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Como vimos neste capitulo, 0s novos modos de ser fami fazem com que o profissional precise se reinventar, levando em consideracdo 0 que é trazido, transformando-o em demanda pg), colégica, trabalhando com o que é emergente. Dessa forma, pag, samos a tecer consideragdes sobre os modos de ser familia, 56 coven oracle rosanadt Stunna {i MODOS DE CUIDAR DO MODO DE “SER FAMILIA” Cada terapeuta, afinal, constréi seu préprio modelo em funcdo de sua formagao, das condigoes de trabalho e da populacdo que atende (PISZEZMAN, p. 23, 1999). Falar de modos de cuidado remete a uma infinidade de pos- sibilidades. Qualquer ago que focalize o outro, coma intengéo de procurar uma maneira de, junto com este, encontrar um caminho que traga menos sofrimento e amplie a maneira de compreender a experiéncia na tentativa de solucionar um problema, pode ser concebida como cuidado. Ele deve acompanhar as mudangas de contexto, aproximando-se das demandas e problemas que se apresentam, ‘Quanto mais estudamos os principais problemas de ‘nossa época, mais somos levados a perceber que eles no podem ser entendidos isoladamente. Sao problemas sis- ‘tmicos, o que significa que esto interligados e séointer- dependentes. (CAPRA, 2996, p. 23) Nesse sentido, destaco, a seguir, duas possiveis modali- dades de cuidado: a psicoterapia a partir da Teoria Sistmica, € 0 Plantao Psicolégico numa perspectiva fenomenolégica- -existencial, Essas duas modalidades trazem um outro olhar, Principalmente quando, ao trabalhar em instituigo, a atencao tradicional da psicologia deixa a desejar. A visio da Teoria Sistémica e a postura proposta pelo Plantao convergem na Medida em que olham para a coexisténcia. As duas nao esta- 37 Para “manter uma mente sistémica”, Vasconcelos (2002, 452) coloca que o terapeuta precisa ampliar 0 foco de obser- acao de tal maneira a percebera complexidade do sistema; deve belecem regras rigidas de trabalho e tem uma plasticidade g,. Ihes permite se adequar as necessidades do “sofrente» tu individuo, seja grupo. — ‘Ambas levam em consideracao 0 contexto e inclu ssumir c em o tera. % peuta na relacso, valorizando a subjetividade na atribuigdo do significado, de acordo com 0 paradigma cientifico compreendide como sendo da pés-modernidade a instabilidade, a imprevisiblidade e a incontrolabilidade do sistema [..] 0 observador (terapeuta) se inclui verda~ deiramente no sistema que distinguly, com o quel passa a se perceber em acoplamento estrutura, e estaré atuando rnesse espaco de intersubjetividade que constitui com osis- tema com que trabalha, A seguir, serdoapresentados, resumidamente, algunsaspect da Teoria Sistémica edo Plantao Psicoldgico na perspectiva fenome, nolégica-existencial, a fim de situar oleitor teoricamente. Isso significa que, ao contrario do paradigma positivista, que propunha simplificar os fenémenos para melhor compreendé-los, sistemicamente é esperado que os fendmenos sejam observados da forma mais ampla possivel, abrangendo o maior numero de aspectos e suas inter-relacdes (complexidade). Por outro lado, assumir a instabilidade significa admitir as continuas mudangas {que ocorrem nos sistemas em funco de suas propriedades de adaptacdo e de transformagao diante das circunstancias, de modo que o clinico no pode prever e controlar os acontecimentos, mas, estar preparado para lidar com 0 acaso, para 0 imprevisto, 0 ins- tavel. Finalmente, se a apreenséo da realidade é subjetiva, se 0 mundo percebido nao é um retrato, mas uma interpretacao da realidade, os significados das ages na terapia 30 produto da intersubjetividade terapeuta cliente. Como atitude terapéutica enquanto cuidado, a citagdo de Whitaker e Bumberry (1990, p. 122) coloca que, para sermos capazes de cuidar, precisamos desenvolver e ampliar a capacidade de con- frontar, no sentido de desafiar as pessoas a enfrentarem os assuntos que elas tém dificuldade para lidar. No entanto, “o verdadeiro cuidar Tequer uma mistura de sustento com confrontagéo”, Ter a capa- cidade de nutrire ser incisivo ¢igualmente importante, no bastando ser bom em apenas um desses aspectos. Segundo esses autores, 3.1 Teoria Sistémica O desenvolvimento do aporte teérico da terapia sist€mica se daa partir de outros camposda ciéncia, dentre eles, a teoria dos sistemas, a cibemética, a biologia, a fisica, a teoria dos grupos, a teoria dos jogos a teoria da comunicacio, disciplinas que nio ionalmente de referéncia para a psicologia e psi- coterapia, porém dio énfase “A relaco, ao contexto, ao global €, 0 mesmo tempo, ao singular e Unico da experiéncia humana" (RAPIZO, 2002, p. 21). © trabalho do psicélogo desenvolve-se como uma ago terapéutica junto a casais e familias que vm em busca de ajuda Quando esto em crise. No que diz respeito a aco clinica, Macedo (2984, p. 20) afirma que se refere ao restabelecimento do “bem -estar das pessoas em sua singularidade e complexidade”. *Originalment,fervem do seg ptt, sg iain, ths nica sem, exec, tle sm fer sti oft, endo neo fovea dos seen ge eat ne ante de um qestenamentecnstartesrespto de sv estén Nola agnesdo sole origina de sje, supra por dba, free ostentar 6 tera’ on pe, seni do vet sate, ra giegoou elaine dor coors, cvs odssamparohoner® ant dea tela exten em se constant tect desent et aoa aconcements presenea @ANDRABE, MORATO, roy 36) a co vena oe .9ataa Pusmio psicowaico con nuns 9 osama stern De MscEO A nutrigao excessiva,tipicamente, cal na armaditha g “ajudar", enquanto que uma dureza exagerada é fre. quentemente sédica. Ambos os componentes da dug, lidade nutriz-dureza devem existir em urn certo equ brio. Na verdade, vocé 38 pode confrontar, na medigy em que puder oferecer apoio (WHITAKER; BUMBERRy 3990, p.32) 3 3.2 Planto Psicolégico © Plantio Psicolégico, oferecido no SAP - Servigo de Aconselhamento Psicolégico da USP, e no Centro de Psicologia Aplicada da Unip, esté aberto & populacSo que procura espon- taneamente por atengo psicoldgica. E um servico geralmente oferecido a adultos em situacdes de crise, visando a um esclare- cimento da demanda psicolégica e a uma possivel ressignificagSo da situago vivida pelo cliente, expressa em sua narrativa. Esse atendimento é individual e pode ser realizado em apenas um ou em mais encontros. A ago em Plantio Psicolégico ¢ essencialmente clinico-investigativa, pois busca escla- recer junto aquele que sofre uma demanda a partir dele mesmo, na tentativa de abrir possibilidades para que ele se responsabilize pelo seu préprio cuidado. (MORATO, 2006, p. 38). E nessa diregéo que se encaminha a proposta de Plantéo do Lefe (Laboratério de Estudos em Fenomenologia Existencial € Pratica em Psicologia). Assim, esse servico, diferentemente do atendimento em triagem, visa compreender a demanda psi- colégica daqueles que 0 procuram, podendo ou nio resulter em encaminhamento para atendimento psicolégico especifico, quando apropriado. Hé, portanto, uma mudanga de posicéo NO 60 ruacovena pe asstta sosanene fersnoF iC que diz respeito & responsabilizagao pelo atendimento, que deixa de ser principalmente do profissional para tornar-se também do lente, sendo coconstituida. Nesse contexto, entende-se por demanda o que é latente, situando-se no ambito do velado, urgindo des- velamento por uma compreensao testemunhadat...] 0 Planto Psicolégico apresenta-se como o espaco de aco- lhimento para o sujeito que se abre a seu destinar-se; & © acolhimento de uma demanda nao clara que indica um ‘caminho a ser seguido (ALMEIDA, 2009, p. 30) Barreto (2008, p. 7), ao falar da ago clinica do Aconse- lhamento Psicolégico numa perspectiva fenomenolégica-exis- tencial, afirma que ela rompe com 0 mode de contato construido numa concep- ‘so técnico-explicativa, constituindo-se numa disponibil dade para acompanhar o outro (cliente) em seu cuidar das, suas possibilidades mais préprias, dispondo delas livre- mente e com responsabilidade ou seja, tira 0 psicélogo do papel de detentor de um saber que est acima do outro, que poderia dizerlexplicar-lhe algo que ele nao saiba © Plant&o Psicoldgico, como pratica psicolégica em cli- nicas-escola, apresenta-se como uma maneira de integracao de duas instancias principais: a formagao do profissional de psico- logia e 0 atendimento 4 populacdo. Mahfoud (1987, p. 75), nos primeiros artigos a respeito dessa modalidade de pratica psico- légica, define Plantio como “certo tipo de servico, exercido por Profissionais que se mantém & disposigao de quaisquer pessoas Que deles necessitem, em periodos de tempo previamente deter- Minados e ininterruptos”. Segundo o autor, ha caracteristicas pr Prias & prética e intervenco psicolégica em “plantao” para cada ante pscovocico com santas oa um dos envolvidos, sendo, por isso, vista como "a vivéncia de um desafio", dada a sua complexidade. Morato (2009, p. 32), falando de Plant&o como modalidade de pratica de Aconselhamento Psicolégico, afirma que © modo de agit constituise do fendmeno, partinda de mudanga na clinica tradicional, direcionando-se para coletividade, para 0 ser entre homens: ser em situacio, contextualizado em uma cultura, num certo espaco, num determinadé tempo. De maneira resumida, 0 atendimento em Planto Psicolégico se caracteriza por trés pontos de vista: 0 da instituigaio, que ordenaa sistematiza¢ao do servigo com a organizagao e o planejamento do espaco fisico, os recursos disponiveis (humanos ou materials, rede de apoio externo e outros); 0 do profissianal, cuja exigéncia refere- -se & “disponibilidade” a0 novo, a0 nao planejado, ao inusitado, a possibilidade de acolher a demanda daquele que o procura; eo do cliente, para quem pode se constituir como uma referéncia, um. porto seguro para a sua necessidade (MAHFOUD, 1987). Morato (2009, p. 5) ressalta que, para o Plant&o acontecer, nao seria necessdrio um pedido explicito, uma “queixa”, ou uma “demanda"; “era preciso apenas pro-curar uma escuta. Dest maneira, torna-se muito mais adequado usar a expressao atitude clinica para referir-se ao fazer do plantonista”. A partir dessas colocagGes, percebe-se que tanto quanto a epistemologia sistémica novo paradigmatica que prima pela construgo conjunta das demandas do cliente, o plantdo fenome- nolégico existencial também prioriza a disponibilidade ao novo, no planejado, ao inusitado, a uma escuta atenta da demanda na busca do sentido desta. Decorre daf que, a partir dessas pers pectivas comuns, pensamos ser plenamente adequado atender familias no Ambito do servigo de Planto Psicolégico. oc “ rosa htc Como podemos ver, hé interseccdes clarasno que diz respeito jg atitude do terapeuta sistmico e do plantonista que trabalha a artir de uma perspectiva fenomenoligica-existencial, sendo que 4mbos trabalham a partir dos mesmos pressupostos paradigm: ticos. De tal modo, podemos, sem problema, propor um atendi- mento a familias no Ambito do Servico de Planta Psicolégico, 3.2.1 Plantao Psicologico no Lefe, como se da Antes de descrever o funcionamento do Plantio oferecido pelo Lefe propriamente dito, recorro a uma metifora para facilitar ‘a compreensio do Planto como ajuda psicoldgica. Plantao lite- ralmente seria uma “planta grande”, ou uma arvore, que fornece aqueles que estdo percorrendo sua jornada uma sombra. Sombra esta que, além de proteger aquele que caminha sob o sol forte, oferece também um momento para que se possa pensar sobre seu caminhar e recuperar forgas para prosseguir em sua jornada. A partir dessa metafora, fica mais claro compreender a ideia de um atendimento nico, pois, uma vez que alguém compreendeu seu caminho e retomou seu passo, pode nao voltar a passar pela mesma arvore, mas poder recorrer a outras sombras em sua rota para, quando necessério, parar e pensar. O servigo de Plantio Psicolégico oferecido pelo Lefe tem Caracteristicas préprias que o diferenciam de outros servicos ofe- Tecidos, tais como o plantéo do SAP - USP e os plantées ofere- Cidos em outros centros de psicolagia, Ele & oferecido um dia por semana e fica aberto para Teceber clientes entre as 17h e agh3o horas, de tal maneira que Pode atender pessoas que tém ocupasées durante o dia. Procura Manter-se como referéncia para todos que dele necessitam e, Sendo assim, nao é regionalizado, atendendo a todos que o pro- Muna nscoiscica com aniuns 65 do plantonista disponivel naquele momento, ele tem acesso ao que [8 foi compartilhado. Esse relatério deve ter 0 cuidado de ger composto apenas pelo que foi descrito pelo cliente, deixando para outro local aquilo que foi sentido ou compreendido pelo plantonista e supervisor. Que fique claro que esse atendimento ndo tem como fina- jidade solucionar as questdes que trazem dor e sofrimento como, 4s vezes, ¢ esperado pelo senso comum dos clientes. curam. Nao é interrompido nos periodos das férias letivas, ofere cendo sombra o ano todo. Todos que chegam ao Planto séo atendidos, bastandy fornecer na recepgao da clinica alguns dados: nome, idade responsavel (em casos de menores) e se jé foi atendido nessg servigo. Preenchida, essa ficha é recebida pelo recepcionista, que a_entrega para os supervisores de campo presentes no dia, que se encarregam de organizar e autorizar os plantonistas 4 chamarem osclientes. + Nesse momento, caso seja detectada a presenca de mais de um membro da mesma familia, é sugerido que o plantonista oferega a possibilidade de entrarem todos juntos. 3.3 Da emergéncia a urgéncia via pro-cura Vivemos, na atualidade, um periodo de imediatismo em que é cobrado do profissional rapidez, eficiéncia e quantidade de atendimentos. As dores, quaisquer que sejam, precisam ser exorcizadas do ser humano o mais brevemente possivel E esse 0 pedido que chega aos servicos de satide, colocando © profissional em uma situacao paradoxal: dar ateng3o neces- séria, porém, com tempo limitado pelas metas de atendimento. Embora questionado e criticado, 0 profissional busca atendé-la com a sensacdo de ter seu mérito reconhecido ao fazer o bem. O sofrente, por sua vez, coloca 0 psicdlogo no papel de conhe- cedor de uma solucdo que ird permitir que ele saia desse sofri- mento como num passe de magica, prescindindo de um olhar mais cuidadoso e implicado naquilo que esté ocorrendo; ou seja, 8 situagao implica um trabalho conjunto, profissional-cliente, igualmente comprometidos. Essa dindmica deve ser compreendida para que as duas faces, desse cuidado nao fiquem engessadas em papéis sociais que nao Ihe cabem nessa perspectiva. Em tempos em que urgéncia ainda €considerada uma questao de tempo e nao daquilo que urge por Os atendimentos realizados néo tém um tempo deter- minado para acontecer. Este se dari de acordo com a relagio que se estabeleceu entre plantonista e cliente, podendo durar 0 ‘tempo necessério para clarear a questo posta pelo sofrente. 0 plantonista é respaldado pelos supervisores de campo, que estéo. de prontidao caso um auxilio seja necessario no decorrer do aten- dimento. Nesse caso, o plantonista interrompe a sessio, dirige- ~Se ao supervisor de campo para poder esclarecer alguma duvida e volta ao atendimento, podendo recorrer ao supervisor quantas vezes julgar necessario. ‘Apés a saida do cliente, o plantonista escolhe um dos super visores presentes e relata 0 acontecido. & nesse momento que © plantonista, colegas e supervisor(es) (as vezes ha mais de um supervisor presente), procuram compreender, a partir do relato do plantonista, 0 que aconteceu na sesso, como o plantonista foi afetado pelo cliente, qual foi a mensagem do cliente, quais 05 prosseguimentos possiveis: retorno ao planto, ao plantonista OU encaminhamento para outros tipos de atendimento. O plantonista confecciona um relatorio, descrevendo 0 que foi narrado na sesso. Caso o cliente retorne, e seja do interesse tio de bordo, segundo AUN (2005, p. 29), "€ feito por um protagonist, a proprio punho, di Postoa compariharuma expeiéncia,Comunicande algo vividoe sentido’ 6 ucovonmoesiil I Pndorscovaccocou emus 6 osama sreannt oEBAE Uma postura desejavel é aquela que permite ao cliente tomar préprias decisdes, fazendo com que se aproprie daquilo que escolhe, atribuindo a si, e no a0 psicdlogo ou ao proceso terapéutico, sua mudanca. Vale, neste momento, fazer uma disting3o entre Proceso terapéutico e Encontro terapéutico. Um processo supe etapas. Um encontro é Gnico, mesmo que haja varios com o mesmo cliente. Nesse caso, o Plantao Psicolégico é entendide como um ou varios encontros. Segundo Figueiredo (2003, p. 132), psicélogo é um pro- fissional do encontro. E nesse espago criado entre psicdlogo e cliente, que ndo é determinado pelo tempo, que o profissional da sade pode cuidar daquilo que o cliente demanda. O mesmo autor ressalta que atencao e cuidado, pode-se cair numa relagso equivocada de cuidado em que o cliente pede para que o psicélogo otire de lugar de sofrimento, sem considerar a complexidade e profundidade da questao posta: seria como um analgésico que eliminaria a dor ng momento, sem qualquer compreensao de sua significacio. 3.3.1 0 papel ou lugar do psicélogo/plantonista Estamas em um momento de grande questionamento sobre «© propria defini de “terapia”e “terapeuta’, ou se, em ‘um momento em que areflexdo ética se foz fundamental . {RAPIZ0, 2002, p, 22). Tenho observado que a experiéncia do plantonista e 0 dominio que ele tem da sua pratica interferem substancialmente em seu fazer. Um fator que se mostra determinante no “sucesso” de umatendimento é a seguranga que o psicdlogo tem ao intervi, assim como a confianca depositada em seu proprio trabalho. 0 psicélogo, ao se ver capaz de interagir com os consultantes, pro- movendo um didlogo com o sistema em que esta atuando, possi- bilita que esse sistema busque maneiras alternativas de funcionar que no a atual, a partirda ampliagdo de pontos de vista que dife- rentes olhares permitem Em contrapartida, quando o psicélogo apresenta excesso de confianga em sua atuacio, isso pode influir negativamente na relago terapéutica, uma vez que nao daré dquele que o procura alternativa para promover seu préprio crescimento. Em geral, 0 cliente atribui a0 psicélogo a funcao e o papel de “salvador”, da 20 profissional o poder de promover mudangas e de controlar a vida dele, cliente. Assim sendo, cabe ao profissional, consciente do seu lugar frente ao desafio do atendimento e atento a esse pedido, tomar uma posigio nao hierarquica que estimule o cliente a assumir o arbitrio sobre sua vida atividades de cuidar fazem parte das obrigagbes e tarefas especificas de todos os profissionais das reas da sade e da educagao, bem como, em geral, do que nos abe a todos nna condigo de seres humanos vivendo em sociedade. Porém, 0 cuidado que cabe ao psicdlogo se diferencia dos demais profissionais da saude Nesse cuidado, estao envolvidos diversos fatores que vo além do simples conhecimento e do uso da teoria e da técnica. Temos entdo uma equacao que envolve miltiplos fatores, em que um no pode se sobrepor aos outros. Na relag3o psicdlogo/ dente, é necessério que ambos acreditem na possibilidade de mudangas e, mais do que isso, vejam-se capazes de promové-las. © encontro promovido entre o psicélogo e o cliente, antes de mais nada, tratade uma maneira de estarem relac3o de forma auténtica, natural e espontanea, sendo, portanto, Unica para cada cliente e cada discurso. O profissional se dispée a acom- Panhar o cliente em sua narrativa, construindo um caminho 6 eco yma pe gas Punto rscovscica com rasiuas or osanarte test De MACEDO que permitira @ construgo de uma nova possibilidade de com, preender 0 vivido do qual séo coautores. Quando pensamos na pritica do Plantao Psicolégico, acres, centamos a essa equago mais um fator que potencializa o fazer do plantonista: 0 tempo. A pressao exercida pelo tempo mostra. se presente, principalmente, quando trabalhamos com planto. nistas.com pouca experiéncia e pratica. E comum encontrar, ng discurso dos alunos que iniciam a pratica em Planto, que a maior dificuldade encontrada é a de “curar aqueles que nos procuram em um Unico encontro”. Mesmo nao sendo essa a proposta do Plantdo, durante muito tempo, é ela que persiste no imaginério do plantonista principiante. Quando, entio, propomos que o atendimento em plantéo seja realizado com um grupo familiar, essa pressio toma pro- porgées gigantescas, fazendo com que os plantonistas, mesmo com alguma experiéncia/pratica, nao saibam o que fazer, pois tém a impressio de que a necessidade trazida para que o pro- blema seja resolvido é proporcional & quantidade de pessoas frente a eles. Conhecer 0 sistema com 0 qual se est trabalhando pode facilitar essa dindmica, pois permite ao psicdlogo saber um pouco mais sobre a limitagio do seu trabalho e da aco do grupo com 0 qual esté trabalhando; faz com que ele pense em inter vengdes apropriadas ao grupo, podendo inserir-se neste para entendé-lo e, assim, atuar nele como agente facilitador e pro motor de mudangas. A postura de nfo intervengao muitas vezes é considerada ® confundida com distancia, “neutralidade", mas uma postura construtivista néo significa mais envolvimento?O psicdlogo no constréi também a realidade terapéutica? (RAPIZO, 2002, p.26). 6a sosannhrsnace 0 psicdlogo s6 pode exercer o seu oficio diante do cliente. em este ele nao pode se apropriar de sua funcSo, pois é 0 outro que a valida. Conhecer sua funcio exige permitir que o outro se mostre como ele é e possa se manifestar, dando ao psicdlogo um {feedback que poderé nortear sev trabalho. Entendo o trabalho do psicélogo como o de um profissional que, a partir da linguagem, constréi, com o cliente, novo sentido para sua histéria, fazendo com que se abram novas possibilidades. Nesse sentido, nao atentamos apenas para a concretude da historia narrada pelo cliente, Essa deve ser contextualizada de acordo coma sua realidade e do plantonista, para nto poder ser compreendida na relagao que se estabelece no espaco criado. Ea partir da comunicacao que essa relacdo se estabelece. Sobre esse narrador, Benjamin (2994, p. 107) afirma: Ha uma rivalidade histérica entre as diversas formas de omunicagao. Na substituigao da antiga forma narrativa pela informagéo, e da informacao pela sensagio, reflete- se a crescente atrofia da experiéncia. Todas essas for- mas, por sua vez, se distinguem da narracao, que é uma das mais antigas formas de comunicagao. Esta nao tem a pretensio de transmitir um acontecimento, puraee sim- plesmente (como a informacao o faz); integra-o 8 vida do narrador, para passé-lo aos ouvintes como experiéncia. [ela ficam impressas as marcas do narrador como 9s ves- tigios nas maos do oleirono vaso de argila Dessa maneira, ressalto o lugar do plantonista como ouvinte de uma narrativa que se torna publica na medida em que estd sendo expressa frente a um outro, sugerindo a possibilidade de continuagao da histéria narrada, resgatando o sentido de coe- xisténcia e abrindo um questionamento para o plantonista do sentido do privado ou publico. Pawo rsicotdcico com senluns 69 Sempre que é oferecida aos alunos de graduagéo ou pés- _graduacio a possibilidade de o atendimento ser acompanhado giretamente por outra, ou outras pessoas, gera desconforto e mal estar. Essas reacdes sempre me foram estranhas eme chamaram a tence, pois, desde a minha formago com atendimentos em sala com espelho unidirecional, 0 fato de ter alguém acompanhando meu trabalho foi colocado como possibilidade. Ao dizer para os alunos do quarto ano do curso de Psicologia que o atendimento 30 pais é realizado em grupo, a pergunta que segue é sempre a mesma: "mas 0s pais néo irdo se incomodar de contar seus pro blemas para um estranho?", Geralmente, essa pergunta, de inicio, refere-se aos outros pais. Porém, acoberta uma outra angustia: a de ter falas e intervencdes sendo ouvidas por todos. ‘Ao perceberem que as pessoas que procuram atendimento contam suas histérias para aqueles que as desejam ouvir, que se colocam dispostos a compreender e ajudar de alguma forma, os alunos se dao conta, de que o incémodo vem da inexperiéncia e da falta de habilidade para lidar com o que exige o lugar do psi- célogo e com o que é esperado desse profissional. Nese caso, ainda pode ser trabalhada com eles a explicitac3o do papel de psi- célogo na tradigao do atendimento individual, com enfoque no rapsiquico, como definido em principio pela psicanilise. Quando o atendimento é visto por outra pessoa, a impressio que fica, pelas falas dos profissionais que estao atendendo, é a de exposicao, de invasao da vida, além da prépria pratica. O psiclogo se sente mais vulnerdvel, como se 0 segredo e 0 sigilo 0 prote- gessem. A possibilidade de poder fazer aquilo que se acha correto sem ter que justificar postura ou falas para mais de uma pessoa faz com que a sensacao de seguranca se torne maior, pois nao é neces- séria qualquer reflexdo sobre as razdes das intervengdes feitas. 3.3.2 Entre o Publico e o Privado O cédigo de Etica Profissional do Psicdlogo, 20 tratar dag responsabilidades, diz no Art. 9° que: “E dever do psicélogo res, peitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da con, fidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organi. zagées", a que tenha acesso no exercicio profissional.” © que diz 0 cédigo de ética, muitas vezes, é entendido de maneira errénea ou equivocada. Lé-se e compreende-se que tudo aquilo que o cliente diz deve ser guardado longe de tudo e de todos para, assim, protegé-lo. Entendo que proteger o cliente esta muito além do sigilo; estd na postura frente ao outro, na maneira de réceber o que ele narra e do que faco com aquilo que me foi delegado. £ também respeitar o cliente, caso ele se sinta a vontade para contar sua histéria junto a outras pessoas, desde que seja consensual. O trabalho do psicélogo em consultério, viade regra, diz que a informagio trazida na sesso é de saber exclusivo do psicélogo e do cliente ali presente. Em poucas excegdes essa informagao & compartilhada com outras pessoas e, nesses casos, sempre pre- servando a identidade do cliente e trazendo partes de uma sessio previamente escolhida pelo psicélogo. Revendo minha pratica, percebo que 2 maior parte do mev trabalho é assistida por alguém na integra. Na graduacao, ao rea- lizar grupos de pais no psicodiagnéstico, tado o meu trabalho Clinico é assistido pelos estagiérios e pelos pais que compaem 0 grupo; no trabalho com familias, 0 uso da equipe reflexiva® traz outros olhares para o fazer desenvolvido com os clientes. Mesmo © trabalho em coterapia faz com que a questo dual do atendi- mento individual ocupe pouco espaco no meu clinicar. Gries do autor Aequipe refleriva prope uma mudanca de posgSo entre terapeuta e equip, proporcionsnd® também ao terapevtas um espaso para pensar com maisliberdade e comegaraquestionarcO™® ‘os diversosconceltos eregras que eram sequidos os afetovam. (ANDERSEN, 3991, 2002) Esses tempos em que a privacidade é cada vez mais escassa, tempos em que os Reality Shows que mostram a intimidade do’ 70 rca vena oc n 88 usta psicotocic con sans n a dia so cada vez mais frequentes e mais vistos, época em gy somos vigiados a cada passo por cmeras de seguranca, olhares dos quais nem sempre temos a consciéncia, exacerba a preocy, pacdo com o julgamento e a opiniao do outro, ___ Quando penso na proposta do trabalho do Plantao Psico. légico e de como ele é desenvolvido nas instituigdes, fica mai préximo a0 que acredito sero trabalho com familiasnessa mesma pratica. Ao acompanhar plantonistas no HU — Hospital Universi. tério~e realizar atendimentos nessa instituicdo, pude ter contato com outra maneira de clinicar. ‘Ao me debrugar sobre o leito de UTI para conversar com 0 cliente, sem me preocupar com 0 fato de que a equipe de enfer- magem, 0 médico ov os acompanhantes pudessem atrapalhar meu atendimento (pelo contrario, eles até poderiam contribuir); ao atender os clientes sentados na recep¢ao ou na sala de espera, nos corredores ou em qualquer lugar onde houvesse a neces- sidade de uma escuta atenta e acolhedora, em lugares onde o encontro era possivel, pude compreender e sentir que os efeitos de um atendimento psicolégico nessa proposta so vilides na medida em que cumprem a finalidade basica do atendimento: prover uma escuta respeitosa e atenta ao dislogo. Abandonaraideia de que oatendimento psicolégico precisa de um setting predeterminado que proteja e mantenha todas as varidveis sob 0 controle do profissional jé era algo que fazia parte do meu repertério na fala e nos atendimentos em psicoterapia. Porém, na pratica do Plantéo, ela sé ficou clara ao entrar no HUe me deparar com uma realidade que exigiv outra postura. Bleger (2984, p. 72), a0 falar do psicélogo na comunidade, diz que é necessario superar uma assisténcia individual e privada “dedicada fundamentalmente 8 cura”, de tal maneira que 2 atividade profissional recaia sobre a populago e nao sobre os individuos, n sco vewaesasane8 Devemos atender mais a administragao e a planificegso dos conhecimentos e técnicas para atender a relagso interpessoal, que é um fator patégeno bisico de nossa ivilizagio, controlando e ajudando o desenvolvimento da personalidade através das pautas de interagio e através da ajuda técnica a pessoas chaves ou organismos impor- tantes da comunidade. (BLEGER, 2984, p.72)- Essa mudanca deatitude tem sido discutida com frequéncia, E notéria a diferenca na aco dos plantonistas que iniciaram sua pratice nas instituigdes, sem antes terem adquirido 0 “vicio” do atendimento em consultério fechado, e daqueles que iniciam seu fazer na clinica e depois partem para a experiéncia em instituigao. A seguranca ao atender é composta por muitas variaveis — tempo de experiéncia, clareza de um referencial tedrico, autocon- fianca, apoio dado pela instituicao e colegas da equipe-porém, nesse sentido, a sequéncia em que se daa experiéncia tem mostrado dife- rentes resultados, Aqueles que se apropriam primeiramente do lugar fisico como condigao para um bom atendimento e, depois, tentam ou experimentam uma pratica diferente mostram mais dificuldade. A formagao ainda prioriza alguns fatores tedricos/técnicos em detrimento da formagio pessoal que, nesse caso, auxilia e dé maturidade para compreender que 0 encontro se da primei- ramente entre pessoas. A formagao de novos psicdlogos ainda segue o que disse Benjamin (1978; 2008, p. 23), queinsiste sobre as condigdes externas para um bom atendimento e fala sobre a sala de atendimento, que, segundo ele, “[...] ndo deve parecer amea- sadora, ser barulhenta ou provocar distragdes”. Acredito que é fundamental conhecer as préprias limitacdes e saber oferecer-se como agente de mudangas. O mesmo autor ainda reconhece que “ninguém pode adivinhar ou satisfazer as expectativas de todos os entrevistados, restando, portanto, ao entrevistador assumir sua prépria personalidade e padrdes profissionais minimos" (BEN- JAMIN, 1978; 2008, p. 22). Ainda hé uma priorizago da formagso reanhorsicotdcico com aiuss Bs técnica em detrimento do desenvolvimento das habilidad competéncias necessérias para lidar com as demandas sociai Trilhando esse caminho, o atendimento clinica, indepen. dentemente do local em que se dé e da quantidade de pessoas que nele se fazem presentes, deve ser compreendido na coexis, téncia daqueles que o compdem, atentando-se ao que emerge ng relacao e urge por atengo. Nessa diregio, sugerira separacio do grupo familiar, quando ele assim se apresenta, leva 8 fragmen. taco de uma narrativa coconstruida Vv les e RELATO DA EXPERIENCIA Para compreender as possibilidades de atendimento de familia no Plantdo Psicoldgico, buscamos os depoimentos de alguns plantonistas que se dispuseram a experimentar essa nova forma de atendimento. Método, palavra de origem grega importantissima na eti- mologia matematica: metd (reflexao, raciocinio, verdade) + hédos (caminho, direcao). Méthodes refere-se a um certo caminho que permite chegar a um fim’ Na metafisica, as pesquisas eram organizadas de tal maneira que se pudesse chegar a uma lei geral. Com o advento das ciéncias humanas, percebeu-se que chegar a uma lei geral, ‘como se buscava nas ciéncias naturais, nao era possivel quando se tratava de fenémenos humanos. ‘A fenomenologia aborda a problemstica do conhecimento da "verdade" ov esséncia. Critelli (2996, p. 11) sugere que o ques- tionamento sobre a esséncia surge de um ponto de tensdo para 0 discurso tradicional metafisico relative ao conhecimento: o pro- blema da perspectiva Ponto de tensio, porque @ questio da perspectiva no conhecimento invoca, necessariamente, ocardter de provi- soriedade, mutabilidade e relaividade da verdade, e oxo do pensamento metafisico pressupde que a verdade seja na, estivel e absoluta, bem comoa via de acesso a ela * DicionvioEtimollgico online, Dizponvel em: . 6

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