais destaque, William Penn, trouxe essas ideias para o Novo Mundo
como forma de se desvencilhar das constantes perseguições e disputas na Inglaterra. Súditos de outros
países da Europa, entre eles alemães e holandeses, viram ali uma verdadeira oportunidade de um viver
tranquilo e também partiram para a América. Não havia medidas restritivas significativas para a entrada
de colonos provenientes de outros países. Estava formado mais um elemento importante caracterizador
da história americana.

As colônias do norte, como a Nova Inglaterra, apresentavam clima temperado, semelhante ao


europeu, o que não representou, em sua formação, um atrativo significativo para a metrópole.
A perspectiva da exploração, com um produto tropical voltado para a exportação, nos moldes
do antigo sistema colonial mercantilista, não poderia ser implantado. Assim, acabou‑se por criar
uma estrutura própria, quase que à revelia do sistema. Isso porque os colonos tinham pequenas e
médias propriedades, com relativa facilidade de acesso à terra, que abasteciam o mercado interno
e comercializavam os excedentes, pescavam, vendiam peles, usavam a madeira. Os produtos
agrícolas eram diversificados (policultura), sendo que alguns investiam até mesmo em pequenas
manufaturas, como navios, ou rum. A mão de obra bastante comum era a familiar. Ou seja, todos
da casa tinham funções específicas e deveriam fazer a sua parte para o sustento. Havia também o
trabalho servil, conhecido como indenturent servant. Na prática, em troca do pagamento de sua
passagem, o colono trabalhava temporariamente – em geral de 4 a 7 anos – para depois ser livre
e ter suas próprias terras. Esse sistema garantia o uso de mão de obra e, ao mesmo tempo, trazia
esperança de uma nova vida para os mais pobres, ainda que tivessem que dispor de alguns anos.
Foi assim que muitos deles, inclusive marginais na sociedade inglesa, vieram para a América. Partes
das áreas do centro também acabaram por formar esse sistema. Esse tipo de colonização ficou
conhecido como povoamento.

Já o sul, de clima tropical, vivia outra realidade. Ali a colonização de exploração, aos poucos, foi sendo
implantada. A orientação voltada para a exportação, em grandes propriedades de terra (latifúndio),
102
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

utilizando, progressivamente, a mão de obra escrava africana produzia uma monocultura, inicialmente
do tabaco, depois do algodão. Era o tradicional sistema de uma colônia de exploração.

1
2
5
1
4 1 – Massachusetts
3 2 – New Hampshire
7 6
3 – Rhode Island
9 4 – Connecticut
8
5 – Nova York
10 6 – New Jersey
7 – Pensilvânia
11 8 – Delaware
9 – Maryland
12 10 – Virgínia
11 – Carolina do Norte
13 12 – Carolina do Sul
13 – Geórgia

Colônias de povoamento
Colônias de exploração

Figura 58

Outra característica bastante importante era a liberdade na tomada de decisões na colônia. Como o
sistema era pouco enrijecido e as atenções da metrópole não estavam voltadas, em boa medida, para a
América do Norte, surgiu o chamado self‑government (governo próprio). Ou seja, os colonos acabavam
por gozar de grande autonomia em uma série de instituições e tribunais.

Ao mesmo tempo, na prática, essa liberdade também era vista para diversas relações mercantis.
Algumas delas formavam comércio triangular – e existiam diversos deles. Um dos mais importantes
era o realizado com o Caribe e a África. A Nova Inglaterra comprava melaço do Caribe (ou de qualquer
outra área do Caribe que vendesse mais barato), manufaturava em rum e trocava na África por escravos
para revender na América. A grande questão é que o valor do cativo era altíssimo e, portanto, a Nova
Inglaterra acabava por ter lucros significativos nesse comércio. Ou seja, desfrutar de certa liberdade
para fazer comércio garantia uma acumulação capitalista bastante expressiva na própria colônia, que
se automantinha, já que os navios, ao saírem do Caribe, retornavam com mais melaço, reiniciando o
triângulo.

103
Unidade II

s
ferragen
tecidos,
urados
manufat
Boston
Nova York
Filadélfia peixe, cereais, m
adeira serrada

melaço
As Treze
Colônias
a, e t c .

Charleston
madeira,

ar
s, madeir

a çúc car
oe , aç
ú
laç
me run
o,
ga
alimento

ç
ela
do

escravos
Jamaica Pequenas Antilhas

Figura 59 – As redes de comércio das Treze Colônias eram bastante amplas


e capazes de gerar um significativo lucro para a colônia

Parte da historiografia americana celebra esses mitos fundadores e a prosperidade alcançada.


Iniciam‑se suas relações a partir de reimplantação da Virgínia, em 1607, sem dar muito enfoque às
tentativas infrutíferas do século XVI. A perspectiva era ver o nascimento da democracia ou da grande
potência do século XX.

Em uma análise comparativa, enriquecemos o nosso conhecimento histórico e temos em vista


as bases sobre as quais as relações foram estabelecidas. Na realidade, havia diversas diferenciações
importantes entre a colonização americana e a da América Latina. Quando tratamos de “americana”,
nos referimos aos Estados Unidos. Na prática, eles assim se intitulam, portanto não passa apenas de uma
maneira de facilitar a compreensão dos grupos em questão, mesmo que todos que por aqui vivem sejam
também americanos.

Nos Estados Unidos, diversas nacionalidades, como ingleses, escoceses, irlandeses, alemães e
holandeses, muitas vezes bastante pobres, vieram trabalhar, mesmo que em uma servidão temporária,
para depois se tornarem pequenos proprietários. A distribuição de terra, em boa medida, era igualitária,
capaz de garantir a subsistência, e, eventualmente, parte voltada para o comércio. O que poderia fazer
um homem aumentar suas posses era o seu empenho e a dedicação, era a formação do self made man.
Algumas estimativas apontam que, em 1776, mais de 90% da população americana da Nova Inglaterra
vivia em pequenas propriedades. Esse contínuo sonho angariava ainda mais europeus para o Novo
Mundo. Ou seja, havia uma clara relação de mobilidade social. A forma de tratamento da Metrópole
104
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

inglesa em relação à colonização da América do Norte foi bastante diferente. A relativa autonomia
gerava um importante exercício de participação política, já que as ingerências eram muito baixas (até
mesmo a fiscal).

Na prática, a Inglaterra passou por diversos problemas políticos ao longo do século XVII, as
relações entre os soberanos Stuarts, desejosos em estabelecer um rígido Absolutismo, e o Parlamento,
que buscava os interesses da burguesia em ascensão, eram tumultuadas. Quando essas questões se
ajustaram, com a Revolução Gloriosa e o Bill of Rights, os grandes interesses ingleses coloniais eram
as colônias do Caribe, como a Jamaica. Ali, como veremos, a produção tropical gerava um altíssimo
lucro e estava inserida nos quadros do antigo sistema colonial. Ou seja, ali sim havia a perspectiva real
de acumulação primitiva de capitais e a Inglaterra passava a lançar suas determinações e controles
de modo muito direto.

Lembrete

A Revolução Gloriosa de 1688 garantiu o trono a Guilherme de Orange,


após a assinatura do Bill of Rights, em 1689, que garantia a limitação do
poder real e a força do Parlamento.

Na América Latina, em boa medida, as relações estabelecidas foram bastante diferentes.


Os interesses metropolitanos encontravam no antigo sistema colonial a peça‑chave para a
realização do capitalismo comercial, nos quadros do desenvolvimento do Antigo Regime. O
poder real determinava todas as diretrizes e procurava, ainda que nem sempre com sucesso
total, gerenciar a exploração e auferir o máximo de lucro. A dependência e subordinação eram
as regras coloniais. Aqueles que vinham para o Novo Mundo desejavam o enriquecimento
como forma de fortalecer sua nobiliarquia, mesmo com os limites dados pelo nascimento. Na
Espanha, mais do que em Portugal, um seleto grupo era escolhido para formar a estrutura
administrativa. Os locais e os descendentes dessa nobreza passavam apenas a participar das
atividades econômicas e nunca alcançariam uma mobilidade social. No caso português, essa
distinção pelo nascimento não era tão significativa, mas havia limites claros entre a nobreza de
Portugal e os mais destacados nos trópicos. O acesso à terra, com suas grandes propriedades,
eram dedicados a eles. Ao mesmo tempo, uma massa gigantesca de pobres e miseráveis, como
escravos ou em trabalho compulsório, trazia um abismo de desigualdade social. Ou seja,
tratava‑se de um sistema bastante diferente.

A perspectiva analítica dessas diferenciações, a nosso ver, deve ser inserida na lógica do sistema
colonial da época moderna. Ou seja, as caracterizações distintas dos processos de colonização, de
povoamento (na América do Norte – especialmente na Nova Inglaterra) e de exploração (na América
Latina), devem ser explicadas a partir da própria condição natural que impedia o mesmo desenvolvimento.
Na Nova Inglaterra, o clima temperado, semelhante ao europeu, evitava a criação do antigo sistema
colonial, pois não trazia nenhum atrativo substancial capaz de gerar lucro para a Metrópole. A partir
daí, refugiados, pobres e marginais tiveram a oportunidade de construir uma nova morada, capaz de
desfrutar de certa liberdade. Isso ficará ainda mais claro quando, mais adiante, discutirmos o processo
105
Unidade II

de independência da primeira colônia americana, quando a Metrópole tentou modificar essa estrutura:
aqueles que haviam desfrutado da liberdade iriam lutar por sua manutenção.

Exemplo de aplicação

Discuta como as produções artísticas americanas, sobretudo seus filmes, apresentam seu próprio
território. Há relação com o passado mítico colonial?

5.7 A colonização do Caribe – o auge da exploração do Antigo Sistema


Colonial

A colonização do Caribe adquiriu um caráter bastante curioso devido aos diversos interesses que se
estabeleceram na região e aos desdobramentos de tais relações.

A região, conforme vimos, foi a primeira encontrada pelos europeus. Na figura de Colombo,
procuraram estabelecer um primeiro sistema de exploração utilizando a mão de obra indígena – apesar
de, naquele momento, não ter sido produzido nada significativo para a colonização da época moderna.
Ao mesmo tempo, era dali que se iniciavam as expedições para desbravar o Novo Mundo e, logo, partir
para conquistá‑lo.

O efeito desses dois movimentos foi desastroso para o Caribe. A população local foi quase
toda exterminada e os interesses da conquista e colonização da área continental mostraram‑se
incomparavelmente melhores para a Coroa.

Na prática, boa parte das ilhas era desabitada ou pouco produtiva. O que permanecia razoavelmente
importante era o ponto de encontro para a frota anual espanhola. Como apresentamos, as águas eram
também habitadas por piratas e corsários. Ou seja, ainda que houvesse uma disputa econômica na
região, a questão se estabelecia não em termos de capacidade produtiva, mas de obtenção de riquezas
já produzidas na porção continental, independente se próxima (na Mesoamérica) ou distante (na área
andina).

Entretanto, tudo mudou na metade do século XVII. Houve a colonização com a produção do açúcar,
que atingiu um elevado desenvolvimento e também causou disputas entre holandeses, franceses e
ingleses. A América portuguesa acabou perdendo sua preponderância nesse produto. A Espanha, em boa
medida, permanecia bastante interessada nas áreas continentais, sobretudo nas minas e, aos poucos, no
crescimento da pecuária e da agricultura.

Essa perspectiva do açúcar surgiu, sobretudo, após a invasão dos holandeses no nordeste do Brasil.
Ali aprenderam toda a técnica para o cultivo da cana‑de‑açúcar. Contudo, logo após a saída de Maurício
de Nassau do governo, a insurreição pernambucana gerou a desarticulação da dominação holandesa da
região, o que iria ser finalizado em 1654. A partir de então, a história do açúcar passaria por um novo
capítulo.

106
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Figura 60 – O manual náutico dos holandeses traduzido para o inglês.


As relações comerciais holandesas se tornaram de grande importância no século XVII

Os holandeses passaram a procurar outras áreas de clima tropical para o cultivo do atrativo produto
e as encontraram justamente no Caribe. Significativamente, franceses e ingleses já estavam na região e
arriscaram alguns cultivos, mas nada sistemático havia sido produzido; mesmo tentativas de produzir
açúcar haviam falhado, pois o problema estava no conhecimento da técnica.

Os holandeses instalaram engenhos e começaram o cultivo nas regiões de Barbados, Martinica


e Guadalupe. Migraram para lá vários dos que eram especializados, além de alguns banqueiros e
comerciantes. Em pouco tempo, também venderam as técnicas para franceses e ingleses da região. A
Jamaica passou a ser o principal local produtivo dos ingleses, uma vez que a região era resquício de
outra área de conquista de William Penn, em 1655. Saint‑Domingue, ou apenas São Domingos (o novo
nome da ilha La Hispaniola), em sua porção ocidental (que mais adiante seria chamada de Haiti), por sua
vez, era o local central do açúcar francês.

Os espanhóis não puderam conter o avanço e desenvolvimento colonial das demais potências
coloniais no Caribe. O problema central da Coroa espanhola eram os constantes conflitos já existentes
e o aumento desses gastos para as tentativas de expulsão em áreas não atrativas naquele momento
para o modelo de colonização estabelecido até então. Assim, ficaram com Porto Rico, a região
oriental de São Domingos (que se tornaria República Dominicana) e Cuba – basicamente sem uma
colonização, mas mantendo a importância estratégica naval. De qualquer maneira, aos poucos,
também os hispânicos acompanharam o desenvolvimento da produção açucareira no Caribe e em
Cuba. O reconhecimento espanhol da presença francesa em São Domingos foi feito pelo Tratado de
Ryswick, em 1697.
107
Unidade II

Porto
Cuba Rico
República
Haiti Dominicana

Jamaica

Figura 61 – A região do Caribe cresceu em importância com o desenvolvimento


do açúcar e envolvia possessões francesas, inglesas, espanholas e holandesas

Havia ainda, no Caribe, diversas outras ilhas e áreas, mas que não estiveram, na mesma proporção,
envolvidas no Antigo Sistema Colonial. Por fim, esse quadro apresentado é bastante geral. Deve‑se
ter em vista que as diversas guerras europeias nos séculos XVII e XVIII, por vezes, em seus tratados de
paz, alteraram certos domínios e conquistas. Isso influenciou decisivamente a produção da Holanda,
já que Inglaterra e França passaram a adotar o protecionismo alfandegário (privilegiando a produção
de suas próprias colônias). Essas medidas, junto com o preço mais baixo do Caribe, foram os fatores
determinantes para o declínio do açúcar no Brasil colonial. Ainda que em alguns momentos de guerra
o produto pudesse ser vendido, o amplo mercado anterior já não existia mais.

De qualquer maneira, o que nos interessa, a partir daqui, são as relações coloniais estabelecidas no
território. O Caribe foi o local, por excelência, de maior destaque do açúcar. Como a população local havia
sido varrida em um processo brutal, a necessidade de mão de obra foi suprida pela escravidão africana.

Na realidade, a região foi o palco do auge da exploração da chamada plantation, ou seja, do latifúndio,
monocultor, extrovertido e baseado na mão de obra escrava africana, nos moldes do sistema também
empregado na América portuguesa e no sul dos Estados Unidos. Como já comentamos, a mão de obra
escrava é o maior tipo de exploração de trabalho existente. A condição humana desaparece. O indivíduo
é transformado em mercadoria e, assim, passa a simplesmente existir para fazer a vontade de seu dono,
mesmo que tente resistir. Por isso, é um sistema absolutamente brutal, terrível e sempre injustificável.

Observação

Havia diversas formas possíveis de os escravos resistirem à dominação.


Poderiam fugir, boicotar a produção (quebrando ferramentas ou alguma
108
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

parte do sistema manufatureiro, ateando fogo em tudo, ou simplesmente


não fazendo seu melhor), ou ainda, em casos extremos, cometer o suicídio.

De qualquer maneira, vejamos como se estabeleceram as relações no auge da plantation e quais


foram seus resultados.

A especialização da produção destinada ao mercado mundial garantiria a rentabilidade. Ainda que


os países adotassem tarifas alfandegárias restritivas, o trato mercantil ficava aberto para aqueles que
desejassem o produto e não tivessem produção. Ou seja, o protecionismo mercantilista só funcionava
para aqueles que garantissem sua própria produção, o que era privilégio de alguns capazes de garantir
e defender o pleno funcionamento do sistema colonial.

No mesmo estabelecimento do cultivo agrícola, já era realizado o beneficiamento completo do


produto, como no caso do açúcar, com todo o aparato desenvolvido pelo engenho.

O uso do trabalho escravo gerava uma especialização de atividades. Grupos eram formados com um
comando unificado, para desempenharem, da melhor maneira, suas funções. Engana‑se quem pensa
que os escravos trabalhavam todo o tempo. Ninguém aguentaria. Havia uma divisão quantitativa e
qualitativa das tarefas, que eram desempenhadas por equipes diferentes, separadas por turnos. Havia
também integração vertical de atividades distintas da plantation (como o corte, o transporte, depois
moagem etc.) – tudo devia ser interligado para não estragar o produto.

É interessante perceber que esse aparato e capacidade foram desenvolvidos no Novo Mundo, a partir
das experiências promovidas pelos portugueses. Ali, no Caribe, o processo de exploração se acentuou,
atingindo seu ápice. A quantidade de escravos necessária para o pleno funcionamento era sempre
calculado pelo pico, ou seja, no momento do corte da safra.

Figura 62 – O uso da mão de obra escrava africana foi um


elemento central na constituição da exploração da plantation

A Jamaica foi o sistema típico por excelência. Teve os maiores e mais bem organizados engenhos; a
maior monocultura e exploração. Assim, conseguiu‑se, inclusive, utilizar um número menor de escravos.

109
Unidade II

No entanto, ao longo do século XVIII, foi o Haiti que se transformou em principal produtor de açúcar do
mundo. Para alguns, inclusive, havia se tornado a colônia mais rica do mundo.

Deve‑se ter em vista também, de qualquer modo, o outro lado desse amplo sistema, ou seja, as
relações para a subsistência. Havia campos específicos para isso e os escravos também trabalhavam por
lá. Eventualmente, alguns conseguiam a liberdade. O tempo dedicado a esses locais para a provisão, seu
valor e sua contribuição ainda são debatidos. Apesar disso, com certeza, toda a sociedade escravista
caribenha precisava de algum tempo para o cuidado nesse suprimento.

Frequentemente era permitido aos escravos mais tempo e, algumas vezes, gastar todas as suas horas
livres, incluindo horas de almoço, cuidando de áreas permitidas ao seu acesso e culturas complementares;
tudo dependia do tempo para a próxima safra. E, para o senhor, valia a pena não ter grandes gastos para
a manutenção de seu plantel.

Na realidade, para a rentabilidade da escravidão, não era possível nem atacá‑los demais (o
que causaria revolta), nem dar muitos benefícios (o que traria acomodação). No bojo de um
sistema terrível, havia espaços para fazer o sistema se manter e gerar os lucros desejados dentro
do esquema mercantilista.

Nas Índias Ocidentais francesas, os agricultores imitaram os portugueses no Brasil, tendo as suas hortas
como a maior fonte de alimento da plantation. Os códigos asseguravam que essas hortas existiam para
o benefício econômico do cativo e não para a pura sobrevivência, mas mesmo os escravos domésticos
eram alimentados por campos de provisão em muitas regiões da Jamaica. Sob estas circunstâncias, em
alguns momentos, os cativos eram encorajados a cuidar de seus campos e eram permitidos dias extras
de trabalho. Em lugares como a Martinica e Guadalupe, alguns escravos contratavam outros a fim de
que trabalhassem em seus campos. Isso também era real em Trinidade, no século XIX, onde contratavam
uns aos outros, pagando em provisões.

O Código Britânico das Índias Ocidentais, de 1800, garantia o direito dos escravos de comercializar
seus cultivos. Sábados e domingos eram geralmente dias de comércio nas cidades.

Brancos compravam provisões dos campos dos escravos em diversas áreas. Na prática, aquela
sociedade poucas vezes permitiu grupos intermediários, apesar de sempre existir uma parcela. Isso
significava que, já que os brancos não trabalhavam, os cativos precisavam trabalhar não só na plantation,
como também nos produtos básicos para a sobrevivência. Contudo, nem todos os lugares tinham esses
espaços. Em Cuba, sobretudo no século XIX, e em partes de São Domingos, os cativos eram muito mais
usados na produção de açúcar em exclusão do cultivo de alimentos. Assim, sobreviviam na dependência
do mercado externo.

Exemplo de aplicação

Reflita sobre a comparação da sociedade brasileira com a caribenha em termos de miscigenação e


grupos intermediários. Foram processos semelhantes? Se não, o que pode ter causado diferenças?

110
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Além da área de subsistência, os escravos podiam trabalhar na área doméstica do senhor. O doméstico
não era considerado mais habilidoso e geralmente não tinha maior valor que o trabalhador do campo,
mas privilégios frequentemente ocorriam, particularmente para as mulheres. Alguns domésticos viviam
com os senhores na casa grande; outros em suas próprias barracas. Medicamentos e comida eram,
algumas vezes, providenciados para os escravos domésticos e suas roupas podiam ser costuradas e
lavadas. Claro que, dessa maneira, dentro dos benefícios que essa brecha providenciava, os escravos
preferiam o trabalho doméstico ao do campo. Os escravos domésticos cubanos, segundo alguns relatos,
tinham como maior temor a transferência para o campo. Não raro, como forma de controlar esse
benefício, a lida agrícola era usada como forma de punição para os domésticos.

O serviço doméstico permitia, algumas vezes, que os escravos ganhassem renda e outros recursos.
Mais importante, o serviço doméstico gerava um contato muito próximo com os senhores, suas famílias
e outros brancos, trazendo a possibilidade de relações pessoais. Assim, não era impossível conseguir
“favores”. Muitos cativos velhos e doentes conseguiam sua liberdade por “razões sentimentais”. Relações
sexuais desenvolvidas entre escravos e brancos, geralmente domésticos, algumas vezes resultavam em
liberdade para a mulher e os filhos dessa união. Contudo, esta não era uma perspectiva certa. Na prática,
muito dependia das relações que o senhor empreendia para garantir seus domínios e manter seus
escravos a seu gosto.

Diferente área desse universo, além do trabalho da lavoura canavieira, em certo sentido, era uma
vasta rede de artesãos, processadores habilidosos e supervisores. Entre as posições domésticas, somente
aquelas de costureira e cozinheira eram vistas como talentosas. Outras razoavelmente hábeis promovidas
por mulheres eram as enfermeiras, ou, até mesmo, ocasionalmente, guardadoras de animais. Estas não
eram posições com monetarização e eram geralmente assumidas por escravos mais velhos, capazes de,
com o passar do tempo, aprender a função e, ao mesmo tempo, não ficar na atividade tão pesada da
produção do açúcar.

Outras posições de homens artesãos incluíam funções fundamentais para o funcionamento do


engenho e do processamento da cana: homem da caldeira, carpinteiro especializado na montagem
do moinho e cabeças de fervuras de moinhos. Outros, de menor importância, eram pedreiros, guardas
florestais, e aqueles que manuseavam argila.

Dependendo do momento em que a atividade do senhor estava, escravos caribenhos eram alugados
por seu senhor ou, quando tinham certa autonomia, por si próprios, a fim de realizar serviços para
o branco que não era dono de escravos. Em quase todas as partes da região, escravos domésticos e
habilidosos trabalhavam por dinheiro ou algum produto, entregando tudo ou alguma parte para seus
senhores, dependendo da negociação.

Essa era uma relação bastante semelhante à do sistema brasileiro e gerava um importante incremento
de renda. Uma das atividades mais comuns era o trabalho como estivador, sobretudo se o comerciante
estava com pressa de retornar ao mar. Escravos podiam alugar seus serviços aos sábados. As mulheres,
determinadas vezes, eram alugadas para dividir o trabalho pesado com os homens nas estradas e nas
plantations, mas somente em momentos de extrema necessidade. É notório que essa era uma alternativa
para o investimento maior de capital que a compra de novos braços demandava, ou mesmo para os
111
Unidade II

períodos em que o tráfico de escravos estava mais difícil ou contava com preços maiores. Claro que o
aluguel, na prática, não era visto em todo o tempo ou em qualquer lugar; muitos dos que optavam por
tal sistema estavam em decadência e esse seria um meio de sobrevivência para seu cativo.

Lembrete

Como se vê, havia diversas relações estabelecidas, mesmo em um


sistema tão enrijecido como a plantation. Na prática, era um universo de
relações capazes de sustentar o aparelho central e a dominação.

Contudo, ainda que essas relações possam parecer atenuar um sistema tão terrível como a escravidão
na plantation, não se deve deixar de ter em mente que todos estavam sujeitos aos interesses do senhor
e atendiam a uma lógica de dominação. Em geral, o trabalho dos escravos acompanhava o horário do
Sol (começava às seis da manhã e terminava às seis da noite) e os escravos possuíam uma hora de café
da manhã e duas horas de almoço. Contudo, havia diferenciações, sobretudo, no período da colheita,
quando o trabalho se tornava ainda mais brutal. Cuba, no começo do século XIX, provavelmente, foi o
lugar onde o regime de trabalho demonstrou o ápice disso. Os escravos podiam chegar a trabalhar 20
horas por dia no período da colheita, e de 15 a 16 horas por dia nos campos de café. Quando acabava
esse momento, o trabalho diminuía muito pouco, levava de 14 a 15 horas por dia.

Percebe‑se, portanto, que por mais que houvesse “brechas” no uso da escravidão, criando um
amplo universo além do penoso labor no sistema da plantation, a recíproca também é verdadeira.
Ou seja, eram sociedades, sobretudo no Caribe, completamente dependentes da escravidão e com
pouquíssima mobilidade social. Grupos intermediários eram pequenos. Na prática, talvez seja
possível compreender que essas relações se davam pelo interesse dos senhores e na esperança
de gerar certa acomodação dos cativos – ainda que alguns escravos tenham usado essa situação
para uma melhor condição, dentro dos meandros do dia a dia. De qualquer maneira, perpetuava
um sistema absolutamente dependente da mão de obra escrava africana. Para ilustrar isso, alguns
autores afirmam que a população da Jamaica era composta por 90% de escravos. A do Haiti não
mudava muito: 80% de cativos.

Percebe‑se, portanto, que a necessidade de controle de plantéis enormes era fundamental. Ao mesmo
tempo, contudo, foi no Caribe que as revoltas de escravos tomaram uma proporção nunca antes vista;
uma revolução política e social capaz de gerar um enorme temor para todos os senhores de cativos.

6 O ILUMINISMO, O REFORMISMO ILUSTRADO E A CRISE DO ANTIGO REGIME

Enquanto o Caribe adquiria grande importância econômica, o império colonial espanhol já não tinha
o mesmo brilho de outrora. Mais do que isso, em pouco tempo, alguns passam a falar da decadência
espanhola. Ao mesmo tempo, Portugal havia reconfigurado suas relações políticas para conseguir se
desvencilhar da União Ibérica e sua produção de açúcar perdia espaço para os rivais no Caribe. Um
amplo aspecto de mudanças passava a ser discutido com a propagação de novas ideias em um novo
contexto europeu.
112
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

O século XVIII é caracterizado como o “século das luzes”, quando, a partir da razão, passou‑se a
acreditar que o homem podia explicar o mundo. O ponto de partida para isso foi a “crise de consciência
europeia (1680–1715)”, analisada por Paul Hazard, em que a crise do conhecimento imanente levava ao
nascimento do método a partir da dúvida, o que gerou um novo rumo intelectual e cultural no século
XVIII. Todo o clericalismo era criticado. O racionalismo e o cientificismo eram exaltados; o exemplo mais
forte era a Enciclopédia, reunindo todo o conhecimento da época.

Figura 63 – A Enciclopédia era um esforço enorme de reunir todo o conhecimento

Como explica Eric J. Hobsbawm, a obra em questão tinha uma proporção muito maior:

A grande Enciclopédia de Diderot e d´Alembert não era simplesmente um


compêndio do pensamento político e social progressista, mas do progresso
científico e tecnológico. Pois, de fato, o “iluminismo”, a convicção no progresso
do conhecimento humano, na racionalidade, na riqueza e no controle sobre
a natureza – de que estava profundamente imbuído o século XVIII – derivou
sua força primordialmente do evidente progresso da produção, do comércio
e da racionalidade econômica e científica que se acreditava estar associada
a ambos. E seus maiores campeões eram as classes economicamente mais
progressistas (HOBSBAWM, 1977, p. 40‑41).

113
Unidade II

Era esse o contexto econômico fundamental para a burguesia. Seus empreendimentos geravam
grandes acumulações e seu destaque era indiscutível. Mais do que isso, ela sabia que o Estado Absolutista
era sustentado por suas atividades, mas a sociedade permanecia com valores estamentais – aquela
com a preponderância do nascimento. Criticava‑se também, sobretudo após a Revolução Industrial, a
intervenção do Estado na economia. As novas ideias, por um lado, defendidas a partir de Adam Smith em
A riqueza das nações, proclamava que as leis da oferta e da procura controlariam o sistema econômico
sem qualquer necessidade de intervenção do Estado. O trabalho era o grande gerador de riquezas. Por
outro lado, franceses defendiam a fisiocracia, ou seja, que a agricultura era a única grande forma de
se gerar riqueza a um país, pois o alimento é imprescindível para qualquer tipo de atividade e sempre
terá mercado. De qualquer maneira, também entendiam os franceses que as relações econômicas não
dependiam do Estado, seu lema era laissez faire, laissez passer (deixe fazer, deixe passar).

É a partir dessa nova mentalidade econômica que os burgueses passam a desejar o liberalismo
econômico e a criticar o Estado Absolutista e, por extensão, todas as bases mais importantes do
mercantilismo. Mais do que isso, passam a aspirar a uma sociedade de direitos capaz de garantir
liberdade, igualdade, propriedade e a rebelião contra qualquer tirania. Na prática, essas ideias de direitos
surgiram com John Locke, filósofo inglês da época da Revolução Gloriosa inglesa. Suas ideias tiveram
enorme propagação e atingiram uma grande força revolucionária.

A força das ideias iluministas atingiu níveis impressionantes. Na política, dois grandes autores se
destacaram. Montesquieu, com sua obra O Espírito das Leis, defendia que a única forma de garantir a
harmonia política eram as leis e, com elas, a divisão de poderes. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário,
com suas funções específicas, garantiriam autonomia e dependência ao mesmo tempo. Jean Jacques
Rousseau defendia a bondade do homem em seu estado natural e a legitimação do poder relacionada
a um contrato social feito pelos homens em nome de todos, daí a vontade geral de permitir a garantia
da liberdade. Nesse aspecto, Rousseau foi uma grande exceção, pois defendia a vontade geral, ao passo
que os outros pensadores entendiam que uma minoria letrada (relacionada com a burguesia) era quem
deveria participar da política.

Lembrete

Na prática, podemos considerar as ideias iluministas como precursoras


da sociedade de direitos e Rousseau como o pai da democracia moderna –
com o conceito da vontade geral elegendo seus representantes no poder.

Claro que, na prática, essas ideias atingiram forças variadas ao longo da Europa e da América. A
estrutura do Antigo Regime, em todos os seus aspectos, estava em jogo; os elementos mais fortes a
fazê‑la desmoronar foram justamente desse momento: a Revolução Industrial, a Revolução Americana
e a Revolução Francesa.

Para o que nos interessa, por ora, basta dizer que o capitalismo industrial nasceu com a Revolução
Industrial. O uso da máquina transformou completamente o processo produtivo. A riqueza passou a
ser vista como infinita. Tudo dependia da sua produtividade. As relações econômicas poderiam ser
114
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

promovidas em todos os lugares e se garantiria os seus valores, já que a oferta aumentava pela abertura
de mercados (a lei da procura). Foi a partir de então que a Inglaterra se tornou um país liberal por
excelência. Esse eco bateria de frente com os valores protecionistas do mercantilismo e do Antigo
Sistema Colonial.

Variou, assim, a maneira como as novas ideias alcançaram os diversos países. Em alguns, contagiaram
milhares. Em outros, as monarquias europeias se aproveitaram delas em uma tentativa de reformar o
Estado absolutista para promover o desenvolvimento econômico e social, mas nunca se pensou em
alterar as relações políticas; pois havia um enorme temor de governos representativos ou, mais adiante,
da propagação do ideário da Revolução Francesa. Esse movimento ficou conhecido como Despotismo
Esclarecido. Dois dos países que promoveram esse sistema foram justamente os ibéricos.

Observação

O Despotismo Esclarecido tinha contradições claras. Um exemplo era a


defesa básica dos iluministas do princípio da explicação racional para todas
as instituições, o que não ocorreria com o poder do monarca, garantido
pela teoria do direito divino, como vimos.

Até a segunda metade do século XVIII, a Península Ibérica estava mergulhada no Barroco. A
especificidade da Ilustração na região foi a condução controlada pelo Estado, filtrando as ideias segundo
seus interesses. A circulação de livros era restrita, pois somente aqueles que obtinham a autorização da
Inquisição podiam ter determinadas obras iluministas. Todavia, não podemos deixar de mencionar a
existência de “contrabando de ideias”, que não era visto pela Inquisição. “Guardado, fechado, entretanto,
não podia permanecer de modo absoluto. Por um motivo ou outro (o comércio, a diplomacia) os homens
circulam para fora da Península, e com os homens as ideias” (NOVAIS, 2006, p. 220).

Os pensadores iluministas da Península Ibérica são chamados de estrangeirados por terem vivido
parte de suas vidas em outros países europeus e por terem adquirido contato, tornando‑se adeptos
de ideias da ilustração que corriam naqueles lugares. São eles que teriam trazido o Iluminismo para
Portugal e Espanha.

De qualquer maneira, na prática, os novos conceitos deixavam os países ibéricos em uma encruzilhada:

De repente, os sete séculos de história da Península, comandados pela


ideia de missão evangelizadora e civilizadora e por um territorialismo
reiterativo de uma determinada ordem social, deixavam de se apresentar
como fonte de dinamismo e lastro para um novo protagonismo ibérico.
As possibilidades de um renascimento pareciam residir fora do passado
e da tradição, deslocadas para o novo horizonte que se consolidava na
Europa. O século XVIII na Europa Central traz um desafio à Ibéria: o
de se tornar efetivamente Europa, depois de ter tentado hispanizá‑la
(BARBOZA FILHO, 2000, p. 372).
115
Unidade II

Esse novo tempo era visto a partir de um movimento de modernização para a Península com base
na reforma do Estado e em uma reorganização política e econômica das possessões no continente
americano, ou seja, em questões de Estado, com as medidas pombalinas (Portugal) e a reforma dos
Bourbons (Espanha). Foi um projeto desenvolvido a partir do Estado, sendo, portanto, de cima para
baixo, mantendo a tradição com o objetivo de se constituir completamente o Estado, renovando o
sistema, mas não a estrutura. Eis a especificidade da ilustração tanto em Portugal como na Espanha.

7 IMPÉRIO COLONIAL ESPANHOL ENTRE A DECADÊNCIA E O


REFLORESCIMENTO – AS REFORMAS BORBÓNICAS

Para boa parte dos historiadores, o império espanhol atingiu seu ápice no reinado de Felipe II
(1556‑1598), quando, inclusive, houve o início da União Ibérica (1580‑1640). A partir daí, o rei espanhol
controlava sozinho as grandes possessões coloniais do Novo Mundo, angariando recursos tanto das
minas espanholas, como do açúcar português, além das áreas da Ásia e África (especialmente nesta,
onde era bastante lucrativo o tráfico negreiro). Ao mesmo tempo, se intitulava um bastião da Igreja
católica, exatamente no contexto da explosão da Reforma e das Guerras de Religião.

Ásia
Europa
Açores
Madeira
Canárias
África
América Cabo Verde

S. Jorge de Minas
Ascensão
Sta. Helena

 Território sob domínio de Felipe II

Figura 64 – A extensão do império espanhol, sob o comando de


Felipe II, envolvia as principais áreas do Antigo Sistema Colonial

Contudo, como vimos, a política opressora em seus domínios, como na Holanda, acabou por permitir
um movimento de independência. No desenvolvimento desse embate, os holandeses atacaram as
possessões de domínio português e imprimiram uma mudança gigantesca no comércio do açúcar.

Também contra a Inglaterra, embates importantes se sucederam. O maior deles foi a ida da chamada
Invencível Armada, de 1588. Felipe II alegava que atacaria a rainha herege, Elizabeth I, que sempre
apoiara as lutas dos holandeses. Na prática, mais do que isso, suas pretensões estavam profundamente

116
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

relacionadas ao patrocínio da Coroa inglesa para as ações dos corsários, saqueando os galeões da prata.
Felipe II tinha como trunfo contar com uma frota bastante substancial, justamente por reunir os navios
portugueses sob sua Coroa.

A derrota espanhola foi um marco importante. Por um lado, as despesas da Coroa Ibérica foram
de grande vulto e impediam novos avanços; até mesmo os embates com os holandeses ficaram mais
problemáticos, resultando na independência da Holanda. Por outro lado, a vitória assinalou o avanço
naval inglês, que ficaria cada vez mais evidente e preponderante no século XVII, propiciando ações
mercantis maiores e constantes, a ponto de contribuir para a substancial acumulação de capitais.

Após o reinado de Felipe II, como assinalou J. H. Elliott (1989), no período de 1590 a 1620, a região
de Castela sofreu com o detrimento de diversas bases pelas quais erigiu seu império. A quantidade
de pessoas, a produtividade e a riqueza já não eram as mesmas. Ao mesmo tempo, os níveis de
desenvolvimento do mercado americano perdiam força; a dependência quase completa de produtos
da Metrópole passou a ser substituída, em certa medida, pelas produções locais nos circuitos do
México e do Peru. Assim, os galeões de Sevilha já não vendiam como antes. Por fim, a prata, pela
primeira vez, começava a diminuir, em 1601. Portanto, o comércio e o crédito já não eram os mesmos
do período anterior.

Ao mesmo tempo, ao longo do século XVII, a Espanha teve um problema quase constante: os diversos
conflitos europeus em que estava envolvida. Os gastos eram enormes, os resultados variáveis e nada
de proveitoso era visto. Um dos momentos centrais aconteceu justamente no início desse período: a
Guerra dos 30 anos (1618–1648). Em um momento de razoável equilíbrio nas forças da Europa, os países
se dividiram por um conflito que ainda se declarava por razões religiosas, apesar de haver também
interesses econômicos e imperialistas envolvidos. É no bojo desse confronto que a trégua com a Holanda
é finalizada e o país passa a invadir as áreas do império atlântico da União Ibérica. Mais do que isso,
os próprios portugueses iniciaram uma revolta para retomar sua independência, sobretudo após uma
política de impostos bastante opressora (tudo para manter a guerra). Apesar de esta ser a última guerra
imbuída de questões religiosas, os conflitos não pararam e se alongaram rotineiramente no século XVIII
(com a Guerra de Sucessão Espanhola, ou mesmo a Guerra dos Sete Anos, para ficar apenas com os
exemplos mais marcantes).

A Guerra de Sucessão espanhola garantiu a vitória dos Bourbons e o tratado de paz de Utrecht, em
1713. Fazer os Habsburgos desistirem do trono, contudo, teve um preço. Além da entrega de diversos
territórios na Europa, a Inglaterra recebeu o direito do asiento: seria a única responsável pelo tráfico de
escravos na América hispânica até 1748. Além disso, poderia, anualmente, ter um navio de comércio; era
o fim do monopólio comercial metropolitano de mais de dois séculos, era o permisso.

Na prática, a Espanha já não era a grande potência do mundo, sobretudo depois de perder tantas
forças na Europa, e via seus rivais partirem para práticas mercantis e domínio de territórios no Novo
Mundo. Ou seja, ou avançava para a revivescência colonial, ou o brilho do passado jamais retornaria.
E, assim, o século XVIII, com as ideias iluministas e sua adaptação para o Despotismo Esclarecido,
trazia a esperança de que reformas pudessem ser empregadas para reflorescer o império hispânico. Foi
exatamente isso que ocorreu fundamentalmente a partir do reinado de Carlos III (1759‑1788).
117
Unidade II

Figura 65 – O reinado de Carlos III marcou o desenvolvimento das reformas


para o reflorescer do lucro metropolitano na metrópole. Repare, contudo,
que o quadro apresenta as mesmas bases de postura do monarca
em relação ao Absolutismo, como vimos no quadro de Luís XIV

As ações se delinearam a partir da criação de um amplo aparato de estrutura burocrática para


reativar as rendas reais, promover a garantia do território existente (já que os diversos conflitos
na Europa geravam desdobramentos na América) e sua expansão no momento oportuno. A grande
relação que se estabelecia ocorria a partir do Estado. O objetivo era angariar fórmulas capazes de
fazer a colônia voltar a gerar um acúmulo primitivo para a metrópole, já que desde o final do século
XVII a renda vinha decrescendo devido à menor capacidade de exploração das minas e à propagação
do contrabando. Este, inclusive, tomou proporções tamanhas que, em partes do século XVIII, chegou
a ser maior que o comércio legal, no interior das colônias. Com isso, o comércio declarado ilegal pela
Coroa estava minando os monopólios e a fiscalização, além de receber apoio de colônias concorrentes
(como a Jamaica e o Haiti), ou mesmo das potências rivais. Na prática, as relações internas contavam
com significativa autonomia.

Nesse momento, a base da manutenção do poder espanhol na América estava relacionada


ao equilíbrio entre os três grandes grupos: a administração, a Igreja e os criollos (a elite local).
A administração era dotada de forte poder político, porém pouco efetivo militar. Sua força
residia na soberania da Coroa e na sua função burocrática. A Igreja confirmava o poder secular
e ressaltava sua missão religiosa, mas tudo era garantido pelo seu imenso valor econômico e
jurídico. No entanto, eram os criollos, de grande vulto econômico, como grandes comerciantes,
advogados, donos de propriedades nas cidades e nos campos, ou mesmo clérigos. Há de se dizer
que existia, com eles, como elite local, também um pequeno grupo de nativos da Espanha que
tentavam empreender seu desenvolvimento econômico no Novo Mundo. A fraqueza do governo
da Coroa e a necessidade de renda propiciavam a estes grupos condições de efetivamente
resistirem ao governo imperial.
118
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Um dos principais vetores de atuação da reforma proposta pelos Bourbons foi a reestruturação de
toda a burocracia. Para obter um maior controle, a Coroa promoveu um amplo processo de reformulação
de toda a hierarquia administrativa. Diversos novos cargos e instituições foram promovidos com a
perspectiva de garantir a cobrança de impostos e o devido incremento da renda real. Com isso, em
grande medida, os selecionados para essas novas funções eram chapetones, pois, segundo o comentário
na Metrópole, era fundamental ter confiança total nas ações desse funcionalismo.

A divisão completa dos Vice‑reinos foi feita nesse momento. Até então, apenas a Nova Espanha (na
Mesoamérica) e o Peru (na área andina), locais dos dois grandes impérios pré‑colombianos, existiam.
Foram separadas as áreas periféricas para um melhor governo. Assim, em 1717, surgiu a Nova Granada
e, em 1776, o da Prata. No primeiro, o imperativo era melhorar as relações administrativas e de defesa.
No segundo, um privilégio importante tentava promover as ações econômicas: a prata de Potosí sairia,
a partir de então, por Buenos Aires, situação que criava uma constante rivalidade com Lima.

O cargo de vice‑rei permanecia como o mais importante das colônias. Contudo, a partir da metade
do século XVIII, cada vez mais, eles estavam relacionados a grandes oficiais, especialmente selecionados
pelo rei. Ou seja, demonstrava‑se uma forte preocupação com a garantia das ações militares e uma
reorganização rígida da estrutura administrativa.

As Audiências, entre o final e o início do século XVIII, tinham seus cargos vendidos a qualquer um
que tivesse as qualificações necessárias, além de ter a renda para a aquisição. Com isso, muitos criollos
foram capazes de assumir boa parte desses postos na metade do século XVIII. Mas as medidas borbónicas
começaram a retirar a elite local de tais postos avançados de justiça; por meio de subterfúgios que,
aos poucos, eram afastados ou transferidos, mesmo que ainda mantivessem um bom número dessas
funções na época das lutas pelas independências.

Uma das novas instâncias promovida nas principais capitais foi os superintendentes subdelegados de
real hacienda, responsáveis por todas as questões financeiras nessas cidades de grande vulto comercial.
Na prática, aliavam‑se às enormes funções do vice‑rei e, ao mesmo tempo, comissões eram promovidas
para fiscalizar todas as ações.

Na verdade, fiscalizar era uma das palavras de ordem da reforma. Garantir os impostos era uma questão
fundamental e estava plenamente relacionada à exploração local. Assim, um amplo grupo de fiscais
assalariados foi criado. A ideia era a proximidade, em cada uma das regiões, como vetor da vigilância máxima.

Na medida em que as reconfigurações administrativas eram realizadas, a Igreja católica era


enfraquecida. Muitos dos membros do clero, tanto regular como secular, acabavam por ter enorme
influência dentro das relações estabelecidas na sociedade da América, pois além de líderes espirituais (o
que já era um peso bastante significativo) eram também conselheiros intelectuais (pela sua formação
e por um contexto de poucos letrados). Uma das questões centrais era o fim dos privilégios especiais, e
era justamente a Igreja quem encarnava tais relações. Seus fueros garantiam a imunidade dos religiosos
à jurisdição civil e como fonte de riqueza e transformavam a Igreja em maior fonte de capital de
investimento na América espanhola. O que era colocado em jogo não era, de modo algum, aspectos
doutrinários, mas sim o enorme poder estabelecido.
119
Unidade II

As ações tentaram atacar diretamente o clero, ao buscar submetê‑lo à jurisdição dos tribunais
seculares e, neste processo, reduziram progressivamente as imunidades clericais para, a seguir, com a
Igreja enfraquecida, apropriar‑se de seus bens. Em 1767, a Coroa deu um golpe exemplar para mostrar
sua força: os jesuítas foram expulsos dos domínios da Espanha. Os membros dessa ordem clerical eram
particularmente vistos como o símbolo da habilidade de aproveitar os meandros da administração. Com
isso, garantiam mais e mais recursos econômicos, por meio de um ótimo gerenciamento e indígenas do
seu lado. Por fim, sempre garantiram fidelidade absoluta ao Papa. A ação trazia um baque também para
a elite local, já que grande parte desses religiosos eram criollos.

O clero reagiu e o baixo clero, cujo fuero era praticamente seu único recurso material, passou a apoiar
insurreições. Este confisco de bens da Igreja foi entendido como um grande exemplo de mau governo,
demonstrando a corrupção dos funcionários espanhóis, além do péssimo uso do dinheiro mexicano.
O confisco demonstrava a dependência mexicana de uma política externa na qual não tinha voz nem
interesse, o que acabou unindo ricos e pobres, espanhóis e criollos, em oposição ao controle da metrópole.

A Coroa precisava também promover uma estrutura militar capaz de garantir seus domínios, ou
seja, repelir eventuais movimentos internos, como as rebeliões e levantes, e, ao mesmo tempo, ser capaz
de garantir as possessões frente à constante ameaça estrangeira que vinha de diversos lados. A defesa
envolvia as rebeliões dos índios pueblos no Novo México, ou as várias insurreições ao longo das áreas
de concentração indígena na região andina, como também os conflitos de fronteira com os portugueses
na bacia do rio Prata ou ainda incursões estrangeiras no Caribe.

Uma das maneiras mais importantes de fortalecer o corpo militar foi criar tropas regulares e, ao
mesmo tempo, promover várias milícias (forças locais), que “significavam que a maioria esmagadora
dos homens que serviam o exército eram americanos nativos e que uma boa parcela dos oficias, de
capitão para baixo, era constituída por crioulos [ou criollos]” (BRADING, 2012, p. 403). Uma das ações
mais importantes desse grupo foi a tomada da colônia de Sacramento, em 1776. A região era um centro
de disputa de fronteiras com os portugueses devido a sua localização estratégica na área de comércio (e
muito contrabando) promovido próximo da bacia do Prata. Outra ação bastante significativa foi a vitória
das milícias sobre as invasões inglesas de 1806 e 1807, em Buenos Aires.

Contudo, o acesso à promoção militar estava cada vez mais restrito para impedir, de qualquer maneira,
a força dos criollos, mesmo que as ações militares justificassem honrarias, coisas que os homens das
tropas bem percebiam.

Como comentamos, combater o contrabando e as atividades estrangeiras eram questões centrais para
reconfigurar os ganhos da Espanha. Nesse sentido, monopólios também foram estabelecidos. Um deles,
criado em 1768, foi instalado numa plantação de fumo na Nova Espanha. Toda a produção deveria ser
vendida para o núcleo central, que manufaturava e vendia o charuto para as diversas regiões. A Coroa
privilegiou o uso do exclusivo como forma de atacar, diretamente, as grandes casas comerciais existentes.

Há de se lembrar que a França já havia conseguido, em 1704, o permisso de comércio nas áreas do
Pacífico (com o Peru e o Chile) e que, pouco tempo depois, os ingleses também o conseguiram, inclusive
com o asiento.
120
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

A primeira ação importante foi a tentativa de retomar o monopólio comercial e o sistema de frotas
para o porto de Cádiz. Claro que as hostilidades de franceses e ingleses foram bastante significativas.
Apenas na metade do século é que a Coroa conseguiu recuperar as amarras do exclusivo metropolitano
e, assim, propiciar condições de acúmulo de capital na Metrópole, dentro dos ideais do mercantilismo.

Figura 66 – O porto de Cádiz, na Espanha, tinha importância


central no século XVIII até o comercio libre

Outro elemento importante foi a criação de companhias de comércio. Uma das questões centrais
do uso dessas instituições era contar com o apoio de particulares para tentar extirpar o contrabando, já
que este atava seus interesses. Não raro, conseguiram navios de guerra e recuperavam muito do trato
mercantil para a Coroa. Contudo, isso era cada vez pior e mais distante dos interesses locais.

Em diferentes áreas foi restabelecido o sistema de frotas, o que retomava um ideal de segurança para
os grandes empreendimentos no Atlântico, mas batia de frente, mais uma vez, com os interesses locais.
Casas de comércio locais já estavam razoavelmente enraizadas e conseguiam suprir a demanda, pois os
comerciantes espanhóis tinham que promover altíssimos investimentos para um trato mercantil capaz
de trazer grande vulto.

Foi, então, diante dessas dificuldades, que as reformas passaram a dar um passo à frente. Em 1778,
foi autorizado o comercio libre. Estavam abolidas as frotas e o monopólio de comércio de Cádiz. Ou
seja, qualquer comerciante espanhol poderia promover ações no Novo Mundo. Claro que esse trato
livre não era geral. Houve fases para, aos poucos, autorizar determinados portos espanhóis ao trato
com a América. Apesar disso, a enxurrada de produtos importados rapidamente foi vista. E daí, suas
consequências: preços cada vez mais baixos e o lucro em decréscimo para os comerciantes locais. Muitos
dos metais preciosos utilizados como moeda foram rapidamente vistos no pagamento dos artigos
importados. Contudo, inegavelmente, o trato mercantil de grande cabedal rapidamente era revigorado.
Um dos exemplos mais marcantes dessa relação foi o desenvolvimento de Buenos Aires; isso, como
vimos, em consonância com as novas relações administrativas. Ali, especificamente, o comércio com a
prata de Potosí propiciou um grande grupo mercantil chamado de porteños (“os que vêm do porto”).

Os repartos foram reconhecidos pela Coroa em 1751. Como comentamos, eram promovidos em áreas
indígenas e garantiam a venda de produtos. Na prática, os corregedores, responsáveis locais, desejavam

121
Unidade II

rapidamente receber de volta os gastos para a aquisição do posto. Além de cobrarem os preços que
desejavam, eram bastante odiados por serem, na maioria das vezes, chapetones. A justificativa dos
funcionários era de que esse instrumento era capaz de realizar o trato mercantil e, assim, impedir a
existência de uma economia puramente rural.

É certo que o comercio libre rapidamente fomentou novas rotas comerciais. Propagar as novidades
importadas gerava um amplo desenvolvimento e se relacionava, diretamente, com a revivescência das
atividades econômicas. Apesar do avanço agrícola, a mineração ainda era a atividade preponderante por
excelência da América Hispânica, tanto na Nova Espanha, como na área andina, incluindo o Chile e a Colômbia.

O grande sucesso das reformas foi revigorar as minas. Para a retomada da atividade no México, a
Coroa promoveu ações capazes de incrementar, a passos largos, a produção de mercúrio na mina de
Almadén; e com novas técnicas e investimento, a produção saltou em mais de 800%. Ao mesmo tempo,
seu preço na América foi bastante reduzido. Novos empreendimentos foram incentivados por benefícios
tributários. No extremo, até mesmo um colégio de minas, criado em 1792, traria especialistas para a
utilização das melhores técnicas conhecidas.

A mesma proporção não foi vista nos Andes. Apesar de medidas semelhantes à região do Norte,
inclusive com novas áreas exploradas, a concretização do desenvolvimento não foi igual. A mina
de Huancavelica não conseguiu aumentar sua produção de mercúrio. Ao mesmo tempo, faltavam
investimentos e a tecnologia moderna não era vista.

Ressaltava‑se, além disso, boa parte das atividades comerciais que partiam para as zonas de fronteira
que se expandiam em torno dos pampas, das fazendas ao norte do México, das áreas férteis do Chile,
dos vales venezuelanos e sua produção de cacau; e, mais no final do século, do sistema da plantation
açucareira em Cuba. A mão de obra preponderante era o trabalho assalariado, com exceção, claro, do
sistema cubano, baseado na escravidão africana. Na área tradicional andina, sobretudo em Potosí, a mita
atingia exploração ainda mais terrível, fora a exploração dos repartos.

Vale destacar ainda Cuba, que, a partir da segunda metade do século XVIII, teve estímulos diretos
para o desenvolvimento do açúcar. O governo promoveu a chegada maciça de escravos (que chegavam a
representar um terço da população), além de conceder diversos latifúndios para a produção. Empreendedores
modernizaram as técnicas do engenho com a introdução da energia a vapor. Com as conturbadas relações
políticas, econômicas e sociais relacionadas às lutas de independência no Haiti, rapidamente Cuba ocupou
a preponderância do mercado internacional desse produto. Um desenvolvimento assustador para uma
região que vivia à margem de seus rivais no Caribe, como analisamos anteriormente.

Observação

É interessante ainda assinalar que Cuba, desde o século XVIII, tinha a


permissão de importar determinados produtos dos Estados Unidos, o que
iniciou a atração do trato mercantil, que se desdobraria em problemáticas
relações nos séculos seguintes.
122
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Essa explosão de novas relações, tratos mercantis e atividades para o acúmulo de capital
metropolitano foi acompanhada por outro avanço, mais silencioso, de pouco destaque inicial, mas de
enorme importância local: o mercado interno. A produção de gêneros dedicados ao abastecimento
da população cresceu nas mais diversas regiões periféricas, ou em outras inter‑relacionadas. O
exemplo mais significativo foi a pecuária. Eram diversas produções ao longo de todo o território.
Animais de especificidades locais, o gado e mulas eram conduzidos para feiras locais capazes de
abastecer os grandes centros urbanos da América. Na verdade, era inevitável que esse mercado
se expandisse, na medida em que as atividades mais centrais do Antigo Sistema Colonial se
reconfiguravam, atraindo mais mão de obra e ampliando as necessidades internas. Claro que parte
dessa produção, eventualmente, podia ser exportada, como o couro argentino, mas isso não perdia
o papel de destaque do mercado interno.

Nesse trato mais local, de menor vulto, as diversas formas regionais de trabalho livre e assalariado
ganharam corpo. Há de se ter em vista que esse tipo de trabalhador não propiciava nenhum gasto inicial
ao patrão, algo fundamental nas relações de pequeno trato da pecuária. Os mais variados grupos sociais
eram vistos: mestiços, mulatos, espanhóis pobres ou ainda índios aculturados.

A Coroa procurou, inclusive, regulamentar as relações da terra e da mão de obra. A Real Instrução,
de 1754, criou uma espécie de reforma agrária que confirmaria as apropriações ilegais e legais. A partir
de então, para ter acesso à terra, deveriam ser pagos direitos. A medida gerou diversos conflitos, criando
oposições: índios foram beneficiados com o fim das encomiendas; tornando‑se proprietários da terra
que trabalhavam, mas passaram a pagar tributos, o que era excelente para a Espanha. Contudo, os
crioullos ficaram extremamente descontentes, pois perderam certos domínios e o controle das relações
de trabalho em algumas áreas.

A manufatura têxtil local também foi profundamente afetada. Os produtos europeus lotavam as
regiões comerciais com preços incrivelmente baixos. Os obrajes andinos, para ainda ter alguma relação
de comércio, aumentavam, continuadamente, a exploração da mão de obra indígena pela mita, para
tentar obter o máximo de produção e venda.

E, assim, se inter‑relacionavam as diversas áreas de atuação. Como assinala D. A. Brading:

A era dos Bourbons constituiu um período relativamente curto de


equilíbrio entre o setor externo e o interno da economia, no qual, se a
curva ascendente da produção de prata sem dúvida ajudou a financiar
a revivescência do poder militar da coroa e deu às colônias condições de
importar da Europa grandes quantidades de tecido fino, também gerou
uma extensão considerável de empregos que por sua vez criaram um
mercado ativo para a indústria e a agricultura domésticas. Na verdade, foi
a existência dessa complexa e variada economia igualmente complexa e
única (BRADING, 2012, p. 439).

O sucesso geral foi absolutamente evidente: a receita da Coroa subiu de 5 milhões de pesos, em
1700, para 36 milhões de pesos em 1790. Em quase um século, o crescimento era de mais de 700%.
123
Unidade II

Contudo, o preço pago era alto. Proliferaram revoltas indígenas contra a exploração. Os criollos,
que haviam alcançado uma ampla estrutura de desenvolvimento econômico em suas diversas áreas de
atuação, foram expulsos, transferidos, impedidos de continuar na mesma ação e passaram a perceber
que seus interesses eram razoavelmente diferentes dos da Coroa. Por fim, todo o avanço acabou sendo
de curto período. Já no início do século XIX, as questões políticas europeias rapidamente romperiam as
novas relações.

As medidas reformistas do Despotismo Esclarecido também foram promovidas pelos portugueses,


sobretudo na figura do primeiro ministro, Marquês de Pombal.

Do geral, o que se nota é a grande semelhança. As mudanças portuguesas também estavam


relacionadas à administração colonial, para melhorar a vigilância e a arrecadação, além dos princípios
de força do governo central, bem como à expulsão dos jesuítas e às reformas educacionais.

O eixo norteador foi a recuperação dos mercados ultramarinos dentro dos moldes, ainda mais
enrijecidos, do Antigo Sistema Colonial do mercantilismo. Uma série de monopólios, impostos,
companhias de comércio e direitos exclusivos foram estabelecidos. No quadro português, ao mesmo
tempo, ideias fisiocráticas foram aplicadas para todos os lados. É esse desenvolvimento que propiciou,
já na decadência das minas (apesar de ali Pombal ter aumentado o arrocho fiscal), uma última fase da
economia colonial caracterizada pelo revivescência da produção de açúcar, acompanhada por outros
gêneros, como o algodão, o tabaco, o cacau e o início do café. Também, com isso, cresceram as relações
do mercado interno, gerando significativa proporção.

Uma das questões razoavelmente diferenciadas foi a relação do comercio libre e do enrijecimento do
comércio português. Apesar de anteriormente o comércio espanhol ter sido muito mais fechado, com
o sistema de frotas e as leis de porto único (o que nunca houve nos domínios portugueses), Portugal
partiu, no reformismo promovido por ideias ilustradas, para um maior controle do comércio por meio de
práticas monopolistas; eles achavam que assim facilitariam a vigilância e incrementariam o comércio
por portos específicos.

8 A GESTAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA

8.1 A gestação da Independência – insatisfações e revoltas

Seria ingênuo pensar que revoltas não foram vistas durante os séculos em que os europeus
dominaram a América e implantaram um sistema colonial de grande exploração, voltado ao lucro
da metrópole, sem qualquer perspectiva de desenvolvimento local (ainda que esse tenha sido
inevitável). Já comentamos ações dos descendentes incas, no início da conquista, e citamos alguns
movimentos.

O que se procura é descrever essas manifestações e entendê‑las em sua generalidade, para demonstrar
que o processo de conquista e subordinação não foi, em absoluto, passivo pelas populações locais
ou mesmo aceito facilmente por todos os escravos africanos. Lutar pela liberdade, contra a opressão,
sempre foi um sonho atemporal em suas diversas facetas ao longo da história.
124
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

No Caribe, sobretudo, aconteceram diversas revoltas de escravos, o que era bastante esperado pelo
nível de exploração que existia. Em geral, havia motins e levantes em plantações contra as arbitrariedades
que não reivindicavam o fim da escravidão. O mais comum era um grupo organizar os movimentos por
ódio aos abusos praticados pelos seus donos. Normalmente, as ações eram mais localizadas, como em uma
fazenda e, assim, os indivíduos tentavam melhorar suas condições de vida e diminuir as horas de trabalho.
Assim, esses levantes são caracterizados como reformistas. Revoltas de escravos se ampliaram ao longo do
fim do século XVII e continuaram durante o século XIX, até a abolição da escravidão (Brasil, Caribe em geral,
Estados Unidos). Na América espanhola continental, a escravidão não teve tanta importância.

Particularmente interessantes eram as guerras dos cimarrones, que eram bastante comuns nas três
Guianas, onde havia grande quantidade de quilombos, mas também foram significativas no Caribe. O
objetivo central era resistir às incursões oficiais ou privadas para a eliminação de quilombos. No Brasil,
apesar de certas especificidades, seriam chamados de quilombolas. Cimarrones eram, contudo, em sua
maioria, escravos libertos que se alinhavam aos outros que fugiam dos domínios e da opressão. Na prática,
a luta dos cimarrones e a existência dos quilombos revelam uma ampla rede de socialização promovida
no seio da sociedade escravista. Os grupos sociais não viviam completamente segregados. Muito pelo
contrário, havia um intenso contato, inclusive entre libertos e cativos, capaz de gerar expectativas e ações
para o fim da opressão causada pela escravidão. Alguns podiam simplesmente passar a se relacionar com o
sistema e ocupar um espaço na fazenda ou preferiam uma estrutura paralela pela solidariedade de grupo,
procurando fortalecer as possibilidades de outros se juntarem à comunidade.

Já a insurreição de escravos, com uma força muito mais aguda, tinha como objetivo expulsar a elite
europeia (as autoridades) de determinadas regiões ou cidades, garantindo uma nova estrutura social. Os
movimentos eram amplos de total repulsa à dominação empregada pelos brancos. Há de se dizer que,
em geral, a escravidão continuou mesmo após as independências, no século XIX. Assim, ainda ocorreram
diversas insurreições escravas. No Brasil, a principal foi a revolta de males, escravos de religião mulçumana.

Observação

No Brasil, a principal das revoltas escravas foi a dos Malês, em 1835,


na Bahia. De origem muçulmana, esses cativos, juntamente com libertos,
tentaram criar um novo mundo para os africanos.

Já as revoltas indígenas, por sua vez, foram as mais importantes na América hispânica, sobretudo
nas áreas onde essa população era mais densa. Em geral, elas aglutinaram‑se em duas áreas durante
o período colonial. A primeira, a invasão de terras, era a mais comum e ia desde a ocupação de terras
privadas até a de outras, abandonadas, o que era feito de forma violenta e, em geral, com mortes. O
elemento básico desses levantes era a recuperação de regiões que anteriormente haviam tido caráter
comunal, ou seja, haviam pertencido às antigas comunidades dos astecas e incas, mesmo que, em alguns
casos, o grupo houvesse se transformado em pequenas aldeias. Envolvia uma problemática grande, como
o esgotamento do solo ou a necessidade de rodízio de produção. Assim, para a manutenção do grupo,
precisavam ampliar as pequenas áreas em que estavam. Com as reformas borbónicas e a necessidade de
se pagar direitos para a Coroa, o problema agrário tomou proporções ainda maiores.
125
Unidade II

A segunda área eram os motins ou o levante de comunidades, pueblos indígenas. Lá ocorriam revoltas
muito mais substanciais, que estavam relacionadas à luta pelo fim da exploração da mita, como também
a alguma arbitrariedade de um funcionário publico, ou mesmo das autoridades. Esses motins podiam
se tornar grandes movimentos, pois, em geral, estavam localizados nas áreas de grandes concentrações
indígenas. Ao longo do tempo, com o aumento da exploração, as revoltas se multiplicaram e tornaram‑se
mais extensas. Alguns historiadores calculam que, na metade do século XVIII, ocorriam dez movimentos
por década. Já na segunda metade desse mesmo século, em torno do agravo da exploração e também
como efeito das ações dos Bourbons, aconteceram entre vinte e cinquenta rebeliões por década. Ou seja,
no ápice, cresceram em torno de 500%.

A rebelião de Tupac Amaru foi o exemplo mais forte da luta contra as terríveis condições às quais
os indígenas estavam expostos, sobretudo nas áreas andinas. A exploração do trabalho promovida
pelos estrangeiros, que já durava séculos, finalmente veria a indignação dos nativos ganhar proporções
enormes.

Como comentamos, a mita, apesar de já existir entre os incas e os povos dominados, aos poucos,
foi aumentando em nível de abuso. O tempo de trabalho era cada vez maior e os salários mais baixos.
Isso era diretamente responsável pela morte de milhares de indígenas, já em condições de absoluta
miséria. Segundo alguns dados, em Potosí, local da maior exploração da prata em todo o Novo Mundo,
e símbolo da opressão espanhola, 13.500 indígenas trabalhavam em 1575. Em 1772, eram apenas 3.637.
O trabalho em minas já era um serviço extenuante e difícil, com as condições impostas pelos hispânicos
agravavam‑se os problemas de saúde. Muitas vezes, o serviço não parava nem de dia, nem de noite e os
índios ficavam nas galerias por até uma semana seguida.

Entretanto, a exploração não parava por aí. Também em outras atividades, como a agricultura ou os
obrajes, os indígenas eram sobrecarregados com o trabalho exaustivo. Não era raro manterem os nativos
confinados nos locais de serviço e, ao final, pagarem‑lhes valores bastante diminutos.

Há de se destacar ainda os repartos comerciais. Como comentamos, os nativos eram forçados a


comprar produtos metropolitanos para ampliar o comércio e, ao mesmo tempo, garantir o lucro dos
funcionários, os corregedores, que desejavam enriquecer rapidamente.

Por fim, o quadro difícil se completava pela existência de kuracas, os líderes das comunidades, que
variavam em suas relações. Havia aqueles que puramente se aculturaram e passaram a enriquecer,
inclusive adquirindo obrajes, minas, ou locais que lhes permitissem atuar como comerciantes. Na prática,
essa relação fazia com que se alinhassem aos dominadores e simplesmente não lutassem por nenhuma
mudança significativa. Outros, contudo, foram bastiões das reivindicações promovidas por toda a
comunidade, assumiram seu papel de líderes e foram em frente para que transformações pudessem ser
realizadas, pois acreditavam que seriam capazes de atenuar os privilégios dos brancos, ou mesmo acabar
com a subordinação pura dos indígenas.

Um desses kuracas que desejavam mudanças era José Gabriel Condorcanqui Tupac Amaru. Ele
era descendente do último inca (também Tupac Amaru), líder de povoados da província de Tinta. Em
1777, iniciou sua defesa pelas instâncias jurídicas, da condição indígena pelo fim da mita para suas
126
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

comunidades. Elas distanciavam‑se mais de 70 dias a pé de Potosí e, vale a pena repetir, em um terreno
bastante difícil, com uma geografia bastante montanhosa. A formação de Tupac Amaru era bastante
completa, já que foi plenamente capaz de utilizar as leis para demonstrar a necessidade de revisão do
tributo. Assim, a questão da mudança que se estabelecia acontecia a partir das relações com a própria
metrópole. Contudo, o tempo passou e nada foi modificado e a chegada do visitador‑geral José Antonio
de Areche agravou a exploração.

Assim, em novembro de 1780, começou o movimento armado. A primeira ação ofensiva foi baseada
em um plano muito bem arquitetado. Foi feita uma emboscada para prender o corregidor de Tinta. A
ação foi um sucesso. A execução pública garantiu a demonstração clara do início da revolta, além de
decretar o fim da mita e dos demais tributos. O movimento estava, assim, pronto para conquistar novos
adeptos.

Como a luta era comum a milhares de indígenas, rapidamente o movimento se alastrou. Presos eram
soltos e aumentavam o contingente armado. Somava‑se ainda a rede familiar bastante ampla de Tupac
Amaru.

A segunda grande empreitada do movimento aconteceu no mesmo mês. Em Sangarará, as tropas


da revolução rapidamente venceram a oposição, que se refugiou na igreja. Tupac Amaru conclamou os
populares a participarem da luta e, assim, saírem do local, mas os espanhóis não permitiam. Assim, o
local foi invadido e destruído. A vitória gerou um impacto negativo, pois a Igreja logo o excomungou,
gerando grande temor entre os rebeldes. O impacto ideológico era grande e por mais que fosse um
movimento indígena, o catolicismo já estava bastante enraizado na sociedade do Novo Mundo.

Várias vitórias se seguiram no fim daquele ano. Frente às diversas informações que chegavam, os
insurgentes decidiram atacar Cuzco. Claro que a ação era bem vigiada pela Coroa e os preparativos de
defesa foram feitos. Os soldados foram cuidadosamente selecionados:

As autoridades chegaram à conclusão de que constituía um risco demasiado


grande empregar, contra uma insurreição de índios e mestiços, uma força
militar formada de soldados mestizos (mestiços de índios e espanhóis) e
oficiais criollos, muitos dos quais tinham suas próprias queixas pessoais
contra a política dos Bourbons. Para esmagar a revolta, enviaram unidades
do exército regular aquarteladas na costa, comandadas por espanhóis
nascidos na Península e compostas em grande parte de negros e mulatos
(mestiços de negros e europeus), tendo como tropa de apoio índios leais
recrutados (LYNCH, 2009, p. 28).

Os índios defensores dos ideais hispânicos foram garantidos por kuracas fiéis à Coroa. As forças
rebeldes, em janeiro de 1781, teriam finalmente chegado a Cuzco. Suas capacidades eram consideráveis,
pois, segundo alguns relatos, estavam com 40 mil homens. Contudo, como a cidade estava bem
guarnecida e contava com diversos pontos estratégicos bem planejados, as incursões dos rebeldes não
foram bem‑sucedidas. Então, passaram a cercar a cidade. A grande batalha aconteceu no dia 8 de
janeiro. Após horas e horas, os rebeldes desistiram do avanço. As razões centrais para o recuo residiam
127
Unidade II

na esquematizada defesa, mas também na falta de armamentos para os rebeldes e na não adesão dos
indígenas de Cuzco, como era imaginado por Tupac Amaru.

Os rebeldes, então, voltaram para onde tudo começou, Tinta, e as ofensivas passaram para o outro
lado. Os funcionários reais criaram um apoio ideológico ao prometerem diversos benefícios para aqueles
que abandonassem a causa, dentre eles, a sonhada extinção da mita.

O efeito acabou sendo visível. As tropas do líder rebelde diminuíram e uma série de traições fez com
que Tupac Amaru fosse preso junto com sua família e diversos indígenas. Apenas um dos seus filhos
conseguiu escapar, apoiado por outros líderes.

Em 1781, no dia 18 de maio, o grande líder servia de exemplo para a Coroa espanhola. José Gabriel
Condorcanqui Tupac Amaru foi executado na praça de Cuzco, juntamente com sua mulher Micaela
Bastidas e seu filho mais velho. Sua morte foi terrível: primeiro cortaram sua língua, depois, amarrado
em quatro cavalos, dilaceraram seu corpo e suas partes foram expostas em vários locais.

Entretanto, ele não foi o único líder a sofrer. Vários outros, das regiões onde os sonhos da rebelião
também projetavam a realidade da luta, também tiveram fim trágico, como Tupac Catari e Diego
Cristóval.

Figura 67 – A gravura demonstra o momento da execução de Tupac Amaru.


Há de se ressaltar o ideário do grande impacto que isso provocou nas populações indígenas

128
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Outros movimentos se expandiram pela região alcançando a Bolívia. Lá foi organizada uma rebelião,
liderada por Tupac Catari, mas que não obteve sucesso.

Saiba mais

Para saber mais sobre Tupac Amaru e seus ideais, acesse:

MINSTER, C. Biography of Tupac Amaru. [s.d.]. Disponível em: <http://


latinamericanhistory.about.com/od/theconquestofperu/p/tupacamaru1.
htm>. Acesso em: 4 fev. 2014.

De qualquer forma, a luta tomou proporções tão elevadas que no fim englobou quase toda a área
andina do Peru e da Bolívia. Muitas reivindicações foram conseguidas, como o fim dos corrigidores e
dos repartos, mas, em boa medida, estavam muito mais relacionadas às Reformas do que à busca pela
melhoria na condição de vida do indígena.

Não se deve, contudo, deixar de compreender o grande mito criado a partir da revolta de Tupac
Amaru. Para muitos, ele marcou a rebelião mais famosa, intensa e bem organizada, que representava os
anseios por liberdade frente à opressão, mesmo fracassando. A revolta foi extremamente singular por
sua extensão e requintes de crueldade com os principais líderes. Portanto, se constituiu como símbolo
da resistência contra a opressão e o colonialismo.

Essa figura relacionada a esse ideário foi usada por muito tempo para diversos movimentos na
América Latina. Suas frases se tornaram lemas. No entanto, a historiografia tem revisitado esse tema.

Como aponta John Lynch:

A verdadeira revolução tinha em mira os privilégios dos brancos, dos


criollos e dos espanhóis, e o objetivo final era acabar com a subordinação
dos índios. Tratava‑se de objetivos essencialmente sociais. Quanto à
independência, é muito improvável que uma revolta indígena pudesse ter
as ideias, a organização e os recursos necessários para semelhante causa.
[...] A independência, quando viesse, teria de ser em termos diferentes
(LYNCH, 2009, p. 60).

Em linha semelhante, Kátia Gerab e Maria Angélica Resende defenderam que:

A rebelião de Tupac Amaru foi um movimento indígena: suas lideranças


e participantes foram, quase que exclusivamente, indígenas e suas
reivindicações básicas [...] estiveram prioritariamente ligadas ao fim
da exploração do trabalho, direta ou indiretamente (GERAB; RESENDE,
1987, p. 53).

129
Unidade II

E, assim:

A historiografia tradicional, ao levantar o problema da volta do Império


Inca, o fez na tentativa de destacar a intenção separati♣sta do movimento,
apesar da contradição básica existente entre esse suposto projeto indígena
e a proposta emancipacionista “criolla”. (Ibidem, p. 66).

Exemplo de aplicação

Procure notícias sobre a população de origem indígena nas regiões andinas. Da sua pesquisa, procure
problematizar a seguinte questão: quais são os elementos que permanecem mesmo após a luta do
movimento de Tupac Amaru?

Por fim, resta‑nos ainda comentar os movimentos conhecidos como comuneros. Sua importância se
dava por aglutinar os mais diversos grupos sociais em torno da divergência de interesses locais com as
relações promovidas pela metrópole. Eles adquiriam situações das mais variadas e surgiram na América
a partir do Paraguai, entre 1721 e 1735, e depois se propagaram em várias direções.

Saiba mais

Para saber mais sobre a tradição dos movimentos comuneros pela


comparação do movimento de Castela (1520–1522) com o do Paraguai
(1721–1735) e pelas suas diversas interpretações historiográficas, veja o
excelente artigo:

CERVEIRA, L. A.; FLECK, E. C. D. As revoluções comuneras de Castela


(1520‑1522) e do Paraguai (1721‑1735): uma análise sobre suas apropriações
e abordagens historiográficas. Tempos Históricos, Unioeste, v. 17, p. 63‑92,
1º sem. 2013. Disponível em: <http://e‑revista.unioeste.br/index.php/
temposhistoricos/article/download/8966/6572>. Acesso em: 4 fev. 2014.

A tradição que mais se viu aconteceu em torno do lema: “Viva el rey y muera el mal gobierno” (apud
LYNCH, 2009, p. 61). Quer por questões políticas, quer jurídicas ou mesmo sociais, os movimentos, apesar
de proliferarem em regiões diferentes, reuniam diversas manifestações contra a opressão dos funcionários
do governo e a pressão fiscal. Eles reuniam os mais variados elementos da sociedade, inclusive, os
criollos. Contudo, quando ganhavam proporções maiores, a elite local tratava de rapidamente debandar.
Não desejavam, de modo algum, alterar as relações sociais. Além disso, temiam a anarquia.

O passar do século XVIII agravaria essas relações. As reformas borbónicas colocavam a Coroa como
grande centro das decisões e acabavam com o lema anterior; tinham início os últimos momentos do
antigo sistema colonial.

130
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Contudo, há de se ter em vista também que o mercantilismo e suas relações coloniais desmoronaram,
na derrocada do Antigo Regime, pelos exemplos que surgiram no fim do século XVIII e início do XIX. A
revolução nos Estados Unidos foi o principal modelo da perspectiva de mudança. Pouco tempo depois,
os eventos no Haiti ameaçavam a ordem social nas colônias. Afinal, quais seriam as novas relações para
a América?

8.2 A gestação da Independência – os modelos

Com a propagação dos ideais iluministas e a crise estrutural do Antigo Sistema Colonial, a partir do
desenvolvimento do capitalismo industrial, as mudanças estavam em curso.

Os países ibéricos procuraram revivescer as relações mercantis com a América, por meio
de uma série de ações que, na prática, apesar de obterem certo sucesso aos olhos da Coroa,
pois aumentaram a arrecadação, propiciavam também condições para um desabrochar dos
ideais de luta contra a opressão. É claro que já existiam diversas revoltas, mas, até então, eram
fundamentalmente relacionadas a algum aspecto específico do sistema e não lutavam contra a
dominação.

No entanto, o final do século XVIII traria um modelo absolutamente fantástico para o sonho
de liberdade. A revolução americana, inegavelmente, foi de grande importância para a gestação
do processo de independência de todo o continente. Logo a seguir, a revolução no Haiti, por seu
turno, atormentaria as elites locais – seria possível uma sublevação de tais proporções alcançar
toda a América?

Daí a necessidade de compreendermos esses dois movimentos como questões fundamentais para a
derrocada final do antigo sistema colonial. A partir deles, quando as condições históricas permitissem,
teríamos o desabrochar da luta pelo Estado Nacional.

A colonização americana, sobretudo na Nova Inglaterra, como vimos, por condições geográficas
muito semelhantes às da Europa, adquiriu um caráter diferenciado, já que a Metrópole não conseguiu
extrair produtos tropicais implantando o antigo sistema colonial nos moldes do mercantilismo. Ao
mesmo tempo, a perspectiva da valorização do trabalho promovida pelos protestantes contribuiu para
se estabelecerem relações capazes de desenvolver um significativo mercado interno e acumulações
capitalistas. Por fim, mas não menos importante, a perspectiva do relativo descaso da Coroa quanto
ao controle das relações nas Treze Colônias permitiu certa autonomia administrativa, o que os colonos
chamavam de self‑government. E ainda propiciava o trato mercantil com diversas áreas do mundo
atlântico, nos conhecidos comércios triangulares.

É nesse sentido que, aos poucos, as atividades foram se expandindo. Um dos exemplos
significativos disso foi a busca por terras capazes de aumentar a renda pela caça, gerando o
aumento da venda de pele de animais. Contudo, essa relação, inclusive, ao ultrapassar o espaço
das Treze Colônias, afetava as áreas coloniais francesas e ocasionava intensas disputas fronteiriças
(tratava‑se da Guerra Franco‑Indígena).

131
Unidade II

A colonização inglesa efetiva até 1700

A ocupação inglesa até 1760

Figura 68

Logo as animosidades na região colonial ganhariam maiores proporções com a Guerra dos Sete Anos
(1756–1763). O conflito europeu, de enorme magnitude, envolvia diversas disputas territoriais, tanto no
Velho como no Novo Mundo. Diversos países participaram, mas, para o que nos interessa, um dos palcos
de grandes conflitos foi a América do Norte.

Ambos os países europeus trouxeram tropas para, junto com os colonos, vencerem os conflitos. Mais
do que isso, buscaram alianças com os indígenas e suas diversas tribos para aumentar o contingente
militar, ganhar maior conhecimento dos meandros dos territórios, além das técnicas específicas de luta
nas florestas.

Os confrontos na América foram bastante disputados. Os franceses saíram na frente até os ingleses
imprimirem um importante bloqueio naval. A partir daí, as forças inglesas conseguiram progressivas
vitórias.

132
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Figura 69 – A tomada de Québec pelos ingleses foi um momento significativo da Guerra dos
Sete Anos no Novo Mundo. Percebe‑se na imagem o valor dado às tropas britânicas e a sua força naval

A derrota francesa marcou a perda de diversos territórios no Novo Mundo e a propagação de sua crise
econômica, um dos fatores centrais para o início da Revolução, ainda no fim desse século. A Inglaterra, por
sua vez, ficou com vários novos domínios. Contudo, os gastos elevados da guerra precisavam ser cobertos.

Aos colonos ingleses, o saldo também era muito significativo:

A derrota da França afastou o perigo permanente que as invasões francesas


representavam na América, deixando os colonos menos dependentes do
poderio inglês para sua defesa. Além disso, os habitantes das 13 colônias
tinham experimentado a prática do exército e o exercício da força para
conseguir seus objetivos e haviam tido, ainda que fracamente, sentimentos
de unidade contra inimigos comuns (KARNAL, 2013, p. 74).

Na prática, com o fim do conflito, as relações com a Metrópole mudariam. A Coroa decidiu, dentre
outras questões, pela garantia de terras a oeste dedicadas apenas aos indígenas, pela presença de um
exército regular na colônia (que garantiria a proteção, mas seria custeado pelos colonos), além da
invasão de funcionários reais monopolizando cargos e enfraquecendo o governo local (o tão celebrado
self‑government era atacado). Por fim, ainda pior, a criação de um significativo arrocho fiscal por meio
de diversos impostos inconstitucionais (para promover uma arrecadação capaz de suprir os gastos com
a guerra). Pela primeira vez, a Inglaterra procurava enquadrar as colônias da América do Norte no antigo
sistema colonial mercantilista.

A primeira das novas leis foi vista logo após a Guerra dos Sete Anos, em 1764 – Sugar Act (Lei do
Açúcar), aumentando os impostos sobre o açúcar que não fosse originário das colônias inglesas do
Caribe e ainda adicionando tributos a outros produtos.

A segunda ação famosa foi a Lei do Selo, em 1765 – Stamp Act. Para que um documento fosse
declarado legal, como contratos, jornais, ou qualquer outro, deveria pagar por um selo real. As
manifestações contrárias cresciam. Discussões das ideias e valores de direito já eram vistos.

133
Unidade II

No mesmo ano, ainda foi vista a Lei de Aquarelamento – Quartering Act. Para diminuir os gastos
da Coroa, os colonos deveriam fornecer tudo o que fosse necessário para a manutenção dos soldados,
como moradia e alimentos.

Em 1767, surgiram as medidas propostas pelo primeiro ministro inglês Charles Townshend –
Townshend Acts. Novos impostos eram lançados para diversos produtos importados. Em torno das
agitações por essa questão, em março de 1770, ocorreu o chamado Massacre de Boston, pois soldados
atiraram nos rebeldes.

Em 1773, uma nova lei: a lei do chá – Tea Act. Era garantido à Companhia das Índias Orientais o
monopólio do transporte e da venda desse produto à América. O comércio local era profundamente
abalado, além do temor de que tais práticas fossem também lançadas para outros produtos.

Com isso, os colonos não tardaram em reagir. Ainda no mesmo ano, no porto de Boston, os locais
decidiram atacar os navios ingleses que portavam o chá. Disfarçados como índios, jogaram mais de 300
caixas do produto no mar, evento que ficou conhecido como a festa do chá em Boston – Boston Tea
Party.

Os ingleses abriram investigação e logo concluíram que indígenas não poderiam ter cometido tal
façanha. A resposta da Metrópole não tardaria.

Em 1774, o Parlamento aprovou as Leis Intoleráveis – Intolerable Acts, conhecidos na Inglaterra


como Coercitive Acts. Os ingleses procuravam demonstrar toda a sua força. O porto de Boston foi
interditado até o pagamento completo de todas as despesas causadas pela Festa do Chá. Além de toda
a colônia de Massachussets passar ao controle real direto, funcionários britânicos que eventualmente
fossem processados poderiam ser levados a julgamento na Metrópole (para ser mais justo) e ainda havia
novas medidas para o alojamento das tropas inglesas.

E como se deu a discussão ideológica de uma revolução nesse contexto de grandes mudanças?
Quem já havia desfrutado por séculos da liberdade, aceitaria a imposição de um controle rigoroso da
metrópole?

Como analisa Bernard Bailyn (2003), os panfletos foram a principal forma de propagar os ideais de
mudança e liberdade. Tinham como vantagem sua versatilidade de tamanho, além de sua facilidade
de manufaturar e ainda eram baratos (pois eram impressos na própria colônia). Apareciam, em geral,
de três formas: os que cercavam os grandes eventos públicos, os que apareciam devido às polêmicas
e, por fim, discursos comemorativos. Em seu conteúdo, expressavam as ideias, atitudes e motivações
que estavam no cerne da revolução. Eram principalmente políticos, não literários. Em escala menor, as
discussões também apareciam em jornais, sermões, volantes e almanaques.

Apesar de certa influência dos autores clássicos, os norte‑americanos eram altamente seletivos e
tinham pouco conhecimento efetivo dos antigos. De forma mais direta, houve influência da relação
com o Iluminismo (e do mesmo modo com o direito consuetudinário), porém não foi a dominante
nem a determinante. O pensamento mais importante a influenciar os americanos foi o inglês radical
134
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

do decorrer do final do século XVII e início do século XVIII do antiautoritarismo criado a partir da
Guerra Civil inglesa e do período da Commonwealth. Ou seja, principalmente com o pai do movimento
das luzes, John Locke, promotor dos valores da liberdade, da igualdade, da propriedade, da busca pela
felicidade e da rebelião contra qualquer tirania. Uma dos pontos mais importantes defendidos era a
corrupção do poder. O medo dos exércitos permanentes era constante (devido ao risco de acabarem
com a autonomia). O contraponto era justamente a ideia de liberdade: exercita os direitos naturais e
tem no equilíbrio dos poderes sua manutenção. E a liberdade, segundo os panfletos, na Inglaterra, no
século XVIII, estava sendo ameaçada, pois o governo estava controlando o Parlamento. Essa situação
era difundida na América do Norte por diversas cartas e também por visitantes. Dentro desse contexto,
surgiram as indagações da submissão ou não a um governo que não garantia o bem‑estar comum. Cada
vez mais o não estava crescendo.

O amplo grupo de impostos inconstitucionais, a invasão de funcionários, o enfraquecimento do


judiciário, o monopólio de cargos e a tentativa de se implantarem exércitos permanentes eram fortes
indícios do risco em que vivia a liberdade. No pensamento da geração revolucionária, certos inimigos
tinham um plano de induzir, por meio dessas questões, uma rebelião a fim de que, como represália,
um governo completamente autoritário fosse implantado na América do Norte. Esses inimigos seriam
bastante ligados ao rei. Portanto, eram os ministérios que estavam tentando corromper a liberdade.
Assim, a causa da América do Norte adquiriu a “autodefesa” de sua autonomia.

Os problemas intelectuais centrais eram colocados em torno da representação, ou seja, a questão


que tratava da experiência das colônias em poder selecionar e controlar agentes para falar por elas na
Inglaterra, defender seus direitos e discutir tributação. O principal argumento inglês era que o Parlamento
tinha a liberdade de promulgar leis tributando as colônias, pois, independente de ter ou não membros no
Parlamento, todos eram representados lá. Outra dificuldade que se apresentou estava ligada às diversas
concepções de constituição e em que medida ela era um limite aos poderes governamentais. Ao longo
dos anos, essa perspectiva foi variando para, finalmente, designar defesa da liberdade e limitação do
poder, além de atuar como defensora dos direitos naturais que, inclusive, eram vistos como garantidos
acima de qualquer lei.

A soberania também era problematizada. A questão discutida acontecia em torno de quem realmente
detinha o poder final, incondicional e indivisível. Para os absolutistas, naturalmente, era a Coroa. Porém,
na América, depois da Guerra dos Sete Anos, a condição era irregular: apesar de estar inserida em
um império, havia uma grande tradição de descentralização de autoridade (self‑government). E todos
os cursos dos acontecimentos políticos, militares e intelectuais desafiaram o conceito de soberania
governamental unitária, o que fez com que fossem buscadas bases constitucionais para limitar o poder
do Parlamento na América do Norte. Com isso, a nova perspectiva apontava para o povo como soberano
e como salutar à divisão dos atributos da soberania (contudo, havia um grande problema: a ideia de
imperium in imperio, ou seja, que não pode haver mais que um poder, pois se existirem, um destruirá o
outro); era o projeto federalista.

Na prática, essas questões foram plenamente vistas no I Congresso da Filadélfia, iniciado ainda em
1774. Os americanos defendiam o princípio inglês garantido desde a Magna Carta, de 1215, e retomado
na Declaração de Direitos (Bill of Rights), de 1689: no tax without representation (nenhum imposto sem
135
Unidade II

representação). Assim, pediam ao rei a revogação do arrocho fiscal, ainda baseados na lealdade à Coroa.
Contudo, o que se viu claramente foi a chegada de mais soldados.

No II Congresso da Filadélfia, os delegados decidiram por uma revolução. Daí, finalmente, a Declaração
de Independência dos Estados Unidos da América, em 4 de julho de 1776:

A unânime Declaração dos Treze Estados Unidos da América,

Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário


a um povo dissolver os laços políticos que o mantinha ligado a outro, e
assumir, entre os poderes da Terra, uma posição igual e separada, o que
lhe é garantido pelas Leis da Natureza e que o Deus da natureza garante,
um respeito descente para com as opiniões dos homens que exigem que se
declarem as causas que os impelem para a separação.

Nós asseguramos essas verdades por serem evidentes por si mesmas, que
todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos Direitos
inalienáveis, que entre estes estão a Vida, Liberdade e a busca pela Felicidade.
Para garantir esses direitos, os Governos são instituídos entre a Humanidade,
derivando seus justos poderes do consentimento dos governados. Quando
qualquer forma de Governo se tona destrutiva dessas finalidades, está no
Direito do Povo mudá‑lo ou o abolir, e instituir novo Governo, que esteja
fundado em tais princípios e organizando os poderes da forma que pareça
melhor para garantir a Segurança e Felicidade (DECLARATION..., 1776).

Figura 70 – A representação de Thomas Jefferson,


grande redator da Declaração

136
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

A luta pela independência seria o próximo foco fundamental. Os colonos, já habituados com o
modelo de luta dos ingleses (por causa da Guerra dos Sete Anos), acreditavam serem capazes de obter
a vitória. Contudo, os conflitos não foram nada fáceis. Afinal, o poderio econômico inglês era muito
grande. Nesse sentido, foi de extrema importância o apoio logístico e militar da França, Espanha e
Holanda. Os conflitos e rivalidades europeias se mostraram extraordinariamente nessa hora e os sonhos
iluministas também. Um dos exemplos mais significativos disso foi a chegada de La Fayette, que se
mostrou um importante general e também canal de comunicação com a Coroa francesa; inclusive,
chegaram a assinar um acordo de aliança e comércio.

De qualquer forma, os combates ainda se mantiveram por um bom tempo. Somente pelo tratado
de Paris, em 1783, ficava reconhecida a independência dos Estados Unidos. Quando as tropas inglesas
deixaram o Novo Mundo, cantaram uma canção que era bastante emblemática: The World Turned Upside
Down (O mundo virou de cabeça para baixo). Sem dúvida, o fim do Antigo Regime estava anunciado. A
liberdade e o direito à igualdade estavam abertos.

Contudo, há uma ressalva fundamental a ser feita. Os americanos não promoveram a igualdade
de direitos com a revolução americana. Muito pelo contrário, a escravidão foi mantida em todos os
Estados, apesar de fortemente atacada ao longo de todo o processo de independência, tornando‑se
uma questão política. A contradição entre os princípios de liberdade proclamados e os fatos da vida
na América do Norte ficou, em termos gerais, reconhecida. Em 1776, foi proibido o tráfico de escravos,
porém a escravidão como instituição ainda não estava morta, nem mesmo no norte, de onde provinham
as principais críticas. A liberdade tão almejada, na verdade, não era para todos! Era exatamente a crítica
do contemporâneo pregador batista e panfletário John Allen, em seu sermão A prática iníqua e infame
de manter escravos africanos:

Envergonhai‑vos ó pretensos partidários da liberdade! Ó, patriotas fúteis!


Que estais alardeando vaidosamente serdes advogados das liberdades da
humanidade, que estais assim fazendo troça de vossa profissão ao passardes
por cima dos direitos naturais sagrados e dos privilégios dos africanos; pois
enquanto vós estais jejuando, orando, não importando, não exportando,
protestando, resolvendo e pleiteando uma restauração de vossos direitos
constitucionais, vós ao mesmo tempo estais continuando essa prática ilegal,
cruel, desumana e abominável de escravizar vosso semelhantes[...] (apud
BAILYN, 2003, p. 223).

Dessa maneira, fica evidente que a revolução americana foi, acima de tudo, um movimento político.
Nem todos os homens eram realmente vistos como iguais e com direito à liberdade. Quase um século
seria necessário para o fim completo da escravidão e só após um grande conflito civil. E, mesmo assim,
os negros ainda tiveram que lutar por mais uma centúria de anos para alcançar a igualdade de direitos.

Apesar disso, a revolução americana foi de enorme impacto para as relações políticas. Tornaram‑se
rapidamente um modelo para a luta contra a opressão. Mais do que isso, instituíram um sistema capaz
de garantir suas relações econômicas e combater o autoritarismo. Isso foi possível a partir da criação
de uma República Presidencialista. O principal benefício do voto era a garantia de que um governo
137
Unidade II

ruim teria fim em poucos anos. Ou seja, a necessidade da eleição impediria a propagação de qualquer
governo com linhas absolutistas. Tal perspectiva era também apoiada pela decisão de criar um sistema
tripartido de governo, nos moldes propostos por Montesquieu. Por fim, o federalismo foi a garantia de
unidade mesmo com a diversidade tão grande entre os sistemas do Norte e Sul.

Saiba mais

Para entender as relações ideológicas da revolução americana, o livro de


Bernard Bailyn é fantástico:

BAILYN, B. As origens ideológicas da Revolução Americana. Tradução de


Cleide Rapucci. Bauru, SP: Edusc, 2003.

Há de se destacar também a excelente produção da série sobre a vida


e os ideais revolucionários americanos na pessoa de John Adams – um
dos pais da revolução. Há uma ampla discussão sobre o seu conceito de
liberdade. Imperdível:

JOHN Adams. Dir.: Tom Hooper. Série HBO Films e Playtone. 7 capítulos. 2008.

O movimento mais radical e revolucionário da América, sem dúvida, foi a independência do Haiti
(anteriormente chamada de Saint‑Domingue), que se constituiu na outra grande influência para o
processo de emancipação da América Latina. Entender suas especificidades e relações trazem à tona
mais um dos elementos que caracterizam a derrocada completa do antigo sistema colonial.

O Haiti era a colônia francesa mais rica e, provavelmente, no fim do século XVIII, a mais lucrativa
para as metrópoles europeias. O açúcar tinha um enorme e constante mercado. Ao mesmo tempo, as
relações da plantation, como vimos, atingiram uma exploração gigantesca. Cerca de 80% da população
era formada por esses trabalhadores. Daí uma relação importante: a desigualdade era extrema, em
proporções ainda maiores que do restante da América Latina.

Rebeliões de escravos já existiam. Vários movimentos eclodiam por melhores condições. Contudo,
a elite branca, os grand blancs, sempre conseguia acalmar as coisas e manter a estrutura social e
econômica. Os grand blancs eram os detentores de quase toda riqueza do território. Apesar disso,
tinham alguns atritos com os comerciantes pelo preço dos cativos que, devido à exploração do trabalho,
continuamente precisavam ser substituídos. Existia ainda um grupo intermediário formado por brancos
que exerciam atividades complementares ao sistema da plantation ou mesmo libertos. Por fim, existia
a massa escrava.

O estopim para a grande insurreição local foram os acontecimentos semelhantes na metrópole.


Na verdade, as relações locais acompanharam, em dada medida, as transformações promovidas pela
revolução francesa. Como apresenta Leandro G. Fontella e Elisabeth W. Medeiros (2007), já na Assembleia

138
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

dos Estados Gerais, no início do movimento da França, tanto os grand blancs como os affranchis
(libertos) buscaram representar seus interesses. Os primeiros desejavam maior autonomia e os demais
acreditavam ser possível conseguir a igualdade de direitos; todavia, ninguém discutia a possibilidade da
abolição da escravidão.

Em 1791, surgiu mais uma das rebeliões de escravos. Todavia, essa atingia proporções consideráveis
e ainda era apoiada pelos quilombolas. A metrópole, envolvida nas questões revolucionárias internas,
deixava que os livres pudessem acabar com mais essa insurreição. Para isso, dava direitos aos mulatos
livres apesar da grande preocupação dos brancos, que temiam perder seus privilégios. A ideia era criar
uma unidade entre estes e os brancos contra os cativos, garantindo, assim, a manutenção do sistema
escravista.

Contudo, quando o movimento francês ganhou ainda mais força, os países europeus se uniram para
derrotá‑lo. Assim, mais uma vez, as questões políticas do Velho Mundo influenciam decisivamente o
Novo Mundo. Espanhóis do outro lado da ilha, apoiados por ingleses, atacaram os franceses do Haiti,
unindo‑se aos revoltosos escravos contra os inimigos em comum. Um dos combatentes do lado espanhol
era Toussaint Louverture. Já na fase popular da revolução francesa, em torno de um amplo projeto de
mudanças, em 1794, a escravidão foi abolida. Toussaint Louverture, frente ao novo quadro, decidiu
mudar de lado e conquistou importantes vitórias.

Figura 71 – O grande líder Toussaint Louverture. Repare que a sua posição e forma de guerra
são estabelecidos pelo estilo europeu, quase como a representação de Napoleão Bonaparte

Em 1795, já na contrarrevolução burguesa, com o tratado da Basileia, os espanhóis receberam


territórios na Europa e cederam aos franceses toda a ilha La Hispaniola. Logo, os franceses ainda
levantaram um último suspiro pelo retorno da plantation: devolviam o escravismo para as áreas coloniais.
Louverture respondeu, em 1801, com a declaração de independência da ilha. Era garantida também a
total abolição da escravidão.

139
Unidade II

Os franceses, por sua vez, já em pleno desenvolvimento, com Napoleão no poder, queriam promover
as mais importantes atividades econômicas que a burguesia desejava. Assim, decidiram reconquistar a
ilha. Um forte contingente militar foi enviado para o Haiti. Mesmo após tantos anos de luta, Toussaint
Louverture tentou resistir, mas não foi possível. Preso, foi enviado para a França e lá morreu em 1803.

Contudo, os ideais de liberdade estavam suficientemente fortes na ilha para manter a chama da luta
acesa. Jean Jacques Dessalines assumiu a liderança. Ele contava com o apoio de ingleses (grandes rivais de
Napoleão) e dos norte‑ americanos (interessados no trato mercantil com a região). O novo líder, ao lado de
outras figuras importantes, como Alexandre Pétion e Henri Christophe, conseguiram importantes vitórias
a ponto de, no primeiro dia do ano de 1804, declararem a completa independência do Haiti.

O caráter dessa liberdade foi singular: o movimento social tomou conotações políticas. Ou seja, ao
mesmo tempo em que conseguiram extirpar a escravidão, também adquiriram a independência política.
Assim, era um modelo que alterava completamente o status quo, ou seja, a estrutura social existente.
Era completamente uma revolução.

É claro que esse tipo de movimento não era bem visto pelas elites. A ideia de ver um processo igual
a esse em outros países trazia enorme temor. Isso era refletido no receio de que tais acontecimentos
pudessem se tornar um modelo para rebeliões escravas, trazendo esperança da liberdade e da destruição
da ordem vigente.

Não é à toa, portanto, que esse processo representava tudo que as elites não desejavam para a
América Latina. Mas, enfim, como a revolução americana e a haitiana influenciaram a derrocada do
Antigo Sistema Colonial?

Por um lado, a independência dos EUA foi o grande modelo. Como argumenta John Lynch:

O comércio dos Estados Unidos com a América espanhola constituiu um


canal não só para a importação de mercadorias e serviços, mas também
de livros e de ideias. Cópias da Constituição Federal e da Declaração de
Independência, traduzidas para o espanhol, foram trazidas para a região
por comerciantes norte‑americanos, cujas ideias liberais coincidiam com seu
interesse no crescimento de um mercado livre de monopólios. Depois de
1810, os hipano‑americanos, em sua busca dos direitos à vida, à liberdade
e à felicidade, tentariam orientar‑se pela experiência republicana de seus
vizinhos ao norte. As constituições da Venezuela, do México e demais países
seriam profundamente inspiradas na dos Estados Unidos, e muitos dos
novos líderes – embora não Bolívar – seriam profundamente influenciados
pelo federalismo norte‑americano (LYNCH, 2009, p. 67).

Por outro lado, o processo haitiano era tudo que as elites não desejavam:

Para a América espanhola o Haiti foi um exemplo e uma advertência,


observado com crescente horror tanto por governantes quanto por
140
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

governados. Os criollos podiam ver agora qual seria o resultado da perda


de unidade na metrópole, da perda da calma pelas autoridades e da perda
do controle pela classe governante colonial. O Haiti representava não
apenas a independência mas também a revolução, não apenas a liberdade
mas também a igualdade. O novo regime exterminou sistematicamente os
brancos que restaram e impediu que qualquer indivíduo de raça branca
voltasse a ter algum tipo de propriedade; reconheceu como haitiano todo
branco e mulato de ascendência africana e nascido em outras colônias, livre
ou escravo, os quais eram convidados a desertar; também declarou guerra
ao tráfico de escravos. Com a adoção dessas políticas sociais e raciais,
o Haiti foi estigmatizado como inimigo de todos os regimes coloniais e
escravistas das Américas, os quais tomaram medidas imediatas para se
proteger (LYNCH, 2009, p. 69).

O quadro que se estabeleceu era de amplas condições para a propagação dos ideais de liberdade.
Já um amplo conjunto de revoltas locais era visto quando as ações na crise do antigo sistema colonial,
relacionadas às reformas borbónicas, escancaravam as diferentes visões acerca das expropriações
promovidas pelos colonizadores. Ao mesmo tempo, uma nova estrutura abria caminho com as próprias
determinações de um capitalismo industrial, relacionadas, inclusive, com as aspirações iluministas,
fomentando o liberalismo e a ascensão completa dos interesses das elites locais. Era a época das
revoluções burguesas e seus desdobramentos. Um novo capítulo da América estava por vir.

Resumo

Os europeus, em suas relações estabelecidas na época moderna, criaram


uma ampla estrutura chamada, em seu conjunto, de Antigo Regime. A base
central era a concentração de poder nas mãos do monarca que recentemente
unificara o seu poderio. Tal perspectiva atendia aos interesses da burguesia
e também do rei. O absolutismo político garantiria o desenvolvimento das
atividades comerciais do país. O capitalismo comercial, que já se tornara o
sistema preponderante, era todo estruturado a partir de trocas vantajosas
dentro da prática do mercantilismo. A grande visão de riqueza era o acúmulo
de ouro e prata, conhecido como metalismo. Para atingir tal objetivo, as
instruções econômicas, baseadas no intervencionismo estatal, formulavam
ações para a criação de uma balança de comércio favorável. Importar
o mínimo e exportar o máximo era a condição básica para aumentar a
riqueza. Daí diversas medidas restritivas do lado da chegada de produtos.
Como forma de promover a exportação, garantindo o acúmulo primitivo de
capitais para a metrópole, foi criado o antigo sistema colonial.

A colônia, subordinada e submissa aos interesses metropolitanos,


deveria ter uma economia complementar à europeia para garantir o lucro
das potências colonizadoras.
141
Unidade II

Claro que esse processo variou de acordo com as características


específicas de cada região do Novo Mundo. De qualquer forma, essa era a
estrutura que definia a regra para as relações estabelecidas na América – e
promovia a riqueza para a burguesia europeia.

O rei, dessa forma, equilibrava seu poder com o desenvolvimento econômico


burguês e com a garantia de privilégios à nobreza, então domesticada
e parasitária na Corte. Ainda era vista ali uma sociedade estamental. O
pensamento predominante também era mantido pelo clericalismo.

Na prática, as chamadas colônias de exploração foram desenvolvidas


na América Latina e tiveram como auge o sistema da plantation promovido
no Caribe. No caso espanhol, a colonização foi concentrada, sobretudo,
nas áreas mais importantes dos impérios pré‑colombianos e, aproveitando
a estrutura local, como o uso da mão de obra compulsória dos indígenas
e a extração das minas. Isso não impedia, contudo, a proliferação de uma
elite local, os criollos, segregada dos cargos administrativos pelo simples
fato de terem nascido no Novo Mundo, mas que, em pouco tempo, se
tornaram bastante enriquecidos. Ao mesmo tempo, o sistema trazia
também o avanço da agricultura, da pecuária e de novas relações sociais
e econômicas. O Caribe teve sua colonização tardia, mesmo tendo sido
o primeiro local de chegada dos espanhóis; essa condição serviu apenas,
em boa medida, para extirpar a população ameríndia dali. A produção de
gêneros tropicais, sobretudo do açúcar, gerou a implantação de um sistema
altamente exploratório relacionado ao uso da escravidão africana de
proporções enormes: chegavam a somar mais de 80% da população.

Contudo, nem todas as áreas do Novo Mundo propiciaram a implantação


de atividades rentáveis para a metrópole europeia. Esse foi o caso da
América do Norte. O norte das Treze Colônias inglesas, de clima temperado,
desfrutou de uma colonização consideravelmente diferente, em toda a
sua estrutura, tradicionalmente chamada de povoamento. Diversos grupos
de refugiados religiosos passaram a ver ali a esperança de fundar uma
nova pátria, com liberdade. Na realidade, os olhos da Coroa inglesa não
se interessaram em gerir diretamente as relações que se estabeleciam ali.
Isso criou estruturas bastante distintas, incluindo, a autonomia de certas
decisões e a liberdade de comércio.

O século XVIII, por sua vez, alterou todas as bases modernas, pois a
Europa passou por profundas transformações. A Revolução industrial
trazia à tona um novo sistema capitalista: baseado no valor da produção.
A produtividade alcançava níveis impressionantes e promovia os valores do
liberalismo. No bojo desse processo, a filosofia racionalista dos “homens das
luzes” criticava toda a estrutura do Antigo Regime, em torno da ascensão,
142
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

então bastante evidente e consolidada, da burguesia. O poder absolutista


não era mais justificado e os privilégios da nobreza profundamente
combatidos, e da mesma maneira o continuísmo do intervencionismo
estatal. Estas ideias geravam a crise do antigo sistema colonial.

As coroas ibéricas ainda tentaram um último suspiro de arrocho colonial


com as medidas do reformismo ilustrado. Obtiveram um sucesso parcial,
temporário, já que serviram, em contrapartida, para revelar a acentuada
divergência de interesses entre os dois lados do Atlântico. Assim, as revoltas
proliferam, cada vez mais.

Mais do que isso, o final desse marco é justamente o nascimento de


modelos capazes de influenciar todo o continente. Quando a coroa britânica
tentou alterar as bases estruturais da colonização da América do Norte,
aqueles que já haviam desfrutado do gosto da liberdade não aceitaram
perdê‑la. Com isso, surgiu a primeira colônia independente; o modelo da
esperança da liberdade entre todos os países da América, inclusive, por ter
sido um processo de elite que não alterou as relações sociais e econômicas.
Do outro lado, o modelo visto como negativo, foi a revolução de escravos
bem‑sucedida no Caribe. Ali, o movimento assumiu valores totais de
transformação. Era tudo o que as elites locais jamais desejavam no restante
da América e na construção dos Estados Nacionais.

Exercícios

Questão 1 (Enade 2005) Com relação às lutas pela independência nas Américas portuguesa e
espanhola, as quais, apesar de visarem os mesmos objetivos, apresentaram um desenrolar em que se
verificaram semelhanças e diferenças importantes, é correto afirmar que:

A) a longa guerra nas duas Américas foi financiada essencialmente por capitalistas britânicos.

B) os comerciantes e os grandes proprietários de terra colocaram-se firmemente ao lado da metrópole.

C) a evidencia da neutralidade da Igreja diante da independência reside na ausência de participação


de padres nas lutas.

D) a abolição da escravidão negra era proposta comum e apenas não se efetivou imediatamente no
Brasil.

E) a participação popular foi mais intensa nas colônias espanholas como, por exemplo, no México.

Resposta correta: alternativa E.

143
Unidade II

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: apesar de alguns episódios pontuais, principalmente no nordeste, a Independência na


América Portuguesa ocorreu de forma razoavelmente pacífica.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: pelo contrário, uma vez que em ambos os casos houve uma tentativa de “recolonização”
por parte das metrópoles. Isso afetaria duramente os interesses de tais grupos, já acostumados com uma
maior liberdade econômica em virtude da conjuntura histórica.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: houve um conflito interno na Igreja, uma vez que o Alto Clero apoiava as metrópoles e o
Baixo Clero apoiava as independências. Muitos padres pegaram em armas, lutando a favor da libertação
da América.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a abolição da escravidão não era consensual e era defendida apenas por setores
republicanos mais radicais.

E) Alternativa correta.

Justificativa: mesmo sendo utilizada como massa de manobra pelos grandes caudilhos, a participação
popular na América Espanhola foi mais intensa que no Brasil, onde o processo ocorreu exclusivamente
pela mão da elite agrária.

Questão 2 (Enade 2011) Desde o princípio, os enfrentamentos políticos e militares que se produziram
motivados pela independência das nações latinoamericanas foram uma questão que afetou a todo
o sistema europeu e atlântico de que as colônias espanholas e portuguesas faziam parte. Porém,
isso não constituía nenhuma novidade. Desde o século XVI, as fabulosas riquezas das Indias haviam
provocado a inveja de todas as outras nações europeias, as quais intentaram obter vantagens e opor-
se a qualquer avanço da posição de seus rivais na América. No século XVIII, o Pacto de Família firmado
entre as monarquias bourbônicas de Espanha e França significou uma ameaça para a Grã-Bretanha.
No entanto, os ingleses encontraram uma saída ao praticar um extenso comércio clandestino com a
América espanhola, mas não intentaram anexar a seu império nenhuma das colônias espanholas mais
importantes.
Fonte: WADDELL, D. A. G. La política internacional y la independencia latinoamericana. In: BETHELL, L. (Org.). Historia de America
Latina. La independência. Trad.Espanhola Ángels Solá. Barcelona: Editorial Crítica, 1991. p. 209.

144
HISTÓRIA DA AMÉRICA COLONIAL

Considerando o sistema europeu e atlântico no período aludido no trecho acima, analise as


afirmações que se seguem:

I. Nas contendas políticas entre Espanha e França, a Inglaterra apoiou a França, vindo a exercer um
papel direto e efetivo nas lutas das colônias espanholas contra a metrópole, desembarcando na América
grandes tropas militares. Esse aspecto desencadeou uma guerra entre Inglaterra e Espanha.

II. Os Estados Unidos, no início do século XIX, não foram afetados pela política napoleônica que
interferia no mercado atlântico. Este fato motivou a jovem nação a não buscar proveito no rompimento
dos laços coloniais hispanoamericanos, reforçando o pujante comércio que possuía com a Inglaterra e
com a França.

III. Embora existisse a política de neutralidade inglesa com relação aos processos de independências
da maioria das colônias hispano-americanas, nas disputas entre o Texas e os Estados Unidos, a Grã-
Bretanha apoiou a república do Texas, uma vez que esta havia se separado do México em 1836.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I.

B) II.

C) III.

D) I e II.

E) II e III.

Resolução desta questão na plataforma.

145
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 2

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 3

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 4

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 5

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 6

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 7

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 8

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 9

Grupo Unip‑Objetivo.

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Figura 11

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 12

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Figura 14

Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 16

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Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 20

Grupo Unip‑Objetivo.

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Figura 22

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 23

Grupo Unip‑Objetivo.

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Figura 25

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 26

Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 28

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Figura 29

Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 32

Grupo Unip‑Objetivo.

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Figura 33

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 34

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 35

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 36

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 37

Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 51

Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

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Figura 55

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Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 60

Grupo Unip‑Objetivo.

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Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 63

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Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 65

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Figura 66

Grupo Unip‑Objetivo.

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Figura 68

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 69

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 70

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 71

Grupo Unip‑Objetivo.

REFERÊNCIAS

Audiovisuais

1492: a conquista do paraíso. Direção: Ridley Scott. Estados Unidos: Paramount Pictures, 1992. 155
min.

APOCALYPTO. Direção: Mel Gibson. Estados Unidos: 2006. 139 minutos.

ELIZABETH: a era de ouro. Direção: Shekhar Kapur. Reino Unido, 2007. 114 min.

JOHN Adams. Dir.: Tom Hooper. Série HBO Films e Playtone. 7 capítulos. 2008.

Textuais

ALMEIDA, A. M. Saberes e práticas de ciência no Portugal dos descobrimentos. In: TENGARRINHA, J.


(Org.). História de Portugal. Bauru, São Paulo: Edusc/Unesp, 2000. cap. 5.

BARBOZA FILHO, R. Tradição e Artifício. Iberismo e Barroco na formação americana. Belo Horizonte/Rio
de Janeiro: UFMG/Iuperj, 2000.
152
BAILYN, B. As origens ideológicas da Revolução Americana. Tradução de Cleide Rapucci. Bauru, SP:
Edusc, 2003.

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(1721‑1735): uma análise sobre suas apropriações e abordagens historiográficas. Tempos Históricos,
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154
Exercícios

Unidade I – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2011: História. Questão 17.
Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/provas/2011/HISTORIA.pdf>.
Acesso em: 12 mar. 2015.

Unidade I – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2005: História. Questão 25.
Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/enade/2005/provas/HISTORIA.pdf>. Acesso em:
12 mar. 2015.

Unidade II – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2005: História. Questão 27.
Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/enade/2005/provas/HISTORIA.pdf>. Acesso em:
12 mar. 2015.

Unidade II – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2011: História. Questão 10.
Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/provas/2011/HISTORIA.pdf>.
Acesso em: 12 mar. 2015.

155
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158
159
160
Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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