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50 MEMÓRIA E VIDA A MEMÓRIA OU OS GRAUS COEXISTENTES DA DURAÇÃO 51

25. Diferença de natureza entre percepção e lembrança mentar. Mostramos isso num trabalho anterior. Tome uma
sensação intensa e faça-a decrescer progressivamente até
Quanto mais refletirmos, menos entenderemos como zero. Se entre a lembrança da sensação e a própria sen­
a lembrança poderia alguma vez surgir que não fosse crian­ sação houver apenas uma diferença de grau, � sensação
do-se conjuntamente com a própria percepção. Ou o pre­ irá se tomar lembrança- antes de se extinguir. E certo que
sente não deixa nenhum vestígio na memória, ou então chega um momento em que você não consegue mais di­
ele se desdobra a cada instante, em seu próprio jorramen­ zer se o que há é uma sensação fraca que você sente ou
to, em dois jatos simétricos, um dos quais cai para o passa­ uma sensação fraca que imagina, mas o estado fraco nun­
do ao passo que o outro se lança para o porvir. Este último, ca se torna a lembrança, mandada para o passado, do es­
que chamamos percepção, é o único que nos interessa. tado forte. Portanto, a lembrança é outra coisa.
Não temos o que fazer com a lembrança das coisas en­ A lembrança de urna sensação é coisa cap_az de su­
quanto temos as próprias coisas. A consciência descarta erir êssa sensação, ou se·a, de fazê-la renascer, fraca pri-
essa lembrança como inútil e a reflexão teórica a conside­ meiro, mais forte em segui a, cada vez mais forte a me_:_:;
ra inexistente. Assim nasce a ilusão de que a lembrança · êiida que a atençao se fixa mais nela. Mas a lembrança é
sucede à percepção. Cfilérente do estado que sugere e é precisamente porque
Mas essa ilusão tem outra fonte, ainda mais profunda. a sentimos por trás da sensação sugerida, como o hipno­
Provém de que a lembrança reavivada, consciente, tizador por trás da alucinação provocada, que localizamos
causa em nós a impressão de ser a própria percepção res- no passado a causa do que �entimos. A sensação, com
. suscitando sob uma forma mais modesta, e nada mais que efeito, é essencialmente atual e presente; mas a lembran­
essa percepção. Entre a percepção e a lembrança haveria ça, que a sugere do fundo do inconsciente de onde ela mal
uma diferença de intensidade ou de grau, mas não de na­ emerge, apresenta-se com esse poder sui generis de suges­
tureza. A percepção sendo definida como estado forte e a tão que é a marca do que não existe mais, do que ainda
lembrança como estado fraco, a lembrança de uma per­ queria ser. Mal a sugestão tocou a imaginação e a coisa
cepção só podendo então ser essa percepção enfraquecida, sugerida se desenha em estado nascente, e é por isso que
parece-nos que a memória, para registrar uma percepção é tão difícil distinguir entre uma sensação fraca que sen­
no inconsciente, tenha tido de esperar que a percepção se timos e uma sensação fraca que rememoramos sem da­
abrandasse em lembrança. É por isso que ach amos que a tá-la. Em nenhum grau, porém, a sugestão é o que ela
lembrança de uma percepção não poderia se criar com essa sugere, a lembrança pura de uma sensação ou de uma
percepção nem se desenvolver ao mesmo tempo que ela. percepção não é, em nenhum grau, a sensação ou a per­
Mas a tese que faz da percepção presente um estado cepção elas mesmas. Caso contrário, teremos de dizer que.
forte e da lembrança reavivada um estado fraco, que afu­ a palavra do hipnotizador, para sugerir aos sujeitos ador­
ma que passamos dessa percepção a essa lembrança por mecidos que eles têm na boca açúcar ou sal, já tem de ser
via de diminuição, tem contra si a obsetvação mais ele- ela mesma um pouco açucarada ou salgada ...

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