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19&20 - A Festa Da Imagem - A Afirmação Da Escultura Pública Paulo Knauss
19&20 - A Festa Da Imagem - A Afirmação Da Escultura Pública Paulo Knauss
A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX, por Paulo Knauss
A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no
Brasil do século XIX *
Paulo Knauss [1]
KNAUSS, Paulo. A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século
XIX. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 4, out./dez. 2010. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/obras/pknauss.htm>.
* * *
Festa da imagem
Em 30 de março de 1862, a cidade do Rio de Janeiro assistiu uma de suas
maiores festas cívicas [Figura 1]. O motivo era a inauguração da primeira
escultura pública do Brasil, a estátua equestre de d. Pedro I [Figura 2]. A
promoção da imagem estabeleceu um novo lugar para a escultura na
sociedade, integrando o Brasil no contexto de uma prática do mundo ocidental
do liberalismo. O Brasil se aproximou, assim, do que na França seria
conhecido como a estatuamania no fim do século XIX.[2]
A inauguração da estátua foi organizada como uma grande festa urbana.
Originalmente, prevista para o dia 25 de março, data da Constituição, a
inauguração da estátua terminou sendo transferida para o próprio dia 30 de
março devido às chuvas fortes típicas da estação do ano. Mesmo assim, no dia
da realização da cerimônia uma chuva discreta acompanhou os festejos.
Maria Eurydice Ribeiro de Barros descreve como a cidade não pôde ficar
indiferente a este momento da vida urbana.[3] O anúncio e os preparativos da
festa foram estabelecendo na população uma grande expectativa. Semanas
antes, os curiosos procuravam a praça para tentar ver o monumento em
construção e admirar as partes do pedestal expostas. Um motivo de atração a
mais eram os lampiões gigantes, que deveriam servir para iluminar a estátua e
a praça de modo especial para a época. A imprensa dizia que a luz dos
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Para a inauguração, a imprensa anunciou o aluguel de cômodos com janelas e
cadeiras para assistir os festejos com conforto, dando a dimensão do poder de
atração da festa organizada para a estátua do imperador. O horário dos trens
foi adaptado, de modo a garantir a presença do maior número de interessados.
A multidão parece ter tomado conta da cena, como se vê em gravura de época
[Figura 3]. O comércio foi contagiado e ofereceu aos consumidores diversos
artigos. A imagem do imperador apareceu estampada em pesos de vidro para
papel, desenhos, hinos e gravuras vendidos nas lojas, entre outros tantos
produtos. O comércio teve, também, participação importante na decoração da
cidade, ao oferecer folhas de mangueira, cedro e canela para embelezar a
arquitetura urbana. Além disso, as lojas ofereceram acessórios para baile e
teatro, como cintos, luvas, leques que vinham com uma estampa do
monumento, bem como artigos de toalete, que caracterizavam a ocasião como
de grande gala. O movimento da cidade afirmava a festa da imagem.
Mesmo com a mudança da data da inauguração, o programa previsto foi
mantido com pequenas alterações, como se pode acompanhar nas páginas do
Jornal do Comércio o principal veículo da imprensa da época. No início do
dia, as fortalezas, que ocupavam posição de destaque na paisagem da cidade,
apareceram embandeiradas, salvas militares foram lançadas e repiques de
sinos soaram na cidade para anunciar a cerimônia que se preparava. Um
desfile triunfal foi organizado, reunindo diversas autoridades apresentadas em
alas. À frente representantes da Justiça e da polícia: juízes de paz, delegados,
comandantes e oficiais de polícia, notários públicos, procuradores. Reuniram
se, ainda, diversas alas que representavam diferentes comissões, além de
políticos e de membros da Igreja: deputados, seguidos de vereadores,
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A descrição de toda a cerimônia de inauguração da estátua de d. Pedro I indica
que o rito social envolveu a imagem. O que chama atenção é o potencial da
escultura pública para mobilizar a sociedade. É no processo de ritualização
que a escultura se apresenta ao olhar.
Ritualização da imagem
A cerimônia de inauguração da estátua equestre de d. Pedro I, porém, apenas
completava um longo processo de ritualização da imagem caracterizado por
várias etapas.
A ideia original da escultura foi promovida em 1825 na Câmara Municipal do
Rio de Janeiro depois de sugerida no folheto Despertar Constitucional
Extraordinário. A iniciativa da instituição política municipal, que foi o centro
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político do processo de Independência nacional, obteve autorização do próprio
imperador d. Pedro I. O local então definido para instalar a escultura foi o
Campo de Santana, área onde havia sido realizada a cerimônia de aclamação
do monarca em 1822.[4] O arquiteto Grandjean de Montigny chegou a
preparar dois projetos de padrão neoclássico. As mudanças políticas da época,
que levaram à impopularidade do imperador e sua abdicação, em 1831,
acabaram por inviabilizar o projeto.
O projeto da escultura é retomado no ano de 1839 por uma comissão
promotora da iniciativa que lançou uma subscrição pública para arrecadar
fundos para o projeto, tal como se verifica em prospecto de época.[5] Isso
ocorreu um ano antes do chamado Golpe da Maioridade, que conduziria ao
trono o imperador d. Pedro II, antes do previsto. Não se pode considerar uma
coincidência o fato da retomada do projeto da escultura pública do primeiro
monarca do Brasil, que representa a política do centralismo monárquico, tenha
voltado à baila justamente no momento de crítica à ordem regencial de tom
federalista. Assim, o sentido político implícito à imagem colabora na
moldagem da imagem escultórica.
O projeto da estátua do imperador só seria definitivamente retomado pela
Câmara da cidade do Rio de Janeiro em 1853, a partir da nomeação de uma
nova comissão de promoção e execução da escultura. O projeto recebeu,
ainda, no ano seguinte o apoio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a
primeira instituição acadêmica do país que se dedicava a promover a história
nacional e que se manifestou cobrando das autoridades a continuidade do
projeto adiante. Assim, o projeto tinha um pilar no mundo do governo, mas
igualmente um outro apoio na sociedade civil definindo o espaço de sua
promoção.
Após a organização da comissão de promoção da imagem e do lançamento da
subscrição pública, em 1855 ocorreu o lançamento do edital publicado em
vários jornais que anunciava o processo de seleção do projeto escultórico. O
concurso teve 35 trabalhos inscritos, e três selecionados e premiados. O
primeiro lugar, no entanto, foi concedido ao projeto reconhecido pelo
anagrama Independência ou Morte, de autoria de João Maximiano Mafra
(18231908), professor de pintura histórica da Academia Imperial das Belas
Artes AIBA, principal centro da criação artística do Brasil no século XIX. Os
outros projetos selecionados foram os de Luiz Jorge Bappo e Louis Rochet.
Diante das dificuldades técnicas de realizar o projeto no Brasil, o artista
francês Louis Rochet foi escolhido para desenvolver o projeto vencedor em
seu ateliê na cidade de Paris.
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De resto, a instalação da estátua foi demarcada, também, pelo ritual de
lançamento da pedra fundamental, em 12 de outubro de 1855, data do
aniversário de Pedro I, que foi acompanhada pelo enterro no local da pedra
fundamental de uma caixa com medalha da estátua, moedas dos reinados de
Pedro I e de Pedro II, o auto da estátua e a versão original da Constituição. A
inauguração, que fora prevista para o dia 25 de março, data de aniversário da
primeira Constituição nacional, mas que terminou se realizando apenas no dia
30 de março completou o processo de promoção da imagem.[6]
Nesses termos, a compreensão da história da escultura pública não se basta
nela mesma, pois sua concepção não pode ser isolada do processo social de
moldagem que envolve a escultura ritualizada.
Construção narrativa
O conjunto escultórico inaugurado em 1862 na cidade do Rio de Janeiro
marcou a história da escultura no Brasil. Não apenas por seu tamanho,
materiais nobres e qualidades artísticas. A estátua equestre de d. Pedro I ,
também, abriu a era da escultura cívica de lógica monumental que mobilizava
a sociedade em torno do culto da nação. A marca destas imagens é se
caracterizarem, também, como representações do passado que afirmam
leituras da história.
Importa destacar que há uma estrutura narrativa que define a composição geral
sob a lógica do monumento. No caso da estátua de d. Pedro I, o conjunto é
simétrico, de base quadrangular com aspecto octogonal devido aos cantos
chanfrados. A composição escalonada se organiza a partir de um gradil de
proteção, uma base de cantaria, um pedestal e a estátua, propriamente dita. O
gradil de ferro compõe um octógono que cerca a escultura e traz em cada
coluna, a inscrição de uma data que demarca os principais fatos da história da
independência e da afirmação do Estado nacional; o pedestal em granito
apresenta em cada um de suas faces laterais alegorias de bronze que
representam os rios do país Amazonas, Madeira, Paraná e São Francisco
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17/05/2016 19&20 A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX, por Paulo Knauss
associando a imagem de índios e animais esculpidos em bronze; no alto do
pedestal, antes da estátua, contorna a peça os brasões das vinte províncias
imperiais, e, finalmente, encimando o conjunto, a estátua equestre do
imperador em trajes militares sem insígnias monárquicas, com um braço
esticado que traz na mão um livro, que representa a primeira Constituição
nacional, outorgada em 1824. Mesmo o livro sendo de proporções pequenas,
chama atenção pelo fato de ser o único elemento fora do eixo principal da
composição simétrica, destacandose do conjunto. Na face principal, na
cimalha do pedestal, abaixo da estátua, aparece um escudo com a inscrição D.
Pedro I, gratidão dos brasileiros [Figura 4]. [7]
Cabe anotar, ainda, que a proposta de subscrição pública de 1839, ainda que
tivesse como foco principal a estátua do imperador d. Pedro I, propunha
erguer, também, uma segunda estátua homenageando o Patriarca da
Independência, José Bonifácio. Esta estátua [Figura 5] seria inteiramente
concebida e realizada por Louis Rochet, na França, e inaugurada no Rio de
Janeiro em 7 de setembro de 1872, por ocasião das festividades do
cinquentenário da Independência. Enquanto o imperador foi representado a
cavalo trazendo a Constituição para simbolizar a afirmação do Estado
nacional, José Bonifácio foi representado como intelectual cercado de alegoria
das virtudes clássicas, simbolizando a razão de Estado. As duas imagens se
completavam, e a promoção da primeira imagem se estendida, assim, pela
segunda imagem, constituindo um circuito narrativo que unia duas praças
importantes na vida urbana, constituindo um texto urbano.
Este vínculo entre as duas peças já estava explicitado no documento da
subscrição para realizar as duas estátuas, referindose a “dois monumentos em
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memória do Senhor d. Pedro I e de seu ministro e conselheiro José Bonifácio
de Andrada e Silva”.[8] A mesma fonte afirma, ainda, que as estátuas seriam
capazes de levar “a mais remota posteridade a memória destes dois varões
insignes”. A citação indica que a definição da escultura como monumental
estava baseada na caracterização da escultura pública como recurso da arte de
memória. Mas, ao lado disso, o documento afirma um princípio de gratidão
que estabelece a base afetiva da lembrança e estabelece o vínculo entre
passado e presente. O prospecto de lançamento da subscrição dizia, em certa
passagem, que “a história das nações consagra [...], o nome daqueles homens
que [...] se tornarão credores da veneração de seus concidadãos da
humanidade”, e termina afirmando que “os povos agradecidos os transmitem
de pais a filhos”. Portanto, evidenciase que a promoção da escultura pública
operava a lembrança do agradecimento para justificar o presente como
continuidade do que passou e sacralizando o objeto da memória.
Ocorre que a construção da narrativa fixada na escultura pública não ocorre no
isolamento do artista em seu ateliê. Antes do concurso, no processo de
estabelecimento da comissão promotora da imagem, numa sessão do IHGB de
1854, Joaquim Norberto de Sousa e Silva propôs, pela primeira vez, relacionar
o projeto da estátua à história da Constituição e da afirmação do regime
monárquico. Como indica Iara Liz Carvalho Souza [9], é a partir daí que a
discussão ultrapassa o âmbito do IHGB e alcança o debate na Câmara e nas
páginas de jornais. É nessa altura que Araújo PortoAlegre membro do IHGB
e professor da AIBA defendeu em O Guanabara a opção pela solução
equestre, associada ao gesto que traduz o ato da independência, fixado na
pintura desde a década de 1840 com o quadro de FrançoisRené Moreau. De
todo modo, o debate definiu o programa da escultura realizada, que se afastou
das orientações originais de Grandjean de Montigny, caracterizando uma
operação seletiva de modelos. A concepção final conseguiu sintetizar as duas
associações propostas por Joaquim Norberto de Sousa e PortoAlegre ao fixar
a imagem equestre do imperador no gesto de lançar uma mão ao alto
segurando um livro, associando de modo original o ato que encarna a
proclamação da independência com o ícone da afirmação do Estado nacional
que é a Constituição.
Essas referências permitem indicar que a criação do escultor dialogava com as
propostas que emergiram no debate público sobre a imagem, produzindo um
contexto de autoria compartilhada que contribui para definir o caráter público
da escultura que vai além do fato de se localizar em área urbana.
Importa, ainda, anotar que os documentos de referência do projeto cumpriam
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uma função de definir os conteúdos daquilo que a escultura deveria traduzir
plasticamente, buscando controlar a concepção e a interpretação da imagem.
Assim, no entrelaçamento intertextual da escrita e da cidade se antecipa a obra
e a narrativa escultórica.
Leituras da história
De todo modo, o que interessa sublinhar é que a promoção da escultura se
realizava num ambiente de debate e disputa de sentidos, contrapondo
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Desafio do tempo
A promoção da estátua do primeiro imperador do Brasil lançou um modelo de
mobilização social que relacionava usos da imagem e usos do passado na
cidade. Seu exemplo serviu para inspirar, em 1870, a proposta de se erguer
uma estátua ao segundo imperador do Brasil, d. Pedro II.[11] O motivo era
celebrar a vitória militar do Brasil na Guerra do Paraguai, que finalmente
chegara ao fim depois de 5 anos de conflito militar.
O projeto da estátua equestre de d. Pedro II teve como origem um modelo em
gesso [Figura 6] de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, professor de escultura
da Academia Imperial das Belas Artes, apresentado na Exposição Geral de
Belas Artes, conforme ofício de 24 de janeiro de 1866, em que se solicitava
pagamento dos custos da execução do modelo. Poucos anos depois, segundo a
documentação da Academia Imperial das Belas Artes AIBA, diziase que a
escultura perturbava o cotidiano da instituição devido às suas proporções e ao
ocupar o centro da pinacoteca, onde esteve para ser completada a execução da
peça. Finalmente, a obra foi colocada no vestíbulo da entrada do edifício, onde
ficou a partir de 1874, depois de adquirida pelo governo. Em junho de 1882, o
diretor da AIBA solicitou autorização para remover a estátua de d. Pedro II,
tendo em vista as obras do edifício da academia, aconselhando que fosse
colocada no edifício do ministério da Guerra. Com isso, a imagem do
imperador foi transferida para o asilo dos Inválidos da Pátria, onde se achava o
museu militar, localizado na ilha do Bom Jesus, desativado em 1915. Já nessa
época de período republicano, houve a intenção de transferir a escultura para
outro local da cidade do Rio de Janeiro, colocandoa na praça XV de
Novembro. Rejeitada pela então Escola Nacional de Belas Artes (sucessora da
AIBA), a peça foi esquecida onde ficou até ser transferida para o Museu
Histórico Nacional, em 1922, por iniciativa do diretor Gustavo Barroso.[12]
Assim, enquanto o projeto da estátua equestre do primeiro imperador foi
desenvolvido e inaugurado com grande festa urbana, o projeto da estátua de d.
Pedro II nunca foi completado. Esse percurso é apenas um entre os muitos
contrastes entre as duas imagens dos imperadores do Brasil. A força das duas
imagens está no gesto da mão das duas figuras. Enquanto d. Pedro I é
representado em gesto de conquista, erguendo uma das mãos para exibir o
livro da Constituição, na estátua equestre de d. Pedro II a figura do imperador
estende a mão apontando para baixo. Ao celebrar a vitória militar, a mão
estendida da escultura caracteriza a generosidade do vencedor e a
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Importante é notar que a elaboração do projeto da estátua equestre de d. Pedro
II foi anterior à iniciativa de sua promoção pública. A documentação não
ajuda a entender como o modelo de 1866 se transformou no elemento do
projeto do monumento à vitória. De todo modo, a campanha de promoção da
escultura de Chaves Pinheiro foi lançada pelo jornal Diário do Rio de Janeiro
e anunciada no dia 19 de março de 1870. A matéria se completava ao aclamar
a comissão responsável pela iniciativa de organizar o movimento de promoção
da imagem urbana, anunciando o surgimento de outras comissões regionais
por todo o país “[...] pelos nacionais e estrangeiros amigos das glórias da
grandeza e da integridade do Império”. Claramente, a imagem se consagrava à
afirmação do Estado monárquico nacional.
A análise da documentação de época, guardada no arquivo do Museu Nacional
de Belas Artes, no Rio de Janeiro, permite verificar claramente a relação da
imagem com o regime político imperial, pois se fala diretamente de sua
associação com a glória, a grandeza e a integridade do Império. Por outro lado,
o monumento era afirmado como símbolo da vitória da Guerra do Paraguai,
definida como uma luta contra a tirania, identificada com o chefe político do
país inimigo. A intenção de utilizar a matéria do bronze obtida pelo botim de
guerra, seria expressão da vitória brasileira e, ao mesmo tempo, de afirmação
da identidade política do Império do Brasil, definida por contraste em relação
à tirania. A contraposição vitoriosa definia a qualidade e a supremacia do
regime imperial e do Estado nacional brasileiro. E a figura do imperador
encarnava estes pressupostos, o que explica o gesto da estátua.
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gratidão ao nosso imperador”.
O princípio da gratidão caracteriza a notícia e o tratamento da imprensa sobre
a vitória da guerra na Semana Ilustrada, o que revela sua força na leitura da
história e no discurso político da época. Por outro lado, observase também o
destaque dado ao papel do imperador, pois a gratidão é claramente dirigida a
ele, como agente principal da história nacional. Esse mesmo princípio foi
reafirmado no projeto do monumento cívico que corporificava a memória da
vitória na Guerra do Paraguai na figura do imperador.
Porém, no mesmo dia da divulgação do projeto da estátua, o imperador d.
Pedro II surpreendeu a todos apresentando uma carta pública, depois
publicada no mesmo Diário do Rio de Janeiro e no Jornal do Comércio,
recusando a homenagem, em favor da ideia de construção escolas pública,
argumentando que:
Com isso, o imperador sublinhava, de um lado, que sua contrapartida ao
princípio da gratidão do povo, era a confiança nos brasileiros. Sem abrir mão,
portanto, do princípio da gratidão do povo que reforçava sua autoridade, d.
Pedro II dirigia seu pensamento à “nova era de paz”. Desse modo, o
imperador não rejeitava apenas um monumento, mas rejeitava a ideia de
celebrar o passado de guerra. Além disso, para traduzir a era de paz como
momento de afirmação da “dignidade dos brasileiros”, na visão do imperador,
a melhor forma parecia ser a consolidação da educação pública e não a
escultura pública.
Na imprensa, o ministro do Império, Paulino José Soares de Souza,
acompanhava a posição do imperador ao manifestar, em 21 de março de 1871,
sua posição contrária à ideia do monumento a partir dos “elevados sentimentos
do imperador” e “os patrióticos intuitos de sua majestade”. O ministro
defendia o desejo do governo em promover o “adiantamento intelectual e
moral da nação”. Nesse sentido, considerava que a melhor forma de promover
o interesse do “progresso nacional” era aplicar o vigor da iniciativa dos
cidadãos na instrução pública, assinalando o novo tempo da “volta da paz”. A
educação aparecia então como uma das chaves do progresso nacional.
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Alguns dias após a manifestação pública de d. Pedro II em que recusava a
homenagem da escultura pública monumental, a Câmara Municipal do Rio de
Janeiro também expressou seu apoio ao imperador, e defendeu o projeto das
escolas como “base primordial do futuro dos povos [...]” (Escolas Municipais.
Diário do Rio de Janeiro, 5 de abril de 1870.). Claramente, o comentário
sublinhava o papel do futuro na compreensão da história nacional.
Chama atenção nessas manifestações de defesa de um projeto alternativo ao
monumento, que o pensamento sobre a história se desloca. Enquanto o projeto
da estátua monumental se caracterizou por valorizar a guerra, o projeto
alternativo insistiu na paz. Nesse sentido, não era o passado da guerra que
interessava sublinhar, mas o futuro de paz que se colocava em questão. Além
disso, enquanto o primeiro projeto relacionava passado e presente, o projeto de
construção de escolas visava relacionar o presente com o futuro. Passado e
futuro correspondiam, assim, ao binômio de guerra e paz. Por sua vez, a
memória não era mais dirigida para perpetuar o passado no presente, mas para
antecipar um futuro diferente do passado por meio da promoção do progresso
no presente. O projeto das escolas tinha, assim, o progresso como o conceito
chave da leitura alternativa da história.
De fato, na contramão da proposta do monumento, ainda no mesmo ano de
1870, o imperador participou do lançamento da pedra fundamental das
primeiras escolas municipais que foram inauguradas na cidade do Rio de
Janeiro, então Corte imperial. As primeiras escolas inauguradas, em 1872,
foram as escolas municipais São Sebastião (posteriormente chamada Benjamin
Constant e, finalmente, demolida nos anos 40 com a abertura da av. Presidente
Vargas), localizada em Santana; e a São Cristóvão (depois chamada Gonçalves
Dias), localizada no bairro de mesmo nome. Distribuídas por diferentes áreas
da cidade, as escolas conjugavam uma “localização nobre e uma arquitetura de
certa imponência e erudição”, conforme caracteriza Rachel Sisson (1990),
“compatível com a sua condição de homenagem substituta ao Imperador”. As
escolas municipais erguidas nos anos 70 e 80 do século XIX foram envolvidas
pela solenidade imperial a partir dos rituais de lançamento da pedra
fundamental e de inauguração, marcados pela presença e participação do
Imperador. Sua promoção repetiu, então, a ritualização da história que
caracterizou a promoção de monumentos cívicos na mesma época.
No Parlamento, não tardaram as manifestações dos representantes legislativos.
José de Alencar, em maio de 1870, tratou o tema como uma ingerência do
imperador no poder legislativo, uma vez que já havia sido aprovado o
financiamento da elevação da escultura pública. Além disso, criticou a
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17/05/2016 19&20 A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX, por Paulo Knauss
proposta do ministro da Guerra de promover festejos populares com o dinheiro
da subscrição do monumento, considerando que a festa espontânea já havia se
realizado após a guerra.[14] Na sessão seguinte, porém, o parlamento
acompanhou a decisão do imperador e do seu ministro da Guerra. Outra
matéria publicada no Jornal do Comércio de 24 de março de 1870 aponta os
desdobramentos da querela. Aí se reivindicava a implantação do “ensino livre”
como elemento para a prosperidade e para a felicidade a partir do exemplo dos
EUA, afirmandose ser a “alavanca mais poderosa do que estradas de ferro e
telégrafos elétricos”. Nesse caso, o que se colocava não era uma crítica à
recusa do imperador, ou à leitura da história do progresso, mas uma discussão
sobre o modelo de instrução pública. A discussão sobre a estátua provocou,
portanto, um questionamento sobre os limites do poder do chefe de Estado.
Contudo, além do projeto das escolas públicas, a estátua equestre de d. Pedro
II enfrentou a concorrência de dois outros projetos de escultura pública para a
celebração da vitória militar. Ambos se encontram na Coleção Thereza
Cristina da Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Um deles é de autoria dos arquitetos Francisco de Azeredo Monteiro
Caminhoá e Paul Bénard e apresenta a proposta de construção de uma coluna
de 62m de altura sobre o chafariz. Diversas alegorias escultóricas completam o
conjunto, valorizando a figura feminina, a representação da batalha naval do
Riachuelo, em uma das faces, e inscrições de outras batalhas também navais,
como Humaitá e Paissandú. O outro projeto é de autoria de Louis Rochet,
escultor francês que executou o projeto da estátua equestre do primeiro
Imperador, sendo o desenho assinado por Jacques Guiaud. A proposta vem
acompanhada de uma carta do escultor Louis Rochet ao imperador d. Pedro II,
em que apresenta o projeto de uma coluna triunfal de bronze, encimada por
figura alada com lança na mão. Todas as propostas escultóricas tinham como
logradouro o Campo da Aclamação, atual praça da República, ou Campo de
Santana, no Centro da cidade do Rio de Janeiro. O local escolhido para o
monumento foi o palco das comemorações oficiais e populares da vitória
militar, que se desenvolveram em 1870, organizadas em torno do templo da
vitória, monumento de arquitetura efêmera erguido para a ocasião. Estes dois
projetos, porém, se aproximam ao apresentar o mesmo partido centrado na
referência da coluna. Além disso, os dois se caracterizam pelo fato de evitar a
representação da figura do imperador na sua composição. Desse modo,
contrastam com o projeto de Chaves Pinheiro da estátua equestre, que valoriza
a figura do imperador. Mas chama atenção o fato de que o projeto do escultor
francês ser acompanhado por uma carta datada de abril de 1870. A
semelhança das duas propostas permite imaginar que são frutos do mesmo
movimento e do mesmo instante: posterior à polêmica da estátua equestre
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17/05/2016 19&20 A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX, por Paulo Knauss
recusada pelo imperador. Os projetos das colunas comemorativas podem ser
caracterizados, portanto, como contrapropostas ao polêmico projeto da
estátua equestre de Chaves Pinheiro. A indicação da data da carta permite
afirmar também que a ideia do monumento à Guerra do Paraguai não deixou
de povoar as discussões, deixando, no entanto, de valorizar a figura do
imperador com a guerra e buscar uma representação alegórica da vitória
militar nacional. A concorrência dos projetos não favoreceu nenhuma das
propostas de escultura. Todas não passaram de projetos não executados,
deixando de povoar o espaço público da cidade, mas demarcando a história da
Corte imperial.
De todo modo, o projeto da estátua equestre de d. Pedro II evidenciou a
dificuldade de representar o futuro em escultura. Esta dificuldade pode ajudar
a entender porque o Império do Brasil foi pouco dedicado a consagrar a
Guerra do Paraguai, mesmo tendo sido sua grande vitória, como afirma
Ricardo Salles.[15] A vontade do futuro de paz e progresso se contrapôs à
vontade de lembrança do passado de guerra, que corresponde à lógica da arte
monumental. A imagem de um passado, ainda que glorioso, não bastava para
representar a imagem do progresso capaz de antecipar o futuro promissor. A
imagem da transformação dos tempos exigia outros emblemas, que não
estavam contidos na leitura linear da história e na imagem da perenidade do
passado. Foi a arquitetura pública escolar que materializou esse discurso sobre
o futuro próspero da sociedade nacional, sendo a educação o seu tema
principal naquele contexto. A lógica da escultura monumental articulada na
relação passadopresente não dava conta de representar o tempo do progresso.
A escultura narrativa do monumento cívico não tinha referências plásticas para
presentificar o futuro e contar sua história e tratar seu significado.[16]
Assim, ao lado do processo de ritualização da história é a relação passado
presente que servia para estabelecer a lógica do monumento, não deixando
espaço para leituras do futuro.
* O presente artigo, sem as ilustrações, foi originalmente publicado em CAVALCANTI, Ana
Maria Tavares; DAZZI, Camila; VALLE, Arthur (org.). Oitocentos: Arte Brasileira do Império
à Primeira República. 1. ed. Rio de Janeiro: EBAUFRJ; DezenoveVinte, 2008, p. 178186.
[1] Professor do Departamento de História e do Laboratório de História Oral e Imagem da
Universidade Federal Fluminense, DiretorGeral do Arquivo Público do Estado do Rio de
Janeiro
[2] AGULHON, Maurice. La ‘statuomanie’ et l´histoire. In: Histoire vagabonde: etnologie et
politique dans la France contemporaine. Paris, Gallimard, 1988. v1.
[3] RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Memória em bronze, estátua equestre de d. Pedro I.
In: KNAUSS, Paulo (coord.). Cidade vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro. Rio de
http://www.dezenovevinte.net/obras/pknauss.htm 14/15
17/05/2016 19&20 A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX, por Paulo Knauss
Janeiro, Sette Letras, 1999.
[4] SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo,
17801831. São Paulo, Ed. UNESP, 1999. cap. 8.
[5] Prospecto de subscrição de dous monumentos...,1839. Arquivo do IHGB. Lata 59, PS 15.
[6] SANTOS, Gisele Cunha dos & MONTEIRO, Fernanda Fonseca. Celebrando a fundação do
Brasil: a inauguração da Estátua equestre de D. Pedro I. Revista Eletrônica de História do
Brasil. Juiz de Fora: UFJF, v. 4, n. 1, jan./jun. 2000, p. 59 76.
[7] KNAUSS, Paulo. Imaginária urana: escultura pública na paisagem construída do Brasil.
IN: SALGUEIRO, Heliana Angotti (coord.). Paisagem e arte. São Paulo, CBHA, 2000. p.
407414.
[8] Prospecto de subscrição de dous monumentos...,1839. Arquivo do IHGB. Lata 59, p. 15.
[9] SOUZA, Iara Liz Carvalho. Op. cit.
[10] SOUZA, Iara Liz Carvalho. Op. cit.
[11] KNAUSS, Paulo. O desafio de representar o futuro: a estátua equestre de d. Pedro II e os
sentidos da escultura monumental no Brasil. Anais do Museu Histórico Nacional, v. 37, p.
237252, 2005.
[12] Arquivo do Museu Nacional de Belas Artes: AIBA Francisco Manuel Chaves Pinheiro,
18611915, Documentos Diversos AI/doc3.
[13] Carta de D. Pedro II recusando a elevação da estátua em sua homenagem. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 51, 1888.
[14] Anais da Câmara de Deputados, sessão de 19 de maio de 1870. discurso de José de
Alencar.
[15] SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: memórias e imagens. Rio de Janeiro,
Biblioteca Nacional, 2003
[16] Podese dizer que na história da escultura pública do Brasil, esse dilema da lógica dos
monumentos só será resolvido na década de 1930 com o projeto da Juventude Brasileira, de
Bruno Giorgi, que faz parte do conjunto da sede do Ministério da Educação e Saúde, atual
Palácio Gustavo Capanema no Rio de Janeiro. KNAUSS, Paulo. O homem brasileiro
possível: o monumento da Juventude Brasileira. IN: KNAUSS, Paulo (coord.). Cidade
vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Sette Letras, 1999.
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