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1 - Ilosofia e Direitos Humanos
1 - Ilosofia e Direitos Humanos
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Doutor em filosofia pela Universidade Estadual de Goiás.
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No direito internacional, o termo “declaração” é referente a documentos que estabelecem
regras ou princípios responsáveis por assegurar uma posição convergente dos Estados acerca
de certo tema. Por seu turno, a palavra “tratado” é utilizada no contexto internacional quando se
refere a um ato solene entre países que estabelece leis gerais que irão reger a comunidade
internacional.
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“Direito dos povos” é uma das formulações possíveis para se referir ao direito internacional e
às leis que regem a comunidade internacional. Outra expressão sinônima é “Direito das
Gentes”.
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LAFER, Celso. A Internacionalização dos Direitos Humanos: o desafio de ter direitos. In:
AGUIAR, Odílio Alves; PINHO, Celso de Moraes; FRANKLIN, Karen (org.). Filosofia e direitos
humanos. Fortaleza: Editora UFC, 2006. p. 27.
Celso Lafer (1941), jurista e filósofo brasileiro.
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O “imperativo categórico” é umas das noções centrais da ética kantiana. É a formula
desenvolvida pelo pensador responsável por verificar a validade moral de uma ação. Sua
principal variante é: "Aja como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua
vontade, uma lei universal". Em suma, Kant criou um sistema de verificação da validade ética
de uma ação submetendo-a ao critério de universalidade. Por exemplo: “Roubar é uma ação
moral”? Ora, se tornarmos o roubo uma lei universal e todos roubarem, a própria noção de
roubo perderia sentido, pois, ao se roubar algo, almeja-se conquistar a propriedade do objeto
roubado a partir do direito de posse. Em um mundo em que roubar é regra não só seria
impossível manter consigo o objeto roubado como o próprio significado de roubar perderia
sentido: só se rouba algo ao se pressupor que a lei burlada vale. Isto é, o malfeitor abre uma
exceção para si, mas não contesta a validade da lei: caso alguém queira praticar o mesmo
crime contra o ladrão, o que ele esperaria é que a mesma lei que burlou seja válida. Só faz
sentido roubar se o direito de propriedade for válido.
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Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, pintura de Jean-Marc Nattier
O humanismo kantiano influenciou notoriamente o direito dos povos
após a 2ª Guerra Mundial. A noção de dignidade passou a ser adotada do
ponto de vista jurídico e destrinchada, em termos prático, a partir da
positivação desses direitos.
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2. Direito à educação
3. Direito à saúde
4. Direito à moradia
5. Direito à distribuição de renda
6. Direito à previdência
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Historicamente há eventos que se relacionam com os direitos
humanos que remontam a Antiguidade. o Cilindro de Ciro é visto por diversos
historiadores como o primeiro documento a estabelecer relação com os direitos
humanos. O artefato data entre os anos 539-530 a.C. e contém a declaração
de Ciro II, rei da Pérsia, após a conquista do Império Caldeu – a declaração
aboliu a escravatura e instituiu a liberdade de crença religiosa na ocasião.
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Na modernidade três eventos se destacam como consagradores de
direitos que viriam a ser contemplados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos:
Revolução Gloriosa (ou Revolução Inglesa). Os princípios desta
revolução foram expressos no Bill of Rights (Declaração Inglesa dos Direitos),
de 1689, expressão dos fatos políticos da época que estavam transformando a
Inglaterra. Foi fortemente influenciada pelas ideias de John Locke.
A Revolução Gloriosa possuía como pontos básicos:
1. a intenção de estabelecer limites ao poder absoluto do monarca;
2. a afirmação do direito naturais dos indivíduos que nascem livres
e iguais;
3. a necessidade de um governo da maioria com intento de garantir
a liberdade dos cidadãos, exercido pelo Poder Legislativo.
seja sempre o bem comum, o valor dos sujeitos está intimamente relacionado àquilo que
convêm à comunidade. Conforme Hannah Arendt, “Da Ética a Nicômaco até Cícero, a ética e a
moral eram parte da política, aquela parte que não tratava das instituições, mas dos cidadãos;
todas as virtudes gregas ou romanas são definitivamente virtudes políticas. A questão nunca é
se um indivíduo é bom, mas se a conduta é boa para o mundo em que vive. No centro do
interesse está o mundo, não o eu”.
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4. Direito Natural e Direitos Humanos
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Autoria das pinturas da esquerda para a direita, respectivamente: John Michael Wright,
Godfrey Kneller e Maurice Quentin de La Tour.
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4.1 THOMAS HOBBES E O DIREITO À VIDA
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Isto é, a tese de que o homem é um animal político, que é de sua natureza congregar com os
demais e viver em comunidade.
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4.2 JOHN LOCKE E O DIREITO À IGUALDADE COMO
SUBSTRATO DOS DIREITOS NATURAIS
9
LOCKE, John. Segundo Tratado do Governo. Trad. E. Jacy Monteiro. São Paulo: Nova
Cultural (Os Pensadores), 1991, p. 229.
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o povo tem o direito de se opor aos governantes se seus direitos não forem
respeitados.
Além disso, Locke se posiciona contrário à perspectiva de Hobbes
de os homens são maus por natureza. Para Locke, o estado de natureza seria
um estado de perfeita igualdade em que se caracteriza pela indiferenciação do
poder – todos são recíprocos. O substrato dos direitos naturais elencados por
Locke como naturais, portanto, é o próprio sentido da igualdade. As noções de
direito a igualdade e do direito a resistir a opressão serão desenvolvidas
sobretudo por Jean-Jacques Rousseau.
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pessoal. A reflexão específica seria incorporada na Convenção de Genebra de
1864.11 Em caso de guerra, deve-se minorar o sofrimento causado a
combatentes feridos ou doentes, bem como zelar para que a população civil
não seja envolvida atenuando ao máximo seus seus efeitos colaterais. Para
Rousseau, há um princípio que é a máxima comum, em todos os tempos, como
ideário das nações civilizadas: um estrangeiro — seja ele um soberano, algum
particular ou o próprio povo — que mata e detém súditos sem prévia
declaração de guerra e que ignora os direitos daqueles não querem lutar, não é
um inimigo, mas um criminoso.
A guerra não é, pois, uma relação de homem para homem, mas uma
relação de Estado para Estado, na qual os particulares somente são
inimigos acidentalmente e não como homens, nem mesmo como
cidadãos, mas sim como soldados; não como membros da pátria,
mas como seus defensores. Enfim, cada Estado só pode ter por
inimigos outros Estados, e não os sujeitos, porquanto não é possível
estabelecer nenhuma relação entre coisas de natureza diversa. [...]
Mesmo em plena guerra, um príncipe justo se apodera de tudo aquilo
o que pertence ao público do país inimigo, mas respeita as pessoas e
os bens dos particulares; respeita os direitos nos quais assentam os
seus. Sendo o objetivo da guerra a destruição do Estado inimigo, tem-
se o direito de matar os seus defensores enquanto estiverem de
armas na mão; mas no momento em que depõem as armas e se
rendem, cessando de ser inimigos e instrumentos do inimigo, tornam-
se mais uma vez simplesmente homens e já não se possui nenhum
direito sobre as suas vidas. Por vezes, pode-se matar o Estado sem
precisar matar nenhum de seus membros. Ora, uma guerra não dá
nenhum direito que não seja necessário ao seu objetivo. 12
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civilizatória. Em suma, quando nenhuma dignidade é considerada em razão de
um motivo, deliberação ou até mesmo capricho político. Por essa razão, entre
os direitos naturais elencados no texto de Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789, se encontram não somente o direito à vida, à liberdade, à
propriedade e à segurança, mas, muito curiosamente, o direito natural a resistir
à opressão. Se, a exemplo, para Maquiavel o poder é conquistado, para
Hobbes o poder é cedido a partir de um contrato, para Locke é distribuído entre
executivo, legislativo e judiciário, para Rousseau, na melhor das hipóteses, ele
é confiado ou emprestado aos governantes. A soberania é inalienável e
pertence à própria nação.
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ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p. 510.
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Crianças prisioneiras de Auschwitz.
Como se nota a expressão mal radical foi cunhada por Kant. Porém,
Arendt confere novo significado à tal terminologia. 14 Importa para a reflexão,
por ora, o sentido proposto por Arendt: de que o mal radical se refere à
superfluidade e descartabilidade dos indivíduos enquanto tais.
Para Arendt, o mal radical é um elemento que jamais deveria
pertencer à política é que, na seara moral, ainda que a externalização do mal
radical sempre implique ofender a humanidade de alguém, pois a dignidade do
outro é ignorada em relação às inclinações do amor-próprio, o exercício do mal
é incapaz de nulificar em absoluto a importância da humanidade enquanto
categoria responsável por conferir o valor existencial dos sujeitos.
14
Na concepção kantiana, o mal radical não indica nenhuma maneira particular de
manifestação do mal, “mas propriamente ao fundamento da possibilidade do mal moral”
(Correia, 2005, p. 83). Só a partir de então o autor investiga os agentes responsáveis por
impelir a prática do mal e desenvolve um modelo esquemático elencando três fatores
específicos capazes de motivar seu exercício: fragilidade, impureza e corrupção do coração
humano. Por fragilidade se entende a impotência para concretizar aquilo que o indivíduo quer,
que acaba por ceder ao desejo; por impureza se compreende a confusão entre as máximas
que motivam a ação conduzindo os sujeitos ao autoengano; por corrupção se concebe a
prática do mal como uma exceção concedida a si mesmo para transgredir a lei moral tirando
dela proveito.
13
Foto de crianças prisioneiras em Auschwitz
15
LEVINAS, Emmanuel. Ética e Infinito: diálogos com Philippe Nemo. Tradução de João
Gama. Lisboa: Edição 70, 1988. p. 92.
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tudo que os recém-chegados perdiam ao desembarcarem de comboios
abarrotados nas fábricas de morte.
Pela primeira vez nos damos conta de que a nossa língua não
tem palavras para expressar esta ofensa, a aniquilação de um
homem. Num instante, por intuição quase profética nos foi
revelado: nós chegamos ao fundo. Mais para baixo não é
possível. Condição humana mais miserável não existe, não dá
para imaginar. Nada mais é nosso: tiraram-nos as roupas, os
sapatos, os cabelos; se falarmos, não nos escutarão — e se
eles nos escutarem, não nos compreenderão. Roubarão
também nosso nome, e, se quisermos mantê-lo, deveremos
encontrar dentro de nós a força para tanto, para que, além do
nome, sobre alguma coisa de nós, do que éramos. 16
16
LEVI, Primo. É Isto um Homem? Tradução de Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Editora Rocco,
1988. p. 92.
17
GARAPON, Antoine. Crimes que não se podem punir nem perdoar: para uma justiça
internacional. Tradução de Pedro Henriques. Lisboa: Instituto Piaget, 2002. p. 107.
15
A vitimização absoluta pe o produto dos crimes contra a
humanidade. “A vítima absoluta encarna um novo ser no mundo ou mais
exatamente um não-ser.”18 Aquilo que lhe é negado é qualquer laço humano,
pois, se até mesmo combatentes ocupam lugar de adversários, “a vítima
absoluta já não tem lugar para ocupar, mesmo no meio da pátria humana”. 19
Destarte, o que lhe caracteriza é a destituição de qualquer voluntariedade — a
sua total impossibilidade de exercer algum controle sobre a própria sorte.
Erradica-se qualquer possibilidade de ação, o que compreende a total restrição
da capacidade de reagir, porquanto reagir é um modo de agir (ainda que seja
um ato provocado, pressupõe autonomia). O amparo jurídico inexiste. Não há
refúgios nem recursos. O terror caracteriza tais crimes por impor à vítima a
expectativa de ter seu lar, de ter sua liberdade e de ter sobretudo sua própria
vida violada a qualquer momento. “É vítima absoluta aquele a quem não é
dada outra escolha se não a de deixar-se levar para o matadouro e até como
no Ruanda, implorar — e pagar — para não ver seu corpo mutilado.” 20 Por
conseguinte, os crimes contra a humanidade não agridem apenas os bens
tutelados juridicamente para os cidadãos, mas algo mais básico e intrínseco na
comunidade política que é irreconciliável com a dignidade ética entendida como
um laço mínimo entre os homens.
18
Ibid., p. 108.
19
Ibid.
20
Ibid.
16
gravidade de um homicídio, mas o que os crimes contra a humanidade
deixaram claro é que pode haver destinos piores que a própria morte.
Giorgio Agamben ponderou que quando se é livre se pode refletir
sobre a morte sem necessariamente experienciar o morrer. O problema é que
nas fábricas de morte (o epítome da suscetibilidade humana) “torna-se
supérfluo pensar sobre a morte como tal” 21, pois as vítimas não morriam em
Auschwitz nem em qualquer outro campo de extermínio. Elas seriam, em
termos mais apropriados, eliminadas.
Os crimes contra a humanidade anulam a própria morte. O pior mal
resulta de da aniquilação e não necessariamente da mortalidade. A aniquilação
é antes a destruição psíquica do ser humano do que uma “ausência de bem”,
tal qual supôs grande parte da tradição filosófica sobre o problema do mal. A
ausência do ser é o desaparecimento do próprio existir. Ser “humano”
demanda mais que estar vivo ou apenas ter vivido. Viver é uma das condições
do direito e a vida não é trivial, mas não é só uma frase de autoajuda suspeita
dizer que estar vivo não é o mesmo que viver, assim como não é uma distinção
banal a diferença entre morrer e ser aniquilado, pois “a desumanização não só
elimina a vida como mata a própria morte, que deixa de constituir um
acontecimento pessoal. É por isso que os efeitos do crime contra a
humanidade perduram para além da morte, morte que nunca chega a
acontecer completamente”.22
No Brasil, Recentemente, no Brasil, também foi posta em xeque a
real validade das leis internacionais sobre direitos humanos e, principalmente,
a efetiva eficácia desses institutos diante do ordenamento jurídico doméstico,
em relação a uma sentença relacionada à prática de crimes contra a
humanidade revogada em segunda instância sob a defesa de prescrição do
crime.
No que se refere ao cenário nacional, a importância de refletir sobre
nossa fragilidade democrática parece ser mais urgente do que em qualquer
outro momento de nossa história recente, isto é, desde o movimento de
redemocratização brasileira em 1985, que culminou na promulgação da
21
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz?. Tradução de Selvino Assman. São Paulo:
Boitempo, 2008. p. 82.
22
GARAPON, Antoine. Crimes que não se podem punir nem perdoar: para uma justiça
internacional. Tradução de Pedro Henriques. Lisboa: Instituto Piaget, 2002. p. 111.
17
Constituição Federal de 1988. A instabilidade doméstica e intempéries políticas
e morais que acometem o presente relativas a discursos e posturas que
remetem aos Anos de Chumbo no Brasil, revelam que os crimes contra a
humanidade cometidos no Brasil, sobretudo durante a ditadura militar, nunca
foram de fato exorcizados. A imagem a seguir ilustra não só a confusão popular
em relação ao entendimento sobre direitos humanos que revelam perspectivas
preocupantes de agentes do Estado em relação ao tema.
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ATIVIDADE EXTRACLASSE:
Atividade a ser aplicada no final da aula para realização extraclasse. Assistir
em casa o filme: JULGAMENTO DE NUREMBERG, dirigido por Stanley
Kramer, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=qRw1gIp8J_s, e
estabelecer relação com o conteúdo lecionado em um texto de 30 linhas.
Referências bibliográficas:
LEVI, Primo. É Isto um Homem? Tradução de Luigi Del Re. Rio de Janeiro:
Editora Rocco, 1988.
LEVINAS, Emmanuel. Ética e Infinito: diálogos com Philippe Nemo.
Tradução de João Gama. Lisboa: Edição 70, 1988.
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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. 3. ed. Tradução de Antônio
de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
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