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11. Equilíbrio químico: estudo de casos específicos

11.1. Reações em fase vapor

11.2. Reações com compostos em fase sólida

11.3. Reações com compostos em solução aquosa

11.4. Reações com compostos em fase líquida

11. Equilíbrio químico: estudo de casos específicos


Embora a teoria do equilíbrio químico seja, em certo sentido, simples, os
cálculos podem ser envolver diversos aspectos peculiares. Por isso, nesse capítulo
veremos exemplos de cálculos de equilíbrio de fases levando progressivamente em
conta diferentes aspectos do cálculo do equilíbrio.
Para os cálculos de equilíbrio químico, usaremos os dados de valores de
formação obtidos do Webbook do NIST, de compêndios como o CRC Handbook of
Chemistry and Physics, ou da bibliografia indicada para o curso, quando possível.
De modo geral, para as reações apresentadas pode haver pequenas diferenças
entre as diversas fontes, mas o resultado não deve se alterar significativamente.
Observe que, em alguns casos, o valor apresentado não corresponde ao valor de
formação, e alguma interpretação é necessária (como nas entropias padrão).
Nosso intuito nesse capítulo é entender basicamente o mecanismo de
cálculo envolvido em cada tipo de equilíbrio. Algumas vezes consideraremos, por
facilidade, que os valores de 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 são constantes e iguais aos valores na
temperatura de referência (𝑇0 = 298,15 𝐾); em outros, para sermos um pouco
mais realistas, consideraremos que os valores de capacidade calorífica são
constantes e independentes da temperatura.

11.1. Reações em fase vapor


Vamos começar analisando o caso mais simples: uma única reação em fase
vapor.

Exemplo 11-1. Considere a reação de formação de amônia em fase vapor:


−𝑁2 − 3𝐻2 + 2𝑁𝐻3 = 0 ( 11-1 )
Considerando que 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 seja constante, independentemente da
temperatura, e considerando que a mistura em fase vapor se comporta como uma
mistura de gases ideais, calcule a composição de equilíbrio nas seguintes situações:

Caso T/K P / bar Proporção 𝑁2 : 𝐻2 na alimentação


(a) 430 5,0 2:1
(b) 430 5,0 3:1
(c) 430 5,0 4:1
(d) 430 10,0 2:1
(e) 430 10,0 3:1
(f) 430 10,0 4:1

Resolução. Esse é um típico problema de cálculo de equilíbrio: conhecemos a


alimentação (no caso, a proporção entre os compostos), a temperatura e a pressão,
e queremos calcular a composição do equilíbrio.
Inicialmente, precisamos calcular a constante de equilíbrio par a reação tal
qual escrita. A reação, nesse caso, é a própria reação de formação da amônia. No
Webbook do NIST, obtemos os seguintes valores:
𝑟𝑒𝑓
∆𝑓 𝐻𝑁𝐻3
= −45,94 𝑘𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ( 11-2 )
0
𝑆𝑁𝐻3
= 192,77 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1 ( 11-3 )
𝑆𝐻02 = 130,68 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1 ( 11-4 )
𝑆𝑁02 = 191,61 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1 ( 11-5 )
Os valores são todos apresentados para fase vapor ideal a 298,15 K; é
subentendida também a pressão de 1,0 bar, informação importante para a
entropia. Note-se que é usada a notação de “0” para a entropia padrão.
A interpretação do valor da entalpia padrão de formação é direta; a da
entropia padrão é feita conforme o apresentado na seção 10.3.1. Nesse caso,
teremos:
1 3
0
∆𝑓 𝑆𝑁𝐻3 = 𝑆𝑁𝐻 − × 𝑆𝑁02 − × 𝑆𝐻02 = −99,055 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1 ( 11-6 )
3
2 2
E o valor de ∆𝑓 𝐺𝑁𝐻3 [𝑇0], com 𝑇0 = 298,15 𝐾 pode ser calculado por:
∆𝑓 𝐺𝑁𝐻3 [𝑇0] = ∆𝑓 𝐻𝑁𝐻3 [𝑇0 ] − 𝑇0 ∆𝑓 𝑆𝑁𝐻3 [𝑇0 ]
( 11-7 )
= −45940 − 298,15 × (−99,055) = −16407 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
Assim, no caso da reação tal como apresentada, temos que:
𝛥𝑟 𝐺 𝑟𝑒𝑓 [298,15𝐾 ] = −32,81 𝑘𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ( 11-8 )
𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 [298,15𝐾 ] = −91,88 𝑘𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ( 11-9 )
Isso acontece porque os dados de formação apresentam os resultados por
mol de substância formada. Para a reação tal como escrita, o coeficiente
estequiométrico do 𝑁𝐻3 é 2.
Conhecidos os valores de energia de Gibbs e entalpia padrão de reação,
podemos calcular o valor da constante de equilíbrio. Inicialmente, calculamos o
valor na temperatura padrão 𝑇0 = 298,15 K:
𝛥𝑟 𝐺 𝑟𝑒𝑓 [𝑇0]
𝐾 [𝑇0 ] = 𝑒𝑥𝑝 (− ) = 5,602 × 105 ( 11-10 )
𝑅𝑇0
Deve-se notar que é errado substituir a temperatura de 430,0 K nesta
equação e calcular diretamente o valor de K[T], pois o valor de 𝛥𝑟 𝐺 𝑟𝑒𝑓 não pode
ser considerado independente da temperatura. A constante de equilíbrio na
temperatura de operação (430,0 K) deve ser calculada por meio de:
𝐾 [𝑇 ] 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 1 1
ln ( )=− ( − ) ( 11-11 )
𝐾 [𝑇0 ] 𝑅 𝑇 𝑇0
que resulta em 𝐾 [430,0 𝐾 ] = 6,493.
Esse resultado, em princípio, pode parecer contraditório – por que vamos
realizar a reação em uma temperatura maior, se a constante de equilíbrio nesse
caso é quase cem mil vezes menor? A resposta está na cinética: é necessário elevar
a temperatura para que a reação se processe com velocidade apreciável. Na
prática, as temperaturas em que a reação ocorre são ainda maiores, como se
poderá ver no exemplo 11-2.
Para prosseguir no cálculo do equilíbrio, precisamos acoplar o balanço de
massa ao cálculo da relação de equilíbrio. No caso específico, consideramos uma
base de cálculo de 1 mol de 𝐻2 e N mol de 𝑁2 , em que o valor de N é a proporção de
mols de cada caso – ou seja, 2 para o caso (a), 3 para o caso (b), e assim por diante.
Composto 𝑛0 /𝑚𝑜𝑙 𝑛/𝑚𝑜𝑙
𝑁𝐻3 0 2𝜒
𝑁2 N 𝑁−𝜒
𝐻2 1 1 − 3𝜒
Total 𝑁+1 𝑁 + 1 − 2𝜒

O valor de 𝜒 pode, dependendo de como seja escrita a reação, ser negativo.


Entretanto, o número de mols de qualquer composto deve sempre ser positivo, e
isso restringe naturalmente os valores de 𝜒. No caso específico, analisando as
quantidades de 𝑁2 e 𝐻2 , observa-se que necessariamente:
1
0 < 𝜒 < 𝑚𝑖𝑛 { , 𝑁} ( 11-12 )
3
A relação de equilíbrio, nesse caso, se escreve:
𝜈
𝐾 [𝑇] = ∏ 𝑎𝑗 𝑗 = 𝑎2𝑁𝐻3 𝑎𝑁
−1 −3
𝑎
2 𝐻2 ( 11-13 )
𝑗

Como a atividade, nesse caso, é a própria fugacidade expressa em bar, a


relação de equilíbrio se torna:
(𝑦𝑁𝐻3 𝑃/𝑏𝑎𝑟)2
𝐾 [𝑇] = ( 11-14 )
(𝑦𝑁2 𝑃/𝑏𝑎𝑟)(𝑦𝐻2 𝑃/𝑏𝑎𝑟)3
Rescrevendo os valores de fração molar a partir das quantidades de cada
um dos compostos, temos:
2
𝑛𝑁𝐻 𝑛2
3 𝑇 𝑃 −2
𝐾 [𝑇] = 3 ( ) ( 11-15 )
𝑛𝑁2 𝑛𝐻 2
𝑏𝑎𝑟
em que 𝑛𝑇 é o número total de mols do sistema. Substituindo as expressões
correspondentes, temos:
(2𝜒)2 (𝑁 + 1 − 2𝜒)2 𝑃 −2
𝐾 [𝑇] = ( ) ( 11-16 )
(𝑁 − 𝜒)(1 − 3𝜒)3 𝑏𝑎𝑟
Nota-se que não é possível obter uma expressão analítica para 𝜒, e o recurso
ao cálculo numérico é sempre necessário. Podemos realizar os cálculos com o
auxílio de uma planilha de cálculo. Nesse caso específico, obtém-se os seguintes
valores:
Caso 𝜒 / 𝑚𝑜𝑙 𝑦𝑁𝐻3 𝑦𝑁2 𝑦𝐻2
(a) 0,2716 0,2211 0,7035 0,0754
(b) 0,2674 0,1543 0,7886 0,0571
(c) 0,2636 0,1179 0,8354 0,0468
(d) 0,2928 0,2425 0,7071 0,0504
(e) 0,2898 0,1694 0,7924 0,0382
(f) 0,2870 0,1297 0,8389 0,0314

Algumas observações são evidentes da Tabela anterior. A primeira é que um


aumento da pressão leva sempre a um aumento no valor de 𝜒 e, portanto, a um
aumento na fração molar de amônia no equilíbrio. Em geral, um aumento na
pressão desloca a reação no sentido de diminuir o número de moles no equilíbrio
(quando comparado ao equilíbrio atingido em uma pressão menor, mas partindo
das mesmas quantidades).
Por outro lado, de modo contraintuitivo, um aumento na proporção de
𝑁2 leva a uma diminuição na conversão de 𝑁2 , observada pela diminuição
correspondente entre os valores de 𝜒. Isso ocorre por conta do efeito do acréscimo
do número total de moles de 𝑁2 no valor de 𝑛𝑇 ; o valor de
𝑦𝐻2 efetivamente diminui ao se aumentar 𝜒. Deve-se sempre lembrar que o
equilíbrio é calculado em função das atividades, e é essa grandeza que precisa ser
analisada. Esse resultado nos mostra que análises apressadas podem levar a
conclusões equivocadas na análise do equilíbrio químico.

O exemplo anterior, embora instrutivo, não é realista, no sentido em que as


condições apresentadas diferem muito da prática industrial. Para verificar o efeito
separadamente de cada hipótese realizada, vamos considerar o exemplo seguinte.

Exemplo 11-2. Considere a mesma reação de formação de amônia em fase vapor


apresentada no exemplo anterior. Calcule a composição de equilíbrio para uma
alimentação contendo apenas 𝑁2 e 𝐻2 com uma proporção 𝑁2 : 𝐻2 de 2:1, sendo que
o equilíbrio é atingido a 700,0 K e 200,0 bar. Considere os seguintes casos:
Caso Hipóteses
(a) Fase vapor ideal e 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 independente da temperatura
(b) Fase vapor ideal e 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 dependente da temperatura
(c) Fase vapor não-ideal e 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 dependente da temperatura

Para os casos (b) e (c), considere que os valores de capacidade calorífica em


pressão constante no estado de gás ideal são dados por:
𝐶𝑃𝐺𝐼𝑁𝐻3 = 35,6 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1 ( 11-17 )
𝐶𝑃𝐺𝐼𝐻2 = 28,8 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1 ( 11-18 )
𝐶𝑃𝐺𝐼𝑁2 = 29,1 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1 ( 11-19 )
Estes valores são fornecidos pelo Webbook do NIST para a temperatura de
298,15 K. Para o caso (c), considere que a não-idealidade de fase vapor pode ser
aproximada pela relação de van Ness e Abbott (H. C. van Ness, M. M. Abbott,
Classical Thermodynamics of Nonelectrolye Solutions: With Applications to Phase
Equilibria, McGraw-Hill, 1982):
𝑓̂𝑖𝑉 𝑃𝑅
𝑙𝑛 = (𝑓 (0) + 𝜔 × 𝑓 (1) ) ( 11-20 )
𝑦𝑖 𝑃 𝑇𝑅
0,422 ( 11-21 )
𝑓 (0) = 0,083 −
𝑇𝑅1,6
0,172 ( 11-22 )
𝑓 (1) = 0,139 −
𝑇𝑅4,2
em que 𝜔 é o fator acêntrico, e 𝑇𝑅 é a temperatura reduzida (ou seja, a razão entre
a temperatura e a temperatura crítica) e 𝑃𝑅 é a pressão reduzida. Para os
compostos em questão, tem-se:

Composto 𝑇𝐶 /𝐾 𝑃𝐶 /𝑏𝑎𝑟 𝜔
𝑁𝐻3 405,7 112,8 0,253
𝑁2 126,2 34,0 0,038
𝐻2 33,19 13,13 -0,216

Resolução. O caso (a) é semelhante aos cálculos feitos no exemplo anterior. A


constante de equilíbrio a 700,0 K é dada por 𝐾 [700,0 𝐾 ] = 3,215 × 10−4 , o que é
um valor pequeno – e é a razão pela qual a pressão, na situação industrial, é tão
elevada.
A única mudança a ser feita para o caso (b) é a consideração de que o valor
de 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 seja dependente da temperatura. Nesse caso, como os valores de
capacidade calorífica no estado de gás ideal são independentes da temperatura,
tem-se (lembrando-se que o estado de gás ideal, nesse caso, é o próprio estado de
referência):
𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 [𝑇] = 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 [𝑇0 ] + 𝛥𝑟 𝐶𝑃𝑟𝑒𝑓 (𝑇 − 𝑇0 ) ( 11-23 )
Lembremo-nos de que a constante de equilíbrio deve ser calculada como:
𝑇
𝐾 [𝑇 ] 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 [𝑇]
𝑙𝑛 ( )= ∫ 𝑑𝑇 ( 11-24 )
𝐾[𝑇0] 𝑅𝑇 2
𝑇0

Acoplando-se ambas as relações, temos:


𝐾 [𝑇 ] 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 1 1 𝛥𝑟 𝐶𝑃𝑟𝑒𝑓 𝑇0 𝑇0
𝑙𝑛 ( )=− ( − ) + ( − 1 − 𝑙𝑛 ) ( 11-25 )
𝐾[𝑇0] 𝑅 𝑇 𝑇0 𝑅 𝑇 𝑇
Nesse caso, o valor calculado para a constante de equilíbrio a 700,0 K é de
𝐾 [700,0 𝐾 ] = 7,255 × 10−5 ; para referência, o valor de 𝛥𝑟 𝐶𝑃𝑟𝑒𝑓 é de −44,3,6 𝐽 ∙
𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1 . Esse valor é mais baixo do que o calculado para o caso (a), mas por
sua vez é mais realista. Pode-se imaginar que a consideração de que a capacidade
calorífica seja independente da temperatura também seja uma aproximação. O
cálculo mais completo, nesse caso, levaria em conta os polinômios que
relacionassem o valor de 𝐶𝑃𝐺𝐼 à temperatura.
Finalmente, o caso (c) requer que se reconsidere a forma como a relação de
equilíbrio está escrita. No exercício resolvido anterior, notamos que
(𝑦𝑁𝐻3 𝑃/𝑏𝑎𝑟)2
𝐾 [𝑇] = 2
𝑎𝑁𝐻 𝑎−1 𝑎−3
3 𝑁2 𝐻2
= ( 11-26 )
(𝑦𝑁2 𝑃/𝑏𝑎𝑟)(𝑦𝐻2 𝑃/𝑏𝑎𝑟)3
pelo fato de a fase vapor ser ideal. Nesse caso específico, deve-se considerar
também os coeficientes de fugacidade:
𝑦𝑁𝐻3 𝜑̂𝑁𝐻3 𝑃 2
( )
𝑏𝑎𝑟
𝐾 [𝑇] = ( 11-27 )
𝑦𝑁2 𝜑̂𝑁2 𝑃 𝑦𝐻2 𝜑̂𝐻2 𝑃 3
( )( )
𝑏𝑎𝑟 𝑏𝑎𝑟
O modelo utilizado, nesse caso, é muito simplificado, pois os coeficientes de
fugacidade não são função da composição. No caso mais realista, modelos mais
adequados levam em conta essa dependência. De todo modo, realizando-se os
cálculos com a equação fornecida, obtêm-se os valores de coeficiente de fugacidade
de 𝜑̂𝑁𝐻3 = 0,9377, 𝜑̂𝑁2 = 1,0615 e 𝜑̂𝐻2 = 1,0366.
Usando a mesma abordagem para o cálculo de 𝜒, ou seja, considerando a
mesma base de cálculo (1 mol de 𝐻2 na entrada), temos os seguintes resultados
para cada um dos casos considerados:

Caso 𝜒 / 𝑚𝑜𝑙 𝑦𝑁𝐻3 𝑦𝑁2 𝑦𝐻2


(a) 0,2098 0,1626 0,6938 0,1436
(b) 0,1607 0,1200 0,6867 0,1933
(c) 0,1709 0,1286 0,6881 0,1833

Desse modo, os resultados dos cálculos feitos durante o curso, muitos


semelhantes ao caso (a), indicam-nos as tendências gerais, mas podem ser
aprimorados – mesmo os casos (b) e (c) desse exemplo são ainda aproximados.

Exemplo 11-3. Considere a mesma reação de formação de amônia em fase vapor


apresentada nos exemplos anteriores. Calcule a composição de equilíbrio para uma
alimentação contendo apenas 𝑁2 e 𝐻2 com uma proporção 𝑁2 : 𝐻2 de 2:1, sendo que
a alimentação do reator está a 650,0 K e 200,0 bar, e o reator opera
adiabaticamente. Considere fase vapor ideal e 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 dependente da temperatura.
Use os valores de capacidade calorífica do exemplo anterior.

Resolução. Este caso corresponde a uma situação encontrada muitas vezes. Como
a reação de formação da amônia é exotérmica, o fato de a temperatura ser
constante nos exemplos anteriores implica que haja troca térmica no reator, de
modo a resfriá-lo. No caso adiabático, a situação pode ser vista na Figura seguinte:

Figura 11-1. Esquema geral de um reator adiabático.


Nesse caso, a resolução do problema inclui também a determinação da
temperatura da corrente de saída. Essa determinação é feita considerando-se que a
entalpia total das correntes F e P deve ser idêntica, ou seja:
𝐻[𝑇1 , 𝑃, 𝒏0 ] = 𝐻[𝑇2, 𝑃, 𝒏] ( 11-28 )
supondo-se que não haja variação de pressão no reator – como o meio reacional é
uma mistura de gases ideais, mesmo que haja tal variação, ela não influenciará no
balanço de energia.
O problema na resolução do exercício está em que, nesse caso, como a
composição muda entre a entrada e a saída do reator, os termos de entalpia no
estado de referência não se cancelam. Nesse caso, a melhor abordagem é
estabelecer como condição de referência a condição padrão para os valores de
formação (gás ideal, 298,15 K e 1,0 bar). Isso é equivalente a considerar que a
entalpia dos elementos, em suas formas alotrópicas mais estáveis, será nula. Como
qualquer reação se processa com conservação do número de átomos de cada
elemento, isso garante um mesmo estado para a corrente em cada composição.
Desse modo, a entalpia de uma corrente em uma mistura de gases ideais
será dada por:
𝑐 𝑇

𝐻[𝑇, 𝑃, 𝒏] = ∑ 𝑛𝑗 (𝛥𝑓 𝐻𝑖𝑟𝑒𝑓 [𝑇0 ] + ∫ 𝐶𝑃𝐺𝐼𝑖 [𝑇]𝑑𝑇) ( 11-29 )


𝑗=1 𝑇0

com 𝑇0 = 298,15 𝐾; no caso específico em que a capacidade calorífica é


considerada constante:
𝑐

𝐻[𝑇, 𝑃, 𝒏] = ∑ 𝑛𝑗 (𝛥𝑓 𝐻𝑖𝑟𝑒𝑓 [𝑇0 ] + 𝐶𝑃𝐺𝐼𝑖 (𝑇 − 𝑇0 )) ( 11-30 )


𝑗=1

Deve-se lembrar que o valor do número de mols de cada composto depende


do grau de avanço, de maneira que esta equação efetivamente apresenta duas
variáveis: o grau de avanço e a temperatura:
𝑐

𝐻[𝑇, 𝑃, 𝒏] = ∑(𝑛𝑗0 + 𝜈𝑗 𝜒)(𝛥𝑓 𝐻𝑖𝑟𝑒𝑓 [𝑇0 ] + 𝐶𝑃𝐺𝐼𝑖 (𝑇 − 𝑇0 )) ( 11-31 )


𝑗=1

A segunda equação a ser resolvida conjuntamente é a relação de equilíbrio.


Partindo de uma base de cálculo de 1 mol de 𝐻2 na entrada, a resolução simultânea
das duas equações, feita com auxílio de uma planilha de cálculo, resulta em:
𝑇2 = 776,45𝐾 𝐾 [𝑇2 ] = 1,1034 × 10−5
𝜒 = 0,0973 𝑚𝑜𝑙 𝑦𝑁𝐻3 = 0,0694
𝑦𝑁2 = 0,6782 𝑦𝐻2 = 0,2524
Note que o acréscimo de temperatura leva a uma diminuição da constante
de equilíbrio para a reação tal como escrita, o que leva a uma consequente
diminuição do grau de avanço do equilíbrio.
Parece estranho fazer o cálculo da temperatura de saída sem usar o valor da
entalpia de reação. Entretanto, a entalpia de reação está efetivamente “implícita”
no cálculo, especificamente na forma da soma dos diversos termos 𝜈𝑗 𝛥𝑓 𝐻𝑖𝑟𝑒𝑓 . A
abordagem apresentada, entretanto, torna mais simples analisar o balanço de
energia, por exemplo, no caso em que haja mais de uma reação química
acontecendo.

11.2. Reações com compostos em fase sólida


Em qualquer reação totalmente em fase vapor – como a reação de produção
da amônia apresentada anteriormente – a restrição de equilíbrio leva a que,
naturalmente, o estado de equilíbrio considere que todos os compostos
participantes da reação estão presentes – afinal, se isso não acontecer, a atividade
daquele composto será nula, e a relação de equilíbrio não será satisfeita.
No caso de reações com fase sólida, como a atividade do composto presente
em fase sólida será igual à unidade sempre que ele existir, é possível que a reação
não ocorra, ou ocorra de maneira a consumir totalmente um dos reagentes.
O exemplo seguinte mostra um desses casos. Nele, se analisa a possibilidade
de formação de carbono sólido em um reator. O carbono pode se formar pela
decomposição de compostos orgânicos que estejam presentes no meio reacional, e
sua formação é indesejada – consome produtos valiosos, por um lado, e diminui a
atividade do catalisador, por outro. As condições que levam à formação de carbono
devem sempre ser evitadas.

Exemplo 11-4. Em um reator de reforma de metano (em que metano e vapor


d’água são alimentados em fase vapor, para produção de hidrogênio e dióxido de
carbono), existe a possibilidade de deposição de carbono sólido por meio da
reação:
−𝐶𝐻4 + 2𝐻2 + 𝐶(𝑠) = 0 ( 11-32 )
Em um determinado reator, atinge-se uma condição em que 𝑇 = 800,0 𝐾,
𝑃 = 10,0 𝑏𝑎𝑟 e a composição é:
𝑦𝐶𝐻4 = 0,124 𝑦𝐶𝑂2 = 0,097
𝑦𝐻2 = 0,387 𝑦𝐶𝑂 = 0,043
𝑦𝐻2 𝑂 = 0,349
Pergunta-se: pode haver deposição de carbono sólido nesse reator?
Considere que a fase vapor se comporte como uma mistura de gases ideais, e que o
valor de 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 seja dependente da temperatura. Considere os seguintes valores
(obtidos do CRC Handbook of Chemistry and Physics, usando a notação da fonte):
0
∆𝑓 𝐻𝐶𝐻4
= −74,6 𝑘𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
0
∆𝑓 𝐺𝐶𝐻4
= −50,5 𝑘𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1
𝐶𝑃𝐺𝐼𝐶𝐻4 = 35,7 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1

𝐶𝑃𝐺𝐼𝐻2 = 28,8 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1


(𝑐𝑟𝑖𝑠𝑡𝑎𝑙)
𝐶𝑃𝐶 = 8,5 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1

Resolução. A reação de deposição do carbono sólido (grafite) corresponde ao


inverso da reação de formação do metano a partir de carbono sólido e hidrogênio
molecular. Portanto, os valores de entalpia e energia de Gibbs padrão de reação
serão o negativo dos valores de formação do metano.
Com as informações dos valores de formação, calculamos inicialmente:
𝛥𝑟 𝐶𝑃𝑟𝑒𝑓 = 30,4 𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∙ 𝐾 −1
𝐾 [298,15 𝐾 ] = 1,420 × 10−9
𝐾 [800,0 𝐾 ] = 8,366 × 10−1
Observamos que a possibilidade de deposição é muito maior em
temperaturas mais altas.
Para o cálculo do estado de equilíbrio, precisamos considerar que, para a
reação em questão, monóxido de carbono, dióxido de carbono e água são inertes.
Eles participam do sistema, claro, mas não da reação especificamente, embora
alterem o equilíbrio ao alterar o estado do sistema. Escrevendo a relação de
equilíbrio:
2
(𝑦𝐻2 𝑃/𝑏𝑎𝑟)2
𝐾 [𝑇] = 𝑎𝐻 𝑎 𝑎−1 =
2 𝐶(𝑠) 𝐶𝐻4
𝑎 ( 11-33 )
(𝑦𝐶𝐻4 𝑃/𝑏𝑎𝑟) 𝐶(𝑠)
Consideremos uma base de cálculo de 1,0 mol de fase vapor. Nesse caso,
temos para a fase vapor:

Composto 𝑛0 /𝑚𝑜𝑙 𝑛/𝑚𝑜𝑙


𝐶𝐻4 0,124 0,124 − 𝜒
𝐻2 0,387 0,387 + 2𝜒
Inertes 0,489 0,489
Total 1,0 1,0 + 𝜒

Note que o carbono sólido está em uma fase separada, não sendo levado em
conta. Desse modo, caso o equilíbrio se estabeleça com o carbono sólido:
𝑦𝐻2 𝑃 2
( ) 𝑛𝐻2
𝑃
𝑏𝑎𝑟 2
[ ]
𝐾𝑇 = 𝑎𝐶(𝑠) = 𝑎𝐶 ( )
𝑦𝐶𝐻 𝑃 (𝑣𝑎𝑝𝑜𝑟)
𝑛𝐶𝐻4 𝑛𝑇
(𝑠)
𝑏𝑎𝑟
( 4 ) ( 11-34 )
𝑏𝑎𝑟
(0,387 + 2𝜒)2
⟹ 8,366 × 10−1 = (1,0)(10,0)
(0,124 − 𝜒)(1,0 + 𝜒)

Calculando o valor correspondente do grau de avanço, teríamos 𝜒 =


−0,131 𝑚𝑜𝑙 e 𝜒 = −0,256 𝑚𝑜𝑙. Valores negativos de grau de avanço não podem
ser desconsiderados a priori apenas por serem negativos. Deve-se notar que o
primeiro valor é perfeitamente compatível com a fase vapor, gerando quantidades
e composições significativas para esta fase, enquanto o segundo valor gera uma
quantidade de hidrogênio negativa. Entretanto, mesmo este valor é incompatível
com a fase sólida: para que a reação atinja o equilíbrio, seria necessário consumir
carbono sólido. Em outras palavras, não haverá deposição de carbono sólido em
virtude da decomposição do metano nessas condições: a reação não ocorrerá.

Exemplo 11-5. Como continuação do exemplo anterior, para a mesma composição


e a mesma pressão, em que temperaturas haveria deposição de carbono sólido?

Resolução. O início da deposição ocorreria na situação em que 𝜒 fosse igual a zero,


ou seja, tivéssemos o início da deposição. Nessa circunstância, teríamos que a
relação de equilíbrio seria igual a:
(0,387)2
𝐾 [𝑇] = (1,0)(10,0) = 1,208 × 101 ( 11-35 )
(0,124)(1,0)
Essa relação é satisfeita para 𝑇 = 990,0 𝐾 – portanto, uma temperatura bem
mais alta que no item anterior.

11.3. Reações com compostos em solução aquosa


Muitas reações acontecem com compostos dissolvidos em água – como, por
exemplo, reações envolvendo protonação e desprotonação de grupos (equilíbrio
ácido-base). Essas reações são muito importantes, entre outras razões, para a
análise de reações biológicas.
De modo geral, nesses casos o estado de referência para as espécies em
solução é o estado de referência da lei de Henry, mas com a concentração expressa
em unidades de molalidade:
𝑚𝑖 𝛾𝑖
𝑎𝑖 = ( 11-36 )
𝑚𝑜𝑙 ∙ 𝑘𝑔−1
Embora em princípio valham as mesmas técnicas que as vistas
anteriormente, em geral para equações em fase líquida a constante de equilíbrio já
é apresentada para reações químicas de forma ad hoc. Parte desse arcabouço é
visto em cursos introdutórios de Química Geral. Vamos apresentar apenas um
exemplo aqui, um pouco mais complexo, apenas como forma de lembrar alguns
conceitos específicos.

Exemplo 11-6. A reação de ionização do ácido acetil salicílico pode ser escrita
como:
−(𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂)𝐶6 𝐻4 𝐶𝑂𝑂𝐻 + (𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂)𝐶6 𝐻4 𝐶𝑂𝑂− + 𝐻 + = 0 ( 11-37 )
O equilíbrio dessa reação é expresso por meio do chamado 𝑝𝐾𝑎 , ou seja, o
cologaritmo decimal da constante de equilíbrio da reação de dissociação anterior:
𝑝𝐾𝑎 = −𝑙𝑜𝑔10 𝐾 ( 11-38 )
com os compostos do estado padrão da lei de Henry, e as concentrações expressas
em unidades de molalidade. Sabendo que o 𝑝𝐾𝑎 do grupo ácido carboxílico do
ácido acetil salicílico é 3,5, calcule o pH de uma solução formada pela dissolução de
1,8 g de ácido acetil salicílico em 1000 g de água. Assuma que os compostos são
suficientemente diluídos para que se possa considerar que o coeficiente de
atividade seja igual a 1,0.

Resolução. A massa molar do ácido acetil salicílico é 𝑀 = 180,0 𝑔 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1. Assim
sendo, tomando por base uma quantidade de 1,0 kg de água, teremos uma
quantidade inicial de AH (ou seja, a forma protonada) de 0,01 mol. Para o
equilíbrio, teríamos:

Composto 𝑛0 /𝑚𝑜𝑙 𝑛/𝑚𝑜𝑙


𝐴𝐻 0,01 0,1 − 𝜒
𝐴− 0 𝜒
𝐻− 0 𝜒

Estamos assumindo que a contribuição da auto-ionização da água, nesse


caso, é desprezível; depois poderemos verificar a pertinência dessa hipótese.
Escrevendo a relação de equilíbrio (deixando em função de 𝑛0 para ficar mais
geral):
𝑎𝐴− 𝑎𝐻+ 𝜒2
𝐾= = 0 ( 11-39 )
𝑎𝐴𝐻 𝑛 −𝜒
Essa é uma das razões para adotarmos uma base de cálculo de 1,0 kg de
água – a molalidade fica igual ao número de mols, o que facilita o cálculo. A
resolução da equação anterior resulta em:
−𝐾 + √𝐾 2 + 4𝐾𝑛0
𝜒= ( 11-40 )
2
A outra raiz leva a um valor de 𝜒 negativo, que nesse caso específico não
tem sentido físico. Resolvendo-se a equação acima, obtém-se 𝜒 = 1,63 × 10−3 𝑚𝑜𝑙.
Com isso, pode-se calcular o valor do 𝑝𝐻:
𝑝𝐻 = −𝑙𝑜𝑔10𝑎𝐻+ = 2,79 ( 11-41 )
Note-se que, como exemplo, uma solução dez vezes mais diluída teria um pH
de 3,37. Mesmo nesse último caso, a hipótese de que a contribuição da
autoionização da água seja desprezível é perfeitamente cabível.

Nesse tipo de sistemas, muitas informações vêm também da própria análise


dos dados experimentais. Vejamos o exemplo seguinte:

Exemplo 11-7. A solubilidade do ácido acetil salicílico pode também ser entendida
como um equilíbrio químico da forma:
−(𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂)𝐶6 𝐻4 𝐶𝑂𝑂𝐻(𝑠) + (𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂)𝐶6 𝐻4 𝐶𝑂𝑂𝐻(𝑎𝑞) = 0 ( 11-42 )
cuja constante de equilíbrio é 𝐾𝑆𝐿 . A solubilidade do ácido acetil salicílico em pH
3,5 é igual a 0,037 𝑚𝑜𝑙 ∙ 𝑘𝑔−1 . Estime a solubilidade do ácido acetil salicílico em pH
2,0.
Resolução. Nesse caso, a informação sobre a solubilidade fixa a atividade da forma
protonada em equilíbrio com a fase sólida. Entretanto, precisamos interpretá-la.
Vamos novamente considerar o equilíbrio:
𝑎𝐴− 𝑎𝐻+ 𝜒2
𝐾= = 0 ( 11-43 )
𝑎𝐴𝐻 𝑛 −𝜒
Considerando-se que tenhamos dissolvido 𝑛0 mols de ácido acetil salicílico
em 1,0 kg de água, teríamos o equilíbrio escrito como:
𝑎𝐴− 𝑎𝐻+ 𝜒
𝐾= = 10−𝑝𝐻 0 ( 11-44 )
𝑎𝐴𝐻 𝑛 −𝜒
considerando-se que 𝐾 = 10−𝑝𝐾𝑎 , teremos que:
𝜒 10−(𝑝𝐾𝑎 −𝑝𝐻)
= ( 11-45 )
𝑛0 1 + 10−(𝑝𝐾𝑎 −𝑝𝐻)
Essa equação é conhecida como equação de Henderson-Hasselbalch, e
permite que conheçamos a fração de moléculas ionizadas em função do pH.
A solubilidade da molécula é medida experimentalmente considerando-se
todas as formas em solução, protonada ou não. Dessa forma, o dado experimental
corresponde a uma quantidade inicial 𝑛0 = 0,037 𝑚𝑜𝑙. Usando a equação de
Henderson-Hasselbalch, tem-se que, nesse caso, 𝜒 = 0,0185 𝑚𝑜𝑙. Esse valor é
metade da quantidade inicial: isso não é coincidência, pois essa solubilidade foi
determinada em uma situação em que 𝑝𝐻 = 𝑝𝐾𝑎 , que corresponde à situação em
que metade dos grupos estão protonados.
Com isso, obtém-se:
𝑎𝐴𝐻 = 0,0185 ( 11-46 )
Esse valor deve ficar constante, sempre que houver uma fase sólida em
equilíbrio: se existe uma fase sólida presente, sua atividade é constante igual a 1,0;
portanto, a atividade da mesma forma em fase líquida também deve ser constante:
𝑎𝐴𝐻(𝑎𝑞) = 𝐾𝑆𝐿 𝑎𝐴𝐻(𝑠) ⇒ 𝐾𝑆𝐿 = 0,0185 ( 11-47 )
Para o cálculo em pH 2,0, o valor do pH (que pode ser alterado, por exemplo,
pela adição de um tampão) fixa a atividade do íon 𝐻 +:
𝑎𝐻+ = 10−𝑝𝐻 = 0,01 ( 11-48 )
Com isso, pode-se calcular a atividade da forma desprotonada pela relação
de equilíbrio:
𝑎𝐴𝐻
𝑎𝐴− = 𝐾 = 5,85 × 10−4 ( 11-49 )
𝑎𝐻+
A solubilidade, portanto, é igual nesse caso à soma das quantidades das
formas protonada e desprotonada em solução, ou seja, 0,0191 𝑚𝑜𝑙 ∙ 𝑘𝑔−1 . Note-se
que esse valor é bem menor do que a solubilidade em pH 3,5. Na verdade, pode-se
prever que quanto menor o pH, tanto menor será a solubilidade – e inversamente,
um aumento do pH aumentará a solubilidade.

Para referência, os dados relativos ao ácido acetil salicílico dos exemplos


dessa seção foram obtidos de Dressman et al., J. Pharm. Sci., 101, 2653-2657, 2012.

11.4. Reações com compostos em fase líquida


Um último exemplo de cálculo de equilíbrio é o equilíbrio de reações em
fase líquida. Tais reações são muitas vezes conduzidas em reatores do tipo “tanque
agitado”, cujo nome é, em certo sentido, autoexplicativo.
Uma das grandes dificuldades do cálculo de equilíbrio em fase líquida está
justamente em levar em conta a não-idealidade no cálculo do equilíbrio. Sabemos
que a não-idealidade é, por vezes, importante, mas a determinação dessa não-
idealidade é difícil por conta da própria ocorrência da reação química. Nesse caso,
muitas vezes parâmetros de modelos determinados para sistemas binários são
extrapolados para sistemas multicomponente.
O exemplo apresentado a seguir é simplificado, mas ilustra o procedimento
geral de cálculo e, principalmente, mostra de que maneira se pode acoplar o
balanço de energia ao cálculo do equilíbrio.

Exemplo 11-8. Seja a reação de formação do acetato de etila em fase líquida a


partir da reação de ácido acético e etanol:
−𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂𝐻 − 𝐶𝐻3 𝐶𝐻2 𝑂𝐻 + 𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂𝐶2 𝐻5 + 𝐻2 𝑂 ( 11-50 )
Essa reação é catalisada pela presença de ácido sulfúrico dissolvido no
etanol. Um reator é alimentado com etanol e ácido acético na proporção (molar) de
2:1. Calcule a composição de equilíbrio na temperatura de 400,0 K. Se os reagentes
são alimentados exatamente nessa temperatura, quanto calor precisa ser trocado
por mol de ácido acético alimentado?
Considere que a fase líquida se comporta como uma mistura ideal – uma
hipótese altamente questionável nesse caso, para dizer o mínimo.

Resolução. Vamos considerar os valores de formação a 298,15 K para os


compostos em fase líquida obtidos do apêndice A.IV do livro de Sandler, Chemical,
Biochemical and Engineering Thermodynamics, 4th ed.

Composto ∆𝑓 𝐻𝑖 / 𝑘𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ∆𝑓 𝐺𝑖 / 𝑘𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1


𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂𝐻 –484,5 –389,9
𝐶𝐻3 𝐶𝐻2 𝑂𝐻 –277,7 –174,8
𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂𝐶2 𝐻5 –463,3 –318,4
𝐻2 𝑂 –285,8 –237,1

Com esses valores, é possível calcular os valores de energia de Gibbs e


entalpia de reação:
𝛥𝑟 𝐺 𝑟𝑒𝑓 [298,15𝐾 ] = 9,20 𝑘𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ( 11-51 )
𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 [298,15𝐾 ] = 13,10 𝑘𝐽 ∙ 𝑚𝑜𝑙 −1 ( 11-52 )
Vamos considerar que o valor de 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 não dependa da temperatura. A
partir desses valores, calculamos o valor da constante de equilíbrio:
𝐾 [298,15 𝐾 ] = 2,444 × 10−2 ( 11-53 )
𝐾 [400,0 𝐾 ] = 9,387 × 10−2 ( 11-54 )
O balanço de massa em fase líquida é simples. Considerando-se uma base de
cálculo de 1,0 mol de ácido acético:
Composto 𝑛0 /𝑚𝑜𝑙 𝑛/𝑚𝑜𝑙
𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂𝐻 2 2−𝜒
𝐶𝐻3 𝐶𝐻2 𝑂𝐻 1 1−𝜒
𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂𝐶2 𝐻5 0 𝜒
𝐻2 𝑂 0 𝜒
Total 3 3

A reação acontece com conservação do número de mols. A relação de


equilíbrio pode ser escrita:
𝜈𝑗 −1
𝐾 [𝑇] = ∏ 𝑎𝑗 = 𝑎𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂𝐶2 𝐻5 𝑎𝐻2 𝑂 𝑎𝐶𝐻 𝑎−1
3 𝐶𝑂𝑂𝐻 𝐶𝐻3 𝐶𝐻2 𝑂𝐻 ( 11-55 )
𝑗

Substituindo as atividades pelas frações molares respectivas (pela


consideração de fase líquida ideal), e considerando que a reação acontece com
conservação do número de mols, tem-se:
𝜒2
𝐾 [𝑇] = ( 11-56 )
(1 − 𝜒)(2 − 𝜒)
A solução com significado físico dessa equação fornece 𝜒 = 0,3256 𝑚𝑜𝑙 ; a
solução sem significado físico é 𝜒 = −0,6364 𝑚𝑜𝑙 – lembrando sempre que não é o
fato de 𝜒 ser negativo que faz com que a solução seja espúria, mas o fato de que ela
resulta em quantidades negativas de alguns dos compostos presentes.
Finalmente, à pergunta sobre o calor trocado, a resposta é simples: o calor
trocado deve ser igual à diferença entre as entalpias final e inicial:
𝑄 = 𝐻 [𝑇, 𝑃, 𝒏] − 𝐻[𝑇, 𝑃, 𝒏0 ] ( 11-57 )
sendo que ambas as correntes, nesse caso, estão à mesma temperatura. Usando as
equações desenvolvidas no exemplo 11.3 para a entalpia de uma corrente, temos:
𝑄 = 𝜒(𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 [𝑇]) ( 11-58 )
Como a base de cálculo é de 1,0 mol de ácido acético alimentado, tem-se
diretamente que 𝑄 = 4,26 𝑘𝐽 – lembrando que o valor de 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓 foi considerado
constante, independente da temperatura. Portanto, essa quantidade de calor deve
ser fornecida ao meio reacional.
Em um cálculo mais realista, seria necessário calcular a variação de 𝛥𝑟 𝐻 𝑟𝑒𝑓
com a temperatura e, eventualmente, incluir os valores de 𝛥𝑚𝑖𝑠 𝐻 no cálculo.

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