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— Ludibriou a morte novamente, Vlad!

Quando abri os olhos, a primeira


figura a me aparecer foi Nikita, o admirável Camarada Tenente. — Os Fritz
mataram muitos de nossos camaradas, mas não temos tempo! Minha instável
vista ainda girava, como aquelas rodas-gigantes da América, e oscilava entre
escuridão e clareza. Nikita esbravejava alguma coisa, mas meus ouvidos não
estavam aptos para desempenhar um bom trabalho.
Tateei o terreno com olhos: as ruínas dos prédios faziam sombra
sobre nós. Centenas de camaradas com seus rifles e submetralhadoras se
mantinham atrás dos escombros, ao mesmo tempo que atiravam nos alemães,
que, do outro lado da rua, próximos ao Reichstag, respondiam às balas
soviéticas tão rudemente como nós. Mas uma coisa despertou-me sobressaltos
e preocupação; onde diabos Elyna estava? Desesperei-me. Não, eu perdi Elyna,
pensei.
Recuperei enfim a consciência. O matraquear da maldita MG-42
começou a me assombrar os tímpanos tal como fantasmas malignos, que
desejavam, mais do que tudo que há de material e imaterial, perturbar-me,
deixar-me louco; perder a sanidade a ponto de arrancar os próprios cabelos e
correr em direção das balas para que todo aquele sofrimento acabasse.
Busquei das lembranças de casa a coragem, e, lacônico, indaguei a
Vanya, que com sua Mosin-Nagant acrescentava mais algumas baixas do lado
alemão:
— Cadê Elyna?! — Lati. O crepitar daquelas centenárias de armas
automáticas, semi-automáticas, e de ação por ferrolho, abafaria com total
certeza qualquer frase em tom sereno. — CADÊ, ELYNA, CAMARADA?! —
Esbravejei. Finalmente ouviu e torceu os olhos em cor de diamante para mim.
Vanya abaixou sua Mosin, e deu de costas antes de virar-se nos calcanhares e
surgir com minha amada – Elyna –.
Meus olhos brilharam, agarrei-a com força, a textura de sua madeira
era única, havia muitas outras SVT-40 como ela, mas Elyna era minha SVT-40;
era Elyna, e não apenas mais um maldito rifle semi-automático como qualquer
outro. Senti-me seguro. Ela era minha melhor amiga, nunca me deixou na mão.
O amor que eu tinha por aquele rifle era como o de um namorado para com sua
amada dama.
Fitei-a por curtos segundos. Ela pareceu conversar comigo: queria
fazer seu serviço. Tomei posição ao lado de Vanya. Elyna fez-se apoiar na
beirada de uma janela, ela queria matar o soldado fascista.
Anos atrás, aprendi um pouco de alemão, então consegui entender o
que os cães ladravam do outro lado. Um maldito chamou-nos de pedaços de
lixo soviético: “Du bist ein Schmarotzer! Sowjetischer Unsinn!”. Quem era o
desgraçado? Não faço ideia, mas, com o “lixo soviético” ressoando na mente,
puxei, quase espirituoso, o gélido gatilho de Elyna, que cuspiu em um
estampido vocifero uma bala, que sibilou no ar, rasgando a fumaça de uma
recente explosão de morteiro, até cruzar o capacete de um nazista e se alojar no
cérebro do próprio.

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