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17/05/2016 19&20 

­ A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX, por Paulo Knauss

A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no
Brasil do século XIX *
Paulo Knauss [1]
KNAUSS, Paulo. A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século
XIX.  19&20,  Rio  de  Janeiro,  v.  V,  n.  4,  out./dez.  2010.  Disponível  em:
<http://www.dezenovevinte.net/obras/pknauss.htm>.

*     *     *

Festa da imagem

Em  30  de  março  de  1862,  a  cidade  do  Rio  de  Janeiro  assistiu  uma  de  suas
maiores  festas  cívicas  [Figura  1].  O  motivo  era  a  inauguração  da  primeira
escultura  pública  do  Brasil,  a  estátua  equestre  de  d.  Pedro  I  [Figura  2].  A
promoção  da  imagem  estabeleceu  um  novo  lugar  para  a  escultura  na
sociedade, integrando o Brasil no contexto de uma prática do mundo ocidental
do  liberalismo.  O  Brasil  se  aproximou,  assim,  do  que  na  França  seria
conhecido como a estatuamania no fim do século XIX.[2]

Esta  inauguração  consagrou  a  afirmação  da  escultura  pública  no  Brasil  e


instalou  uma  tradição  que  atravessou  os  tempos  até  os  dias  de  hoje.  O
paradoxo  dessa  situação  é  que  no  Brasil  da  época  não  havia  condições
tecnológicas de realização de esculturas de bronze fundido em grande escala.
É isso que explica o fato de que a estátua equestre de d. Pedro I só tenha sido
erguida  décadas  depois  de  proposta  e  sua  confecção  se  realizou  na  França  a
partir de um projeto concebido no Brasil. A evidente limitação tecnológica, no
entanto,  não  impediu  a  afirmação  da  escultura  pública  como  um  elemento
importante de mobilização social e promoção das artes.

A  inauguração  da  estátua  foi  organizada  como  uma  grande  festa  urbana.
Originalmente,  prevista  para  o  dia  25  de  março,  data  da  Constituição,  a
inauguração  da  estátua  terminou  sendo  transferida  para  o  próprio  dia  30  de
março devido às chuvas fortes típicas da estação do ano. Mesmo assim, no dia
da realização da cerimônia uma chuva discreta acompanhou os festejos.

Maria  Eurydice  Ribeiro  de  Barros  descreve  como  a  cidade  não  pôde  ficar
indiferente a este momento da vida urbana.[3] O anúncio e os preparativos da
festa  foram  estabelecendo  na  população  uma  grande  expectativa.  Semanas
antes,  os  curiosos  procuravam  a  praça  para  tentar  ver  o  monumento  em
construção e admirar as partes do pedestal expostas. Um motivo de atração a
mais eram os lampiões gigantes, que deveriam servir para iluminar a estátua e
a  praça  de  modo  especial  para  a  época.  A  imprensa  dizia  que  a  luz  dos
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lampiões  transformaria  as  noites  em  “dias  esplêndidos”,  dando  a  medida  da


empolgação  da  população  urbana. Assim,  toda  a  cidade  foi  sendo  envolvida
pelos preparativos. Importa salientar, que os lampiões chamavam atenção para
a  situação  da  escultura  a  ser  inaugurada,  completando  o  conjunto  urbano. A
implantação da obra de arte pública colocava a imagem do imperador de frente
para  a  rua  da  Imperatriz,  dirigindo­se  para  o  portão  principal  da  Academia
Imperial  das  Belas­Artes,  na  outra  ponta  da  rua.  De  outro  lado,  a  rua  7  de
setembro,  com  a  data  da  Independência  do  Brasil  conduzia  até  a  praça  da
estátua,  estabelecendo  a  ligação  com  a  antigo  largo  do  Paço,  onde  se
localizava a sede de governo e a região mais frequentada da cidade. A escolha
do  local  e  da  posição  da  peça,  evidentemente,  não  foram  aleatórias  e
acompanhavam  o  plano  de  remodelação  daquela  área  urbana,  que  se
transformaria  na  praça  da  Constituição,  tendo  a  escultura  monárquica  ao
centro.

Para a inauguração, a imprensa anunciou o aluguel de cômodos com janelas e
cadeiras para assistir os festejos com conforto, dando a dimensão do poder de
atração  da  festa  organizada  para  a  estátua  do  imperador.  O  horário  dos  trens
foi adaptado, de modo a garantir a presença do maior número de interessados.
A multidão parece ter tomado conta da cena, como se vê em gravura de época
[Figura 3]. O comércio foi contagiado e ofereceu aos consumidores diversos
artigos. A imagem do imperador apareceu estampada em pesos de vidro para
papel,  desenhos,  hinos  e  gravuras  vendidos  nas  lojas,  entre  outros  tantos
produtos. O comércio teve, também, participação importante na decoração da
cidade,  ao  oferecer  folhas  de  mangueira,  cedro  e  canela  para  embelezar  a
arquitetura  urbana.  Além  disso,  as  lojas  ofereceram  acessórios  para  baile  e
teatro,  como  cintos,  luvas,  leques  que  vinham  com  uma  estampa  do
monumento, bem como artigos de toalete, que caracterizavam a ocasião como
de grande gala. O movimento da cidade afirmava a festa da imagem.

Mesmo  com  a  mudança  da  data  da  inauguração,  o  programa  previsto  foi
mantido com pequenas alterações, como se pode acompanhar nas páginas do
Jornal do Comércio ­ o principal veículo da imprensa da época. No início do
dia, as fortalezas, que ocupavam posição de destaque na paisagem da cidade,
apareceram  embandeiradas,  salvas  militares  foram  lançadas  e  repiques  de
sinos  soaram  na  cidade  para  anunciar  a  cerimônia  que  se  preparava.  Um
desfile triunfal foi organizado, reunindo diversas autoridades apresentadas em
alas. À frente representantes da Justiça e da polícia: juízes de paz, delegados,
comandantes e oficiais de polícia, notários públicos, procuradores. Reuniram­
se,  ainda,  diversas  alas  que  representavam  diferentes  comissões,  além  de
políticos  e  de  membros  da  Igreja:  deputados,  seguidos  de  vereadores,

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ministros,  conselheiros  de  Estado,  homens  da  Corte,  prelados  e  bispos.


Completavam  ainda  o  cortejo,  os  membros  da  Câmara  Municipal  que
carregavam  o  pálio,  sob  o  qual  se  colocaram  o  Imperador,  a  Imperatriz  e  as
princesas  imperiais  para  se  apresentar  à  população.  Ao  final,  se  juntou  ao
cortejo  a  comissão  responsável  pela  mobilização  pública  em  torno  da
construção  da  estátua.  Toda  organização  foi  marcada  pela  exposição  das
insígnias imperiais. O ritual serviu, assim, para a promoção da imagem.

Ao  chegar  à  praça  da  estátua,  a  população  cercou  a  estátua,  enquanto  as


autoridades oficiais se posicionaram na varanda do Teatro São João, o maior
da cidade na época. Desse lugar de destaque, a ordem institucional do país era
afirmada pela reunião do imperador e da família imperial, dos representantes
políticos das assembleias provinciais e da Câmara Municipal e dos membros
do corpo diplomático e consular. Tropas militares procederam, em seguida, à
apresentação  de  armas.  Depois  disso,  ao  som  do  hino  da  independência,
acompanhada  do  imperador,  a  comissão  promotora    se  dirigiu  para  junto  da
estátua  descerrar  o  pano  que  a  cobria.  Seguiram­se  vivas  à  independência
nacional,  repetidos  pela  multidão  presente.  Um  Te  Deum  complementou  a
cerimônia  oficial  com  um  ato  religioso  e  concentrou  as  atenções  sobre  um
altar  construído  na  praça.  Na  sequência,  assistiu­se  à  leitura  de  discursos
políticos  que  marcaram  o  evento.  Ao  final,  a  tropa  seguiu  em  marcha  de
continência  acompanhada  do  som  de  bandas  marciais  que  tocaram  o  hino
nacional.  Nessa  altura,  ao  destacar  o  papel  das  autoridades  oficiais  na
cerimônia de inauguração, explicitava­se que mobilização social em torno da
imagem  afirmava  a  ordem  institucional  do  Estado  nacional.  O  rito  definiu  o
caráter  cívico  da  escultura  envolvida  pela  mobilização  social  em  torno  da
imagem escultórica.

A descrição de toda a cerimônia de inauguração da estátua de d. Pedro I indica
que  o  rito  social  envolveu  a  imagem.  O  que  chama  atenção  é  o  potencial  da
escultura  pública  para  mobilizar  a  sociedade.  É  no  processo  de  ritualização
que a escultura se apresenta ao olhar.

Ritualização da imagem

A cerimônia de inauguração da estátua equestre de d. Pedro I, porém, apenas
completava  um  longo  processo  de  ritualização  da  imagem  caracterizado  por
várias etapas.

A ideia original da escultura foi promovida em 1825 na Câmara Municipal do
Rio  de  Janeiro  depois  de  sugerida  no  folheto  Despertar  Constitucional
Extraordinário. A iniciativa da instituição política municipal, que foi o centro

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político do processo de Independência nacional, obteve autorização do próprio
imperador  d.  Pedro  I.  O  local  então  definido  para  instalar  a  escultura  foi  o
Campo de Santana, área onde havia sido realizada a cerimônia de aclamação
do  monarca  em  1822.[4]  O  arquiteto  Grandjean  de  Montigny  chegou  a
preparar dois projetos de padrão neoclássico. As mudanças políticas da época,
que  levaram  à  impopularidade  do  imperador  e  sua  abdicação,  em  1831,
acabaram por inviabilizar o projeto.

O  projeto  da  escultura  é  retomado  no  ano  de  1839  por  uma  comissão
promotora  da  iniciativa  que  lançou  uma  subscrição  pública  para  arrecadar
fundos  para  o  projeto,  tal  como  se  verifica  em  prospecto  de  época.[5]  Isso
ocorreu  um  ano  antes  do  chamado  Golpe  da  Maioridade,  que  conduziria  ao
trono o imperador d. Pedro II, antes do previsto. Não se pode considerar uma
coincidência  o  fato  da  retomada  do  projeto  da  escultura  pública  do  primeiro
monarca do Brasil, que representa a política do centralismo monárquico, tenha
voltado  à  baila  justamente  no  momento  de  crítica  à  ordem  regencial  de  tom
federalista.  Assim,  o  sentido  político  implícito  à  imagem  colabora  na
moldagem da imagem escultórica.

O  projeto  da  estátua  do  imperador  só  seria  definitivamente  retomado  pela
Câmara da cidade do Rio de Janeiro em 1853, a partir da nomeação de uma
nova  comissão  de  promoção  e  execução  da  escultura.  O  projeto  recebeu,
ainda, no ano seguinte o apoio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a
primeira instituição acadêmica do país que se dedicava a promover a história
nacional  e  que  se  manifestou  cobrando  das  autoridades  a  continuidade  do
projeto  adiante. Assim,  o  projeto  tinha  um  pilar  no  mundo  do  governo,  mas
igualmente  um  outro  apoio  na  sociedade  civil  definindo  o  espaço  de  sua
promoção.

Após a organização da comissão de promoção da imagem e do lançamento da
subscrição  pública,  em  1855  ocorreu  o  lançamento  do  edital  publicado  em
vários  jornais  que  anunciava  o  processo  de  seleção  do  projeto  escultórico.  O
concurso  teve  35  trabalhos  inscritos,  e  três  selecionados  e  premiados.  O
primeiro  lugar,  no  entanto,  foi  concedido  ao  projeto  reconhecido  pelo
anagrama  Independência  ou  Morte,  de  autoria  de  João  Maximiano  Mafra
(1823­1908),  professor  de  pintura  histórica  da Academia  Imperial  das  Belas
Artes ­ AIBA, principal centro da criação artística do Brasil no século XIX. Os
outros  projetos  selecionados  foram  os  de  Luiz  Jorge  Bappo  e  Louis  Rochet.
Diante  das  dificuldades  técnicas  de  realizar  o  projeto  no  Brasil,  o  artista
francês  Louis  Rochet  foi  escolhido  para  desenvolver  o  projeto  vencedor  em
seu ateliê na cidade de Paris.

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De  resto,  a  instalação  da  estátua  foi  demarcada,  também,  pelo  ritual  de
lançamento  da  pedra  fundamental,  em  12  de  outubro  de  1855,  data  do
aniversário  de  Pedro  I,  que  foi  acompanhada  pelo  enterro  no  local  da  pedra
fundamental  de  uma  caixa  com  medalha  da  estátua,  moedas  dos  reinados  de
Pedro I e de Pedro II, o auto da estátua e a versão original da Constituição. A
inauguração, que fora prevista para o dia 25 de março, data de aniversário da
primeira Constituição nacional, mas que terminou se realizando apenas no dia
30 de março completou o processo de promoção da imagem.[6]

Assim,  observa­se  que  a  promoção  da  imagem  obedecia  a  um  padrão


demarcado  por  várias  etapas,  iniciando­se  pela  proposição  pública  da  ideia,
pela  organização  da  iniciativa  por  meio  da  nomeação  de  uma  comissão
promotora  da  imagem,  seguindo­se  a  mobilização  social  em  torno  da
subscrição  pública,  da  instalação  do  concurso  público  de  seleção  de  projeto,
pelo  lançamento  da  pedra  fundamental  e  pela  cerimônia  de  inauguração  da
escultura pública. A promoção da imagem terminou, portanto, caracterizando­
se como um largo processo de ritualização da escultura na cidade.

Nesses  termos,  a  compreensão  da  história  da  escultura  pública  não  se  basta
nela  mesma,  pois  sua  concepção  não  pode  ser  isolada  do  processo  social  de
moldagem que envolve a escultura ritualizada.

Construção narrativa

O  conjunto  escultórico  inaugurado  em  1862  na  cidade  do  Rio  de  Janeiro
marcou  a  história  da  escultura  no  Brasil.  Não  apenas  por  seu  tamanho,
materiais  nobres  e  qualidades  artísticas.  A  estátua  equestre  de  d.  Pedro  I  ,
também, abriu a era da escultura cívica de lógica monumental que mobilizava
a  sociedade  em  torno  do  culto  da  nação.  A  marca  destas  imagens  é  se
caracterizarem,  também,  como  representações  do  passado  que  afirmam
leituras da história.

Importa destacar que há uma estrutura narrativa que define a composição geral
sob  a  lógica  do  monumento.  No  caso  da  estátua  de  d.  Pedro  I,  o  conjunto  é
simétrico,  de  base  quadrangular  com  aspecto  octogonal  devido  aos  cantos
chanfrados.  A  composição  escalonada  se  organiza  a  partir  de  um  gradil  de
proteção, uma base de cantaria, um pedestal e a estátua, propriamente dita. O
gradil  de  ferro  compõe  um  octógono  que  cerca  a  escultura  e  traz  em  cada
coluna, a inscrição de uma data que demarca os principais fatos da história da
independência  e  da  afirmação  do  Estado  nacional;  o  pedestal  em  granito
apresenta  em  cada  um  de  suas  faces  laterais  alegorias  de  bronze  que
representam  os  rios  do  país  ­ Amazonas,  Madeira,  Paraná  e  São  Francisco  ­

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associando  a  imagem  de  índios  e  animais  esculpidos  em  bronze;  no  alto  do
pedestal,  antes  da  estátua,  contorna  a  peça  os  brasões  das  vinte  províncias
imperiais,  e,  finalmente,  encimando  o  conjunto,  a  estátua  equestre  do
imperador  em  trajes  militares  sem  insígnias  monárquicas,  com  um  braço
esticado  que  traz  na  mão  um  livro,  que  representa  a  primeira  Constituição
nacional, outorgada em 1824. Mesmo o livro sendo de proporções pequenas,
chama  atenção  pelo  fato  de  ser  o  único  elemento  fora  do  eixo  principal  da
composição  simétrica,  destacando­se  do  conjunto.  Na  face  principal,  na
cimalha do pedestal, abaixo da estátua, aparece um escudo com a inscrição D.
Pedro I, gratidão dos brasileiros [Figura 4]. [7]

A  estrutura  narrativa  da  escultura  monumental  se  evidencia  ao  relacionar


tempo, espaço e sujeito da história, afirmando um enunciado­chave. O tempo
da  história  aparece  na  cronologia  inscrita  no  gradil;  o  espaço  da  história  é
tratado  no  pedestal  pelas  alegorias  dos  rios  nacionais  e  pelos  brasões  das
províncias  imperiais;  o  sujeito  da  história  e  o  produto  de  sua  ação  se
inscrevem  na  estátua  do  imperador  com  a  Constituição  na  mão.  Há  assim,
claramente  a  demarcação  do  tempo,  do  espaço  e  do  sujeito  da  história  para
contar  a  história  da  afirmação  do  Estado  nacional,  por  meio  da  escultura. A
chave de leitura da história se afirma, no entanto, pela inscrição do enunciado
da gratidão, que explica a razão do culto da imagem e a lembrança do passado
no presente. Explicita­se um certo uso do passado que afirma o caráter cívico
da  história  e  da  arte,  definindo  a  escultura  monumental  como  imagem  do
civismo.

Cabe anotar, ainda, que a proposta de subscrição pública de 1839, ainda que
tivesse  como  foco  principal  a  estátua  do  imperador  d.  Pedro  I,  propunha
erguer,  também,  uma  segunda  estátua  homenageando  o  Patriarca  da
Independência,  José  Bonifácio.  Esta  estátua  [Figura  5]  seria  inteiramente
concebida  e  realizada  por  Louis  Rochet,  na  França,  e  inaugurada  no  Rio  de
Janeiro  em  7  de  setembro  de  1872,  por  ocasião  das  festividades  do
cinquentenário  da  Independência.  Enquanto  o  imperador  foi  representado  a
cavalo  trazendo  a  Constituição  para  simbolizar  a  afirmação  do  Estado
nacional, José Bonifácio foi representado como intelectual cercado de alegoria
das  virtudes  clássicas,  simbolizando  a  razão  de  Estado. As  duas  imagens  se
completavam,  e  a  promoção  da  primeira  imagem  se  estendida,  assim,  pela
segunda  imagem,  constituindo  um  circuito  narrativo  que  unia  duas  praças
importantes na vida urbana, constituindo um texto urbano.

Este  vínculo  entre  as  duas  peças  já  estava  explicitado  no  documento  da
subscrição para realizar as duas estátuas, referindo­se a “dois monumentos em

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memória do Senhor d. Pedro I e de seu ministro e conselheiro José Bonifácio
de Andrada e Silva”.[8] A mesma fonte afirma, ainda, que as estátuas seriam
capazes  de  levar  “a  mais  remota  posteridade  a  memória  destes  dois  varões
insignes”.   A  citação  indica  que  a  definição  da  escultura  como  monumental
estava baseada na caracterização da escultura pública como recurso da arte de
memória.  Mas,  ao  lado  disso,  o  documento  afirma  um  princípio  de  gratidão
que  estabelece  a  base  afetiva  da  lembrança  e  estabelece  o  vínculo  entre
passado e presente. O prospecto de lançamento da subscrição dizia, em certa
passagem, que “a história das nações consagra [...], o nome daqueles homens
que  [...]  se  tornarão  credores  da  veneração  de  seus  concidadãos  da
humanidade”, e termina afirmando que “os povos agradecidos os transmitem
de pais a filhos”. Portanto, evidencia­se que a promoção da escultura pública
operava  a  lembrança  do  agradecimento  para  justificar  o  presente  como
continuidade do que passou e sacralizando o objeto da memória.

Ocorre que a construção da narrativa fixada na escultura pública não ocorre no
isolamento  do  artista  em  seu  ateliê.  Antes  do  concurso,  no  processo  de
estabelecimento da comissão promotora da imagem, numa sessão do IHGB de
1854, Joaquim Norberto de Sousa e Silva propôs, pela primeira vez, relacionar
o  projeto  da  estátua  à  história  da  Constituição  e  da  afirmação  do  regime
monárquico.  Como  indica  Iara  Liz  Carvalho  Souza  [9],  é  a  partir  daí  que  a
discussão  ultrapassa  o  âmbito  do  IHGB  e  alcança  o  debate  na  Câmara  e  nas
páginas de jornais. É nessa altura que Araújo Porto­Alegre ­ membro do IHGB
e  professor  da  AIBA  ­  defendeu  em  O  Guanabara  a  opção  pela  solução
equestre,  associada  ao  gesto  que  traduz  o  ato  da  independência,  fixado  na
pintura desde a década de 1840 com o quadro de François­René Moreau.  De
todo modo, o debate definiu o programa da escultura realizada, que se afastou
das  orientações  originais  de  Grandjean  de  Montigny,  caracterizando  uma
operação seletiva de modelos. A concepção final conseguiu sintetizar as duas
associações propostas por Joaquim Norberto de Sousa e Porto­Alegre ao fixar
a  imagem  equestre  do  imperador  no  gesto  de  lançar  uma  mão  ao  alto
segurando  um  livro,  associando  de  modo  original  o  ato  que  encarna  a
proclamação da independência com o ícone da afirmação do Estado nacional
que é a Constituição.

Essas referências permitem indicar que a criação do escultor dialogava com as
propostas  que emergiram  no  debate público  sobre  a  imagem,  produzindo um
contexto de autoria compartilhada que contribui para definir o caráter público
da escultura que vai além do fato de se localizar em área urbana.

Importa, ainda, anotar que os documentos de referência do projeto cumpriam

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uma  função  de  definir  os  conteúdos  daquilo  que  a  escultura  deveria  traduzir
plasticamente,  buscando  controlar  a  concepção  e  a  interpretação  da  imagem.
Assim, no entrelaçamento intertextual da escrita e da cidade se antecipa a obra
e a narrativa escultórica.

Leituras da história

A  inauguração  e  a  exposição  pública  da  estátua  do  imperador  provocaram


reações que traduzem dimensões da apropriação pública da imagem. No dia da
inauguração um poema de Luiz Vicente de­Simoni foi apresentado, associando
Pedro I e Tiradentes numa combinação especial que não contrapunha os dois
personagens  da  história  nacional. A  sobreposição  era  reforçada  pelo  fato  de
que  o  logradouro  em  que  se  instalou  a  imagem  do  imperador  foi  o  lugar  do
martírio  do  herói  da  Inconfidência  Mineira.  Um  fio  condutor  da  história  era
articulado por meio da lembrança do passado. Nas páginas do Diário do Rio
de  Janeiro,  no  dia  da  inauguração  Teophilo  Benedicto  Ottoni,  por  sua  vez,
manifestava  sua  oposição  à  iniciativa  de  promoção  da  estátua,  considerando
que Pedro I não era digno da homenagem, colocando o personagem assim no
centro  de  controvérsia  histórica.  Ottoni  questionava  o  fato  de  que  a
independência  não  era  obra  de  um  único  nome,  sublinhava  o  fato  de  que  a
Constituição  foi  obra  outorgada  e  não  uma  construção  da  Assembleia
Constituinte, e levantava a hipótese de que o processo de abdicação foi antes
um ato popular liderado pelo partido liberal. Além disso, o autor celebrava as
inconfidências  e  o  movimento  pernambucano  de  1817,  destacava  a
importância de José Bonifácio no processo de independência e terminava por
contrapor  Tiradentes  a  d.  Pedro  I,  insistindo  na  dissociação  dos  dois
personagens. De modo semelhante, no ano seguinte à inauguração da estátua
do  imperador,  Homem  de  Mello  publicou,  ainda,  um  texto  reavaliando  d.
Pedro I como personagem histórico responsável pela dissolução da assembleia
e  pela  afirmação  de  uma  Carta  Magna  outorgada,  condenando­o  pelo
despotismo. Por sua vez, um opúsculo anônimo circulou na mesma época da
publicação  do  texto  de  Teophilo  Ottoni  para  contestá­lo,  apoiando­se  na
condição  de  testemunho  dos  fatos  e  defendendo  a  posição  de  que  Pedro  I
atuou  no  interesse  dos  brasileiros,  sublinhando,  porém,  que  a  explicação  da
independência  nacional  residia  no  fato  de  que  com  o  retorno  da  Corte  a
Portugal,  não  havia  como  o  Brasil  retornar  à  condição  de  colônia  lusitana,
sendo as Cortes de Lisboa, portanto, o verdadeiro centro dos acontecimentos.
[10]

De  todo  modo,  o  que  interessa  sublinhar  é  que  a  promoção  da  escultura  se
realizava  num  ambiente  de  debate  e  disputa  de  sentidos,  contrapondo

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diferentes  leituras  da  história.  A  polêmica,  ou  melhor,  a  polemização


provocava o olhar sobre a imagem escultórica.

Desafio do tempo

A promoção da estátua do primeiro imperador do Brasil lançou um modelo de
mobilização  social  que  relacionava  usos  da  imagem  e  usos  do  passado  na
cidade.  Seu  exemplo  serviu  para  inspirar,  em  1870,  a  proposta  de  se  erguer
uma  estátua  ao  segundo  imperador  do  Brasil,  d.  Pedro  II.[11]  O  motivo  era
celebrar  a  vitória  militar  do  Brasil  na  Guerra  do  Paraguai,  que  finalmente
chegara ao fim depois de 5 anos de conflito militar.

O projeto da estátua equestre de d. Pedro II teve como origem um modelo em
gesso [Figura 6] de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, professor de escultura
da  Academia  Imperial  das  Belas  Artes,  apresentado  na  Exposição  Geral  de
Belas Artes,  conforme  ofício  de  24  de  janeiro  de  1866,  em  que  se  solicitava
pagamento dos custos da execução do modelo. Poucos anos depois, segundo a
documentação da Academia Imperial das Belas Artes ­ AIBA, dizia­se que a
escultura perturbava o cotidiano da instituição devido às suas proporções e ao
ocupar o centro da pinacoteca, onde esteve para ser completada a execução da
peça. Finalmente, a obra foi colocada no vestíbulo da entrada do edifício, onde
ficou a partir de 1874, depois de adquirida pelo governo. Em junho de 1882, o
diretor  da AIBA  solicitou  autorização  para  remover  a  estátua  de  d.  Pedro  II,
tendo  em  vista  as  obras  do  edifício  da  academia,  aconselhando  que  fosse
colocada  no  edifício  do  ministério  da  Guerra.  Com  isso,  a  imagem  do
imperador foi transferida para o asilo dos Inválidos da Pátria, onde se achava o
museu militar, localizado na ilha do Bom Jesus, desativado em 1915. Já nessa
época de período republicano, houve a intenção de transferir a escultura para
outro  local  da  cidade  do  Rio  de  Janeiro,  colocando­a  na  praça  XV  de
Novembro. Rejeitada pela então Escola Nacional de Belas Artes (sucessora da
AIBA),  a  peça  foi  esquecida  onde  ficou  até  ser  transferida  para  o  Museu
Histórico Nacional, em 1922, por iniciativa do diretor Gustavo Barroso.[12]

Assim,  enquanto  o  projeto  da  estátua  equestre  do  primeiro  imperador  foi
desenvolvido e inaugurado com grande festa urbana, o projeto da estátua de d.
Pedro  II  nunca  foi  completado.  Esse  percurso  é  apenas  um  entre  os  muitos
contrastes entre as duas imagens dos imperadores do Brasil. A força das duas
imagens  está  no  gesto  da  mão  das  duas  figuras.  Enquanto  d.  Pedro  I  é
representado  em  gesto  de  conquista,  erguendo  uma  das  mãos  para  exibir  o
livro da Constituição, na estátua equestre de d. Pedro II a figura do imperador
estende  a  mão  apontando  para  baixo.  Ao  celebrar  a  vitória  militar,  a  mão
estendida  da  escultura  caracteriza  a  generosidade  do  vencedor  e  a
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solidariedade  ao  inimigo  abatido.  O  gesto  das  mãos,  portanto,  distingue  as


duas  imagens  dos  imperadores.  Uma  aproxima  a  estátua  dos  céus,  e  a  outra
aproxima a imagem do espectador. Uma apresenta um imperador que lidera os
cidadãos  pela  sua  dianteira  e  destaque;  a  outra  apresenta  um  imperador  que
procura estar ao lado da sua gente.

Importante é notar que a elaboração do projeto da estátua equestre de d. Pedro
II  foi  anterior  à  iniciativa  de  sua  promoção  pública.  A  documentação  não
ajuda  a  entender  como  o  modelo  de  1866  se  transformou  no  elemento  do
projeto do monumento à vitória. De todo modo, a campanha de promoção da
escultura de Chaves Pinheiro foi lançada pelo jornal Diário do Rio de Janeiro
e anunciada no dia 19 de março de 1870. A matéria se completava ao aclamar
a comissão responsável pela iniciativa de organizar o movimento de promoção
da  imagem  urbana,  anunciando  o  surgimento  de  outras  comissões  regionais
por  todo  o  país  “[...]  pelos  nacionais  e  estrangeiros  amigos  das  glórias  da
grandeza e da integridade do Império”. Claramente, a imagem se consagrava à
afirmação do Estado monárquico nacional.

A análise da documentação de época, guardada no arquivo do Museu Nacional
de  Belas Artes,  no  Rio  de  Janeiro,  permite  verificar  claramente  a  relação  da
imagem  com  o  regime  político  imperial,  pois  se  fala  diretamente  de  sua
associação com a glória, a grandeza e a integridade do Império. Por outro lado,
o  monumento  era  afirmado  como  símbolo  da  vitória  da  Guerra  do  Paraguai,
definida como uma luta contra a tirania, identificada com o chefe político do
país inimigo. A intenção de utilizar a matéria do bronze obtida pelo botim de
guerra, seria expressão da vitória brasileira e, ao mesmo tempo, de afirmação
da identidade política do Império do Brasil, definida por contraste em relação
à  tirania.  A  contraposição  vitoriosa  definia  a  qualidade  e  a  supremacia  do
regime  imperial  e  do  Estado  nacional  brasileiro.  E  a  figura  do  imperador
encarnava estes pressupostos, o que explica o gesto da estátua.

A notícia da vitória militar nacional na  Semana Ilustrada  de  20 de  março de


1870 repete os mesmos elementos que caracterizam o discurso compartilhado
socialmente.  A  revista  atribuía  a  vitória  à  ação  patriótica  de  “bravos
inexcedíveis”,  capazes  de  vingar  a  honra  do  país  ofendido  pela  tirania.  Na
leitura  da  mesma  notícia  do  fim  da  guerra  interessa  sublinhar  que  a  vitória
nacional  é  atribuída  também  às  qualidades  do  imperador:  “tenacidade,
perseverança,  e  robusta  fé  na  santidade  da  causa  que  defendia  realizou  o
símbolo  do  varão  forte”.  Ele,  ao  lado  dos  “bravos  inexcedíveis”  da  frente
militar, encarna a vitória sobre a tirania, que traduz o movimento da Guerra do
Paraguai. A  notícia,  porém,  terminava  clamando  por  “um  brado  uníssono  de

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gratidão ao nosso imperador”.

O princípio da gratidão caracteriza a notícia e o tratamento da imprensa sobre
a vitória da guerra na Semana Ilustrada,  o  que  revela  sua  força  na  leitura  da
história e no discurso político da época. Por outro lado, observa­se também o
destaque dado ao papel do imperador, pois a gratidão é claramente dirigida a
ele,  como  agente  principal  da  história  nacional.  Esse  mesmo  princípio  foi
reafirmado no projeto do monumento cívico que corporificava a memória da
vitória na Guerra do Paraguai na figura do imperador.

Porém,  no  mesmo  dia  da  divulgação  do  projeto  da  estátua,  o  imperador  d.
Pedro  II  surpreendeu  a  todos  apresentando  uma  carta  pública,  depois
publicada  no  mesmo  Diário  do  Rio  de  Janeiro  e  no  Jornal  do  Comércio,
recusando  a  homenagem,  em  favor  da  ideia  de  construção  escolas  pública,
argumentando que:

Se  querem  perpetuar  a  lembrança  do  quanto  confiei  no


patriotismo  dos  brasileiros  para  o  desagravo  completo  da  honra
nacional  e  prestígio  do  nome  brasileiro.  [...]  O  senhor  e  seus
predecessores  sabem  como  sempre  tenho  falado  no  sentido  de
cuidarmos da educação pública, e nada me agradaria tanto a ver
a  nova  era  de  paz  firmada  sobre  conceitos  de  dignidade  dos
brasileiros começar por um grande ato de iniciativa deles ao bem
da educação pública. [13]

Com  isso,  o  imperador  sublinhava,  de  um  lado,  que  sua  contrapartida  ao
princípio da gratidão do povo, era a confiança nos brasileiros. Sem abrir mão,
portanto,  do  princípio  da  gratidão  do  povo  que  reforçava  sua  autoridade,  d.
Pedro  II  dirigia  seu  pensamento  à    “nova  era  de  paz”.  Desse  modo,  o
imperador  não  rejeitava  apenas  um  monumento,  mas  rejeitava  a  ideia  de
celebrar  o  passado  de  guerra.  Além  disso,  para  traduzir  a  era  de  paz  como
momento de afirmação da “dignidade dos brasileiros”, na visão do imperador,
a  melhor  forma  parecia  ser  a  consolidação  da  educação  pública  e  não  a
escultura pública.

Na  imprensa,  o  ministro  do  Império,  Paulino  José  Soares  de  Souza,
acompanhava a posição do imperador ao manifestar, em 21 de março de 1871,
sua posição contrária à ideia do monumento a partir dos “elevados sentimentos
do  imperador”  e  “os  patrióticos  intuitos  de  sua  majestade”.  O  ministro
defendia  o  desejo  do  governo  em  promover  o  “adiantamento  intelectual  e
moral da nação”. Nesse sentido, considerava que a melhor forma de promover
o  interesse  do  “progresso  nacional”  era  aplicar  o  vigor  da  iniciativa  dos
cidadãos na instrução pública, assinalando o novo tempo da “volta da paz”. A
educação aparecia então como uma das chaves do progresso nacional.

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Alguns  dias  após  a  manifestação  pública  de  d.  Pedro  II  em  que  recusava  a
homenagem da escultura pública monumental, a Câmara Municipal do Rio de
Janeiro  também  expressou  seu  apoio  ao  imperador,  e  defendeu  o  projeto  das
escolas como “base primordial do futuro dos povos [...]” (Escolas Municipais.
Diário  do  Rio  de  Janeiro,  5  de  abril  de  1870.).  Claramente,  o  comentário
sublinhava o papel do futuro na compreensão da história nacional.

Chama  atenção  nessas  manifestações  de  defesa  de  um  projeto  alternativo  ao
monumento, que o pensamento sobre a história se desloca. Enquanto o projeto
da  estátua  monumental  se  caracterizou  por  valorizar  a  guerra,  o  projeto
alternativo  insistiu  na  paz.  Nesse  sentido,  não  era  o  passado  da  guerra  que
interessava sublinhar, mas o futuro de paz que se colocava em questão. Além
disso, enquanto o primeiro projeto relacionava passado e presente, o projeto de
construção  de  escolas  visava  relacionar  o  presente  com  o  futuro.  Passado  e
futuro  correspondiam,  assim,  ao  binômio  de  guerra  e  paz.  Por  sua  vez,  a
memória não era mais dirigida para perpetuar o passado no presente, mas para
antecipar um futuro diferente do passado por meio da promoção do progresso
no presente. O projeto das escolas tinha, assim, o progresso como o conceito­
chave da leitura alternativa da história.

De  fato,  na  contramão  da  proposta  do  monumento,  ainda  no  mesmo  ano  de
1870,  o  imperador  participou  do  lançamento  da  pedra  fundamental  das
primeiras  escolas  municipais  que  foram  inauguradas  na  cidade  do  Rio  de
Janeiro,  então  Corte  imperial.  As  primeiras  escolas  inauguradas,  em  1872,
foram as escolas municipais São Sebastião (posteriormente chamada Benjamin
Constant e, finalmente, demolida nos anos 40 com a abertura da av. Presidente
Vargas), localizada em Santana; e a São Cristóvão (depois chamada Gonçalves
Dias), localizada no bairro de mesmo nome. Distribuídas por diferentes áreas
da cidade, as escolas conjugavam uma “localização nobre e uma arquitetura de
certa  imponência  e  erudição”,  conforme  caracteriza  Rachel  Sisson  (1990),
“compatível com a sua condição de homenagem substituta ao Imperador”. As
escolas municipais erguidas nos anos 70 e 80 do século XIX foram envolvidas
pela  solenidade  imperial  a  partir  dos  rituais  de  lançamento  da  pedra
fundamental  e  de  inauguração,  marcados  pela  presença  e  participação  do
Imperador.  Sua  promoção  repetiu,  então,  a  ritualização  da  história  que
caracterizou a promoção de monumentos cívicos na mesma época.

No Parlamento, não tardaram as manifestações dos representantes legislativos.
José  de Alencar,  em  maio  de  1870,  tratou  o  tema  como  uma  ingerência  do
imperador  no  poder  legislativo,  uma  vez  que  já  havia  sido  aprovado  o
financiamento  da  elevação  da  escultura  pública.  Além  disso,  criticou  a

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proposta do ministro da Guerra de promover festejos populares com o dinheiro
da subscrição do monumento, considerando que a festa espontânea já havia se
realizado  após  a  guerra.[14]  Na  sessão  seguinte,  porém,  o  parlamento
acompanhou  a  decisão  do  imperador  e  do  seu  ministro  da  Guerra.  Outra
matéria publicada no Jornal do Comércio de 24 de março de 1870 aponta os
desdobramentos da querela. Aí se reivindicava a implantação do “ensino livre”
como elemento para a prosperidade e para a felicidade a partir do exemplo dos
EUA, afirmando­se ser a “alavanca mais poderosa do que estradas de ferro e
telégrafos  elétricos”.  Nesse  caso,  o  que  se  colocava  não  era  uma  crítica  à
recusa do imperador, ou à leitura da história do progresso, mas uma discussão
sobre  o  modelo  de  instrução  pública. A  discussão  sobre  a  estátua  provocou,
portanto, um questionamento sobre os limites do poder do chefe de Estado.

Contudo, além do projeto das escolas públicas, a estátua equestre de d. Pedro
II enfrentou a concorrência de dois outros projetos de escultura pública para a
celebração  da  vitória  militar.  Ambos  se  encontram  na  Coleção  Thereza
Cristina da Divisão de Iconografia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Um  deles  é  de  autoria  dos  arquitetos  Francisco  de  Azeredo  Monteiro
Caminhoá e Paul Bénard e apresenta a proposta de construção de uma coluna
de 62m de altura sobre o chafariz. Diversas alegorias escultóricas completam o
conjunto,  valorizando  a  figura  feminina,  a  representação  da  batalha  naval  do
Riachuelo, em uma das faces, e inscrições de outras batalhas também navais,
como  Humaitá  e  Paissandú.  O  outro  projeto  é  de  autoria  de  Louis  Rochet,
escultor  francês  que  executou  o  projeto  da  estátua  equestre  do  primeiro
Imperador,  sendo  o  desenho  assinado  por  Jacques  Guiaud.  A  proposta  vem
acompanhada de uma carta do escultor Louis Rochet ao imperador d. Pedro II,
em  que  apresenta  o  projeto  de  uma  coluna  triunfal  de  bronze,  encimada  por
figura alada com lança na mão. Todas as propostas escultóricas tinham como
logradouro  o  Campo  da Aclamação,  atual  praça  da  República,  ou  Campo  de
Santana,  no  Centro  da  cidade  do  Rio  de  Janeiro.  O  local  escolhido  para  o
monumento  foi  o  palco  das  comemorações  oficiais  e  populares  da  vitória
militar,  que  se  desenvolveram  em  1870,  organizadas  em  torno  do  templo  da
vitória, monumento de arquitetura efêmera erguido para a ocasião. Estes dois
projetos,  porém,  se  aproximam  ao  apresentar  o  mesmo  partido  centrado  na
referência da coluna. Além disso, os dois se caracterizam pelo fato de evitar a
representação  da  figura  do  imperador  na  sua  composição.  Desse  modo,
contrastam com o projeto de Chaves Pinheiro da estátua equestre, que valoriza
a figura do imperador. Mas chama atenção o fato de que o projeto do escultor
francês  ser  acompanhado  por  uma  carta  datada  de  abril  de  1870.    A
semelhança  das  duas  propostas  permite  imaginar  que  são  frutos  do  mesmo
movimento  e  do  mesmo  instante:  posterior  à  polêmica  da  estátua  equestre
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recusada  pelo  imperador.  Os  projetos  das  colunas  comemorativas  podem  ser
caracterizados,  portanto,  como  contra­propostas  ao  polêmico  projeto  da
estátua  equestre  de  Chaves  Pinheiro.  A  indicação  da  data  da  carta  permite
afirmar também que a ideia do monumento à Guerra do Paraguai não deixou
de  povoar  as  discussões,  deixando,  no  entanto,  de  valorizar  a  figura  do
imperador  com  a  guerra  e  buscar  uma  representação  alegórica  da  vitória
militar  nacional.  A  concorrência  dos  projetos  não  favoreceu  nenhuma  das
propostas  de  escultura.  Todas  não  passaram  de  projetos  não  executados,
deixando de povoar o espaço público da cidade, mas demarcando a história da
Corte imperial.

De  todo  modo,  o  projeto  da  estátua  equestre  de  d.  Pedro  II  evidenciou  a
dificuldade de representar o futuro em escultura. Esta dificuldade pode ajudar
a  entender  porque  o  Império  do  Brasil  foi  pouco  dedicado  a  consagrar  a
Guerra  do  Paraguai,  mesmo  tendo  sido  sua  grande  vitória,  como  afirma
Ricardo  Salles.[15]  A  vontade  do  futuro  de  paz  e  progresso  se  contrapôs  à
vontade de lembrança do passado de guerra, que corresponde à lógica da arte
monumental. A imagem de um passado, ainda que glorioso, não bastava para
representar  a  imagem  do  progresso  capaz  de  antecipar  o  futuro  promissor. A
imagem  da  transformação  dos  tempos  exigia  outros  emblemas,  que  não
estavam  contidos  na  leitura  linear  da  história  e  na  imagem  da  perenidade  do
passado. Foi a arquitetura pública escolar que materializou esse discurso sobre
o  futuro  próspero  da  sociedade  nacional,  sendo  a  educação  o  seu  tema
principal  naquele  contexto.  A  lógica  da  escultura  monumental  articulada  na
relação passado­presente não dava conta de representar o tempo do progresso.
A escultura narrativa do monumento cívico não tinha referências plásticas para
presentificar o futuro e contar sua história e tratar seu significado.[16]

Assim,  ao  lado  do  processo  de  ritualização  da  história  é  a  relação  passado­
presente  que  servia  para  estabelecer  a  lógica  do  monumento,  não  deixando
espaço para leituras do futuro.

* O presente artigo, sem as ilustrações, foi originalmente publicado em CAVALCANTI, Ana
Maria Tavares; DAZZI, Camila; VALLE, Arthur (org.). Oitocentos: Arte Brasileira do Império
à Primeira República. 1. ed. Rio de Janeiro: EBA­UFRJ; DezenoveVinte, 2008, p. 178­186.

[1]  Professor  do  Departamento  de  História  e  do  Laboratório  de  História  Oral  e  Imagem  da
Universidade  Federal  Fluminense,  Diretor­Geral  do  Arquivo  Público  do  Estado  do  Rio  de
Janeiro

[2] AGULHON, Maurice. La ‘statuomanie’ et l´histoire. In:  Histoire vagabonde: etnologie et
politique dans la France contemporaine. Paris, Gallimard, 1988. v1.

[3] RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. Memória em bronze, estátua equestre de d. Pedro I.
In:  KNAUSS,  Paulo  (coord.).  Cidade vaidosa:  imagens  urbanas  do  Rio  de  Janeiro.  Rio  de

http://www.dezenovevinte.net/obras/pknauss.htm 14/15
17/05/2016 19&20 ­ A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX, por Paulo Knauss

Janeiro, Sette Letras, 1999.

[4]  SOUZA,  Iara  Lis  Carvalho.  Pátria  coroada:  o  Brasil  como  corpo  político  autônomo,
1780­1831. São Paulo, Ed. UNESP, 1999. cap. 8.

[5] Prospecto de subscrição de dous monumentos...,1839. Arquivo do IHGB. Lata 59, PS 15.

[6] SANTOS, Gisele Cunha dos & MONTEIRO, Fernanda Fonseca. Celebrando a fundação do
Brasil: a inauguração da Estátua equestre de D. Pedro I. Revista Eletrônica de História do
Brasil. Juiz de Fora: UFJF, v. 4,  n. 1,  jan./jun. 2000, p. 59­ 76.

[7] KNAUSS,  Paulo.  Imaginária  urana:  escultura  pública  na  paisagem  construída  do  Brasil.
IN:  SALGUEIRO,  Heliana Angotti  (coord.).  Paisagem  e  arte.  São  Paulo,  CBHA,  2000.  p.
407­414.

[8] Prospecto de subscrição de dous monumentos...,1839. Arquivo do IHGB. Lata 59, p. 15.

[9] SOUZA, Iara Liz Carvalho. Op. cit.

[10] SOUZA, Iara Liz Carvalho. Op. cit.

[11] KNAUSS, Paulo. O desafio de representar o futuro: a estátua equestre de d. Pedro II e os
sentidos da escultura monumental no Brasil. Anais do Museu Histórico Nacional,  v. 37, p.
237­252, 2005.

[12] Arquivo do Museu Nacional de Belas Artes: AIBA ­ Francisco Manuel  Chaves Pinheiro,
1861­1915, Documentos Diversos ­ AI/doc­3.

[13] Carta  de  D.  Pedro  II  recusando  a  elevação  da  estátua  em  sua  homenagem.  Revista  do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 51, 1888.

[14] Anais da Câmara de Deputados, sessão de 19 de maio de 1870. ­ discurso de José de
Alencar.

[15]  SALLES,  Ricardo.  Guerra  do  Paraguai:  memórias  e  imagens.  Rio  de  Janeiro,
Biblioteca Nacional, 2003

[16] Pode­se dizer que na história da escultura pública do Brasil, esse dilema da lógica dos
monumentos só será resolvido na década de 1930 com o projeto da Juventude Brasileira, de
Bruno Giorgi, que faz parte do conjunto da sede do Ministério da Educação e Saúde, atual
Palácio  Gustavo  Capanema  no  Rio  de  Janeiro.    KNAUSS,  Paulo.  O  homem  brasileiro
possível:  o  monumento  da  Juventude  Brasileira.  IN:  KNAUSS,  Paulo  (coord.).  Cidade
vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Sette Letras, 1999.

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