Você está na página 1de 14

NUTRIÇÃO

CLÍNICA
Vanessa Cristina de Oliveira Lima
Patologia da nutrição
e dietoterapia nas
enfermidades do
aparelho digestório
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„ Explicar a fisiologia do aparelho digestório.


„ Identificar as principais doenças do aparelho digestório e os fatores
de risco associados.
„ Reconhecer os cuidados nutricionais básicos nas enfermidades do
aparelho digestivo.

Introdução
A manutenção da vida humana depende do fornecimento constante
de energia. Nosso organismo evoluiu de modo a obter nutrientes de
diferentes tipos de matrizes orgânicas, nos tornando seres onívoros e,
consequentemente, adaptáveis a disponibilidade de diferentes alimentos.
Essa capacidade adaptativa veio do desenvolvimento de um complexo
sistema digestivo capaz de obter energia de fontes alimentares variadas,
por meio da especialização de tecidos e órgãos, e a produção de sucos
digestivos. Por ser um sistema tão essencial para sobrevivência humana, é
de se esperar que perturbações nesse sistema mereçam cuidados redo-
brados, sendo o próprio fornecimento de alimentos um fator simultâneo
de proteção e de cuidado.
Neste capítulo, você vai aprofundar os conhecimentos nutricionais
básicos para o cuidado com as enfermidades do aparelho digestivo.
2 Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório

O aparelho digestório
Os nutrientes são essenciais aos processos de crescimento, desenvolvimento,
reprodução e manutenção da vida. A captação de energia do meio externo,
obtida por meio dos alimentos, e sua respectiva incorporação ao meio interno é
um processo essencial, que nos permite a constante renovação da maioria dos
nossos tecidos. Em seres humanos, assim como em muitos outros animais, essa
função é realizada por uma série de órgãos que atuam de forma especializada
e orquestrada, formando em conjunto o aparelho digestório. Por meio de uma
série de processos, o aparelho digestório reúne três funções primordiais: a
ingestão, a digestão e a absorção de alimentos, transformando-os assim em
pequenas partículas capazes de transpassar as barreiras celulares, chegando
a corrente sanguínea e em seguida nos demais tecidos (MAHAN; SCOTT-
-STUMP, 2012).
O trato digestório e os órgãos anexos constituem o aparelho digestório
(Figura 1). Anatomicamente, o trato digestório é um tubo oco, que se estende da
cavidade bucal ao ânus. As estruturas que compõem o trato digestório incluem
boca, faringe, esôfago, estômago, intestino delgado, intestino grosso, reto e
ânus. Os órgãos acessórios do aparelho digestório são os dentes, a língua, as
glândulas salivares, o fígado, vesícula biliar e o pâncreas. Apesar de ser um
tubo contínuo, as diferentes estruturas do aparelho digestório são separadas
entre si de maneira física, devido à presença de esfíncteres ao longo desse
tubo controlando a passagem de alimentos; e de maneira funcional, verificada
pelas diferentes funções exercidas em cada estrutura nos processos de digestão/
absorção (TORTORA; GRABOWSKI, 2002).
Apesar das diferenças entre as mucosas de cada estrutura do aparelho
digestório, de forma geral há quatro tipos de tecido que revestem esse tubo,
sendo eles: a camada mucosa, o revestimento mais interno; a camada submu-
cosa, o revestimento intermediário; a camada muscular; e a camada serosa,
o revestimento mais externo. A camada mucosa é composta por uma camada
simples de epitélio e está em contato direto com o conteúdo do trato gas-
trintestinal. Abaixo da camada epitelial da mucosa, está o tecido conjuntivo
areolar e uma fina camada de músculo liso, chamada de lâmina muscular da
mucosa. Essa fina camada de músculo liso é responsável pela formação de
pregas na camada mucosa. Essas estruturas aumentam a área de superfície
absortiva desse tecido. A camada mucosa possui ainda células glandulares
da mucosa, as quais secretam muco, enzimas e sucos digestivos. A camada
adjacente, (camada submucosa), consiste no elo entre a camada mucosa e a
camada muscular. Nessa camada está presente um complexo sistema vas-
Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório 3

cular formado por vasos sanguíneos e linfáticos que atuam no processo de


absorção dos nutrientes oriundos da digestão. Além disso, um sistema de
nervos controla a atividade das células secretoras da mucosa (JUNQUEIRA;
CARNEIRO, 2008).
A camada muscular adjacente consiste numa camada espessa de músculo
liso com fibras musculares dispostas e dois estratos: um estrato interno de
fibras dispostas de maneira circular e outro estrato mais externo, disposto
de forma longitudinal. Devido à inervação do sistema nervoso autônomo, a
camada muscular possui contrações involuntárias que auxiliam fisicamente a
digestão do alimento, misturando com as secreções digestivas e propelindo o
alimento pelo trato digestivo. A exceção a essa predominância da musculatura
lisa é a porção superior do aparelho digestório. Na boca, na faringe e na parte
superior do esôfago, está presente uma camada de músculo estriado esquelético
com capacidade para produzir a deglutição voluntária. Por fim, a camada
serosa, formada por um tecido epitelial e conjuntivo, reveste externamente o
aparelho digestório, além de produzir um líquido seroso, que permite ao trato
deslizar facilmente contra outros órgãos (JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2008).
O aparelho digestório secreta diariamente um volume de aproximadamente
nove litros de sucos digestivos. A composição desses sucos varia de acordo
com o local de secreção, contribuindo de diferentes modos para o processo
digestivo. A secreção começa na boca, em que ocorre uma produção diária
de cerca de 2 litros de saliva. A saliva é produzida pelas glândulas salivares e
tem por função umedecer o bolo alimentar. No estômago é secretado o suco
gástrico, uma secreção ácida, rica em ácido clorídrico que além de desnaturar
as proteínas da alimentação, promove um pH ideal para a ação das enzimas
digestivas desse órgão e atua na defesa do organismo, eliminando possíveis
microrganismos que porventura estejam presentes no alimento. No intestino,
uma solução rica em bicarbonato de sódio é secretada pelo pâncreas, auxiliando
a aumentar o pH do bolo alimentar oriundo do estômago, promovendo a ativi-
dade das enzimas que ali atuam e necessitam de pH mais básico. No intestino
também é secretada a bile, solução rica em pigmentos e colesterol que auxilia
no processo de digestão não enzimática das gorduras. Além dessas secreções
fluidas, células especializadas ao longo da mucosa do aparelho digestivo
secretam o muco, uma substância viscosa que adere a mucosa, protegendo
de agressões físicas e químicas provenientes da alimentação e da digestão.
Na digestão promovida pelo aparelho digestório, os alimentos, compostos
por macromoléculas, são reduzidos a unidades menores, passíveis de serem
absorvíveis pela mucosa do trato gastrintestinal. Esse processo se inicia na
boca, com a particulação física do alimento. O restante do processo é feito
4 Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório

por enzimas digestivas. Na boca são secretadas a lipase lingual e a amilase


salivar, que digerem superficialmente carboidratos e lipídeos. Em seguida, no
estômago, a pepsina é responsável pela maior parte da digestão de proteínas.
Já no intestino delgado, ocorre a parte mais complexa e minuciosa da digestão.
Ali são produzidas pela porção exócrina do pâncreas uma série de enzimas,
destacando a lipase e a amilase pancreática, a tripsina e a quimotripsina. Em
conjunto, essas enzimas irão atuar em carboidratos, lipídeos e proteínas, o
que os reduz a oligoelementos. Além da função absortiva, a mucosa do in-
testino delgado possui em suas vilosidades, chamada de membrana de borda
em escova, uma série de enzimas que finalizam o processo de redução dos
alimentos a seus constituintes mais elementares, possibilitando sua absorção
e transporte pela corrente sanguínea (SILVERTHORN, 2010).

Na prática

Veja em realidade aumentada a disposição dos órgãos internos presentes na cavidade


torácica e abdominal.

Aponte para o QR code ou acesse o link


https://goo.gl/zoQXts para ver o recurso.

Doenças do aparelho digestório e fatores de


risco associados
As doenças gastrintestinais são aquelas que afetam qualquer seção do trato
gastrintestinal, do esôfago ao reto, e os órgãos digestivos acessórios como
fígado, vesícula biliar e pâncreas. O termo engloba transtornos agudos, crô-
nicos, recorrentes ou funcionais e cobre uma gama de doenças, incluindo
gastrites, cânceres, doença inflamatória intestinal e dispepsia funcional. Entre
os problemas de saúde, as doenças do trato gastrintestinal figuram entre os
problemas mais comuns. A pesquisa dessas doenças passa por análise da
história clínica, sintomas, alterações bioquímicas e físicas observadas por
Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório 5

exames de imagem como endoscopias digestivas. As doenças que comumente


afetam o aparelho digestório são: esofagite, hérnias, fístulas, cânceres, doenças
inflamatórias intestinais e distúrbios gastrintestinais funcionais. Os distúrbios
gastrintestinais funcionais são um subgrupo específico de doenças do trato
gastrintestinal. Constituem uma gama de distúrbios do trato gastrintestinal
para os quais não há anormalidades estruturais ou bioquímicas que possam
ser encontradas para explicar os sintomas. Exemplos incluem síndrome do
intestino irritável, constipação e dispepsia funcional. O critério diagnóstico
das doenças gastrintestinais funcionais baseia-se em sintomas, o que por
muito tempo causou descrença quanto à existência dessas doenças, sabendo
pouco sobre a fisiopatologia delas. Até que, em 1980, a partir da publicação
do primeiro consenso de Roma para doenças funcionais gastrintestinais,
um consenso de especialistas reunidos no XIII Congresso Internacional de
Gastroenterologia em Roma, desenvolveram os “critérios de Roma”, uma
forma de uniformizar os conceitos e padronizar os critérios diagnósticos das
doenças gastrintestinais funcionais, uma vez que elas podem reunir sintomas
em comum (CHANG, 2004).
Um grupo comum e grave de doenças que afetam o aparelho digestório são
as alterações malignas. O câncer gastrintestinal caracteriza-se pela localização
no trato digestório, acometendo com maior incidência o cólon, reto, estômago,
cavidade oral e esôfago. Segundo a Organização Mundial de Saúde, os cân-
ceres colorretais e de estômago, em 2015, levaram respectivamente 774.000
e 754.000 de pessoas no mundo a óbito. Os cânceres no aparelho digestório
levam a graves implicações nutricionais e na composição corporal. A perda de
peso não intencional ocorre em cerca de 49 a 74% dos pacientes com câncer
e está relacionada com a localização primária do tumor. A atividade tumoral
resultante da invasão do tumor no trato digestivo ou por anomalias presentes
na mucosa resulta em perturbações na absorção de nutrientes e no esvazia-
mento gástrico. Em estados mais avançados da doença, o desenvolvimento da
síndrome da caquexia-anorexia por aumento da atividade tumoral e produção
de citocinas inflamatórias leva ao aumento do gasto energético em consonância
com o aumento da saciedade (DAMO et al., 2016).
Outro grupo de doenças que afetam o aparelho digestório são as doenças
inflamatórias. Elas se concentram principalmente no intestino, e entre elas
podemos destacar a doença de Crohn e a retrocolite ulcerativa. As doenças
inflamatórias intestinais vêm ganhando atenção devido à tendência mundial
para o aumento da incidência, não apenas em países desenvolvidos, em torno de
50 a 70 casos/1.000.000 por ano, mas também em países em desenvolvimento,
como ocorre na América do Sul. Atribui-se o rápido aumento da prevalência
6 Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório

dessas doenças inflamatórias intestinais nos países em desenvolvimento ao


estilo de vida ocidental atrelada aos fatores ambientais. No Brasil, não há um
levantamento a respeito do número de pacientes diagnosticados com doenças
inflamatórias intestinais, porém é possível perceber a preocupação da comu-
nidade científica com a manifestação dessas doenças devido ao aumento do
número de achados epidemiológicos (BELÉM; ODA, 2015).
Muitos agentes podem atuar como potenciais promotores para as doenças
do aparelho digestivo, sejam elas crônicas ou agudas. A despeito do tipo de
doença, a maior parte delas reúne alguns fatores de risco comuns relacionados
ao estilo de vida. São eles:

„ tabagismo: uma série de estudos forneceu evidências de que o tabagismo


é uma das principais causas de distúrbios gastrintestinais, que incluem
inflamação crônica, como úlceras pépticas e doença inflamatória intesti-
nal, e cânceres. Os fumantes parecem ser mais propensos a desenvolver
doenças inflamatórias intestinais e cânceres, principalmente da porção
alta do sistema digestivo, como boca, faringe e esôfago. O cigarro pode
causar distúrbios como aumento da secreção de suco gástrico, redução
da secreção pancreática e aumento da produção de radicais livres.
„ álcool: o álcool pode interferir com a estrutura, bem como a função dos
segmentos do trato gastrintestinal. O consumo de grandes quantidades
de bebidas alcoólicas leva a distúrbios na absorção intestinal de nutrien-
tes, incluindo várias vitaminas. A inibição da absorção de sódio e água,
causada pelo álcool, contribui para o desenvolvimento de alterações no
trânsito intestinal, assim como o relaxamento dos esfíncteres pode causar
retorno das secreções, gerando pirose. Um único episódio de consumo
excessivo pode resultar em erosões duodenais, hemorragias e lesões
mucosas no jejuno superior. O dano da mucosa causado pelo álcool
aumenta a permeabilidade do intestino às macromoléculas, aumentando
a exposição da mucosa a toxinas bacterianas ou de outros organismos.
„ dieta: a alimentação constitui o principal meio de contato entre o trato
gastrintestinal e o meio externo. Aditivos alimentares e insumos uti-
lizados em sua produção, como conservantes, realçadores de sabor
ou mesmo agrotóxicos, podem elevar o risco de desenvolvimento de
algumas doenças. Além disso, uma dieta pobre em frutas, legumes
e verduras pode desencadear perturbações no trânsito intestinal, no
equilíbrio da flora microbiana e na baixa disponibilidade de nutrien-
tes que podem potencialmente proteger o trato gastrintestinal contra
agentes agressores.
Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório 7

Fatores psicológicos e doenças no aparelho digestivo


Há fortes evidências de que as doenças do aparelho digestório possuem estreita relação
com fatores psicológicos. É comum que processos de exacerbações tenham como
gatilhos agentes estressores, sintomas de ansiedade e depressão. Essas alterações do
bem-estar mental são presença marcante em doenças como as doenças inflamatórias
intestinais e alguns distúrbios funcionais como constipação e dispepsia. Apesar das
controvérsias na literatura científica de como esses fatores psicológicos influenciam,
há um consenso de que o estresse e a ansiedade desempenham importante papel
no curso das doenças do aparelho digestório. É importante ressaltar que os fatores
emocionais não devem ser considerados como a causa das doenças, mas sim como
condições agravantes do quadro. Estudos recentes sugerem que as conexões nervosas
entre o cérebro e o intestino estimulem liberação de moléculas inflamatórias e de
alguma forma alterem a composição da microbiota. Dessa forma, a intervenção mul-
tidisciplinar é fundamental quando um viés emocional é detectado nesses pacientes.

Cuidados nutricionais nas doenças do aparelho


digestório
A dietoterapia nas enfermidades que afetam o aparelho digestório constitui
uma ferramenta de redução de sintomatologia/tratamento durante doenças
agudas ou exacerbações de doenças crônicas, e de manutenção de um sis-
tema digestivo saudável ou em remissão de alguma enfermidade crônica. As
condutas nutricionais também buscam preservar o estado nutricional, con-
tornando as alterações que se manifestam em decorrência dessas doenças. As
recomendações de macronutrientes são moduladas de acordo com a patologia.
É comum que as alterações do trato gastrintestinal causem sintomas, como
náusea, vômitos, dor, saciedade precoce e distensão gástrica. A relação dos
sintomas com alimentos não é padronizada, cabe ao profissional acompanhar
a tolerância do paciente a cada um deles. Alguns nutrientes merecem atenção
especial nessas doenças, são eles:

„ fibra alimentar: a fibra alimentar são as partes comestíveis de plan-


tas que são resistentes à digestão e consequentemente a absorção no
intestino delgado de humanos, sendo fermentadas de modo completo
ou parcial no intestino grosso. A fibra alimentar inclui polissacarídeos
vegetais, como celulose, hemiceluloses, pectinas, gomas e mucilagens,
oligossacarídeos e lignina. As fibras podem ser classificadas de acordo
8 Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório

com a solubilidade em água de seus componentes em fibras solúveis


e fibras insolúveis. As fibras solúveis incluem a maioria das pectinas,
gomas, mucilagens e hemiceluloses e podem ser encontradas em frutas,
farelo de aveia, cevada e leguminosas (feijão, lentilha, ervilha e grão de
bico). A fibra insolúvel é responsável pelo aumento do tempo de trânsito
intestinal e está relacionada à diminuição do esvaziamento gástrico.
No cólon, essas fibras são fermentadas pelas bactérias da microbiota
intestinal, produzindo ácidos graxos de cadeia curta (acético, butírico e
propiônico). Esses ácidos graxos são responsáveis por regular algumas
funções específicas no intestino, entre elas:
■  proliferação e diferenciação das células da mucosa do cólon;
■  aumentar o fluxo de sangue e produção de muco;
■  constituir a principal fonte energética para os colonócitos;
■  manter um ambiente com o pH ideal para o equilíbrio da microflora
intestinal;
■  estimular a absorção de sódio e água;
■  produzir efeitos benéficos sobre o metabolismo de lipídeos e
carboidratos;
■  estimular a secreção pancreática e de outros hormônios.

Essas características fazem com que essas fibras possam auxiliar em


alterações, como diarreias, desequilíbrios na microbiota e no processo de rege-
neração do epitélio intestinal. Além disso, uma dieta rica nesse tipo de fibra é
capaz de evitar todos esses tipos de alterações. No suporte nutricional enteral,
a presença de fibras solúveis é fundamental para o trofismo gastrintestinal e
redução da frequência de intercorrências como diarreia. Já as fibras insolúveis
não sofrem fermentação ou se dão de forma muito lenta. As fibras insolúveis
contribuem para o aumento do volume do bolo fecal e redução do tempo de
trânsito intestinal. Incluem a celulose, a lignina e algumas hemiceluloses e
mucilagens. São encontradas em maior quantidade no farelo de trigo, nos ce-
reais integrais e seus produtos, nas raízes e nas hortaliças. As fibras insolúveis
aumentam o volume fecal devido ao acúmulo de massa bacteriana durante
sua degradação. A matéria fecal obtida estimula o peristaltismo intestinal e
aumenta a frequência de evacuações, sendo o tipo de fibra mais indicado para
o tratamento da constipação intestinal, quando aliada a um consumo ideal de
água (CATALANI et al., 2003).
Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório 9

„ probióticos, prébioticos e simbióticos: os probióticos são microrganismos


vivos, administrados em quantidades adequadas com o objetivo de
conferir benefícios à saúde do hospedeiro. Entre os vários benefícios que
os probióticos geram sobre a microbiota intestinal humana, citamos os
fatores, como efeitos antagônicos, competição e efeitos imunológicos,
resultando em aumento da resistência contra outros patógenos. Assim, a
utilização de probióticos estimula a multiplicação de bactérias benéficas,
inibindo à proliferação de bactérias potencialmente prejudiciais, refor-
çando os mecanismos naturais de defesa do hospedeiro. Já os prebióticos
são componentes alimentares não digeríveis que afetam beneficamente
o hospedeiro, por estimularem seletivamente a proliferação ou atividade
de populações de bactérias desejáveis no cólon, servindo de substrato
para o crescimento delas e adicionalmente, podem inibir a proliferação
de bactérias patogênicas, garantindo benefícios adicionais à saúde do
hospedeiro. Esses componentes atuam mais frequentemente no intes-
tino grosso, embora eles possam ter também algum impacto sobre os
microrganismos do intestino delgado. Por sua vez, um produto referido
como simbiótico constitui uma combinação de um probiótico e um
prebiótico. As cepas bacterianas mais frequentemente unitizadas como
probióticas em alimentos são as pertencentes aos gêneros Lactobacillus
e Bifidobacterium e, em menor escala, Enterococcus faecium, uma vez
que elas têm sido isoladas de todas as porções do trato gastrintestinal do
humano saudável. Os probióticos, prebióticos ou mesmo os simbióticos
podem ser utilizados em algumas enfermidades do aparelho digestório,
principalmente aquelas em que ocorre um desequilíbrio da microbiota
(SAAD, 2006). Os principais benefícios à saúde do hospedeiro atribuídos
à ingestão desses suplementos são:
■  equilíbrio da microbiota intestinal;
■  recuperação da microbiota intestinal após o uso de antibióticos;
■  resistência gastrintestinal à colonização por bactérias patogênicas;
■  diminuição da população de bactérias patogênicas por meio da produ-
ção de ácidos, bacteriocinas e de outros compostos antimicrobianos;
■  auxílio na digestão da lactose em indivíduos com intolerância;
■  melhora em alguns quadros de constipação;
■  aumento da absorção de minerais e produção de vitaminas.
„ carboidratos fermentáveis: apesar de serem uma fonte essencial de
energia, alguns tipos de carboidratos podem piorar sintomas de algumas
enfermidades do aparelho digestório, principalmente do intestino. É
o caso dos carboidratos conhecidos como FODMAPs (Fermentable
10 Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório

Oligosaccharides, Disaccharides, Monosaccharides e Polyols). Esses


carboidratos são representados por monossacarídeos, dissacarídeos,
oligossacarídeos e polióis e são carboidratos de cadeia curta mal absor-
vidos, principalmente se consumidos em excesso. A alta osmolaridade
desses FODMAPs atrai muita água para o intestino delgado e pode
desencadear quadros de diarreia, mas ao mesmo tempo são rapidamente
fermentados por bactérias no intestino grosso, podendo desencadear
sintomas, como distensão abdominal, flatulência e cólica abdominal.
Para muitas enfermidades do sistema digestivo, principalmente as
que levam ao desenvolvimento dos sintomas citados, a redução de
FODMAPs da dieta reduz pela metade as queixas em cerca de 75%.
Os FODMAPS podem ser encontrados em diferentes tipos de alimen-
tos, como algumas frutas, verduras, leguminosas e alguns cereais.
Um carboidrato fermentável em especial é a lactose, carboidrato cuja
intolerância pode ser um fator isolado, como na intolerância à lactose,
ou associado a outras enfermidades gastrintestinais, como diarreias
crônicas e processos inflamatórios da mucosa intestinal (HALMOS
et al., 2014).
„ alimentos irritantes: alguns alimentos causam perturbação na mucosa
do trato gastrintestinal. Essa irritação pode ser direta ou indireta, por
aumentar a secreção ácida no estômago. Os alimentos podem irritar por
alterações bruscas de temperaturas em relação à temperatura corporal,
ou seja, por estarem muito quentes ou muito frios. Além disso, alguns
tipos de temperos podem irritar diretamente a mucosa, como pimentas,
mostarda e temperos prontos ricos em sódio. Esses alimentos também
podem irritar a mucosa de forma indireta através da estimulação da
secreção gástrica. Alimentos que estimulam a secreção gástrica são os
que possuem cafeína, como chás, café, chocolates e refrigerantes de
cola. Algumas frutas cítricas podem ser potencialmente irritantes para
a mucosa das porções superiores do aparelho digestório, uma vez que
essas estruturas possuem um sistema de defesa mais simples. Produtos
ricos em corantes e conservantes, como sucos em pó e salgadinhos
também podem levar a irritação da mucosa. O uso crônico de gomas de
mascar, também é nocivo, uma vez que a mastigação também estimula
a secreção ácida (MAHAN; SCOTT-STUMP, 2012).
Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório 11

Além da atenção com os nutrientes que possuem efeito regulatório, o manejo


nutricional dos sintomas gastrintestinais associados às doenças do aparelho
digestório é essencial para promover conforte ao paciente. O Quadro 1 traz
os principais sintomas gastrintestinais observados nas doenças do aparelho
digestório e algumas orientações nutricionais.

Quadro 1. Principais sintomas gastrintestinais e orientações nutricionais.

Sintomas Orientação nutricional

Náusea e vômito Reduzir o tamanho das refeições, evitando a


ingestão de líquidos durante a alimentação.
Evitar alimentos gordurosos e preferir
alimentos cítricos, secos ou gelados.

Diarreia Evitar alimentos gordurosos e açucarados. Preferir


alimentos constipantes (biscoito água e sal, mingau de
maisena) e frutas sem casca e ingerir bastante líquidos.

Flatulência Evitar falar durante as refeições, comer devagar e


mastigar bem os alimentos. Evitar alimentos flatulentos,
como condimentos picantes, batata-doce, couve-flor,
repolho, mostarda, feijão e ovos.

Constipação Ingerir bastante líquidos e preferir alimentos ricos em


fibras como cereais integrais; frutas, como mamão,
laranja com bagaço, ameixa, tangerina e verduras
(agrião, alface, acelga, brócolis, espinafre, couve, etc.).

BELÉM, M. O.; ODA, J. Y. Doenças Inflamatórias Intestinais: Considerações Fisiológicas


E Alternativas Terapêuticas. Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR, Umuarama, v.
19, n. 1, p. 73-79, 2015.
CATALANI, L. A. et al. Fibras alimentares. Revista Brasileira de Nutrição Clínica, São Paulo,
v. 18, n. 4, p. 178-182, 2003.
CHANG, L. Epidemiology and quality of life in functional gastrointestinal disorders.
Alimentary pharmacology & therapeutics, USA, v. 20, n. s7, p. 31-39, 2004.
12 Patologia da nutrição e dietoterapia nas enfermidades do aparelho digestório

DAMO, C. C. et al. Câncer gastrintestinal: impacto nutricional em pacientes hospi-


talizados. Revista Brasileira de Nutrição Clínica, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 232-236, 2016.
HALMOS, E. P. et al. A diet low in FODMAPs reduces symptoms of irritable bowel
syndrome. Gastroenterology, Coreia, v. 146, n. 1, p. 67-75, 2014.
JUNQUEIRA, L. C. U.; CARNEIRO, J. Histologia básica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2008.
MAHAN L. K.; SCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J. L. Krause: alimento, nutrição e dietote-
rapia. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
SAAD, S. M. I. Probiotics and prebiotics: the state of the art. Revista Brasileira de Ciências
Farmacêuticas, São Paulo, v. 42, n. 1, p. 1-16, 2006.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
TORTORA, G. J.; GRABOWSKI, S. R. Princípios de anatomia e fisiologia. 9. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

Leituras recomendadas
BODE, C.; BODE, J. C. Effect of alcohol consumption on the gut. Best Practice & Research
Clinical Gastroenterology, New York, v. 17, n. 4, p. 575-592, 2003.
CAMBUI, Y. R. S.; NATALI, M. R. M. Doenças inflamatórias intestinais: revisão narrativa
da literatura. Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba, Sorocaba, v. 17, n.
3, p. 116-119, 2015.
CUPPARI, L. Nutrição: clínica no adulto. 3. ed. Barueri, SP: Manole, 2013. (Guias de
medicina ambulatorial e hospitalar da EPM-UNIFESP).
GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de fisiologia médica. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2006.
LI, L. F. et al. Cigarette smoking and gastrointestinal diseases: the causal relationship
and underlying molecular mechanisms. International Journal of Molecular Medicine,
Atenas, v. 34, n. 2, p. 372-380, 2014.

Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-
cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade
sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.

Você também pode gostar