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essa liberdade com relação aos meios será permitida, “sempre que o
interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar (p 7)”.
Afirmamos, assim, que os objetivos do ensino de filosofia não mais podem
restringir-se a ministrar conteúdos que incitem o aluno/cidadão à
participação na pólis como fonte única de aperfeiçoamento humano,
segundo a tradição dos gregos, à religião ou tradição eclesiástica,
conforme preconizou o denominado período medieval da história
ocidental, e nem mesmo pura e simplesmente ao cientificismo, cria
predileta da modernidade, quanto mais ao exercício da cidadania e à
preparação para o trabalho, conforme prescrevem moldes educacionais
contemporâneos.
Concernente ao conceito de cidadania, afirmamos com Flickinger
(2003) que é impossível conceber o cidadão sem “...deveres na medida
em que tem direitos, e direitos, na medida em que tem deveres...” (p.
145). Perguntamos, entretanto, a respeito da difusão de tais direitos e
deveres, atribuindo um pensar crítico e democrático às condições da “...
dinâmica imanente ao campo da sociabilidade material” que não
disponibiliza “...meios capazes de enfrentar os casos de radicalização das
contradições sociais...” (p.151). O que ressaltamos, portanto, é que
repensar o conceito de cidadania deve fazer parte do rol de atividades
daqueles que pretendem levantar a bandeira do ensino de filosofia, pois é
impossível conceber o trato com ela sem perseguir uma postura crítica.
Nas palavras de Fichte, citado por Adorno, “... o artesão de uma ciência
particular deveria tornar-se antes de tudo um artesão em filosofia, e sua
arte específica seria meramente uma determinação a mais e uma
aplicação singular de sua arte filosófica em geral.” (1995, p.55)
Por seu turno, a história e nosso conhecimento sobre ela pode
revelar-nos que, por vezes, nenhuma instituição, nenhuma forma de
governo ou movimento revolucionário, consegue enxergar o verdadeiro
rumo a que os seus objetivos estão conduzindo a sociedade. Julgamos ser
este o ponto de partida: pensar os homens como seres enraizados no
interior da lógica das instituições e que se encontram, muitas vezes,
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incapazes de analisar sua realidade e de enxergar o que realmente
constroem, de realizar o que desejam, tornando-se apenas instrumentos
que simplesmente absorvem e executam ideais de outros. A esse caráter
de instrumentalização dos sujeitos por parte das instituições, Goffman
(1996) refere-se na perspectiva de que“... toda instituição conquista parte
do tempo e do interesse de seus participantes e lhes dá algo de um
mundo; em resumo toda instituição tem tendências de
fechamento”.(p.16)
A educação encontra-se inserida neste provável dilema e, por isso,
procura-se responder se, inserido em uma instituição governamental, o
professor não se torna apenas um instrumento, distancia-se de sua
própria emancipação, permanecendo preso ao aparato institucional e não
sabendo trabalhar fora dele. A universidade é uma instituição que forma
pessoas para passar o conhecimento através da escola aos mais jovens.
Contudo, este ciclo de ensinados que ensinam cria uma falsa expectativa
de emancipação, pois esta é a febre do pensar contemporâneo: conceder
a todos expectativas. Na Antigüidade, os ideais de homem resumiam-se a
alcançar a perfeição; na Idade Média, a redenção e, na Modernidade, a
busca é por um ideal de igualdade. Hodiernamente, o que existe é uma
variedade, uma multiplicidade de expectativas que alimentam a
diversidade e a complexidade da sociedade. Assim, o que propomos é o
pensar sobre uma educação emancipadora, onde o professor, agente
mediador do processo de emancipação de seus alunos, utlize-se do
método dialético para pensar a realidade educacional que os envolve.
A palavra ou conceito denominado mediação, na filosofia moderna,
“... é um termo empregado sobretudo com referência a Hegel...”
(DUROZOI, 1993, p. 319). Afirmamos, por hora, que esta mediação não é
eficazmente realizada se o professor estiver preso às instituições que o
formaram (universidade) e nas quais trabalha (escolas em geral). A
mediação, então, é realizada após o que podemos denominar como
emancipação do agente mediador, que ocorre quando o agente se
modifica, criando critérios para, posteriormente, questionar seu próprio
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agir. Uma tal postura propicia o que chamaríamos elevação da
consciência, que acarretará no questionamento sobre si próprio, trazendo
para o real (ontológico) o seu próprio pensamento (lógico) sobre o espaço
a sua volta e sobre si mesmo. A pergunta, portanto, é sobre a
possibilidade de uma educação emancipadora em uma escola nos moldes
da que contemporaneamente possuímos ou a que realmente prepara o
educando para ser consciente e racional:
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reinventar a forma de expressar ou de interpretar esses problemas
consiste, no entanto, em algo mais que apenas ‘assimilar’a história da
filosofia; ademais, ao filosofar, dialogamos com essa história de modo a
construir a nossa própria singularidade, a nossa individualidade.” ( p.125)
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prática. Nesta direção, atentemos para o que nos adverte Sílvio Gallo
(2002): “O procedimento de escolha, por sua vez, traz embutidos, pelo
menos, dois riscos graves: o de cair no dogmatismo ao professar que
apenas esta perspectiva adotada é, de fato, filosofia e o de se cair no
relativismo ao se afirmar que, em filosofia, ‘tudo vale’”. (2002, p.192)
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intelectuais. Para alguns, a filosofia não pode ser difícil, não pode
incomodar o andamento escolar do aluno, tampouco ocupar um tempo
maciço do seu tempo, quanto mais reprová-lo. A filosofia encontra-se de
tal forma mal olhada pelo senso comum, que, se um aluno de terceiro ano
do Ensino Médio, prestando vestibular ao final do ano, reprovar,
especificamente, em disciplina filosófica, não poucos indagariam: “Mas,
como reprovar o aluno em filosofia?!”. Cabe ressaltar que este não é só
um problema da disciplina de filosofia, mas também de sua afiliada, a
estética. Ambas acabam por ser segregadas e torna-se inconcebível um
aluno reprovar nessas disciplinas.
É a partir desse viés de raciocínio que afirmamos que a filosofia ou, mais
propriamente dito, o filosofar não acontecerá por decreto. Um grande
passo está sendo dado a partir da sua regulamentação, porém cabem,
ainda, aos professores de filosofia, tomadas de decisões com relação ao
questionamento sobre a sua prática e sobre deliberações a serem feitas
no campo que diz respeito à desobstrução do caminho da emancipação.
Se, em dado momento, a avaliação final é a fonte que impulsiona o aluno
a estudar, a filosofia deveria desse expediente lançar mão em benefício
próprio, evitando cair em ciladas do tipo que sua obrigatoriedade
proporciona. Melhor explicitando, a aprovação da filosofia como disciplina
obrigatória no Ensino Médio de nada adianta, em termos de expansão do
pensar crítico, se tomada for como algo secundário e não conduzir a
compromissos por parte do professor e do aluno de filosofia.
Filosofar não significa divagar e falar o que se pensa; é pensar sobre o
que se pensa, significa localizar o porquê pensamos, pensar sobre o que
influencia esse pensar. Nesse viés, Silvio Gallo comenta a crítica que
Guattari e Deleuze fazem a definições que são, muitas vezes, atribuídas à
filosofia:
A filosofia não é contemplação (...),pois a contemplação,
mesmo dinâmica, não é criativa; consiste na visada da coisa
mesma, tomada como preexistente e independente do
próprio ato de contemplar e nada tem a ver com criação de
conceitos. Ela, tampouco, é comunicação, (...) Porque
comunicação pode visar apenas ao consenso, mas nunca ao
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conceito; e o conceito, muitas vezes, é mais dissenso que
consenso. E, finalmente, a filosofia não é reflexão,
simplesmente porque a reflexão não é específica da
atividade filosófica: é possível que qualquer um (e não
apenas o filósofo) reflita sobre qualquer coisa . (p.193-4)
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diversas áreas do saber.” (GALLO, 2002, p,198)
O que temos como certo para o ensino de filosofia é que o professor,
filósofo ou não, deve estar preparado para transmitir ao aluno que a
sociedade é um reflexo do agir e do pensar humano trazido à coletividade,
devendo, assim, dar a conhecer que a sociedade não varia de acordo com
a sua vontade e com seu senso de ética e justiça, mas que pode interagir
com a essência da sociedade, interatuando de tal forma que seu ato de
criação com aqueles que já criaram e criam concepções de realidade, seja
de fato um ato criativo coletivo. Sendo assim, nossos alunos, sob a égide
do filosofar, acreditariam que também são criadores de conceitos e
tornar-se-iam conscientes de que a sociedade adapta-se aos homens e os
homens a ela ajustam-se. Uma tal capacidade não pode ser esquecida
pois, aqueles que olvidam que a sociedade também adapta-se aos
homens, transformam-se em escravos de outros homens. Esta reflexão,
mesmo que, de certa forma generalizada, serve como uma possível chave
de leitura adequada para refletir sobre o ensino de filosofia: a filosofia
transforma os homens, e estes, por seu turno, dela não se tornam
escravos, uma vez que a transformam. Trata-se de uma relação
estabelecida em que nenhum dos lados pode ser controlador do outro,
dado que, se assim ocorrer, a filosofia perde seu sentido.
Então, o que temos que enfrentar na discussão sobre o ensino de filosofia
é o fato de que não podemos criar um conceito geral e estático sobre o
seu significado evitando o dualismo entre o ensino categórico da filosofia e
um ensino mais informal e contemporâneo. O ensino ao qual estamos
denominando categórico é aquele que se utiliza da história da filosofia
(direto dos textos dos autores), da lógica, da teoria do conhecimento, etc.
Um dos principais problemas seria o direcionamento da visão dos alunos.
Neste sentido, vale a pena lembrar a advertência que nos faz KOHAN (2002)
quando afirma que “... a história da filosofia, fundamental para pensar na
experiência da filosofia, torna-se seu obstáculo.”(p.37)
Um ensino por nós denominado como informal, é aquele em que, com
base nos fatos atuais, são expostas as dúvidas e os pensamentos dos
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alunos que, com o auxílio do professor, criam “um pensamento filosófico”
sobre o tema. Esta metodologia, por seu turno, poderia também
apresentar entraves, uma vez que este tipo de aula pode transformar-se
em combates argumentativos, nos quais o professor, como melhor
preparado, levará sempre uma maior vantagem retórica, o que pode
reprimir, por mais verdadeiro e audaz que seja, o pensamento do aluno.
O caráter de relatividade, por vezes atribuído à filosofia pode, por sua vez,
causar esse pensamento de desnecessidade, porque ela não traz consigo
a conformidade, lugar onde todos podemos nos sentir seguros, ao
contrário das matemáticas cujo ensino será sempre igual. Dizemos que a
filosofia transforma-se e modifica a concepção que todos têm de si
próprios.
O progresso técnico e científico adquire um significado
intransigente. Esse monopólio acaba substituindo a reflexão
filosófica pelo estudo dos fatos empíricos, interpretados
metodológica e cientificamente, conforme os padrões da
própria ciência. Na verdade, a trajetória da razão ocidental
foi afastando-se dos problemas humanos para reduzir-se a
um saber matematicamente idealizado. Trata-se, enfim, do
afundamento, colapso ou bancarrota dos fundamentos, de
modo a gerar um ceticismo paralisante, uma enfermidade da
“vida espiritual” e perda da fé na razão. (PIZZI, p.27 )
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parâmetros, que reflitamos sobre a ressignificação da filosofia e pensar
sobre esse ressignificar tem muito a ver com as reflexões que devemos
fazer acerca da postura do professor de filosofia (ou filósofo?), com o que
professor e aluno pensam sobre o ato de filosofar e, sobretudo, com
alunos e professores pensando sua própria condição de seres existentes,
construtores de experiências, no sentido hermenêutico do termo.
Apontamos, por outra via, no decorrer de nosso escrito, que o ato de
ensinar filosofia deve servir de embocadura para que o professor reflita
sobre sua condição de agente de ensino, e, ao mesmo tempo, torne-se
um condutor de sua emancipação, da emancipação de seus alunos,
mesmo que, por outro lado, encontre-se atrelado, muitas vezes, a uma
instituição, atrelamento esse que o impede de atuar como sujeito
autônomo.
Referências
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ressignificação de sua experiência existencial. In: KOHAN, Walter Omar
(Org.). Ensino de filosofia – perspectivas. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
p. 188-194
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