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Manoel S. Guimarães - O Presente Do Passado
Manoel S. Guimarães - O Presente Do Passado
Cultura política e
leituras do passado
Historiografia e ensino de história
FAPERJ
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA Fundação Cario
* Chaga
* Filho de Amparo
A *a
Pe
qul do Estado do Rio da Janeiro
Rio de Janeiro
2007
COPYRIGHT © Martha Abreu, Rachel Soihet e Rebeca Gontijo (orgs.)
CAPA
Evelyn Grumach
PROJETO GRÁFICO
Evelyn Grumach e João de Souza Leite
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
C974 Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de
história / Martha Abreu, Rachel Soihet e Rebeca Gontijo (orgs.). - Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-200-0695-5
CDD - 907
06-4642 CDU - 930(072)
Impresso no Brasil
2007
Sumário
AGRADECIMENTOS 9
APRESENTAÇÃO 11
PARTE I
PARTE II
PARTE III
6
SUMÁRIO
PARTE IV
Rebeca Gontijo
Martha Abreu
PARTE V
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CULTURA POLÍTICA E LEITURAS DO PASSADO
Conceição Pires
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O presente do passado: as artes de
Clio em tempos de memória
Manoel Luiz Salgado Guimarães
*
A memória dos que envelhecem (e que transmite aos filhos, aos sobrinhos,
aos netos a lembrança dos pequenos fatos que tecem a vida de cada indi
víduo e do grupo com que ele estabelece contatos, correlações, aproxima
ções, antagonismos, afeições, repulsas e ódios) é o elemento básico na
construção da tradição familiar. Esse folclore jorra e vai vivendo do con
tato do moço com o velho — porque só este sabe que existiu em determi
nada ocasião o indivíduo cujo conhecimento pessoal não valia nada, mas
cuja evocação é uma esmagadora oportunidade poética.
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CULTURA POLÍTICA E LEITURAS DO PASSADO
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CULTURA POLÍTICA E LEITURAS DO PASSADO
social, e que a escrita pode ser a forma mais rápida para o fácil esqueci
mento. Se por um lado a invenção da escrita representou um enorme avan
ço para a capacidade da memória, tornando a lembrança dependente de
um novo e revolucionário artifício, segundo a tese de Havelock,2 por outro
representou um golpe poderoso na capacidade da memória natural. Aquilo
que se escreve pode desaparecer da memória natural, o que constituiu um
curioso paradoxo nessa relação entre escrita/memória artificial e memó
ria natural.3 Vivemos aquilo que Andreas Huyssen de maneira tão aguda
denomina a sedução pela memória, um tempo em que nossas sociedades
vivem uma verdadeira “inflação de memória” acompanhada por uma
monumentalização das formas de relação com o passado. A cultura mo
dernista, que se constituíra a partir de investimentos no futuro como um
tempo de realizações, sofreu a partir dos anos 1980 uma virada em dire
ção ao que denomina “passados presentes”.4 A sedução, que na formula
ção conceituai freudiana se vincula à recordação de cenas vividas ou
imaginadas, supõe uma centralidade da lembrança e de seus mecanismos
de constituição de sujeitos. Apropriando-se da noção de sedução para
designar um momento particular de nossa experiência com o tempo,
Andreas Huyssen parece sugerir-nos que vivemos sob o imperativo da
recordação, prisioneiros da necessidade de sempre e de tudo lembrar. Este
imperativo nos leva à compulsão pelo arquivo e pelas tarefas de arqui
vamento, fazendo-nos esquecer que, se tudo está arquivado, anotado,
controlado e vigiado, a história como criação não é mais possível, transfor
mando-se o passado em espelho do próprio arquivo, transmutado em lu
gar da verdade, reificado e deistoricizado.5 O arquivo perde sua dimensão
de escritura e, portanto, sua forma simbólica e necessariamente histórica
de significação das experiências humanas.
Gostaria então de abordar neste texto estas três questões, como parte
de um exercício de reflexão em torno do lugar da disciplina história em
nossa atualidade em face dos desafios de um tempo em constante acelera
ção que nos acena com a sedução de uma “história online”. Trata-se, por
tanto, de um exercício para pensar as condições da produção histórica
em nossa contemporaneidade, retomando, por um lado, o caminho de
que refazer a história da disciplina pode ajudar-nos a pensá-la como pro-
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O povo judeu abandonou a religião de Aten que lhe foi dada por Moisés
e voltou-se para a adoração de outro deus que pouco diferia dos Baalim
dos povos vizinhos. Todos os esforços tendenciosos de épocas posteriores
fracassaram em disfarçar esse fato vergonhoso. Mas a religião mosaica não
se desvaneceu sem deixar traço; algum tipo de lembrança dela manteve-se
viva: uma tradição possivelmente obscurecida e deformada. E foi essa tra
dição de um grande passado que continuou a operar (do fundo da cena,
por assim dizer), que gradativamente adquiriu cada vez mais poder sobre
as mentes das pessoas e que, ao final, conseguiu transformar o deus Javé
no deus mosaico e redespertar para a vida a religião de Moisés que fora
introduzida e, depois, abandonada havia longos séculos.14
Uma tradição esquecida, mas que, nas palavras de Freud, continuava a ope
rar do fundo da cena, como memória, responsável pela ação em função de
sua capacidade criadora e instituinte de relações socioculturais. Do ponto
de vista da história, e de sua preocupação com o tratamento da memória, o
recurso aos dois textos pode indicar um caminho rico em desdobramentos
para se pensar a memória, a lembrança e a recordação, como atos de enor
me força para a formulação de projetos sociais, para a organização da ação
social. Nesse sentido, uma historicização da memória, das formas como as
sociedades se lembram, é parte de um exercício para compreender o lugar
da história e a história em determinada sociedade.
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Notas
1. Jorge Coli, Como estudar a arte brasileira no século XIX?, São Paulo, Ed. Senac São
Paulo, 2005, p. 43.
2. Eric A. Havelock, A revolução da escrita na Grécia e suas consequências culturais,
São Paulo/Rio de Janeiro, Ed. Unesp/Paz e Terra, 1996.
3. Harald Weinrich, Lete: arte e crítica do esquecimento, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2001, p. 112. Ao fazer uma história do esquecimento, o autor nos ajuda
a compreender as profundas imbricações entre lembrar e esquecer como parte de
tarefas sociais, igualmente importantes e necessárias à vida das coletividades humanas.
4. Andreas Huyssen, Seduzidos pela memória. Arquitetura, monumentos, mídia, 2a ed.,
Rio de Janeiro, Aeroplano, 2000, p. 9.
5. Elisabeth Roudinesco, A análise e o arquivo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2006.
Afirma a autora: “Em outros termos, o culto excessivo do arquivo resulta numa
contabilidade (a história quantitativa) destituída de imaginação e que proíbe que
possamos pensar a história como uma construção capaz de suprir a ausência de
vestígios” (p. 9).
6. Paul Valéry, na distribuição solene dos prêmios do Liceu Janson-de-Sailly, em 13 de
julho de 1932.
7. Leopold von Ranke, apud Anthony Grafton, Les Origines tragiques de Vérudition.
Une histoire de la note en bas de page, Paris, Seuil, 1998, p. 50.
8. Os trabalhos de Michel de Certeau, especialmente A escrita da história, viabilizaram
uma outra compreensão para a dimensão da falta constitutiva da escrita historio-
gráfica, sobretudo ao formular o conceito de não-dito (Michel de Certeau, A escrita
da história, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1982).
9. Paul Ricoeur, La Mémoire, 1’histoire, Toubli, Paris, Seuil, 2000.
10. Jörn Rüsen, Razão histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica,
Brasília, Ed. UnB, 2001.
11. François Hartog e Jacques Revel, Les Usages politiques du passé, Paris, École des
Hautes Études en Sciences Sociales, 2001.
12. Sigmund Freud, Totem e tabu, Rio de Janeiro, Imago, 1999, p. 146.
13. O termo no original alemão usado pelo autor é Geistlichkeit, que aponta no sentido
de um processo de espiritualização (o final keit indica uma substantivação da pala
vra Geist, espírito) que deve ser mais bem traduzida por um processo de “cultu-
ralização”, de constituição de uma experiência social particular marcada pela cultura.
14. Sigmund Freud, Moisés e o monoteísmo, Rio de Janeiro, Imago, 1997, p. 63.
15. Ver especialmente o texto esclarecedor de Roger Chartier, “Le Monde comme
représentation”, em Au bord de la falaise. L’histoire entre certitudes et inquiétude,
Paris, Albin Michel, 1998, p. 67-86.
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