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1. A DEFESA COPERNICANA DO HELIOCENTRISMO.

Copérnico (1473-1543) argumenta que Ptolomeu de Alexandria sabia perfeitamente da


possibilidade heliocêntrica a qual, implica na rotação diária da Terra em tomo de seu eixo, mas
nao podia aceita-la por considera-la ridícula. No capitulo VII do Livro I do De Revohitionibus,
[1] Copérnico, após expor os argumentos da Cosmologia Aristotélica, escreve:
" ...Se, portanto, diz Ptolomeu de Alexandria Almagesto, 71 a Terra se movesse ao menos com
uma rotação diária, teria que acontecer o Contrário do que acima foi dito. No verdade teria
que haver um movimento muito rápido e a sua velocidade inexcedível, para poder levar a Terra
a fazer um circuito completo de 24 horas. Realmente as coisas que fazem uma rotação veloz
parecem extremamente incapazes de se associar e capazes de se dispersar se estiverem juntas,
a ser que a Terra se teria precipitado no Céu e ficaria destruída (o que totalmente ridículo) e
ainda menos os seres vivos e outros corpos pesadas e soltos teriam ficado nos seus lugares.
Nem os corpos, que caem, cairiam em linha reta para a posição que está destinada, em ângulos
retos, porque essa posição seria desviada entretanto pela grande velocidade da Terra. Também
veríamos as nuvens e tudo o que está impresso no ar continuamente arrastados para Oeste."

O texto acima, no qual Copérnico exp.& argumentos de Ptolomeu, bastante significativo.


Ptolomeu e contra o movimento diurno da Terra pois, segundo ele, se isso fosse admitido, a
Cosmologia Aristotélica seria contradita. Os graves de Aristóteles ( terra e agua) não cairiam
segundo linhas retas de cima para baixo, conforme a Ordem do Cosmos e a teoria do Lugar
Natural . Alem disso, as nuvens seriam arrastadas para oeste e o movimento tão rápido da Terra
dispersaria tudo e assim, nao se adaptaria a Cosmologia de Aristóteles. Outrossim, convém
lembrar, na Antiguidade grega ja se podia avaliar a rapidez de um tal movimento; Eratostenes,
[2] em tomo do ano 240 A.C., ja havia calculado, com notável precisão, o raio da Terra;
tomemos o valor, em unidades hodiernas, de 6400 quilômetros; ora, as cidades ao longo da
linha do Equador movem-se, em tomo do eixo da Terra a uma velocidade de
V—(2 7ER/T)
Tomando R = 6400 quilometros , T = 24 horas e 7C = 3,14 obteremos V = 1674,67
Km/h.
Copérnico se contrapoe ao argument° de Ptolomeu dizendo que seria
muitissimo mais ridiculo pensar que, ao inves da Terra, sejam os Ceus a se moverem
e descreverem em tom° da Terra uma volta completa em 24 horas. Como as
dimensoes celestes sao bem maiores que as da Terra, e evidente, a partir da formula
acima, hoje aprendida nas escolas, que quanto maiores fossem as dimensOes celestes
maiores seriam tais velocidades. Deste modo e bastante mais razoavel que seja a
Terra (que e uma pequena parte do Universo) a se mover do que seja todo o imenso
Universo a rodar em 24 horas em tom° de uma mint:tscula parte. Em relacao a esses
argumentos, convem citar o proprio Copernico; no capitulo VIII do Livro I do Do
Revolutionibtts, lemos:
"....Mas porque niio se levanta a mesma questa° ainda com mais
intensidade acerca do Univers° cup movimento tem de ser tanto mais
rapid° quanto o Cezt 6 maior do qzte a Terra? Ou tornozt-se o Ceti imenso
porqzte foi desviado do centro por um movimento de larva indiscritivel e
acabarci por se precipitar tambem„se parar? Certamente se este raciocinio
fisse razocivel tambem a grandeza do Ceti sztbiria ate o irzfinito. Com efeito,
panto mais alto ele for elevado pela forca de sett movimento, tanto mais
rapid° esse movimento sera devido ao aumento continuo da circunler'encia
que ele tem de percorrer no period° de 24 horas. Por otttro lado, crescendo
o movimento cresceria tambem a imensidade do Celt. Assim a velocidade
attmentaria o movimento e o movimento aumentaria a velocidade ate o
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Comunicacoes Orais
infinito. Mas segundo aquele argument° da Fisica - o infinito nc7o pode ser
percorrido nem movido de forma alguma - o Ceu ter6 necessoriamente que
permanecer imovel. "
0 texto de Copernico reproduzido acima (o grifo e meu), merece analise
cuidadosa. Copernico elege a Fisica de Aristóteles como referencial teorico e tenta
encontrar contradicao entre essa e a astronomia Qeocentrica de Ptolomeu.
Efetivamente, a adocao geocentrica (Terra parada) requer necessariamente uma
rotacao dos Ceus em 24 horas e se esse for imenso em comparacao com a Terra, isso
implicaria o infinito ; ora o infinito viola tanto o conceito aristotelico de ordem
cosmologica quanto a propria Fisica de Aristóteles. Por esta razao Copernico, em
capitulo anterior, mostra a imensidao do Ceu comparada coin a pequenez da Terra.
Vejamos o seguinte raciocinio articulado no capitulo VI do Livro I do De
Revolutionibus: Copernico, referindo-se aos argumentos dos antigos, notadamente
Ptolomeu, nos diz que quando tracamos o plano do horizonte, esse divide o hemisferio
celeste em duas metades exatamente iguais correspondentes, respectivamente, aos seis
signos do Zodiaco que sao visiveis e os outros seis que nao sao visiveis; isso se pode
depreender do fato, por exempt°, de que quando a primeira estrela de Cancer nasce
num dado ponto C, a primeira estrela de Capriconio se pee, num ponto A
diametralmente oposto em relacao nossa observacao. Numa outra situacao, quando
a primeira estrela de Capricornio nasce em B , Cancer por-se-a em D em oposicao
diametral a B em relacao a nossa observacao. Ora, as linhas BED e AEC, onde E o
ponto onde esta centrado a nossa visao, se cruzam. Ptolomeu de Alexandria tira dai a
conclusao segundo a qual a Terra esta parada no centro do Univers° pois do
contrario o piano do horizonte nc7o dividiria o hemisferio celeste em duas metades
exatamente iguais. Copernico por seu lado, sem duvidar de que essa solucao seja
tecnicamente correta, argumenta que ela nao razoavel, e para justificar a sua nao
exequibilidade, elege a Fisica de Aristóteles como referencial teOrico para mostrar
que a solucao de Ptolomeu conduziria ao conceito de infinito , o que estaria em total
contradicao com Aristeteles. Copernico argumenta que o fato do plano do horizonte
dividir o hemisferio celeste em dois semi-hemi,sferios exatamente igziais nao prova
nem que a Terra esteja parada nem que ela esteja no centro do Univers° e sim que
ela e infima em relaceio ao Univers°. Deste modo, devido a pequenez da Terra, tanto
faz tracar o plano do horizonte a partir do centro da Terra quanto traca-lo a partir de
um ponto qualquer da superficie da Terra pois a diferenca entre esses dois planos sera
inteiramente desprezivel ; em ambos os casos, o hemisferio celeste sera dividido em
duas metades, para todos os efeitos praticos, exatamente iguais. Isto significa que
para lancar a Terra na imensidc7o do espaco, Copernico nao inventa uma nova e
revolucionaria Fisica: muito pelo contrcirio, a sua demoliceio do sistema
geocentric° de Ptolomeu, requer justamente a Fisica de Aristóteles: isto,
naturalmente, implica que os seus argumentos nc7o podem se sustentar a Ando,
espaco que sera ocupado pela mente extraordinaria de Galileu. E interessante,
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Atas do XI Simposio Nacional de Ensino de Fisica
pois, reproduzir o texto de Copernico a esse respeito no capitulo VI do Livro I do De
Rev°lutionibus :
Contudo a linha tracada a partir da superficie da Terra tem de ser
diferente da linha tracada a partir do centro, mas devido stra extenscio
imensa em relac& a Terra, elas sac, virtualmente paralelas e por causa de
szta extens& parecem ser uma zinica linha, pois o espaco entre elas
pequenissimo comparado com essa sua extensc7o, como se mostra em otica.
Por este argument° certamente se demonstra satisfatoriamente que o Ceti 6
imenso em comparac& com a Terra e da a impress& de um tamanho
infinito, enquanto segundo o testemunho dos sentidos, a Terra 6 em
relacilo ao Ceu o que um ponto em relaclio ao corpo, e o finito em
relacao ao infinito. No entanto nclo se segue daqui que a Terra tenha que
estar parada no centro do Universo. E ainda deviamos ficar mais
admirados se o Universo tc7o vasto fizesse uma rotac& em vinte e quatro
horas, de que [ o mesmo aconteca com] uma parte minima dele, que 6 a
Terra. "
A fun de sustentar a tese segundo a qual Copernico precisa ser aristotelico
para lancar a Terra na imensidao do espaco, vejamos que suas refutaceies a Ptolomeu
estao muito bem inseridas no context° das concepcoes Aristotélicas. Por exemplo, no
inicio do capitulo VIII do Livro I do De Revolutionibus intitulado RefittacOes das
Razoes apresentadas e szta Insztficiencia , lemos :
"Na verderde, por esters e ozttras razoes semelhantes, dizem que a Terra ester
imovel no centro do Universo, e assim se mantem sem dzivida. Mas se
alguem for de opinieio que a Terra se move, dirci por certo que o seu
movimento e natural e nab violent°. "
Esse text°, (o grifo e meu) tem consideravel importancia. Aqui, Copernico
tenta conciliar o seu lancamento da Terra na imensidao do espaco corn a teoria dos
Lugares naturais, e por conseguinte, com a nitida separacao entre movimento natural
e movimento violento. Uma tal conciliacao, sabemos, a partir dos trabalhos
revolucionarios de Galileu, impossivel pois a refiitacao consequente do
geocentrismo requer a invencao de uma nova Fisica, matematica, que geometrize o
espaco , promova a abolic& do Cosmos e invente a lei da persistencia do movimento
- a lei de inercia. Copernico sabe que um corpo que cai, cai na exata linha de onde foi
abandonado pois ele tem a ideia de que o movimento do corpo que cai e
compartilhado com o movimento da torre e da Terra. No Capitulo VIII do Livro I do
De Revolutionibus:
"...E isso passa-se assim, quer porque o ar circundante revista a mesma
natureza da Terra, por esiar misturado com a materia terrestre e aquosa,
quer porque o movimento do ar adquirido, pois partilha com a Terra der
rotac& incessante, devido contigitidade e ausencia de resistencia. "
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No entanto, a simples ideia de compartilhar do movimento ainda esta muito
longe da concepcdo de igual estatuto ontologico para repouso e movimento, o que se
(lard com Galileu.
Galileu demolir a astronomia geocentrica tanto a nivel da nova Fisica,
quanto a nivel astronomic° propriamente dito. A impossibilidade de explicacao da
fase Venus Cheia no context° da astronomia geocentrica constituiu em prova
arrazadora em prol do sistema heliocentric°.
Poderiamos devotar um grande espaco para documentar que Copernico
aristotelico e que sua refutacao do geocentrismo se faz de dentro das concepcoes
Aristotélicas da Fisica. Devido as limitacOes de espaco vamos nos ater ao capitulo I
do Livro I do De Revolutionibus intitulado 0 Universo 6 Esferico:
" Compete-nos notar desde o inicio que o Universo esferico ou porque
sejcz essa a forma mais perfeita de todas, um todo inteiro sem qualquer
juncit-o de partes; ou porgzie ela propria seja mais capaz das figuras e
maximamente conveniente para encerrar e conservar todas as coisas; ou
ate porque as partes mais perfeitas do Universo, isto 6, o S'ol, a Lua e as
estrelas, se apresentam com essa forma e porque todo o Univers° tende a
ser por ela delimitacto. "
E transparente que a argumentacao copemicana(o grifo meu) faz uso dos
conceitos de perkiceio , Conveniencia maxima, beleza das partes mais perfeitas do
Univers°, portant° de argumentos profimdamento influenciados pelas concepcoes
Aristotélicas, notadamente da demonstracao Aristotélica da esfericidade dos Cals.
2. OBSERVAcOES FINAIS E CONCLUSOES.
Concluimos o presente trabalho enfatizando que Copérnico nao somente
tem uma Fisica nova, que como sabemos, e necessaria para defesa consequente do
sistema heliocentric°, como tambem a sua refutacao do sistema geocentrico requer
uma insercao profunda nas concepcoes de Aristóteles. As superacoes das
ambiguidades e dificuldades de uma tal insercao, naturalmente contraditOria e "ad
hoc" , requerem os trabalhos de Galileu, Kepler e Newton, processo esse chamado de
Revolucfio Copemicana, mas de fato muito mais Revolucao Galileana, Kepleriana e
Newtoniana.
3. REFERENCIAS E NOTAS.
[1] N. Copernico, As Revoluclies dos Orbes Celestes . traducao portuguesa do
text° latino De Revolutionibus Orbizim Coelestium por A. Dias Gomes e Gabriel
Doiningues, e notas de Luis Albuquerque, Fundacao Calouste Gulbenkian, Lisboa,
Portugal (1984).
[2.1 Johannes de Sacrobosco, Tratado da Esfera , traducao quinhentista de Pedro
Nunes (adaptada ao portugues modem° por Carlos Ziller) da obra Tratactus de
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Atas do XI Simp6sio Nacional de Ensino de Fisica
Sphera, escrito possivelmente no seculo XIII, Museu de Astronomia, Editora Unesp,
Nova Stella Editorial. Trata-se de um importante tratado de astronomia geocentrica
muito usado nos tempos das grandes navegacoes. Nas margens direitas das paginas
36 e 37 encontramos alusao ao grande raciocinio de Erat6stenes que o levou a
avaliacao quantitativa do raio da Terra e que constitui em uma das grandes
conquistas cognitivas da humanidade. A respeito desse feito, ver o livro de Franco
Selleri. Fisica senza Dogma. Edizioni Dedalo - Bari - Italia ( 1989) e o livro de
Edwin- C. Kemble, Physical Science. Its S'tructure and Development, MIT Press,
Cambridge, Massachusetts, e Londres, Inglaterra (1966).

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