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Permanência e Mudança No Padrão de Alocação
Permanência e Mudança No Padrão de Alocação
Mauro Kleiman
INTRODUÇÃO
Desde o final dos anos trinta do século XX, observa-se no Rio de Janeiro a cons-
trução de uma infra-estrutura de água e esgoto que se distribui de maneira
socioespacial assimétrica. No caso do esgoto, 71,78% da população do Rio tinha
acesso à rede, no início dos anos 2000, embora nas áreas de residência de camadas
sociais mais pobres como na Zona Oeste e na Baixada Fluminense, essa rede
alcançasse apenas 11,07% e 20,31% respectivamente 1. Tais áreas utilizam-se
ainda largamente de fossas sépticas ou rudimentares para coleta do esgoto; nas
favelas, em geral, este era lançado a céu aberto em “valas negras”.
Por um lado, construíram-se redes completas com nível satisfatório de ser-
viços e constantemente renovadas e tecnicamente sofisticadas nas áreas em que
havia um nexo aparente entre os interesses do capital imobiliário e a moradia
de camadas de renda alta e média situadas nas Zonas Sul e Norte, em parte dos
subúrbios e mais recentemente na Barra da Tijuca. Por outro lado, destacam-se
a ausência de redes completas, o não-provimento de serviços ou sua configura-
ção lenta, descontínua e sem manutenção, em áreas de residência de camadas
de baixa renda, situadas na Zona Oeste e na Baixada Fluminense, principal-
mente nos loteamentos e em favelas. Essas áreas, a princípio sem interesse para
1
Dados do Censo do IBGE, 1991.
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e 1974 (77,2% dos recursos foram investidos em água e 28,8% em esgoto), reduz-se
entre 1975 e 1990 (65,65% em água e 34,25% em esgoto e inverte-se na última década –
de 1991 a 2001 –, quando, pela primeira vez, os investimentos em esgoto (69,3%) ultra-
passam os investimentos em água (30,7%).
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Os seis grupos apresentados pelo estudo são: distrito com nível socioeconômico alto,
distrito com nível socioeconômico médio-alto, distrito com nível socioeconômico baixo-
médio, distrito com nível socioeconômico baixo (favelas), distrito com nível socioeco-
nômico baixo (Franja Urbana).
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58,05%
41,95%
Água Esgoto
34,05%
28,80% 30,70%
50,52
40,4
23,45
15,43
9,47 8,7 10
29,47
19,65 18,04
8,3 6,32 7,5
14,8
7 9,47 6,8
2 3,9 4,67
Zona Sul Barra Centro Zona Norte Subúrbio Jacarepaguá Zona Oeste Outros
(1938-74) Esgoto
55
19,65
6,9 6,5
2 2,1 1,4
(1975-90) Água
28,67 33,1
20,2 18,01
6,6
1,65 1,2 0,5
Gráfico 3 - Continuação
(1975-90) Esgoto
39,2
25,9
14,43 15,04
5,21
1,1
(1991-2001) Água
42,1
23,45
13,25
10,5
4
1 1,5 0,2
Zona Sul Barra Jacarepaguá Subúrbio Baixada Favelas Zona Oeste Outros
(1991-2001) Esgoto
43,93
32,63
11,2
7,6 6,5
0,7
4
Segundo dados dos censos do IBGE, em 1950, as favelas já abrigavam 169.000 habitantes,
correspondentes a 7,5% da população do Rio; em 1960, compreendiam 355.000 habitan-
tes, duplicando sua representação, que passou para 15% do total da população. A Baixada
Fluminense, de 1940 a 1970, tem uma “explosão” de loteamentos: 2.230 com 466.382
lotes; e a Zona Oeste, de 1940 e 1980, cria 454 loteamentos com 148.168 lotes, dos quais
34% entre 1950 e 1970. Dados apresentados em Abreu (1988) e Parisse (1969).
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Dados dos censos do IBGE sobre o abastecimento de água indicam que em 1960 Duque
de Caxias tinha cobertura de apenas 4%; São João de Meriti, de 30%; Nova Iguaçu, de
31%, percentuais que chegaram em 1970 a 39%, 42% e 35% respectivamente. Nilópolis,
que em 1960 já tinha 54%, em 1970 tem apenas 60% de cobertura. Sobre o esgoto, aqueles
dados revelam a dramaticidade da questão, pois na Baixada, em 1970, apenas 7,2% do
esgoto era lançado em rede (ainda assim na de redes pluviais); e na Zona Oeste, somente
4,98%, sendo o restante lançado em fossas rudimentares ou sépticas e a céu aberto.
6
Até a transferência da capital da República para Brasília, em 1960, o Rio de Janeiro como
Distrito Federal tinha seu prefeito nomeado pelo presidente da República. Desse meca-
nismo, extraímos a denominação e os períodos correspondentes aos governos federais da
época: Estado Novo – 1930 a 1945; Dutra – 1946 a 1950; segundo governo Vargas – 1951 a
1954; governo JK – 1954 a 1960. De 1960 a 1974, o Rio de Janeiro passa a ser Estado da
Guanabara, tendo governadores eleitos até 1965, sendo que em 1970 o regime militar
nomeia o governador. Nesse período, temos os seguintes governos: Lacerda – 1961 a 1965;
Negrão de Lima – 1966-1969; Chagas Freitas – 1970 a 1974.
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7
A partir de 1982 alguns serviços começam a ser implantados de forma mais sistemática,
mas carecem de uma visão da interdependência da água com o esgoto e da característica
da prestação efetiva dos serviços próprios das redes. Os serviços são implantados por
instâncias tanto federais (Light: Programa de Eletrificação de Favelas) como estaduais
(Cedae: redes de água e, em muito menor escala, de esgoto) e municipais (Comlurb:
coleta de lixo; Projeto Mutirão, iluminação pública pela Rio Luz). Contudo, dessa im-
plantação inicial, apenas o serviço de luz atinge maior âmbito espacial, cobrindo hoje
em dia quase a totalidade dos domicílios favelados; os demais apresentam problemas
(Oliveira, 1993).
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Os governos de 1975 a 1990 foram: Faria Lima (1975-78); Chagas Freitas (1978-81);
Brizola (1982-85) e Moreira Franco (1986-90).
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Com obras ainda em andamento, parte delas em atraso, os serviços locais de água e
esgoto na Baixada ainda não abrangem, efetivamente, como era seu objetivo, um uni-
verso muito grande de domicílios, sendo bastante específicas as partes beneficiadas
(Kleiman, 2002).
10
Em muitas favelas beneficiadas pelo “Favela-Bairro”, observa-se uma melhoria nas con-
dições de vida, uma vez que antes não havia ou eram muito precários os serviços de
água e esgoto; mas verifica-se que continuam as dificuldades na articulação das redes
construídas com as redes dos bairros e os problemas de manutenção e de entupimentos
na rede de esgoto (Kleiman, 1997 e 2002).
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Deve-se anotar que nesses recursos estão incluídos os relativos às favelas ligados ao
governo municipal (Luís Paulo Conde), através do “Favela-Bairro”.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Editor, 1988.
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Janeiro: Neurb-PUC, 1978.
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Janeiro, ano VII, n. 3, p. 45-58, dez. 1993.
150 Permanência e mudança no padrão de alocação socioespacial das redes
__________. A apropriação dos benefícios das ações do Estado em áreas urbanas: seus
determinantes e análise através da ecologia fatorial. Espaços e Debates, São Paulo: Cortez,
n. 4, 1981.
VETTER, David Michael et al. Espaço, valor da terra e equidade dos investimentos em
infra-estrutura no município do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, Rio de
Janeiro: IBGE, n. 112, 1979.
NOTA METODOLÓGICA
RESUMO
ABSTRACT
The pattern of the sanitation policies in Rio de Janeiro delineates an unequal territory.
The characterization of the pattern of spatial distribution of investments in water and
sewage networks in the period 1938-2001 shows its technical sophistication in the high
income residential areas and its precariousness in low income neighbourhoods. In the
1991-2001 decade the expansion of water and sewage services for the poor didn’t change
the assymetrical policy pattern, although progressive but uncertain changes have been
undertaken.
Keywords: sanitation policies, socio-territorial inequality, pattern of investment
distribution