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Anotações: Reunião do Grupo de Estudos do Heraion de Delos do dia 02.06.

2023

Data: 02.06.2023

Projeto: Hera em Foco

Aluna: Ana Laura Sousa Silva

Anotações da reunião do Grupo de Estudos do Heraion de Delos, realizada via Google Meet

no dia 02/06/2023. Nessa reunião, o mestrando Erik de Lima Correia apresentou a

Introdução e Capítulo 5 - Poseidonia-Paestum, do livro “The Significance of Votive Offerings

in Selected Hera Sanctuaries in the Peloponnese, Ionia and Western Greece“ de

BAUMBACH, para discussão da bibliografia em grupo. A gravação está disponível para

integrantes do Grupo de Estudos do Heraion de Delos, da Unifesp, gerenciado pelo Prof. Dr.

Gilberto da Silva Francisco e a Profa. Dra. Haiganuch Sarian. As presentes anotações

foram realizadas no dia 02/06/2023. Ocorrem transcrições de falas dos participantes da

reunião e notas minhas, com percepções e reflexões que tive, devidamente indicadas para

diferenciação.

INTRODUÇÃO

● Há uma situação de diálogo entre o homem quanto entre o deus ou deusa na prática

religiosa do mundo antigo, o que se espelha nas ofertas votivas;

● Os temas e significados variavam porque as necessidades individuais e/ou coletivas

variavam através do tempo e espaço;

● Apuleius e Pausânias podem ser úteis para a busca de simbologias em

determinadas ofertas votivas, mas é preciso muito cuidado, pois são pontos de vista

individuais e manipuláveis, características das fontes textuais. A fonte primária,

portanto, deve ser o próprio artefato dedicado, em si;


● Segundo Baumbach, as ofertas eram realizadas junto com orações e sacrifícios,

pois eram mecanismos de estabelecer contato com os deuses;

● As ofertas votivas são evidências muito úteis para identificação de características do

culto, pois são bens duráveis que possibilitam achados arqueológicos,

diferentemente dos sacrifícios;

● Todas as informações sobre a materialidade, distribuição espacial e quantidade dos

tipos votivos devem ser levadas em consideração;

● Baumbach diz que as análises devem considerar também a singularidade ou

individualidade na dedicação.

In dialogue with Hera

Baumbach escolheu Hera justamente pela sua multifuncionalidade que reflete aspectos

cruciais da vida da pólis e seus habitantes (como nascimento, crescimento, agricultura,

casamento…)

CAPÍTULO 5 - PAESTUM-POSEIDONIA

O culto de Hera em Posidonia era dividido em dois santuários: um para a khora (área rural)

e outro para a ásty (área rural). Posidonia vira praticamente um foco de diferentes

investigações principalmente a partir do século XIX.

A. The urban Heraion

O Heraion não relata, a partir de suas evidências, um culto anterior antes da

colônia/ocupação do cume. Logo, o culto de Hera não está associado a cultos primitivos na

região, mas foi estabelecido ao mesmo tempo em que a colônia.

Culto de Hera

O autor divide as ofertas votivas de forma temática.


Hera como protetora da gravidez, do nascimento e do crescimento:

Fertilidade feminina

➔ Estatuetas de terracota que apresentam figuras femininas de pé, nuas, com poloi

(coroa de polos) e os antebraços estendidos. O estilo indica uma cronologia de

cerca do século 6 AEC. Há um contraste indicado pela presença dessas estatuetas,

pois são raramente encontradas na Magna Grécia. Baumbach indica a origem do

estilo dessas imagens com estatuetas orientais (comparação com Astarte, a

depender da região, considerada como uma deusa da guerra). Relação com

Afrodite, das estatuetas de mulheres nuas (e associação de Afrodite com Astarte).

Gravidez e nascimento

Material do período clássico até o período romano que ainda não foi largamente publicado,

com datações incertas.

➔ As imagens de mulheres grávidas são dedicadas para deusas que tem ligação com

a gravidez e o nascimento, a presença dessas estatuetas no Heraion indica a

associação de Hera com essas questões.

➔ Modelos de úteros, falos, olhos, mãos e pés em terracota. A presença de

representações de partes do corpo dedicadas indicam pedidos por melhora na

saúde. A presença de centenas de modelos de útero em terracota podem indicar

pedidos por fertilidade, para engravidar. A presença das partes do corpo em geral

posiciona Hera como uma deusa da cura e da saúde também.

➔ Estatuetas de mulheres nuas ajoelhadas representam o momento do parto (a

postura indica isso) e as imagens de mulheres cuidando de crianças/bebês também.

➔ As imagens que representam mulheres sentadas, entronizadas, com bebês, podem

indicar representações da própria deusa Hera.


Infância

➔ Presença de várias estatuetas de bebês vestidos em panos, alguns deles vestem

correntes com diferentes tipos de amuletos.

Hera como deusa do casamento

➔ Imagens de Hera com Zeus, entronizados. Representações de Hera com flores,

lírios, e uma cesta de frutas, que representa tanto a fertilidade vegetativa quanto dos

seres humanos através do hieros gamos, casamento sagrado de Hera e Zeus.

Hera enquanto protetora do lar e da família

➔ As chaves representam a função das mulheres como protetoras da casa e da

família. As dedicações de chaves podem indicar esses atributos de Hera.

Roupas

➔ Estatuetas de mulheres em perfil andando para a direita. Um peplos pode ter sido

pintado por baixo de suas mãos. Analogia com a imagem de uma procissão de

mulheres, Sestieri Bertarelli identificam o grupo de estatuetas com uma peplophoria.

Uma vez que as roupas poderiam ser dedicadas por muitos motivos, o significado da

procissão não pode ser determinada com certeza. No entanto, roupas eram muitas

vezes dedicadas em nascimentos e casamentos, uma peplophoria pode também se

relacionar a esses aspectos de culto.

Hera como protetora da agricultura e vegetação


➔ Baumbach diz que a oferta de romãs no culto de Hera em Paestum entra

principalmente como pedidos por fertilidade, mais do que suas propriedades

abortivas. Existem evidências de estatuetas de Hera (o autor deduz que seria Hera

por serem figuras femininas entronizadas) segurando uma pátera na mão esquerda

e uma romã na direita. Assim, identifica de que Hera poderia ser uma deusa

associada de alguma forma à morte, sacrifícios ctônicos, deusa tutelar da fertilidade

e também da terra.

➔ Existiam também estatuetas de mesma configuração com variações que trocam a

romã por cestos de frutas.

Hera e militarismo

➔ Estatuetas de mulheres de pé e armadas. Associação com a deusa Atena. Essas

estatuetas também eram achadas no santuário de Atena em Poseidonia, localizados

ao norte da ágora. Tanto Atena quanto Hera apresentam funções similares em

Poseidonia, enquanto protetoras da cidade e de seus habitantes.

Natureza ctônica do culto

➔ O santuário contém vários bothroi. Explicação do Prof. Gilberto: Bothros é uma

espécie de aparelho de culto ctônico. Geralmente, uma fossa/buraco escavado e

emparelhado com pedras. A presença desse tipo material indica aspecto ctônico

(relação ao submundo).

➔ Baumbach relaciona as imagens da deusa portando uma pátera na mão esquerda e

uma romã ou cesto de frutas na direita também com essa mesma característica. A

pátera, nesse caso, relaciona-se a libações em sacrifícios de cultos ctônicos.

Aspectos do culto

● No período arcaico, a maior parte das dedicações para o contexto militar.


● No período clássico, a partir do século 5, a maior parte compreende a agricultura e

vegetação.

● No período helenístico há muito mais Hera associada com gravidez, nascimento e

crescimento, aí, já não é mais possível traçar nada sobre aspectos familiares e

relações com casamento e família também não aparecem.

B. Heraion da Foz de Sele

Introdução

História primitiva do assentamento:

Além de algumas evidências pré-históricas profanas, ao invés de contexto sagrado,

nenhuma evidência de ocupação prévia do assentamento foi encontrada. O fato de que os

achados mais antigos do culto de Hera datam do final do século 7 AEC mostra que, como o

Heraion urbano, o na Foz de Sele foi também estabelecido no tempo da fundação da

colônia.

O culto de Hera

Há uma relação entre ofertas votivas do Heraion urbano e do de Foz de Sele.

Hera como protetora da gravidez, nascimento e crescimento

Fertilidade feminina

➔ Estatueta de mulher vestida em um quíton e vestindo um stephanos, devido ao

estado de preservação, em fragmentos, não é possível identificar se ela está

sentada ou de pé. O braço direito está sobre o corpo, próximo aos seios. O fato de

essa posição do braço também ocorrer em estatuetas do Heraion urbano, segurando

flores de lótus, sugere que a mão direita da estatueta, que não está preservada,

também tinha uma.


➔ Grande número de pombas de terracota encontradas no depósito votivo que é

localizado entre o Tesouro e o templo do século 6. Como símbolos da fertilidade, as

pombas relacionam Hera com a fertilidade feminina. Elas também ocorrem em

estatuetas de mulheres parindo que foram encontradas tanto no Heraion urbano

quanto no rural.

➔ Cachorros sacrificados, segundo Baumbach, tinham relação principalmente com

sacrifícios relacionados ao nascimento, principalmente no sentido de eliminar

impurezas do nascimento (cachorros eram sacrificados após o nascimento). Galos e

gatos também eram sacrificados.

➔ Corais oferecidos por mulheres que perdiam os filhos, símbolo apotropaico (afasta o

mal).

Hera como deusa tutelar do casamento:

Protetora não só do casamento, mas da legitimação do casamento (o casamento legítimo).

➔ Assim como no Heraion urbano, estatuetas com um homem e uma mulher dividindo

um trono.

➔ Evidências de lebetes (Erik não soube dizer o que seriam). Contribuição do Prof.

Gilberto: lebetes é o plural de lebes. lebes gamikos é um vaso que tem função

nupcial. Evidências de fragmentos de espelhos de bronze.

Hera como protetora da agricultura e da vegetação

➔ Estatueta de mulher sentada com pátera e uma romã em cada mão (séc. 4 e 5).

Não deu tempo de explicar cada item, mas muitas das características desses atributos são

bem similares às do Heraion urbano.

➔ O que há de diferente é o culto da Hera Argiva. A mitologia diz que foram Jasão e os

Argonautas que fundaram o culto de Hera na Foz de Sele, o que justificaria o culto
da Hera de Argos. O culto da Hera de Argos é muitas vezes referido como “o

primeiro”.

Aspectos do culto:

● Arcaico: maior parte de votivas no tema de gravidez, nascimento e crescimento, em

seguida, casa e família, por último, a menor parte relativa ao militarismo.

● Clássico: maior parte para agricultura e vegetação, depois casamento e por último

gravidez, nascimento e crescimento.

● Helenístico: gravidez, nascimento e crescimento e agricultura e vegetação.

Em relação ao Heraion urbano, o militarismo é muito diminuído.

Comentários do Prof. Gilberto:

Boa apresentação, bem organizada. Pensar nas questões metodológicas utilizadas por

Baumbach para o projeto de mestrado. Para votive offerings, em Português poderíamos

usar “oferendas” ou "ex votos". O texto de Baumbach já está muito melhor do que o último

que discutimos. Há presença apenas de alguns termos problemáticos não contextualizados,

explicados, como no caso de "colonies" e “votive”. Como há um amplo debate, seria

interessante destrinchar melhor o significado de colônia para aquele recorte

espaço-temporal (ou não usá-lo, pois não é tão utilizado por isso). Parece que ele utiliza

mais das oferendas que “se explicam por si só”, encaixando-as nos cinco aspectos.

Aparentemente, ele deu destaque para esses objetos que “se explicam por si só”. A

construção de significados pode ser melhor pensada: Hera nua? A mulher entronizada não

é necessariamente Hera, mas no Heraion, quase certeza de que é Hera. O mesmo se

aplicaria para a mulher nua? Também não entendo porque o Heraion de Delos não foi

escolhido. Na metodologia, ele explicou os problemas da documentação, com vários


relatórios de escavações não publicados. Muita coisa do Heraion de Delos foi publicada e

ele incluiria as Cíclades na gama de estudos, o maior santuário de Hera nas Cíclades é o

Heraion de Delos.

Comentários do Gustavo Oliveira:

Concordo com o Gilberto e até destaquei alguns trechos que não sei bem como ele chegou

nessas conclusões. Pelo menos, não ficou claro para mim o critério utilizado na

metodologia.

“Since most busts depict women with bare breasts, they relate to Hera’s function as

protectress of female fertility.” (p. 118).

“The fact that the man has a beard suggests his identification with either Zeus or

Poseidon.” (p. 115).

Comentários da Heloísa:

Senti que parece ter sido difícil a interpretação de tantas evidências, por parte de

Baumbach, porque ele parece estar ainda muito orientado no sentido “pan-helenizante”, de

pensar a iconografia de Hera no aspecto pan-helênico. Parece que isso acontece quando

ele deduz que todas as imagens de mulheres entronizadas ou sentadas em cadeiras podem

representar Hera.

Comentário do Prof. Gilberto:

Me parece que o máximo de extensão do culto de Hera em que Baumbach consegue

pensar refere-se ao nível pan-helênico, não considerando o nível mediterrânico. Parece que

o Heraion de Samos, cujo capítulo referente será apresentado pela Laura na próxima

reunião, será útil para compreendermos essa extensão, através da presença de várias

estatuetas de Bes nas dedicações, por exemplo.


Meu comentário:

Sim, muitos aspectos das evidências arqueológicas de Samos indicam uma forte presença

e influência principalmente egípcia, mas também cipriota no culto de Hera na ilha.

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