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O ENSINO DE FILOSOFIA E SUA RETOMADA NO PENSAR

CONTEMPORÂNEO: algumas reflexões críticas.1

Sdnei Almeida Pestano


Neiva Afonso Oliveira

O objetivo deste texto não é fazer uma crítica à


educação de uma forma niilista, mas, sim, pensar a
prática educativa do ensino de filosofia. Partimos da
premissa de que aquele que educa deve ser autônomo
com relação ao pensar sobre as possibilidades de sua
atuação e os objetivos finais do seu trabalho.
Constatamos o fato de que se o professor não possui
esta autonomia, torna-se um mero transmissor do
conhecimento, apenas um instrumento de objetivos
exteriores à sua própria prática. Nossa crítica ganha
corpo a partir da resolução que o Conselho Nacional de
Educação elaborou, conforme o parecer CNE/CEB nº
38/2006, estipulando os fins para o ensino de filosofia e
sociologia no ensino médio:...os conhecimentos de
Filosofia e Sociologia são justificados como ‘necessários
ao exercício da cidadania’, [ao] aprimoramento como
pessoa humana, incluindo a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico, e devem, ainda, mais
especialmente, seguir a diretriz de difusão de valores
fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres
dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem
democrática, e para atender ao dever de vincular-se ao
mundo do trabalho e à prática social.

A Base Nacional Comum,2 segundo o próprio documento, não pode


constituir uma ‘camisa-de-força’. Portanto, os relatores permitem a
flexibilidade dos meios educacionais para se chegar ao fim estipulado. E

1 O presente texto é resultante de pesquisas desenvolvidas no Grupo de


Pesquisa Filosofia, Educação e Práxis Social (FEPráxiS), com financiamento da
FAPERGS.
2 Expressão utilizada para caracterizar o currículo escolar estabelecido a partir da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), de 1996. Segundo a LDB, em todas as escolas deverá ser garantida a igualdade de acesso dos
alunos a uma base nacional comum, de forma a legitimar unidade e qualidade da ação pedagógica na diversidade
nacional. (http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=187)

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essa liberdade com relação aos meios será permitida, “sempre que o
interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar (p 7)”.
Afirmamos, assim, que os objetivos do ensino de filosofia não mais podem
restringir-se a ministrar conteúdos que incitem o aluno/cidadão à
participação na pólis como fonte única de aperfeiçoamento humano,
segundo a tradição dos gregos, à religião ou tradição eclesiástica,
conforme preconizou o denominado período medieval da história
ocidental, e nem mesmo pura e simplesmente ao cientificismo, cria
predileta da modernidade, quanto mais ao exercício da cidadania e à
preparação para o trabalho, conforme prescrevem moldes educacionais
contemporâneos.
Concernente ao conceito de cidadania, afirmamos com Flickinger
(2003) que é impossível conceber o cidadão sem “...deveres na medida
em que tem direitos, e direitos, na medida em que tem deveres...” (p.
145). Perguntamos, entretanto, a respeito da difusão de tais direitos e
deveres, atribuindo um pensar crítico e democrático às condições da “...
dinâmica imanente ao campo da sociabilidade material” que não
disponibiliza “...meios capazes de enfrentar os casos de radicalização das
contradições sociais...” (p.151). O que ressaltamos, portanto, é que
repensar o conceito de cidadania deve fazer parte do rol de atividades
daqueles que pretendem levantar a bandeira do ensino de filosofia, pois é
impossível conceber o trato com ela sem perseguir uma postura crítica.
Nas palavras de Fichte, citado por Adorno, “... o artesão de uma ciência
particular deveria tornar-se antes de tudo um artesão em filosofia, e sua
arte específica seria meramente uma determinação a mais e uma
aplicação singular de sua arte filosófica em geral.” (1995, p.55)
Por seu turno, a história e nosso conhecimento sobre ela pode
revelar-nos que, por vezes, nenhuma instituição, nenhuma forma de
governo ou movimento revolucionário, consegue enxergar o verdadeiro
rumo a que os seus objetivos estão conduzindo a sociedade. Julgamos ser
este o ponto de partida: pensar os homens como seres enraizados no
interior da lógica das instituições e que se encontram, muitas vezes,

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incapazes de analisar sua realidade e de enxergar o que realmente
constroem, de realizar o que desejam, tornando-se apenas instrumentos
que simplesmente absorvem e executam ideais de outros. A esse caráter
de instrumentalização dos sujeitos por parte das instituições, Goffman
(1996) refere-se na perspectiva de que“... toda instituição conquista parte
do tempo e do interesse de seus participantes e lhes dá algo de um
mundo; em resumo toda instituição tem tendências de
fechamento”.(p.16)
A educação encontra-se inserida neste provável dilema e, por isso,
procura-se responder se, inserido em uma instituição governamental, o
professor não se torna apenas um instrumento, distancia-se de sua
própria emancipação, permanecendo preso ao aparato institucional e não
sabendo trabalhar fora dele. A universidade é uma instituição que forma
pessoas para passar o conhecimento através da escola aos mais jovens.
Contudo, este ciclo de ensinados que ensinam cria uma falsa expectativa
de emancipação, pois esta é a febre do pensar contemporâneo: conceder
a todos expectativas. Na Antigüidade, os ideais de homem resumiam-se a
alcançar a perfeição; na Idade Média, a redenção e, na Modernidade, a
busca é por um ideal de igualdade. Hodiernamente, o que existe é uma
variedade, uma multiplicidade de expectativas que alimentam a
diversidade e a complexidade da sociedade. Assim, o que propomos é o
pensar sobre uma educação emancipadora, onde o professor, agente
mediador do processo de emancipação de seus alunos, utlize-se do
método dialético para pensar a realidade educacional que os envolve.
A palavra ou conceito denominado mediação, na filosofia moderna,
“... é um termo empregado sobretudo com referência a Hegel...”
(DUROZOI, 1993, p. 319). Afirmamos, por hora, que esta mediação não é
eficazmente realizada se o professor estiver preso às instituições que o
formaram (universidade) e nas quais trabalha (escolas em geral). A
mediação, então, é realizada após o que podemos denominar como
emancipação do agente mediador, que ocorre quando o agente se
modifica, criando critérios para, posteriormente, questionar seu próprio

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agir. Uma tal postura propicia o que chamaríamos elevação da
consciência, que acarretará no questionamento sobre si próprio, trazendo
para o real (ontológico) o seu próprio pensamento (lógico) sobre o espaço
a sua volta e sobre si mesmo. A pergunta, portanto, é sobre a
possibilidade de uma educação emancipadora em uma escola nos moldes
da que contemporaneamente possuímos ou a que realmente prepara o
educando para ser consciente e racional:

Em certo sentido, emancipação é o mesmo que


conscientização, racionalidade. A racionalidade, porém,
sempre envolve um momento de adaptação. A educação
seria impotente e ideológica se ignorasse esta idéia de
adaptação, e não preparasse os homens a operarem na
realidade. Mas ela seria igualmente questionável se se
reduzisse a isso, produzindo nada mais do que “well
adjusted people”, através dos que se imporiam justamente
os piores conteúdos da situação existente. Nesta medida, no
conceito de educar, para tornar racional e para tornar
consciente existe de antemão uma cisão, uma ambigüidade.
Talvez não seja possível superá-la; mas certamente não
devemos evitá-la. (MAAR, 1994, p.62)

A universidade forma licenciados em filosofia que finalizam seu curso de


graduação na esperança de modificar o mundo e almejando que seus
alunos questionem-se criticamente, porém encontram-se completamente
esquecidos de criticar e modificar a prática e cosmovisão fornecidas em
seu aprendizado na trajetória acadêmica. Resta, pois, a interrogação
sobre o que somos dentro de uma universidade, se não papagaios
letrados que, de dentro da gaiola de uma instituição, aguçamos o ego e
promovemos um intelectualismo que apenas decora conceitos, fórmulas e
façanhas. E, como resultado de tudo isso, obtemos um diploma, que será
a honra de uma vida. Paralelamente a essa observação, ressaltamos que,
por vezes, o modo de ensinar que recebemos na academia traduziu-se na
célebre fórmula do repetir, apreendendo da História da Filosofia, o que
filósofos outros já disseram e fizeram. A educação, neste sentido, resta
aprisionada e aprisionadora do homem e este torna-se refém do
direcionamento das idéias de outrem. Há que se filosofar, ou conforme
SARDI (2002) há que se “ ... reinventar o sentido dos problemas filosóficos,

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reinventar a forma de expressar ou de interpretar esses problemas
consiste, no entanto, em algo mais que apenas ‘assimilar’a história da
filosofia; ademais, ao filosofar, dialogamos com essa história de modo a
construir a nossa própria singularidade, a nossa individualidade.” ( p.125)

Relacionado a conteúdos e metodologias, afirmamos que, não raro, o


ensino superior não é, portanto, emancipador, uma vez que não desperta
perguntas sobre si próprio, esconde-se com todos os seus defeitos e
torna-se uma fonte de emancipação ilusória, dentro do já mencionado
ciclo das expectativas. Portanto, concluímos que a graduação em filosofia,
por vezes, forma profissionais febris, algumas vezes capazes de enxergar
longe, mas completamente incapazes de fornecer respostas a respeito da
instrumentalização de uma educação anteriormente padronizada e
objetivada, ou responder sobre si mesmo como inventor de sua própria
educação ou como agente que irá abrir os olhos dos seus alunos, “dar a
luz”, modificar o mundo através da educação. Uma tal postura do
professor de filosofia pode ser possível, porém demasiadamente
dificultada em uma instituição já padronizada e que não possui como fim
principal a emancipação de seus partícipes.

Aqui neste ponto, após ter explicado o ambiente em que a filosofia


ressurge como a disciplina que irá formar cidadãos aptos a exercer sua
cidadania e abordar tenuemente a formação do professor, é que entramos
no foco principal de nosso estudo: a obrigatoriedade da disciplina de
filosofia no Ensino Médio.

Dizemos que a filosofia está sendo colocada para reparar falhas


educacionais, já explicadas anteriormente e a existência de uma lei
governamental pode, por seu turno, trazer à tona a discussão sobre a
escola emancipadora. Perguntamos, portanto, também, pelo locus onde
está a raiz, o objetivo prático da inserção da filosofia neste planejamento
educacional. Em outras palavras, o problema e a questão a serem
solucionados recaem sobre a pergunta sobre que tipo de filosofia
pretende-se ensinar, uma vez que não existe um consenso sobre sua

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prática. Nesta direção, atentemos para o que nos adverte Sílvio Gallo
(2002): “O procedimento de escolha, por sua vez, traz embutidos, pelo
menos, dois riscos graves: o de cair no dogmatismo ao professar que
apenas esta perspectiva adotada é, de fato, filosofia e o de se cair no
relativismo ao se afirmar que, em filosofia, ‘tudo vale’”. (2002, p.192)

O autor expõe seu pensamento sobre a necessidade de nitidez acerca do


método de ensino a ser utilizado pelo professor e pelo tipo de abordagem
a ser feita, deixando bem clara a seus alunos sua visão sobre a sua
prática.

Penso que o professor deva, de forma sincera e leal, explicar


aos alunos a perspectiva de filosofia que ele adota, deixando
claro que se trata de uma perspectiva e não da perspectiva.
Além disso, é mais do que salutar chamar sempre a atenção
para a diversidade de filosofias. (Ibidem)

A segunda questão que trazemos é sobre a possibilidade de a


universidade tornar o professor apto para a conscientização sobre sua
prática e o problema se torna bem maior quando nos questionamos sobre
qual deve ser o conteúdo ministrado. São os textos filosóficos atuais que
propõem a elevação do pensamento crítico ou seriam os denominados
textos dos clássicos, aqueles referentes ao estudo da lógica, da teoria do
conhecimento ou da ética que fornecem elementos para o pensar? Como
estabelecer um critério para essa diversidade de filosofias uma vez que,
no momento em que a disciplina começa a ser lecionada, ela deve possuir
um programa, uma seqüência para que se possa fazer um trabalho
realmente sério? E o problema continua a crescer, quando se cogita uma
perspectiva bem real de a filosofia ser adicionada ao vestibular. Uma outra
inquietação é a respeito do relacionamento do professor com a direção da
escola e com as entidades governamentais no que tange à escolha dos
conteúdos e metodologias a serem por ele utilizados. Uma pergunta
também recorrente que surge respeita ao modo como metodologias e
conteúdos possam tornar-se instrumentos de validação de um modo de
filosofar concebido por aqueles que não têm um pensamento crítico sobre
a filosofia e, muitas vezes, são dotados de sedentarismo e comodismo

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intelectuais. Para alguns, a filosofia não pode ser difícil, não pode
incomodar o andamento escolar do aluno, tampouco ocupar um tempo
maciço do seu tempo, quanto mais reprová-lo. A filosofia encontra-se de
tal forma mal olhada pelo senso comum, que, se um aluno de terceiro ano
do Ensino Médio, prestando vestibular ao final do ano, reprovar,
especificamente, em disciplina filosófica, não poucos indagariam: “Mas,
como reprovar o aluno em filosofia?!”. Cabe ressaltar que este não é só
um problema da disciplina de filosofia, mas também de sua afiliada, a
estética. Ambas acabam por ser segregadas e torna-se inconcebível um
aluno reprovar nessas disciplinas.
É a partir desse viés de raciocínio que afirmamos que a filosofia ou, mais
propriamente dito, o filosofar não acontecerá por decreto. Um grande
passo está sendo dado a partir da sua regulamentação, porém cabem,
ainda, aos professores de filosofia, tomadas de decisões com relação ao
questionamento sobre a sua prática e sobre deliberações a serem feitas
no campo que diz respeito à desobstrução do caminho da emancipação.
Se, em dado momento, a avaliação final é a fonte que impulsiona o aluno
a estudar, a filosofia deveria desse expediente lançar mão em benefício
próprio, evitando cair em ciladas do tipo que sua obrigatoriedade
proporciona. Melhor explicitando, a aprovação da filosofia como disciplina
obrigatória no Ensino Médio de nada adianta, em termos de expansão do
pensar crítico, se tomada for como algo secundário e não conduzir a
compromissos por parte do professor e do aluno de filosofia.
Filosofar não significa divagar e falar o que se pensa; é pensar sobre o
que se pensa, significa localizar o porquê pensamos, pensar sobre o que
influencia esse pensar. Nesse viés, Silvio Gallo comenta a crítica que
Guattari e Deleuze fazem a definições que são, muitas vezes, atribuídas à
filosofia:
A filosofia não é contemplação (...),pois a contemplação,
mesmo dinâmica, não é criativa; consiste na visada da coisa
mesma, tomada como preexistente e independente do
próprio ato de contemplar e nada tem a ver com criação de
conceitos. Ela, tampouco, é comunicação, (...) Porque
comunicação pode visar apenas ao consenso, mas nunca ao

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conceito; e o conceito, muitas vezes, é mais dissenso que
consenso. E, finalmente, a filosofia não é reflexão,
simplesmente porque a reflexão não é específica da
atividade filosófica: é possível que qualquer um (e não
apenas o filósofo) reflita sobre qualquer coisa . (p.193-4)

Adiante, o autor explica que a filosofia afastada está do que chamaríamos


de “puro deleite” ou daquilo que SEVERINO (1994) menciona como
diletantismo intelectual, no sentido de que a filosofia não pode estar
vinculada tão-somente ao amadorismo intelectual. Seguindo esta linha de
pensamento e guiando-nos pela afirmação de que a filosofia é, antes de
mais nada, atividade de criação de conceitos para, somente após, então,
tornar-se atividade de reflexão, comunicação e contemplação, é que
podemos asseverar que a criação do próprio significado da filosofia
deveria, primeiramente, ser aclarado por todos os professores e depois,
ser refletido, comunicado, sem de nada servir a qualquer destas etapas,
sem o ato da criação. Então, trazendo, agora, a pergunta de uma forma
mais clara, temos: estaria o professor de filosofia preparado para criar,
em sala de aula, um significado para a filosofia sem perder de vista a
seriedade na busca filosófica? Uma vez que, se o contemplar, o refletir
somente podem acontecer após o ato da criação, como ficaria, então, o
ensino nas universidades onde dificilmente se cria e apenas comenta-se,
comunica-se, reflete-se sobre o já criado anteriormente. O que propomos
não é desconsiderar o conhecimento anterior, mas sim, utilizar-se dele
somente após o ato da criação. É árduo crer que um professor que nada
criou durante a sua graduação possa ensinar os alunos a criar e, por
vezes, professores de filosofia escondem-se atrás da figura do filósofo
para fazer crer que não precisam criar, tendo em vista que são apenas
professores de filosofia e não filósofos. Neste sentido, aparece “... o
professor de filosofia como mero apresentador e repassador de conteúdos
culturais, científicos, ou até filosóficos que seria, nessa acepção, ao
contrário de Sócrates, o verdadeiro personagem ocupado em corromper a
juventude do mundo (...), que hoje se chamam multidão nas mais

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diversas áreas do saber.” (GALLO, 2002, p,198)
O que temos como certo para o ensino de filosofia é que o professor,
filósofo ou não, deve estar preparado para transmitir ao aluno que a
sociedade é um reflexo do agir e do pensar humano trazido à coletividade,
devendo, assim, dar a conhecer que a sociedade não varia de acordo com
a sua vontade e com seu senso de ética e justiça, mas que pode interagir
com a essência da sociedade, interatuando de tal forma que seu ato de
criação com aqueles que já criaram e criam concepções de realidade, seja
de fato um ato criativo coletivo. Sendo assim, nossos alunos, sob a égide
do filosofar, acreditariam que também são criadores de conceitos e
tornar-se-iam conscientes de que a sociedade adapta-se aos homens e os
homens a ela ajustam-se. Uma tal capacidade não pode ser esquecida
pois, aqueles que olvidam que a sociedade também adapta-se aos
homens, transformam-se em escravos de outros homens. Esta reflexão,
mesmo que, de certa forma generalizada, serve como uma possível chave
de leitura adequada para refletir sobre o ensino de filosofia: a filosofia
transforma os homens, e estes, por seu turno, dela não se tornam
escravos, uma vez que a transformam. Trata-se de uma relação
estabelecida em que nenhum dos lados pode ser controlador do outro,
dado que, se assim ocorrer, a filosofia perde seu sentido.
Então, o que temos que enfrentar na discussão sobre o ensino de filosofia
é o fato de que não podemos criar um conceito geral e estático sobre o
seu significado evitando o dualismo entre o ensino categórico da filosofia e
um ensino mais informal e contemporâneo. O ensino ao qual estamos
denominando categórico é aquele que se utiliza da história da filosofia
(direto dos textos dos autores), da lógica, da teoria do conhecimento, etc.
Um dos principais problemas seria o direcionamento da visão dos alunos.
Neste sentido, vale a pena lembrar a advertência que nos faz KOHAN (2002)
quando afirma que “... a história da filosofia, fundamental para pensar na
experiência da filosofia, torna-se seu obstáculo.”(p.37)
Um ensino por nós denominado como informal, é aquele em que, com
base nos fatos atuais, são expostas as dúvidas e os pensamentos dos

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alunos que, com o auxílio do professor, criam “um pensamento filosófico”
sobre o tema. Esta metodologia, por seu turno, poderia também
apresentar entraves, uma vez que este tipo de aula pode transformar-se
em combates argumentativos, nos quais o professor, como melhor
preparado, levará sempre uma maior vantagem retórica, o que pode
reprimir, por mais verdadeiro e audaz que seja, o pensamento do aluno.
O caráter de relatividade, por vezes atribuído à filosofia pode, por sua vez,
causar esse pensamento de desnecessidade, porque ela não traz consigo
a conformidade, lugar onde todos podemos nos sentir seguros, ao
contrário das matemáticas cujo ensino será sempre igual. Dizemos que a
filosofia transforma-se e modifica a concepção que todos têm de si
próprios.
O progresso técnico e científico adquire um significado
intransigente. Esse monopólio acaba substituindo a reflexão
filosófica pelo estudo dos fatos empíricos, interpretados
metodológica e cientificamente, conforme os padrões da
própria ciência. Na verdade, a trajetória da razão ocidental
foi afastando-se dos problemas humanos para reduzir-se a
um saber matematicamente idealizado. Trata-se, enfim, do
afundamento, colapso ou bancarrota dos fundamentos, de
modo a gerar um ceticismo paralisante, uma enfermidade da
“vida espiritual” e perda da fé na razão. (PIZZI, p.27 )

Todas as reflexões que aqui trouxemos acerca do ensino de filosofia


fundamentam-se à base de outras reflexões e requerem investigações
que, paralelamente à reflexão crítica ao Parecer 38/2006, devemos fazer.
Fomos, no decorrer do texto, anunciando questionamentos, levantando
hipóteses e estabelecendo critérios a partir dos quais devemos pensar a
problemática do ensino filosófico. Algumas dessas reflexões
desembocaram em crítica ao que recentemente surgiu como novidade no
meio em que atuam os professores de filosofia. Trata-se do Parecer
CNE/CEB nº 38/2006 que estabelece os objetivos para o ensino de
filosofia e sociologia no Ensino Médio. O que procuramos demonstrar em
nossa argumentação é que os parâmetros apontados pelo Parecer são
tão-somente parâmetros, ou seja, variáveis a partir das quais o ensino
dessas disciplinas deve ser pensado. Resta, entretanto, para além dos

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parâmetros, que reflitamos sobre a ressignificação da filosofia e pensar
sobre esse ressignificar tem muito a ver com as reflexões que devemos
fazer acerca da postura do professor de filosofia (ou filósofo?), com o que
professor e aluno pensam sobre o ato de filosofar e, sobretudo, com
alunos e professores pensando sua própria condição de seres existentes,
construtores de experiências, no sentido hermenêutico do termo.
Apontamos, por outra via, no decorrer de nosso escrito, que o ato de
ensinar filosofia deve servir de embocadura para que o professor reflita
sobre sua condição de agente de ensino, e, ao mesmo tempo, torne-se
um condutor de sua emancipação, da emancipação de seus alunos,
mesmo que, por outro lado, encontre-se atrelado, muitas vezes, a uma
instituição, atrelamento esse que o impede de atuar como sujeito
autônomo.

Referências

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e Terra, 2003
DUROZOI, Gerard. Dicionário de filosofia. Campinas, SP: Papirus 1993.
FÁVERO, Altair Alberto, RAUBER, Jaime José, KOHAN, Walter Omar
(Orgs.). Um olhar sobre o ensino de filosofia. Ijuí: Ed Unijuí, 2002.
FLICKINGER, Hans-Georg. Em nome da liberdade: elementos da crítica ao
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GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. 5. ed. São Paulo:
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KOHAN, Walter Omar, LEAL, Bernadina, RIBEIRO, Álvaro (Orgs.). Filosofia
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PIZZI, Jovino.O mundo da vida Husserl e Harbermas; Ijuí: Ed Unijuí,
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PUCCI, Bruno (Org.). Teoria Crítica e Educação: a questão da formação
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SARDI, Sérgio. A vivência como princípio metodológico no filosofar com
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SEVERINO, Antônio Joaquim. A filosofia na formação do jovem e a

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ressignificação de sua experiência existencial. In: KOHAN, Walter Omar
(Org.). Ensino de filosofia – perspectivas. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
p. 188-194

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