Você está na página 1de 10
Filosofia e Teele © caminhos crvzados my CAPITULO 6 POSITIVISMO E EDUCACAO NO BRASIL Cézar de Alencar Arnaut de Toledo UEM Em primeiro lugar gostaria de agradecer o convite que a professora Leoni Henning me fez para elaborar este artigo. Gos- taria de registrar a minha satisfagao de também estar na Univer- sidade Estadual de Londrina novamente e com alguns amigos € conhecidos, e poder, talvez, contribuir com algumas reflexoes sobre o tema. A minha ideia é mudar um pouco 0 elxo da reflexdo para , com questoes relativas aos con- positivismo. Tem sido muito pre- démicos, a ideia de que quando se inga-se de positivista. tentar aproximar da educacao, ceitos e praticas politicas do sente ainda hoje nos meios aca quer xingar alguém e ofender para valer, xi Quando se quer desqualificar uma pesquisa, quando se quer dizer que o trabalho nao esta bem feito, que nao foi bem elaborado, que nao tem sustentagao tedrico-argumentativa, diz-se: isso é ira questao. Muita coisa que échamada positivista. Ai vem a prime! de positivista, nao tem absolutamente nada a ver com 0 positi- vismo. E junto com essa critica ven outras criticas a outras ideias também. Sendo vejamos... ultimamente na area de historia da educacao, que é a area em que ev pesquiso, é muito comum, esse dizer que é necessario superar as visées tradicionais de educacgao porque elas estao ultrapassadas. E essas vis6es tradicionais sao as seguintes: primeiro, 0 positivismo porque conta a historia dos herdis, segundo, 0 marxismo, porque conta a historia a partir de 133 | uma visao economicista. Tudo falso, mas, facilita muito para quem quer se fazer divulgar, ou fazer valer algumas ideias que também nao s4o novas, ao contrario do que se pensa, elas sao bem antigas. Isso nés vemos na produgao recente da area de historia, isso nds vemos consagrado nos documentos, nos parametros e nas dire- trizes, e o que é pior, nds vemos este tipo de infamia nos livros di- daticos. Entdo, como é preciso superar a visao chamada de positi- vista, que, repito ndo tem nadaa ver com 0 positivismo, e vemos, z num livro didatico de quinta, sexta e sétima série, que nao tem E nome de gente, néo tem Dom Pedro | ou outras figuras historicas, I mas também nao tem ninguém, quer dizer, a historia foi feita por quem? Nao foi feita por gente essa histdria que é descrita nesses manuais. Isso em nome de uma critica a uma visao tradicional. E também nao tem movimento essa historia. Quem nao se deparou com livros de histérias que trabalham com questdes tematicas = e que nao aparece neles José de Anchieta, Manoel da Nobrega, ] Antonio Vieira. Nao aparecem nos livros. Os Jesuitas ndo apa- | recem nesses livros, como é que se pode entender o Brasil, sem ] ao menos ter nocao de que os jesuitas tiveram uma participagao importante no inicio no processo de colonizagao do pais?) z Essa historia ndo tem nome, nao tem datas, ndo tem movi- 5 mento. Nés, que sabemos algumas datas, nomes e movimentos, somos capazes de fazer a critica a uma historia factual, e uma crianga de 11 anos, que nao conhece os nomes de personagens historicos, que ndo sabe data nenhuma e que nao tem essa nocao de movimento na histdria? Como é a historia que ele vai aprender? Muito do que se fala e do que se diz que os positivistas disseram, na verdade nao corresponde. Mas, no caso do Brasil é interes- (sante estudar 0 positivismo. Devemos pensar o seguinte: porqué , uma doutrina de carater conservador, moralista e reacionario, no ” Brasil, em muitos momentos, assumiu 0 carater de uma visao de mundo progressista? 134 Na verdade, é importante considerarmos o contexto sdcio- -politico e cultural brasileiro da segunda metade do Século XIX para discutirmos o desenvolvimento e a influéncia que entre nos tiveram as ideias positivistas, especialmente nos meios politicos. E ha muitas diferencas entre os positivistas. Algumas sutis e outras de grande dimensao. Algumas bandeiras defendidas pelos positivistas represen- tavam avancos politicos, outras delas tinharn carater conservadore representaram recuo na propria organiza¢ao politica da sociedade brasileira. Ha diferengas entre o pensamento de Miguel Lemnos eo de Teixeira Mendes, para citarmos apenas dois positivistas. No Brasil, no final do império, no inicio da repUblica, os po- sitivistas defenderam programaticamente a institui¢ao do salario minimo, que nao existia, 0 direito @ penséo, que € a aposenta- doria, 0 direito de greve e o fim da escravidao. Estas bandeiras se apresentaram como ideias progressistas no Brasil. Essas ideias, naquela conjuntura, eram avangadas, porque, objetivamente, 2 sociedade era organizada em fungao do trabalho escravo, sem direitos sociais, nao existia legislagao trabalhista efetiva, e eles defendiam também o fim da imigragao como solugéo para a ocupacéo do pais. Que significado tem essa caracterizacao as- sumida pelo positivismo no Brasil? E verdade que outros aspectos também devem ser destacados e que foram apresentados e de- fendidos pelos positivistas, como por exemplo, a importancia po- litica que teve a defesa dos positivistas da a laicizagao dos cemi- térios no final do império. Como o Estado era catdlico, a igreja detinha o poder sobre os cemitérios. Se a autoridade da igreja de- terminasse que uma pessoa nao poderia ser enterrada num cemi- tério porque era ateu, era protestante, ou qualquer outro motivo, nao podia, entao, ser enterrado no chamado terreno santo. Os positivistas prestaram grande servico @ patria defen- dendo, e finalmente conseguindo, na legislagao, a laicizagao dos 135 | i i i annie istas de- jei, 0 ca- cemitérios. Outro aspecto é 0 casamento civil. Os positivi fenderam que nao houvesse, ou que nao tivesse valor de | samento religioso, mas sim, 0 casamento civil. Um aspecto ambiguo da pregacao dos positivistas no Brasil diz respeito a visao sobre a educacao. O que 0s positivistas queriam, na verdade, era o fim do dominio da igreja catolica sobre a educacao no Brasil. Quando os positivistas pregavam liberdade de ensino, por incrivel que parega, eles defendiam o mesmo argu- mento que os catdlicos, que as autoridades catdlicas. Liberdade no ensino significava poder determinar os rumos da educagao e exercer influéncia sobre a educagao escolar. Esses tépicos tém alguns aspectos positivos, mas, alguns negativos. Mas, a meu ver uma questao se distingue em relacdo 4 educagao. Os positivistas brasileiros fizeram sua campanha no final do império e no inicio da republica contra a criagdo de universidades no Brasil. E nesse ponto eles obtiveram grandes vitdrias, diretas € indiretas porque conseguiram atrasar em muitos anos a criagao de universidades no Brasil, que so foi ocorrer depois de 1930. Desde o final do império, até 0 inicio de 1930, 1932, 05 PO- sitivistas, pelo poder que tinham, pela influéncia que exerciam, pelo fato de ocuparem postos importantes no governo, conse- guiram barrara criagdo das universidades no Brasil. Interessante notar que todos esses pontos de vista vinham de pessoas que haviam estudado, muitos deles haviam estudado na Franca. Eles eram pessoas que haviam passado pela universidade. A meu ver, do ponto de vista da educagao, devemos atentar para 0 papel que os positivistas tiveram na construgao da educacao brasileira, e esse 60 aspecto mais notorio da presenga dos positivistas na politica brasileira: a luta pela qual eles se empenharam contra a criagao da universidade no Brasil. Vejamos os argumentos que também, 136 henna tensed Miguel Lemos usou em 1882 contra a universidade no Brasil, 640 cinco argumentos: 1° Que as universidades de estado, depois de terern sido (0s focos da liberdade espiritual, quando 0 catolicismno tornou-se opressor, tornaram-se hoje, por sua vez, insth tuicdes decadentes e um dos maicres obstéculos a toda livre tentativa de reorganizagao espiritual, 2° Que a criago de semelhante instituicao ern nosso pal nao corresponde a nenhuma necessidade real, mas 50 mente ao patriotismo mal esclarecido de um certo nume ro de cidadaos que arrastam-nos assim a irnitar organiza- des caducas, contra as quails protestam ha muito tempo todos os espiritos emancipados do velho mundo; 3° Que o Brasil possui um numero mais que suficiente de escolas superiores para satisfazer 45 necessidades pro- fissionais, e que a fundacao de uma universidade 56 teria como resultado estender e dar rnaior intensidade as de- ploraveis pretensées pedantocraticas da nossa burquesia, Cujos filhos abandonam as demais profissées, igualmente teis e honrosas, para so preacupar-se com a aquisigao de um diploma qualquer; 49 Que a criagdo de semelhante instituigao em nada in- teressa, como se quer fazer acreditar, 8 gloria do reinado do Sr. D. Pedro Il, que, pelo contrario, s6 pode pretender ao reconhecimento da tendéncia de nossa época, € néo sacrificando o nosso futuro a satisfagao de uma vaidade pueril, indigna da alta responsabilidade de sua fungio, 5° Que, finalmente, os sacrficios exigidos para realizar este projeto, serdo outros tantos esforgos desviados, com grande prejuizo para 0 povo, da solicitude que deve inspi- dos, governos e governados, a verdadeira instru- rar a to no somente ¢0 popular, aquela que se dirige a todos € 3 um pequeno numero de privilegiados (LEMOS, 1981, P. 75-76 apud CARROSI, 2004, p. 150). cnuzapos Para encerrar a minha intervengao, gostaria de destacar 0 sequinte: que este tipo de argumentagao foi incorporado pelas elites brasileiras, pelos governantes e velc ulada, Nés vernos este tipo de argumento até hoje, como por exemplo, na seguinte fala “é preciso parar de investir no ensino superior para que sobre di- nheiro para investimentos em infraestrutura e em cuidados corn a crianga”. Vejam que nao é simplesmente um argumento su- perado, do século XIX, mas, um argumento que floresceu, e com 0 qual ainda convivemos. E muito comum o argumento de que o ensino superior é caro, oneroso e até desnecessario. A quais inte- resses atende esse argumento? Referéncias (e indicacées de leituras) CARROSI, Simone da S. N. Miguel Lemos e a oposicao a ideia de criagao de Univer- sidades no Brasil na segunda metade do século XIX. 175 f. Dissertacao (mestrado em educagio). Universidade Estadual de Maringa, Maringa, 2004. CUNHA, Luiz A. A universidade tempora: o ensino superior da Colénia a era Vargas. 3. ed. rev. Sao Paulo: UNESP, 2007. PERRONE-MOISES, L. (Org.). Do positivismo 4 desconstrugao: ideias francesas na América. So Paulo: EDUSP, 2004. RIBEIRO JUNIOR, J. Augusto Comte e o positivismo. Campinas: EDICAMP, 2003. RO- DRIGUES, C. Os cemitérios publicos como alvo das disputas entre Igreja e Estado na crise do Império (1869-1893). Dialogos, Maringa, v. 13, n. 2, p. 119-142, 2009. SANTOS, Luiz A. de C. O pensamento social no Brasil. Campinas: EDICAMP, 2003, SCHWARZ, R. Ao vencedor as batatas: forma literaria e processo social nos inicios do romance brasileiro. Sao Paulo: Livraria Duas Cidades, 1982. TRINDADE, H. (Org.). © positivismo: teoria e pratica: sesquicentendrio da morte de ‘Augusto Comte. 3. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. 138 LEONI Mama PADILN Dados Internacionais de CatalogacSo na Publicacao (cp) Elaborado por Sénia Magatha, ies Bibliotecéria cRag/1191 Filosofia e educacs © Caminhos cruzados / Leoni Maria Padilha Henning, (org) = Fase 1. ed.~ Curitiba : Appris, 2018 2015 327 p.; 21cm Inclui bibliografias ISBN 978-85-8192.545.5 1. Educagao — Filosofia, 2. Hermengutica Henning, Leoni Maria Paditha (DD 20. ed. 370.1 ee Tel: (41) 3203-3108 - (41) 3030-4570 Printed in Bra Impresso no Bra Leoni Maria Padilha Henning. (Org.) FILOSOFIA E EDUCAGAO CAMINHOS CRUZADOS Aisin, ie Curitiba - PR 2015 PARTE III POSITIVISMO E EDUCAGAO 5 ~ POSITIVISMO E EDUCAGAO: ALGUMAS IDEIAS PEDAGOGic g< DE AUGUSTO COMTE Gustavo Biscaia de Lacerda 6 ~ POSITIVISMO E EDUCAGAO NO BRASIL Cézar de Alencar Arnaut de Toledo 7 ~ INTERVENCOES.... Sergio Tiski PARTE IV MARXISMO E EDUCAGAO 8 - NOGOES SOBRE MARKISMO E EDUCAGAO.. Paolo Nosella 0 E EDUCACAO: UMA CARTA A PAOLO 9 - MARX, MARXISM NOSELLA.. Avelino da Rosa Oliveira PARTEV HERMENEUTICA E EDUCACAO 10 - NOTAS SOBRE HERMENEUTICA E EDUCAGAO.... Nadja Hermann SOBRE HERMENEUTICA E 1.1 - FORMAGAO E DIALOG EDUCAGAO..... José Fernandes Weber

Você também pode gostar