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EMPRESAS PúBLICAS

JOSÉ NABANTINO RAMOS *

1. A Empresa Privada. 2. A Empresa Pública. 3. C1·ia-


ção da Empresa Pública. 4.. Variedade de Formas Jurídi-
cas. 5. A Constituição Federal. 6. Os Decretos-leis n. o
200, de fevereiro de 1967, e n.Q 900, de 29 de setembro de
1969. 7. O Código Civil. 8. O Estado no Domínio Priva-
do. 9. Técnicas de Personificação. 10. Condenação da So-
ciedade Anônima. 11. A Questão do Controle. 12. Políti-
ca Administrativa. 13. Bibliografia.

1. A Empresa Privada

Atribui-se a Quesnay "haver adotado a palavra empresário para


designar quem governa e dirige a empresa, isto é, quem governa a
empresa privada". (1) Mas, somente a expressão era nova. O em-
presário, como agente econômico, vem de tempos antigos, assim en-
tendido o homem que operava sobre elementos da natureza para a
produção de utilidades destinadas ao mercado. São palavras de Car-
los Juan Zavala Rodriguez: "Por lo pronto, debe sefialarse que siem-
pre hubo una empresa económica, que a pesar de la divergencia de
conceptos, puede definirse en los términos que lo hace J ames: "es la
simples agrupación de capital, mercaderias y trabajo para la produ-
cción de bienes e servicios" (2). Ou, como diz J. Pinto Antunes: "Em-
presa é um dos regimes de produzir, onde alguém (empresário), por
via contratual, utiliza os fatores de produção sob sua responsabilida-
de (riscos) a fim de obter uma utilidade ... " (3).

• Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

R. Dir. adm., Rio de Janeiro, 107: 14-30 jan.lmar. 1972


Mas essa empresa, como simples fato econonnco, não existia em
face do Direito. Juridicamente, a produção esteve, outrora, a cargo de
"pessoas físicas", e mais tarde, delas e de "pessoas jurídicas". A em-
presa, como conceito genérico, a englobar essas duas categorias de pro-
dutores, permanecia ignorada pelo Direito. Sob esse aspecto, a Eco~
nomia, como ciência do ser, e o Direito, como ciência do dever ser ou
das normas coercitivas, permaneciam separadas. Concluía-se, então,
"pela inexistência de componentes jurídicos que, combinados aos dados
econômicos", formem um conceito genérico de empresa; ou conside-
rada a constância do substrato econômico, pela inexistência de um
conceito de empresa como categoria jurídica (4).
Mas essa indiferença do Direito pela empresa não poderia subsis-
tir. Fato econômico dos mais ricos e poderosos, ela acabou por pene-
trá-lo, vindo a ser referida por vários textos de lei, estrangeiros e na-
cionais (Código Civil italiano, art. 2.082 e seguintes; Constituição
Brasileira de 1967/1969, art. 170). A Lei 4.137, de 10~9-62, que re-
gula a repressão ao abuso do poder econômico, define-a no art. 6..0:
"Considera-se empresa toda organização de natureza civil ou mercan-
til destinada à exploração, por pessoa física ou jurídica, de qualquer
atividade com fins lucrativos". Embora ainda não tenha merecido ex-
plícita disciplina jurídica, a empresa comporta três formulações dou-
trinárias. Quanto à natureza, é privada ou pública. Quanto aos fins.
civil, industrial ou mercantil. Quanto ao agente, ora é pessoa natural,
ora é pessoa jurídica.
Tem~se afirmado que a "empresa económica es una nada", e que
"sin el derecho, ella no puede existir, ni desarrolarse" (2-A). Não
participo dessa opinião. A empresa, mesmo ignorada pelo Direito, atin-
giu o apogeu no mundo econômico. Atente-se para as empresas gigan~
tescas, nacionais, internacionais e multinacionais, que avassalam o
mundo. Já começam, aliás, a desempenhar vitorioso papel de vínculo
entre os povos, na aurora, em que vivemos, da internacionalização da
economia, precursora da união das nacionalidades.
Pelo contrário, é o Direito que começa a lucrar, por abrigar o con-
ceito de empresa. É expressão genérica, que ajuda a agrupar normas_
comuns, outrora repetidas a propósito de entidades civis e mercantis,
e de pessoas naturais e pessoas jurídicas, que atuam no domínio eco-
nômico. O conceito de empresa permite síntese e clareza, na formula-·
ção de princípios doutrinários e de regras legais.

2. A Empresa Pública

A empresa privada provou tão bem, que sua forma de organização e


exploração da atividade produtot:a acabaram estendendo-se a empreen-
dimentos públicos. "El término empresa pública es hoy dia universal
y 8U traducción literal tiene sentido em casi todos los idiomas; quizá

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precisamente por eso su significado es multivoco", como nota Fer-
nando Garrido Falla (rO-E) .
À primeira vista, a expressão "empresa pública" parece contradi-
tória, pois que sendo a empresa entidade tradicionalmente privada,
não poderia, evidentemente, ser pública. Mas, não obstante, a expres-
são se tornou corrente, em muitos países. No Brasil, está consagrada
no art. 170, § 2.°, da Constituição Federal e no art. 124 da Consti-
tuição paulista. O Decreto-lei federal n.o 200, de 25-2-67, define-a
no art. 5.° n.O lI. Essa extensão do primitivo conceito resultou de se
haver passado a considerar "empresa" como simples organização dos
fatores de produção, abstraindo da qualificação do empresário, que
tanto pode ser particular como estatal. E assim surgiu, ao lado da
primitiva empresa privada, pertencente a particulares, a empresa pú-
blica, de propriedade do estado, seja ele a União, os estados-mem-
bros ou os municípios.
Como observa Hely Lopes Meirelles, "o que caracteriza a empresa
pública é o seu capital exclusivamente público, de uma só ou de várias
entidades estatais, mas sempre capital público" (6) . Di-lo também
Ernst Forsthoff (7): "La empresa se llama pública quando es mante-
nida por la Administración pública". Assim também pensam Arman-
do Giorgetti (8), Giannino Parravicini (9) e Gaetano Stammati (10).
A opinião de Francisco Galgano é muito concisa: "Una y otra designan,
desde puntos de vista distintos, un mismo fenómeno: el ente público es
"empresario" en razón a que el mismo tiene por objeto el ejercicio de
una empresa; la empresa es, por el contrario, "pública", en considera-
ción a la circunstancia de que el titular de la misma es un ente pú-
blico" (lO-A).
O advento da empresa pública se deve a três fenômenos distintos:
a) a estatizações de empresas privadas, cuja forma jurídica
originária é mantida pelo novo titular, que é o estado (11).
b) pela necessidade, geralmente reconhecida, de substituir, no
campo econômico, os antigos e morosos estabelecimentos públicos, ad-
ministrados diretamente pelo estado, por entidades capazes de "agire
con la rapidità ed efficienza necessaria ai pronto adeguamento delle
exigenze di mercato ... ", como diz Giorgio Stefani (12).
6) a objetivos socializadores (13), que negam a particulares a
propriedade de meios de produção (r4).
Em doutrina, subsistem ainda opositores à empresa pública. De
ouvir Andrea Arena: ''Tales entes tienem un fin social que es incon-
ciliable con el fin económico proprio dei empresario". "lI concepto
herético de empresa sin lucro, que, por desgracia, ha sido introducido
por una certa parte de nuestre doctrina, ya por mim senalada, es peli-
groso. Alienta la constitución o la prosecución de empresas públicas
improductivas y privadas parasitarias, que, especialmente como ins-
trumentos de criptogobierno (sottogoverno), danan ai Pais" (10-B) .

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Mas acabou prevalecendo, por tôda parte, o abandono dos requi-
sitos subjetivos da empresa: affectio societatis e animus lucrandi
(13-A). Amplos setores da propriedade do estado passaram a ser ad-
ministrados sob formas e critérios particulares, na empresa pública.
Separada a propriedade da administração, abriu~se o caminho para a
propriedade do estado sem a administração do estado, como refere
A. H. Hanson (15).

3. Criação da Empresa Pública

Há autores que sustentam a necessidade de lei para a criação de em~


presa pública, como Cretella Junior (16) e Fernando Garrido Fal-
Ia (5-A). Outros, porém, entendem que a matéria é da competência
do Poder Executivo, entre eles Miguel S. Marienhoff (17) e J. M.
Auby & R. Ducos-Ader (18). Essa discrepância de opiniões é regis-
trada por Nicola Balogh, nesta passagem: "Quase não há diferenças
essenciais entre os diversos países no que concerne à constituição das
empresas públicas. Estas são criadas em virtude de lei ou outra de~
cisão do Par lamento, do Chefe do Estado ou do Governo. ( ..... ) N u~
merosos são, aliás, os países em que as empresas públicas são criadas
pelos órgãos administrativos" (13-B).
No Brasil e na esfera federal, o Decreto-lei n.o 200, modificado
pelo Decreto-lei n.O 900, no art. 5.°, n.O 11, exige expressamente que
a empresa pública seja criada "por lei". No que tange aos estados,
entende Manoel de Oliveira Franco Sobrinho que lhes falta competên-
cia para instituírem empresas públicas, porque somente a União tem
competência para intervir no domínio econômico, segundo dispõe o
art. 163 da Constituição. "Inclusive a autonomia municipal está li~
mitada ao art. 15, quanto à organização dos serviços públicos locais.
Salvo melhor entendimento, sem lei federal reguladora, não há qual-
quer espécie de intervenção no domínio econômico" (19).
A intervenção no domínio econômico, que o art. 163 torna de-
pendente de lei federal, significa apenas ditar regras a atividades eco-
nômicas de particulares: fixação de preços, controle de abastecimento,
limitação de lucros etc., como se depreende das observações de Pontes
de Miranda ao texto em exame (20). Tratando da matéria, observa
Pietro Barcellona que "il compito dell'indagine risulta, cosi, precisato
nell'analisi delle varie forme de intervento destinate ad incidere
nel rapporto fra privati e, precisamente, nello studio dei presupposti
di tale disciplina e degli effetti che scaturiscono dall'applicazione della
stessa" (21).
A intervenção do art. 163, que repete o mesmo preceito do ar-
tigo 146 da Constituição de 1946, nada tem a ver com iniciativas dos
estados~membros e dos municípios, no campo econômico, em que êles
se encontram atuando, incontestadamente, há muitos anos. Bancos,

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caixas economICas, armazéns gerais, ferrovias, matadouros, água, es-
gotos, têm sido e continuam sendo objeto da administração direta ou
indireta daquelas pessoas jurídicas de Direito público interno, sem a
mais leve sombra de ilegalidade, independentemente de autorização
federal.

4. Variedade de Formas Jurídicas

A Inglaterra, pioneira na criação da empresa pública, adota a "public


corporation", desde 1926, em que não há nem ações nem acionis-
tas (22). Na Espanha, a empresa pública pode ser sociedade anônima
até de um único acionista, como observam Fernando Garrido Falla
(5-8) e Alvaro Alvarez-Gendin (l-A) . Na Itália, a empresa pública
assume três formas diferentes: a) "gestione diretta della pubblica am-
ministrazione; b) organizzazione autônoma; c) società per acione
privata mista, cioe con partecipazione pubblica di maggioranza o di
minoranza", como refere Celestino Arena (23). Benvenuto Griziotti
confirma essa informação (24).
N o Brasil, vários autores entendem que a empresa pública deve,
necessariamente, assumir a forma de sociedade mercantil. É o que
pensam os professores Oscar Barreto Filho (25), J. Cretella Junior
(T6-A) , Caio Tacito (l3-C) e Manoel de Oliveira Franco Sobrinho
(l9-A). Bilac Pinto, entretanto, examinando o problema com maior
amplitude, doutrina que a empresa pública "adota a forma das em-
presas comerciais comuns (sociedade por ações, sociedade de respon-
sabilidade limitada) ou recebe do legislador estrutura específica"
(l3-D). Esta última opinião é a que melhor se ajusta ao direito po-
sitivo brasileiro, como em seguida veremos.

5. A Constituição Federal

O § 2.° do art. 170 da Constituição Federal consagra, nestes termos,


a possibilidade das empresas públicas no Direito nacional: "N a ex-
ploração, pelo estado, da atividade econômica, as empresas públicas
e as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis
às empresas p'rivadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ao
das obrigações".
Que "normas aplicáveis às empresas privadas" são essas? Ilus-
tres juristas tem entendido que são as normas do Direito privado, in-
clusive as referentes à constituição de pessoas jurídicas. E concluem,
daí, que a empresa pública, entre nós, somente pode revestir uma das
formas previstas no art. 16 do Código Civil, pois que não há outras
pessoas jurídicas de Direito privado. Data venia, deles divirjo radi-
calmente.

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Na vida da empresa há que considerar três etapas fundamentais.
e diferentes: uma, jurídica, que é a criação ou constituição; e duas
outras, econômicas, que são a organização e a exploração. O comando
do art. 170, § 2.°, refere-se apenas a esta última, isto é, a exploração,
e não à primeira delas, que é a criação ou constituição.
A diferença entre esses substantivos está clara no Título IH da
Constituição, referente à "Ordem Econômica e Social". No art. 166
há referência à constituição das associações profissionais. No art. 170,
se mencionam a organização e a exploração: "Às empresas privadas
compete, preferencialmente, com o estímulo e o apoio do Estado, or~
ganizar e explorar as atividades econômicas". Diz, mais, o § 1.0, que
"apenas em caráter suplementar da iniciativa privada o Estado or-
ganizará e explorará diretamente a atividade econômica". São, pois,
coisas diferentes, constituir uma empresa, organizar e explorar aati-
vida de econômica a que se destina. A doutrina confirma essas dis-
tinções:
a) Constituição. "Latin constitutio, institution etc., derivé du
verbe constituer, établir; d'ou le sens du français", que é a definição
de Henri Capitant (26). Constituição de uma empresa é, pois, estabele-
cê-la ou dar-lhe existência legal. A lei das sociedades anônimas, no
art. 38 e seguintes, especifica como deve ser constituída ou criada.
essa espécie de sociedade.
b) Organização. Segundo conceito já pacífico, mas que Alfred
Marshal foi o primeiro a fixar, são "agentes de la producción: tierra,
trabajo, capital y organización. Ao empresário, cabe, precisamente,
organizar a produção. Walton H. Hamilton exprime este conceito la-
pidar, pela simplicidade e pela síntese: "Economic organization is
the government of industry" (28).
c) Exploração. "Par cycle ou processus d'exploitation, on en-
tendra l'eensemble d'operations qui sont nécessaires pour aboutir à
lacte final de production" como observa Jean Romeuf (29). Ou segun-
do explica Wolfgang Heller: "Explotation (sistemas de) son los dis-
tos modos de llevar a cabo la productión, que abarcan lo mismo el
aspecto económico que el técnico" (30).
Retornemos, agora, ao § 2.° do art. 170 da Constituição. As "nor-
mas aplicáveis às empresas privadas", a que ele se refere, "na explo-
ração, pelo Estado, da atividade econômica", nada tem a ver com o
fato jurídico da constituição dessas empresas, mas com o fato econô-
mico da exploração, especificamente referido, diretamente mencionado,
claramente apontado. Essa exploraçM da atividade econômica diz
respeito, não à constituição da empresa, mas ao "conjunto de opera-
ções necessárias para atingir o ato final da produção", nas palavras
de Jean Romeuf. Ou "aos distintos modos de levar a cabo a produção,
que abarcam tanto o aspecto econômico como o técnico". no conceito
de Wolfgang Heller.

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Ler, no § 2.° do art. 170, que as "normas aplicáveis às empresas
privadas" são normas jurídicas referentes a constituição dessas em-
presas é ler o que nele não está escrito. É colocar no texto o que nêle
não existe. Pois que o comando diz respeito, não a normas jurídicas,
mas a normas econômicas, referentes à "explor~ão. .. da atividade
econômica". Confundir a constituição de uma empresa com sua ex-
ploração seria como violentar o art. 129, letra a da lei das sociedades
anônimas, transformando a expressão "exploração do objeto social",
nela escrita com todas as letras, em "constituição da sociedade", que
o texto não menciona.
Vejamos outra vez o § 2.° do art. 170: "Na exploração, pelo Es~
tado, da atividade econômica, as empresas públicas e as sociedades
de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis às empresas
privadas, inclusive quanto ao Direito do trabalho e ao das obrigações".
Se as "normas aplicáveis às empresas privadas" fossem normas ju-
rídicas, seria inútil, por redundante, a cláusula final, "inclusive quan-
to ao Direito do trabalho e ao das obrigações". Pois o Direito do tra~
balho e o Direito das obrigações são precisamente normas jurídicas que
já se aplicam às empresas privadas. Não haveria motivo para o texto
mencioná-las especialmente. Para excluir a redundância e havê-lo por
bem redigido, basta considerar como sendo econômicas "as normas
aplicáveis às empresas privadas", pois então seria adequado, a seguir,
referir-se também às normas jurídicas do Direito do trabalho e do
Direito das obrigações, não incluídas naquelas normas.
Até agora a União não encontrou, no art. 170, § 2.°, da Consti-
tuição, a obrigação de constituir empresas públicas apenas pelas for-
mas autorizadas pelo Direito privado. Os Correios e Telégrafos e a
Caixa Econômica Federal, por ela transformados em empresas públi-
cas, adotaram formas específicas próprias, como exporemos no capí-
tulo imediato. Essa conduta apóia a tese de que o texto constitucional
não cogita do problema jurídico da constituição das empresas públicas.
Se cogitasse, vincularia também a União. Seria inconstitucional a ado-
ção, para aquelas entidades, de forma de sociedade não permitida pelo
Direito privado. Pois decretos-leis ainda que federais devem respeitar
a Constituição e no caso a estão respeitando.

6. Os Decretos-leis números 200, de 25 de fevereiro de 1967, e nú~


mero 900, de 29 de setembro de 1969
A regra jurídica, que se tem procurado na Constituição Federal, nela
não existe. Mas está no Decreto-lei n.o 200, de 25 de fevereiro de
T967, modificado pelo Decreto-Iei n.O 900 de 29 de setembro de 1969.
De maneira, entretanto, incômoda, porque uma de duas. Ou esse De-
creto se aplica restritivamente à esfera federal, a que se dirige, e não
vincula nem os estados nem os municípios. Ou é extensível também
a essas entidades menores da organização política nacional, e então

20
qlBUOTECA MARIO HENRlUUE SIMONSEN
FUNDAÇAo GETULIO VARGAS
suas empresas públicas poderão assumir ou não a forma de sociedades
do Direito privado.
O art. 5.° n. o 11 do Decreto-lei n. o 200 dispõe: 'Empresa pública
- a entidade dotada de personalidade juridica de direito privado,
com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei
para a exploração de atividade econômica que o governo seja levado
a exercer por fonça de contingência ou de conveniência administrativa,
podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em Direito".
(Observemos, entre parênteses, a distinção que esse texto faz entre
criação da pessoa jurídica e exploração da atividade econômica, pre-
cisamente nos termos em que colocamos o assunto no capítulo ante-
rior deste trabalho).
Repitamos a cláusula final do texto: "podendo revestir-se de
qualquer das formas admitidas em Direito". É muito importante
atentar para o verbo poder, que aí aparece como simples faculdade,
não como dever ou obrigação. Quer isso dizer que a empresa pública
pode, não deve "revestir-se de qualquer das formas admitidas em
Direito". O campo ficou, pois, aberto, à criação de novas formas ju-
rídicas, para vestir as empresas públicas, além das que já estão admi-
tidas em Direito.
Quando define, entretanto, as sociedades de economia mista, já
o Decreto-lei n.o 200, no art. 5.°, n.O 111, fixa um único caminho a
seguir, que então se torna obrigatório: "Sociedade de economia mista
- a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, cria-
da por lei para a explora,ção de atividade econômica, sob forma àe
sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua
maioria à União ou a entidade da administração indireta". Não há
que escolher a forma da sociedade de economia mista, mas constituí-la,.
necessàriamente, como sociedade anônima. Cessa o arbítrio do admÍ-
nistrador, diferentemente do que acontece com as empresas públicas~
que ele constituirá sob qualquer das formas já "admitidas em Direito".
ou criará novas formas.
A União vem interpretando esses textos precisamente nesses ter-
mos, com a mais absoluta fidelidade. Criou duas empresas públicas
específicas, com estatutos próprios, sem nenhuma vinculação a formas
do Direito privado. Foram a Empresa Brasileira de Correios e Telé-
grafos, pelo Decreto-lei n.O 509, de 20/3/69, e a Caixa Econômica
Federal, pelo Decreto-lei n.o 759, de 12/8/69. E enviou ao Congresso
projetos-de-Iei, propondo a criação de duas sociedades de economia
mista, elas, sim, necessariamente sob a forma anônima, e que são o
B.N.D.E. e o B.N.H. (31).

7. O Código Civil
Os defensores da privatização da empresa pública, sob a obrigatória
forma de sociedade anônima, entendem que, ou se faz o seu enqua-

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dramento no art. 16 do Código Civil, ou os estados e municípios não
podem constituir empresas públicas, porque não há outras pessoas ju-
rídicas de Direito privado além das que estão especificadas nesse ar-
tigo. Apenas a União, competente para legislar sobre Direito Comer-
cial, tem a faculdade de criá-las por diferentes formas.
É certo que a empresa pública específica não se enquadra em ne-
nhum dos ítens do art. 16. Mas isso é irrelevante, em virtude de o
rol desse artigo ser apenas exemplificativo e não excluir outras for-
mas de pessoas jurídicas de Direito privado.
A empresa pública não pode ser sociedade civil, nem associação,
nem sociedade mercantil, porque no Direito brasileiro elas reclamam
mais de um titular. Pertencendo exclusivamente à União, ao estado,
ou ao município, falta àquelas empresas esse requisito fundamental.
Também não deve ser fundação, porque o objetivo mercantil, que
todas as empresas públicas perseguem, conflita com a tradição dessas
entidades. Como doutrina J. A. Garcia Trevijano Fos, "em la funda-
ción se produce un acto de liberalidad, un acto a título gratuito que
está en la entrega de la dotación o capital a la fundación; en la socie-
dad hay una aportación, consiguientemente un acto a título oneroso"
(lO-C). Ou, como doutrina Clovis Bevilacqua, "o fim a que se destina",
a fundação, exigido pelo art. 24 do Código Civil, conquanto não especifi-
ficado em lei, de longa data tem sido o "de interesse geral, de religião,
beneficência, instrução, ou interesses meramente particulares" (32).
Confrontemos, agora, estes dispositivos do Código Civil:
Art. 16 - São pessoas jurídicas de. Direito Privado: I - as socie-
dades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as asso-
ciações de utilidade pública e as fundações. II - as sociedades mer-
cantis.
Art. 14 - São pessoas jurídicas de Direito Público: I - A União.
II - Cada um dos seus estados e o Distrito Federal. III - Cada um
dos municípios legalmente constituídos.
Também se disse, outrora, que não podia haver autarquias, nem
partidos políticos, como pessoas jurídicas de Direito público, simples-
mente porque não constavam do elenco do art. 14 ... E o que é que
veio a prevalecer entre os mestres e os tribunais? Que não obstante
omitidos por esse texto legal, poderiam ser criadas autarquias e pode-
riam ser instituídos partidos políticos, como pessoas jurídicas de Di-
reito público, porque a enumeração do art. 14 era apenas exemplificati-
va. É o que informam Themístocles Brandão Cavalcanti (33) e J. Cre-
tella Junior (l6-B).
Esse mesmo raciocínio lógico cabe a prop6sito do art. 16, dada a
absoluta igualdade de sua cabeça com a do art. J4,. Não apenas o art.
14, mas também o art. 16, fazem enumeração somente exemplificativa.
Tanto pode haver outras pessoas jurídicas de Direito público, como
outras pessoas jurídicas de Direito privado, além das que constam
desses artigos.

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8. O Estado no Domínio Privado

A capacidade do estado para atuar no domínio privado não foi jamais


posta em dúvida. Para Francesco Ferrara "si puo distinguere un tri-
plice aspetto dello Stato: come soggetto di diritto pubblico, como sog~
getto di diritto privato, como soggeto internazionale" (34). Guido Za-
nobini é ainda mais expressivo: "La personalità giuridica dello STATO
compreende sia la capacità di diritto pubblico, sia quela di diritto pri-
vato: la prima se manifesta specialmente nell'esercizio delle potestà
pubbliche, la seconda nell'esercizio di dirritti privati patrimoniali, nella
stipulazione di contratti e nelle formazione di altre figure di negozi
proprie deI diritto privato" (35). Rafael Bielsa dá um passo além, re-
conhecendo o estado como pessoa jurídica de Direito civil, nestes termos:
"Cuando el Estado como persona jurídica de derecho civil y en conse-
cuencia com derechos patrimoniales, si sitúa frente a los individuos,
como lo hacem estos entre si, en realidad solo usa un medio jurídico (de
técnica jurídica) para realizar una función; su personalidad es tam-
bién una construcción técnica jurídica, pero aún en esa posición hay
una convergencia final en el interes social" (36).
O estado, que já tem, congênita, a capacidade para atuar no cam-
po privado, pode perfeitamente especializá-la, delimitá-la e descentra-
lizá-la, para determinados objetivos mercantis, sob a forma de empre-
sas públicas. Precisamente aquilo que faz ao instituir autarquias, com
a única diferença de que estas se tornam pessoas jurídicas de Direito
público, enquanto aquelas vão ser pessoas jurídicas de Direito privado.
Optar por umas ou por outras é questão de Política Administrativa,
que examinaremos no capítulo final.
Como ensina Roger Pinto, "a empresa pública autônoma é uma
criação do Estado. Submete-se, portanto, a estatuto definido pelo Es-
tado. Sua existência depende do Estado, que a instituiu. Precisamente,
porém, em virtude dessa instituição, o Estado introduz no setor da eco-
nomia pública uma estrutura descentralizada (13-E).

9. Técnicas de Personificação

A instituição da empresa pública é ato de Direito Administrativo, isto


é, de Direito público, não de Direito privado. Não resulta de contrato,
como as sociedades ou corporações, mas da vontade exclusiva do es-
tado, por via de ação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo ou
mesmo de ambos. Como observa Francisco Ferrara, "l'antitese si fa
ora tra corporazioni ed istituzioni. La corporazione trae origine dalla
volontà colletiva imanente in essa, l'istituzione e creata da una volontà
superiore, che stá fuori di essa, impiantata dall'estero - la volontà
immanente, qua transcendenti" (34-A).

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Mas enquanto a autarquia, criada também no campo do Direito
administrativo, nela permanece atuando, como pessoa jurídica de Di-
reito público, a empresa pública, que também se institui no campo ad-
ministrativo, depois de criada passa a atuar no campo particular, como
pessoa jurídica de Direito privado. Gêmeas pela origem comum, mas
diferentes no meio em que operam, depois de instituídas.
Os ilustres defensores das sociedades mercantis, como única rou-
pagem possível para a empresa pública, ao subordinarem sua criação
ao Direito privado, desatendem, data venia, ao fato irretorquível de
que ela nasce no exclusivo domínio do Direito público, tanto assim que
a criação se realiza por lei, não por contrato. Por ato de império do
estado, não por convenção de particulares, como teria de acontecer,
para que a criação da entidade se governasse pela disciplina do Direito
privado. E continuando desatentos a essa realidade luminosa, negam
a estados-membros e a municípios, que são, tanto quanto a União, pes-
soas jurídicas de Direito público, a faculdade que sempre tiveram e
que ninguém jamais lhes negou, de agir no campo do Direito Admi-
nistrativo, praticando atos de seu interesse.
Como está escrito no art. 13, § 1.°, da Constituição, "aos estados
são conferidos todos os poderes que, explicitamente, não lhes sejam
vedados por esta Constituição". E a Constituição, em nenhum artigo,
veda aos estados instituir empresas públicas. A matéria situa-se, pois,
na competência dos estados, como prerrogativa inerente ao sistema fe-
derativo.
É ponto tranquilo, a propósito das pessoas jurídicas de Direito pú-
blico, como a respeito das pessoas jurídicas de Direito privado, que °
que as caracteriza é simplesmente a aptidão de exercer direitos e res-
ponder por obrigações. São palavras de H. Berthelemy: "La persona-
lité morale de l'État ne signifie pas autre chose que l'aptitude à étre,
comme une personne, titulaire de droits actifs ou passifs" (37).
Se a União, os estados ou os municípios, por lei, instituem uma
entidade, para realizar determinado objetivo, atribuindo-lhe adminis-
tração e patrimônio próprios - está feita a personificação jurídica,
para atuar no campo do Direito público ou do Direito privado, segun-
do seja da vontade do instituidor. De ouvir Francisco Campos: "Assim,
públicas não poderão deixar de ser as pessoas jurídicas instituídas pela
União, os estados ou os municípios, desde que a elas confiada a admi-
nistralÇão de um serviço público e investidas, para este fim, de compe-
tência de Direito público ou de direitos de poder público, isto é, de
poderes que somente alguma daquelas entidades de Direito público
possa exercer. A simples personificação de um serviço público não
o desclassifica, portanto, de público para privado; para que tenha este
efeito, necessário é, sem dúvida, que o Estado, personificando o ser-
viço, manifeste a vontade de abandoná-lo à iniciativa individual ou
ao domínio da livre atividade dos particulares, para o que destituirá
o serviço dos poderes ou da competência de direito público, colocan-
do-o em igualdade de condições com outros congêneres que venham
a ser organizados por particulares" (38).
Instituindo empresas públicas, a União, estados ou municípios
declaram que elas se destinam a perseguir determinados objetivos de
ordem econômica, no campo privado. Basta isso para operar a pri-
vatização e a personificação. O mais (registro na Junta Comercial
etc.) serão meras formalidades.
Em rigor, aliás, a privatização da empresa pública, entre nós,
é matéria constitucional. Decorre expressamente do art. 170 § 2. 0
da Constituição, porque nele já está a determinação de que devam re-
ger-se "pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclU8ive quan-
to ao Direito do Trabalho e ao das Obrigações". Não terão competên-
cia de Direito público: não exercerão Direito de império, mas apenas
o de realizar contratos, no campo do Direito privado.

10. Condenação da Sociedade Anônima

A sociedade anônima de um único acionista - o estado - tem pro-


vocado censuras. Francisco Vito considera-a "um simulacro de socie-
dade" (13-F). William Robson, o clássico inglês, observa: "A sociedade
anônima sai desfavorecida na comparação com a empresa pública em
quase todos os aspectos ( ... ). Sua natureza social é amiúde fictícia,
posto que sua propriedade é atribuída normalmente à Coroa ou ao
Governo" (39). Aliás, recebeu ela até mesmo reprimenda coletiva e in-
ternacional: "Na reunião convocada pelas Nações Unidas, em Ran-
goon, criticou-se as sociedades com 10070 de ações pertencentes ao
estado e que são consequentemente uma ficção e foi recomendado,
nesse caso, recorrer ao primeiro grupo de empresas públicas (13-G).
Alguns países admitem realmente a sociedade anônima com um
único acionista, como informa Fernando Garrido Falla (5-C). Mas entre
eles não se inclui o Brasil. De ouvir o justo clamor de Trajano Mi-
randa Valverde, que considera "monstruosidade jurídica" o "indiví-
duo-sociedade" (40). Como dispõe o art. 38, § 1.0, da Lei 2.627, de
26/9/40, são necessários pelo menos 7 (sete) acionistas.
Em nosso País, tem-se recorrido ao artifício de incluir entre os
sócios, ao lado do estado, com reduzíssimo número de ações, algu-
mas entidades da administração indireta, como permitia a primitiva
redação do art. 5.°, 11, do Decreto-lei federal n.o 200, já eliminada, e
como ainda permite o art. 5.° do Decreto-Iei n.O 900. Mas a solução
continua artificial, corruptora da teoria societária, porque essas en-
tidades pertencem todas ao estado, que prossegue, assim, sendo o
único titular da empresa. Para evitar essa falsa solução, basta ado-
tar a forma específica da empresa pública, criada por ato administra-
tivo do estado, a que fizemos referência no item IX deste trabalho.

25
Tem ela, ainda, a vantagem de ensejar melhor solução para o proble-
ma do controle, como vamos verificar.

11. A Questão do Controle

A empresa pública está sujeita ao controle do estado, a que pertence.


Como ensina Miguel S. Marienhoff (17-A) : "ela és siempre una depen-
dencia deI Estado, y en tal virtud hállase sujeta aI control jerárquico
de este. Estas empresas non son seres "independientes"; no pueden
tener una ilimitada o incontrolada libertad de actuación, superior o
mas extensa aún que la delas empresas estatales constituidas como
entidades autárquicas". Massimo Severo Giannini é da mesma opi~
nião: ". .. por mucha autonomía que se conceda a la empresa-órgano
esta seguirá siendo siempre, a pesar de ello, un órgano de la admi-
nistración. Por lo cual no puede nunca gozar de la plenitud de deci-
sión autónoma propria deI empresario privado" (10-D). Themístocles
Brandão Cavalcanti é categórico: "Onde quer que haja um capital
público, justifica-se um regime de controle sobre esse capital, con-
trole não somente interno mas também externo. Nem seria tolerável
que os dinheiros públicos fugissem a uma fiscalização nas suas mais
variadas aplicações" (13~H).
Essas opiniões enquadram-se perfeitamente na lei brasileira.
Atente-se para o art. 45 da Constituição Federal, que determina a fis-
calização do Congresso sobre os "atos do Poder Executivo, inclusive
os da administração indireta". O art. 11'9, I, d e o art. 125, I, entre-
gam ao Supremo Tribunal Federal e a juízes federais o julgamento
de causas que envolvam interesses da "administração indireta", gê-
nero em que se inclui a empresa pública (Decreto-lei n.O 200, art. 4.°,
II). É perfeitamente natural que assim seja, pois o capital dOa em-
presa pública será "sempre capital público", como observa Hely Lo-
pes Meirelles (6).
O estado tem, pois, o direito e o dever de controlar a empresa
pública, para velar pelos valores que a ela entrega. E então se veri~
fica quão inadequada é a forma anônima, dado que esta possui, por
lei federal, sistema próprio de controle e fiscalização (Assembléia Ge-
ral e Conselho Fiscal), que exclui a ingerência de outras entidades.
Di~lo Miranda Valverde: "A lei, ao distribuir a competência pelos
três órgãos legais da sociedade anônima - Assembléia Geral, Direto-
ria e Conselho Fiscal - proíbe, expressamente, a delegação de fun-
ções mesmo a órgão criado pelos estatutos, ou ainda. a terceiros" (40~A).
Os seguintes textos da Lei n.O 2.627 confirmam a total concen-
tração de poderes nos próprios órgãos da sociedade anônima, a que
o mestre se refere. Art. 87: "A Assembléia Geral tem poderes para
resolver todos os negócios relativos ao objeto de exploração da socie~
dade e para tomar as decisões que julgar convenientes à defesa desta

26
e ao desenvolvimento de suas operações". Art. 116, § 5.°: "As atri-
buições e poderes, conferidos pela lei aos diretores, não podem ser ou-
torgados a outro órgão criado pela lei ou pelos estatutos ... ". Art.
128, § único: "As atribuições e poderes conferidos pela lei ao Conse-
lho Fiscal não poderão ser outorgados a outro órgão da sociedade".
Que dizer, então, de outorga a órgão estranho?
Contraria frontalmente esses textos admitir sobre a empresa pú-
blica, na forma de sociedade anônima, os controles por parte do Con~
gresso, do Tribunal de Contas, de Ministérios ou Secretarias, e de
Juntas Financeiras, que habitualmente fiscalizam as entidades que
manipulam bens ou valores do estado.
A União ainda pode fugir a esses impedimentos legais, consti-
tuindo por lei sociedades anônimas anômalas, dada a competência que
tem para legislar sobre Direito Comercial (Constituição, art. 8.°,
XVII, b). Como a lei se revoga por outra lei, ela escapa à ilegalidade,
embora desnaturado, de direito e desnecessariamente, o instituto das
sociedades anônimas. Mas os estados e os municípios, que não têm
aquela competência, estão obrigados a permanecer nos limites fixados
pela Lei n.o 2.627. E então, uma de três: ou renunciam à forma anô-
nima, ao constituírem empresas públicas; ou as constituem e as dei-
xam sem os necessários controles administrativos; ou as fazem fun-
cionar sob esse controle, mas violando frontalmente a lei das socie~
dades anônimas.
A solução lógica é evidentemente a primeira: preferir, em lugar
da forma anônima, a empresa pública específica, que, como criação
administrativa, comporta, no respectivo Estatuto, adequada 8Ubord~
nação ou vinculação a órgãos fiscalizadores da administração pública.
Mas não se esqueça, ao se estabelecer esse controle, a advertên-
cia que Alfredo de Almeida Paiva reproduz: "Torna-se, por isso mes-
mo, indispensável não se repita com tais tipos de sociedades o que
ocorreu com as entidades autárquicas, que segundo Oscar Saraiva, en-
velheceram precocemente: "surgidas, diz ele, em maior número no
qüinqüênio de 1937 a 1942, trazendo em si condições de independên-
cia de ação e liberdade administrativa que as tornavam instrumentos
flexíveis e eficientes de ação, logo a seguir as influências centraliza-
doras de padronização, uniformização e controle as alcançaram, tor-
nando em muitos casos sua administração quase tão rígida quanto a
do próprio estado, e fazendo desaparecer as razões de conveniência
que originaram sua instituição" (13~I).

12. Política Administrativa

Os serviços do estado, sob a forma da tradicional repartição pública,


deixaram~se macular gravemente pela burocracia, que significa baixa
eficiência e alto custo. E isso vem acontecendo, porque o estado sa-

27
grou-se, em todas as nações, como o mais deficiente dos administra-
dores. Atende, pois, ao interesse da coletividade, dele retirar aqueles.
serviços que estejam a reclamar maior eficiência e celeridade, e que
por sua natureza possam ser objeto de descentralização, personifica-
ção e autonomia administrativa, sem prejuízo, evidentemente, dos
precisos controles.
Para que a descentralização obedeça a critérios racionais, poderá
adotar as seguintes formas:
a) De fundação, propícia a atividades culturais ou de beneme-
rência, mediante a utilização de bens ou de fundos, a ela doados pelo
estado (v. Capítulo VII) ;
b) De empresa pública, quando se trata de atuar no mundo eco-
nômico, organizando os fatores da produção: atividades rurais, in-
dustriais ou comerciais. Se o estado é o único senhor do capital, de-
verá preferir a empresa pública específica,por ele instituída, com es-
tatuto que organize o empreendimento e determine a maneira da ex-
ploração, segundo as normas privadas. Se, pelo contrário, o estado
quer recebera colaboração de capitais particulares, já a forma mais.
conveniente será a empresa pública, como sociedade anônima, por fa-
cilitar a coordenação do empreendimento misto, em que há geralmen-
te largo número de participantes, e
c) De autarquia, nos demais casos.
Essas atividades todas, desde que conduzidas pelo estado, são pú-
blicas. Mas podem perfeitamente ser reunidas em grupos segundo
afinidades e a cada um deles é possível atribuir determinada forma
jurídica. Muito fará o estado se, ao realizar um tal trabalho de ra-
cionalização administrativa, respeitar a tradição dos institutos jurí-
dicos e só modificá-los quando necessário. Desnaturá-Ios desnecessaria-
mente, para seguir infelizes figurinos estrangeiros, será obra de con-
fusão, que lhe cabe evitar, para melhor alcançar os seus fins.

13 . Bibliografia

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rense, 1953, p. 245, nota 16. 40-A. voI. 11, p. 300.

A ERA DO ADMINISTRADOR PROFISSIONAL

Tão velha quanto o Estado, a Administração, vem com ele


evoluindo. O mundo moderno criou, nesse campo, espe-
cializações jamais atingidas por épocas passadas, principal-
mente depois da 2. a Guerra Mundial, com a arrancada
dos países subdesenvolvidos. Por ser a Administração
ainda negligenciada em nosso País como Ciência e prati-
cada sob formas empíricas que lhe retardam o processo
de desenvolvimento, a Fundação Getúlio Vargas dedicou
talvez o mais importante de seus esforços editoriais para
dotar de literatura especializada adequada e abundante os
que se dedicam à difícil tarefa da Administração em todos
os seus níveis, a fim de contribuir para tornar realidade
a era do administrador profissional, condição sine qua non
para o nosso pleno desenvolvimento. '

Pedidos para Fundação Getúlio Vargas, Praia de Botafogo, 188,


Caixa Postal 21.120, ZC-05, Rio, GB.

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