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Produgdo Grafica: Edigédes Bagago Rua dos Arcos, 150 — Pogo da Panela Recife/PE - CEP: 52061-180 Telefax: (81) ** 3441. 0132 / 0133 / 0134 bagaco@bagaco. com. br www. bagaco. com. br H673. Histéria e historiografia / organizadores Francisco Alcides do Nascimento, Ronaldo Vainfas. - Recife: Bagago, 2006. 487p. 1. BRASIL - HISTORIOGRAFIA. 2. BRASIL — HISTO- RIA - HISTORIOGRAFIA. 3. HISTORIA — FILOSOFIA. I. Nascimento, Francisco Alcides do, 1952-. II. Vainfas, Ronaldo. CDU 981 CDD 981 PeR - BPE 07-0137 ed ISBN: 85-373-0215-5 IMPRESSO NO BRASIL - 2006 SUMARIO A ESCRITA AUTOBIOGRAFICA Os documentos pessoais e a historia da educagao Antonio de Pddua Carvalho LOQeS v+svesvessseereresseseeeeeeee LL A CASA NOSSA DE CADA DIA Metdaforas e historias da pés-modernidade Antonio Paulo de Morais RES€N0C .....---vsssssssesseeeenneees BL FONTES HEMEROGRAFICAS Limites e possibilidades Aurea da Paz Pinheiro 53 POVOAMENTO E DESPOVOAMENTO Da pré-hist6ria a sociedade escravista colonial. Claudete Maria Miranda DiAaS.srsrsessereeeseneeeeeeres 71 FOTOGRAMAS TATICOS 0 cinema marginal e suas taticas frente as formas dominantes de pensamento Edwar de Alencar Castelo Branco Jaislan Honério Monteiro HISTORIA ORAL / Experiéncias na construgao de fontes orais Francisco Alcides do Nascimento UMA PESQUISA EM HISTORIA DA FILOSOFIA Macintyre e Gadamer Helder Buenos Aires de Carvalho 0 BAIRRO MAFUA DE 1970 A 1990 Uma construgao historica a partir das fontes orais Francisca Lidiane de Sousa Lima ..... A INQUISIGAO NO PIAUi Luiz Mott w+ 209 PADRE MARCOS Entre o (re) criado e o esquecido Marcelo de Sousa Neto 239 VIRIATO CORREA Um cronista da histéria Maria do Amparo Borges Ferro..... 261 IDENTIDADES DE GENERO Taticas, praticas e asticias nos cordéis de J. Borges Maria do Rosario da Silve 0 BEQUIMAO, DE CLODOALDO FREITAS Um romance inacabado? Maria do Socorro Rios Magalhdes ....... a» 303 QUEM E DEUS E 0 DIABO NA TERRA DO SOL? A questao da propriedade privada e o anticomunismo em Teresina na década de 1960 Marylu Alves de Oliveira ..... 321 HISTORIA E LUCIDEZ EM CIORAN Paulo Angelo de Meneses SOUSA vrssssssssssseseesssseeees 347 CATOLICISMO E RELACOES FAMILIARES: As redefinigées das Identidades de Género no Brasil do alvorecer do século XX Pedro Vilarinho Castelo Branco ssssssessssssssscrecerserseeee 361 HISTORIA E IDENTIDADES A cidade de Timon (MA) na década de 80 do século XX Raimundo Nonato Lima dos Santos ... 385 CASA-GRANDE EROTICA A sexualidade na obra prima de Gilberto Freyre RomaldO VAaIntAs .oeseccererersersrsrersseccssenenencenensnsenenensesets 407 DOUTRINA DOS INIMIGOS Formas de controle e resist€ncia dos trabalhadores escravizados nas fazendas publicas de pastoreio no Piauf: 1711 — 1871 Solimar Oliveira Lima 433 OS HOMENS DE LETRAS EA POLITICA REPUBLICANA Teresinha Queiroz wees 459 —n. HISTORIA ORAL Experiéncias na construgao de fontes orais Francisco Alcides do Nascimento* falcides@utpi 0 desenvolvimento tecnolégico permitiu que pes- quisadores que trabalham com a oralidade pudessem langar mo de uma nova ferramenta, 0 gravador, ins- trumento que “congela” a palavra do narrador, permi- tindo, assim, que e 0 pesquisador a transforme em fonte para o seu projeto. 0 advento do gravador, portanto, provocou uma revolugao na produgao historiografica ocidental, nao sem resisténcias, é claro. Nos anos 40 e 50 do século XX, 0 processo de gravagao de entrevis- tas, langando mao do gravador, ganhou grande impulso nos Estados Unidos. No Brasil, o Centro de Pesquisa e Documentagao de Historia Contemporanea do Brasil (CPDOC), criado na Fundagao Getulio Vargas, em 1973, iniciou seu pro- grama de entrevistas em 1975, data tida como marco para o emprego da técnica da hist6ria oral, pelo menos * Doutor em Histéria do Brasil pela Universidade Federal de Pernambuco, Professor do Departamento de Histéria e Coordenador do Mestrado Académico em Histéria do Brasil da Universidade Fe- deral do Piaul. 120 Histéria e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento de forma institucionalizada’ . Esse programa serviu de modelo para dezenas de outras propostas de trabalhay coma historia oral que se espalharam pelo Brasil afora, No Piauf, a iniciativa de construir um nucleo que trabalhasse com a histéria oral, como afirmamos an- tes, surgiu junto a Fundagao Centro de Pesquisa Econé- micas e Sociais - CEPRO, tendo a frente os pesquisa- dores Manoel Domingos e Geraldo Almeida Borges, no segundo semestre de 1979. O Nucleo nasceu em uma conjuntura em que 0 go- verno do Piauf, através da Secretaria de Planejamento do Estado, criou a Fundagao Centro de Pesquisa Econé- micas e Sociais, constituindo ali um grupo de pesquisa- dores de alto nivel, o qual se debrugou sobre a economia, a sociedade, a historia, as potencialidades do Piaui, cons- truindo uma espécie de diagnéstico da realidade local, mas também apontava caminhos que, acreditava-se pu- dessem tirar o Piauf da incémoda posigdo de estado mais pobre do Brasil e motivo de galhofa em nivel nacional. No percurso dos trabalhos, pesquisadores consta- taram a precariedade e o descaso com algumas fontes escritas, especialmente as hemerograficas referentes ao periodo republicano, depositada no Arquivo Ptiblico do Piauf. Adicionado a isso, um desses pesquisadores ha- via tomado conhecimento das primeiras iniciativas no Brasil de se trabalhar com a histéria oral. Essa conjun- tura determinou a elaboracao de um projeto visando a 1 Sobre a criagdo do CPDOC, Aspadsia Camargo informa “L...] 0 nosso propdsito era bem pragmatico: registrar 0 depoimento de muitas pessoas que colaboravam conosco na localizagao e na cessdo de ar- quivos e documentos e que acorriam também ao Cpdoc em busca de um didlogo e da possibilidade de trocar idéias sobre as grandes trans- formagées da década de 1930, das quails haviam sido atores ou tes- temunhos”, Cf, ALBERTI, Verena. Manual de Histéria Oral. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 11. F Histéria e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento construgao de um acervo de fontes orais empregando- se 0 gravador. Nascia dessa forma, 0 Nucleo de Histé- ria Oral da Fundacaéo CEPRO. L..] a aquisigao na prética de certa experiéncia para a elaboracéo de um programa de enverga- dura e solidez. Cumpria dar inicio, no Piauf, ao dominio objetivo dos conjuntos de técnicas utili- zadas na selegao, coleta, preparo e utilizagao de memb6rias e depoimentos como fontes priméarias para a realizagao de estudos no campo das ciénci- as humanas (SECRETARIA de Planejamento do Estado do Piaui, 1986, p.18). A intengao deste artigo é registrar a trajetéria da Hist6ria Oral no Piauf, com a metodologia histéria da oral tomando como principal referéncia de interlocugao o Nu- cleo de Histéria Oral da Fundagéo CEPRO, o qual repre- senta a primeira iniciativa com a metodologia da histéria oral de que se tem noticia em nivel local. O artigo discute a aquela proposta, tomando como elementos de analise os objetivos e metas propostas naquela ocasiao, avaliando a producao do ponto de vista quantitativo e qualitativo. Pro- curou-se demonstrar a relevancia dos depoimentos que constituem o acervo, muito embora poucos sejam os pes- quisadores que tiveram oportunidace de manused-los. E nesta experiéncia que se demora mais tempo. O programa tinha a pretensdo de produzir deliberadamente documentos de histéria oral que permi- tissem recuperar aquilo que nao tivesse sido encontrado em documentos de outra natureza. Pode-se chegar a tal conclusao através de estudo da proposta de constituir um acervo que fosse empregado pelas “ciéncias humanas”. 121 122 Historia e Historiografia | Francisco Alcides co Nascimento Pressupde-se que 0S pesquisadores tenham encontrado determinados acontecimentos na Hist6ria do Piauf re- cente que merecessem maiores esclarecimentos, pode-se supor que os autores do projeto tenham pensado em ou- vir experiéncias pessoais, impresses particulares. “T...] e registro oral mostra-se a unica possibilidade de recu- perar um passado que, apesar de recente, deixou poucos tracos” (FERREIRA, 1994, p. 1). 0 projeto era justifi- cado, tomando-se como base a “L...J inexisténcia no Piaui de qualquer tradigao na elaboragdo de memérias e auto- biografias que pudessem preservar 0s testemunhos de autores da nossa histéria’’. Em razo da exigiiidade de fontes de pesquisa para o perfodo republicano ou das precarias condig6es de conservagao de jornais sob a guarda do Arquivo Publi- co que tivessem acompanhado o cotidiano do Piauf e de Teresina até os anos de 1950 do século XX, “L...] um acervo de memérias e depoimentos coletados de forma criteriosa_poderia amenizar consideravelmente 0 pro- blema da precariedade das rimarias” (SECRE- TARIA“de Planejamento do Estado do Piauf, 1986, p.19). Aqui, encontra-se certa aproximagao entre a pro- posta do CPDOC ea do Nucleo de Histéria Oral da Fun- dagdo CEPRO. A professora Aspasia Camargo (1986, p.9) dizia, quando da implantagaéo do CPDOC, que ele tinha como objetivo “L...] complementar o acervo de documentos que ja dispnhamos com depoimentos gra- vados que nos permitissem aprofundar o estudo da poli- tica brasileira em seu perfodo recente, isto 6, de 1930 aos nossos dias’. A proposta do NHO da CEPRO pro- punha a criagao de fontes orais voltadas para o estudo da Republica, incluindo o periodo compreendido 1889 _ ah £/1930, uma vez que atores sociais que participaram y E Histéria e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento da vida publica e histéria politica do Piauf naquele pe- riodo ainda estavam vivos e em condigées de falar de suas experiéncias. 0 projeto do NHO contemplava as seguintes Areas: Hist6ria politica, Histéria da Agricultura, Histéria da In- dustria, Hist6ria da Cultura e Histéria das Aglomeracées Urbanas. Como se pode constatar, a proposta era muito ambiciosa, mas a partir dela se poderiam criar varios subprojetos. Os autores do grande projeto imaginavam que os atores sociais convidados para as entrevistas teriam condigGes de falar sobre mais de uma daquelas areas. 0 resultando da iniciativa resultou em um acervo que conta com os seguintes depoimentos: Cel. Pedro de Almendra Freitas, José da Rocha Furtado, Joao Climaco de Almeida, Lufs Mendes Ribeiro Gongalves, Clidenor de Freitas Santos, Candido de Almeida Ataide, Moacir Ribeiro Madeira Campos, Francisco Cunha e Silva, Arimatéia Tito Filho, Luiz Carlos Prestes, Antonio Vieira Sales, Francisco Félix de Barro, Odonel Leao Marinho, Ariosvaldo Marinho, Francisco Peixoto da Mota, Samuel Dourado Guerra, Josias Clarence Carneiro da Silva, Elvira Raulino, Didimo de Castro, Claudio Pacheco Brazil, José Eduardo Pereira, Maria da Penha Fonte Silva e Eli Bezerra.? 0 entrevistado Luis Mendes Ribeiro Gongalves, poeta, cronista e critico literdrio e um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras, discorre sobre a His- toria Politica/Administrativa do Piaul, uma vez que foi durante varios anos Diretor de Obras Publicas na Repti- 2. Nao se pensou em nenhum critérlo para a montagem da relagao das entrevistas. 123 124 Historia e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento blica Velha.? Em 1934 foi eleito, de forma indireta, senador da Reptiblica. Acompanhou o crescimento da cidade de Teresina e sobre ela narra com propriedade, Candido Atafde foi outro entrevistado que pode tratar de mais de uma area. Nascido na Parnatba, for- mado em Medicina, atuou durante toda vida na cidade, sendo, portanto, um ator privilegiado no processo de crescimento da cidade mais importante do Piaui do ponto de vista econdmico durante a primeira metade do sécu- lo XX. Participou da vida politico-partidaria piauiense, concentrando essas atividades em Parnaiba. Empresa- rio da industria ceramista envolvido, por ocasiao do seu depoimento, também com a agroindustria. Foi um ator privilegiado do processo de transformacao da medicina naquela cidade, uma vez que acompanhou de perto a implantagdo de casas de satide, sejam elas publicas, sejam elas privadas. Foi durante muito tempo o gestor da Santa Casa de Misericérdia de Parnafba, mas atuou também como médico naquela casa de satide. Igual aos dois entrevistados citados, varios ou- tros puderam tratar de mais de uma area. Foram en- contrados interlocutores que privilegiaram a politica partidaria. Joao Climaco de Almeida pode ser tomado como exemplo. Comegou a carreira politica como vere- ador de Teresina, foi deputado estadual e federal, vice- governador em duas oportunidades e, nessa condigao, assumiu o governo quando o titular afastou-se pata —_— 2 Com a Revolugao de 1930, depois que Landri Sales Gongalves fl indicado interventor federal no Piaul, Luis Mendes Ribeiro Goncal ves foi indicado para o Departamento de Obras, tornando-se We espécie de conselheiro do interventor, Fol o responsavel pela propos” ta de construir um grupo escolar em cada municfpio do Piaut, embo ra tal proposta nao tenha se concretizado, alguns municipios 990" ram 0 primeiro edificio escolar publico naquela oportunidade. Histéria e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento candidatar-se a outro cargo eletivo. Joao Climaco de Almeida foi um politico forjado, em grande parte, du- rante o periodo da ditadura militar, mas antes do golpe havia pertencido aos quadros do Partido Social Demo- cratico (PSD). Com o fim do pluripartidarismo, inte- grou as fileiras da ARENA. Quando se aposentou-era dos quadros do PFL. A sua militancia politica, sempre no campo mais conservador fez dele um interlocutor privilegiado da histéria politica do Piaui. Foi dito antes que se haviam encontrado certas se- melhangas entre a proposta montada no CPDOC e aque- la que foi implantada na Fundagdéo CEPRO. Todavia é preciso considerar também os afastamentos. 0 progra- de forma pragmatica L...] assegurar o depoimento de muitas pessoas que colaboravam conosco com a localizagao e na cessdo de arquivos e documentos e que acorriam também ao Codoc em busca de um dialogo e da possibilidade de trocar idéias sobre as transfor- magées da década de 1930, das quais haviam sido atores ou testemunhas (CAMARGO, 1986, p.9). Fica claro nesta proposta que seria privilegiado o trabalho com as elites pollticas, atuantes na politica nacional'a p de 1930. —— wae ee A importancia do grande pacto politico-social que se constituiu ao longo dos anos 30 parecia ainda mats relevante na medida em que esclarecia é ilu- minava perfodos posteriores de nossa historia, através do fio condutor da vida longa e intensa dos personagens que participaram também de 125 126 Historia e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento eventos signiticativos mais recentes — muitos he- réis de 1930 estiveram a frente dos movimentos de 1964 (Id. Ibid.). Como se pode constatar, a proposta do CPDOC possuia um unico fio condutor, ou seja, focava a histé- ria politica do Brasil em determinado perfodo. Parece claro, entretanto que os entrevistados deveriam falar de suas trajetorias de vida. 0 programa do NHO-CEPRO, como ficou demons- trado, foi montado no pressuposto de que os entrevista- dos poderiam tratar de todas as areas mencionadas ainda ha pouco. Essa orientagdo terminou por produzir en- trevistas com roteiros que tocavam em varias questées. Um programa com apenas um fio condutor possibilita um trabalho mais profundo, sobre um conjunto de en- trevistas, e facilita a comparagéo de mais de uma ver- sdo sobre 0 mesmo acontecimento. “Cabe dizer que a testemunha reconstréi 0 passado a sua maneira, a luz de sua trajetéria e em fungdo do seu presente. 0 que ela relata é sua percepcdo, no momento de entrevista, do que viveu no passado. Ele fala hoje sobre ontem” (DIAS,1992, p.2). Masa proposta do N HO-CEPRO apro- veita melhor as potencialidades do entrevistado, ou seja, ele podera fazer relatos sobre varios temas, deste que os tenha vivenciado ou sido testemunha, obviamente. Nesta discussao, a questao central 6a definigao do pro- blema de pesquisa, dos objetivos que devem ser alcan- gados. Esses elementos do projeto definem o(s) tipo(s) de entrevista(s) mais adequado(s) para a pesquisa. Posteriormente, 0 NHO-CEPRO iniciou um pro- jeto que focava mais a Histéria Cultural, mais precisa- mente uma pesquisa sobre o radio no Piaul. Naquela Histéria e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento oportunidade foram realizadas mais de uma dezena de entrevistas com homens e mulheres que haviam traba- lhado nas emissoras de radio de Teresina. Naquele mo- mento, a Fundagéo CEPRO ja vivia imersa em dificul- dades de toda ordem. Os governantes piauienses havi- am transformado a Unica instituigéo de pesquisas do Estado em “cabide de emprego”, “expulsando” dali os técnicos comprometidos com a pesquisa. Esses fatores fizeram com que 0 projeto “Histéria do Radio no Piaui” andasse de forma lenta inicialmente e depois fosse suspenso por um longo periodo. 0 projeto “Histéria do Radio no Piaui” foi reto- mado pelo pesquisador Francisco Alcides do Nascimen- to, um dos articuladores da primeira versdo. Desta feita foi ampliando o campo de trabalho, sendo incluida a ci- dade de Parnatba, local onde se instalou a primeira emis- sora de radio piauiense. Ali foram realizadas entrevistas com locutores que trabalharam como disck-joquei, cro- nista social, noticiaristas e musicos que tocaram em pro- gramas de auditério e acompanharam estrelas do radio brasileiro que foram levadas pela Radio Educadora de Parnaiba e ali realizaram shows em praga ptiblica ou em clubes fechados. As entrevistas foram sempre montadas a partir do modelo trajetéria de vida.* Algum tempo depois, a proposta do NHO-CEPRO _ isso, quando foi ~ sofreu uma.inflexdo e ela permiti montado um subprojeto que visava ouvir atores sociais com atuacdo no meio operario. Como se pode perceber 4 Modelo proposto por Lucilia de Almeida Neves, em que se realiza uma entrevista onde se mescla a proposta de histéria de vida com a entrevista tematica, dito de outro modo, a entrevista néo é longa como aquela proposta pela histéria de vida e nem fica presa ao rotei- ro como pressupde a entrevista tematica. 127 128 pictoria e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento com esta inflexao o NH 0-CEPRO afastava-se da pro. posta do CPDOC. Nesta linha de entrevistas foram ou. vidos trabalhadores que atuaram na construcao civil aa Teresina € Parnaiba e na navegagao do rio Parnatba entre as mesmas cidades. As entrevistas mais significa. tivas foram realizadas com Anténio Vieira Sales, mais conhecido como Anténio_ Pintinho, mestre de obra da construgao civil, militante do movimento operdrio de Teresina e da politica partidaria (PSD), organizador de blocos carnavalescos € dirigente de clube de futebol, Um homem de muitas facetas. Lembrado também pela aproximagao com a interventoria de Leénidas de Cas- tro Melo e pela fungao de porta-voz do governo, a épo- ca, entre trabalhadores da construgao civil, em especi- al, mas também de outras categorias. Mano Velho, um barqueiro que viveu nos momen- tos Aureos do rio Parnafbae assistiu ao seu definhamento como meio de transporte e comunicagao. Sua entrevis- ta foi muito voltada para o trabalho de navegante. Nela relata sua vivéncia, sua experiéncia como condutor de barcos que subiam e desciam o rio carregando a produ- co do Estado para a exportagao ou trazendo produtos importados da Europa e Estados Unidos. Mas lembra também do governo de Vargas e, dentre os operarios ouvidos, foi o Unico que teve um olhar critico para 0 perfodo, embora nao tenha esquecido das leis do traba- Iho que Ihe asseguraram a aposentadoria por tempo de servico. Muito embora por ocasiao da entrevista cons" derasse 0 valor dela uma inigiiidade, uma vez que "&0 permitia que vivesse de forma digna.* Continuava tre TS 5 Avalia-se que é necessério entender o momento da entrevista, isto Ee nifica pensar na situagéio que ela fol produzida, na pessoa que 4 feat. deu, € no partilhar do conhecimento, as vezes, diffcil de ser reallza os Historia e Historiogratia | Francisco Alcides do Nascimento balhando como barqueiro, transportando pessoas entre Timon e Teresina. Francisco Félix Lopes de Barros foi outro operd- rio entrevistado por pesquisadores do Nicleo de Histé- ria Oral da Fundagéo CEPRO. A sua militancia, ou pelo menos a sua presenca na sede do Partido Cornunista do Brasil em Teresina, com o fim da ditadura militar e 2 reorganizacgao daquela agremiacdo partidaria sern os temores da repressdo, levou pesquisadores a procurar maiores informagoes sobre a vida daquele hornern j4 gastado pelo tempo, e as marcas desse ternpo podiam ser percebidas, ouvindo-o ou através de suas passadas lentas, mas ainda demonstrava uma forca interior ca- paz de envolver as pessoas que dele se acercavam. Mar- ceneiro trabalhando em Parnafba, lembra-se em sua entrevista da prisdo sofrida por ocasiao do movimento desencadeado pelos comunistas em 1935. Acusado de ser comunista, foi preso e transferido para Teresina. Nao negou que tivesse simpatia pela Alianga Nacional Libertadora — ANL, mas nao confirmou que fosse co- munista, apesar da simpatia que demonstrava pelas idéi- as professadas pelos militantes do PC do B. Foram ouvidos também os setores médios da so~ ciedade de Teresina. Dentre as entrevistas realizadas nesse setor pode-se destace# do professor Moacir Ma- deira Campos, proprietarid e diretor do Colégio Leao XIII, institulgéo que ficou conhecida pela rigida disci- plina imposta ao educando, sendo, por isso mesmo, a escola escolhida pela sociedade para “conduzir’ 0 pro- cesso ensino-aprendizagem dos seus filhos. Cunha e Sil- va, também proprietario de escola, foi diretor do Liceu Piauiense, Escritor que fez parte da Academia Piauiense de Letras. Ainda sobre esse professor deve-se informar 129 130 Historia e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento que foi preso em 1935, acusado de simpatizar com o Partido Comunista do Brasil, simpatia negada até a morte. Professor Arimatéia Tito Filho, entrevista nao conclufda, mas muito rica, dado que este interlocutor militou na polftica-partidaria, foi jornalista, advogado e um profundo conhecedor de Teresina, pelo menos era que demonstrava através de crénicas assinadas e publicadas na Imprensa local. Ouviu-se também o de- poimento do odontélogo Odonel Ledo Marinho, que se iniciou na vida politico-partidaria por ocasiao da for- macdo da Alianga Liberal, no final da década de vinte. Integrou o movimento que derrubou a Republica e par- ticipou da interventoria de Landri Sales. Militou na ANL, sendo preso e encarcerado por mais de trés anos. Foi um grande admirador de Luis Carlos Prestes. 0 programa do NHO-CEPRO possibilitou a reali- zacéo de entrevista com membros de elite local, mas também com aqueles que nao tinham tido a oportuni- dade de expressar a sua versao sobre acontecimentos e fatos vivenciados ou testemunhados. Como afirma Paul Thompson (1992), a Histéria Oral é uma hist6ria construi- da em torno de pessoas. Ela langa a vida dentro da propria histéria e isso alarga seu campo de agao. Ad- mite herdis vindos nao sé dentre os lideres, mas dentre aymiaioria desconhecida do povo. * / 0s fundadores do Nucleo de Histéria Oral da CEPRO tivéram uma atitude imediatista, uma vez que em nenhum momento procuraram discutir o que seria hist6ria oral. Tudo indica que estavam, naquele mo- Mento, mais preocupados com p emprego da técnica, ) »-ou seja, em produzir as entrevistas do que em fazer uma discussdo tedrico-metodolégica sobre o seu em- prego. Dirfamos que a aprendizagem foi se dando no Historia e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento & 131 processo de construgao do acervo. Alids, ainda hoje os especialistas nao chegaram a um consenso sobre 0 que seja hist6ria oral. O regimento do NHO-CEPRO infor-, < ma que a histéria oral 6 uma técnica de produgdo e j tratamento de depoimentos gravados. Sobre isso, Aspasia Camargo (1989, p.9) nos diz: “A histéria oral é uma técnica que registra os conjuntos pertinentes de depoimentos gravados sobre temas historicamente sig- nificativos’”. Entretanto havia entre os fundadores do Nucleo . 4 / alguém que conhecia os procedimentos metodolégicos , estabelecidos pelo CPDO CPI obre a ‘preparacdo que an sadores em interlocutores qualificados. 0 documento Ne regulava os trabalhos e os modos de fazé-lo registra: A coleta de depoimentos serd precedida a elabo- ra¢ao de roteiros de questionamentos. Isso evita- ra lacunas importantes no depoimento, bem como representara substancial ajuda a mem6ria do en- trevistado. Os roteiros serdo elaborados cuidado- samente, apds um estudo prévio do entrevistado, do seu papel nos acontecimentos e situagdes obje- tos de interesse da entrevista L...] Na coleta das entrevistas, em nenhuma ocasiao se deve for¢ar 0 entrevistado a seguir a ordem do roteiro elabora- do (CAMARGO, 1989, p.9). 0 afastamento no tempo nos permite avaliar que o modelo de entrevista empregado pelo projeto desen- volvido no NHO-CEPRO constituiu-se de uma combi- nagdo entre a histéria oral tematica e a histéria oral de vida (BOM MEIHY, 2000). Nesta ultima, o entrevista- 132 Histéria e Historiografia | Francisco Alcides do jy ‘Sciment do escolhe a forma de narrar sua prépria Vida, @ 9 entrevistador interrompe pouco a fala daquele (ALB ERT] 2004). Nao se esta a dizer que 0 pesquisador neste caso nao tenha um objetivo a ser alcangado, mas o inter. locutor trata de sua vida de forma bem livre. Paul Thom. pson (1992, p.44), por exemplo, aconselha “[...] mes. clar os dois métodos em cada entrevista, estimulando o informante a expressar-se livremente, mas introduzin. do gradativamente um conjunto padronizado de pergun- tas na medida em que nao tenham ainda sido respondj- das”. Em todas as entrevistas das quais participamos tivemos cuidado com os-nossos interlocutores, no senti- do de néo manté-los presos ao roteiro, mas sempre que eles se afastavam demasiadamente do “caminho”, ti- nhamos o cuidado convida-los a voltar a discussdo que estavamos fazendo. Aqui é necessario pensar que o en- trevistado nao é obrigado a gravar entrevista nenhuma, é recomendavel que se aprenda a ouvir. Existem pesso- as que para chegar a resposta que Ihe foi feita, preci- sam lembrar-se de fatos ligados ao tema em que o entrevistador tem interesse. O entrevistador nao deve se submeter aos interesses do entrevistador, todavia pre- cisa-se desenvolver um clima de respeito mtituo e de camaradagem entre as partes. Para Ignez Cordeiro de Farias (1994, p.15), a produ- ¢ao de documentos orais exige do pesquisador um envol- vimento especial. “Os entrevistadores nao sao simples indagadores ou bons ouvintes, eles participam ativa- mente da construgao da entrevista na medida em que Preparam o roteiro, selecionam as perguntas, mantém © didlogo, propéem e problematizam questoes.” oe Como dissemos anteriormente, o NHO-CEPRO Iniciou suas atividades com apenas dois pesquisadores, Historia e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento 133 mas as miiltiplas tarefas exigidas pelo projeto obrigaram a ampliagaéo do quadro. Em principio, com estagiarios. Para esses Ultimos, 0 Nucleo funcionou como uma espécie de oficina de histéria. Ali os estagidrios foram envolvidos em trabalhos de pesquisa, uma vez que na universidade, na area das Humanas, o ensino era realizado de forma livresca. Ali os alunos-estagiarios tiveram os primeiros contatos com a pesquisa realizada em arquivos. Algum tempo depois és riod foram incorpo- G rados ao quadro de funcionarios da CEPRO e lotados / no NHO-CEPRO. Dois deles, Paulo Gutemberg de Car- valho e Dalton Melo Macambira escreveram e publica \ ram os seus primeiros artigos de Histéria ainda na cont digdo de estagiarios. Outros jovens que desenvolveram” A atividades no Nucleo estao hoje na Universidade Fede- ral do Piauf exercendo a fungao de professor. Neste caso’ © podem ser citados Joao Kennedy Eugénio e Dalton Melo Macambira. Shara Jane é também professora, mas na Universidade Estadual do Piaul. Durante 0 periodo de atividade do NHO-CEPRO, ele foi coordenado por Manoel Domingos Neto, um de seus fundadores, Marta Teresa Tajra e Francisco Alcides do Nascimento. No impedimento dos titulares, no geral quem assumia a Coordenacdo era Geraldo Almeida Borges. Apés a definigao dos primeiros nomes a serem entrevistados pelo programa, os pesquisadores e esta- giarios do NHO-CEPRO iniciaram a pesquisa em fon- tes primarias e secundarias que foi realizada fundamen- talmente na Casa “Anisio Brito”, com o objetivo de dar suporte a elaboragdo do roteiro geral de entrevista. ° 6 0 roteiro geral de entrevistas deve ser elaborado com base no projeto ena pesquisa exaustiva sobre o tema, Sua fungao é dupla: promover a sintese das questdes levantadas durante a pesquisa em fontes primarias e secundarias e constitui instrumento fundamental para } i | 134 Histéria ¢ Historiografia | Francisco Alcides do Nascimenty Esse roteiro foi elaborado a partir dos objetivos do pro- jeto. Verena Alberti propée que Como primeiro passo, cabe fazer constar no ro. teiro geral uma cronologia minuctosa dos aconte- cimentos ocorridos no periodo que se quer inves. tigar e considerados relevantes em relacao aos objetivos do estudo. Ao mesmo tempo, convém acrescentar a essa cronologia informacées relati- vas as andlises dos autores consultados, julgadas procedentes e significativas para o estudo, bem como remeter para documentos—chaves conside- rados representativos de determinados itens ar- rolados (2004, p.84). Essa orientagao foi seguida e ao cabo da monta- gem coiatp geral tinha-se acumulado uma variada gama de informagées, mas era necessario continuar rea- lizando as pesquisas documentais porque cada entrevista determina que se conhega, minimamente, o entrevista- do, 0 cenario onde atuou/atua, o que fez/fazia etc. A partir de determinado momento, premidos in- clusive pelas dificuldades financeiras, os pesquisadores voltaram-se para os dados sobre a Reptiblica Velha no Piaui, sistematizando as informagées por area de ativi- dade, seguindo a proposta inicial do projeto resultando dai a publicacao do livro “Cronologia do Piaui Republi- cano ~ 1889-1930”, erent orientar as atividades subseqlientes, especialmente a elaboragdo dos roteiros individuais, Cf, ALBERTI, Verena, Manual de Historia Oral. 2. ed, Rio de Janeiro; Editora da FGV, 2004, 7 ‘ obra, apesar das poucas pretensdes que se tinha em relagao a ela, vdreag mouse em referéncia e fonte de informagées para os pesd- Sadores que trabalham com a Repiiblica Velha no Pau. ON Historia e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento 135 A necessidade que os pesquisadores tinham de se capacitar como interlocutor para as entrevistas permitiu também que alguns deles elaborassem artigos que foram publicados em revista especial da Fundacao CEPRO.® 2 0 projeto previa a publicagao de algumas entre--1 ° 1 vistas. Vejam aqui mais uma aproximacdo entre 0 pro--/*" . . jeto da Fundagdo CEPRO e o do CPDOC. Neste ultimo, ¢ ©" umas das primeiras entrevistas a ser publicada foi de a eo" Cordeiro de Farias (1981), mas na mesma colegdo foi ~ publicado também o depoimento de Amaral Peixoto (1986). Assim, era necessario que as entrevistas pas- sassem pela transcrigao, conferéncia de transcricao, copidesque e 0 que localmente se chamou de montagem da entrevista. Provavelmente o nome mais adequado fosse edigdo. O fato é que os pesquisadores, ao monta- rem o texto, puderam confrontar as informagoes com outras fontes (documentos escritos e outros testemu- nhos). As contradigées, caso elas existissem, deveriam ser identificadas. A preocupagao nao era identificar se 0 entrevistado havia mentido, omitido, mas detectar equivocos, por exemplo, em relacdo a datas, nomes etc. e nestes casos construir notas explicativas. Algumas entrevistas chegaram a ser formatadas para a publicagao, todavia desencontros, interesses po- liticos contrariados e o provincianismo de alguns inte- 8 Foram publicados na Revista Carta CEPRO, Teresina, v. 12, 0.1 ju- Iho/dezembro 1986 os seguintes artigos: A imigracao dos Tajra para o Piaul de Marta Teresa Tajra; Notas sobre a literatura piauiense: primeira repdblica, de Geraldo Almeida Borges; 0 tenentismo no poder: a interventor la Landri Sales (1931-1935), de Francisco ‘Alcides do Nascimento; A luta polltico-religiosa entre igreja e maco- naria no Piaul (1902-19140), de Paulo Gutemberg de Carvalho; 0 Piaul na proclamagao da repiblica, de Dalton Melo Macambira. Os dois dltimos eram estagidrlos do Nicleo. | 136 Historia e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento grantes da elite politica local impediram, por exemplo, a publicagdo da entrevista com o coronel Pedro de Almendra Freitas, e a argumentagao central foi a de que, por ocasiao da entrevista, o entrevistado ja estava doente e havia falado coisas que nao deveriam ser publicadas. Mas existem outros elementos menos vis/- veis, como a indefinigao entre o publico e o privado que também dificultaram a publicagao. Em meados da década de 1980 quando o Nucleo foi montado, a histéria oral havia aportado no Brasil hA menos de 10 anos (FERREIRA,1994) e era vista com muitas reservas. Na academia, em nivel local, nao se tem noticia que professores tivessem trabalhando com a historia oral. Nestas circunstancias, nado se sabia o que os historiadores pensavam a respeito do emprego das evidéncias orais. Em um universo.mais amplo, a discussdo acerca dos problemas metodoldgicos da his- toria oral jA vinha despertando interesse, haja vista a presenca de especialistas mexicanos e norte-america- nos, no Rio de Janeiro, para discutir com professores e pesquisadores da Area de hist6ria e ciéncias sociais oriun- dos de diferentes instituigdes. Mas, como se disse, a histéria oral era olhada com desconfianga. Segundo Marieta de Moraes Ferreira (1994, p.4), “Tal desinte- resse e desconfianca resultam, por sua vez, de formas arraigadas de se conceber a histéria e a validade de suas fontes’”. A busca da objetividade, as hipdteses ela- boradas previamente e as fontes servindo apenas para comprovar ou negar a construgao do objeto de pesquisa ainda eram, a época, elementos muito presentes entre os produtores do saber nas academias especialmente na area das humanas, afinal 0 modelo a ser seguido era 0 das ciéncias “exatas”. Historia e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento Até a data da redagdo deste artigo, nenhuma das entrevistas preparadas para a publicagéo, em ndmero de doze, havia sido publicada. Em determinado momen- to, buscou-se apoio junto ao Ministério da Cultura, mas a resposta foi que nado existiam recursos para aquela finalidade. Algumas tentativas junto ao poder piblico local, feitas por pesquisadores e até por entrevistados, foram infrutiferas. O resultado de tudo isso foi que a sociedade piauiense a qual pagou pelo trabalho, nao teve acesso aos seus resultados. Por outro lado, os depoimentos gravados em fitas cassetes nao foram transportados para as fitas em rolo, que, segundo os especialistas, A época, eram tidas como mais resistentes as intempéries. Outro equivoco grave cometido pelos pesquisadores, neste caso, premidos pela escassez de recursos com que sempre trabalharam, foi a nao duplicagao das entrevistas, ou seja, para cada hora gravada deveria ter outra hora, do mesmo depoi- mento, de reserva. Esse cuidado tem por objetivo pre- servar 0 depoimento, no caso de algum tipo de acidente com uma das cépias. Todo o acervo constituido no NHO-CEPRO foi trans- ferido para 0 Arquivo Publico do Piauf, na segunda me- tade da década de 1990, depois que o Nuicleo foi extinto da estrutura organizacional da Fundagaéo CEPRO. A épo- ca, 0 Arquivo nao possufa nenhum técnico que tivesse experiéncia com entrevistas, com o material ali deposi- tado, mas a diregdo da casa foi orientada para, de seis em seis meses, pelo menos, rodar cada fita, evitando, assim, que colassem, destruindo a entrevista. Na primeira metade da década 1990, a Histéria Oral chegou a Universidade Federal do Piaui (UFPI) de 137 os il 138 Historia e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento forma institucional. Um grupo de professores’ com al- guma experiéncia no emprego da metodologia resolvey propor a criagao do nucleo junto ao Centro de Ciéncias Humanas e Letras (CCHL), nascendo assim, 0 NHO- UFPI. Do grupo fundador participaram professores que haviam produzido teses de doutorado, tendo na historia oral um suporte fundamental. Apesar de os professores ligados ao Nucleo conti- nuarem trabalhando com a metodologia e envolvendo alunos da graduagao e pds-graduagao em suas pesqui- sas, 0 funcionamento dele é precario. E precario por- que ndo tem sido o suporte que precisa ser para os pesquisadores que trabalham com a historia oral. Fe- lizmente, parte do problema de funcionamento foi re- solvida com a construgao de sua sede, no inicio de 2005. O pesquisador Francisco Alcides do Nascimento teve um projeto financiado pelo CNPq e foi este projeto que determinou a conquista da sede do NHO-UFPI, uma vez que os equipamentos precisavam de espago para ser instalados (computadores, scanners, maquina fotogra- fica e gravador digital), insuficientes é verdade, mas permitindo que outros pesquisadores pudessem langar maos deles, O projeto Meméria Cientifica e Tecnolégica da Universidade Federal do Piauf, por sua vez, permitiu também que o material resultante de outros projetos que empregaram a metodologia da histéria oral fosse digitalizado, Todo esse acervo devera, em breve, set’ co- locado a disposigaéo dos pesquisadores. As fitas da 9 Daquele grupo constam as professoras Aglair Setubal (DSS), Maria Cecilia Almeida(DGH), Maria Mafalda Baldoino (DGH), Dalva Macedo(DSS), os professores Francisco Alcides do Nascimento (DGH), Antonio Fonseca Neto(DGH). Histéria e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento pesquisa sobre a “Histéria do Radio no Piaui”"° e as do projeto “A Cidade sob 0 fogo” podem ser citadas como exemplo. A ultima iniciativa idealizada para que pesquisadores possam langar mao da metodologia da histéria oral como ferramenta de trabalho foi implantada no Instituto Dom Barreto, instituigdo da rede privada de ensino. Tem no horizonte a construgdo de um acervo de entrevistas com pessoas que marcaram a cidade com suas presengas, atividades etc. seja de forma individual ou coletiva. Uma proposta que guarda semelhanga com aquela desenvolvida por Allan Nevins, na Universidade de Colimbia, em Nova York, quando organizou e oficializou o termo. A idéia era captar experiéncias importantes como as vividas entao tanto por combatentes quando por familiares e vitimas de conflitos como o da Segunda Guerra Mundial. Todas as iniciativas arroladas permitiram que o numero de pesquisadores no Piaui que trabalham com a Histéria Oral tenha crescendo a cada ano. E cada vez maior a quantidade de trabalhos de alunos da graduagao, da pés-graduagao (Mestrado em Histéria, Politicas Publicas, Educagdo) e de bolsistas de iniciagao cientifica que empregam a metodologia. As tematicas sao as mais variadas. Pode-se destacar o radio, o trabalho, o golpe militar de 64, cidade. Tem crescido também a presenga desses pesquisadores nos encontros realizados pela Associagao Nacional de Histéria Oral (ABHO). 10 0 projeto Histéria do RAdio no Piauf foi iniciado no final da década de 1980 e inicio da década de 1990, No inicio de 2001, ele foi retomado. O acervo constitufdo por fitas cassetes foi digitalizado com 0 apoio do projeto financiado pelo CNPq. Da mesma forma que o material da pesquisa realizada para a construgdo da tese de douto- rado do professor Francisco Alcides do Nascimento. 139 , | 140 oN Historia e Historiografia | Francisco Alcides do Nasciment 0 Cresceu também 0 numero de pesquisadores dg outras areas do conhecimento que estao empregando a metodologia. Na area de satide, tem professores da en. fermagem que fizeram entrevistas para a tese de douto. rado. Nas Humanas, 0 pessoal do Servigo Social, His- toria, Ciéncias Sociais e muito especialmente da Edu- cagao, tem trabalhado com a metodologia e discutido a relacao entre a memoria e educagao. Neste grupo cres- ceram muito as pesquisas, inclusive com a criagdo de um nucleo para agregar os pesquisadores. A historia oral nao pode e nao deve ser vista como uma panacéia, mas como um instrumento que permite a construgao de documentos, que levam para dentro da histéria, vozes ignoradas pelas fontes tradicionais. Per- mite que vozes que foram silenciadas de forma intenci- onal ou nao possam ser ouvidas, permite a construcgao de outras versées. REFERENCIAS ALBERTI, Verena. Manual de Histéria Oral. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. ARTES da Politica: didlogo com Ernani do Amaral Peixoto/ Aspasia Camargo, Lucia Hippélito, Maria Celina Soares D’ Aratjo, Dora Rocha Fiksman. Rio de Janeiro: Nova Fron- teira, 1986, BOM MEIHY, José Carlos Sebe, Manual de historia oral. 3. ed. S40 Paulo: Edigdes Loyola, 2000. CAMARGO, Aspasia. Apresentagdo In; Manual de Historia Oral. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. Histéria e Historiografia | Francisco Alcides do Nascimento DIAS, José Luciano de Matos. Registro oral, hist6ria e gran- des organizagées. In: Entre-vistas. abordagens usos da his- toria oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1994. FARIAS, Osvaldo Cordeiro de. Meio século de combate. di- Alogo com Cordeiro de Farias. Aspacia Camargo, Walder de Gées. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. FARIAS, Inez Cordeiro de. Um trupier na politica: entre- vista com 0 general Antonio Carlos Murici. In: Entre —Vis- tas, abordagens e usos da histéria oral. Rio de Janeiro: Edi- tora da FGV, 1994. FERREIRA, Marieta de Moraes. Histéria oral e€ multidisciplinaridade. Rio de Janeiro: Diadorim, 1994. THOMPSON, Paul. A voz ao passado: histéria oral. Rio de Janeiro: Paz de Terra, 1992. SECRETARIA de Planejamento do Estado do Piaui. Regi- mento do Nucleo de Histéria Oral da Fundagao CEPRO. Teresina, 1986. 141

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