Você está na página 1de 11

Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão Conselho Especial

Processo N. DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 0705557-57.2020.8.07.0000

AUTOR(S) ASSOCIACAO BRASILEIRA DE SHOPPING CENTERS ABRASCE

REU(S) CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL


Relator Desembargador JAMES EDUARDO OLIVEIRA

Acórdão Nº 1660098

EMENTA

DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


DISTRITAL 6.236/2018. PREÇO DE ESTACIONAMENTO PRIVADO. DIREITO CIVIL.
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EXCLUSIVA DA UNIÃO. INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL RECONHECIDA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA E DA
LIVRE CONCORRÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL RECONHECIDA.

I. Ao evocar a regência normativa da Constituição Federal, o artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito


Federal incorpora ao seu conteúdo material, pela técnica remissiva, as normas da Constituição da
República que dispõem sobre a distribuição da competência legislativa entre os entes federados, as
quais, de resto, são de caráter nacional e de reprodução obrigatória, nos termos dos artigos 25, § 1º, e
32, § 1º, da Constituição Federal.

II. Dispondo sobre “tarifas nos estacionamentos privados de shoppings, centros comerciais ou
estabelecimentos similares no Distrito Federal que tenham vagas exclusivas para motocicletas devem
ser reduzidas em relação às tarifas cobradas para automóveis”, a Lei Distrital 6.236/2018 transpôs a
competência legislativa exclusiva e concorrente que o artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito Federal,
por força da remissão à disciplina da Constituição de 1988, reconhece ao Distrito Federal.

III. Preço de estacionamento privado traduz matéria de Direito Civil afeta à competência legislativa
que o artigo 22, inciso I, da Constituição de 1988, confere privativamente à União.

IV. Ao estabelecer preço diferenciado para proprietários e usuários de motocicletas em estacionamento


particular, a Lei Distrital 6.236/2018, além de usurpar a competência privativa da União para legislar
sobre Direito Civil, terminou por violar os primados da livre iniciativa e da livre concorrência
consagradas nos artigos 2º, inciso IV, e 158, inciso IV, da Lei Orgânica do Distrito Federal.

V. Salvo em situações excepcionais, interferência do Estado na fixação de preço eminentemente


privado viola os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência que a Lei Orgânica do Distrito
Federal, na esteira da Constituição de 1988, consagra como essenciais à ordem econômica.
VI. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade formal e material da Lei Distrital
6.236/2018 com efeitos ex tunc e eficácia erga omnes.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e dos Territórios, JAMES EDUARDO OLIVEIRA - Relator, CESAR LOYOLA - 1º Vogal,
SANDOVAL OLIVEIRA - 2º Vogal, ESDRAS NEVES - 3º Vogal, GISLENE PINHEIRO - 4º Vogal,
ANA CANTARINO - 5º Vogal, DIAULAS COSTA RIBEIRO - 6º Vogal, ROMEU GONZAGA
NEIVA - 7º Vogal, SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS - 8º Vogal, WALDIR LEÔNCIO LOPES
JÚNIOR - 9º Vogal, J. J. COSTA CARVALHO - 10º Vogal, ANA MARIA AMARANTE - 11º Vogal,
JAIR SOARES - 12º Vogal, VERA ANDRIGHI - 13º Vogal, ROBERVAL CASEMIRO BELINATI -
14º Vogal, LEILA ARLANCH - 15º Vogal, MARIA DE LOURDES ABREU - 16º Vogal e ANGELO
PASSARELI - 17º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador ANGELO PASSARELI, em
proferir a seguinte decisão: Admitida. Julgado procedente o pedido para declarar formal e
materialmente inconstitucional a Lei Distrital nº 6326/2018 com a alteração promovida pela Lei
Distrital nº 6513/2020, com efeitos "ex tunc" e eficácia "erga omnes". Unânime., de acordo com a ata
do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 31 de Janeiro de 2023

Desembargador JAMES EDUARDO OLIVEIRA


Relator

RELATÓRIO

Trata-se de AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ajuizada pela ASSOCIAÇÃO


BRASILEIRA DE SHOPPING CENTERS - ABRASCE que tem por objeto a declaração de
inconstitucionalidade da Lei Distrital 6.236/2018, alterada pela Lei Distrital 6.513/2020, que tem o
seguinte teor:

“O Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal promulga, nos termos do § 6° do art. 74 da


Lei Orgânica do Distrito Federal, a seguinte Lei, oriunda de Projeto vetado pelo Governador do
Distrito Federal e mantido pela Câmara Legislativa do Distrito Federal:

Art. 1º As tarifas nos estacionamentos privados de shoppings, centros comerciais ou estabelecimentos


similares no Distrito Federal que tenham vagas exclusivas para motocicletas devem ser reduzidas em
relação às tarifas cobradas para automóveis.
§ 1º Inexistindo, nos estabelecimentos mencionados no caput, vagas exclusivas para motocicletas, o
estacionamento destes veículos é realizado em qualquer vaga demarcada.

§ 2º A redução de preço de que trata o caput é de no mínimo 50% por cento em relação aos preços
fixados para o estacionamento dos automóveis.

§ 3º Os valores das tarifas cobradas devem ser afixados em local de grande visibilidade, na entrada do
estacionamento.

Art. 2º O descumprimento do estabelecido no art. 1º, §§ 2º e 3º, acarreta multa de R$ 500,00 por
infração.

Parágrafo único. A multa estabelecida no caput é reajustada anualmente pelo índice da inflação oficial.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.”

A Autora sustenta que a lei padece de inconstitucionalidade formal porque viola a competência
privativa da União para legislar sobre Direito Civil prevista no artigo 22, inciso I, da Constituição
Federal, e no artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito Federal.

Salienta que, ainda que se entenda que a matéria versa sobre Direito do Consumidor, cuja competência
legislativa é concorrente, a lei não regula questão de interesse local.

Afirma que a norma também é materialmente inconstitucional porque viola o exercício das
prerrogativas inerentes à propriedade privada, ofende a livre iniciativa e a livre concorrência e
desrespeita os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (artigos 1º, caput, 2º, inciso IV, e
158, incisos II e IV, da Lei Orgânica do Distrito Federal, e artigos 1º, inciso IV, 5º, incisos XXII,
XXIV e LIV, e 170, inciso II, da Constituição Federal).

Requer a concessão de medida liminar para suspender os efeitos da Lei Distrital 6.236/2018 (com a
alterações da Lei Distrital 6.513/2020), com eficácia retroativa. No mérito, pugna pela declaração de
inconstitucionalidade total da lei.

A medida cautelar foi deferida para suspender com efeitos ex nunc a Lei Distrital 6.236/2018, com a
alteração dada pela Lei Distrital 6.513/2020 (fls. 1/24 ID 19979186).

A MESA DIRETORA DA CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL apresentou


informações argumentando que a Lei Distrital 6.236/2018 não invadiu a competência legislativa da
União e foi editada à falta de lei federal no exercício da competência legislativa plena.

Alega que a norma impugnada não inova nem viola a disciplina do direito de propriedade.

Afirma que a lei não viola os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, ao se dirigir
indistintamente a todos os shopping centers, centros comerciais ou estabelecimentos similares do
Distrito Federal.

Destaca que motocicletas são veículos de pequeno porte e que ocupam pequenos espaço em
estacionamentos, de modo que a cobrança equânime e indistinta pelo uso desses espaços com os
veículos de médio porte se mostra desproporcional e irrazoável.

Conclui que a lei atacada se mostra compatível com a Lei Orgânica do Distrito Federal e a Constituição
Federal.

Pugna pela improcedência do pedido formulado na petição inicial com a consequente revogação da
liminar.

A Procuradoria-Geral do Distrito Federal manifesta-se pela procedência dos pedidos iniciais,


defendendo que a norma viola a competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil, ao
limitar as faculdades da propriedade privada.

Acrescenta que incumbe ao Distrito Federal observar o quadro de distribuição de competências


legislativas delineadas na Constituição da República, nos termos do artigo 14 da Lei Orgânica do
Distrito Federal.

Ressalta que a declaração de inconstitucionalidade pleiteada está respaldada em farta jurisprudência do


Supremo Tribunal Federal que rechaça leis distritais e estaduais que instituem políticas tarifárias
especiais para estacionamentos privados.

O Ministério Público do Distrito Federal opina pela procedência do pedido, afirmando que a Lei
Distrital 6.236/2018 usurpa competência prova da União para legislar sobre direito civil e afronta o
princípio da livre iniciativa, na medida em que interfere no parâmetro de formação do preço cobrados
por estabelecimentos privados.

É o relatório.

Envie-se cópia do relatório e inclua-se em pauta na forma do artigo 143 do Regimento Interno.

VOTOS

O Senhor Desembargador JAMES EDUARDO OLIVEIRA - Relator

A lei impugnada é formal e materialmente inconstitucional.

De acordo com o artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito Federal, abaixo reproduzido, a competência
legislativa do Distrito Federal é estabelecida e limitada pela Constituição de 1988:

Art. 14. Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e
Municípios, cabendo-lhe exercer, em seu território, todas as competências que não lhe sejam vedadas
pela Constituição Federal.

Ao evocar a regência normativa da Constituição Federal, o artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito


Federal incorpora ao seu conteúdo material, pela técnica remissiva, as normas da Constituição da
República que dispõem sobre a distribuição da competência legislativa entre os entes federados.

Normas constitucionais sobre competência legislativa, de resto, são de caráter nacional e de


reprodução obrigatória nos diplomas constitucionais estaduais e distrital, nos termos dos artigos 25, §
1º, e 32, § 1º, da Constituição Federal:

“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os
princípios desta Constituição.

§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.

(...)

Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em
dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que
a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e


Municípios.”

Dispondo sobre “tarifas nos estacionamentos privados de shoppings, centros comerciais ou


estabelecimentos similares no Distrito Federal que tenham vagas exclusivas para motocicletas devem
ser reduzidas em relação às tarifas cobradas para automóveis”, a Lei Distrital 6.236/2018 transpôs a
competência legislativa exclusiva e concorrente que o artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito Federal,
por força da remissão à disciplina da Constituição de 1988, reconhece ao Distrito Federal.

Com efeito, “tarifa de estacionamento” não se enquadra nas matérias de competência legislativa
concorrente dos Estados-membros nem nas matérias reservadas à competência legislativa exclusiva
dos Municípios dispostas nos artigos 24 e 30 da Constituição Federal. Diz respeito a temática de
Direito Civil que está adstrita à competência legislativa da União, segundo o artigo 22, inciso I, in
verbis:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do
trabalho;”

Nesse contexto, a Lei Distrital 6.236/2018, ao estabelecer preço diferenciado para proprietários e
usuários de motocicletas pelo uso de vaga em estacionamento particular, usurpou a competência
privativa da União para legislar sobre Direito Civil, especificamente no que diz respeito a relação
contratual para o uso da propriedade privada.

Nesse sentido vem decidindo reiteradamente o Supremo Tribunal Federal, como ilustram os seguintes
julgados:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO. DIREITO CONSTITUCIONAL E


ADMINISTRATIVO. LEI ESTADUAL. GRATUIDADE EM ESTACIONAMENTOS PRIVADOS.
MATÉRIA DE DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO.
ART. 22, I, DA LEI MAIOR. LEGITIMIDADE DA ASSOCIAÇÃO AUTORA. OMISSÃO. NÃO
OCORRÊNCIA. CARÁTER MERAMENTE INFRINGENTE. 1. Não se prestam os embargos de
declaração, não obstante a vocação democrática e a finalidade precípua de aperfeiçoamento da
prestação jurisdicional, para o reexame das questões de fato e de direito já apreciadas no acórdão
embargado. 2. O entendimento assinalado na decisão embargada espelha a jurisprudência deste
Supremo Tribunal, no sentido de que a regulação de preço de estacionamento privado é matéria de
direito civil, inserindo-se na competência legislativa privativa da União, descrita no art. 22, I, da Lei
Maior, bem como da legitimidade da Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE) para
propor ação direta de inconstitucionalidade questionando dispositivos do interesse e com impacto
direto na situação jurídica de setores dos shopping centers. 3. Ausência de omissão justificadora da
oposição de embargos declaratórios, nos termos do art. 1.022 do CPC, a evidenciar o caráter
meramente infringente da insurgência. 4. Embargos de declaração rejeitados. (RE 1325864 AgR-ED,
1ª T., rela. Mina. Rosa Weber, DJe 23/02/2022)”

“ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO – CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE


– PAPEL. Cumpre ao Advogado-Geral da União a defesa do ato normativo impugnado – artigo 103, §
3º, da Constituição Federal. COMPETÊNCIA NORMATIVA – DIREITO CIVIL. Cumpre à União
editar normas sobre direito civil, como é a relativa à tarifa de estacionamento privado em shoppings
centers. (ADI 6.075, Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, DJe 09/08/2021)”

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CIVIL. AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 148 E 149 DA LEI ESTADUAL 17.292/2017.
GRATUIDADE. ESTACIONAMENTO. VEÍCULOS UTILIZADOS POR PESSOAS
PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. PERÍODO MÍNIMO DE NOVENTA MINUTOS. AGRAVO A
QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que a
regulação de preço de estacionamento é matéria de direito civil, inserindo-se na competência privativa
da União para legislar (CF/88, art. 22, I). Precedentes. II – Agravo regimental a que se nega
provimento. (RE 1248614 AgR, 2ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 12/05/2020)”

“DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE


SEGURANÇA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL.
REGULAÇÃO DE ESTACIONAMENTO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO.
PRECEDENTES. RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. IMPOSIÇÃO DE MULTA.
1. O Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que a regulação de preço de estacionamento é
matéria de direito civil, inserindo-se na competência privativa da União para legislar (CF/88, art. 22,
I). Precedentes. (...) (RE 1162518 AgR, 1ª T., rel. Min. Roberto Barroso, DJe 14/03/2019)”

Irrecusável, portanto, a inconstitucionalidade formal da norma impugnada. na linha do que ensina


Bernardo Gonçalves Fernandes:

“No Brasil, a doutrina e a jurisprudência trabalham atualmente com três possíveis tipos de
inconstitucionalidade formal à luz de nosso ordenamento constitucional:

1. Inconstitucionalidade formal orgânica: envolve o descumprimento de regras de competência


previstas na CR/88 para a produção do ato. Como exemplo, podemos citar uma norma estadual
que venha legislar sobre direito penal e com isso descumprir o art. 22, I, da CR/88, que
estabelece ser matéria de competência privativa da união a legislação sobre direito penal.
Portanto, se uma Lei Estadual dispuser sobre essas matérias do art. 22, I (sem a necessária
delegação prevista no art. 22, parágrafo único) haverá, então, inconstitucionalidade formal
orgânica por descumprimento de regra de competência;”

Sob o prisma material, aLei Distrital 6.236/2018 representa categórica ofensa à livre iniciativa e à
livre concorrência consagradas nos artigos 2º, inciso IV, e 158, inciso IV, da Lei Orgânica do Distrito
Federal, como primados da ordem econômica, in verbis:

“Art. 2º O Distrito Federal integra a união indissolúvel da República Federativa do Brasil e tem como
valores fundamentais:

(...)

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

(...)

Art. 158. A ordem econômica do Distrito Federal, fundada no primado da valorização do trabalho e
das atividades produtivas, em cumprimento ao que estabelece a Constituição Federal, tem por fim
assegurar a todos existência digna, promover o desenvolvimento econômico com justiça social e a
melhoria da qualidade de vida, observados os seguintes princípios:

IV - livre concorrência;”

Intervenção estatal de tal modo pronunciada no domínio econômico termina por superar o espaço
regulatório e adentrar indevidamente na relação contratual entre estacionamentos privados de
shoppings, centros comerciais ou estabelecimentos similares no Distrito Federal e seus usuários.

Salvo em situações excepcionais, a interferência do Estado na fixação de preço eminentemente


privado viola os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência que a Lei Orgânica do Distrito
Federal, na esteira da Constituição de 1988, consagra como essenciais à ordem econômica, porquanto
retira da esfera particular a liberdade necessária para estabelecer o preço pelo uso de seu próprio
espaço no cenário concorrencial local.

Acerca do tema, vale colacionar os seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CIVIL. LEI


ESTADUAL 11.411/2019. DISPENSA DO PAGAMENTO DE ESTACIONAMENTO EM
SHOPPING CENTERS, MERCADOS E CENTROS COMERCIAIS. ESTABELECIMENTOS
PRIVADOS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. PRECEDENTES.
AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O Supremo Tribunal Federal
possui entendimento no sentido de que a regulação de preço de estacionamento é matéria de direito
civil, inserindo-se na competência privativa da União para legislar (art. 22, I, da Constituição Federal).
Inconstitucionalidade formal. II – A interferência do Estado na regulação de preço na espécie
configura violação do princípio da livre iniciativa (art. 170, caput, da CF). Inconstitucionalidade
material. III – Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 1.309.416 AgR, 2ª T., rel. Min.
Ricardo Lewandowski, DJe 30/03/2021)”
“Direito constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei distrital que regulou preço cobrado
por estacionamento. Inconstitucionalidade formal e material. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou
entendimento no sentido de que a regulação de preço de estacionamento é matéria de direito civil,
inserindo-se na competência privativa da União para legislar (CF/88, art. 22, I). Inconstitucionalidade
formal. Precedentes: ADI 4.862, rel. Min. Gilmar Mendes; AgR-RE 730.856, rel. Min Marco Aurélio;
ADI 1.623, rel. Min. Joaquim Barbosa. 2. Ressalva de entendimento pessoal do relator, no sentido de
que a regulação de preço na hipótese configura violação ao princípio da livre iniciativa (CF/88, art.
170). Inconstitucionalidade material. 3. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade
da norma. (ADI 4.008, Pleno, rel. Min. Roberto Barroso, DJe 15/12/2017)”

“CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE


COMPETÊNCIA. LEI 5.853/2017 DO DISTRITO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DE CONFERIR
ACRÉSCIMO DE 30 MINUTOS EM ESTACIONAMENTO, APÓS PAGAMENTO DA TARIFA.
COMPETÊNCIA DA UNIÃO EM MATÉRIA DE DIREITO CIVIL, RESSALVADO O
ENTENDIMENTO DESTE RELATOR (CF, ART. 22, I). DESPROPORCIONALIDADE DA
MEDIDA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA (ART. 170, CAPUT, DA CF).
INCONSTITUCIONALIDADES FORMAL E MATERIAL RECONHECIDAS. PROCEDÊNCIA. 1.
As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a
fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do
interesse. 2. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a
presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para
cada um dos entes federativos – União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios – e, a partir
dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF,
art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios (CF, arts.
24 e 30, inciso I). 3. A Lei 5.853/2017 do Distrito Federal, ao assegurar acréscimo de 30 minutos para
saída do estacionamento após o pagamento da tarifa, ressalvado entendimento pessoal, viola a
competência da União para legislar sobre Direito Civil (art. 22, I, CF). Precedentes. 4. Ademais, ao
estipular o acréscimo em questão, além de se mostrar desproporcional ao fim que se almeja, a lei em
análise interfere na dinâmica econômica da atividade empresarial, violando o princípio da livre
iniciativa (art. 170, caput, CF). 5. Ação Direta conhecida e julgada procedente. (ADI 5.792/DF, Pleno,
rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 30/10/2019)”

Conclui-se, assim, que a Lei Distrital 6.236/2018 está inquinada de inconstitucionalidade formal e
material, razão porque deve ser retirada do mundo jurídico local com efeitos retroativos à sua edição.

ISTO POSTO, julgo procedente o pedido para declarar formal e materialmente inconstitucional a Lei
Distrital 6.236/2018, com a alteração promovida pela Lei Distrital 6.513/2020, com efeitos ex tunc e
eficácia erga omnes,nos termos do artigo 8º, § 5º, da Lei 11.697/2008, do artigo 28, parágrafo único,
da Lei 9.868/1999, e do artigo 161, parágrafo único, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.

O Senhor Desembargador CESAR LOYOLA - 1º Vogal


Com o relator
O Senhor Desembargador SANDOVAL OLIVEIRA - 2º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador ESDRAS NEVES - 3º Vogal
Com o relator
A Senhora Desembargadora GISLENE PINHEIRO - 4º Vogal
Com o relator
A Senhora Desembargadora ANA CANTARINO - 5º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO - 6º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - 7º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS - 8º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR - 9º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador J. J. COSTA CARVALHO - 10º Vogal

Presentes os pressupostos legais pertinentes, admito a ação.

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelaASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE


SHOPPING CENTERS - ABRASCE com o escopo de impugnar a Lei nº 6.236/2018, alterada pela
Lei Distrital nº 6.513/2020, quedispõe sobre a cobrança de tarifa reduzida para motocicletas em
estacionamentos privados de shoppings, centros comerciais ou estabelecimentos similares no Distrito
Federal.

Sustenta a Autora nas razões que foram lançadas na petição inicial, em síntese, que a lei em referência
padece de vício de iniciativa, isso porque compete privativamente à União Federal legislar a respeito
do Direito Civil. Aduz, além disso, padecer o ato normativo hostilizado de
inconstitucionalidadematerial, na medida em que violaria o exercício das prerrogativas inerentes à
propriedade privada, ofendendo a livre iniciativa e a livre concorrência, ao tempo em que desrespeita
os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (artigos 1º, caput, 2º, inciso IV, e 158, incisos II
e IV, da Lei Orgânica do Distrito Federal, e artigos 1º, inciso IV, 5º, incisos XXII, XXIV e LIV, e
170, inciso II, da Constituição Federal).

Este, o breve relatório.

Conforme consta do julgamento nestes autos da medida cautelar,este egrégio Conselho Especial, de
forma unânime, considerou presentes os requisitos legais para suspender a Lei em comento, por
considerá-la inconstitucional, ainda que por um juízo de restrita delibação (ID 19979186), in verbis:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS. LEI DISTRITAL 6.236/2018. PREÇO DE ESTACIONAMENTO
PRIVADO. MATÉRIA RESERVADA À COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
EXCLUSIVA DA UNIÃO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VIOLAÇÃO
AOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA E DA LIVRE CONCORRÊNCIA.
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

I. De acordo com o artigo 125, § 2º, da Constituição Federal, e o artigo 8º, inciso I, alínea
‘n’, da Lei 11.697/2008, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios possui
competência para julgar ação direta de inconstitucionalidade de lei distrital em face da
Lei Orgânica do Distrito Federal, ainda que se trate de norma remissiva ou de reprodução
obrigatória da Constituição Federal.

II. Ao evocar a regência normativa da Constituição Federal, o artigo 14 da Lei Orgânica


do Distrito Federal incorpora ao seu conteúdo material, pela técnica remissiva, as normas
da Constituição da República que dispõem sobre a distribuição da competência legislativa
entre os entes federados, as quais, de resto, são de caráter nacional e de reprodução
obrigatória, nos termos dos artigos 25, § 1º, e 32, § 1º, da Constituição Federal.

III. Ao dispor sobre 'tarifasnos estacionamentos privados de shoppings, centros


comerciais ou estabelecimentos similares no Distrito Federal que tenham vagas
exclusivas para motocicletas devem ser reduzidas em relação às tarifas cobradas para
automóveis', aLei Distrital 6.236/2018 em princípio transpõe a competência legislativa
exclusiva e concorrente que o artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito Federal, por força da
remissão à disciplina da Constituição de 1988, reconhece ao Distrito Federal.

IV. Preço de estacionamento privado traduz matéria de Direito Civil e, portanto, não se
enquadra na competência legislativa concorrente dos Estados-membros nem na
competência legislativa exclusiva dos Municípios, consoante a inteligência do artigo 22,
inciso I, 24 e 30 da Constituição Federal.

V. Sob a perspectiva material, aparentemente a Lei Distrital 6.236/2018 vulnera alivre


iniciativae alivre concorrênciaconsagradas como primados daordem econômicapelos
artigos 2º, inciso IV, e 158, incisos IV, da Lei Orgânica do Distrito Federal.

VI. Medida cautelar deferida para suspender,ex nunc,os efeitos da Lei Distrital
6.236/2018".

A mesma conclusão deve ser sufragada no presente momento, quando este egrégio Conselho Especial
está a cuidar do julgamento definitivo da ação, até porque conforme anteriormente decidido, resta
clara e cristalina a interferência na temática de Direito Civil, matéria que está reservada à competência
privativa da União Federal para legislar sobre o assunto, consoante dispõe o artigo 22, I, da
Constituição Federal, in verbis:

"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,


espacial e do trabalho".

Outrossim, sob o aspecto material é merece destaque a conclusão explicitada pelo eminente Relator,
segundo a qual a Lei ofende o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, por interferir,
também, na gestão de instituições privadas. É preciso considerar, ainda, que a interferência do ente
Público deve dar-se de modo excepcional, sob pena de retirar da esfera privada a liberdade necessária
para estabelecer o preço pelo uso de seu próprio espaço no cenário concorrencial local.

Ante o exposto, sem mais delongas, julgo procedente o pedido e assim o faço para reconhecer e
proclamar a inconstitucionalidade da Lei aqui impugnada, com efeitos ex tunc e eficácia erga omnes,
acompanhando integralmente o douto voto proferido pelo eminente Relator.

É como voto.

A Senhora Desembargadora ANA MARIA AMARANTE - 11º Vogal


Com o relator
O Senhor Desembargador JAIR SOARES - 12º Vogal
Com o relator
A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI - 13º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - 14º Vogal
Com o relator
A Senhora Desembargadora LEILA ARLANCH - 15º Vogal
Com o relator
A Senhora Desembargadora MARIA DE LOURDES ABREU - 16º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador ANGELO PASSARELI - 17º Vogal
Com o relator

DECISÃO

Admitida. Julgado procedente o pedido para declarar formal e materialmente inconstitucional a Lei
Distrital nº 6326/2018 com a alteração promovida pela Lei Distrital nº 6513/2020, com efeitos "ex
tunc" e eficácia "erga omnes". Unânime.

Você também pode gostar