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A produgao de positividades. O avesso da face negativa dos processos de exclusdo, que tantas vezes e de tantas manei- ras cercam a sexualidade, em suas diversas manifestacdes. E disso que trata este livro, que se insere em um processo mais amplo de reconceituagao das questdes relacionadas a género, sexualidade poder neste final do século XX. Ao reunir trabalhos de pesquisadores e pesquisadoras do Brasil e de outros paises, esta colet’inea busca contribuir para o crescente didlogo que vem ocorrendo ao Norte e ao Sul do Equador, sobre as dimensdes politicas e sociais da experién- cia sexual, da complexa construcao das miltiplas identidades sexuais e das lutas pelos direitos sexuais e reprodutivos que vem sendo travadas nas sociedades contemporaneas. IMS/UERJ ISBN 85-732b-131-5 ‘ Ny edtoralm 188! S75"261518) Regina Maria Barbosa Richard Parker Direitos, Identidades e Poder IMS/UERJ editoralill34 Rosalind Petchesky analisa o processo de introdugio do conceito de direitos sexuais nos debates internacionais e os conflitos e resis- ‘Gncias que essa proposta vem enfrentando, sobretudo no terreno dos movimentos de mu- Iheres e em defesa dos direitos humanos ‘Maria Betania Avila aborda os direitos seprodutivos enquanto construc de um no- vocampo de direitos, de lta ede resgate his- {rico para as mulheres. A Aids éenfocada no contexto das desigualdades nas relagdes de sénero, via a questao da transmisslo sexual. ‘José Ricardo Ayres, lvan Franca Jr., Ga bricla Calazans ¢ Haraldo Saleti Filho res- gatam o conceito de vulnerabilidade desde suas origens eo remetem a0 contexto de desa- fios que a epidemia de HIV/Aids nos cotoca, buscando uma proposigio positiva para utili- 24-10 como referencial na priticas de satide. ‘Regina Maria Barbosa discute a negocia- ‘edo sexual como estratégia de prevencao da Aids entre homens e mulheres, analisando co ‘mo a construgio dos significados sexuais re- lacionados aos géneros define as possibilida- dese 0s limites de sua utilizagao. ‘Rubens Adorno explora as mudangas de significados que os conceitos de identidade e exclusao vim sofrendo, gracas a uma série de forcas contempordneas, entre as quais a dos movimentos soci ‘Veriano Testo Je. analisa como a organi- zagSo das pessoas vivendo com HIV/Aids se relaciona com o processo de construgio da identidade homosexual masculina, desdo- brando-se em diferentes propostas politicas, de enfrentamento da epidetnia de HIV/Aids. Daniela Knauth enfoca asimplicagSes da infeccao pelo HIV/Aids para a subjetividade dde mulheres de baixa renda que adquitiram virus de seus parceiros, analisando a com- preensio que essas mulheres tém de sua con- digdo e as estratégias que acionam para tor- nar “legitima” a contaminagio. SEXUALIDADES PELO AVESSO Direitos, Identidades e Poder SEXUALIDADES PELO AVESSO Direitos, Identidades e Poder Regina Maria Barbosa editoralll34 EDITORA 34 Editora 34 Ltda. Rua Hungria, 592. Jardim Europa CEP 01455-000 ‘Sao Paulo - SP Beasil ‘Tel/Fax (011) 816-6777 Programa de Estudos e Pesquisa em Género, Sexualidade e Satie Instituto de Medicina Social (IMS) Centro de Estudos e Pesquisas em Saiide Coletiva (CEPESC) Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UER]) Rua Sio Francisco Xavier, 524- 7” andar Bloco D CEP 20550-013 Rio de Janeiro - RJ Brasil Tel. (021) 568-0599 Fax (021) 568-9526 Com o apoio da Fundacio John D. ¢ Catherine T. MacArthur Copyright © 1999 dos autores ‘A FOTOCOMIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVRO E ILEGAL, F CONHIGURA UMA “APROPRIAGAO INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAIS F PATRIMONIAIS DO AUTOR. Coordenagio editorial e preparagio dos originais: Silvana Afram Capa, projeto grafico ¢ editoragao eletronica: Bracher & Malta Produgio Grafica 1° Edigio - 1999 Catalogasio na Fonte do Departamento Nacional do Livro (Fundagio Biblioteca Nacional, RJ, Brasil) sat Sexualidads pelo aves diets ideas «poder / Regina Maria Barbosa, Richard Parker. torgantzadores. — Rio de Janie: IMSIULRY; So Palo: Ea, 34, 1999 2p. ISN 85.7326-1315 1. Sexo (Psicologia), 2. Compoctamento sexu 5, Movimentos soci, I. Barbosa, Regina Maria. 1 Packer, Ricard, TL IMSIUERI. DD - 306.7 SEXUALIDADES PELO AVESSO. Direitos, Identidades e Poder Prefcio eens Introducio Regina Maria Barbosa e Richard Parker . Direitos sexuais: um novo conceito na pratica politica internacional Rosalind Pollack Petchesky .. Direitos reprodutivos, exclusao social e Aids Maria Betania Avila, Vulnerabilidade e prevengio em tempos de Aids José Ricardo Ayres, Ivan Franga Jr. Gabriela Calazans ¢ Haraldo Saletti Filho . |. Negociagao sexual ou sexo negociado? Poder, género e sexualidade em tempos de Aids Regina Maria Barbosa Identidade ¢ exclusio Rubens de Camargo Ferreira Adorno .. Soroponividade «politics de ienidade no Bra Veriano Terto Jr. : Subjetividade feminina ¢ soropositividade Daniela Riva Knastth ee negociadas: identidades ¢ espagos de ide sexual em um grupo de michés em Lima Carlos Caceres. Desejo, prazer e poder: questdes em torno da masculinidade heterossexual José Olavarria “Marido é tudo igual”: mulheres populares ¢ sexualidade no contexto da Aids Maria Luiza Heilborn e Patricia Fernanda Gouveia 1s 39) 49 73 89 99) 1 137 153 175 a 2. 13. 14 Prevengio do HIV/Aids, género e sexualidade: um desafio para os servigos de saiide Wilza Vieira Villela Género e poder: comunicagao, negociagio ¢ preservativo feminino Purnima Mane e Peter Aggleton.. Crencas leigas, esteredtipos de género ce prevengio de DSTs ‘Monica Gogna e Silvina Ramos Cenas sexuais, roteiros de género e sujeito sexual Vera Paiva nn Os/as autores/as 199 215 229 249 270 PREFACIO; Esta coletinea € 0 resultado de alguns anos de trabalho realizado pelo Programa de Estudos e Pesquisa em Género, Sexualidade e Satie no Ins- tiruto de Medicina Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Os textos aqui reunidos foram inicialmente apresentados em quatro semi- narios organizados pelo Programa: 1) Semindrio Internacional Reconcebendo a Sexualidade, realizado no Rio de Janeiro em abril de 1996 com o apoio da Fundacao Ford e da Fundagao John D. ¢ Catherine T. MacArthur. Contando com a participa- ‘gio de pesquisadores ¢ pesquisadoras provenientes de cinco continentes, foi possivel obter um panorama global do que vem se constituindo como objeto de investigagao nos mais diversos paises, no campo da sexualida- de, género e saide. 2) Satide Reprodutiva em Tempos de Aids, realizado no Rio de Ja- neiro em margo de 1997 com o apoio da Funda¢o MacArthur e organi- zado em parceria com a ABIA ~ Associagao Brasileira Interdisciplinar de Aids. Este seminario reuniu pesquisadores/as, ativistas e profissionais de satide, a fim de discutir os impasses e desdobramentos que a répida e pro- sgressiva disseminacio da infec¢ao pelo HIV/Aids vem produzindo para a satide reprodutiva e sexual 3) Direitos Reprodutivos, Exclusio Social e Aids, realizado em Sio Paulo em janeiro de 1998 com 0 apoio da Fundagao MacArthar e organi- zado em parceria com a Rede Nacional Feminista de Sade e Direitos Reprodutivos ¢ 6 Grupo de Incentivo a Vida (GIV). Este seminério reuniu ativistas, pesquisadores/as e profissionais de saiide oriundos de varias re- ides do pais ¢ com diferentes insergdes no trabalho académico, de pres- tagio de servigos de satide e de intervengao politica ¢ educativa, de modo que fossem cotejados o olhar de quem esta no feminismo com o olhar de quem trabalha diretamente com Aids, na expectativa de criar um didlogo produtivo e promover ages politicas mais eficazes nesse terreno. 4) Por iltimo, Homens: Sexualidade e Reproducao, realizado em Sa0 Paulo em abril de 1998 novamente com o apoio da Fundagao MacArthur e organizado em parceria com o Grupo de Estudos sobre Sexualidade Mas- culina e Paternidade (GESMAP), da ECOS - Estudos ¢ Comunicagao em Sexualidade e Reproducio Humana, Este evento contou com a participa cio de pesquisadores/as provenientes de diversas regides do pais e da Amé- rica Latina, que trabalham com questdes relativas aos homens ¢ as mas- 7 a (1366) “Why people use health services”. Milbank Memorial Fund Ouar- ‘erly. 44:94-124, ‘TANNEN, D. (1990) You just dont understand. Women and men in conversation. Nova York, Ballantine Books. VASCONCELOS, A. etal (1993) Aids and sexuality among low-income adolescent ‘women in Recife, Brasil. Washington, ICRW. WALDY, C.¢1 a. (1993) Clean’ and ‘unclean’ women in the Aids discourse of young heterosexual men”. In: AGGLETON, P., DAVIES, P. & HART, G. feds.) Aids Facing the second decade. Gri-Bretanha, The Falmer Pess, WEISS, E, etal. (1996) Vulnerability and opportunites: Adolescents and HIV/Aids in the Developing World. Washington, ICRW. WEINSTEIN, D. & WEINSTEIN, M. (1991) "George Simmel: Sociological flaneur bricoleue®. Theory Culture dnd Society. 8:151-168. WIGHT, D. (1993) *Consteaints or cognition? Young men and safer hetecosexual sex”, In: AGGLETON, P., DAVIES, P. & HART, D, (eds,) Aids: Facing the second decade. Gri-Bretanha, The Falmer Press. 248 Ménica Gogna e Silvina Ramos | 14, CENAS SEXUAIS, ROTEIROS DE GENERO E SUJEITO SEXUAL Vera Paiva Na primeira década da epidemia de Aids, as campanhas contra a transmissio sexual do HIV/Aids estavam baseadas em duas idéias-chaves combater a “promiscuidade” e ameacar com um genético “outro perigoso”: “Quem vé cara ndo vé Aids!", “Se vocé no se cuidar a Aids vai te pegar!”. As estratégias educativas da época, muito criticadas por estigmatizarem 08 chamados grupos de risco {promiscuos sexuais e drogados), eram es- pelhos das concepedes do marketing: vendiam-se 0 perigo ameagador ¢ uma sgenérica idéia de responsabilidade individual diante do risco do HIV. Esse trabalho parecia completo: organizavam-se palestras ¢ produziam-se pantle- tos com informages médicas, acreditando-se que o consumidor seria con- vencido racionalmente, compraria a idéia e mudaria seu comportamento, No infeio dos anos 90, como resultado do esforgo de muitos ativistas ¢ educadores em satide que buscavam melhores resultados, nascia nas co- munidades gays americanas 0 conceito de sexo mais seguro — uma combi- nagio de praticas com o uso de camisinha —, que comegou a ser promo- ido para “todos” (Terto Jr., 1992). “Todos”, sindnimo de heterossexuais € sobrios, podem pegar Aids. “Todos” — adolescentes, sindicalistas, uni versitdrios, grupos de mulheres e homens em comunidades e empresas — ‘comegaram a ser incorporados nos programas de prevencio que, além de palestras, passaram a incluir atividades em grupos menores, face a face, com linguagem apropriada a cada grupo, Desde entdo, a maior parte dos programas de prevencio a Aids se concentra em mudar comportamentos ou priticas de risco e na idéia de gue € responsabilidade de cada individuo reduzir a sua vulnerabilidade. Tornow-se claro que aulas mais dialogadas, ou seja, sessdes de informa ‘gOes que incluem téenicas mais dinamicas e que estimulam a participacio dos educandos, promovem uma melhor absorcio da informagio. No ce- nario da prevencdo, esses sao atualmente os programas mais sofisticados « mais caros, para os quais as equipes sio treinadas, a fim de utilizar téc- nicas de grupo ou coordenar oficinas, buscando estimular a comunicagio sobre sexo € a negociagao de sexo seguro. Mais recentemente, 0 conceito de vulnerabilidade, em particular 0 de vulnerabilidade social, tem ajustado o simplismo das abordagens hasea- das na responsabilidade individual!. Jé se sabe que mesmo as mais sofis- | No Brasil a produsio de José Ricardo Ayces, autor de um artigo sobre o tema neste lio, ¢recomendavel para quem se interessa por essa abordagem, = Vera Paiva | ticadas intervengies face a face deixam a desejar, em termos de mudangas significativas (mensusdveis). Entendemos melhor como as normas cultu- rais que definem os géneros masculino e feminino afetam o que se faz 8 xualmente, bem como a necessidade de integrarmas, nos diversos progr ‘mas, aorientagao sobre outras doengas sexualmente transmissiveis (DST), além do HIV/Aids, e a promogio da satide reprodutiva. Até hoje, esse vin- culo esté ausente ou € feito de forma precaria, mantendo-se programas de planejamento familiar ¢ de DSTs separados. ‘Jé em nosso trabalho, realizado entre 1991 e 1994 com estudantes universitrios e de escolas nocumas de 1° grauna cidade de So Paulo, havia ficado claro 0 quanto a vulnerabilidade social e institucional comprome= tia seus objetivos. Aos quase cinco mil jovens € dezenas de profissionais, treinados que participaram das Oficinas de Sexo Seguro, Reproducdo € Aids, dissemos que o virus HIV era altamente democrstico: suas formas de transmissio nao discriminam por raga, idade, renda, nacionalidade, género ou preferéncias sexuais. Entretanto, quando eles saiam das ofici nas, descobriam que o HIV se aproveitava do contexto social ¢ cultural que os tomava mais vulneraveis, isto é, descobriam aquilo que os epidemio- logistas jé vinham apontando: as pessoas mais pobtes e as minorias, os que tém menos escolatidade ou poder, os menos cidadkios so mais vulneraveis. ‘Ao final do primeio programa, muito bem avaliado qualitativamente pelos participantes, algumas questdes incomodavam a equipe. Como um programa de prevengio a Aids deve lidar com 0s fatores sociais e cultu- rais que regulam e dificultam 0 sexo seguro? Como traduzir melhor os cconceitos de vulnerabilidade em atividades para um programa de preven- ‘¢do 3 Aids?? Como os programas de prevengao podem ampliar o seu foco, limitado ao comportamento e & responsabilidade individual? O objetivo deste artigo € esbocar uma referéncia conceitual e um modelo modificado ‘para os programas de prevencio & Aids, que evoluiram de nossa experiéncia em Sio Paulo’, OS FUNDAMENTOS DO PROJETO. © programa teve inicio em 1991, inspirado no que existia de mais promissor na literatura sobre prevengao da Aids: de um lado, 0 ARRM ~ 2 Deseo inicio da década, essa abordagem vem sendo defendida pela Coal Global de Politics contra a Ais er, aes espeito,J- Mann, D.Tarantola 8 T. Neer, 1395, 3 Ver Antunes etal CCenas sexuais, roreitos de género e sueito sexual 2st Aids Risk Reduction Model, produzido em Sao Francisco (Catania et a 1990); de outro, as iniciativas ¢ autoras feministas no campo dos direitos reprodutivos4, ja que 0s estudos-piloto confirmaram a nossa hipotese de que as normas de genero eram um fatorregulador da sexualidade e, por. tanto, das préticas que resultavam na gravider indesejada ou em DSTs (Paiva, 1994). Ao desencadear o programa em varias escola, fomos sen. do desafiados também pelo contexto socioecondmico, que, como as dife. rencas de género, era deixado fora de foco pelas abordagens que resulta. vam da pico da side come o ARM. 1 processo de avaliagio qualitativa sobre 0 impacto do progra ci suas vides, 2 pinto do jovens era muito Posty mo enter eg mesmos nos contavam como a recénincorporada boa intengio de peat. car sexo seguro era limitada pelo contexto sociocultural em que 0 sexo ‘ocorta e pela falta de acesso a qualquer servigo de sate reprodutiva de qualidade. © indicador de sucesso de qualquer programa de prevencio & Aids, a incorporagao consistente de sexo protegido pela camisinha —~ que eles aprendinm a valorizar depos desperados o preconcitose dist 8 a8 normas de género — era quase impossivel de acontecer, mesmo Porque as camisinhas custavam cerca de 1 délar cada, nas areas pobres, Os jovens sempre consideravam o programa bem-sucedido, pedindo que @ fpeticinos para ontos amigos colegastnham aprenido mut, falado de assuntos relevantes, perdido a vergonha, 0, fsa de aunt leva ped a vrgonka, mudi de opin ‘Ao final da segunda fase do projeto, em 1993, a mais valiosa refe- réncia acabou sendo mesmo a nossa velha tradigio latino-americana de pedagogia da libercacdo e para a cidadania, epresentada por Paulo Freie, Redescovimos o gue xa promoveracidadani,enguato estimulvamos agente individual eindependente da sexualidade, que chamai szensiniual dda sexualidade, que chamamos sweito Como dizia Paulo Freire, no clisico dos anos 70, Pedagogia do opr- rido, € apenas na anilise de uma situagdo existencial, concreta,codific- dda pelos educandos, que se verfica 0 movimento necessario a0 pensar. A descodificagao da situacio existencial provoca essa postura normal, que implica um partir abstratamente até o

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