Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1660098
1660098
Acórdão Nº 1660098
EMENTA
II. Dispondo sobre “tarifas nos estacionamentos privados de shoppings, centros comerciais ou
estabelecimentos similares no Distrito Federal que tenham vagas exclusivas para motocicletas devem
ser reduzidas em relação às tarifas cobradas para automóveis”, a Lei Distrital 6.236/2018 transpôs a
competência legislativa exclusiva e concorrente que o artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito Federal,
por força da remissão à disciplina da Constituição de 1988, reconhece ao Distrito Federal.
III. Preço de estacionamento privado traduz matéria de Direito Civil afeta à competência legislativa
que o artigo 22, inciso I, da Constituição de 1988, confere privativamente à União.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
§ 2º A redução de preço de que trata o caput é de no mínimo 50% por cento em relação aos preços
fixados para o estacionamento dos automóveis.
§ 3º Os valores das tarifas cobradas devem ser afixados em local de grande visibilidade, na entrada do
estacionamento.
Art. 2º O descumprimento do estabelecido no art. 1º, §§ 2º e 3º, acarreta multa de R$ 500,00 por
infração.
Parágrafo único. A multa estabelecida no caput é reajustada anualmente pelo índice da inflação oficial.
A Autora sustenta que a lei padece de inconstitucionalidade formal porque viola a competência
privativa da União para legislar sobre Direito Civil prevista no artigo 22, inciso I, da Constituição
Federal, e no artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito Federal.
Salienta que, ainda que se entenda que a matéria versa sobre Direito do Consumidor, cuja competência
legislativa é concorrente, a lei não regula questão de interesse local.
Afirma que a norma também é materialmente inconstitucional porque viola o exercício das
prerrogativas inerentes à propriedade privada, ofende a livre iniciativa e a livre concorrência e
desrespeita os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (artigos 1º, caput, 2º, inciso IV, e
158, incisos II e IV, da Lei Orgânica do Distrito Federal, e artigos 1º, inciso IV, 5º, incisos XXII,
XXIV e LIV, e 170, inciso II, da Constituição Federal).
Requer a concessão de medida liminar para suspender os efeitos da Lei Distrital 6.236/2018 (com a
alterações da Lei Distrital 6.513/2020), com eficácia retroativa. No mérito, pugna pela declaração de
inconstitucionalidade total da lei.
A medida cautelar foi deferida para suspender com efeitos ex nunc a Lei Distrital 6.236/2018, com a
alteração dada pela Lei Distrital 6.513/2020 (fls. 1/24 ID 19979186).
Alega que a norma impugnada não inova nem viola a disciplina do direito de propriedade.
Afirma que a lei não viola os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, ao se dirigir
indistintamente a todos os shopping centers, centros comerciais ou estabelecimentos similares do
Distrito Federal.
Destaca que motocicletas são veículos de pequeno porte e que ocupam pequenos espaço em
estacionamentos, de modo que a cobrança equânime e indistinta pelo uso desses espaços com os
veículos de médio porte se mostra desproporcional e irrazoável.
Conclui que a lei atacada se mostra compatível com a Lei Orgânica do Distrito Federal e a Constituição
Federal.
Pugna pela improcedência do pedido formulado na petição inicial com a consequente revogação da
liminar.
O Ministério Público do Distrito Federal opina pela procedência do pedido, afirmando que a Lei
Distrital 6.236/2018 usurpa competência prova da União para legislar sobre direito civil e afronta o
princípio da livre iniciativa, na medida em que interfere no parâmetro de formação do preço cobrados
por estabelecimentos privados.
É o relatório.
Envie-se cópia do relatório e inclua-se em pauta na forma do artigo 143 do Regimento Interno.
VOTOS
De acordo com o artigo 14 da Lei Orgânica do Distrito Federal, abaixo reproduzido, a competência
legislativa do Distrito Federal é estabelecida e limitada pela Constituição de 1988:
Art. 14. Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e
Municípios, cabendo-lhe exercer, em seu território, todas as competências que não lhe sejam vedadas
pela Constituição Federal.
“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os
princípios desta Constituição.
§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
(...)
Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em
dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que
a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.
Com efeito, “tarifa de estacionamento” não se enquadra nas matérias de competência legislativa
concorrente dos Estados-membros nem nas matérias reservadas à competência legislativa exclusiva
dos Municípios dispostas nos artigos 24 e 30 da Constituição Federal. Diz respeito a temática de
Direito Civil que está adstrita à competência legislativa da União, segundo o artigo 22, inciso I, in
verbis:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do
trabalho;”
Nesse contexto, a Lei Distrital 6.236/2018, ao estabelecer preço diferenciado para proprietários e
usuários de motocicletas pelo uso de vaga em estacionamento particular, usurpou a competência
privativa da União para legislar sobre Direito Civil, especificamente no que diz respeito a relação
contratual para o uso da propriedade privada.
Nesse sentido vem decidindo reiteradamente o Supremo Tribunal Federal, como ilustram os seguintes
julgados:
“No Brasil, a doutrina e a jurisprudência trabalham atualmente com três possíveis tipos de
inconstitucionalidade formal à luz de nosso ordenamento constitucional:
Sob o prisma material, aLei Distrital 6.236/2018 representa categórica ofensa à livre iniciativa e à
livre concorrência consagradas nos artigos 2º, inciso IV, e 158, inciso IV, da Lei Orgânica do Distrito
Federal, como primados da ordem econômica, in verbis:
“Art. 2º O Distrito Federal integra a união indissolúvel da República Federativa do Brasil e tem como
valores fundamentais:
(...)
(...)
Art. 158. A ordem econômica do Distrito Federal, fundada no primado da valorização do trabalho e
das atividades produtivas, em cumprimento ao que estabelece a Constituição Federal, tem por fim
assegurar a todos existência digna, promover o desenvolvimento econômico com justiça social e a
melhoria da qualidade de vida, observados os seguintes princípios:
IV - livre concorrência;”
Intervenção estatal de tal modo pronunciada no domínio econômico termina por superar o espaço
regulatório e adentrar indevidamente na relação contratual entre estacionamentos privados de
shoppings, centros comerciais ou estabelecimentos similares no Distrito Federal e seus usuários.
Conclui-se, assim, que a Lei Distrital 6.236/2018 está inquinada de inconstitucionalidade formal e
material, razão porque deve ser retirada do mundo jurídico local com efeitos retroativos à sua edição.
ISTO POSTO, julgo procedente o pedido para declarar formal e materialmente inconstitucional a Lei
Distrital 6.236/2018, com a alteração promovida pela Lei Distrital 6.513/2020, com efeitos ex tunc e
eficácia erga omnes,nos termos do artigo 8º, § 5º, da Lei 11.697/2008, do artigo 28, parágrafo único,
da Lei 9.868/1999, e do artigo 161, parágrafo único, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.
Sustenta a Autora nas razões que foram lançadas na petição inicial, em síntese, que a lei em referência
padece de vício de iniciativa, isso porque compete privativamente à União Federal legislar a respeito
do Direito Civil. Aduz, além disso, padecer o ato normativo hostilizado de
inconstitucionalidadematerial, na medida em que violaria o exercício das prerrogativas inerentes à
propriedade privada, ofendendo a livre iniciativa e a livre concorrência, ao tempo em que desrespeita
os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (artigos 1º, caput, 2º, inciso IV, e 158, incisos II
e IV, da Lei Orgânica do Distrito Federal, e artigos 1º, inciso IV, 5º, incisos XXII, XXIV e LIV, e
170, inciso II, da Constituição Federal).
Conforme consta do julgamento nestes autos da medida cautelar,este egrégio Conselho Especial, de
forma unânime, considerou presentes os requisitos legais para suspender a Lei em comento, por
considerá-la inconstitucional, ainda que por um juízo de restrita delibação (ID 19979186), in verbis:
I. De acordo com o artigo 125, § 2º, da Constituição Federal, e o artigo 8º, inciso I, alínea
‘n’, da Lei 11.697/2008, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios possui
competência para julgar ação direta de inconstitucionalidade de lei distrital em face da
Lei Orgânica do Distrito Federal, ainda que se trate de norma remissiva ou de reprodução
obrigatória da Constituição Federal.
IV. Preço de estacionamento privado traduz matéria de Direito Civil e, portanto, não se
enquadra na competência legislativa concorrente dos Estados-membros nem na
competência legislativa exclusiva dos Municípios, consoante a inteligência do artigo 22,
inciso I, 24 e 30 da Constituição Federal.
VI. Medida cautelar deferida para suspender,ex nunc,os efeitos da Lei Distrital
6.236/2018".
A mesma conclusão deve ser sufragada no presente momento, quando este egrégio Conselho Especial
está a cuidar do julgamento definitivo da ação, até porque conforme anteriormente decidido, resta
clara e cristalina a interferência na temática de Direito Civil, matéria que está reservada à competência
privativa da União Federal para legislar sobre o assunto, consoante dispõe o artigo 22, I, da
Constituição Federal, in verbis:
Outrossim, sob o aspecto material é merece destaque a conclusão explicitada pelo eminente Relator,
segundo a qual a Lei ofende o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, por interferir,
também, na gestão de instituições privadas. É preciso considerar, ainda, que a interferência do ente
Público deve dar-se de modo excepcional, sob pena de retirar da esfera privada a liberdade necessária
para estabelecer o preço pelo uso de seu próprio espaço no cenário concorrencial local.
Ante o exposto, sem mais delongas, julgo procedente o pedido e assim o faço para reconhecer e
proclamar a inconstitucionalidade da Lei aqui impugnada, com efeitos ex tunc e eficácia erga omnes,
acompanhando integralmente o douto voto proferido pelo eminente Relator.
É como voto.
DECISÃO
Admitida. Julgado procedente o pedido para declarar formal e materialmente inconstitucional a Lei
Distrital nº 6326/2018 com a alteração promovida pela Lei Distrital nº 6513/2020, com efeitos "ex
tunc" e eficácia "erga omnes". Unânime.