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Publicidade infantil, regulação estatal e formação


de valores em prol do consumo consciente

Advertising to children, state regulation and value formation


consolidation for the conscious consumption

João Pedro Schmidt


Pós-Doutorado pela George Washington University, GWU, Estados Unidos. Doutor em Ciência
Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. Docente do PPGD/Unisc.
jpedro@unisc.br

Alex Silva Gonçalves


Mestre em Direito pela Unisc. Docente da graduação e pós-graduação
pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP.
dralexgoncalves@hotmail.com

Recebido em: 26.04.2017


Pareceres: 12.07.2017 e 20.09.2017

Áreas do Direito: Consumidor; Infância e Juventude

Resumo: Este artigo trata de publicidade dirigida Abstract: This article deals with advertising ai-
às crianças e adolescentes. Seu ponto de partida med at children and adolescents. Its starting
são os impactos negativos ocasionados no públi- point is the negative impacts caused to them
co infantil em decorrência da publicidade, como: by publicity, such as family stress, childhood
estresse familiar, obesidade infantil, erotização obesity, premature erotization, violence and al-
precoce, violência e alcoolismo. A publicidade coholism. Abusive advertising is characterized as
abusiva é caracterizada como um elemento da an element of consumer society. Confront this
sociedade de consumo. O enfrentamento dessa situation necessarily involves improving public
situação passa, necessariamente, pelo aprimo- policies for the protection of children, including
ramento das políticas públicas de proteção da stricter state regulation, the creation of a body
infância, incluindo uma regulamentação estatal for the purpose of police oversight and power,
mais rígida, a criação de um órgão com a finali- and community action to conscious consump-
dade específica de fiscalização e poder de polícia tion. The basic theory used is communitarianism,
e pela ação da comunidade na formação de va- especially the thinking of Etzioni and Barber. The
lores em prol do consumo consciente. A teoria de research technique is bibliographical.
base utilizada é o comunitarismo, especialmente
o pensamento de Etzioni e Barber. A técnica de
pesquisa é bibliográfica.

Schmidt, João Pedro; Gonçalves, Alex Silva.


Publicidade infantil, regulação estatal e formação de valores em prol do consumo consciente.
Revista de Direito do Consumidor. vol. 114. ano 26. p. 147-175. São Paulo: Ed. RT, nov.-dez. 2017.
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Palavras-chave: Publicidade infantil – Sociedade Keywords: Children’s advertising – Consumer


de consumo – Regulação estatal – Comunidade. society – State regulation; community.

Sumário: 1. Introdução. 2. O consumo consciente e os desafios da sociedade de consumo.


2.1. A sociedade de consumo e o consumismo. 2.2. A publicidade e o consumo infantil.
3. Impactos negativos da publicidade nas crianças e nos adolescentes. 4. A boa sociedade:
regulação estatal e consumo consciente. 4.1. Políticas públicas e a ação regulatória do
Estado. 4.2. O papel da sociedade: formação de valores em prol do consumo consciente.
5. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas.

1. Introdução
O estudo da regulamentação da publicidade direcionada ao público infantil
não pode ater-se apenas ao marco legal da regulamentação estatal e autorregu-
lamentação publicitária. A boa sociedade não passa somente pela adoção de
políticas públicas, mas também pela ação proativa da sociedade para formação
de valores em prol de um consumo consciente. Dessa forma, inicialmente se-
rão abordados o consumo consciente e os desafios da sociedade de consumo.
Analisar-se-á a sociedade de consumo e o consumismo como imperativo do
capitalismo ancorado pelas necessidades artificialmente criadas para manipu-
lar o consumidor em adquirir produtos e serviços. Identificar-se-á a cultura
mercadológica promovida por meio da publicidade dentro da segmentação de
mercado, especialmente em relação às crianças e adolescentes, objetivando,
assim, despertar-lhes um sentimento de materialismo em inesgotáveis fontes
de prazer para que o mercado se renove continuamente.
Posteriormente, discorrerá sobre as técnicas empregadas pelo marketing
para satisfação do mercado com a venda de produtos e serviços, em especial o
anúncio, oferta, propaganda, publicidade e merchandising. A partir de então,
será observado que todas essas modalidades almejam despertar a atenção do
consumidor infantil para o que se pretende vender.
Tendo em vista que o artigo se debruça sobre a publicidade, esta será a
técnica utilizada, traçando-se um paralelo entre ela e o consumo infantil, com-
preendido entre: 0 (zero) e 18 (dezoito anos) de idade, nas disposições do art.
2º da Lei 8.069/90.1

1. Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Schmidt, João Pedro; Gonçalves, Alex Silva.


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é a erotização precoce por meio de inúmeras publicidades que trazem insi-


nuação ao sexo, calcadas em sutilezas eróticas, atores em estado de nudez ou
seminudez, ou ainda com atitudes ou falas que pretendem associar a venda de
um produto, ou torná-lo conhecido, ao apetite sexual, motivando nos infantes
comportamentos eróticos precoces. Há, ainda, a violência que é instigada nas
crianças e nos adolescentes por meio da televisão, filmes, novelas, internet e
videogames mediante produtos infantis que induzem a práticas violentas. Viu-
-se, em pesquisa realizada, que bens de consumo são a causa de quase metade
dos atos infracionais cometidos por adolescentes. Por derradeiro, tem-se o al-
coolismo como grave impacto negativo, pois embora tais publicidades sejam
direcionadas ao público adulto, a forma como são elaboradas despertam nos
adolescentes o desejo por um consumo precoce.
Assim, há necessidade de uma ação regulatória mais firme por parte do
Estado para que implemente políticas públicas, especialmente por meio da
criação de um órgão público com finalidade específica de fiscalização e poder
de polícia como forma de se concretizar o bem-estar das crianças e dos adoles-
centes no que concerne a publicidade aos mesmos direcionada.
A ação do Estado não é suficiente para assegurar a proteção ao consumidor
infantil e relações econômicas compatíveis com os princípios da boa socieda-
de. A ação das comunidades é indispensável para complementar as políticas
públicas. A terceira via apontada pelo comunitarismo afigura-se como o cami-
nho mais promissor de alcançar um patamar de consumo moderado, compatí-
vel com a sustentabilidade socioambiental, mediante a ação complementar dos
agentes estatais, comunitários e privados.

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Pesquisas do Editorial

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