Emissão de Certidões Pelo CNJ

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É INCONSTITUCIONAL A NEGATIVA DO CONSELHO NACIONAL DE

JUSTIÇA EM FORNECER CERTIDÕES PARA REALIZAR A DEFESA DE


DIREITOS

CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O DEVER DE EMISSÃO DE CERTIDÕES

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a emissão de


certidões para realizar a defesa de direitos, nos termos do art. 5º, inciso XXXIV,
alínea “b”, da CRFB/1988, é dever único e exclusivo do Judiciário, uma vez que
a competência desse Órgão estaria restrita ao âmbito administrativo do Poder
Judiciário.

Nesse cenário, o CNJ entende que quaisquer esclarecimentos


constantes no Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões devem ser solicitados
ao órgão judiciário responsável pela inserção das informações no sistema, nos
termos do art. 3º, § 2º, da Resolução n.º 417/2021. Contudo, algumas elucidações
precisam ser feitas sobre esse ponto.

A Resolução n.º 417/2021, em seu art. 1º, instituiu “o Banco


Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP 3.0) como banco de dados
mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, com o fim de geração, tramitação,
cumprimento e armazenamento de documentos e informações relativas a ordens
judiciais referentes à imposição de medidas cautelares, medidas protetivas,
alternativas penais, condenações e restrições de liberdade de locomoção das
pessoas naturais”.

De fato, o BNMP 3.0 depende do lançamento de dados em seu


sistema, o que deve ser feito pelo Judiciário e suas respectivas secretarias, em
todas as instâncias e tribunais (art. 1º, § 1º, da Resolução n.º 417/2021).
No momento em que as varas e os tribunais inserem informações
sobre determinada pessoa no sistema, cabe ao supramencionado Órgão registrar e
armazenar todo o material recebido (informações e documentos), de modo a
facilitar o amplo acesso àqueles dados, não só por instituições públicas como
também por particulares, especialmente pela pessoa que teve o seu nome
cadastrado no BNMP.

Embora seja dever do Judiciário alimentar o BNMP com todas as


informações necessárias, desde o nome da pessoa até a data de expedição do
mandado e respectivo cumprimento, o armazenamento não é obrigação das
autoridades judiciárias, mas, sim, do CNJ. Isso porque, quando o BNMP recebe
todos os documentos encaminhados pelas varas e tribunais, ele passa a ser
responsável por resguardá-los, administrá-los e mantê-los em seu sistema.

Como se sabe, o CNJ é uma instituição pública que busca


aprimorar o funcionamento do Judiciário brasileiro, sobretudo no que diz respeito
ao controle e à transparência administrativa e processual. 1 Assim, todos os órgãos
que o compõem compactuam com o mesmo objetivo.

Se a Lei n.º 12.403/2011 determinou a criação de um banco de


dados para registro dos mandados de prisão pelo CNJ, então, certamente, a
instituição tem acesso a todas as datas e horários de expedição dos mandados,
dias em que foram cumpridos, bem como se há algum em aberto, pendente de
cumprimento, ou se a pessoa procurada já esteve em algum momento foragida.

Ademais, a possibilidade de compartilhamento de dados entre as


instituições públicas facilita o trânsito de informações para a melhoria do sistema
e, consequentemente, o seu enriquecimento. Se tais elementos transitam entre as
instituições, não há por que impedir o particular, alvo das medidas, de acessá-los.

1
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/sobre-o-cnj/quem-somos/ . Acesso em: 20/7/2022.
Nessa interpretação adotada pelo CNJ, se o Ministério Público
utiliza como argumento de acusação – para manter eventual cautelar – que a
pessoa investigada já foi considerada foragida no passado, sem apontar, no
entanto, qual autoridade judiciária teria chegado a essa conclusão, o exercício do
contraditório é, por óbvio, prejudicado.

Isso porque se não se sabe de onde partiu eventual mandado


pendente de cumprimento, então não há como identificar qual seria a vara
estadual ou federal responsável por emitir a certidão almejada. Para tanto, a única
possibilidade seria peticionar em todas as primeiras instâncias do país, o que é
completamente inviável quando se tem um órgão específico para registrar e
armazenar as informações pretendidas.

Tendo em vista que a Resolução n.º 417/2021 foi editada com base
na necessidade de sistematizar, consolidar e integrar as informações sobre as
pessoas presas no território nacional, não há como alegar que o Conselho
Nacional de Justiça não possuiria tais dados. Para estes autores, o entendimento
firmado por esse Órgão viola expressamente o direito fundamental de acesso à
informação previsto no art. 5º, inciso XXXIII, da CRFB/1988.

DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO A CERTIDÕES (art. 5º, inciso XXXIV,


alínea “b”, da CRFB/1988)

Além do acesso à informação, obter certidões em repartições


públicas para a defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse
pessoal também é um direito fundamental previsto na Constituição Federal (art.
5º, inciso XXXIV, alínea “b”).

A expedição de certidão é garantia constitucional de natureza


individual, quando destinada à proteção de direitos e elucidação de questões
pessoais do requerente. O Estado tem o dever de apresentar as informações
solicitadas, sob pena de ofender direito líquido e certo do solicitante, por
ilegalidade ou abuso de poder, sanável apenas pela via do mandado de
segurança.2

No momento em que o solicitante requer aos órgãos da


administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de
economia mista e/ou às fundações públicas da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios a emissão de certidão para evidenciar um direito que está a seu favor,
pois não há outra forma de comprová-lo, exceto por meio de documento
apresentado por essas instituições, então passa a ser uma obrigação constitucional
o seu fornecimento.

Para o Conselho Nacional de Justiça, emitir certidões para


particulares não seria sua competência, tendo em vista que não há essa previsão
no rol do art. 103-B, § 4º, da CRFB/1988. Todavia, conforme apontado, trata-se
de um direito fundamental obter determinada certidão para se defender de falsas
acusações, então mesmo que essa competência não esteja expressa no art. 103-B
está no art. 5º da Constituição Federal.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a


possibilidade de obter certidões em repartições públicas é uma garantia trazida
pela Constituição Federal a todos os cidadãos brasileiros, de modo que possam
defender os seus direitos ou esclarecer determinadas situações:

EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Federal nº


9.289/96. Tabela IV. Cobrança de custas pela expedição de certidões
pela Justiça Federal de primeiro e segundo graus. Direito de
gratuidade de certidões (art. 5º, inciso XXXIV, alínea b, da CF/88).
Imunidade tributária. Garantia fundamental dotada de eficácia plena e
aplicabilidade imediata. Interpretação conforme à Constituição.

2
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 10. ed.
São Paulo: MÉTODO, 2013, p. 160.
1. A Constituição da República garante aos cidadãos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no país a gratuidade na obtenção de certidões
nas repartições públicas, desde que “para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal” (art. 5º, XXXIV,
CF/88). Nas palavras do eminente Ministro Celso de Mello, “o direito
à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional,
destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada
coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social),
a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de
situações” (RE 472.489-AgR, Segunda Turma, DJe de 29/8/08). Essa
garantia fundamental não depende de concretização ou
regulamentação legal, uma vez que se trata de garantia
fundamental dotada de eficácia plena e aplicabilidade imediata.

2. O direito à gratuidade das certidões, contido no art. 5º, XXXIV, b,


da Carta Magna, também inclui as certidões emitidas pelo Poder
Judiciário, inclusive aquelas de natureza forense. A Constituição
Federal não fez qualquer ressalva com relação às certidões judiciais,
ou àquelas oriundas do Poder Judiciário. Todavia, a gratuidade não é
irrestrita, nem se mostra absoluta, pois está condicionada à
demonstração, pelo interessado, de que a certidão é solicitada para a
defesa de direitos ou o esclarecimento de situações de interesse
pessoal. Essas finalidades são presumidas quando a certidão
pleiteada for concernente ao próprio requerente, sendo
desnecessária, nessa hipótese, expressa e fundamentada
demonstração dos fins e das razões do pedido. Quando o pedido
tiver como objeto interesse indireto ou de terceiros, mostra-se
imprescindível a explicitação das finalidades do requerimento.

3. Ação direta julgada parcialmente procedente, de modo que,


conferindo interpretação conforme à Constituição à Tabela IV da Lei
9.289, de 4 de julho de 1996, fique afastada sua incidência quando as
certidões forem voltadas para a defesa de direitos ou o esclarecimento
de situação de interesse pessoal, consoante a garantia de gratuidade
contida no art. 5º, XXXIV, b, da Carta Magna, finalidades essas
presumidas quando a certidão pleiteada for concernente ao próprio
requerente, sendo desnecessária, nessa hipótese, expressa e
fundamentada demonstração dos fins e das razões do pedido. 3

Com efeito, é manifesto o dever do Conselho Nacional de Justiça


em fornecer certidões para a pessoa que quer realizar a defesa de seus direitos,
sendo dispensável a regulamentação legal justamente por se tratar de um direito
fundamental previsto no art. 5º, inciso XXXIV, alínea “b”, da CRFB/1988.

3
STF: ADI n.º 2.259/DF, rel. min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 14/2/2020, DJe
25/3/2020.

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