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FRANQUIA E CONCESSAO DE VENDA NO BRASIL: DA CONSAGRACAO AO REPUDIO? FABIO KONDER COMPARATO Os seguidores da crénica social, em nosso pals, ja notaram, cer. tamente, um ‘curioso fendmeno, peculiar 20 meio brasileiro. Os artistas famosos do cinema estran- geiro ou as celebridades da eancao popular de outras terras costumam ser acolhidos, entre nés, em verda~ deiras apoteoses. Um rigoroso es: quema policial 6 sempre montado, na chegada, para evitar que a mul. tidio dos apaixonados massacre o seu {dolo. Nio hé politico demagé- ico que deixe de se aproveitar do episédio para poser com a vedette, perante os fotégrafos ou a televisio. Quanto sos governantes atilados, cles se abstém de fazer Gualquer declaragio importante, Tesse momento, para néo corer @ risco de falar no deserto, Passa- dos alguns dias, porém, o semi-deus cai no desinteresse quase completo, So persistir, imprudentemente, em ficar mais tempo no pafs, acaba por ser alvo de toda sorte de ataques. Greio que algo de semelhante esta em vias de ocorrer com a franquia © concessio de venda, A sua intro- Augéo no pais — como a do leasing — foi ‘unanimemente saudada como extraordinéria invengio de Progresso e instrumento de pros. dade, uma espécie de remédio milagroso para todos os nossos comerciais (ainda estévamos, é verdade, na era do “milagre eco- nomico”). © Conselho de Desenvol- vimento Comercial, do Ministério da Indistria e do Comércio, chegou a Publicar um folheto explicativo (Pranquia ao aleance do pequeno médio empresério), em que se enu- meravam trés vantagens do negéeio bera 0 franqueador e nada menos do que oity para o franqueado, Seguiu-se o refluxo da maré. As criticas ¢ adverténcias se avoluma- ram, concentrando-se em dois sen- tidos: a inutilidada téeniea das novas férmulas negociais e 0 seu carter abusivo. O golpe de mise- ricérdia — pelo menos para certo tipo de franchising — 36 foi ensaia- do em recentissimo parecer norma- tivo da. Coordenadoria do Sistema de Tributaco, da Secretaria da Receita Federal, Acontece que o jurista, habituado por formagio e profissio & ambiva- Tencia essencial do homem, encara sempre com extrema desconfianga esse maniquefsmo institucional. ‘Vejamos pois, mais de perto, do que se trata. 1 — 0 contrato de franquia enseja uma transferéneia de teenolo- gia? ‘Nao se costuma fazer, entre nés, a distingdo entre a franquia © a concessio de venda com exclusivi- dade. O discernimento, no entanto, se impée, como condicao indispen. svel & justa aplicagao do sistema normative. A confusio coneeitual, nesta. matéria, pode conduzir a solugies injustas e desarménica A concessiio de venda 6, exclusi- vamente, contrato de distribuigao de produtos; a licenea de uso de marea ou a eventual prestacio de servicos do coneedente no conces- siondrio slo meros acessérios do pacto principal, que estipula a ox. clusividade na distribuigio de pro- dutos, on seja, bens fabricados pelo concedente. Na franquia, o essen- cial € a licenea de utilizagio de marea e a presiacao de servicos de organizagio e métodos de venda cn REVISTA DE DIREITO MERCANTIL — 18 pelo franqueador ao franqueado, A finalidade de distribuigéo da fran- chise nio abrange, pois, apenas pro- dutos, mas também ‘mercadorias (isto 6, revenda de comereiante ata- cadista e retalhista) e servicos, como a hotelaria, por exemplo. Por conseguinte, na concesséo de venda, © concessionario é simples inter- medidrio entre o coneedente e 0 piiblico consumidor; enquanto na franquia, o franqueado pode ser, ele proprio, produtor de bens ou prestador de servigos. Esse elemento de prestagao de servigos do frangueador ao fran- queado é claramente distinto da simples licenca de utilizagio de marca ou outro sinal distintivo. Ele comporta, na verdade trés aspectos, vulgarmente caracterizados pelas expross6es consagradas engineering, ‘management e marketing. O fran- queador, antes de mais nada, pode planejar a prépria montage mate- rial do negécio do franqueado (local e instalacdes). Ademais, ele costuma fornecer também ao franqueado um esquema completo de organizasio empresarial, desde 9 organograma de pessoal até a propria contabili- Gade e a politica de estoques, com apoio em sistemas computacionais, ‘como por exemplo, um sistema inte- grado de estoques e compras. Aces- soriamenta, o franqueador poré & Aisposig&io do seu co-contratante 0 aeesso ao seu equipamento de pro- cessamento de dados e um financia- mento para a aquisi¢io ou a refor- ma de suas instalacées. Finalmente, quanto ao marketing, informacées e instrugGes precisas. serfio dadas para o desenvotvimento das vendas ‘ou da prestagio dos servicos do franqueado ao priblico. O tranquea do poderd, assim, usufruir de uma experiéneia acumulada do franquea- dor, no mercado em questo, quanto nos sistemas de vendas e servigos (sucesso ou insucesso de promoges especiais, vendas a crédito ou des- contos, por exemplo). Gozaré, ade- mais, dos efeitos de uma publicidade largamente montada em torno da ieaeemeate expseesiee, ou sinnis propaganda, cuja utilizagio lhe foi concedida. Nada mais natural, portanto, que além da regalia especifica pelo uso de sinais distintivos, 0 franqueado contraia, igualmente, a obrigacio de pagar ao franqueador uma re- muneragio adequada pelos servicos acima descritos, sendo incontesté- vel que 6, justamente, pela presta- do desses ‘servicos que 0 franchi- sing se diferencia da cessio de uso de marca, pura e simples. Assim estava o meio empresarial brasileiro posto em sossego, quanto a esse assunto, quando em 19 de dezembro de 1975 0 Diério Oficial da Unido (Secéo I — Parte 1, pags. 16.881/2) publiea o Parecer Norma- tivo CST n. 143, de 21 de novem- bro do mesmo ano. A consulta, res- pondida pela Coordenadoria do Sis- tema de Tributacio, dizia respeito A dedutibilidade, como eusto ou des- pesa operacional, da remuneracéo, fixa ou percentual sobre as vendas, “paga ou ereditada por uma empre- sa a outra, que Ihe supre de esto- ‘ques, ¢, eventualmente, também Ihe prové de publicidade, organizacio, métodos de vendas ete..., ¢ se fais gastos sfo classificaveis como royal- ties ou despesas de assisténcia téc- nica ou administrativa”. Segundo o entendimento da Coor- denadoria, a tinica prestacio de ser- vigos que se poderia vislumbrar, na espéeie, seria o fato de que “a empresa suprida teria 2 sua dispo- ‘sicdo, em tiltima andlise, 08 estoques da supridora, dispensando-se aquela de vultosas aplicacSes na manuten- DOUTRINA 55 io de estoques préprios, justifican- do-se 0 pagamento de certa quantia em razio dessa circunstaneia, e que Poderia caracterizar tais despesas como necessérias as atividades da empresa suprida” Mas 0 Parecer Normativo afasta, beremptoriamente, essa interpreta, ‘so, por trés razdes, Em primeiro lugar, porque tra- tar-se-ia, no caso, nao propriamente de remuneragio de servicos, mas de uma “quantia adicional ao preco das mereadorias adquiridas” por uma empresa da outra, sem que esse plus Yenha expresso na fatura ou nota fiscal, com a conseqtiente ineorrecao do cfleulo do I.C.M. (O Parecer cmitiu af, inexplicavelmente, qual. auer alusio & contribuigéo ao PLS, gue, a seguir-se esse raciocinio, se. vis, da mesma forma, incorretamen. te caleulado). Tal ' procedimento, Segundo a Coordenadoria do Sistema de ‘Tributagio, representaria um ato simulado, passfvel de anulagio ho interesse da Fazenda, ex vi do disposto no art. 105 do Codigo Civil. De qualquer forma, tratan. do-se de prego (‘“adicional”) de compra e venda de mercadorias, ‘Ho haveria por que classificd-lo ¢omo royalty ou despesa de assis téncia ténica, Em ‘segundo lugar, adverte o meneionado Parecer ’ Normativo, essa _prética mercantil seria, em Prinefpio, uma manifestacto ‘de abuso de poder econdmico, na medi. da em que uma empresa’ é compe. lida a se abastecer de mereadoria ‘penas junto a certos fornecedores. Finalmente, assevera dito Pare. cer, “a prestacdo de servicos de Publicidade, organizaggo, métodos Ge _vendas ete..., m0 caso em andlise, seria apenas uma decor réncla do pacto principal estabele. ido entre as contratantes (de com. Bra de mercadorias), caracterizan. tal atividade mais como mani. Jestagio dos interesses da empresa Supridora das mereadorias, do que, Propriamente, da empresa supri, Nao resta diivida que, a prevale- cer esse entendimento, estar Vante condenadas todas a $0es de franquia ligadas ao comér io de bens, pois nenhum Reragoes niio dedutiveis do luero Pruto como despesa operacional, Para fins de tributacio; eo fran. Queador nao veria maior interesse m prestar servicos nio remunera- dos, devendo contentar-se, unica, ‘mente, com a regalia do uso de seus sinais distintivos. Continuariam, em Prineipio, interessantes apenas as ‘speragdes de franchising que nao comportassem aquisi¢io. de bens Pelo franqueado ao franqueador, alm das franquias vinculadas i indiistria de servicos, Mas a orientagio desse Parecer Normativo néo pode, absolutamente, ser acolhida. Ela se funda em in’ compreensio por demais manifesta do negécio jurfdieo e de sua estru- tura econémica, para ser levada a sério, Deixando de lado, por ora, a deli cada questo de abuso de poder’ eco. nOmico, que seré objeto de discussio mais adiante, “importa salientar, desde ja, 0 contra-senso de conside” tar a venda ou consignagio de bens Go franqueador ao franqueado como elemento fundamental do negocio, numa assimilagio errénea da fran! chise & concesséo de venda, A fra guia, como salientei de inicio, nao € centrada em torno da venda de bens, mas da licenea do uso de sinais Gistintivos. A legislacio em vigor {Cédigo da Propriedade Industrial, Lei n. 5.772, de 21.12.71, art. 90) se re. (0 texto legal, com de, fala em ‘ de “exereer controle ‘eletivo sobre as especificagdes, tureza ¢ qualidade dos respeetivos artigos ou servicos”. Isto, eviden- » no exclusivo interesse dele Préprio, licenciador, como defesa da Teputacéo da sua marca, A fran- quia vai mais longe, pois aeresce a sea licenga de exploragio de marca im conjunto de servicos, que se tinam a permitir ao franqueado = ainda que pequena ou média empresa — enfrentar a concorrén- cia com os recursos teenologieos da grande empresa, Nio faz sentido, pois, raciocinar como se a remuneracio de tais ser- vigos fosse mero adicional de prego de uma compra e venda. Releva notar, aliés, que a aquisiedo de pro- dutos ou mereadorias do franqueas sécio. Ela néo existe na franchise entre empresas Soul de ser- vigos (veja-se 0 caso da cadeia de hotéis Holiday-Inn, por exemplo) ; ela spade fo existir pare: celebrada entre eadeias de lojas. Caso 0 abastecimento do franqueado com produtos ou mereadorias do franqueador constituisse 0 cerne do negécio, as tiltimas operacées eita- (as niio poderiam ser consideradas franchising. Ademais, uma outra_ ordem de consideragées torna muito discuti- vel a juridicidade da ori esposada no Parecer Normative CST n. 148/75. O ajuste de fran- quia ndo pode deixar de ser consi- derado um contrato de transferén- cia de tecnologia; e 0 art. 126 do vigente Cédigo da Propriedade In- dustrial atribui ao Instituto Nacio- nal da Propriedade Industrial com- DIREITO MERCANTIL — 19 peténcia exclusiva para o exame do mérito de tais acordos. © licito A Coordenadoria do Sistema de ‘Tri- Dutagiio, 20 ensejo da resposta a uma consulta tributéria, invadir a esfera de competéncia atheia ¢ pre- cludir 0 exame desse tipo de acordo pelo I.N.P.I.? O vigente Regulamento do Impos- to de Renda, baixado com o Decreto 2. 76.186, de 2.9.75, declara enfa- ticamente que a dedutibilidade das importancias de remuneragéo que envolva transferénela de tecnologia (assisténcia técnica, cientifica, administrativa ou semelhantes”, na enumeracéo legal) “somente sera admitida a partir da averbago do respectivo ato ou contrato no Ins- tituto Nacional da Propriedade In- dustrial”. A-norma vem repetida, em palavras quase idénticas, duas venes: no art. 176, § 2. ¢ no art. 177, § 3°. £ de se admitir que a repetigéo nio seja um cochilo do Poder Executivo e sim um realee da importaneia da disposiczio norma- tiva. Ora, se a Secretaria da Recsita Federal néo pode admitir essa dedu- tibilidade fiscal sem o pronuncia- mento do I.N.P.1., por que razio se julza autorizada a decidir de matéria teenolégica, de modo geral © abstrato, antes que esse tiltimo especializado tenha tido cca- slao de se manifestar no caso con. creto? Que a tecnologia nfo se aplique tHo-sé As atividades industriais, mas a qualquer outro ramo do ope. rar humano, como por exemplo, o coméreio stricto sensu, & verdade Por demais evidente para merecer demonstraco. Quem ousara contes- tar que a extraordinéria mutagao sofrida pelo comércio nos iiltimos ¢em anos — a criacdo de grandes lojas de departamentos, os self-ser- DOUTRINA 1 vices, os super-mereados, 08 shop- ving centers, a publicidade, a venda sistemdtiea de grande quantidades & baixo prego, as embalagens ou condicfonamentos padronizades tantas outras préticas — represen- tam a adaptagio teenolégica da ati- vidade comercial ao regime da pro- Sugio em massa? Quem poder negar, por outro lado, que 0 aper- Teigoamento dos sistemas de admi- nistragio empresarial, na qual 03 norte-americanos se revelaram insu- peréveis, constitui uma das mais em sucedidas aplicacées da teeno- logia das organizagées sociais? Existe, pois, um know-how co- mercial e gerencial, anslogo & arte de fabricagio, no campo industrial. Por que aqueles seriam menos im- portantes do que este? Ora, recentemente, o Presidente do L.N.P.I. baixou um Ato Nor- mativo de n. 15, com 0 objetivo de diseiplinar a fungio do érgio de regular a transferéncia de teenolo- gia por via contratual, conforme disposto no citado art. 126 do Cédi- go da Propriedade Industrial. De acordo com esse Ato, “os contratos de transferéncia de tecnologia e correlatos so clasificados basica- mente, quanto 20 seu objetivo e para fins de averbacho, em cinco categorias: a) de lieenca para ex- ploragéo de patente; b) de licenca Dara uso de marca; e) de forneci- mento de tecnologia industrial; d) de eooperagio técnico-industrial, e €) de servigos téenicos especializa- dos”, A meu ver, 0 ajuste de fran- quia comporta, além da licenea Para uso de marca, também, tipica- mente, um “contrato de” servi- 08 téenicos especializados”, den- tro dessa _classifieagio oficial. 0 Ato Normative n. 15 define este {iltimo como “o contrato que tenha Por finalidade especifica 0 planej; mento, a programac&o ¢ a elabora- Gio de estudos e projetos, bem eomo 4 execugiio ou prestacio de servicos, de caréter especializado, de que ne~ cessita 0 sistema produtivo do pais” (I, 6.1). A dltima locugdo nao nos deve induzir em engano. A teenolo- gia de comercializagio 6 um dos ele mentos indispensdveis ao desenyol- vimento do sistema produtivo do pais. Sem ela, qualquer esforco de industrializacdo sera baldado. © contrato de servigos técnicos especializados, sempre segundo cita- do Ato Normative, deverdé com- Preender, principalmente, “a elabo- vagio de planos diretores, estudos de pré-viabilidade e de viabilidade ‘téenico-econdmica e financeira, estu- dos organizacionais, gerenciais ou outros, planejamento em geral, in- elusive relacionados com servigos de engenharia”. Os ajustes de fran- quia, com as trés conotagées acima referidas — engineering, manage. perfeitamente, nessa defi objetivos. Temos, pois, como conclusio do gue se acaba de expor, que todo eontrato de franquia deve ser sub- metido a averbagio, como licenga para uso de marca @ como “contra- to de servigos técnicos especializa- dos”, no Instituto Nacional da Pro- priedade Industrial. A. remuneragdo do franqueador, pela licenca de ex- ploragio de sinal distintivo, podera Ser uma percentagem sobre a recei- ta liquida do franqueado; pela pres tagiio de servicos téenieos espeeiali- zados deveré ser a prego fixo e i base de custo demonstrado (Ato Normativo n. 15, I, 6.2). Mas, uma ver procedida a averbagio, as autoridades fazendérias nfo’ pods- ro, sob pretexto algum, deixar de 58 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL — 18 admitir que o montante dessa re- Gnuneracdo constitui despesa opera- cional do franqueado, dedutivel do. fucro brato sujeito ao imposto de yenda. TL — A franquia € a concessio de ‘yenda como manifestacies do abuso de poder econdmico ‘Talvex, a mais antiga, e sem advida, a mais sibia estratégia para fo exercicio do poder, Jembrou re~ centemente Galbraith, “seja negar fa existéncia do poder” (A Economia & 0 Objetivo Pablico, 1976, pag. 5). De fato, para a economia eldssica ‘ou neo-classica, a realidade do poder elemento estranho ao normal fun- cionamento do chamado “sistema de mereado”. O Estado nfio pode nele penetrar, sob pena de cometer Ruténtien “violagdo de domieflio” Quanto as empresas privadas, com portam-se como os candidatos a car- gos eletivos num regime democré- fico: disputam as preferéncias do cleitor “soberano”, procurando in- fluencié-lo, mas sem constrangé-lo. Dentro dessa concepeio, a existén- cia de monopélios ou oligopélios — {sto 6, de indisfarcdveis manifesta es de poder sobre o consumidor S’'sio apontadas como aberracdes tanto mais graves quanto mais ex- cepeionais, © monopolista 6 hedion- do, porque pée a nu uma realidade pudenda da economia: o poder. Como observou o mesmo Galbraith ‘com boa dose de ironia, “um ladrao Snuito talentoso pode despertar a ‘ndmiragdo, um monopolista jamal © conseguira” (op. cit. pag. 124). “® bem verdade que, entre nés, sem embargo das doutrinagées da imprensa bem pensante, essa com cepeao “liberal-demoerétiea” da eco nomi nunca penetrou, realmente, nos nossos costumes. © Brasil nunca fol uma sociedade de livres em- preendedores, jamais presou, real- Jnente, as virtudes morais da livre concorréncia, O patronato — ele~ mento constante de nossa vida poli- fica (relembre-se o ensaio laureado de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, 2 vols. 2a. ed., Porto Alegre ‘e Sio Paulo, 1975) — sempre en- controu o seu pendant no monopélio eeonémico oficial ou privado, na tatela oni-presente do “estamento burocrético”, das capitanias here Gitérias as ‘modernas feudalidades Ga economia mista, passando pelas companhias de comércio regalistas. ‘Por isso mesmo, a nossa legisla~ géo anti-truste, copiada do modelo Sorte-americano, soa ainda mais fal- 0 do que os Sherman e Clayton ‘Acta, 08 quais, apesar de tudo, pro~ cediam de um ideal auténtico, embo- ta irrealista: suprimir as manifes- tagdes de poder no mercado. ‘Tais consideragies, que 08 posi tivistas do Direito considerardo im- pertinentes, sto, nko obstante, indis~ pensaveis & correta andlise do pro- Hlema acima proposto: a franquia ea concessio de venda constituem, em si mesmas, manifestagses de abuso de poder econdmico? Como se viu, as autoridades fazen- dévias, no Parecer Normativo CST n, 143/75, entenderam que a obri- gagho contratual de abastecimento do franqueado com os produtos ou ‘as mercadorias do franqueador cons- fituiria uma exigéncia monopolista e, por isso mesmo, constitucional- mente proibida. Efetivamente, a lel- fara de certos textos legais ainda em vigor suscita grave perplexidade para o intérprete _consciencioso, “Assim, o art. 2.9, inciso VIII da 2, L581, de 1951, que pune os cri- mes eontra a economia popular, con- sidera como tal “celebrar ajuste DOUTRINA 39 para exigir do comprador que nfo tompre de outro vendedor”. A Lei n. 4.137, de 10.9.62, considera abu- so de ‘poder econdmico “formar grupo econémico por agregacao de empresas, em detrimento da livre Geliberacko dos eompradores ou dos vendedores, por meio da subordina- le venda de qualquer bem. & fguisigdo de outro bem on a utili- zacho ‘de determinado servico; ow Subordinagio de determinado servi; go & compra de determinado bem” (art. 29, IV, “b”). A clausula de exclusividade, na concessio de ven- Ga, nio implica, de fato, a exigéncia para o concessiondrio de vender tiio- 756 o8 produtos do concedente e, por conseguinte, de _adqui Snente deste Gltimo? Que dizer-se, entao, das priticas habituais, na distribuigéo de derivados de petré- leo, de se emprestarem ou locarem ‘as bombas de gasolina, eom a obri- gacko estrita, para o garagista, de Yender somente os produtos do con- cedente? Ou o empréstimo de “cho- peiras” ou geladeiras aos bares, para que estes s6 sirvam bebidas de determinada marca? ‘A ilegalidade 6, aparentemente, manifesta. E, no entanto, seria ri- Giculo deseonhecer que a franquia ‘e a concessio de yenda nfo foram eriadas como manifestagdes moder- tas de um certo malthusianismo econémico, mas objetivaram ¢ ainda objetivam outras finalidades bem diversas, Flas néo surgiram da ne- cessidade ou interesse de restringir ‘a concorréncia e limitar © consumo, mas, bem ao contrario, como for- gas novas de estimular 0 consume € facilitar o escoamento da pro- dugio. ‘Os objetivos dessas novas férmu- Jas contratuais sio plenamente com- pativeis com o principio da livre eoncorréncia e nao buscam, em prinefpio, limitar a lberdade de escolha do consumidor. ‘Trata-se, para o concedente ou franqueador, Go estender a rede de distribuigéo de seus produtos ou mercadorias, o Ge potenciar ao maximo a explora- fgao de sua marca, sem investimen- fos diretos na comercializagio, Tra- ta-se, para o concessiondrio ou fran- ‘aueado, de acoder a clientela das grandes marcas e ao consumo de Shassa, sem necessidade de grandes jnvestimentos. Em ambos 0s casos, busea-e um efeito de “alavance- gem”. Em principio, nada obsta & que pequenas e médias empresas frabalhem como franqueadoras (6 0 caso pioneiro e bem conhecido de uma fabrica de calgas de Sorocaba, em Sio Paulo). Tudo incita, por outro lado, as pequenas ¢ médias {mpresas a trabalharem como con- cessionarias ou franqueadas. Ja frisei, porém, que a realidade do poder 6 insuprimivel da vida ‘econémica. Nada mais natural, por- ato, que essas operagdes comey- ciais sirvam como veieulos de exer- cicio de poder no mercado. De que modo? Em primeiro lugar, pela utiliza- co abusiva da cldusula de exclusi- vidade. ‘No julgamento do processo admi- nistrativo n. 5, em 6 de maio de 969 (representantes, a Federagio Nacional de Hotéis ¢ Similares ¢ 0 Sindicato de Hotéis e Similares de Belo Horizonte; © representadas, a Cia, Antérctica Paulista — Indas- iria Brasileira de Bebidas e Cone- xos, a Cia. Cervejaria Brahma ¢ 3 Distribuidora de Bebidas Mincira Ltda.), dois juizes do CADE enten- deram’ que a cliusula de exclusivi- lade seria ilicita em si mesma, por violar o disposto no art. 2.°,T, alinea “g" da Lei n. 4.187, de 1962 (“eria- cdo de dificuldades a constituicio, 0 funcionamento ou a0 desenvolvi- 60 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL — 13 mento da empresa”). Mas foram votes veneidos (cf. Didrio Oficial da Unido, Secio 1 — Parte I, de 10.9.61, pags. 7.659 s8.). Seis anos mais tarde, ainda em proceso ins- taurado contra as mesmas empre- sas, dessa feita por iniciativa da Companhia Alterosa de Cervejas, 0 Conselho reafirmou, claramente, que “a concessao de exclusividade para ‘a comercializacao de produtos, por si $6, nao constitui forma de abuso de poder econémico, sobretado quan- do a exelusividade € concedida a estabelecimentos em diversos pon- tos, diversos locais ¢ variadas re- gies” (Proceso administrative n. 12, julgado em 7.7.75, D.O.U. Parte I — Seeéo I, de 11.8.75, pgs. 10.039 s5.). ‘Mas, em contrapartida, a juris- prudéncia do CADE parece incli- nar-se, definitivamente, no sentido de que a existéncia de cléusulas de exclusividade, em contratos, obriga & sua prévia aprovacdo e registro no Grgdo, conforme a disposicéo impe- rativa do art. 74 do meneionado diploma legal. E, caso néo efetuado © registro prévio, tal fato enseja a abertura de processo administrativo para se apurar a ocorréncia de abu- 80 de poder econémico (processo administrative n. 12, citado; ave- riguagdes preliminares ns, 51, 52 ¢ 58 de 1975). Falta, no entanto, um critério seguro para discernir quando e por que a estipulagio de exclusividade € abusiva. A House of Lords, britdnica, em decisio recente (Esso Petroleum Co,, Ltd. v. Harper’s Garage (Stou- port), Ltd, 1968 A. C. 269; 1967, 1 All E.R. 699), reafirmou de modo muito claro a doutrina da restraint of trade, em termos que bem pode- riam inspirar os nossos_julgadores. Tratava-se, na espécie, de dois cor tratos celebrados pela famosa em- presa multinacional com uma socie~ dade possuidora de duas garagens. Em um deles, a Hsso estipulou uma garantia real (mortgage) com 0 prazo de 21 anos, sem a faculdade de resgate antecipado; no outro, a mesma garantia, nas mesmas con- igées, com o prazo de 5 anos. Em ambos 0s contratos, 0 devedor se obrigava a somente vender os pro- Gutos distribufdos pela empresa ere- dora, até a expiragio do respectivo ajuste. Em seu voto, Lord Reid lembrou © que afirmara Lord Macnaghten no precedente Masim Nordenfelt Co. v. Nordentelf (1894) A.C. 585: “Restrigdes 20 comércio ¢ interfe- réncia na liberdade individual de agio podem ser justifieadas em circunstincias especiais de um caso particular, A justificagio é sufi- ciente, ou melhor, a tinica justifica- eo ocorre quando a restricgo é razoavel — ndo s6 com referéncia aos interesses das_partes envolvi- das, como em relagho aos interesses Go piblico, e, portanto, seja tal res- tri¢go de tal maneira formulada ¢ garantida que assegure adequada protecdo A parte em cujo favor foi estipulada, sem que, ao mesmo tem- po, venha de algum modo causar prejuizo a0 piiblico". “Portanto”, prosseguin Lord Reid, “em todos 05 casos é necessdrio considerar, em primeiro lugar, se a restricéo foi ‘mais do que suficiente para assegu- yar adequada protecio & parte em favor de quem foi estipulada; em segundo lugar, se ela pode ser jus- tificada como sendo do interesse da parte a ela submetida;e, em ter- ceiro Iugar, se pode ser tida como contréria ao interesse piblico”. No caso, aplicando tais princi- pios, a House of Lords entendeu que © empréstime com garantia real de DOUTRINA a 5 anos de prazo, vinculado & exclusi- vidade na yenda dos produtos da empresa mutuante, constituia uma estipulagio razodvel; mas que a ex- io da cléusula de exclusividade a 21 anos ultrapassava, de longe, & garantia que o coneedente podia, Tazoavelmente, exigir do concessio- nério, tendo em vista a protegao dos interesses econdmicos dele, con- cedente, bem como a consideracho dos interesses do concessiondrio e do piiblico em geral. Era ébvio que 08 investimentos realizados pelo con- ‘cedente nos estabelecimentos do eon- cessionirio seriam _ amortizados, também, pela exelusividade de ven- da de seus produtos durante certo tempo; mas essa amortizacio seria efetuada em prazo bem mais breve do que os 21 anos estipulados. ‘A cléusula de exclusividade, por conseguinte, s6 se pode justificar quando corresponder a um interess egitimo do concedente e néo preju- dicar 0 consumidor. Nao creio que, no caso bem conhecido das empre- sas fabricantes de cervejas e refri- essas condi¢ées ocorram. imentos porventura efe- tuados por tais empresas, em bares e restaurantes, sio geralmente insig~ nificantes, e ‘ndo precisariam ser protegidos com a exclusividade de yenda, Ademais, a ilimitagio dessa eléusula no tempo apresenta todas ‘as caracteristieas de abuso. Final- mente, o fato de duas ou trés dessas empresas, ou grupos de empresas, controlarem a quase totalidade do mercado de tais produtos no Brasil, aliado ao fato de que a distribuicao % forcosamente, feita pelos estabe- Teeimentos de venda a0 piiblico ja existentesy, torna a cliusula de ex- clusividade um obsticulo intrans- ponivel ao acesso de novos concor- rentes no mercado, em manifesto ‘prejuizo para 0 consumidor. © mesmo niio ocorre, no meu entender, com os contratos de con- cessio de venda de autoveiculos, por exemplo. Aqui, qualquer nova em- presa montadora concorrente, em razio das earacteristicas desse mer- cado, é obrigada a crian a sua pré- pria rede de distribuidores, sem ter que passar pelo canal de distribui- ho j4 existente. ‘A outra maneira de exercfcio abusive de poder econdmico, ligada a0 franchising ou % concessio de venda, 6 a vinculagao de venda, ces- sho de direito ou prestagao de ser- vigo (produto vinculante) & aqui- sigdo de outro bem ou direito, ou prestacio de outro servico (produto vineulado). Sio 0s tying arrange- ments ou tie-ins, como os denomi- naram os norte-americanos. Seus efeitos prejudiciais sio re- conhecidos, tanto em relacéo aos adquirentes quanto aos concorrer tes na venda do produto vinculado. Os primeiros, porque podem estar adquirindo o que néo Thes interessa, isto é, pagando pelo produto vi eulante um sobreprego que reper- cutird, fatalmente, no consumidor final. Quanto aos’ concorrentes do vendedor on prestador do servico, porque o seu poder de concorrer no mercado com o produto vineulado fica substancialmento reduzido. D Sbvio que essa vineulagaio de produtos on servicos deve ser a ficial e nfo resultar da propria natureza das coisas, Nao existe tio- ~in na yenda de um par de sapatos ou de um par de luvas. ‘Trata-se, ai, de um s6 produto. Tampouco existing vineulagio abusiva quando, normalmente, determinado produto for vendido ‘com o set acess6rio: ‘0 automével com o seu pneu sobres- salente, por exemplo. De qualquer forma, a nogio de produto vineulante, ou bem vin- e REVISTA DE DIREITO MERCANTIL — 18 culante, é ampla. Pode uma marca de inddstria, de coméreio ou de ser- vigo constituir um bem vinculante? Eis uma indagagdo essencial, para a Giscussio do assunto no campo da franchise e da coneesséo de venda. 'A Federal Trade Comission norte- -americana, ha alguns anos, enten- deu que nio, porque o sinal distin- tivo nao seria um “produto” sepa- rado do bem assinalado (Carvel Corp. 1965-67, Transfer Binder, Trafe Reg. Rep, 17.298 a 22.425) ‘Um tribunal federal, porém, veio depois contrariar essa orientacio, no caso Siegel v. Chicken Delight, Tne, (311 F. Supp. 847, N.D.Cal. 1970, appeat docketed, n. 25.908, 9th ‘Cir, 22/5/70). proceso envolvia uma licenca de uso de nome comercial e marea de produtos ali- mentares, em troca de uma obriga- qo, para 0 liconciado, de adquirir Go licenciador 0 equipamento para 2 fabricagio dos alimentos e¢ 0 papel de embalagem apropriado. O tribunal reconheceu que se tratava, no caso, de um tying arrangement, no qual a marca funeionava como produto vinculante, ‘A aparente contradigio, a_meu ver, seria resolvida se se fizesse a distingaio eurial entre franchise © eoncessfio de venda. Nesta siltima, como salientei, 0 fundamental no 0 uso da marea, mas a distribul- qo dos produtos assinalados. At sim, como disse a Federal Trade Commission, no se pode, concei- tualmente, atribuir & marca a fun- gio de produto separado e vinculan- te. No franchising, porém, sendo a Ticenga de uso da marca o elemento essencial, e podendo o franqueado ser, ele proprio, produter ou fabri- cante, néo h& nenhuma vinculagio essencial da marea com equipamen- tos ou insumos utilizados na fabri- cago, pelo franqueado, do produto assinalado. A vinculagiio de vendas on de ser- vigos, segundo a jurisprudéncia americana sofre a presuncio de ile- galidade. No acrdao Northern Pa- cific Railway v. United States (356 U.S. I, 1957), a Suprema Corte daquele pais fixou um duplo eritéerio para se confirmar essa presungao: ‘a) a existéncia de um “poder eco- némico suficiente”, relativamente ‘ao produto vinculante, para rest gir apreciavelmente a livre eoncor- réneia quanto ao produto vinculado; e b) 0 prejufzo causado a uma par- cela substancial do comércio. Num acérdio mais recente (Fortner En- torprises, Inc. v. United States Steel Corp., 394 U-S. 495, 502-3, 1969), ‘a mesma Suprema Corte interpretow esse duplo test num sentido rigo- roso: 0 sufficient economic power corresponderia a mostra de uma Gifereneiacéo qualquer do produto vineulante em relagio aos demais do mesmo género, e 0 not ineubstan- tial amount of commerce seria 0 que supera o-minimo. Essa orientaco rigorista, porém, ndo parece razoavel. Aliis, em vé- ‘rias ocasides, os tribunais federais inferiores reconheceram que a venda ‘yineulada nfio era abusiva, pelo fato de se perseguir um objetivo comer- cial legitimo (legitimate business purpose), a saber, de modo geral, © controle da qualidade dos produ- tos a serem vendides com a marca do liceneiador e a protecao da repu- taciio dest: No Brasil, nfo hé uniformidade de orientacio entre os drgios admi- nistrativos federais, nessa materia. © recente Ato Normativo n. 15 do Instituto Nacional da Proprieda~ de Industrial, por exemp'o, veda a insergfo, nos contratos de licenga de uso de marca, de cléusula que DOUTRINA 63 “obrigue ou condicione a compra de insumos, materiais, méquinas ou equipamentos, do licenciador ou de ‘outras fontes por ele determinad necessérias 4 fabrieagio ou comer cializagdio do produto, bem como & Prestagéo do servico distinguido pela 'marea ou propaganda” (I, 5.5.2, fi). J& 0 Conselho Adminis: trativo de Defesa Econémica, no Processo administrative n, 5/69 Dré-citado, declarou que os tying Grrangements 36 se assimilariam a abuso de poder econdmico quando se constituissem “em meio ou ins- trumento de agregagio de empre- sas”. Ambas as regras me parecem cri- ticdveis, A meu ver, 0 I.N.P.1. foi longe demais, ao interpretar a norma con tida no art. 90, § 2° do Cédigo da Propriedade Industrial, segundo a Qual “a concession (do uso da mar- ca) no podera impor restrigées industrializagéo ou a comercializa- gio, inclusive & exportagao”. Faltou ai, manifestamente, o eritério. da razoabilidade, consagrado standard do dircito anglo-americano, que a doutrina juridiea contempordinea coloca no ‘centro da problemética hermenéutica (cf. 0 conhocido ensaio de Luis Recaséns Siches, Nueva Filosofia de ia Interpretacion det Derecho). HA casos evidentes, em que a complexidade e a novidade G0 produto a ser fabricado pelo Ucenciado, com 2 marea do licen- siador, justifica a imposigio de uso de determinado insumo cu equipa- mento, para garantia de manuten- ‘$40 do mesmo nivel de qualidade do Broduto, Aliés, 0 caput do mesmo artigo do Cédigo, como assinalei, ‘admite expressamente que 0 licen. siador possa “exercer controle efe- tivo sobre as especifieagdes, natu- Feza e qualidade dos respectivos artigos ou servigos". A proscricéio absoluta de qualquer restricéo a ser imposta pelo liezneiador, no easo, simplesmente impede a concessio de Heenca de uso da marca. Haveré, nessa solucho, maior protegio aos interesses do consumidor? Por outro lado, a orientagio do CADE, no proceso administrativo citado, parte de uma interpretagao muito acanhada do disposto no art. 2. inciso IV, alinea “b” da Lei m, 4.187, de 1962. A norma con- sidera abuso de poder econémico “formar grupo econdmico por agro- gacio de empresas, em detrimento da livre deliberacdo dos comprado- res ou dos vendedores, por meio de subordinacio de venda de qualquer bem a aquisicao de outro bem ou a utilizacdo de determinado servi- 0; ou subordinacdo de utilizagio de determinado servico A compra de determinado bem”. A perffrase “formar grupo econd- mico por agregagio de empresas” no constava de projeto original da Ici, mas foi inserida com base em emenda de um Deputado, Benjamin M. Shieber considerou-a muito infe- liz, porque “vinenlagio de vendas niio € um instrumento para a for- magio de grupos econdmicos por neregacio de empresas”, Daf, haver tentado uma interpretagao da nor- ma, tendente a esvaziar-lhe 0 con- tetido, considerando-n mera oxem. Plificagio do dispositive geral do art. 2.5, 1, alinea “g” (“criagao de dificuldades & constituiefo, uo fun- cionamento ou ao desenvolvimento da empresa”) (cf. Abusos do Poder Econimico, $80 Paulo, 1966). Ora, a expressio “agregagio de empresas” nao parece designar ne- mhuma das formas de grupo econd- mico relacionadas no inciso I desse artigo, pois do contrario constitui- via uma repetigio ociosa e sem sen- 4 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL — 18 tido, Nao se trata de um grupo econémico de subordinacio (0 Un- terordnungskonzern, do direito ale- mio) mediante controle interno; isto 6 “aquisicho de cotas, agies, titulos ou direitos” (alinea “b”), oa “eoncentragtio de acdes, titulos, cotas ou direitos em poder de uma ou mais empresas ou de uma ou mais pessoas fisicas” (alinea “a"). ‘Também nfo se trata de um grupo econémico de coordenacéo (Glei- chordnungekonzern) do tipo cartel, sob a forma de “ajuste ou acordo entte empresas, ou entre pessoas vinculadas a tais empresas ou inte- ressados no objeto de suas ativid: dos” (alinea “a”), pois o desequi- Ifbrio de poder econdmico entre con- cedente e concessionério, ou entre franqueador e franqueado, 6 pa- tente. Tampouco existe 0 fend- meno de interlocking directorate ‘ou “unio pessoal”, caracterizado pelas “acumulacdes de diregio, administragio ou geréncia de mais de uma empresa” (alinea “e”). ‘Menos ainda, a unificacao de varias empresas sob a égide de uma tinica pessoa juridiea, por meio de incor- poragéo ou fusdo societérias (ali- nea “e”). Mas a pritica dos contratos vin- culados, como a das cldusulas de exclusividade, pode submeter con- cessionérios ou franqueados a um verdadeiro controle externo de con- codentes franqueadores; pode con- cuzir, sem divida, a uma “agrega- cho de empresas”, sob a forma de grupo econémico de subordinagio externa. (Permito-me reenviar 0 leitor aos desenvolvimentos que de- Giquet ao assunto em O Poder de Controle na Sociedade Andnima, Sao Paulo, 1976, pigs. 67 ¢ ss.). De- paramo-nos, ai, como salientou um autor, com uma “estrutura jurfdica de agrupamento de empresas, reali- zada por contratos enfeixados pelo concedente” (Jean Guyénot, La franchise commerciale — Stude comparée des systemes de distribu- tion interentreprises constitutifs de groupements de concessionnaires, Revue trimestrielle de droit com- ‘mercial, 1973, 2, pig. 161). As ‘empresiis titulares do poder econd- mico criam a sua propria rede de distribuidores, ou consumidores cativos, sem investimento pratica- mente nenhum, e sem pagar remu- neracio alguma sob a forma de comissdes ou descontos. Era exatamente neste sentido que o CADE deveria ter analisado os casos de concessiio de venda de bebi- das e de derivados de petréleo, submetidos ao seu julgamento. Tal- vez tivesse, ent&o, chegado a con- clusées bem diversas das que pro- latou. II — Lido conelusiva Em iltima anélise, o critério supremo para apreciar as virtudes ou os defeitos dessas novas formas contratuais 6 o interesse do con- sumidor, que nfo é uma entidade abstrata ou um conceito coletivo — eomo Estado, nag&o ou cidade mas o homem de carne e 0880. Ora, esse consumidor concreto n&o vive num “estado da natu- reza” de edénica liberdade, mas. submete-se ao poder econémico de produtores e distribuidores. O que a ciéncia econdmica clissi- ca denominou monopélio ou cligop6- lio, isto 6, “formas imperfeitas de concorréncia”, corresponde a uma realidade constante e insuprimivel do jogo econémico. N&o 6, sem diivi- da, a realidade ‘nica, mas certa- mente a mais importante e decisiva. Galbraith assinalou, com razio, que os sistemas econdmicos de tipo eapi- talista (e a generalizag&o do asser- DOUTRINA 6 to aos sistemas socialistas 6 inegé- vel) compoem-se sempre de dois setores, de mui desigual importin- cia: 0 setor de poder e o “de mer- eado”, este subordinado Aquele, como" ds paises subdesenvolvidos s¢ submetem & dominagio do mundo desenvolvido. Perante essa realidade, é tio enganoso para o Direito pretender suprimir completamente o poder econdmico, como fazer de conta que nao existe, Condenar a franquia ou a coneessio de venda com exclusi- vidade, porque tais contratos cons- tituem o yefeulo para uma manifes- taco de poder, representaria uma atitude tio extravagante quanto estoutra — freqtientemente adotada pelo nosso Conselho Administrativo de Defesa Eeondmica — que nega a evidéneia do poder, para nfo ter que aplicar o texto rigoroso da lei. A evolugio juridiea parece enca- minhar-se num sentido bem diverso: © da protegio do concessionario ou do franqueado, em vista do inte- esse supremo do consumidor final. (Vejamse, a esse respeito, os deba- tes sobre um projetado ato norma- tivo da F.7.C., ou sobre uma lei especial, nos Estados Unidos: Cole- man R. Rosenfeld, A look at the proposed F.T.C. Rule on fran- chising, The Business Lawyer, 1972, 8, pig. 907; Philip F. Zeid- man, Regulation of franchising by the Federal Trade Commission: a * critique of the proposed Trade Re- gulation ,, mesma revista, nov. 1972, pag. 135; Bernard Goodwin, Franchising Lew Matures, mesma revista, abril de 1973, pag. 703. Na Europa, cf, J. Therard, Le concea- sionnaire doit-il solliciter Ia pro- tection du législateur? Revue tri- ‘mestrielle de droit commereial, 1972, III, pag. 587). ‘Nao hé outro caminho a seguir, no Brasil.

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