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Curso Preparatório para o concurso do Tribunal de Justiça de São Paulo / 2022

Profa Dra. Ilka Custódio de Oliveira

Aula 01: Conhecimentos específicos – Gênero

I – LEI 11.340/2006 – “LEI MARIA DA PENHA”

 Prefácio

Fundamento: existência de um sistema patriarcal → surgiu junto com a propriedade


privada e formação da família monogâmica + uso da força para restrição do papel da
mulher aos papeis referentes ao ambiente doméstico → construção e naturalização de
uma hierarquia entre o gênero masculino sob o gênero feminino

Direito das mulheres à proteção em situação de violência doméstica → fundamento:


direitos humanos das mulheres = Movimento Feminista a partir de 1970 + Convenção
Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (1994) +
Conferência Internacional sobre a Mulher (1995) + condenação do Brasil na Comissão
interamericana de Direitos Humanos referente ao caso Maria da Penha.

O objetivo da Lei Maria da Penha é o fim da violência doméstica, a ser alcançado a


partir de 03 linhas de ação: 1) Prevenção da violência doméstica; 3) Assistência para
que a mulher reorganize a vida e, 3) punição do agressor.

O reconhecimento da constitucionalidade da Lei Maria da Penha ocorreu em 2012.

A Lei Maria da Penha cancelou a Lei 9099/95 para casos de violência doméstica, que
versa sobre crimes de baixo poder ofensivo que podem ser resolvidos por meio de
conciliação entre as partes e não geram uma ação penal.

No âmbito do Poder Judiciário a Lei Maria da Penha cria Juizado e Vara Especializada
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o qual deve ser composta por
equipe multidisciplinar (assistente social e psicóloga/o).

 Mecanismos (você precisa memorizar)

 Torna crime a violência doméstica e familiar contra a mulher e deixa de tratar a


violência sofrida como algo de pequeno valor;
 Define violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece suas formas:
a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, que podem ser praticadas
juntas ou individualmente;
 Cria mecanismos de proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar,
com a possibilidade de concessão de medidas protetivas de urgência e
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encaminhamento para serviços de acolhimento, atendimento, acompanhamento e


abrigamento, se necessário;
 Determina que a violência doméstica e familiar contra a mulher é uma
responsabilidade do Estado brasileiro e não uma mera questão familiar;
 Garante a aplicação da Lei Maria da Penha em relações homoafetivas entre
mulheres;
 Proíbe a aplicação de penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas
básicas) aos crimes cometidos contra as mulheres, e demais institutos
despenalizadores da Lei 9.099/95;
 Incentiva a criação de serviços especializados de atendimento às mulheres,
que integram a Rede de Atendimento à Mulher: delegacias especializadas de
atendimento à mulher, centros especializados da mulher em situação de violência,
defensorias especializadas na defesa da Mulher, promotorias especializadas ou
núcleos de gênero do Ministério Público, juizados especializados de violência contra a
mulher, serviços de abrigamento e serviços de saúde especializados; de abrigamento
e serviços de saúde especializados;
 Prevê a prisão do agressor em três hipóteses: em flagrante, preventivamente e
por condenação transitada em julgado;
 Determina que, nos crimes que exigem a representação da vítima, como
ameaça, a vítima somente pode renunciar à denúncia perante o juiz, em audiência
marcada para esse fim e por solicitação da mulher;
 Cria mecanismos específicos de responsabilização e educação dos
agressores, com possibilidade de o juiz decretar o comparecimento obrigatório dos
condenados;
 Altera a estrutura judicial e prevê a criação de juizados com competência para
julgar os crimes e ações cíveis relacionadas à violência doméstica (competência
hibrida)
 Determina como obrigatória a assistência jurídica às mulheres vítimas de
crimes de violência doméstica e familiar.

 Título I – Disposições preliminares

Enfatiza a estreita relação entre essa Lei e a Constituição Federal de 1988

 Título II – Da violência doméstica e familiar contra a mulher – Capítulo I –


disposições gerais

Trata das especificidades da Lei.

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas (“local físico”);
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou
por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (relações de afeto do
presente ou do passado, independente da orientação sexual)
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 Capítulo II – Das Medidas Protetivas de Urgência - SEÇÃO I – Disposições


Gerais

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de
48 (quarenta e oito) horas:

I – conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de


urgência;

II – determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária,


quando for o caso, inclusive para o ajuizamento da ação de separação judicial, de
divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo
competente;

III – comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis;

IV – determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a
requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato,


independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público,
devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e


poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que
os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida,


conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se
entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio,
ouvido o Ministério Público.

 Título V – Da Equipe de Atendimento Multidisciplinar

Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições


que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz,
ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em
audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e
outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial
atenção às crianças e aos adolescentes.

Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz
poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação
da equipe de atendimento multidisciplinar
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II Referências do edital

ALVES, Andrea M. Pensar o gênero: diálogos com o Serviço Social. In: Revista
Serviço Social e Sociedade, nº 132. São Paulo: Cortez Editora, 2018. SciELO - Brasil -
Pensar o gênero: diálogos com o Serviço Social Pensar o gênero: diálogos com o
Serviço Social. Acesso em: 20 jul. 2021.

Há no Serviço Social uma compreensão geral de que gênero trata das relações
de poder na vida social, relações essas que atribuem posições assimétricas ao
masculino e ao feminino (pg. 269)

O artigo apresenta as três abordagens sobre gênero mais comuns nas pesquisas no
campo do Serviço Social brasileiro. São elas: o marxismo, as relações sociais de sexo
e a interseccionalidade.

1) Gênero e marxismo:
 Marx oferece um caminho apropriado para a compreensão das relações de
gênero como relações sociais.
 Posições relacionais de homens e de mulheres são componentes do modo de
produção e da reprodução da vida, por isso são socialmente construídas → divisões
de papeis sociais que se apresentam como naturais são socialmente
construídas
 Para Marx a divisão do trabalho começa com a separação entre trabalho
manual e trabalho intelectual, e não com a divisão sexual. - este é um ponto que
deve ser problematizado, já que para Marx o lugar que as mulheres vão ocupar na
força de trabalho não é tratado como uma questão que afeta diferentemente
homens e mulheres e sim como um processo que diz respeito à lógica da
acumulação capitalista.
 Engels avança nesse ponto ao trazer que dominação das mulheres pelos
homens ocorreu concomitante à formação da família monogâmica e ao advento da
propriedade privada (= ao advento da sociedade capitalista), o que foi problematizado
pelo feminismo ao apontara a dominação masculina nas sociedade pré-classistas.
 Heleieth Saffioti: referência brasileira na abordagem da subordinação feminina
na sociedade de classes: 1) trabalho não pago desenvolvimento pelas mulheres
(economia dos cuidados como coluna de sustentação da ordem capitalista) + impacto
da incorporação das mulheres no trabalho assalariado; 2) relação entre sexo e classe
 A incorporação das mulheres à força de trabalho no capitalismo varia
conforme o grau de desenvolvimento das forças produtivas → O pleno
desenvolvimento do sistema capitalista de produção coloca o trabalho feminino as
margens do trabalho remunerado, ou seja, leva as mulheres ao trabalho parcial ou à
posição exclusiva de “dona de casa” → legitimação ideológica do lugar
subalternizado da mulher na sociedade de classes
 A marginalização da mulher em uma sociedade periférica como a brasileira se
dá pela estratificação social (= distribuição de prestígio, status e autoridade na
ordem social) que é composta por 03 elementos: sexo, idade e raça. “Segundo a
autora, a estratificação social é um catalisador das tensões sociais na ordem
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capitalista. Nesse sentido, as lutas feministas em torno do acesso das mulheres ao


trabalho remunerado carregam um potencial revelador das contradições da própria
formação capitalista. Esse potencial pode ser realizado na medida em que os limites
da incorporação das mulheres ao mundo do trabalho assalariado e a natureza da
relação entre reprodução (as tarefas domésticas) e o mundo da produção — a divisão
sexual do trabalho — sejam efetivamente compreendidos” (pg, 272);
 Feminismo precisa incorporar os homens nos debates;
 Contribuição para a consolidação do campo da sociologia do trabalho no Brasil
(investigação da forma da divisão sexual do trabalho em sua variabilidade histórica e
conjuntural – “sexualização das ocupações” – que trouxe avanços a teoria de Saffioti
quanto a legitimação ideológica do lugar subalternizado da mulher na sociedade de
classes, entendida agora como práticas sociais, ou seja, como homens e mulheres
experimentam situações determinadas no mercado de trabalho, como produzem
resistências, o que por sua vez levou a compreensão da categoria gênero como
estruturante do sistema capitalista);

2) As relações sociais de sexo


 Ponto inicial: relações de trabalho são sexuadas e portadoras de hierarquias de
gênero → o trabalho reprodutivo realizado pelas mulheres (economia do cuidado –
esfera privada) é um trabalho explorado e expropriado, portanto, mulheres, mesmo
quando restritas ao ambiente provado, compõem a classe trabalhadora –“ As políticas
voltadas para a conciliação entre trabalho doméstico (trabalho reprodutivo) e trabalho
assalariado (trabalho produtivo) incidem sobre as formas de inclusão da força de
trabalho das mulheres no mundo produtivo e afetam as relações entre homens e
mulheres no espaço doméstico” (pg 275).
 Dialoga com o marxismo clássico mais se diferencia quanto a compreensão da
categoria trabalho: para o marxismo trabalho é produção de valor e para os estudiosos
das relações sociais de sexo, trabalho é produtor da vida em sociedade ( produção
material - produtora de mais valia e reprodução da vida – não produtora de mais
valia). Aqui o trabalho de reprodução da vida não se restringe a família e inclui o
mercado e o Estado (esfera do care)
 Care = um trabalho que envolve afeto e intimidade, proximidade física e emocional,
mediados pelo dinheiro + envolve com recebe o cuidado e quem o oferece (é uma
atividade desvalorizada no mercado de trabalho e realizado por pessoas
“desqualificadas para atividades melhores” como mulheres e migrantes que não são
“autônomos”)

3) Interseccionalidade
 Relevância para as relações raciais (presentes nos estudos de Saffioti) e
também nas discussões das relações sociais e sexo;
 Até 1970 o feminismo trabalhava como o patriarcado como a forma universal
da exploração das mulheres – pureza sexual imposta as mulheres brancas e
maternidade vigiada como formas de dominação dos corpos e da sexualidade das
mulheres pelos homens e para proveito deles – feminismo negro –
hipersexualização das mulheres negras e negação da maternidade como forma de
dominação dos corpos e da sexualidade das mulheres pelos homens e para proveito
deles = patriarcado diminuiu e invisibilizou as experiencias corporais e sexuais das
mulheres negras
 A abordagem interseccional coloca a raça e a sexualidade no centro da
problematização das relações de gênero e o “feminismo negro é o berço da
interseccionalidade” (pg 279).
 “Na abordagem interseccional, a raça funciona como experiência de
constituição do eu e como criação de uma comunidade de sentidos e de destino
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interpelada pela cor. Essa concepção articula-se a sexualidade e gênero de uma


forma constitutiva e inextrincável” (pg. 280). Busca-se faze-la a partir dos relatos de
quem sofre as opressões.
 Fim do processo de colonização e início da república como sistema de
governo marca o atual processo de modernidade colonial, a dicotomia não é mais
entre homens livres e escravizados, colonizadores e colonizados e sim entre humano
(os anteriormente livres e colonizadores, portanto brancos) e não humanos (os
escravizados e/ou colonizados) para que os últimos se mantenham inferiorizados,
racializados e engendrados e o sistema de privilégios seja mantido – “a
hipersexualização da fêmea heterossexual negra/indígena colonizada é um ícone
desse processo” (pg. 280).

Considerações finais:

 “Lacunas para o Serviço Social: gênero tem sido usualmente pensado como
sinônimo de mulheres. Em geral, é a situação das mulheres que aparece com mais
nitidez nas abordagens sobre gênero empregadas na área. Os homens aparecem
menos e quando o fazem é por derivação. Os homens se fazem conhecer a partir da
investigação sobre mulheres. As pesquisas acabam enfocando a questão da mulher
ou das mulheres e menos as relações de gênero propriamente ditas. Não é por acaso
que inúmeras vezes o interesse pelo conceito de patriarcado é o que desponta nos
estudos do Serviço Social, fazendo comque se perca o foco na discussão de gênero”
(pg. 283).
 A tendência à incorporação da questão étnico-racial tem sido feita pela via da
relação com o debate marxista clássico, em que raça tende a aparecer como forma de
estratificação social — o mesmo se passa com gênero —, e assim coadjutora das
relações de exploração de classe, ou através da abordagem das relações sociais de
sexo, incluindo raça como consubstancial à classe e gênero e, portanto, estruturante
da vida social (pg 283/4).

III Referência do edital

11) CARLOTO, Cássia Maria; DAMIÃO, Nayara A. Direitos reprodutivos, aborto e


Serviço Social. In Revista Serviço Social e Sociedade, n. 132. São Paulo: Cortez
Editora, 2018. Disponível em: SciELO - Brasil - Direitos reprodutivos, aborto e Serviço
Social Direitos reprodutivos, aborto e Serviço Social . Acesso em: 20 jul. 2021

O artigo aborda direitos reprodutivos, o aborto no Brasil e o Serviço Social, na


perspectiva feminista.

Introdução

O patriarcado organiza um sistema de dominação e opressão do corpo e da


sexualidade das mulheres, e exploração do seu trabalho assegurar a existência
continuidade do sistema capitalista por meio da manutenção da produção o
reprodução da vida.

A negação do direito das mulheres à autonomia sobre o próprio corpo reflete uma
estrutura patriarcal, portanto, a garantia dos direitos reprodutivos (que inclui o aborto)
na esfera dos direitos humanos das mulheres está diretamente relacionado a
conquista da autonomia das mulheres.
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O Serviço Social é uma das áreas de reflexão quanto aos direitos reprodutivos das
mulheres e o CFESS – Conselho Federal de Serviço Social vem aquecendo o debate
sobre o aborto, mas ainda há uma lacuna na produção da área a no trabalho
profissional.

Direitos reprodutivos e aborto

1) Concepção de direitos adotada pelas autoras: direitos sociais são possibilitam o fim
da desigualdade social ou a emancipação humana, mas permitem que grupos
oprimidos quebrem o silêncio, a naturalização da condição subalterna e busquem
outras possibilidades de inserção na sociedade.

2) A luta pela legalização do aborto não se resume a ele em si, mas é um


questionamento do sistema de exploração e dominação de todas as mulheres, pois o
controle do corpo feminino e da reprodução é um dos pilares do patriarcalismo, que é
um dos pilares do capitalismo.

Os direitos reprodutivos e sexuais da mulher também foram reconhecidos enquanto


parte dos direitos humanos pela Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento (ICPD) do Cairo em 1994, e pela 4ª Conferência Internacional sobre
a Mulher (FWCW) de Beijing, em 1995 (pg 308). Os documentos dessas conferências
não têm força de lei, mas como o Brasil foi signatário em ambas, há um compromisso
com o avanço da pauta no país,

ICPD – 1994 FWCW – 1995


Direitos reprodutivos incluem certos Os direitos humanos das mulheres
direitos humanos que já foram incluem seus direitos a ter controle e a
reconhecidos nas leis nacionais, em decidir livre e responsavelmente sobre
documentos internacionais sobre direitos questões relacionadas à sua
humanos e outros documentos de sexualidade, incluindo saúde sexual e
consenso. Esses direitos baseiam-se no reprodutiva, livres de coerção,
reconhecimento dos direitos básicos de discriminação
todos os casais e indivíduos decidirem
livre e e violência. Relacionamentos igualitários
entre mulheres e homens quanto às
responsavelmente o número, relações sexuais e reprodutivas,
espaçamento e momento de terem seus incluindo total respeito à integridade das
filhos e ter informação e meios para isso, pessoas, requerem o respeito mútuo,
bem como alcançarem o mais alto consentimento e compartilhar
padrão de saúde sexual e reprodutiva. responsabilidade quanto ao
(Nações Unidas, 1995, parágrafo 7.3) comportamento sexual e suas
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consequências. (Nações

Unidas, 1996, parágrafo 96)

As leis restritivas acerca do aborto se amparam muitas vezes na religião, um


dispositivo de controle das mulheres na ordem patriarcal e que influencia na
moralidade do debate relativo ao aborto, contribuindo para a criminalização das
mulheres que recorrem a ele (pg 309)

As leis restritivas acerca do aborto se amparam muitas vezes na religião, um


dispositivo de controle das mulheres na ordem patriarcal e que influencia na
moralidade do debate relativo ao aborto, contribuindo para a criminalização das
mulheres que recorrem a ele (pg. 309)

Aborto: procedimento de baixa complexidade técnica → questão política:


clandestinidade →questão econômica: quando pago, o aborto clandestino pode ser
seguro. Então a morte ou consequências da realização do aborto clandestino, existem
para as mulheres pobres.

Importante: decisões reprodutivas perpassam por condições materiais concretas:


trabalho, renda, moradia, educação (da mulher e acesso a rede de serviços
educacionais como educação infantil e escolas de educação fundamental em período
integral) e saúde.

A questão do aborto no Brasil

 Transição da década de 1970 para a de 1980: “nosso corpo nos pertence” –


legalização do aborto como uma luta solitária e exclusiva das mulheres engajadas na
luta feminista;
 Década de 1980: no processo da Constituinte, os movimentos de mulheres se
empenharam pela legalização do aborto, para tanto entendiam que na Constituição
deveria conter “direito a vida a partir do nascimento” e não “a partir da concepção”,
como defendia a Igreja Católica e de deputados evangélicos.” Como resultado desse
embate, a Constituição brasileira afirma o direito à vida, sem determinar quando esta
começa” (pg. 313);
 Década de 1990: movimento de mulheres pressiona o governo para a criação
de uma padronização de procedimentos para o atendimento de mulheres com
possibilidade de realizarem o aborto (conforme previsto no Código Penal de 1940 e
situações de abortamento em geral)
 Em 1999, o governo federal lança a primeira Norma Técnica para Prevenção e
Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres e
adolescentes;
 Década de 2000: movimento de mulheres pressiona o governo para que a
Norma técnica de 1999 seja aprimorada;
 Em 2005, o governo federal lança uma nova versão da Norma Técnica para
Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra
Mulheres e Adolescentes e a inédita Norma Técnica de Atenção Humanizada ao
Abortamento (este documento trata desde o apoio psicossocial às vítimas de violência
sexual até a organização do serviço, desde a estrutura física e equipamentos dos
serviços, incluindo a capacitação e sensibilização dos recursos humanos, além do
registro de dados. “Um ponto trazido nas normas faz referência à dispensa de
Boletim de Ocorrência para a realização do abortamento em casos de gravidez
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resultante de estupro. Segundo o Código Penal brasileiro, e conforme reforçado


na norma técnica, a única coisa a ser requisitada nesses casos é uma
autorização por escrito da mulher ou da(o) responsável para a realização dos
procedimentos. Da mesma forma, a presunção da veracidade no relato das
mulheres sobre a violência sexual sofrida é enfatizada pelo documento” (pg 315).
 Em 2008 o governo lança a atualização da Norma Técnica de Atenção
Humanizada ao Abortamento, que discorre sobre a importância do respeito ao sigilo
profissional sobre as situações de abortamento, bem como o tratamento humanizado
que deve ser conferido às mulheres independentemente da situação que decorreu no
aborto. “As normas apontam que é dever do Estado garantir a presença nos serviços
de atendimento de médicos e outros profissionais que não tenham objeção de
consciência para realização do procedimento” (pg. 315). O documento traz que
assistentes sociais devem compor as equipes de atendimento das mulheres.

Serviço Social, direitos reprodutivos e aborto

A discussão feminista sobre o aborto tem como eixo norteador a autonomia das
mulheres, o que nos aponta para aproximação entre essa questão e o Serviço Social
→ a autonomia necessita da liberdade para que possa existir de verdade → O Código
de Ética do Serviço Social (Brasil, 2012), de 1993, revisado e atualizado em 2011, traz
como um dos princípios fundamentais o reconhecimento da liberdade como valor
central, bem como das demandas políticas relativas a ela, como a autonomia, a
emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais (pg 317) + todos os demais
princípios do código de ética estão articulados ao da liberdade, mas vale destaque
para a defesa intransigente dos direitos, a busca por uma nova ordem societária sem
opressão de classe, gênero e raça/etnia, o enfrentamento das desigualdades =
Serviço Social alinhado com as discussões feministas quanto aos direitos sexuais e
reprodutivos:

 2009: o CFESS Manifesta de 28 de setembro traz um panorama sobre a


questão do aborto, colocando-a como uma questão de saúde pública e direito das
mulheres – “o aborto inseguro é uma gravíssima questão de saúde pública e que as
mulheres constituem seres éticos capazes de fazer escolhas de forma consciente e
responsável” (CFESS, 2009) (pg.318);
 2010: 39º Encontro Nacional CFESS-CRESS - os assistentes sociais
representantes de todas as regiões do país deliberaram coletivamente pelo apoio à
legalização do aborto;
 2011 o CFESS Manifesta de 28 de setembro traz um apoio à legalização do
aborto (na ocasião era a terceira causa de morte materna e penalizava ainda mais as
mulheres pobres e negras que não tinham condições de acesso aos abortos
clandestinos minimamente seguros;
 2015: CFESS divulgou nota de repúdio ao projeto de lei nº 5069/20131 que
consta “que o projeto prevê a criminalização do anúncio de métodos (...) atentado ao
aparato legal já existente sobre o tema, um retrocesso às lutas históricas de
movimentos feministas e, principalmente, um ataque à saúde de milhares de mulheres
no Brasil” (pg. 319).
 2016: o CFESS Manifesta de 28 de setembro2 apoia ao Dia Latino-Americano e

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Prevê que uma vítima de abuso sexual ou estupro terá que realizar um boletim de ocorrência e fazer um
exame de corpo de delito para, só então, ser atendida em uma unidade de saúde e também modifica o
tipo de atendimento que essa vítima receberá no hospital, vetando, por exemplo, que ela receba
orientações sobre aborto legal
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Caribenho de Luta pela Descriminalização Legalização do Aborto.

Porém, embora o debate esteja presente nos órgãos de defesa da categoria, não está
necessariamente presente no conjunto da categoria.

Na ocasião da publicação do artigo, as autoras estavam envolvidas numa pesquisa


sobre aborto e Serviço Social, no programa de Pós--Graduação Política Social e
Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina, para tal foi realizada pesquisa
com assistentes sociais que apontou:

 “Apenas 15% das assistentes sociais responderam que a discussão sobre


direitos reprodutivos esteve presente na formação acadêmica/profissional” (pg.320/1);
 “Segundo as entrevistadas, o debate sobre aborto é levado na categoria
profissional apenas por grupos pequenos que têm uma perspectiva feminista e/ou já
estão inseridos na luta pela legalização do aborto. Os relatos apontam para a ausência
desse debate de forma coletiva entre as assistentes sociais” (pg 321)
 “O posicionamento do CFESS pela legalização do aborto é conhecido por
quase todas as assistentes sociais entrevistadas. Entretanto, a maior parte delas
declara não ter lido nenhum documento que detalhe e justifique esse posicionamento”
(pg 321)

Considerações finais

“A luta das mulheres pela liberdade sexual e reprodutiva, bem como pela legalização
do aborto, conforme percebemos, sempre foi pauta do movimento feminista” (pg. 321).

“A questão do aborto no Brasil exige não apenas a mudança na lei, mas também a
adaptação das políticas sociais e as mudanças nos padrões estabelecidos
culturalmente e que respaldam as práticas sociais” (pg. 321).

“No que tange ao Serviço Social, mesmo com as diversas manifestações do CFESS e
do posicionamento oficial em relação ao aborto, não é possível afirmar que, no
cotidiano de trabalho, as assistentes sociais traduzam essa direção em sua prática
profissional. Assim como não é possível afirmar que conheçam ou concordem com o
posicionamento do CFESS” (pg. 321).

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É o dia de luta pela descriminalização do aborto na América Latina e Caribe, a campanha do dia 28 de
setembro foi instituída em 1990, durante o 5º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho,
realizado na Argentina.

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