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-Raízes

Boa dia turma. Eu acho que todos aqui sabem que estamos bem perto do final do
semestre, não é mesmo? Pois bem, o que escutaram aqui é uma história de primavera,
sobre uma velha arvore da terra das Icamiabas que se chamava Angelim Vermelho, mas
vamos chamá-lo apenas de velho Angelim.
O velho Angelim era uma arvore majestosa e gigantesca. Ele não esperava mais nada da
primavera e muitos menos se essa época do ano era capaz de deixá-lo feliz. Uma árvore
solitária e amargurada que não encontrava motivos para continuar crescendo. Ao longo
de alguns anos a Orquídea, uma bela plantinha que floresceu nos seus galhos mais altos,
tinha murchado na manhã chuvosa daquele mesmo dia.
- Não acredito, ela morreu! Ao menos ela sabia quando ia perder a suas folhas.
Com uma sensação pesada o velho Angelim rangia, e junto a ele sua raízes se torciam e
estalavam. Ele passara tanto tempo sozinho que mal se lembrava como era o cheiro da
terra. O velho Angelim só podia passar os seus dias observando o rio que passava a sua
frente e admirando as outras arvores na sua base.
Angelim nasceu como a menor arvore dentre as outras, e com o passar do tempo, toda
vez que a primavera chegada ele tinha crescido um pouco. “Ah! Como eram bons
aqueles dias” lembrava o velho Angelim. Como o seu pai, e mãe do seu pai da sua
mãe... a sua família cresceu à frente daquele rio.
Como a maior arvore que havia naquela grande floresta, o velho Angelim não entendia
como poderiam, seus antepassados, terem vivido do mesmo jeito que ele ao longo de
vários anos e nunca terem passado pelo sofrimento da solidão.
O dia passou. O velho Angelim torceu e partiu-se de tristeza pela sua solidão. E
enquanto a tarde terminava e a noite vinha chegando, os animais da selva iam
preparando suas tocas, para a última noite do inverno.
Ao cair da noite, o Angelim já se preparava para dormir e, bem como um ato de
amizade, balançou forte os seu galhos para espalhar os últimas sementes que sua amiga,
a Orquídea, possuía.
-Ehhhhh!!! Calma Aiiiii!! Tá maluco seu velho mofado- gritava com uma voz
estridente, a Orquídea.
-AHHHHHHH!! Mam....ma..mas o que é isso!?- gritava apavorado o Angelim.
- Olá velho amigo, vejo que continua pessimista, embora sendo a grande arvore que
você é. – Exclamava com muita felicidade a Orquídea
Espantado o velho Angelim via o espírito da sua amiga, que agora brotava as flores
mais lindas da selva.
- Mas o que faz aqui? Você devia estar descansando agora!
- Vim alertar um velho amigo. Essa noite, suas raízes não suportarão o peso e então
você verá o fim.
Por mais assustador que parecesse essa notícia, o velho Angelim esboçava até um pouco
de alívio. Já a se dissipar, ao vento da noite, a Orquídea preocupada com o conforto do
amigo, se enfurecia e gritava.
- Ouça Angelim, você receberá a visita de três espíritos da floresta esta noite. O
primeiro chegará quando o a lua estiver mais clara no céu. O segundo quando a lua for
tomada por nuvens e o terceiro no primeiro raio de sol que rasgar o horizonte. Adeus
amigo, adeus.

Após algumas horas, observando intensamente a lua, o velho Angelim começa a perder
fé. E achando que tudo não se passou de uma alucinação da solidão, ele perdeu a
atenção. Neste momento, uma luz brilhou forte na lua.
Pólen caía sobre os seus galhos, e pouco a pouco, se juntando à sua frente. Um espírito
ganhava a forma uma coruja.
- Eu sou o Espírito das Primaveras Passadas, e estou aqui para começar o seu
julgamento- Falava com um voz angelical.
Sem tempo para responder, o Angelim viu os seus galhos ficando cada vez menores, o
chão parecia cada vez mais perto. E ainda sob a luz da lua, via-se como um broto,
novamente.
- Você ainda se lembra velho Angelim de como era ser menor, mas ainda celebrar a
primavera entre as outras arvores?
- Lembro-me que ficava aqui embaixo, perto das raízes da Embaúba - respondia o
Angelim surpreso.
A coruja batia as asas e o tempo passava diante dele. O Angelim via à sua frente a sua
existência expandir, cada vez que ele atingia uma altura, ele moldava a vida de todos, e
embora ele gostasse dos elogios, passou a olhar somente para sua frente e esqueceu
daqueles que o regaram com gentileza e amor.

De volta a sua altura normal, o velho Angelim refletia sobre como chegou a esse ponto,
porém o céu se escureceu e fungos se acumularam no chão a sua volta, e germinaram
um vaidoso e orgulhoso cogumelo que fosforescia a sua frente.
- Está vendo aqueles troncos enormes Velho Angelim? - perguntava grosseiramente o
cogumelo.
- Oxe, como assim? Ver o quê? - Respondia sem entender a situação.
O cogumelo se escorava no Angelim e com uma força enorme entortava a grande árvore
sem partir seu troco.
- Eu sou Espírito dos Verões Presentes e vim mostrar quem te protegeu do sol para
poder crescer.
O Angelim reparava em troncos de Embaúbas e Sumaúmas que estavam perto das suas
raízes mais distantes.
– Mas por que esses troncos tão jovens estão aqui?
- O que você esperava? Que eles estivessem envelhecidos e caídos antes de você
aparecer? Olhe os brotos dessas árvores ao seu redor! Veja como elas não têm a sua
proteção contra a chuva e o sol.
- De jeito nenhum! Eu poderia ter feito alguma coisa - respondia desesperado, o velho
Angelim.
- Mas não fez! Você mal se lembra do sacrifico delas. Um broto a menos no mundo
nunca chamou a sua atenção - Respondia desapontado o cogumelo.
-Não é bem assim...
- Vamos agradecer nossa vida e ao Grande Angelim Vermelho que compartilhou um
pouco da sombra dele conosco - fala para os outros; o maior broto de Sumaúma que
sobrara.
Após essa visão, o cogumelo balançava e esticava o velho Angelim, levando-o a ver
todos os lugares em que a vida sofria, porém seguia feliz, em que pobres se sentiam
ricos por terem uma família e amigos por perto, onde ainda existia esperança num
futuro.

Ao final da viagem, as raízes do Angelim estavam se partindo e seu tronco estava virado
para o rio. Aquela viagem deixou o velho Angelim perturbado e procurando se orientar,
olhava para o horizonte para poder ver o primeiro raio de sol.
Porém o sol não aparecia e o céu se escurecia mais ainda, uma chuva fina cai. Procurava
desesperado o último espírito. Olhando ao lado, reparou uma Onça-preta que subia pelo
seu tronco, calmamente.
- Você é o espírito dos outonos futuros? O que tenho que fazer para sair daqui? -
perguntava desesperado o Angelim.
A Onça-preta, silenciosa, olhava para base do velho Angelim e lá todas as árvores,
todos os brotos estavam secos. Inesperadamente, a onça pulava em direção ao abismo e
junto com ela o velho Angelim, não suportando mais o seu peso, caía logo em seguida.
- Será assim que tudo vai acabar? Responda-me espírito. O Angelim vermelho acabará
com o mundo por conta do seu egoísmo? - Gritava o Angelim.
- Alguém me ajude, eu me arrependo, me arrependo de ignorá-los. Por favor, espírito!
Dê-me outra chance, o mundo vai ser melhor, eu juro!

O dia clareava, os animais se aproximavam e as flores desabrochavam em direção ao


velho Angelim. Pelas suas grandes raízes, profundamente enroladas, calmamente, todos
subiam e passeavam, a árvore das árvores caíra sobre o rio.
Após a queda, a grande árvore tornou-se algo que jamais achou que poderia alcançar.
Agora o Angelim que nunca veio a se importar, adotou os que passaram a nele morar e
ajudou aos que precisavam atravessar o rio.
fim.

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