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Ciclo de Desenvolvimento Humano

Os Contos, O Feminino e A Arte de Amadurecer


Prof.ª Paluana Luquiari
“Entre os índios americanos do sudoeste, a personagem favorita que desempenha um
papel benigno é a Mulher-Aranha — uma pequena senhora, com aparência de avó, que
vive debaixo da terra. Os Deuses Gêmeos da Guerra dos Navajos, quando se dirigiam para
a casa do seu pai, o Sol, pouco depois de partirem de sua casa, seguindo uma trilha
sagrada, cruzaram com essa prodigiosa pequena figura:

“Os garotos seguiam rapidamente pela trilha sagrada e, pouco depois de o sol se
levantar, perto de Dsilnaotil, viram fumaça se elevando da terra. Eles se dirigiram para o
local de onde a fumaça se elevava e viram que ela vinha da chaminé de uma câmara
subterrânea. Uma escada, enegrecida pela fumaça, se projetava da chaminé. Olhando para
a câmara, viram uma anciã, a Mulher-Aranha, que os mirou e disse:

– ‘Bem-vindas, crianças. Entrem. Quem são vocês e de onde vieram, caminhando


juntas?’ Eles não responderam, mas desceram a escada. Quando alcançaram o solo, ela
mais uma vez lhes falou, perguntando: Para onde vão vocês, caminhando juntos?’

-‘Para nenhum lugar em particular’, eles responderam, ‘chegamos aqui porque não
tínhamos outro lugar para ir.‘

Ela fez a pergunta quatro vezes e sempre obteve uma resposta semelhante. E então
disse:

–‘Será que vocês estão procurando seu pai?’

–‘Sim’, responderam eles, ‘se pelo menos soubéssemos onde ele mora.’

-‘Ah!’, disse a mulher, ‘é um caminho longo e perigoso o que leva à casa de seu pai, o
Sol. Há muitos monstros que habitam nele e é possível que, quando vocês chegarem lá, o
pai de vocês possa não gostar de vê-los e os puna por terem ido lá. Vocês têm que passar
por quatro locais perigosos — as rochas que esmagam o viajante, os juncos que o fazem
em pedaços, os cactos que o retalham e as areias escaldantes que o recobrem. Mas eu
lhes darei algo que vencerá os seus inimigos e lhes preservará a vida.’

Ela lhes deu um amuleto chamado ‘pena dos deuses alienígenas’, que consistia em um
arco com duas penas vivas (tiradas de uma águia viva), e outra, para preservar a existência
deles. Ela também lhes ensinou uma fórmula mágica, que, se repetida diante dos inimigos,
venceria sua ira:
–‘Baixem os pés com pólen. Baixem as mãos com pólen. Baixem a cabeça com
pólen. Então seus pés são pólen; suas mãos são pólen; seu corpo é pólen; sua mente é
pólen; sua voz é pólen. A trilha é bela. Fiquem parados’.”

A anciã solícita e fada-madrinha é um traço familiar das lendas e dos contos de fadas
europeus; nas lendas dos santos cristãos, o papel costuma ser desempenhado pela
Virgem, que, pela sua intercessão, pode obter a misericórdia do Pai. (…)

A Mulher-Aranha, com sua rede, pode controlar os movimentos do Sol. O herói que
estiver sob a proteção da Mãe Cósmica nada sofrerá… Essa figura representa o poder
benigno e protetor do destino.”

Joseph Campbell, livro O herói de mil faces

Era vez uma viúva que tinha duas filhas — uma delas era bonita e trabalhadora, ao
passo que a outra era feia e preguiçosa. Mas a mãe gostava mais da filha que era feia e
preguiçosa, porque ela era sua filha própria; e a outra, que era filha do marido dela, era
obrigada a fazer todo o trabalho doméstico, e como tal, era a Gata Borralheira da casa.
Todos os dias a pobre garota tinha de sentar-se perto de um poço, que ficava à beira do
caminho, e fiava e fiava até que seus dedos sangrassem.

E então aconteceu que um dia a bobina ficou manchada com o sangue dela, então
ela mergulhou a bobina no poço, para remover as marcas de sangue; mas a bobina
escorregou das suas mãos e caiu no fundo do poço. Ela começou a chorar, e correu até a
sua madrasta e contou a ela o seu infortúnio. Esta porém, repreendeu-a com severidade,
e foi tão impiedosa a ponto de dizer, "Como foi você que deixou a bobina cair dentro do
poço, você deve pegá-la de volta."

Então a garota voltou até o poço, e não sabia como fazer isso; e como o seu coração
estava aflito, ela pulou dentro do poço para pegar a bobina. Ela perdeu os sentidos; e
quando acordou e voltou a si novamente, percebeu que estava num lindo campo onde o
sol brilhava e milhares de flores estavam desabrochando. Ela começou a vagar pelo
campo, e finalmente avistou um forno de padaria repleto de pães, e o pão gritava para
ela, "Oh, me tire daqui! me tire daqui! ou eu vou me queimar; já estou assado há muito
tempo!" Então ela se aproximou dele, e tirou todos os pães, um após o outro, com uma pá
de pegar pães.
Depois disso, ela continuou andando até que encontrou uma árvore repleta de maçãs,
que gritaram para ela, "Oh, chacoalhe o galho! chacoalhe o galho! porque nós estamos
todas maduras!" Então, ela chacoalhou a árvore, até que caiu uma chuva de maçãs, e ela
continuou chacoalhando até que todas tivessem caído, e quando ela tinha apanhado um
montão delas, ela seguiu seu caminho.

Finalmente ela chegou numa casa pequenina, onde uma velhinha estava espiando;
mas ela tinha dentes tão grandes que a garota ficou assustada, e teve vontade de fugir.

Mas a velhinha gritou para ela, "Do que você tem medo, minha menininha? Fique aqui
comigo; se você fizer todo o trabalho de casa direitinho, você mostrará que é uma boa
menina. Somente você deve tomar muito cuidado para arrumar bem a minha cama, e
você deve sacudir bem forte até que as penas voem  —  e então é como quando a neve
cai sobre a terra. Eu sou a Dona Ola."[1]

Como a velhinha falava de um modo tão gentil com ela, a garota tomou coragem e
concordou em fazer o serviço. Ela fez todo o serviço para satisfação da velhinha, e
sempre sacudia a cama dela com tanta força que as penas voavam por todo lado e caíam
como flocos de neve. Então ela tinha uma vida agradável ao lado da velhinha; que nunca
se zangava; e comia comida boa todos os dias.

Durante algum tempo ela ficou em companhia de Dona Ola, e depois ela começou a
ficar triste. A princípio, ela não sabia qual era o problema que a aborrecia, mas aos
poucos ela foi descobrindo que era saudade da sua casa: embora ela fosse mil vezes
mais feliz aqui do que na sua casa, mesmo assim ela sentia uma grande vontade de estar
lá. Por fim, ela acabou dizendo para a velhinha, "Estou com muita saudades de casa; e
embora eu seja muito feliz aqui, não posso ficar mais; preciso voltar para a minha família."

Dona Ola disse, "Fico feliz que você sinta saudade da tua casa, e como você me
serviu com tanta dedicação, eu mesma vou te levar de volta." Dito isto, ela pegou a
menina pela mão, e a levou até uma porta muito grande. A porta estava aberta, e assim
que a donzela estava passando bem debaixo dela, uma pesada chuva de ouro começou a
cair, e todo ouro ficava colado no corpo dela, até que ela ficou completamente coberta do
metal.

"Tudo isso será teu porque você é muito esforçada," disse a Dona Ola; e ao mesmo
tempo deu de volta a ela a bobina que ela havia deixado cair dentro do poço. E então a
porta se fechou, e a pequena donzela se viu deitada no chão, não muito distante da casa
da sua madrasta.

E a medida que ela caminhava em direção ao quintal ela avistou um galo que estava
pousado ao lado do poço, e gritou — "Cocoricó! A menina de ouro voltou para casa!"
Então ela foi até sua mãe, e quando ela se aproximou toda coberta de ouro, ela foi bem
recebida, tanto por ela como pela irmã.

A garota contou tudo o que aconteceu a ela; e assim que a mãe ficou sabendo como
ela conseguiu tanta riqueza, ela ficou muito desejosa que a sua filha, feia e preguiçosa,
tivesse a mesma sorte. A única coisa que ela tinha de fazer era ficar sentada ao lado do
poço e fiar e fiar; e para que a bobina ficasse manchada de sangue, ela precisou encostar
a mão num espinheiro para que seu dedo fosse picado. Depois, ela atirou a bobina dentro
do poço, e em seguida pulou dentro dele.

Ela se viu então, no mesmo e belo campo, como a sua outra irmã, e percorreu os
mesmos caminhos. Quando ela chegou perto da fornalha o pão gritou novamente, "Oh,
me tire daqui! me tire daqui! ou eu vou me queimar; há muito tempo que já estou assado!"
Mas a pequena preguiçosa respondeu, "Como se eu tivesse alguma vontade de me
sujar!" e continuou seu caminho. Pouco depois, ela encontrou o pé de maçãs, que falou
para ela, "Oh, chacoalhe o galho! chacoalhe o galho! As maçãs estão todas maduras!"
Mas ela respondeu, "Eu gostaria de fazer isso! mas uma de vocês poderia cair na minha
cabeça," e continuou andando.

Quando ela chegou à cada de Dona Ola ela não ficou com medo, porque ela já tinha
ouvido falar dos dentes grandes que ela possuía, e logo começou a fazer todo serviço que
precisava ser feito.

No primeiro dia ela se esforçou para trabalhar com dedicação, e obedecia à Dona Ola
quando esta lhe pedia para fazer alguma coisa, pois ela estava pensando em todo ouro
que a velhinha lhe daria. Mas no segundo dia ela começou a ficar com preguiça, e no
terceiro dia com mais preguiça ainda, até que ela não queria mais levantar cedo de jeito
nenhum. Ela nem sequer arrumava a cama de Dona Ola como deveria, e não sacudia a
cama com força até que as penas começassem a voar.

Dona Ola então se cansou de tanta preguiça, e falou para ela para que se fosse dali.
A menina preguiçosa estava mesmo querendo ir embora, e pensou que naquele momento
uma chuva de outro começaria a cair. Dona Ola a conduziu até uma porta muito grande;
mas quando ela estava bem debaixo da porta, ao invés de ouro uma chuveirada de piche
caiu por todo seu corpo. "Esta é a recompensa pelos teus serviços," disse a Dona Ola,
fechando a porta.

E então a menina preguiçosa foi para casa; mas ela estava totalmente coberta de piche,
e o galo estava sentado ao lado do poço, e assim que ele viu a menina, exclamou —
"Cocoricó! A menina cheia de piche chegou!" Mas o piche estava tão grudado no corpo
dela, que não pode ser removido durante toda a sua vida.

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