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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO


ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PPGEC – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO
SENSU EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

ALANA RIGO DEON

A ESCALA GEOGRÁFICA COMO MÉTODO DE ENSINO PARA


A GEOGRAFIA ESCOLAR: A RELAÇÃO ENTRE
PENSAMENTO E LINGUAGEM

IJUÍ – RS
2021
1

ALANA RIGO DEON

A ESCALA GEOGRÁFICA COMO MÉTODO DE ENSINO PARA


A GEOGRAFIA ESCOLAR: A RELAÇÃO ENTRE
PENSAMENTO E LINGUAGEM

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Educação nas
Ciências, da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(UNIJUÍ), como requisito parcial para
obtenção do título de Doutora em Educação
nas Ciências.

Orientadora: Profa. Dra. Helena Copetti Callai

IJUÍ – RS
2021
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3
4

Dedico essa tese a todas as crianças, em especial ao meu


filho Thomás que está a caminho e meus afilhados
Benicio, Enzo, Lívia, João Paulo e Valentina, que estão
passando ou vão passar na escola pelos anos iniciais do
Ensino Fundamental. Espero que seja uma etapa que lhes
dê as bases para a leitura do mundo.
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AGRADECIMENTOS

Construir um trabalho científico reflexivo envolve demasiado tempo e solidão. Dessa


forma, as minhas ausências encontram-se justificadas, em parte, pelo desenvolvimento da
minha tese. A tese, por hora apresentada, é resultado de mais de dez anos de leituras,
investigações, reflexões, amadurecimento de ideias e questionamentos que perduraram em
minha trajetória acadêmica na geografia, em especial no seu ensino. Quando olho para trás
vejo que muitos dos meus questionamentos pessoais, que vêm desde a graduação, confluíram
para o que é apresentado nesta tese, e vejo que o caminho traçado não foi em vão, mesmo
tendo a dimensão do quanto ainda é pouco diante da busca pelo entendimento do mundo pelo
viés da geografia. Tudo isso confluiu para que eu pudesse apontar caminhos mais seguros do
que é ser uma boa professora e quais destes preciso ainda continuar trilhando.
Apesar, contudo, da solidão que permeia a escrita, não posso deixar de agradecer os
momentos em que encontrei na família, amigos e colegas palavras de carinho, incentivo e
apoio. Apesar de parecerem pequenas, essas palavras sempre foram importantes para meu
crescimento como pessoa e como profissional.
Em especial, pois contribuiu sobremaneira para eu pudesse chegar ao grau máximo
da educação formal e realizar essa etapa tão significativa de meu caminho profissional, quero
agradecer meu esposo, companheiro e amigo, Mauro Deon; por entender meus tempos, meus
anseios e, por vezes, minhas ausências, mas, acima de tudo, por reconhecer e respeitar minhas
formas de ver o mundo, mesmo, em muitos contextos, sendo diferentes das suas.
Ao meu filho Thomás, que esteve me enviando energias positivas dentro da barriga
da mamãe durante a finalização desta tese.
À minha orientadora, Helena, a pessoa que acreditou e confiou em mim mesmo
quando eu não acreditava e confiava. Ela mostrou-me que o mundo está de portas abertas nos
esperando, e que conhecê-lo é possível. Sou grata por ter tê-la como minha orientadora e
também como amiga. Aprendi e aprendo muito contigo, não apenas com seus
posicionamentos, questionamentos, mas também com suas atitudes, gestos, com sua ética, que
mostram o quanto aquilo que escreve se materializa naquilo que é. Posso afirmar, ainda, com
certeza, que o mundo precisa de mais pessoas como você.
Ao professor Walter Frantz, que, desde o início do Mestrado me inspira, por ser uma
pessoa tão sábia e tão comprometida com os desafios do mundo; obrigado por tudo que tenho
aprendido contigo.
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Ao professor José Pedro, pela oportunidade de poder conhecer um pouco mais sobre
as brilhantes discussões de Mario Osorio Marques, que tanto me ajudaram na escrita desta
tese.
Ao professor Marcelo Garrido, o qual tive a oportunidade de conhecer pessoalmente
em setembro de 2018 no magnífico Chile, e me inspirar mais sobre como desenvolver um
ensino de geografia com o rigor científico e metodológico.
Ao professor Vanilton, que tive a honra de conhecer nas viagens de eventos da
geografia pelo mundo, e que, com sua alegria e comprometimento nas discussões sobre o
ensino de geografia, torna esse campo de investigação ainda mais rico.
Às minhas amigas Cláudia e Maristela... como eu tenho de agradecer a vocês! Pelo
acolhimento desde minha entrada no Mestrado em 2015; por abrirem as portas das suas casas
para mim inúmeras vezes, mostrando que a amizade vai muito além do mundo acadêmico.
Vocês são referências para a pessoa que quero me tornar. Obrigada pelo apoio e confiança em
mim sempre.
À minha amiga Carina Copatti, companheira em muitas idas e vindas de Ijuí nesses
últimos anos; por ser minha referência como pesquisadora no ensino de Geografia, me
inspirar e mostrar que é possível fazer uma tese.
Enfim, ao grupo de pesquisa Ensino e Metodologias em Geografia e Ciências
Sociais, coordenado pela professora Helena: Carla, Elmir, Gabriel, Jandha, Sigfran, Tarcísio,
Caroline, que contribuíram, cada um a seu modo e com seus conhecimentos de campos
específicos, com o meu crescimento acadêmico. À Paula, que, mesmo que nosso tempo juntas
tenha sido curto no grupo, nem imagina o quanto a amizade foi importante para mim.
À minha família, pai (Clari) e mãe (Eliane), que, mesmo de longe, sempre me
apoiaram e emocionavam-se quando eu ia conhecer lugares do mundo que talvez eles nunca
terão a oportunidade de conhecer, mas ficavam felizes com a minha alegria. Em especial à
minha mãe, mulher guerreira e batalhadora, que nunca mediu esforços para fazer o melhor por
seus filhos. Sempre lembro das palavras dela, em uma das fases difíceis de nossa vida: queria
que nós estudássemos para sermos alguém.
À minha irmã Liana, pelo apoio incondicional sempre, e, em especial, minha
sobrinha e afilhada Valentina, que, no último um ano e meio, tem oxigenado minha vida com
alegria, doçura e fofura, e, de certa forma, esta tese reflete na busca de uma educação melhor
para a sua geração.
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Ao meu irmão Felipe, por me atribuir a responsabilidade de ser exemplo para ele,
mostrando, em suas palavras, o quanto tem orgulho de mim.
À minha avó Adelina Paggi (in memoriam), que, mesmo não estando mais presente
fisicamente nesse mundo e em minha trajetória de doutoramento, sempre foi exemplo de luta
e persistência, e que sempre rezava para que eu pudesse fazer boa viagem até Ijuí. Hoje sei
que suas orações estão sendo feitas em outro lugar e continuam guiando-me, me protegendo e
me iluminando.
Ao meu sempre professor e amigo Robson Paim (in memoriam), por mostrar-me
meus limites e, mesmo assim, confiar em mim e na minha capacidade, sempre contribuindo
para que eu seguisse nos meus estudos.
À Capes, pelo financiamento da pesquisa.
À Unijuí e ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, professores,
colegas, meninas da Secretaria, pela oportunidade de poder aprender e pesquisar para melhor
poder ensinar.
Aos muitos outros amigos e familiares que não foram nominados formalmente, mas
que estão na minha memória afetiva; gratidão pelo apoio e incentivo incondicional.
Aos meus animais de estimação, Zeus e Hera, que estiveram comigo na grande
maioria dos momentos de escrita. Para tudo, eles estavam lá apenas me olhando, mas um
olhar que tem mil palavras expressas.
Por fim, gratidão a Deus, ao universo e a todos os meus mentores espirituais, por
permitirem-me trilhar esse caminho do Doutorado.
Gratidão!1

1
A arte aqui exposta foi desenvolvida por Andressa Mueller a pedido da autora, em janeiro de 2021, em
agradecimento a todos que contribuíram para o desenvolvimento desta tese.
8

“Diante de todas as incertezas que temos no mundo atual,


podemos elucidar a certeza de uma coisa: a aposta na
educação é sempre um movimento importante para mudar
o mundo” (Alana Rigo Deon – 2021).

Por isso, como dizia Jean Paul Sartre: “compreender é


mudar”.
9

RESUMO

As discussões elucidadas nesta tese tiveram centralidade no método e na constituição da


geografia, que dentro dos limites desse método impôs fragmentações às ciências e seus
estatutos epistemológicos. Na geografia isso repercutiu-se a partir da fragmentação entre
físico e humano e em recortes espaciais. A geografia ensinada na escola torna-se reflexo da
ciência, pois seu objeto e método orientam a prática escolar. Nessa direção, foi necessário
pensar um método de ensino de geografia de forma a não fragmentar os fenômenos que se
materializam no espaço, de maneira que esse entendimento seja traduzido para a geografia
escolar. Por isso, esta pesquisa objetivou entender em que medida a escala geográfica pode
ser considerada um método de ensino que contribua para a superação da fragmentação dos
conhecimentos e níveis de análise que perpassam a geografia escolar. Para compreendê-lo,
utilizou-se argumentações em defesa da tese de que a escala de análise geográfica pode ser
um método de ensino que possibilita superar a fragmentação do conhecimento escolar
quando articula conceitos, categorias e princípios da geografia; nesse sentido, torna possível
a relação entre pensamento e linguagem, ao mesmo tempo em que permite fazer a relação
entre os fenômenos e níveis de análise que se materializam no espaço geográfico.
Contribuíram para esse entendimento a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo, a pesquisa
documental e a análise de livros didáticos dos anos iniciais, a partir de uma metodologia de
elaboração própria. A produção de dados tomou como referência a Análise de Conteúdo
proposta por Bardin (2016), e a interpretação se deu a partir dos princípios da teoria crítica e
hermenêutica proposta por Mario Osorio Marques. Por fim, esta investigação evidenciou que
os livros apresentam possibilidades de tornar o uso da escala possível a partir dos exemplos
encontrados, no entanto ainda não utilizam a escala de análise geográfica na sua relação com
princípios, categorias e conceitos da geografia de modo a contribuir de forma efetiva com a
superação da fragmentação do conhecimento na geografia escolar.

Palavras-chave: Círculos concêntricos. Escala de análise geográfica. Linguagem e


pensamento. Livro didático. Método de ensino.
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ABSTRACT

The discussions elucidated on this thesis were central to the method and the constitution of
Geography, which within the limits of this method, imposed fragmentation on the sciences
and their epistemological statutes. In Geography, this had repercussions from the
fragmentation between physical and human and in spatial cuts. The Geography taught at
school becomes a reflection of science because its object and method guide the school
practice. In this direction, it was necessary to think about a teaching method to not fragment
the phenomena that materialize in their space. Thus, this understanding is translated into
school Geography. Therefore, this research aimed to understand the measure to which the
Geographical scale can be considered a teaching method that contributes to overcoming the
fragmentation of knowledge and levels of analysis that permeates school Geography.
Arguments were used in defense of the thesis that it can be a teaching method that makes it
possible to overcome the fragmentation of school knowledge when it articulates concepts,
categories, and principles of Geography; in this sense, it makes possible the relationship
between thought and language, at the same time that it allows the relationship between the
phenomena and levels of analysis that materialize in the Geographical space. The qualitative
bibliographic research, the documentary research, and the analysis of didactic books of the
early years contributed to this understanding, based on a methodology of its elaboration. The
production of data took as reference the Content Analysis proposed by Bardin (2016), and the
interpretation was based on the principles of the critical and hermeneutical theory proposed by
Mario Osorio Marques. Finally, this investigation showed that the books have possibilities to
make the use of the scale possible based on the examples found, however, they still do not use
the scale of Geographic analysis in its relationship with principles, categories, and concepts of
Geography to effectively contribute with overcoming the fragmentation of knowledge in
school Geography.

Keywords: Concentric circles. The scale of Geographical analysis. Language and Thought
Textbook Teaching method.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC Base Nacional Comum Curricular


Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
DHE Departamento de Humanidades
EF Ensino Fundamental
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LA Livro do Aluno
LD Livro Didático
Lepeg Laboratório de Ensino e Pesquisa em Educação Geográfica
MEC Ministério da Educação
MP Manual do Professor
PNLD Programa Nacional do Livro e do Material Didático
UNIJUÍ Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
12

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Elementos da linguagem e do pensamento ........................................................ 29


Figura 2 – Conhecimento humano na antiguidade .............................................................. 31
Figura 3 – Estruturação da Geografia Moderna com base nos princípios racionalistas e
realistas .............................................................................................................. 40
Figura 4 – Diferentes objetos do conhecimento na Geografia moderna ............................. 62
Figura 5 – Disciplinas escolares em uma tríplice dimensão ............................................... 72
Figura 6 – Interligação entre os recortes escalares de forma relacional .............................. 93
Figura 7 – Círculos concêntricos no ensino de Geografia................................................... 97
Figura 8 – A escala de análise geográfica numa perspectiva relacional ........................... 104
Figura 9 – A escala como método de ensino ..................................................................... 132
Figura 10 – Síntese do entendimento da escala como método de ensino............................ 134
Figura 11 – Inter-relação entre os procedimentos metodológicos da Geografia ................. 138
13

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Principais temas abordados e principais autores consultados ............................ 22


Quadro 2 – Método dedutivo ................................................................................................ 35
Quadro 3 – Método indutivo ................................................................................................. 37
Quadro 4 – Princípios do método positivista e seus desdobramentos na Geografia ............ 41
Quadro 5 – Métodos, seus princípios e desdobramentos ...................................................... 43
Quadro 6 – Procedimentos metodológicos em Humboldt e Ritter ....................................... 53
Quadro 7 – Procedimentos metodológicos em Ratzel .......................................................... 56
Quadro 8 – Procedimentos metodológicos em La Blache .................................................... 57
Quadro 9 – Procedimentos metodológicos idiográficos e nomotéticos ................................ 58
Quadro 10 – Paradigmas geográficos ..................................................................................... 62
Quadro 11 – Tríplice dimensão do conhecimento geográfico escolar .................................... 71
Quadro 12 – Fundamentos geográficos e didático-pedagógicos no livro didático ................. 76
Quadro 13 – Teses sobre a temática da escala geográfica no período de 2016-2019 ............. 82
Quadro 14 – Referências sobre a temática escala na Geografia escolar ................................. 85
Quadro 15 – A relação entre conceitos e níveis de análise ..................................................... 94
Quadro 16 – Categorias analíticas .......................................................................................... 99
Quadro 17 – Considerações gerais acerca das características e objetivos dos anos iniciais
do Ensino Fundamental.................................................................................... 106
Quadro 18 – Critérios eliminatórios comuns a todas as coleções ......................................... 108
Quadro 19 – Competências gerais que orientam a BNCC .................................................... 110
Quadro 20 – Princípios do raciocínio geográfico ................................................................. 114
Quadro 21 – As unidades temáticas na Geografia ................................................................ 116
Quadro 22 – Perguntas-chave para o desenvolvimento da Geografia nos anos iniciais ....... 118
Quadro 23 – Análise acerca das unidades temáticas da Geografia na BNCC ...................... 119
Quadro 24 – Síntese de entendimento acerca dos conceitos geográficos ............................. 121
Quadro 25 – Princípios da Geografia clássica ...................................................................... 123
Quadro 26 – Princípios científico-didáticos ......................................................................... 124
Quadro 27 – A escala geográfica aplicada ao entendimento do conteúdo cidade ................ 133
Quadro 28 – Elementos para pensar a escala geográfica como proposta de trabalho para a
Geografia escolar ............................................................................................. 138
Quadro 29 – Estrutura dos prefácios/apresentação das coleções e seus conceitos-chave .... 146
Quadro 30 – Estrutura do sumário ........................................................................................ 146
Quadro 31 – Estrutura do MP: orientações gerais da coleção: políticas de referência,
concepções teóricas, didático-pedagógicas e metodológicas........................... 146
Quadro 32 – Entendimento de escala expresso pelos livros ................................................. 146
Quadro 33 – Indicadores específicos .................................................................................... 147
Quadro 34 – Coleções analisadas na totalidade .................................................................... 148
14

Quadro 35 – Coleções analisadas apenas em seus aspectos gerais ....................................... 148


Quadro 36 – Organização da codificação dos dados em uma tríplice dimensão .................. 149
Quadro 37 – Concepções teóricas e metodológicas das coleções......................................... 155
Quadro 38 – Perspectivas críticas ......................................................................................... 157
Quadro 39 – Conceitos, recortes de análise, categorias e princípios .................................... 159
Quadro 40 – Concepções didático-pedagógicas ................................................................... 162
Quadro 41 – Concepções de escala ....................................................................................... 165
Quadro 42 – Contextualizações com o lugar de vivência dos estudantes............................. 167
Quadro 43 – Exemplo LD4 – MP – vol. 5 – “As cidades se transformam” ......................... 168
Quadro 44 – Exemplo LD4 – LA e MP – vol. 4 – cap. 4 – “Atividade industrial” .............. 170
Quadro 45 – Exemplo LD1 – MP – vol. 4 – cap. 1 – “Integração campo e cidade” ............ 171
Quadro 46 – Exemplo LD2 – LA – vol. 3 – cap. 2 – “A vida na cidade” ............................ 172
Quadro 47 – Exemplo LD3 – LA – vol. 4 – “O meu lugar” ................................................. 173
Quadro 48 – Exemplo LD3 – MP – vol. 5 – “Redes de cidades” ......................................... 174
15

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 17
DELINEAMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ..................................... 21
PERCURSO DA TESE NA APRESENTAÇÃO EM CAPÍTULOS .......................... 25

1 A RELAÇÃO OBJETO E MÉTODO NA CONSTITUIÇÃO DA


GEOGRAFIA ............................................................................................................ 26
1.1 A LINGUAGEM E O PENSAMENTO COMO FUNDANTES NA
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO ....................................... 27
1.2 O DEBATE DAS RACIONALIDADES NA MODERNIDADE E O PROCESSO
DE FRAGMENTAÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO ........................... 33
1.3 A QUESTÃO DO MÉTODO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUIÇÃO DA
GEOGRAFIA .............................................................................................................. 40
1.4 AS BASES EPISTÊMICAS DA GEOGRAFIA: OBJETO E MÉTODOS NO
PENSAMENTO GEOGRÁFICO ............................................................................... 48
1.5 A GEOGRAFIA COMO DISCIPLINA DE ENSINO ................................................ 63
1.6 A RELAÇÃO ENTRE A GEOGRAFIA ESCOLAR E SUA CIÊNCIA DE
REFERÊNCIA: AS CONCEPÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS ........................ 67
1.7 A RELAÇÃO PENSAMENTO E LINGUAGEM NA ABORDAGEM DOS
CONTEÚDOS DO LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA ...................................... 75

2 O CONCEITO DE ESCALA GEOGRÁFICA NO ENSINO DE


GEOGRAFIA ............................................................................................................ 81
2.1 AS DEFINIÇÕES EPISTÊMICAS DOS CONCEITOS DE ESCALA
GEOGRÁFICA E CARTOGRÁFICA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A
GEOGRAFIA .............................................................................................................. 87
2.2 A ESCALA NA PESQUISA SOBRE ENSINO DE GEOGRAFIA ........................... 95
2.3 A ESCALA NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS QUE ENVOLVEM
CURRÍCULO E LIVRO DIDÁTICO: ASPECTOS DO EDITAL DO PNLD E
DA BNCC ................................................................................................................. 105
2.4 A GEOGRAFIA NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E O
LUGAR DOS ANOS INICIAIS ............................................................................... 113
2.5 A ESCALA DE ANÁLISE GEOGRÁFICA NA SUA RELAÇÃO COM OS
PRINCÍPIOS, CATEGORIAS E CONCEITOS DA GEOGRAFIA ........................ 120

3 ESCALA GEOGRÁFICA COMO POSSIBILIDADE DE MÉTODO DE


ANÁLISE NA GEOGRAFIA ESCOLAR: A RELAÇÃO ENTRE
PENSAMENTO E LINGUAGEM......................................................................... 126
3.1 A LINGUAGEM E O PENSAMENTO NA ARTICULAÇÃO ENTRE OS
CONTEÚDOS DE ENSINO DA GEOGRAFIA E O MUNDO DA VIDA ............. 126
3.2 ELEMENTOS QUE FUNDAMENTAM A ESCALA DE ANÁLISE COMO
POSSIBILIDADE DE MÉTODO DE ENSINO PARA A GEOGRAFIA
ESCOLAR POR MEIO DA RELAÇÃO PENSAMENTO E LINGUAGEM.......... 131
3.3 A PROPOSIÇÃO DA ESCALA COMO MÉTODO DE ENSINO: O EXEMPLO
DO CONTEÚDO CIDADE ...................................................................................... 139
3.4 O LIVRO DIDÁTICO DOS ANOS INICIAIS: OS CÍRCULOS
CONCÊNTRICOS E A ESCALA GEOGRÁFICA NUMA RELAÇÃO
CONTRADITÓRIA ENTRE AS CONCEPÇÕES TEÓRICO-METODO-
LÓGICAS E DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS ............................................................ 145
16

3.4.1 Interpretações a partir dos livros didáticos dos anos iniciais .............................. 150
3.4.2 Círculos concêntricos .............................................................................................. 150
3.4.3 O conteúdo cidade e as concepções teórico-metodológicas e didático-
pedagógicas das coleções ......................................................................................... 154
3.4.4 A escala de análise geográfica ................................................................................ 164

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 176

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 183

APÊNDICE A – QUADRO SÍNTESE DOS PREFÁCIOS DO LA .................... 192

APÊNDICE B – ORGANIZAÇÃO DOS SUMÁRIOS DAS COLEÇÕES


COM RELAÇÃO AO CONTEÚDO CIDADE .................................................... 193

APÊNDICE C – CONCEITO CIDADE NAS COLEÇÕES ............................... 195

APÊNDICE D – CONCEITOS E TEMAS SECUNDÁRIOS AO


CONTEÚDO CIDADE DESENVOLVIDOS NAS COLEÇÕES ....................... 196
17

INTRODUÇÃO

Os caminhos que me levaram à escrita desta tese estão profundamente vinculados


com a minha trajetória acadêmica e, junto com ela, a preocupação com um ensino de
Geografia na perspectiva da educação geográfica2. A geografia é uma disciplina do currículo
escolar que tem como uma de suas principais atribuições desenvolver nos estudantes a leitura
crítica do mundo e do lugar onde vivem. O mundo é a totalidade que nos cerca e que se
materializa nos lugares e ações do passado e do presente. Assim, é permeado por sujeitos,
objetos e ações que se desenvolvem, se relacionam e concriam mutuamente esse mundo,
dando a ele, ao longo dos tempos, novas formas.
Como explicar, porém, essas relações de forma a mostrar como estavam presentes no
mundo da vida dos estudantes? Quais eram os conhecimentos que eu, como professora,
precisava construir em minha prática profissional para dar conta de tal prerrogativa? Essas
eram as dúvidas que, desde a Graduação, me intrigavam, pois queria mostrar que a geografia
e os conteúdos por ela trabalhados possuíam uma relevância política e social e eram parte da
vida dos estudantes. Nessa época, pensava em qual era o papel do livro didático na Geografia
escolar, pois ouvíamos severas críticas sobre esse material pelos professores da universidade,
mas, ao mesmo tempo, ele era a base para o desenvolvimento das aulas dos professores na
escola básica. Mais tarde pude, também, constatar isso na minha experiência como professora
do Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos em uma escola pública de ensino, em que o
livro didático era o indutor do currículo escolar e das aulas dos professores, tanto em termos
de conteúdos quanto de planejamento e organização das aulas. Como material de análise, o
Livro Didático (LD) passa a fazer parte das minhas pesquisas no Mestrado. Assim, na
Dissertação busquei analisar como os conteúdos do livro didático de geografia contribuiriam
para a formação humana e cidadã do estudante.
As análises realizadas, em âmbito da Dissertação, e a pesquisa de estado do
conhecimento sobre o LD na geografia3, mostraram que os estudos sobre esse material se
concentram, em sua grande maioria, na análise do seu conteúdo, o que evidencia que existem

2
Esse conceito busca superar a linearidade e a fragmentação dos conhecimentos que são traduzidos em conteúdos
escolares. Assim, tem como pretensão metodológica tornar as aprendizagens dos estudantes significativas para a
sua vida (CALLAI, 2011). A educação geográfica constitui-se uma possibilidade de leitura e entendimento de
mundo para que os estudantes se reconheçam como sujeitos desse mundo, entendendo a complexidade dos
fenômenos sociais e contribuindo, assim, para a formação cidadã (Ibidem, 2011).
3
A pesquisa foi realizada em revistas Qualis A – brasileiras pontuadas na Geografia (com base no quadriênio de
avaliação 2013-2016), disponíveis online. Essa escolha se deu por serem as revistas que possuem artigos com
melhor qualidade intelectual na área avaliada. Os descritores utilizados foram “Livro Didático” e
“Manual/Material Didático”.
18

lacunas teórico-metodológicas e didático-pedagógicas no que se refere às concepções


adotadas pelas coleções e o que se efetiva na abordagem dos conteúdos e sua organização
interna. A geografia é trabalhada de forma fragmentária, dividindo a sua parte física da parte
humana, e desses em temas específicos como geologia, geomorfologia, hidrografia,
população, economia, como se a relação sociedade-natureza ocorresse de forma dissociada.
Em seguida, esses conteúdos são simplificados e recortados em níveis, geralmente seguindo
uma lógica dos conceitos e conteúdos mais simples para os mais complexos, quer dizer, dos
conteúdos e conceitos mais próximos da realidade empírica do estudante nas séries iniciais,
geralmente no primeiro e segundo anos, que partem do eu, casa, rua, bairro, para, no terceiro
ano, trabalhar com a cidade e no quarto e quinto anos com os conceitos mais abstratos, como
região e território.
Essa divisão tem uma sequência linear, em que os espaços são trabalhados em uma
dimensão absoluta, por vezes relativa, em que o conteúdo/tema em si mesmo, em que o objeto
em estudo é determinado por uma localização e delimitado a partir de sua área de ocorrência
no espaço geográfico (que pode ser o local, o regional, o territorial) considerados recortes do
espaço geográfico, mas sem relação entre si. Os conteúdos da Geografia, todavia, só fazem
sentido se tratados em termos relacionais; isso quer dizer que nenhum fenômeno ocorre de
forma isolada no espaço, pois cada lugar tem sua importância pela localização que ocupa, mas
também pelas relações que estabelece com o seu entorno e com os fenômenos que nele
ocorrem e sujeitos que ali habitam. Esse entendimento torna-se problemático para a geografia,
pois é uma ciência e disciplina escolar que busca compreender o mundo em sua totalidade e
não apenas uma parte desse todo.
Um exemplo nesse sentido, e que será objeto de estudo e investigação nesta tese, é o
conteúdo cidade, pois faz parte do currículo escolar e também é o lugar em que a grande
maioria dos estudantes vive ou com o qual possui relações. Geralmente os livros didáticos
apresentam a temática nas séries iniciais a partir do lugar e da paisagem para, nas séries finais,
trabalhar na perspectiva da região e do território. Os exemplos apresentados concentram-se
em grandes e médias cidades, e quase não consideram a realidade das pequenas cidades. Há,
assim, uma generalização no modo como o tema é tratado nos livros didáticos. Os livros são
produzidos em escala nacional, e, por isso, dificilmente apresentam considerações específicas
dos diversos locais em que esse material chega. Isso, no entanto, traz dificuldades para a
compreensão dos conhecimentos geográficos dos estudantes que terão dificuldades de
aprender Geografia por analogia, isto é, embora o conceito de cidade seja o mesmo, existem
também questões que são específicas de cada lugar, e intrínsecas à vivência de cada estudante,
19

que não podem ser explicadas apenas por generalização. Assim, uma das possibilidades
metodológicas para esse trabalho seria o encaminhamento de atividades e textos que levem a
reflexões locais, mas sem desconsiderar a relação do local com outras escalas e fenômenos.
Essa constatação anteriormente descrita demonstra que existem lacunas de ordem
epistêmica nos livros no que se refere aos conteúdos de ensino, que carregam marcas da
ciência de referência e que acabam por dualizar as relações humanas com a natureza, e
didático-pedagógicas, intrínsecas às intencionalidades das políticas que orientam esses
materiais e que refletem na sua organização interna em unidades, capítulos, conteúdos e
atividades (geralmente pautadas na observação, descrição, memorização e que, muitas vezes,
não encaminham a reflexões e compreensões, ou seja, ao exercício crítico). Assim, dualiza-se
o conteúdo apresentado ao sujeito e seu contexto de ensino, como se a geografia fosse alheia à
vida e à realidade do estudante.
Para compreender de maneira mais profunda porque o ensino se estrutura dessa
forma, é necessário interrogar o passado para compreender de onde emergem as
fragmentações e dicotomias que perpassam a geografia, tanto no que se refere às questões
epistemológicas da ciência de referência quanto didático-pedagógicas, que orientam as
práticas do fazer da disciplina escolar. Parte-se do pressuposto de que na modernidade a busca
de um fundamento de verdade sobre como conhecemos as coisas do mundo acabou por
dualizar o entendimento do mundo em sujeito e objeto, razão e experiência, pensamento e
linguagem. Desse embate constitui-se o método positivista, que se tornou o único caminho de
acesso à verdade. As ciências, ao constituírem-se sob essa lógica, disciplinarizaram-se e
especializaram seus objetos de investigação. A geografia, por não possuir um único objeto,
precisou fragmentar-se, o que resultou em compreensões parciais do espaço, tanto em termos
de fenômenos que se dividiram em físicos e humanos quanto em recortes espaciais.
A necessidade dessa discussão emerge com força, especialmente em um cenário em
que a geografia cada vez mais vem perdendo espaço na educação escolar, principalmente com
as novas políticas (Base Nacional Comum Curricular – BNCC – e Reforma do Ensino
Médio), que se colocam na perspectiva da racionalidade técnica neoliberal. Essa racionalidade
acaba reforçando o papel do ensino como um meio para suprir as necessidades do mercado de
trabalho. Nesta conjuntura, afirmar a importância da geografia com bases teóricas é
fundamental para justificar a sua função social na formação humana e cidadã dos sujeitos.
Assim, ao investigar o passado podemos encontrar referências e possibilidades para orientar e
melhorar o processo de ensino e aprendizagem no presente.
20

Para avançar nesse entendimento, desdobram-se perguntas que se fazem necessárias e


orientam o percurso investigativo desta tese: Em que medida o debate das racionalidades que
separaram pensamento e linguagem orientaram a constituição da geografia, seus objetos e
métodos? Que concepção epistemológica e didático-pedagógica tem orientado a geografia como
ciência e seu fazer escolar? Como superar a fragmentação do ensino na geografia escolar? Como
essa fragmentação repercute nos livros didáticos? Para responder essas perguntas, esta tese
objetiva entender como a escala de análise geográfica pode contribuir com a superação da
fragmentação dos conhecimentos e níveis de análise que perpassam a geografia escolar.
O cerne da questão que nos sustenta é que a escala de análise geográfica4 ao ser
trabalhada de forma articulada aos princípios, categorias e conceitos da geografia, pode ser
uma possibilidade teórico-metodológica de superar a fragmentação do conhecimento
geográfico escolar. Para sustentar a hipótese, isto é, a grande pergunta que orienta esta tese,
aliam-se nesse contexto os objetivos específicos da pesquisa, que serão desdobrados ao longo
dos capítulos: a) retomar o debate sobre as racionalidades na modernidade para compreender
como a dualidade entre pensamento e linguagem contribuiu para a fragmentação do
conhecimento geográfico e na sua relação objeto e método; b) compreender a relação entre a
geografia escolar e sua ciência de referência; c) entender como a escala de análise geográfica
é compreendida pelos teóricos da geografia e nas pesquisas sobre o seu ensino nos últimos
anos; d) analisar como a escala de análise geográfica está presente nas políticas educacionais
e livros didáticos; e) elaborar uma proposição de análise para o Livro Didático com base na
escala geográfica, verificando em que medida o conceito está presente em suas discussões; e
f) compreender como e se a escala pode ser uma possibilidade de método de análise na
geografia escolar.
Pautada nas assertivas apresentadas, busco defender na tese que a escala de análise
geográfica pode ser um método de ensino5 que possibilita superar a fragmentação do
conhecimento escolar quando articula conceitos, categorias e princípios da geografia; nesse
sentido torna possível a relação entre pensamento e a linguagem para a compreensão da
totalidade do espaço geográfico. A escala, considerada a partir dos seus elementos, torna-se
um recurso teórico-metodológico que supera o caminho fragmentado e linear, possibilitando
que a geografia possa ser entendida a partir da complexidade que as relações do mundo

4
Ao longo do texto também utilizamos a denominação de escala geográfica, mas seu sentido remete à escala de
análise geográfica.
5
Quando me referir à expressão “método de ensino” seu entendimento está atrelado ao sentido pedagógico e sua
possibilidade de desenvolvimento na escola. Para sustentar tal entendimento tenho como referência a discussão
21

exigem. Por fim, acredito que a tese aqui defendida responde muitas das interrogações que
estão comigo desde a minha Graduação, na medida em que me levaram a pensar, dialogar e
propor caminhos para a educação geográfica. Essas discussões terão continuidade a partir dos
delineamentos metodológicos apresentados nesta pesquisa.

DELINEAMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A pesquisa emerge de um movimento da práxis (estudante-professora) para a práxis


em sala de aula (professora-estudante), seguindo momentos de reflexão acerca do tema e dos
desdobramentos por ele propostos. Ela é construída desde a percepção de um determinado
problema – “falta de relação entre os conteúdos e o mundo da vida do estudante” – que, ao ser
aprofundado a partir de estudos e pesquisas, avança para discussões que abrangem as bases
epistemológicas da geografia. Assim, inicio com um processo indutivo que busca na dedução
os meios necessários para determinada compreensão. Baseada nisso, busco avançar no
processo interpretativo com o intuito de chegar à compreensão e ao entendimento do tema
proposto.
O processo interpretativo que sustenta as discussões e a análise dos dados desta tese,
abrange as teorias crítica e hermenêutica de educação com referência em Mario Osorio
Marques. A escolha recai nesse autor, pois ele propõe um diálogo entre as múltiplas
racionalidades que compõem o currículo escolar. Marques aporta-se na guinada linguístico-
pragmática que ocorreu no campo da filosofia na virada da década de 80 para a de 90 do
século 20, com referência na Teoria da Ação Comunicativa proposta por Habermas (1982)
(BOUFLEUER, 2020). Essa teoria propõe um diálogo entre as múltiplas vozes, paradigmas,
tendências, correntes, que permeavam o currículo escolar. “Com isso, positivistas, dialéticos e
fenomenólogos ou hermenêuticas foram desautorizados e pensarem sozinhos o currículo e a
própria educação, mas foram convidados para o debate uns com os outros na perspectiva de
um entendimento ampliado – de múltiplas vozes – sobre “para que” e “como” educar as novas
gerações” (BOUFLEUER, 2020, p. 2).
A teoria crítica supõe a interpretação das contradições presentes na sociedade com
vistas à transformação. Esta teoria não faz a crítica abstratamente, mas por meio do
conhecimento. Aliada a ela está a teoria hermenêutica, que busca compreender, de modo mais
profundo, o sentido das palavras, evidenciando a complexidade do processo interpretativo dos

realizada por Milton Santos em seu livro “Espaço e Método” (2014a), que nos permite pensar o espaço, objeto
de estudo da geografia, como uma totalidade, de forma a superar a fragmentação do conhecimento geográfico.
22

sentidos explícitos e ocultos dos objetos (HERMANN, 2002). Por isso, estas duas teorias dão
suporte teórico para as discussões, reflexões, análises e interpretações, com o intuito de
apresentar as contradições existentes ao longo da produção do conhecimento científico, no
caso com especial atenção à geografia, e possibilitando, por meio do processo interpretativo
das leituras e dos livros didáticos, referenciais para sustentar a tese defendida.
Metodologicamente, o percurso investigativo da tese segue uma abordagem
teórico-bibliográfica de cunho qualitativo, e é divido em dois movimentos
complementares. O primeiro movimento é teórico e faz uma pesquisa bibliográfica,
documental e de Estado do conhecimento, apresentada nos dois primeiros capítulos. Os
principais temas que perpassam a discussão deste estudo emergiram de leituras em livros,
artigos e da pesquisa do Estado do Conhecimento no Banco de Teses e Dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em que foram
pontuados autores de referências para a discussão do tema proposto. Esses autores
contribuem para o desenvolvimento desta investigação com conceitos e discussões que
nos fortalecem com argumentos e nos sustentam teoricamente.

Quadro 1 – Principais temas abordados e principais autores consultados


Principais temas abordados Principais autores consultados
Debate das racionalidades e René Descartes, Francis Bacon, John Locke, Lakatos e Marconi,
método Japiassú e Marcondes, Silvio Sanchez Gamboa, Jan Broek, Antônio
Carlos Robert de Moraes, Ruy Moreira, David Harvey, Dirce
Suertegaray e Eliseu Sposito, Guilherme dos Santos Claudino.
História das disciplinas escolares Andre Chervel, Ivoor Goodson, Circe Bittencourt, Michael Young.
Geografia escolar e Geografia Francisco Lestegás, Helena Callai.
acadêmica
Livro didático Allain Choppin, Helena Callai, Marcos Couto, Carina Copatti.
Escala de análise Ina Elias de Castro, J. B. Raccine, C. Raffestin, V. Ruffy, Everaldo
Santos Melazzo e Cloves Alexandre Castro, Milton Santos, Roberto
Lobato Corrêa, David Harvey, Dirce Suertegaray.
Escala no ensino Helena Callai, Rafael Straforini, Wellington Aragão, Lana de Souza
Cavalcanti, Rosana Torrinha Silva de Farias.
Círculos concêntricos Helena Callai, Cláudia Toso, Martin Kuhn, Rafael Straforini.
Cidade, município Helena Callai, Lana Cavalcanti, Ana Fani Alessandri Carlos.
Teoria crítica e hermenêutica Mario Osório Marques, Nadja Hermann.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

O segundo movimento pauta-se na pesquisa documental que envolve as políticas


educacionais e os livros didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esse movimento
ajuda-nos a compreender como e se os delineamentos do movimento teórico da pesquisa
encontram sustentação nas análises e interpretações realizadas, bem como se estas trazem
avanços ao movimento teórico. A escolha dos livros dos anos iniciais para análise ocorre por
23

ser essa a fase em que se inicia o trabalho com os conceitos da geografia que, geralmente, são
trabalhados na perspectiva dos círculos concêntricos6 num processo linear, em que o ensino
parte do EU (estudantes) e vai sendo ampliado para a família, escola, rua, bairro, cidade,
numa sucessão de espaços absolutos que fragmentam os espaços e a vida vivida e, assim, não
apresentam possibilidades de inter-relação entre si.
A pesquisa documental é referenciada nos estudos de Lakatos e Marconi (2003), que
entendem que as investigações em documentos públicos oficiais revelam muito da conjuntura
social de um determinado período histórico, e, nesse sentido, dizem, também, muito sobre a
sociedade e sobre quem a produz. Por isso, o pesquisador “deve não só selecionar o que lhe
interessa, como também interpretar e comparar o material, para torná-lo utilizável” (Ibidem, p.
178). Os documentos analisados foram a Base Nacional Comum Curricular (BNCC-2018) e o
Edital 01/2017, referente ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2019 dos anos
iniciais. Os documentos descritos são públicos, escritos e disponíveis em plataformas da
internet vinculadas ao Ministério da Educação – MEC. A escolha de ambos os documentos
justifica-se pelo fato de a BNCC ser a política atual que referencia os currículos escolares e o
próprio Programa Nacional do Livro e do Material Didático – PNLD, programa que orienta o
processo de produção, avaliação e distribuição de livros no Brasil.
A análise dos livros constituiu-se em dois eixos: aspectos gerais e específicos. As
referências para análise das coleções foram construídas com base em Bardin (2016), e
consistem na 1) pré-análise; 2) exploração do material; e 3) tratamento dos resultados,
inferência e interpretação. Na pré-análise realizou-se a) a definição dos livros analisados e
retomada dos objetivos da pesquisa e, aliados a eles, foram desenvolvidos objetivos
específicos para que os aspectos levantados melhor pudessem contribuir com a interpretação
final; b) a leitura flutuante, na qual se tece o contato direto com as coleções, buscando
conhecê-las e deixando-se invadir pelas suas impressões e orientações; e c) foram construídos
indicadores de análise de acordo com os objetivos da pesquisa. Os indicadores foram
divididos em gerais e específicos. Os indicadores gerais são os itens que orientam e
perpassam todos os livros da coleção: apresentação da coleção (também denominada prefácio)
e definição dos conceitos-chave; orientações gerais para a coleção, políticas de referência,
concepções teórico-metodológicas e didático-pedagógicas.
Já os indicadores específicos foram construídos para atender as finalidades desta
pesquisa e tiveram orientação a partir dos seus objetivos, de forma a contemplar as discussões

6
Estudos nesse sentido já foram realizados por Callai (2005).
24

apresentadas nos capítulos. O intuito foi analisar o conteúdo cidade na sua relação com
conceitos, categorias, princípios e recursos metodológicos do trabalho em geografia. A escala
de análise geográfica é entendida como o conceito que permite fazer o entrecruzamento entre
os recortes, os fenômenos físicos e os humanos, permitindo a recorrência à totalidade. Os
princípios são operacionais e permitem desenvolver formas de raciocínio geográfico, dando
dinamicidade ao movimento da escala, pois são eles que a colocam na prática. Os indicadores
específicos foram construídos para a análise de livros didático da tese com o intuito de buscar
a sua defesa; são eles: Conceito Cidade? Como é apresentado? Esse conceito tem relação com
os conceitos-chave orientados por meio do prefácio? Quais conceitos, categorias, princípios e
temas subsidiam o seu desenvolvimento? Em que escala o conteúdo cidade é trabalhado?
Permite a sua relação com outras escalas ou com o mundo da vida do estudante? Quais
recursos metodológicos são utilizados para a operacionalização dos conceitos e conteúdo? As
atividades possibilitam a construção de conhecimentos estimulando a compreensão com o uso
da escala e princípios da geografia?
A última fase da pré-análise consistiu na d) preparação do material a ser analisado e
organização em quadros que permitem a sua maior visualização e identificação dos
elementos, de forma a servir para exploração e interpretação. Foram selecionadas quatro
coleções dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em que analisei, de forma direta, ou seja,
em sua totalidade, aspectos gerais e específicos, e duas coleções em que examinei apenas seus
aspectos gerais. O objetivo foi contemplar primeiramente as abordagens gerais do livro e,
após, as específicas. Todas as coleções foram encontradas em escolas públicas e uma privada
do município de Erechim/RS (cidade onde resido), aprovadas e constantes no Guia do Livro
Didático – PNLD 2019. As coleções são de editoras que possuem grandes tiragens de venda
por título, conforme dados estatísticos do PNLD 2019, e estão entre as cinco mais escolhidas
pelas escolas. A análise ocorreu no manual do professor, pois ele traz tanto o Livro do Aluno
(LA) quantos as orientações do Manual do professor7.
A segunda fase consistiu na exploração do material e na aplicação sistemática das
decisões tomadas anteriormente. Fez-se a leitura e análise do material e sua sistematização em
formato de quadros seguindo as operações de codificação, decomposição e enumeração de
acordo com as regras previamente formuladas.
Por fim, a última fase, o 3) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação, é a
fase em que os dados brutos foram codificados. Essa fase da categorização, que ocorreu após

7
A descrição detalhada sobre as coleções analisadas encontra-se no item 3.4 deste trabalho.
25

a análise dos dados obtidos nos LDs, foram considerados os critérios semânticos (sentido das
palavras), sintático (verbos, adjetivos), léxico (classificação de palavras segundo o seu
sentido, sinônimos e sentidos próximos) e expressivo (categorias que classificam as diversas
perturbações da linguagem). As categorias que foram produzidas após essa fase consistiram:
Círculos concêntricos, A cidade e os pressupostos teórico-metodológicos e didático-
pedagógicos, e Escala de análise geográfica.
As análises e interpretações relacionam o campo empírico da pesquisa com o teórico,
buscando, nas discussões e autores que embasam esta pesquisa, a sustentação para a defesa da
tese.

PERCURSO DA TESE NA APRESENTAÇÃO EM CAPÍTULOS

Os capítulos desta tese buscam responder às perguntas que embasam a discussão por
meio dos objetivos específicos. Assim, o primeiro capítulo situa a problemática da tese ao
buscar compreender o método a partir do debate das racionalidades e a separação entre
pensamento e linguagem que na modernidade influenciaram na fragmentação do objeto de
estudo da geografia. Busquei, então, compreender a relação objeto e método na geografia e
como isso repercutiu na geografia escolar, confluindo para o livro didático. O segundo
capítulo traz a escala de análise geográfica como uma possibilidade de superação da
problemática da fragmentação do conhecimento da geografia escolar, tendo como referência
as discussões sobre o conceito a partir de teóricos da geografia e seu ensino. Aliam-se, nesse
sentido, as análises realizadas nas políticas educacionais para entender como orientam as
concepções teórico-metodológicas e didático-pedagógicas dos livros, bem como trazem o
entendimento acerca da escala geográfica. O terceiro capítulo apresenta os elementos do
método de ensino da geografia pelo uso da escala, mostrando uma possibilidade teórica de
trabalho com a escala de análise geográfica, ao mesmo tempo em que busca verificar nos
livros em que medida o conceito de escala está presente nas coleções dos anos iniciais do
Ensino Fundamental.
Finalizo a tese apresentando as considerações finais constatadas, as referências
bibliográficas empregadas na sua confecção e os Apêndices referentes ao tema da pesquisa.
26

1 A RELAÇÃO OBJETO E MÉTODO NA CONSTITUIÇÃO DA GEOGRAFIA

A forma como se constitui o conhecimento humano e a relação objeto e método tem


sido uma discussão que permeia os vários campos científicos, haja vista o processo de
fragmentação a que muitas disciplinas foram submetidas. A busca por um fundamento de
verdade na produção do conhecimento resultou na produção de métodos que permitiram o
avanço da ciência, mas que, ao mesmo tempo, dicotomizaram o entendimento do mundo em
pensamento e linguagem, razão e experiência. Dessa dicotomização emergem as
especializações e ramificações nas ciências, instituindo regionalidades do saber que se
refletem nos currículos escolares e nos processos de ensino e aprendizagem.
No que se refere ao ensino de geografia, nosso tema de investigação, a fragmentação do
conhecimento repercutiu em objetos do conhecimento distintos e métodos que se refletiram tanto
na geografia acadêmica quanto na escolar, resultando em estudos cada vez mais especializados,
com caráter dualista, que dissociam os fenômenos físicos dos fenômenos humanos e desses, ainda
em níveis de análise, sem uma relação entre si. Esse modo de organização da ciência repercutiu
nos currículos escolares e na forma como tem-se ensinado os conteúdos de geografia na escola,
resultando em aprendizagens cada vez mais parcelares do mundo.
Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é retomar as origens do processo de construção
do conhecimento, refazendo o debate das racionalidades na modernidade e buscando
compreender quais leis e princípios contribuíram para a fragmentação do conhecimento
geográfico. Desvelar o passado é tentar entender o presente, “buscando encontrar atrás do sentido
literal um significado mais profundo” (HERMANN, 2002, p. 21). Esse resgate permite-nos
interrogar o passado de forma a perceber os limites impostos ao conhecimento geográfico, ao
mesmo tempo em que emergem outros modos de produzir conhecimento e interpretar o mundo.
Com esse entendimento, o capítulo objetiva mostrar como a separação entre
pensamento e linguagem causou dicotomias no interior da geografia que perpassam tanto a
sua questão epistemológica quanto didático-pedagógica. Aliada a esse entendimento, busco
traçar os diferentes objetos de estudo que constituíram a geografia, tendo em vista que o
objeto possui relações profundas com o método, resultado da especialização da ciência. O
intuito é compreender como a indefinição de um objeto repercutiu na constituição da
geografia como matéria e disciplina de ciência, que acabou por se traduzir em distintas
correntes de pensamento, categorias e conceitos e metodologias do fazer geográfico. Nesse
sentido, acredito que retomar as discussões que fundamentaram a geografia no passado,
27

retornando às raízes, é um elemento-chave para buscar modos integradores de desenvolver o


ensino de geografia no presente.

1.1 A LINGUAGEM E O PENSAMENTO COMO FUNDANTES NA CONSTRUÇÃO DO


CONHECIMENTO GEOGRÁFICO

O conhecimento é condição para a vida humana. Ele qualifica o ser humano como tal
e o seu grau de saber determina sua condição de existência e diretriz para o seu agir
(MARQUES, 1990). Nesse sentido, a construção do conhecimento estrutura-se pelo
desenvolvimento de dois elementos fundantes: linguagem e pensamento. A linguagem é
externa e pode ser compreendida pela dimensão da comunicação, ou seja, aquilo que
expressamos na mediação com o outro e com o mundo. Já o pensamento é interno, pois é
aquilo que desenvolvemos pelo uso da razão, destacando-se o raciocínio, a compreensão e a
imaginação. Tanto a linguagem quanto o pensamento são capacidades humanas que, ao serem
desenvolvidas, possibilitam “conhecer” com mais profundidade o mundo. Essas capacidades
são praticadas nos contextos e espaços vividos e no convívio com os semelhantes, e
aperfeiçoadas por meio da educação escolar.
Gadamer (1997), estudioso da hermenêutica e da linguagem humana, afirma que
só por meio da linguagem é possível compreender. A linguagem tornou possível à espécie
humana ser, pensar e existir no mundo, pois, a partir dela, desenvolvemos o processo
interpretativo do mundo. A linguagem pode ser concebida de duas formas: a verbal,
aquela usada na fala, escrita/descritiva, ou pode ser não verbal, expressa por intermédio
de símbolos, imagens, figuras, desenhos, entre outros meios de comunicação visual (na
geografia são expressas por meio de paisagens e representações cartográficas). Assim,
percebe-se que a linguagem só se desenvolve na mediação com o pensamento, pois o falar
e o pensar acontecem em um processo mútuo, na interação dos seres humanos com o
mundo e dos seres humanos uns com os outros, e é mediante essa relação que a
humanidade se constituiu em espécie cultural e social.
Para Marques (2003), a linguagem não é apenas um meio de comunicação entre
sujeitos; isso quer dizer que ela não é somente um meio de “intercomunicação do que os
falantes sentem ou pensam, mas ela os realiza como falantes, como sujeitos que imprimem
significados ao seu mundo e assim se fazem reconhecidos pelos demais” (Ibidem, p. 28).
Nesse sentido, pela linguagem desenvolvemos procedimentos para melhor compreender o
mundo. Em termos geográficos, um dos primeiros procedimentos foi a observação dos
28

fenômenos (linguagem não verbal) que, ao ser mediada pela descrição/representação


(linguagem verbal), contribuiu para que os conhecimentos geográficos fossem desenvolvidos
desde que o mundo é mundo8.
Essas primeiras formas de tematizar o espaço ocorreram pela observação,
procedimento que é realizado mediante o diálogo do sujeito com o mundo e com outros
sujeitos. Assim, a observação constitui-se de um mecanismo externo do sujeito que observa,
mas que precisa do seu mecanismo interno (pensar/raciocinar) para criar representações
mentais sobre o mundo que vê. Ao descrever o espaço, utiliza-se dessa representação mental e
os sentidos por ela construídos para expressá-las por meio da linguagem formal. Assim, a
linguagem, que pode ser verbal ou não verbal, possibilita fazer a relação do interno com o
externo e do externo com o interno, ambos indissociáveis na análise do mundo, pois seres
humanos e mundo são parte do mesmo espaço, que se desenvolvem e concriam-se de forma
mútua. Nós, humanos, somos também natureza, pois nascemos dela, nos tornamos seres
sociais pela linguagem estabelecida com os outros seres humanos e com a própria natureza;
assim, seres humanos e natureza são um só, uma unidade contraditória e complementar.
Pela linguagem e seus procedimentos desenvolvem-se o pensar e o entendimento
acerca de algo. Como afirma Hermann (2002), ter linguagem implica ter mundo e se
relacionar com o mundo, e isso ocorre por meio dos sentidos e pelas representações mentais
que os sujeitos constroem intersubjetivamente. Cada sujeito está imbuído de sua linguagem,
que carrega marcas do seu contexto de vivência; por isso, existe uma infinidade de linguagens
e, com isso, diversos modos de ter e interpretar o mundo. Esses diferentes modos de
interpretar em diálogo permitem uma multiplicidade de acepções sobre o mundo. Dessa
multiplicidade de interpretações pode ocorrer a fusão de horizontes pelos quais pode-se gerar
uma compreensão.
O compreender, porém, está sempre situado dentro de um contexto cultural, que
“denuncia a impossibilidade de apenas a estrutura lógica levar a efeito o processo de
compreensão” (HERMANN, 2002, p. 64). Para a autora, se levarmos a cabo o compreender
como um processo meramente lógico, admitimos a unilateralidade do processo de
conhecimento como ocorreu na modernidade, e “silenciamos a dimensão da historicidade do
homem, que se realiza no horizonte da própria linguagem”. Esse processo “implica, ainda,

8
De forma a melhor exemplificar como esses procedimentos ocorrem na geografia, expomos que eles ajudaram
os seres humanos a construir suas noções de espacialidade (localização no espaço, posição dos astros, épocas do
ano propícias para determinados plantios/caça/pesca), ou seja, as primeiras relações dos sujeitos com o mundo.
29

submeter a complexidade do processo de compreensão e de busca de sentido à tutela das


ciências lógico-formais” (Ibidem, p. 64).
Esse entendimento permite-nos perceber que:

Nosso conhecimento não se dá pelo acesso direto a coisa (conhecer, por exemplo
uma planta numa identificação plena da coisa mesma), mas pela relação com o
mundo, dentro de um determinado contexto. Nosso acesso às coisas se dá pela
palavra, pela linguagem. As palavras não pertencem a nós, mas pertencem à situação
em que estão e são aprendidas dentro da tradição, no fluxo da experiência. Portanto
a linguagem não é fruto do puro pensamento, mas radica no mundo prático.
(HERMANN, 2002, p. 64-65).

Ao assumirmos essa postura reconhecemos a impossibilidade de construir


conhecimento dualizando pensamento e linguagem. Eles não se dualizam, são uma unidade
que se expressa por meio da comunicação. Construímos nossa linguagem desde o momento
em que nascemos e começamos a perceber o espaço em que estamos inseridos; ampliamos a
nossa compreensão do espaço a partir do contato que estabelecemos com as pessoas e com o
mundo ao nosso redor. Nesse sentido, o ser humano pode ser definido, como afirma Marques
(1995), como um ser que aprende ao longo do movimento da sua vida. Isso mostra que o
conhecimento se desenvolve numa perspectiva relacional; assim, todo novo aprendizado
implica ao sujeito novas concepções e entendimentos do mundo. Vejamos esse entendimento
na Figura 1.

Figura 1 – Elementos da linguagem e do pensamento

Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

A Figura evidencia que os seres humanos estão imbuídos de linguagem e


pensamento que se constituem e se desenvolvem na sua relação. Pela imagem desenvolve-se a
imaginação e pela imaginação criam-se imagens, e esse movimento ocorre tanto pelo
procedimento da observação, ou seja, aquilo que enxergamos, quanto por representações que
30

são criadas mentalmente pelo sujeito. Para Marques (1990, p. 15), com base em Japiassú
(1968), os seres humanos são, ao mesmo tempo, razão e imaginação, posto que no imaginário
situam-se as origens do pensamento, pois “a imagem é, assim, criadora do pensamento”. A
imagem faz-nos “mergulhar na profundidade das coisas que nos leva a descobrir no interior
delas mesmas, lá onde estão as fontes que a imaginação liberta de tudo o que é convencional e
superficial, mera aderência factual” (Ibidem, p. 14). Da imagem (visível), então, cria-se a
imaginação (invisível); da imaginação constroem-se interpretações e, delas, compreensões do
mundo.
Nesse diapasão, e apesar de existir uma unidade entre linguagem e pensamento para
a construção de conhecimentos e interpretação do mundo, a racionalidade moderna procurou
dicotomizar os elementos do pensamento e da linguagem, buscando um caminho único de
acesso à verdade, o que se traduz a partir da dualidade entre sujeito e objeto. Essa visão
tornou-se predominante na tradição ocidental, que resultou na divisão entre filosofia e ciência
– a primeira pautada na razão e na subjetividade dos sujeitos como força interpretativa, e a
segunda, pautada no objeto, centrou-se na linguagem a partir da experiência e aquilo que é
visível materialmente (MARQUES, 1990; OLIVEIRA, 2016).
A dualidade sujeito e objeto, ao encontrar aporte no método científico, torna-se
normativa na produção do conhecimento verdadeiro e converte-se no problema básico de
definição do objeto de investigação e das formas de pensamento, das quais constituem-se a
base de suas justificações. Desse entendimento, situa-se a filosofia e as formas racionais
(subjetivas) de pensamento e a ciência, estruturadas a partir da experiência (objeto), ou seja,
da ligação direta com a imagem ou aquilo que traduz a dimensão do visível. Segundo
Marques (1990, p. 16), esses entendimentos digladiam-se entre a primazia de conceder ao
sujeito ou ao objeto “as representações privilegiadas e as estruturas de formas entre eles
vinculantes”.
A geografia, apesar de congregar uma unidade entre pensamento e linguagem,
sistematiza-se e se torna ciência na oposição entre essas duas formas de entendimento,
seguindo a matriz fragmentária da racionalidade científica moderna que acabou por dualizar
seu objeto de estudo em elementos físicos e humanos, tendo primazia a dimensão do objeto.
Esse acordo foi problemático para essa ciência que, por muito tempo, ficou imbuída apenas de
discussões que se referem à dimensão do visível e da materialidade dos fenômenos, ou seja,
os fenômenos como apresentam-se imediatamente. A dimensão imaterial, construída a partir
de modos de operar o conhecimento, não foi privilegiada em seu processo de sistematização.
31

Esse conhecimento encontra respaldos em um mundo que estava todo para ser
conhecido. Assim, primeiramente era necessário compreender os aspectos do mundo sensível
a partir da observação e da descrição do novo, para, a partir disso, buscar suas semelhanças,
conexões, diferenciações entre as diferentes paisagens e os elementos que as constituem. E
aqui entra a ideia do onde? (área, sítio, localização/local) Por que aí? (posição, situação)
(BROEK, 1981). Estas são as perguntas bases da geografia. Elas trazem a ideia de que os
lugares e paisagens só podem ser entendidos na sua relação (O que tem aqui? O que tem lá? O
que só ocorre aqui? O que só ocorre lá? Quais as conexões entre aqui e lá?). Essas perguntas
também são chaves para a Geografia e se constituem posteriormente por meio dos princípios
da geografia, que trazem a ideia de que os lugares se constituem e são conhecidos na sua
relação.
Assim, a ideia de dualidade no campo do conhecimento carrega resquícios das
discussões do mundo grego, em que Platão e Aristóteles dividiram o entendimento do mundo na
oposição entre doxa e episteme, ou seja, entre “conhecimento comum” ou opinião e o
“conhecimento buscado”, também conhecido como universal e teórico. Nesse contexto, Platão
(1976) fundamenta a ideia de episteme a partir da razão, pois, para ele, apenas por intermédio dela
seria possível chegar a uma explicação válida e universal sobre todas as coisas do mundo, porque
o verdadeiro conhecimento provinha da essência do próprio ser. Esse pensador refuta a ideia de
que o conhecimento se apresenta a partir das aparências dos objetos, ou seja, na doxa, ou plano
empírico. Diferente de Platão, Aristóteles (1973), outro estudioso do mundo grego, fundamenta
suas ideias na concepção de doxa, pois, para ele, o conhecimento apresenta-se baseado nas
experiências e sensações obtidas por intermédio das relações entre os fenômenos, e dessas
percepções pode-se processar abstrações que levem ao conhecimento racional (OLIVEIRA,
2016).
Vejamos na figura 2 como se estrutura o conhecimento na Antiguidade:

Figura 2 – Conhecimento humano na antiguidade

Fonte: Alana Rigo Deon (2021) com base em OLIVEIRA (2016).


32

Deste modo, o entendimento do que se constitui como episteme é que seria a


explicação para o conhecimento filosófico de Platão, que tem como objeto buscar a
investigação do próprio ser. Nesse contexto, “o conhecimento universal estaria no plano
abstrato” (OLIVEIRA, 2016, p. 30), ou seja, no pensamento, enquanto a doxa ajudou a
fundamentar o conhecimento científico, pois foi por meio da “observação dos fatos, das
experiências, que a ciência estabelece definições essenciais e atinge o Universal, que seria o
resultado de uma atividade intelectual, que perpassa pela observação e culmina no intelecto
sob a forma de conceito” (Ibidem, p. 31).
Para Oliveira (2016, p. 32), foi Aristóteles quem deu as bases para fundamentar o
conhecimento científico moderno, ao apresentar “duas vias de raciocínio: a indução e a
dedução”. A primeira “possibilita a passagem dos conhecimentos individuais aos universais,
ou seja, a partir da observação atinge-se uma definição que deve ter validade universal”
(Ibidem, 2016, p. 32). Elaborada a definição a partir da indução, desenvolve-se a dedução. A
dedução é uma forma de raciocínio que busca, apoiada em leis gerais, a explicação de
fenômenos particulares. Assim, pode-se comprovar a veracidade dos fatos mediante a
comprovação e hipóteses provindas de observações particulares.
Essa dualidade entre razão e experiência, que se desdobra em termos metodológicos
em indução e dedução, também transparece nas concepções didático-pedagógicas do ensino
de geografia, quando há dificuldade em estabelecer por onde iniciar a explicação do mundo
para o estudante: Pelo mundo ou pelo lugar? Pelo universal ou pelo singular? Pelo visível ou
pelo abstrato? Aqui, o mundo só pode ser entendido abstratamente por meio do raciocínio e
de formas superiores de pensamento, e o lugar possui ligações com o mundo da vida,
construído a partir das sensações e percepções cotidianas.
Por tudo isso, é essencial compreender como as ideias dos autores antigos
sustentaram a racionalidade filosófica e científica desenvolvida na modernidade, tendo como
principais expoentes René Descartes e Francis Bacon. Por intermédio desses autores o debate
foi aprofundado na modernidade, que passou a interrogar, de forma mais sistemática, como se
explica o conhecimento humano: Pelo viés do pensamento ou da linguagem? Razão ou
experiência? Sujeito ou objeto? Sob essas bases racionalistas e realistas buscaram cada um, a
seu modo, explicar como conhecemos os fenômenos do mundo, estabelecendo caminhos que
dão validade a esse conhecimento produzido.
33

1.2 O DEBATE DAS RACIONALIDADES NA MODERNIDADE E O PROCESSO DE


FRAGMENTAÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO

Um dos maiores avanços da modernidade em relação ao período antigo e medieval é


que o ser humano deixa de ser autor da ciência, e passa a ser seu objeto de investigação,
constituindo-se em um dos eixos de investigação do discurso científico moderno. Esse
fundamento dá início ao paradigma filosófico subjetivo e inaugura o conhecimento do mundo
sob o viés das ciências humanas, tendo como referência fundamental para a produção de
conhecimento a razão, ou seja, a capacidade de o ser humano pensar. O princípio da
subjetividade traz um avanço para a produção de conhecimento que, por muito tempo, negou
o ser humano como objeto de investigação da ciência, atribuindo-lhe o papel apenas de autor
(OLIVEIRA, 2016).
Na geografia esse entendimento é basilar, pois passa a considerar o ser humano como
parte do espaço em que vive ao se ter a certeza de que este, ao pensar, existe, e, ao existir, é
parte do mundo. O princípio da subjetividade, contudo, passa a ser questionado como único
critério válido para a produção do conhecimento. Descartes (2019), então, buscando encontrar
uma maneira de o ser humano chegar à verdade, faz da dúvida um método. Em sua obra
“Discurso do método” elabora regras tão evidentes e tão gerais que não poderiam ser
colocadas em dúvida. Essas regras, se bem-sucedidas, poderiam ser viáveis para todo o
progresso da humanidade e permitiriam evitar modismos que desviassem a razão dos
conhecimentos verdadeiros e objetivos (Ibidem, 2019). O método seria um caminho claro e
evidente que asseguraria que o ser humano pudesse chegar à verdade do conhecimento.
Assim, torna-se uma referência para a produção do conhecimento seguro e verdadeiro e, por
isso, teria relação com a exatidão das leis matemáticas.
Para fundamentar seu método, Descartes (2019, p. 21) cria quatro regras9 que, se
seguidas corretamente, evitariam erros na produção de conhecimentos. A primeira delas é
nunca “aceitar nada como verdadeiro sem antes ter passado pelo crivo da razão”. Para ele,

9
O pensamento simplificador é conduzido pelo paradigma cartesiano moderno, que nos leva a um pensamento
dividido, reduzido e disjuntivo. Esse conjunto constitui o “paradigma simplificador”, sistêmico e analítico. O
paradigma simplificador, de acordo com Morin (2011), “[...] põe ordem no universo, expulsa dele a desordem. A
ordem se reduz a uma lei, a um princípio. A simplicidade vê o uno, ou o múltiplo, mas não consegue ver que o
uno pode ser, ao mesmo tempo, múltiplo. Ou o princípio da simplicidade separa o que está ligado (disjunção), ou
unifica o que é diverso (redução)” (Ibidem, p. 59). Entendemos que a simplificação nos leva à separação entre
sujeito e objeto. O pensamento disjuntivo isolou os principais campos do conhecimento: a física, a biologia e
fragmentou os saberes no interior de cada ciência, não havendo, assim, uma integração do uno com o múltiplo.
Dessa forma, não conseguimos enxergar a totalidade dos objetos tal como eles estão colocados, como também
dos processos que lhe originaram, pois o conhecimento é cada vez menos discutido e refletido pelas mentes
humanas (MORIN, 2011, p. 12).
34

essa atitude “evitaria que o pensamento fosse tomado por paixões ou que se deixasse guiar por
preconceitos”. Para tal prerrogativa, haveria uma “ordem a ser seguida em todo o processo de
conhecimento, e essa deve ser imune ao que nos é dado [...] pelo senso comum” (Ibidem, p.
21). A primeira regra do método, legitimada pelo autor, institui a dedução como instrumento
metodológico para a produção do conhecimento e elimina do processo o que pode envolver os
sentidos e as emoções.
A segunda regra do método esclarece que “tudo que aparece como complexo deve
ser dividido em tantas partes simples quanto possíveis, pois a razão, ao focar num problema
perfeitamente delimitado, tem mais condições de resolvê-lo do que encarar algo composto de
várias maneiras” (DESCARTES, 2019, p. 21). Essa regra do método, conhecida como
disjunção, foi primordial para o avanço da especialização das ciências na modernidade; por
meio dela os campos do conhecimento foram divididos em tantas partes quanto possíveis para
melhor compreendê-los, criando, assim, disciplinas cada vez mais especializadas. Podemos
afirmar, aqui, que há uma aproximação desse princípio com o movimento analítico “Divisão
ou decomposição de um todo ou de um objeto em suas partes, seja materialmente (análise
química de um corpo), seja mentalmente (análise de conceitos)” (JAPIASSÚ, MARCONDES,
2001, p. 12).
A terceira regra do método mostra que é necessário conduzir por ordem os
“pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir
aos poucos, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos [...]” (DESCARTES,
2019, p. 55). Por essa regra podemos destacar que há uma dimensão indutiva no método
cartesiano quando apresenta a ideia de condução dos estudos do mais simples ao mais
complexo. Ou seja, parte-se da indução para chegar à dedução (ambos procedimentos da
razão), que levaria a verdades e leis gerais sobre os fenômenos. Dessa forma, a indução seria
um procedimento do método, mas que só ganharia validade se aplicado à dedução, pois, para
Descartes, a experiência individual não contribui para o avanço do conhecimento.
Para Descartes (2019), esse processo deveria seguir “um ordenamento, de modo que
a remontagem para o composto ou complexo possa ser feita sem desvios que prejudicariam a
verdade almejada”. Trata-se do “estabelecimento de uma ordem lógica, necessária entre esses
elementos simples, e não de uma mera sucessão temporal. A busca da verdade pressupõe o
descobrimento de nexos necessários [...]” (p. 21). Essa regra fundamentou-se a partir do
princípio da generalização, que induz à ideia de um movimento que totalidade, ou seja, a
consideração dos elementos em seu conjunto novamente. Desse modo, ao proceder o
35

conhecimento por meio das regras anteriores, incita a proposição de uma lei geral para o
entendimento de casos particulares10.
A quarta regra expõe que esse procedimento pode ser retomado e repetido quantas
vezes for necessário, e “deve dar lugar a tantas revisões quanto necessárias, de modo que as
contribuições e objeções de todos, possam ser levadas em consideração, pois ela é condição
mesma de estabelecimento da verdade” (DESCARTES, 2019, p. 22). Após realizados esses
procedimentos, o fenômeno pode ser reconhecido como verdade universal, pois produzem-se
sínteses, ou seja, teorias para a explicação do mundo, e pode ser desdobrado por meio de
conceitos fundamentais que constituem o núcleo das ciências.
As regras propostas por Descartes instituem o caminho da razão como fundamento
primeiro para o acesso à verdade do fenômeno investigado.

Quadro 2 – Método dedutivo


Racionalismo Procedimentos metodológicos
Dedução O exercício da dedução parte de leis gerais que constituem as premissas do
pensamento racional para chegar a uma explicação particular. Segue os
procedimentos de disjunção, separação e generalização. O exercício do
pensamento constitui-se da seguinte forma: primeiramente é criada uma
operação na qual são formuladas premissas (hipóteses) que, deduzidas, chegam
a conclusões. Assim, a função do método dedutivo é explicar o conteúdo de
suas premissas, que são consideradas universais.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021) com base em LAKATOS; MARCONI (2003).

Com base na exposição das regras do método perguntamos: Como essas regras
aproximam-se da Geografia e de seus fundamentos epistemológicos e didático-pedagógicos?
Podemos afirmar que o princípio da disjunção na geografia estabeleceu-se criando dicotomias
presentes até hoje nos estudos geográficos, como os estudos em Geografia Física e Geografia
Humana, Geografia Geral (física) e Geografia Regional (humana), etc., e destes em campos
de investigação e disciplinas cada vez mais específicos. O princípio da simplificação aplica-se
até hoje na formulação dos currículos escolares, posto que, no caso da Geografia, no início do
processo de escolarização inicia-se com o trabalho de conteúdos mais simples aliados à
dimensão do espaço vivido da criança, para que, no decorrer dos anos, esses conhecimentos
possam ser tratados de forma mais complexa, ampliando os espaços de percepção da criança,
passando para as dimensões do espaço percebido e concebido para um espaço mais abstrato e
abrangente.

10
Como afirma Morin (2011), é preciso entender a realidade do mundo, que não é compreensível somente pelo
estudo e análise de cada uma das partes, tampouco o todo pode ser explicado em si mesmo. A soma das partes,
numa lógica de justaposição, também não dá conta do todo.
36

Por fim, tem-se o princípio da generalização, que se aplica a partir do entendimento


de que quando uma dada hipótese é comprovada, por intermédio dos princípios do método,
ela pode ser aceita como verdadeira e, por isso, tornar-se uma lei geral, ou um conceito que
promove o avanço do conhecimento. Nesse sentido, desenvolvem-se os conhecimentos que
são historicamente construídos ao longo da história da humanidade e constituem o avanço da
geografia acadêmica, que é a base de referência para a geografia escolar. Esse conhecimento
ao ser cientificamente aceito passa a integrar o livro didático.
Para além da proposição do método, elaborada por Descartes, emerge, em
contraposição, a perspectiva realista proposta por Francis Bacon (1561-1626) e ampliada por
Galileu Galilei (1564-1642)11, John Locke (1632-1704) e Isaac Newton (1643-1727), entre
outros. Os autores têm no método experimental o fundamento para o entendimento dos
fenômenos do mundo, pois acreditavam que o mau uso da razão poderia ocasionar erros de
interpretação que interferem na validade do conhecimento. Nessa perspectiva, o método
experimental busca, a partir de constatações particulares, por meio da indução, estabelecer leis
e teorias gerais sobre os fenômenos. Com base na referência de realistas, todo o conhecimento
científico, para ser considerado verdadeiro, necessitava passar pelo crivo da experimentação.
Neste sentido, “o conhecimento científico se daria de forma empírica e experimental,
devendo ser fundamentado na observação, isto é, o ser humano deveria observar a natureza
para descobrir suas leis, para poder dominá-la” (OLIVEIRA, 2016, p. 73). Por esse viés o ser
humano seria apenas aquele que capta pelo uso dos sentidos aquilo que se apresenta
imediatamente na natureza. Por isso, para melhor eficiência do método experimental era
fundamental “eliminar os pré-juízos ou ideias pré-condicionadas que falseiam o conhecimento
dos fenômenos” (p. 73), pois as ideias preconcebidas poderiam prejudicar a investigação
científica. Assim, pelo crivo da experimentação, eram eliminados quaisquer obstáculos que
poderiam prejudicar o avanço do conhecimento científico (Ibidem, p. 73).
Locke (2008), buscando justificar a supremacia do método experimental, compara os
seres humanos a uma folha de papel em branco. Para ele, os seres humanos nascem sem
nenhum tipo de conhecimento, mas, ao longo da vida e das experiências adquiridas pelo uso
dos sentidos, são construídos seus conhecimentos. Dessa forma, a percepção e a experiência
seriam o fundamento do conhecimento humano, e a verdade a ser encontrada deveria partir
desse pressuposto. Neste sentido, o autor ainda distingue duas formas nas quais se fundam as

11
É importante lembrar que foi Francis Bacon quem sistematizou o método indutivo, mas essa técnica já existia
desde a racionalidade antiga (LAKATOS; MARCONI, 2003), e foi Galileu Galilei o precursor no uso da
indução experimental.
37

experiências. A primeira delas é externa aos sujeitos, provinda dos sentidos, e a segunda é
interna, provinda desde a reflexão.
Nota-se que não há uma negação do modo de operar racional e reflexivo; apenas o
fundamento primeiro para a construção do conhecimento é dado pela experiência. Locke
(2008), avançando na sua explicação sobre a importância da experiência na produção de
conhecimentos, afirma que os sentidos provocam sensações e lembranças em nossa mente que
possibilitam percepções. Já a reflexão é realizada a partir da experiência provinda das
percepções, uma vez que ela é tida como ideias particulares provindas da própria mente do
sujeito. Para o autor, os sentidos são a “grande fonte de maior parte das ideias que temos,
posto que, estas dependem totalmente de nossos sentidos e por eles são comunicados ao
entendimento” (Ibidem, p. 107).
Os realistas propõem, então, a indução como o único meio de acesso ao
conhecimento. Nessa perspectiva, a posição indutiva ocorre do sujeito em relação ao objeto,
quando o sujeito, por meio da observação sistemática e das experiências particulares, é apenas
um intérprete daquilo que a natureza quer mostrar.

Quadro 3 – Método indutivo


Realismo Procedimentos metodológicos
Indutivo Na indução, o meio para se chegar à verdade é iniciar do particular para buscar
leis gerais que explicam fenômenos. Para isso, são necessários alguns
procedimentos metodológicos: observação sistemática dos fenômenos, construção
de hipóteses a partir das observações, verificação das hipóteses (por meio de
testes e experimentações), construção de generalizações (com base nos
experimentos e outros estudos), confirmação das hipóteses (buscando estabelecer
leis gerais que expliquem os fenômenos particulares).
Fonte: Alana Rigo Deon (2021) com base em LAKATOS; MARCONI (2003).

Segundo Kuhn, Callai e Toso (2019), desse entendimento sobre o método indutivo
podemos “radicar a nossa primeira aproximação entre epistemologia, psicologia e pedagogia”
(p. 482), ou seja, o modo como se produz e se concebe o conhecimento em termos
geográficos, mas, também, o formato como se orientam os currículos e as práticas
pedagógicas dos professores. Os autores entendem que, “no caso dos Estudos Sociais
(História, Geografia ou conhecimentos sociais), esses conhecimentos são apresentados às
crianças, em função de seu desenvolvimento cognitivo, dispondo-os pedagogicamente dos
elementos mais próximos aos mais distantes”.
Não por acaso, a indução tornou-se um método que guiou o desenvolvimento da
educação por toda a Europa no século 19, e tinha por objetivo desenvolver a plenitude das
38

capacidades humanas, iniciando pela intuição. Um dos principais expoentes dessa corrente foi
Pestalozzi12. Para ele, a indução é o meio essencial para progredir a capacidade intelectual.
Nesse sentido, como afirma Zanatta (2005, p. 170), Pestalozzi estabeleceu alguns princípios
para o seu método de ensino: “partir do conhecido ao desconhecido; do concreto ao abstrato,
ou do particular ao geral; da visão intuitiva à compreensão geral, por meio de uma associação
natural com outros elementos e, finalmente, reunir no todo orgânico de cada consciência
humana os pontos de vista alcançados”.
É pautada nesse método que a geografia escolar se constitui, buscando desenvolver
as capacidades perceptivas do aluno, sempre iniciando pela dimensão do visível, ou seja, pela
observação. Ela seria a base para o desenvolvimento das primeiras experiências de
aprendizagem, pois, a partir dela e das impressões que geravam, poderia se chegar a
pensamentos ou ideias, como afirma Zanatta (2005, p. 171):

A base do método intuitivo é a “lição das coisas”, acompanhada de exercícios de


linguagem para se chegar às ideias claras. O método da “lição das coisas” se
caracteriza por oferecer dados sensíveis à observação, indo do particular ao geral, do
concreto experienciado ao racional, chegando por esse caminho aos conceitos
abstratos. Daí a ênfase dada por Pestalozzi ao contato direto com a natureza e à
observação da paisagem mediante a valorização da excursão e do trabalho de campo
como pressuposto básico do estudo. Essa proposta constituiu um estímulo bastante
promissor para uma nova abordagem dos conteúdos das diferentes disciplinas, em
particular de temas próprios da Geografia. As excursões, as observações de campo, o
uso de mapas e outras representações gráficas em muito contribuíram para dar vida
ao ensino da Geografia escolar.

O método intuitivo, apesar de sua importância para o desenvolvimento da educação,


acabou por inaugurar o estudo geográfico pela perspectiva dos círculos concêntricos, “em que
primeiro se apresentava ao aluno o ‘próximo’ ou concreto, para em seguida tratar de áreas
distantes” (ZANATTA, 2005, p. 172). A perspectiva dos círculos concêntricos tem sido
criticada por pesquisadores atuais da Geografia, pois acaba limitando o entendimento do
espaço a apenas um nível de análise, ou seja, ao iniciar o estudo da Geografia pela rua em que
a criança vive, em geral não se considera a sua relação com o bairro, a cidade, as pessoas que
ali vivem e a natureza que está ao seu redor. Essa forma de ensino limita o entendimento da
criança a um único espaço, finito e acabado, como se não influenciasse ou sofresse influência
de outros espaços. Para Callai (2005, p. 230), nessa compreensão a “[...] criança aprende por

12
Esse autor seguiu os pressupostos de Rousseau e elaborou uma teoria do ensino que buscava desenvolver as
capacidades humanas pelo cultivo do sentimento, da mente e do caráter (LIBÂNEO, 2013).
39

níveis hierarquizados – no caso do espaço, por níveis espaciais que vão se ampliando
sucessivamente”, numa sequência lógica de espacialidades/territorialidades que se ampliam.
O ensino de Geografia, pela perspectiva dos círculos concêntricos, tem sido
recorrente nos livros didáticos dessa disciplina, como ensina Pereira (1988, p. 14): “via de
regra, apresentam uma sequência de conteúdos que se iniciam com a localização do território,
prosseguem com o estudo do relevo, da hidrografia, do clima e da vegetação para finalmente
chegarem à população que, quase sempre, é expressa apenas em termos numéricos”. Note-se
que a crítica aos círculos concêntricos não está atrelada ao nível de ocorrência do fenômeno,
ou seja, o local onde se inicia o estudo da Geografia, se pela casa, a rua, o bairro, a região ou
o território, mas, sim, porque não é feita a relação entre os fenômenos que, muitas vezes, se
manifestam em várias escalas e com conexões entre si (por exemplo, a dimensão da pobreza,
a extensão de um rio, as questões da climatologia, etc.).
Com base nos paradigmas racionalistas e realistas estrutura-se a geografia de forma
disjuntiva, fragmentada em partes que separam o entendimento do sujeito e do objeto.
Elimina-se o sujeito do conhecimento na busca pela objetividade e pela neutralidade do
conhecimento. Em seguida, simplifica-se o objeto, que precisa ser reduzido, fragmentado e
isolado de todo o seu contexto natural e social. O entendimento desses fragmentos ocorre de
forma simplificada em recortes/níveis tratados de forma absoluta (perspectiva matemática)
isolados entre si, sem considerar sua relação com outros níveis e fenômenos que se
materializam no espaço. Por fim, elabora-se a generalização que se constitui, como afirmam
Japiassú e Marcondes (2001, p. 85), “a partir de uma operação mental que consiste em
estender a toda uma classe de seres ou de fenômenos aquilo que é constatado em alguns seres:
é assim que se formam os conceitos empíricos”. A generalização materializa-se a partir da
formulação de leis, teorias e conceitos gerais que explicam os fenômenos do mundo.
40

Figura 3 – Estruturação da Geografia Moderna com base nos princípios racionalistas e realistas

Fonte: Alana Rigo Deon (2021)13.

Nesse sentido, é possível perceber que as regras e princípios propostos por


racionalistas e realistas dualizaram o entendimento do mundo em razão e experiência,
pensamento e linguagem e, desses, em caminhos metodológicos que tiveram reflexos
expressivos na forma como se estrutura e concebe a geografia. Do embate entre as
proposições de racionalistas e realistas organiza-se, na modernidade, o positivismo, que foi o
método responsável pela estruturação das ciências. Assim, se racionalistas e realistas deram as
bases do modelo científico no qual se estrutura a geografia, foi com o positivismo e suas
regras que as ciências se definiram baseadas em objetos e métodos de conhecimento. Esse
método foi a base para a especialização das ciências no século 19, em que cada qual é
definida a partir de objetos de investigação próprios.

1.3 A QUESTÃO DO MÉTODO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUIÇÃO DA


GEOGRAFIA

Apesar de racionalistas e realistas darem as bases científicas para as ciências, foi com
o positivismo sistematizado por August Comte (1798/1857), ainda no período moderno, que
se estrutura um método universal que possibilitaria o avanço de todas as ciências. O

13
Essa figura é uma elaboração que sistematiza as leituras realizadas no âmbito da geografia e da filosofia.
41

positivismo surge no contexto da Revolução Industrial, em que o progresso técnico busca na


ciência leis para dominar a natureza. Para Marques (1990, p. 25), “a experiência determina o
acesso aos fatos no embasamento empírico da certeza sensível corroborada pela certeza
metódica, que, por sua vez, fundamenta-se nos procedimentos sistemáticos do investigador”.
Nesse sentido, há no processo de indução, desde a observação sistemática dos fenômenos
naturais, a busca pelo desenvolvimento de leis e teorias gerais.
Suertegaray (2005), ao tratar sobre o positivismo na perspectiva do método e na
relação com a geografia, assevera que ele se constitui a partir da indução, ou seja, “parte da
observação, induz leis de coexistência e de sucessão e deduz fatos novos que escapam à
observação direta” (p. 15). Por esse viés, o objeto da ciência, no caso específico da geografia,
só pode ser considerado positivo se está sujeito à observação e à experimentação, pois “leis e
teorias são produto da experiência observada, medida, comparada e sintetizada” (Ibidem, p.
16). Para melhor entender os elementos do método positivista, a autora toma como referência
os princípios que a caracterizam; são eles: real/realidade, certeza, precisão, utilidade e
relatividade. Tomamos esses princípios e buscamos pensar como apresentam-se na
constituição da geografia, conforme descrito no Quadro 4.

Quadro 4 – Princípios do método positivista e seus desdobramentos na Geografia


Desdobramentos dos princípios na
Princípios Desdobramentos dos princípios
geografia
Real Representa a realidade como ela é captada pelos sentidos, Supremacia de objetos de estudo que
são os fatos estudados, os fenômenos. representem a materialidade do mundo
Os fenômenos são objetos, expressão da materialidade do visível (paisagem, lugar, região).
mundo, e externos ao sujeito.
A realidade é algo dado pelo fenômeno, o pesquisador
capta essa realidade na interpretação do fenômeno.
Certeza A certeza é dada pela análise e fragmentação Primazia do método analítico (que divide a
(disjunção/separação) do fenômeno/ realidade. realidade e os objetos de investigação em
Definição de objetos de investigação. campos do conhecimento separados). Os
Critério lógico para o qual a hierarquia científica vai do estudos iniciam por uma perspectiva do mais
mais simples ao mais complexo. próximo da realidade imediata do estudante
Critério cronológico do mais antigo para o mais atual. para o mais complexo.
Precisão Associação do conhecimento científico com a certeza da A geografia é submetida ao crivo do método
utilização de um único método pela ciência. das ciências empírico-analíticas.
O pesquisador revela o objeto ao estudá-lo e ao construir
teorias.
As teorias são o grau máximo de generalização para um
conjunto de dados testados e comprovados.
Utilidade Sentido de utilidade dado ao conhecimento produzido. Produção de um conhecimento geográfico
No contexto da Revolução Industrial evidencia-se a que seja útil, por isso ideológico e pautado na
necessidade de se produzir conhecimentos para o memorização de pontos isolados no espaço.
desenvolvimento da sociedade, em particular o Atualmente constitui-se a partir da lógica das
desenvolvimento produtivo – racionalidade técnica. competências e habilidades.
Relatividade A compreensão do conhecimento é linear por acréscimo, A ideia de movimento e a temporalidade não
não por superação. são consideradas no fazer geográfico. Tudo é
estático, o espaço é absoluto.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021) com base em SUERTEGARAY (2005, p. 16-17).
42

Os princípios do positivismo estruturaram-se na certeza matemática e na


invariabilidade das leis da natureza, e inferiram à ciência positiva seu status de cientificidade
a partir de um método único (como em Descartes). Esse entendimento conferia a veracidade
dos fenômenos apenas quando passados pelo crivo da experimentação. O sujeito, nesse
processo, seria apenas aquele que “capta”, por meio dos sentidos, aquilo que o experimento
tem a mostrar, assegurando, assim, a imparcialidade e a objetividade do conhecimento. Esses
pressupostos evidenciam a centralidade do método ante o objeto de investigação, o que
acabou por legitimar que a validade do conhecimento de todas as ciências somente teria
crédito se conduzida segundo o método e as técnicas das ciências exatas ou da natureza,
também conhecidas como empírico-analíticas (KUHN, 2016a).
Nesse entendimento, todas as ciências, para adquirirem status científico, precisaram
submeter-se aos princípios das ciências naturais. Gamboa (2007, p. 40) alerta que “a primazia
do método, seja como lógica da razão, controle da experiência, ou linguagem lógico-
matemática, pode levar à ‘desvirtualização’ do objeto”, pois, para ele, é o objeto ou fenômeno
a ser investigado que determina o método e não o contrário14. Dessa forma, ao transpor o
método das ciências da natureza para as ciências humanas, como ocorreu na modernidade,
geram-se limites interpretativos aos diferentes objetos de conhecimento, pois essas ciências
não possuem os mesmos estatutos epistemológicos. Assim, o método experimental, com o
discurso de produzir um saber fundamentado na objetividade e na neutralidade científica,
acaba ocultando a especificidade das ciências humanas e o princípio da subjetividade, que não
podem ser entendidos apenas por meio de leis gerais. As particularidades desse campo são
dadas pela historicidade dos seres humanos, que são diversos em seus modos de vida e
costumes, e, por isso, não se adequam apenas às leis naturais, mas a leis sociais, que são
construídas pelo próprio ordenamento e movimento da sociedade.
A forma positiva de produzir conhecimento ficou conhecida, no período atual, como
tradicional, e foi a base de sustentação para o processo de especialização e disciplinarização
das ciências, e também foi referência para a definição de objetos específicos de conhecimento
na modernidade. Essa maneira de organização dos conhecimentos, pautada no método
analítico que parte do pressuposto da divisão/disjunção e simplificação, está presente até os
dias de hoje no modo de produção do conhecimento acadêmico, e se transmuta para os
currículos e para as disciplinas escolares. Nesse contexto, podemos afirmar que os cinco
princípios do positivismo caminham na proposição da racionalidade técnica, que ainda hoje

14
É importante ter claro que a escolha do método também envolve a subjetividade do pesquisador.
43

possui forte influência na educação, utilizada como principal fonte de disseminação


ideológica.
Fazendo crítica à forma de fazer ciência positiva, que ensejou ser um método único
na produção de verdades, outros métodos foram constituindo-se, e, entre eles, destacam-se: o
hipotético-dedutivo, o dialético e o fenomenológico/hermenêutico. Esses métodos permitiram
outros caminhos para a produção de conhecimentos não pautados apenas no dualismo
pensamento e linguagem, sujeito ou objeto, tendo primazia de um ante o outro. O Quadro 5
tem por referência as discussões de Japiassú e Marcondes (2001), Sposito (2004) e
Suertegaray (2005) sobre os métodos científicos. Aliamos esse entendimento no quadro 5 para
pensar as suas influências na geografia.

Quadro 5 – Métodos, seus princípios e desdobramentos


Método Desdobramento Implicação na Geografia
Hipotético – Criado por Karl Popper, buscou – Na geografia esse método fundamenta a
dedutivo recuperar a discussão da cientificidade corrente teorético-quantitativa, tendo como
pautado no rigor matemático. Assim, referência os estudos da geografia nova.
refinou a linguagem cartesiana e Fundamenta-se na valorização das leis da
aperfeiçoou a doutrina positivista, matemática para a produção do
ficando conhecido como a corrente conhecimento.
neopositivista. – Sob a ótica do empirismo-lógico,
– Esse método parte da valorização da desdobrou-se em estudos regionais que
experiência e da realidade empírica, mas seguiam uma lógica da divisão natural da
questiona a indução como processo único paisagem.
de produção do conhecimento. Por esse – Privilegiou a cartografia e as imagens de
viés, o objeto prevalece sobre o sujeito e satélite na interpretação de dados,
é descrito por meio de hipóteses e favorecendo a análise sistêmica.
deduções. – Os dados e modelos matemáticos
– Adquire critérios de confiabilidade na produzidos são tomados como a realidade
produção de dados por adotar em si.
procedimentos metodológicos – O espaço, nessa perspectiva, difere da
sistemáticos. Ainda, contudo, continua geografia clássica (absoluto) e adquire a sua
tratando os estudos científicos de forma dimensão relativa, ou seja, é definido pela
unidimensional. sua relação com os objetos. A concepção de
– Procedimentos metodológicos pautam- temporalidade enfatiza a análise do presente,
se na descrição e análise. Buscam, em projetando-se para o futuro.
dados empíricos, fundamentar a análise,
e o processo interpretativo ocorre de
forma neutra e imparcial, no qual os
dados mostram a realidade como ela é.
Dialético – Criado por Hegel, com referência em – Na geografia esse método fundamenta a
Heráclito e Sócrates, pauta-se a partir do corrente crítica, conhecida como Geografia
diálogo e confronto de ideias. Tem como Nova.
premissa principal o entendimento de – Nesse entendimento, o homem é parte da
que o ser humano é parte da natureza, e natureza e a transforma. Admite-se a ideia
ambos se transformam ao longo do de que as forças econômicas são
tempo. responsáveis pelo rumo da história da
– Não existe uma verdade universal, pois humanidade (produto social).
essa pode ser mudada ao longo do espaço – Valoriza a ideia de tempo em espiral, ou
e do tempo. seja, que o espaço carrega marcas do
passado no presente.
44

Método Desdobramento Implicação na Geografia


– Na dialética, “o pensamento que é – Assume a indissociabilidade da
elaborado, uma vez estabelecido, vai ser compreensão do espaço sem a categoria
confrontado com um novo pensamento, tempo.
criando assim uma tensão entre dois – Busca compreender o mundo por uma
modos de pensamento” (SPOSITO, perspectiva de totalidade, sendo esse o
2004, p. 42). sentido da análise geográfica.
– Esse processo resulta em três estágios – O espaço congrega três dimensões que
do conhecimento: Tese – antítese – nele se materializam de maneira simultânea:
síntese. “Nesse método, a relação entre absoluto, relativo e relacional.
sujeito e objeto se dá de forma – Assim, a relação sujeito e objeto não é
contraditória não ocorrendo a ‘soberania’ dada de forma imediata por meio da
de nenhum deles [...]” (Ibidem, p. 46). percepção, mas construída historicamente na
Assim, o sujeito constrói-se e se apropriação da natureza por intermédio do
transforma em objeto e vice-versa. trabalho.
– Procedimentos metodológicos pautam-
se em observação de uma dada realidade
e consideram a historicidade dos
fenômenos e a análise como processos
para entender a parte, mas sem
desconsiderar a sua relação com o todo.
O sujeito é quem interpreta a realidade;
toda a compreensão gerada tem por
finalidade a transformação.
Fenomenológico/ – Criado por Hussell no século 19, tem – Na geografia esse método fundamenta a
hermenêutico no significado do fenômeno a corrente crítica.
fundamentação dos diversos modos de – Privilegia em sua análise o sujeito do
conhecer. Na fenomenologia os conhecimento a partir da sua experiência
fenômenos possuem essência e específica (mundo da vida), e a
aparência, ou seja, são visíveis e impossibilidade de separar o sujeito do
invisíveis. mundo objetivado.
– A hermenêutica, nesse sentido, atua – O mundo é tido como interpretado, mas
como a dimensão interpretativa desses cada experiência humana é singular no
sentidos. A fenomenologia pretende processo interpretativo.
“combater o empirismo e o psicologismo – O método não é o único caminho de
e superar a oposição tradicional entre acesso à verdade.
realismo e idealismo” (JAPIASSÚ; – O espaço é vivido e experienciado; assim,
MARCONDES, 2001, p. 97). paisagem, lugar e ou espaço vivido são
– Esse método busca romper a oposição conceitos-chave para a interpretação
sujeito-objeto, “pois é o sujeito quem geográfica.
descreve o objeto e suas relações a partir
do seu ponto de vista, depois dele se
apropriar intelectualmente. O objeto
torna-se o elemento à jusante, correndo o
risco de se tornar apenas o elemento a ser
analisado” (SPOSITO, 2004, p. 38).
Procedimentos metodológicos:
Considera o mundo da vida como parte
fundante do entendimento dos
fenômenos, e a subjetividade do sujeito
que vive e descreve o lugar é
fundamental para conhecer a realidade.
Busca interpretar a individualidade de
cada fenômeno, e considera a inter-
relação do todo com as partes e vice-
versa individualmente.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021) com base em SUERTEGARAY (2005);
SPOSITO (2004); JAPIASSÚ; MARCONDES (2001).
45

Os métodos apresentados possuem diferentes gêneses, princípios e características


que os diferem entre si. Cada um deles contribui de uma forma específica para o avanço do
conhecimento pelos procedimentos metodológicos que os sustentam e pela forma como
interpretam o mundo. A definição das bases de cada método é fundamental para este estudo,
pois evidencia como determinadas características podem limitar ou contribuir para o avanço
dos campos do conhecimento, haja vista as especificidades dos objetos de estudo. Nas
ciências humanas, os métodos dialético e fenomenológico/hermenêutico trouxeram avanços,
pois passaram a considerar o ser humano como parte do espaço, que o transforma, o modifica
e é transformado por ele, sem desconsiderar o objeto.
Isto posto, o debate das racionalidades, instituído na modernidade com vistas a
assegurar o conhecimento verdadeiro foi chancelado por meio de um método único e
universal, aprofundou as dicotomias estabelecidas entre as ciências e a filosofia, atribuindo a
elas modos específicos de desenvolver o seu conhecimento a partir de procedimentos e
critérios específicos. Nesse sentido, é preciso que nos interroguemos sobre quais são os
limites da separação entre sujeito e objeto na interpretação do mundo, de forma especial nas
ciências humanas.
Não podemos negar a tradição que nos antecedeu. Dessa forma, se por um lado o
método das ciências empírico-analíticas contribuiu com a fragmentação das ciências, por
outro ajudou para a especialização dos campos científicos. Assim, não é mais preciso negar o
paradigma tradicional, mas incorporar suas bases a novos métodos e formas de entendimento
do mundo. É preciso, ainda, de agora em diante, a compreensão do uno no múltiplo
conjuntamente, ou seja, como cada uma das partes que compõem os campos disciplinares
pode nos ajudar a compreender a totalidade das ciências. Esse entendimento que é a base para
a Teoria da Complexidade proposta por Edgar Morin não se pauta na negação da análise para
a compreensão dos fenômenos, mas compreende sua insuficiência para a compreensão do
todo.
Esse entendimento também passa a fazer parte do debate acadêmico (desde a década
de 70 do século 20) com a guinada linguística de Habermas, na qual estrutura-se um modo de
produzir conhecimento que incorpora o paradigma da razão na linguagem. No lugar da
dualidade sujeito-objeto, portanto, “coloca-se o fato da linguagem como presença no mundo
da vida e como forma de o homem situar-se no mundo” (MARQUES, 1990, p. 43). O autor
(1990), pautado no paradigma da linguagem de Habermas e na hermenêutica gadameriana,
propõe um modo de operar o conhecimento que coloca em diálogo as múltiplas posturas
epistemológicas conflitantes na modernidade. Com isso, positivistas, dialéticos e
46

fenomenológicos são convidados a dialogar sobre o avanço do conhecimento e sua


repercussão na educação. O autor propõe, então, uma “solução” para o “conflito das
racionalidades” e recompõe a clássica equação do conhecimento pautada no dualismo entre
sujeito e objeto (sujeito < objeto; sujeito > objeto). A partir daí, sujeito e objeto não são mais
considerados de forma dual sendo ou um ou outro, o elemento primeiro na produção do
conhecimento, mas desde o princípio concebidos na sua relação (BOUFLEUER, 2020).
Esse entendimento só foi possível a partir do momento em que se concebe a
linguagem como parte do sujeito e dos objetos. Para Marques (1990), os seres humanos
desenvolvem-se a partir de uma competência simbólica: a linguagem; ela conecta seres
humanos entre si e esses com o mundo e com situações objetivadas. Desse modo, a linguagem
é o médium em que homens e mundo se constituem em reciprocidade, ela não é apenas “um
depósito de sentidos, mas a articulação deles”; ela é a “mediação da fusão de horizontes”
(Ibidem, p. 45-46), que carregam diversas interpretações tempo-espaciais. Assim “ter
linguagem significa ter mundo, um mundo articulado na realização do ato comunicativo, em
que não só fala o objeto investigado, mas também o sujeito que investiga” (Ibidem, p. 46).
Nesse sentido, não há mais uma oposição entre linguagem e pensamento, mas uma
complementação, em que a linguagem produz pensamento e o pensamento produz a
linguagem.
A linguagem possibilita a relação com o mundo que é composto por sujeitos e
objetos; ela possibilita conectar o interno (pensamento) de cada sujeito com o externo, que são
os objetos e outros sujeitos. Para Boufleuer (2020), com base em Marques (1990), a
linguagem, considerada uma construção social, “é que possibilita algo como uma consciência
de si de frente a ‘outros si’ que, mediante o compartilhamento de representações mentais
(expressas por palavras, gestos, ideias, noções, conceitos, imagens) produzem um mundo
humano comum” (p. 3). O autor prossegue afirmando: “sem linguagem que construa um laço
de cumplicidade recíproca entre humanos não há pensamento, não há situações a serem
intencionadas ou objetivadas, não há inteligência, não há racionalidade”. Sem ela “haveria,
tão somente indivíduos (não sujeitos) reagindo de modo reflexo ao seu entorno, tal como
ocorre com as demais espécies animais” (Ibidem, p. 3-4).
A situação exposta permite-nos inferir que não existe um limite tênue que define os
procedimentos da linguagem e do pensamento, como queriam as teorias tradicionais (que
dualizaram sujeito e objeto); ambos vão sendo construídos e aperfeiçoados na sua relação e
estruturados simbolicamente. Essa divisão entre os procedimentos do pensamento e da
linguagem contribuíram para a especialização dos campos do conhecimento. Para Boufleuer
47

(2020), nosso olhar sempre é mediado por representações mentais que compartilhamos, de
nós com o mundo e do mundo conosco. É nesse âmbito, como aponta o autor, (2020, p. 4),
“que incidem nossas ações de conhecimento, o operar de nossa ciência”.
Nesse sentido, Boufleuer (2020, p. 4) nos ajuda a entender a geografia:

No caso em questão, o da geografia, podemos dizer que só existem rios, florestas e


montanhas como temas de conhecimento e de estudo porque compartilhamos em
nossas mentes representações simbólicas de rios, florestas e montanhas. Ou seja, o
conteúdo da geografia, como de qualquer outra disciplina, é sempre um conteúdo
mental intersubjetivamente compartilhado e, como se pressupõe em educação,
compartilhável. Por isso, também, a geografia “física” só existe como geografia
também “humana”. Algumas das representações se constroem com o auxílio da
empiria, outras com o recurso da lógica ou da retórica, outras, ainda, com o recurso
da imaginação.

O supracitado mostra que o mundo e as relações que estabelecemos com ele, na


busca de sua interpretação e entendimento, mobilizam tanto dimensões da linguagem quanto
do pensamento, pois os sujeitos e o mundo se desenvolvem na sua relação. Essa unidade entre
pensamento e linguagem é a “base comum que permite que as regionalidades do saber se
articulem com o mundo da vida e que humanos possam sobre elas dialogar e se entender”
(BOUFLEUER, 2020, p. 4). Essa compreensão possibilita-nos pensar em um conhecimento
geográfico que não fique preso ao dualismo sujeito-objeto que, historicamente, se fez presente
nas correntes que estruturam o conhecimento geográfico: determinista, possibilista,
quantitativa, entre outras; um conhecimento, no entanto, que, ao se estruturar simbolicamente
por meio da linguagem, mobiliza o pensamento e estrutura tematizações sobre o mundo. Essas
tematizações não ocorrem de forma isolada em si, mas na sua relação com o mundo da vida e
com “outros mundos” no qual o sujeito participa.
Ao capturar esse entendimento, podemos inferir que não é mais o método quem
determina a validade do conhecimento e que reconectará o sujeito com o mundo, “mas o
próprio percurso teórico-prático que põe homens e mundo em sua coexistência originária,
numa totalidade dinâmica e inter-relacionada” (BOUFLEUER, 2020, p. 4).
Ao longo de toda a modernidade, todavia, foi o método que assegurou as bases para a
produção do conhecimento a partir do estabelecimento de critérios de verdade. Essa
perspectiva, contudo, negligenciou os objetos de estudo específicos de cada ciência, e, com
isso, seus modos de interpretação e entendimento. Para Claudino (2019), é preciso favorecer
perspectivas e propostas que considerem “o reconhecimento de métodos específicos para cada
área do conhecimento” (p. 65). Para o autor, apoiado em Videira (2006), o “sentido
48

tradicional e universalista do método comum a todos os campos do conhecimento já não


apresenta mais sustentação contemporaneamente” (Ibidem, p. 64). Assim, é preciso
reconhecer que cada ciência possui um objeto de estudo e pode desenvolver métodos
específicos para o avanço do seu conhecimento assegurando as suas especificidades, como é o
caso da geografia, que não se limita ao estudo dos elementos físicos tampouco apenas aos
humanos. Exemplo neste sentido, foi proposto por Milton Santos em seu livro “Espaço e
Método” e também pelos clássicos da Geografia.
O movimento de discussão realizado até aqui buscou mostrar como surge o
desenvolvimento do método científico. Ele foi fundamental para a especialização e avanço
das ciências na modernidade, que, no caso da geografia, acabou por fragmentar o seu objeto
de estudo em geografia física e humana. Os pressupostos dessa fragmentação estiveram
pautados nos princípios do método positivista (surge do embate entre racionalismo e
realismo) e trouxeram limites aos estatutos epistemológicos das ciências humanas. Aliado a
isso estão os procedimentos do método analítico e experimental que acabaram por limitar o
entendimento dos fenômenos sociais e culturais, pois submeteram esses às leis matemáticas e
das ciências naturais. Esse processo impossibilitou que as ciências humanas pudessem ser
entendidas em sua totalidade, pois privilegiou a experiência em detrimento da razão, posto
que o conhecimento humano é desenvolvido na sua relação.
Dessa maneira, conhecendo as bases do método científico moderno e os princípios e
categorias que o embasaram, buscamos pensar a partir dos preceitos de Marques (1990, 1995)
um método que dê conta da especificidade da geografia, ciência humana que também estuda
os elementos físicos. Para isso, é necessário entender como surge a geografia, seus objetos e
métodos, para perceber se emerge no interior dessa ciência uma forma de desenvolver a
compreensão da totalidade dos fenômenos. Desse modo, o subcapítulo que segue busca
mostrar como os pressupostos do método científico estiveram presentes na construção do
pensamento geográfico, buscando, dentro desse pensamento, formas para superar a
fragmentação do conhecimento geográfico.

1.4 AS BASES EPISTÊMICAS DA GEOGRAFIA: OBJETO E MÉTODOS NO


PENSAMENTO GEOGRÁFICO

Discutir sobre o processo de constituição da Geografia perpassa a questão sobre os


objetos de estudo que foram referência na construção do pensamento geográfico. A definição
de um objeto de estudo implica relações profundas com o método, pois ele determinou, por
49

muito tempo, as concepções de sujeito e objeto, bem como caminhos que mais bem podem
contribuir com o avanço do conhecimento em um campo de investigação. Para Gamboa
(2007), o método é um caminho do conhecimento abrangente e complexo que implica
critérios de cientificidade. Esses critérios são um conjunto de procedimentos racionais que
constitui a metodologia, ou seja, os caminhos percorridos que melhor possibilitam conhecer o
objeto de estudo.
Ainda podemos afirmar que as distintas racionalidades implicaram diferentes modos
de conhecer o fenômeno ou objeto a ser investigado ao longo do tempo. Esses distintos modos
de conhecer estão diretamente ligados aos procedimentos metodológicos. Gamboa (2007)
entende que a metodologia faz alusão aos passos, ou seja, aos procedimentos e maneiras de
conduzir a investigação com base em um determinado objeto. Assim, a metodologia é
entendida como a ferramenta que possibilita fazer a mediação entre o conhecimento do senso
comum e o conhecimento científico. A metodologia, contudo, só tem validade se aliada a um
método, pois é ele quem dá sustentação teórica a partir de suas leis e princípios.
O contexto em que a geografia se sistematiza na modernidade ocorre em sintonia
com o debate das racionalidades em que racionalistas e realistas impõem, cada um a seu
modo, uma forma de conhecer o mundo, ou pela razão ou pela experiência, ou, dito de outro
modo, ou pela via do pensamento ou pela via da linguagem, tornando-as instâncias separadas
na constituição do conhecimento. Desse resultado tem-se a separação entre ciência e filosofia,
tornando o pensar a tarefa do filósofo e a análise a tarefa da ciência. A geografia, nesse
contexto, por ter sido considerada uma ciência empírica, por muito tempo privilegiou o
conhecimento do objeto ante o sujeito. Por esse pressuposto, o seu fundamento primeiro na
condução científica foi o uso dos sentidos, pautado naquilo que o sujeito vê e sente
imediatamente.
É com um formato dualista que se constitui a geografia moderna e se reflete na forma
como a conhecemos hoje. Essa ciência nasce sob as bases dadas por Kant, que, mesmo não
sendo geógrafo de formação, preocupou-se com a defasagem da filosofia em decorrência do
avanço da ciência no século 18 (MOREIRA, 2010). Segundo o autor, o avanço da ciência dá-
se no campo de interpretação da natureza, pautada na invariabilidade das leis naturais e na
certeza da matemática. Esse entendimento reduziu a ciência e a geografia a “uma concepção
de natureza-sem-o-orgânico-e-sem-o-homem, da qual deriva uma dualidade natureza-homem”
(Ibidem, p. 13). A dualidade sujeito-objeto, na qual se constitui a geografia, é oriunda do
paradigma racionalista de Descartes, que, mais tarde, resulta nas correntes determinista e
possibilista, que orientaram o pensamento geográfico.
50

Sob essa concepção de mundo dualista, que encontra na natureza as respostas para o
mundo humano, se desenvolve o paradigma científico que foi a base da especialização do
conhecimento na modernidade. Essa especialização foi a chave para o processo de avanço do
capitalismo que estava em curso na grande maioria dos países europeus, culminando com a
revolução burguesa e a revolução industrial, que ocorrem, primeiramente, na Inglaterra e,
após, na França. Nesse contexto, era necessário construir teorias para conhecer e dominar,
pois nessa época “conhecer era poder” e quem tivesse o poder poderia dominar; por isso,
inúmeros países passaram a construir conhecimentos sobre os territórios com base nos
avanços da ciência, objetivando legitimar interesses específicos.
Em um mundo quase todo a ser conhecido e dominado, o conhecimento da geografia
torna-se crucial para o desenvolvimento de teorias que justificassem o controle dos territórios.
Para isso, primeiramente era necessário “localizar” os territórios a serem conhecidos e é por aí
que se desenvolveu um conhecimento da geografia aliada à astronomia sob um viés
matemático, resultando no que conhecemos, hoje, por cartografia. O seu desenvolvimento
teve base nas teorias construídas na Antiguidade pelos gregos (cálculos de circunferência da
terra, latitudes e longitudes, delimitação das zonas climáticas da terra) e que foram
aperfeiçoadas, culminando com avanço de mapas cada vez mais precisos em termos de
localização e posição dos elementos no espaço (BROEK, 1981).
Pautadas na ideia de localização e visibilidade do espaço e de seus elementos,
surgem as primeiras definições sobre o objeto de estudo da geografia, como o estudo da
superfície terrestre. A definição supracitada está diretamente ligada com o sentido
etimológico da palavra geografia – “geo” terra e ‘grafia” descrição –, ou seja, a descrição
de todos os fenômenos da superfície terrestre. Essa definição é dada em um contexto em
que o mundo estava todo a ser conhecido. Nesse sentido, os procedimentos de observação
e de descrição tornam-se importantes no fazer geográfico. A descrição traz em si
proximidade com o sentido de representação (que pode ser escrita, mas também gráfica),
por evidenciar claramente aquilo que se observa/sente/pensa. Esse entendimento mostra a
aproximação da geografia com a cartografia e um sistema matemático-mecânico (de
matriz absoluta) desde o seu processo de sistematização.
Nessa direção, Moraes (2007, p. 31) com base em Kant afirma que, “caberia ao
estudo geográfico descrever todos os fenômenos manifestados na superfície do planeta, sendo
uma espécie de síntese de todas as ciências”. Para o autor:
51

Haveria duas classes de ciências, as especulativas, apoiadas na razão, e as empíricas,


apoiadas na observação e nas sensações. Ao nível das segundas, haveria duas
disciplinas de síntese, a Antropologia, síntese dos conhecimentos relativos ao
homem, e a Geografia, síntese dos conhecimentos sobre a natureza. Desta forma, a
tradição kantiana coloca a Geografia como uma ciência sintética (que trabalha com
dados de todas as demais ciências), descritiva (que enumera os fenômenos
abarcados) e que visa abranger uma visão de conjunto do planeta. (MORAES, 2007,
p. 31-32).

Moraes (2007) entende que Kant (1974) mostra como o debate das racionalidades
imperou sobre o fazer geográfico quando se classifica a geografia como uma ciência do saber
empírico, por se apoiar em procedimentos que demandam o uso dos sentidos, ou seja, tem-se
o objeto em primazia ao sujeito, isto é, a indução ante a dedução. Assim, vincula-se a
geografia aos conhecimentos relativos à natureza e à dimensão do visível. A partir disso,
simplifica-se o entendimento da superfície terrestre a recortes específicos (o lugar, a
paisagem, o território, o espaço). Por fim, procede-se a síntese que, segundo Japiassú e
Marcondes (2001, p. 12), se opõe à ideia de análise que “consiste em unir em um todo
diversos elementos dados separadamente”, contudo, ao ser vinculada apenas aos aspectos da
natureza, tem-se um entendimento fragmentado dos fenômenos. Dos procedimentos
descritivos procede-se a enumeração, e de sua recorrência na natureza leva-se à generalização,
à criação de leis e às teorias gerais.
Essa perspectiva chamada corológica foi fundamental para o reconhecimento do
objeto da geografia a partir de um enfoque espacial, articulado à distribuição dos fenômenos
na superfície terrestre. Ela coloca-se em oposição à perspectiva cronológica, que traz a
dimensão temporal às discussões geográficas. Assim, ao se privilegiar a dimensão corológica,
a geografia, por muito tempo, foi tratada de forma linear, em que a compreensão dos
fenômenos se dava por acréscimo, havendo o privilégio das formas (dos animais, das plantas,
da natureza, das construções humanas) e a sua localização no espaço. Essa ideia é marca da
matriz absoluta de pensamento na geografia, em que o espaço pode ser compreendido pela
representação e descrição dos fenômenos, e isso é tomado como realidade.
A compreensão do espaço pelo uso de imagens que servem como espelhos da
realidade, culmina com o desenvolvimento da cartografia com o objetivo de orientar viajantes
e naturalistas com localizações precisas sobre os territórios. A criação da Projeção de
Mercator (1569), ao determinar a posição dos países no mapa, busca “realçar o imaginário de
uma Europa racional em contraste com um mundo de bárbaros” (MOREIRA, 2015, p. 14).
Assim, segundo o autor, essa geografia, que se constituiu na modernidade, vê nascer o Estado
e o colonialismo moderno tendo a Europa como o centro de todo o mundo. Em uma
52

perspectiva matemática, delineada desde critérios disjuntivos e simplificadores traçam-se


linhas imaginárias que dividem a superfície terrestre em coordenadas e fusos horários, “que
padronizam o tempo do mundo a partir do fuso horário da Inglaterra” (Ibidem, p. 14).
A divisão do mundo, baseada em uma perspectiva matemática, ainda serviu, como
afirma Moreira (2015, p. 14), para “unificar a extensão territorial do Estado na unidade da
moeda, do padrão de pesos e medidas e da língua nacional”, definindo uma certa
individualidade aos Estados e identidade aos povos. Para o autor, essa geografia ofereceu a
militares, sacerdotes e naturalistas conhecimentos estruturados para que pudessem conhecer o
mundo, e, ao ser conhecido, os dados coletados pudessem servir aos Estados e seus interesses
imperiais. Esse entendimento foi a base de toda a geografia, que se constituiu na segunda
metade do século 19, quando torna-se ciência, e durante toda a primeira metade do século 20.
Ainda dentro do entendimento da geografia numa perspectiva da materialidade do
visível, tem-se o estudo da paisagem, posto que este foi expresso por meio daquilo que é
visível: as formas, isto é, o sujeito, que é apenas um intérprete daquilo que a natureza
evidencia. Conforme Moraes (2007), o estudo da paisagem ainda carrega a geografia como
ciência de síntese, que traz dados das demais ciências. Os principais expoentes dessa
concepção são Humboldt e Ritter, responsáveis pela sistematização inicial do conhecimento
geográfico. Apesar de ambos terem a paisagem como objeto de estudo, cada um deles a
estudou a partir de um aspecto específico. Para Moraes (2007), a paisagem estudada por
Humboldt e Ritter materializa duas concepções: uma que mantém uma tônica descritiva e
enumerativa dos elementos e da descrição das formas, denominada morfológica, que descreve
as formas da paisagem, e outra preocupada com a relação entre os elementos e a sua
dinâmica, ou seja, o funcionamento da paisagem, conhecida como fisiológica.
Humboldt (1875, p. IV), em seu livro “Cosmos: ensayo de una descripción física del
mundo”, valorizava a estética e a morfologia (formas) da paisagem, e entendia “la contemplación
de la naturaleza en más estensos horizontes, como el intento de comprender las leyes porque se
rige la física del mundo”. Assim, para Humboldt caberia à geografia “comprender el mundo de
los fenómenos y de las formas físicas en su conexión y mutua influencia” (p. IV). Como afirma
Moraes (2007), em termos de método Humboldt “propõe o “empirismo raciocinado”, isto é, a
intuição a partir da observação” (p. 62), da qual constituiria o cerne da análise geográfica. “A
paisagem causaria no observador uma “impressão”, a qual, combinada com a observação
sistemática dos seus elementos componentes, e filtrada pelo raciocínio lógico, levaria à
explicação: à causalidade das conexões contidas na paisagem observada” (Ibidem, p. 62).
53

Já os estudos de Ritter (1865), em seu conjunto, são quase que essencialmente


metodológicos. Em sua principal obra a – “Comparative geography” – propõe regras
sistemáticas para o estudo das paisagens. Sua referência para tal é a compilação e a
comparação de trabalhos empíricos de diferentes regiões do mundo realizados por outros
pesquisadores. Nesse sentido, Ritter entende que a geografia deveria estudar os arranjos
individuais presentes em determinadas áreas e compará-los de forma a buscar analogias.
“Cada arranjo abarcaria um conjunto de elementos, representando uma totalidade, onde o
homem seria o principal elemento” (MORAES, 2007, p. 63). A individualidade dos lugares
também é compreendida como objeto de estudo da geografia, sendo esta circunscrita pela
paisagem. Esse entendimento proferido por Ritter dá as bases para o estudo da geografia
regional e a valorização da relação homem-natureza, mas a partir de uma base positivista.
Assim, apesar de Humboldt e Ritter possuírem o mesmo objeto de investigação,
ambos deram a ele tonalidades diferentes, um muito preocupado com a estrutura e o outro
com os processos que constituem a paisagem. A geografia de Ritter considera a paisagem em
sua individualidade e suas características específicas, ou seja, aquilo que lhe é único: sua
identidade. Já Humboldt busca abarcar uma visão da totalidade das formas da paisagem em
seus estudos, mas em uma visão essencialmente naturalista. Nesse sentido, ainda é possível
distinguir procedimentos específicos para melhor compreendê-la. Esses processos foram
pautados em um contexto mais amplo dado pelo método indutivo.

Quadro 6 – Procedimentos metodológicos em Humboldt e Ritter


Procedimentos metodológicos em Humbold Procedimentos metodológicos em Ritter
1. Contemplar a paisagem. 1. Em primeiro lugar deve-se proceder de observação em
2. Observação sistemática dos seus elementos. observação, e não da opinião ou hipóteses à observação.
3. Filtrada pelo raciocínio lógico. 2. A segunda regra consiste em proceder do simples e
4. Explicação: que leva à causalidade e mostra as
uniforme ao complexo e variado, assim como dos
conexões contidas na paisagem observada. aspectos secundários aos principais.
5. Generalização – Leis. 3. A terceira regra é classificatória: reagrupar as coisas
semelhantes e análogas.
Obs.: as etapas contavam com experimentações e 4. A quarta consiste em esforçar-se para situar os fatos
comparações antes de estabelecer leis gerais. em seu contexto histórico.
5. A última procura conceder mais importância à
intensidade de um fenômeno do que à sua extensão
territorial.
Fonte: CAPEL (2012, p. 55-57) e MORAES (2007), organizado por Alana Rigo Deon (2021).

É possível perceber que ambos os métodos elaborados por Humbold e Ritter, apesar
da sua relação, possuem influência do realismo no entrecruzamento com o positivismo de
Comte, pois há o privilégio da indução e da experimentação para o estabelecimento de leis
gerais. Apesar dessas características globais, os autores ainda pautam-se em influências
54

específicas. De acordo com Vitte (2007), o método em Humboldt possui influência na


filosofia kantiana (transcendental) e Ritter seguiu os preceitos da filosofia hegeliana, tendo
referência na categoria tempo e na Pedagogia de Pestalozzi.
Os fundamentos de Ritter ainda deram origem aos estudos regionais desenvolvidos,
posteriormente, pela geografia francesa e estadunidense, pois o autor buscou sempre entender
as “individualidades dos lugares”, fundamentado na ideia de que a geografia deveria “mostrar
a unidade individual da terra como um todo, como um complexo inter-relacionado de
elementos (BROEK, 1981, p. 27). A partir desse entendimento, “o estudo geográfico deveria
abarcar todos os fenômenos que estão presentes numa dada área, tendo por meta compreender
o caráter singular de cada porção do planeta” (MORAES, 2007, p. 33). O estudo era realizado
com base na descrição exaustiva dos fenômenos de uma determinada área, enfocando traços
naturais, mas também sociais.
Seguindo a compreensão do objeto da geografia como o estudo da paisagem,
trazemos as concepções de Vidal de La Blache (1908). Para ele, a paisagem é um documento
vivo que expressa a chance de visualizar e analisar as metamorfoses que incidem sobre a
relação homem-natureza. Assim, entendia que o ser humano não era apenas produto do meio
natural, mas, sim, uma parte dele, responsável pela sua modificação. Ribeiro (2012), ao
estudar a obra de Vidal, afirma que, para ele, os seres humanos, para atender às suas
necessidades básicas (comer, beber, reproduzir, habitar), estão condicionados a um
determinado quadro natural e diferentes formas de adaptação ao meio. Isso foi denominado,
por Vidal, de gêneros de vida. Para La Blache (1911, p. 194):

Um gênero de vida constituído implica uma ação metódica e contínua que age
fortemente sobre a natureza ou, [...] sobre a fisionomia das áreas. Sem dúvida, a
ação do homem se fez sentir sobre seu ‘ambiente’ desde o dia em que sua mão
armou-se de um instrumento [...]”. Esse entendimento mostra que a geografia
vidalina apresenta uma leitura não dissociativa da relação homem e natureza.

No contexto alemão, Moraes (2007, p. 69) ao estudar Ratzel entende que este define
a geografia como “o estudo da influência que as condições naturais exercem sobre a
humanidade”. As suas ideias foram influenciadas pela teoria da seleção natural de Charles
Darwin, em que a natureza atuaria de duas formas: primeiramente sobre a fisiologia, ou seja,
as características naturais dos seres, e, por segundo, pela psicologia que definiria o caráter de
um povo, seu modo de vida, seus costumes. Ainda entendia que “a natureza influenciaria a
própria constituição social, pela riqueza que propicia, através dos recursos do meio em que
está localizada a sociedade” (Ibidem, p. 69). Para ele, a natureza também era responsável na
55

constituição social do ser humano “pela riqueza que propicia, através dos recursos do meio
em que está localizada a sociedade” (MORAES, 2007, p. 69). Ainda afirmava que a natureza
poderia alavancar ou obstacularizar o desenvolvimento de um povo, pois ela seria responsável
pelas suas condições econômicas e sociais.
Para Ratzel (1982 p. 93), “o estado não é concebível sem território e sem fronteiras
[...] um estado não existe sem seu solo”, pois os recursos da natureza proporcionam o
progresso de uma nação. O território, por abrigar o solo, é considerado condição fundamental
para o trabalho e existência da sociedade, posto que “um povo regride quando perde
território” (p. 94). Consoante Ratzel (1982), se o território de uma nação reduz-se, implica o
começo do seu fim, ou seja, a decadência de uma nação, já o progresso implicaria a conquista
de novos territórios. Segundo Moraes (2007) ainda é possível afirmar que a geografia de
Ratzel deu bases para a geografia humana, pois, apesar de seu caráter naturalista, sua
geografia privilegiou a descrição do movimento humano, “a formação dos territórios, a
difusão dos homens no Globo (migrações, colonizações, etc.), a distribuição dos povos e das
raças na superfície terrestre, o isolamento e suas consequências, além de estudos
monográficos das áreas habitadas” (Ibidem, p. 71).
A vinculação de Ratzel com o projeto expansionista alemão conferiu a esse autor as
bases para o estudo do território. Ele articula a ideia de progresso com o solo e o tamanho da
extensão do território, e esses como fatores preponderantes para o desenvolvimento de uma
nação. Esses elementos, juntos, serviriam para despertar o sentimento de pertencimento do
povo como estratégia para lutar e defender do território. Para Moraes (2007, p. 71), “em
termos de método, a obra de Ratzel não realizou grandes avanços” em relação aos seus
antecessores; “manteve a ideia da Geografia como ciência empírica, cujos procedimentos de
análise seriam a observação e a descrição”. Para além da descrição, o autor propôs “buscar a
síntese das influências na escala planetária, ou, em suas palavras, “ver o lugar como objeto em
si, e como elemento de uma cadeia” (Ibidem, p. 71).
Ainda segundo Moraes (1983, p. 387-388), a proposta de método de Ratzel seguiria
etapas hierarquizadas a partir de uma sequência linear, que consistia na “observação,
descrição, representação, comparação, classificação e generalização” dos fenômenos
(MORAES, 1983, p. 391).
56

Quadro 7 – Procedimentos metodológicos em Ratzel


1) É necessário um crescente conhecimento do objeto para fazer avançar a própria descrição.
2) A classificação deve ser um momento subsequente à elaboração, e esta pressuporia a comparação das
realidades descritas.
3) A classificação é um momento de ordenação teórica, não sendo o fim último da pesquisa.
4) A comparação deveria abarcar conjuntos e não detalhes.
5) O procedimento comparativo deve ser a busca de um conhecimento mais generalizador.
6) Buscar a generalidade dos fenômenos para chegar a um conhecimento causal.
Fonte: MORAES (1983, p. 387-388), organizado por Alana Rigo Deon (2021).

Associadas ao conceito de paisagem, as pesquisas de La Blache ainda ajudaram a


estruturar os estudos da região. O autor entendia a região como uma unidade de análise
geográfica, que mostraria como os homens se organizam no espaço. Para Moraes (2007) com
base em La Blache, “a região seria uma escala de análise, uma unidade especial, dotada de
uma individualidade, em relação as suas áreas limítrofes” (Ibidem, p. 86). A região poderia
ser delimitada territorialmente por meio da observação e, nesse sentido, radicamos sua
aproximação com o conceito de paisagem proposto pelo autor, pois a paisagem também
possui uma individualidade que se distingue de outros lugares mediante características
específicas. Esse entendimento traz a ideia de região como um método a ser aplicado pela
geografia para análise da realidade.
Em termos de método, a geografia de Vidal buscava ir além das descrições e
enumerações exaustivas e dos relatos de viagem, contudo seguiu uma concepção positivista
pautada em uma metodologia que passava pelo crivo da experimentação. Assim, o autor
propõe um método empírico-indutivo “pelos quais só se formulam juízos a partir dos dados da
observação direta, considera-se a realidade como o mundo dos sentidos, e limita-se a
explicação aos elementos e processos visíveis” (MORAES, 2007, p. 84). Apesar, contudo, de
considerar o ser humano parte do meio, sendo um agente transformador, a sua obra não leva
em conta o processo de produção no qual o ser humano se pauta para fazer essa
transformação, além de focar apenas na dimensão homem-natureza e não considerar a relação
entre os homens.
O autor construiu um modelo que se tornou uma espécie de receituário para os
estudos regionais.
57

Quadro 8 – Procedimentos metodológicos em La Blache


Procedimentos metodológicos em La Blache Procedimentos metodológicos em La Blache para
para análise da paisagem análise da região
1. Observação de campo. No geral, tais estudos obedeciam a um modelo de
2. Indução a partir da paisagem. exposição que propunha os seguintes itens: Introdução,
3. Particularização da área enfocada (em seus localizando a área estudada, com projeções cartográficas
traços históricos e naturais). nacional e continental e um enquadramento zonal e pelas
4. Comparação das áreas estudadas e do materialcoordenadas.
levantado. 1º capítulo: “as bases físicas” ou o “quadro físico”,
5. Classificação das áreas e dos gêneros de vida
enumerando as características de cada um dos elementos
em “séries de tipos genéticos”. naturais presentes (relevo, clima, vegetação etc.).
2º capítulo: o “povoamento” ou as “fases da ocupação”,
discutindo a formação histórica (primeiras explorações,
atrativos econômicos no passado, fundação das cidades,
etc.).
3º capítulo: a “estrutura agrária” ou o “quadro agrário”,
descrevendo a população rural, a estrutura fundiária, o tipo
de produção, as relações de trabalho, a tecnologia
empregada no cultivo e na criação, etc.
4º capítulo: a “estrutura urbana” ou o “quadro urbano”,
analisando a rede de cidades, a população urbana, os
equipamentos e as funções urbanas, a hierarquia das
cidades daquela região, etc.
5º capítulo: a “estrutura industrial” (quando esta existisse
na região analisada), estudando o pessoal ocupado, a
tecnologia empregada, a destinação da produção, a origem
das matérias-primas empregadas, o número e tamanho dos
estabelecimentos, etc.
Conclusão, em geral constituída por um conjunto de
cartas, cada um referente a um capítulo, as quais,
sobrepostas, dariam relações entre os elementos da vida
regional.
Fonte: MORAES (2007, p. 84-88), organizado por Alana Rigo Deon (2021).

Avançando nas discussões de objeto e método da geografia, mas ainda com


referência no que foi produzido pela geografia alemã e francesa, alguns autores vão definir o
estudo dessa ciência como o “estudo da diferenciação das áreas” pelo contexto regional. Esse
entendimento desenvolve-se com mais profundidade nas proposições de Hartshorne (1979), e
contribuem com o desenvolvimento da geografia que, mais tarde, ficou conhecida como
quantitativa. Seus principais conceitos são área e integração e ambos confluem para o
desenvolvimento do método regional. Para o Moraes (2007) com base em Hartshorne (1979),
“as ciências se definiriam por métodos próprios, não por objetos singulares. Assim, a
Geografia teria sua individualidade e autoridade decorrentes de uma forma própria de analisar
a realidade” (Ibidem 2007, p. 97). Essa visão traz para a análise geográfica elementos que
buscam estabelecer a comparação entre lugares. Cabe destacar que isso já era expresso nas
obras de Ritter.
Avançando no empirismo das proposições anteriores, Hartshorne (1979) pauta-se no
método hipotético-dedutivo, isto é, uma aproximação maior com a filosofia racionalista, mas,
58

também, não deixou de lado a indução, processo tão marcante na constituição da geografia.
Para Moraes (2007, p. 97) a sua proposta diferiu-se de seus antecessores, pois entendia que
“as ciências se definiriam por métodos próprios, não por objetos singulares”. Esse
entendimento pautava-se na ideia de que a geografia tinha uma forma específica de analisar a
realidade, especialmente porque estudava fenômenos variados que também eram objetos de
investigação de outras ciências. Esses objetos, contudo, não deveriam ser trabalhados
isoladamente, mas abrangendo as suas inter-relações. “Entretanto, as inter-relações não
interessariam em si, e sim na medida em que ‘desvelam o caráter variável das diferentes áreas
da superfície da terra’” (Ibidem, p. 98).
Nesse sentido, Hartshorne (1979) propõe os conceitos de área e integração, ambos
pautados no método regional. Para Moraes (2007, p. 98) “A área seria uma parcela da
superfície terrestre diferenciada pelo observador, que a delimita por seu caráter, isto é, a
distingue das demais”. Assim, a área a ser estudada seria delimitada pelo próprio observador a
partir do seu ideal, no qual observar-se-iam os fenômenos escolhidos. Hartshorne (1979)
ainda apresenta duas formas de análise das áreas; uma denominada ideográfica, que seria uma
análise singular e unitária de um determinado lugar, buscando apreender o máximo de
elementos possíveis. A segunda buscaria ser mais generalizadora, a qual denominou de
nomotética (constitui a referência para a geografia quantitativa). Dessas duas formas de
apreensão da realidade o autor buscou integrar a geografia regional (humana) com a geografia
geral (física), apesar de ambas serem diferenciadas pelos níveis de profundidade em seus
estudos. Assim, para Moraes (2007, p. 100) “quanto maior a simplicidade de fenômenos e
relações tratados, maior possibilidade de generalização. Quanto mais profunda a análise
efetuada, maior conhecimento da singularidade local”.

Quadro 9 – Procedimentos metodológicos idiográficos e nomotéticos


Procedimentos metodológicos idiográficos Procedimentos metodológicos nomotéticos
Seleção pelo pesquisador de dois ou mais fenômenos (por O pesquisador pararia na primeira integração, e
exemplo clima, produção agrícola, tecnologia disponível). reproduzi-la-ia (tomando os mesmos fenômenos e
Observa-os na área escolhida, relaciona-os. Seleciona outros fazendo as mesmas inter-relações) em outros lugares.
(por exemplo topografia, estrutura fundiária, relações de As comparações das integrações obtidas permitiriam
trabalho). chegar a um “padrão de variação”, daqueles fenômenos
Observa-os, relaciona-os; repete várias vezes este tratados.
procedimento, tentando abarcar o maior número de fenômenos Assim, as integrações parciais (de poucos elementos
(tipo de solo, destinação da produção, número de cidades, inter-relacionados) seriam comparáveis, por tratarem
tamanho do mercado consumidor, hidrografia, etc.). dos mesmos pontos, abrindo a possibilidade de um
Uma vez de posse de vários conjuntos de fenômenos agrupados conhecimento genérico.
e inter-relacionados, integra-os inter-relacionando os conjuntos.
Repete todo este procedimento, com novos fenômenos, ou
novos agrupamentos dos mesmos fenômenos, em conjuntos
diferentes; afinal, integram-se, entre si, os conjuntos já
integrados separadamente.
Fonte: MORAES (2007, p. 98-99), organizado por Alana Rigo Deon (2021).
59

Ambos os procedimentos constituem o método regional que, apesar de buscar


superar a clássica dicotomia entre geografia física e humana, que perpassa a história da
ciência geográfica, ainda acaba por instituir mais dicotomias para os estudos dessa ciência.
Primeiramente, a geografia idiográfica, ao procurar fazer uma análise profunda nas áreas
específicas, acabou por recortar o espaço por diferentes áreas/níveis, mas sem fazer a sua
relação com outros níveis e os processos que os constituem. A segunda – nomotética – por
buscar uma análise geral dos elementos, negligencia o entendimento das partes. Ambos os
procedimentos contribuíram com a especialização de diferentes áreas de estudo para a
geografia, mas não conseguiram dar conta da totalidade do objeto de investigação que
envolve essa ciência.
A segunda metade do século 20 inaugura os estudos da geografia como ciência do
espaço, tomando a dimensão de sua organização como eixo de análise, tendo referência no
método regional. A mundialização do capital e a desconcentração das indústrias oriundas da
divisão internacional do trabalho, coloca em xeque a tarefa da geografia de localizar áreas ou
pontos específicos no espaço para compará-los. Era preciso fazer da precisão locacional, dada
pela cartografia, o ponto de partida para interesses do planejamento estatal e econômico. Para
Moreira (2015, p. 16), desde o início do século 19 já existiam teorias “de localização com fins
de racionalizar a organização do espaço segundo as necessidades de expansão da indústria”.
Assim, “com o advento do planejamento estatal, essa teorização sai do ponto restrito de
pensar o local para pensar o regional e o nacional à luz e segundo as dimensões da escala do
espaço” (Ibidem, p. 16).
Ao longo de toda a história de constituição da geografia há cada vez mais a “imagem
de uma ciência colada ao espaço e ao mapa” (MOREIRA, 2015, p. 16), o que acabou por
tornar a cartografia quase que uma identidade da geografia. De acordo com Moreira (2015),
essa relação aprofunda-se com o avanço das técnicas (softwares computacionais, imagens de
satélite), que tornam mais rigorosas e sistemáticas as análises geográficas, especialmente por
ajudar a definir com precisão a localização e a distribuição de minérios, energia fóssil, áreas
de ocupação agrícola e industrial, ou seja, pontos estratégicos para o desenvolvimento
econômico. Não é à toa que é nesse período que a teoria da região ganha notoriedade, e, junto
com ela, os órgãos de planejamento estatal, que procuravam recortar os espaços para melhor
conhecê-los a partir de critérios já definidos, e, assim, buscar estratégias para a sua
organização e produção.
Uma das principais críticas a esse modo de produzir conhecimento é que os
geógrafos, em muitos contextos de pesquisa, tomaram a imagem e a localização pela
60

realidade. Negligenciaram, porém, os processos interpretativos sobre as especificidades dos


locais, que possuem relação intrínseca com as populações que ali vivem e com as
movimentações e relações que nele ocorrem. Essas ações não podem ser definidas/observadas
apenas pelo uso de imagens ou pela generalização de dados produzidos por modelos
estatísticos. Compreende-se que a imagem não é a realidade, e, assim, os geógrafos passam a
questionar aquilo que não está visível, retratando uma outra face de entendimento para a
geografia – o invisível – que é construída na relação entre linguagem e pensamento. Dessa
forma, a relação entre a materialidade do visível do sujeito, que interpreta as tematizações do
mundo fornecidas pelos conceitos, torna possível o processo de compreensão de uma dada
realidade.
As rápidas e profundas mudanças ocorridas na segunda metade do século 20, dadas
pelo avanço do capitalismo, desenvolvimento tecnológico e agravamento das desigualdades
sociais, tornam as tarefas de localizar, mapear e demarcar o espaço, desenvolvidas até então,
parciais para o entendimento da geografia, pois acabam não dando conta das transformações
pelas quais o mundo estava passando. Era preciso “saber ler e entender” (MOREIRA, 2015, p.
16) essas mudanças, modificando não apenas o objeto de estudo, mas também os métodos de
investigação. Com a renovação do pensamento geográfico há também uma mudança nas
posturas filosóficas que embasam essa ciência, ultrapassando os pressupostos positivistas que
embasaram o modo tradicional de produzir conhecimento, que se estrutura desde o embate
entre racionalismo e realismo.
Por isso, mais recentemente autores discutem a geografia como o estudo do espaço,
conceito esse que resolveria a falta de um objeto claro para o estudo da geografia por
possibilitar que essa ciência fosse compreendida a partir da relação sociedade e natureza, ou
seja, a sua totalidade. Aliada a isso, a introdução de outros métodos oriundos da filosofia,
como a dialética e a fenomenologia15, foi incorporada à interpretação do espaço,
possibilitando uma compreensão mais abrangente desse objeto. Na perspectiva dialética, o
espaço é modificado, construído e transformado numa relação intrínseca entre sujeito e
objeto. Já na perspectiva fenomenológica, o sujeito descreve o objeto e suas relações com
base nos seus conhecimentos específicos.

15
A dialética surge com base em Hegel no final do século 18 e foi transformada por Marx no materialismo
histórico dialético no século 19. Já a fenomenologia surge com base em Hurssel no final do século 19 e início do
20. Ambas correntes serviram de referência para a mudança paradigmática que ocorreu na geografia no século
20, orientada pelas correntes críticas.
61

A introdução de outros métodos na análise do espaço permitiu avanços na produção


do conhecimento geográfico, pois possibilita entender o espaço baseado na sua relação
temporal, além de considerar sujeito e objeto partes do espaço, que se relacionam entre si e
com o mundo. Isso reflete-se diretamente na construção de outros referenciais metodológicos
para além apenas da observação, descrição e análise, mas também pautados na interpretação,
compreensão e no entendimento dos fenômenos.
A teoria da geografia como ciência do espaço questiona o modo como foi construído
o conhecimento geográfico ao longo do tempo, servindo aos interesses de estadistas e
militares fundamentada na definição de áreas estratégicas com auxílio da cartografia. A
geografia, produzida do século 18 ao 20, seus objetos e métodos, foram estratégicos,
buscando servir aos desígnios do capital e, assim, à formação de Estados-Nacionais, a partir
do retrato da paisagem e de sua localização. Por isso, busca-se, pela perspectiva do espaço,
olhar adiante daquilo que está visível na paisagem, mas também o seu invisível, buscando,
para além das suas formas, as funções, estruturas e processos que a constituem. Essas ideias e
concepções de um mundo em movimento são expressas nas teorias de Santos (2014b) (fixos e
fluxos, forma e conteúdo) e Harvey (2012) (espaço absoluto, relativo e relacional) e é com
base nelas que se definiram novos rumos para a geografia.
De forma a sintetizar os diferentes objetos e métodos que conferiram à geografia, ao
longo do tempo, a estrutura do pensamento geográfico, elaboramos a Figura 4. A definição
desses objetos possui profunda vinculação com a racionalidade científica moderna, que
institui modos de operar dualista para a ciência geográfica. Esse viés fragmentou a
compreensão do espaço a partir de recortes, ou seja, conceitos em si, muitas vezes pautados
em uma matriz de entendimento absoluta sem a sua relação entre si. Esses recortes instituíram
uma geografia dualista, com um esclarecimento parcelar da realidade. Cada objeto, pelos
quais a geografia se pautou, hoje constitui o arcabouço conceitual que ajuda a entender o
mundo pelo viés da ciência geográfica.
62

Figura 4 – Diferentes objetos do conhecimento na Geografia moderna

Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

Desse entendimento, que expressa objetos e formas de entender o mundo pela


geografia, emergem paradigmas geográficos nos quais essa ciência se estruturou.

Quadro 10 – Paradigmas geográficos


Paradigmas Entendimentos Conceitos gerais Método
Determinismo O homem é determinado Paisagem, território Indutivo
pelo meio natural.
Possibilismo Possibilidade de o homem alterar o Paisagem, região Indutivo
meio natural em que vive.
Geografia A organização do espaço por meio Região Hipotético-dedutivo
quantitativa de suas características.
Geografia crítica O espaço na relação sujeito e objeto. Espaço Fenomenológico-crítico
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

Toda a tradição geográfica buscou definir um objeto de estudo para que melhor
pudessem ser compreendidos os fenômenos estudados por essa ciência. Articulada a ele, esteve a
discussão sobre o método que foi passando por modificações, muitas vezes relativas à perspectiva
da instrumentalidade metodológica, mas não em termos de base teórica, ou seja, a base maior e
abstrata que sustenta o como fazer. Esses métodos, ou pautados na primazia do sujeito ou do
objeto, radicaram um entendimento dualista a uma ciência que se constitui pela ideia de síntese.
63

Para Claudino (2019, p. 72), os procedimentos e as técnicas no interior da geografia vão sofrendo
modificações, mas o método, entendido como “caminho do pensar”, permaneceu o mesmo.
Apesar de todas as mudanças que ocorreram ao longo da constituição do pensamento
geográfico, é preciso entender como essas discussões sobre objeto e método, que carregam
resquícios do debate das racionalidades, influenciam na geografia científica e escolar. É
preciso considerar que, apesar de a geografia escolar e a científica terem a mesma base de
definição – o pensamento geográfico (constituído por objetos e métodos) –, elas possuem
objetivos e finalidades diferentes. Assim, para poder fazer essa discussão é necessário
primeiro definir o que se entende por disciplina e por ciência para traçarmos suas
aproximações e distanciamentos.

1.5 A GEOGRAFIA COMO DISCIPLINA DE ENSINO

Dadas as bases epistêmicas que constituem a geografia com referência no


pensamento geográfico (objetos e métodos), precisamos pensar a relação entre geografia
acadêmica e geografia escolar, haja vista que a primeira, desde a sua constituição no século
19, tem sido referência teórica para a segunda16. Assim, mesmo que tenham o mesmo objeto
de investigação (que carrega as marcas do pensamento geográfico e métodos do fazer
geográfico e científico), cada uma delas possui finalidades específicas. Nesse sentido,
precisamos ter o entendimento que o método de ensino não é o mesmo da produção do
conhecimento, por mais que possuam fortes vinculações. Para demarcarmos essas
especificidades, este subcapítulo busca discutir como se constitui a noção de disciplina escolar
e a sua relação com a ciência de referência a partir de uma perspectiva pedagógica.
Para compreendermos como surgem as disciplinas escolares recorremos à
historiografia geral17, buscando fundamentos para entender o caso específico da geografia, ao
mesmo tempo em que procuramos problematizar o significado assumido pela palavra
disciplina no sentido escolar ao longo do tempo. Para iniciar essa discussão é fundamental
definir a palavra disciplina distinguindo-a dos seus sinônimos, como matérias ou conteúdos de
ensino. Essa definição é crucial, pois, por muito tempo, gerou-se um uso banal do termo.
Assim, evitando redundâncias conceituais, iniciamos pelo termo disciplina.

16
É importante marcar que a geografia escolar surge no currículo alemão antes do processo de sistematização da
geografia como ciência, como apontam Tonini (2006), Vlach (2004).
17
Conforme proposta de André Chervel (1990), Ivor Goodson (1990) e Circe Bittencourt (2018).
64

Para o dicionário, o termo disciplina é definido como: “1. Regime de ordem imposta
ou mesmo consentida. 2. Ordem que convém ao bom funcionamento de uma organização. 3.
Relação de subordinação do aluno ao mestre. 4. Submissão a um regulamento. 5. Qualquer
ramo do conhecimento. 6. Matéria de ensino” (FERREIRA, 2008, p. 321). Já o significado do
substantivo matéria é: “1. Qualquer substância sólida, líquida ou gasosa que ocupa lugar no
espaço. 2. Substância capaz de receber certa forma, ou em que atua determinado agente. 3.
Assunto de discurso, conversação, etc. 4. Causa, objeto. 5. Notícia, reportagem [...]. 6.
Disciplina Escolar” (Ibidem, p. 542).
As definições tratadas pelos dicionários mostram que, apesar de haver aproximações
entre as definições dadas pelos termos matéria e disciplina, no que se refere especificamente à
questão dos conteúdos de ensino, elas não podem ser definidas como sinônimos, pois cada
uma assumiu inscrições conceituais diferenciadas ao longo do tempo.
Para Chervel (1990), a noção de disciplina, no sentido escolar, e sua articulação com
os conteúdos de ensino, é recente, e ganha essa conotação apenas no século 20, após a
Primeira Guerra Mundial, quando há uma disputa sobre quais disciplinas deveriam ou não
fazer parte do currículo escolar. Para o autor, até a metade do século 19 o termo disciplina não
possuía outra vinculação a não ser com o fim de regramento, vigilância e repressão das
condutas que prejudicavam a boa ordem, não havendo qualquer menção à ideia de disciplina
no ponto de vista de conteúdo de ensino. Até então, o que equivaleria atualmente ao termo
disciplina, no sentido escolar, eram as expressões, objeto, partes, ramos, ou, ainda, matérias
de ensino, o que explica, em certa medida, a confusão nos significados.
O processo de definição das disciplinas que deveriam fazer parte do currículo
escolar, ocorre quase que paralelamente ao processo de especialização das ciências no final do
século 19. Nesse contexto, cada ciência foi dividida em várias áreas e, essas, em disciplinas
específicas, com objetos de investigação próprios, havendo, assim, a criação de novas
disciplinas e, consequentemente, novos conhecimentos que precisavam ser introduzidos no
currículo escolar. Em consonância com as novas disciplinas, emergem novas finalidades para
o ensino, de forma que elas deveriam explicitar a seleção dos conteúdos a serem ensinados,
bem como definir os métodos que garantissem a apreensão dos conteúdos.
Esse processo põe em xeque o pensamento pedagógico da época que, até então, buscava
inculcar o conhecimento nos alunos. Assim, a palavra disciplina faz par com o verbo disciplinar, e
surge na “segunda metade do século 19, em estreita ligação com a renovação das finalidades do
ensino secundário e do ensino primário” (CHERVEL, 1990, p. 179), que desejavam, dali por
diante, disciplinar o espírito, ou seja, desenvolver a formação pelo exercício intelectual.
65

A renovação pedagógica do ensino ocorre paralelamente à crise dos estudos das


humanidades clássicas e, junto a isso, a introdução nas escolas de disciplinas de cunho
científico (oriundas da nova organização curricular), pois, para as universidades, essas últimas
não eram consideradas meios de disciplinar o espírito, na medida em que não ofereciam o
desenvolvimento das capacidades do julgamento, da razão, da faculdade de combinação e de
invenção (CHERVEL, 1990). Buscando esclarecer essa assertiva, Bittencourt (2018, p. 32)
complementa que:

Desde o fim do século XIX se discutia sobre a necessidade de manter um currículo


humanístico organizado pelo estudo das línguas – latim, grego, língua e literatura
nacional e internacional – e de oratória”. Esses saberes eram considerados
fundamentais para a formação das elites, ao “disciplinarem a mente” por meio da
“cultura clássica”. Predominava uma formação elitista, à qual era perfeitamente
adequado o currículo humanista clássico. Com o desenvolvimento da
industrialização, intensificado na segunda metade do século XIX, os conhecimentos
das áreas denominadas “exatas”, como a biologia, química, botânica e física, além
da matemática, passaram a ser consideradas importantes e disputavam o espaço com
as áreas das “humanidades clássicas” na formação escolar. Essa disputa sobre o
papel formativo das “disciplinas humanísticas “ou das “disciplinas científicas”
possibilitou a organização mais sistematizada dos conhecimentos já
tradicionalmente pertencentes ao currículo antigo e dos novos que estavam sendo
introduzidos nas escolas.

Com a nova organização curricular na escola, seguindo os moldes científicos e a


introdução das disciplinas científicas no currículo, o termo disciplina perde a força que o
caracterizava até então e tona-se uma simples rubrica que o classifica como matéria de ensino,
sem fazer qualquer referência à formação do espírito18. Mesmo, contudo, que para a escola
tenha cabido um termo genérico (matéria de ensino), não podemos esquecer que o termo
disciplina é uma criação da escola, que nasce carregado de um sentido didático-pedagógico,
pois surge como referência à mudança nas finalidades do ensino primário e secundário.
Assim, possuem atribuições diferentes na formação, apesar de estabelecerem um diálogo
constante.
Aliado a isso, é preciso considerar que muitas disciplinas escolares nascem antes de
sua ciência de referência, como é o caso da geografia (VLACH, 2004, TONINI, 2006). As

18
Ainda no que se refere à questão do ensino das humanidades e sua importância para a formação do espírito,
podemos afirmar que, atualmente, as disciplinas que compõem o núcleo das ciências humanas assumem essa
prerrogativa pelo desenvolvimento da razão. As disciplinas dessa área são dotadas de recursos teórico-
metodológicos que visam a possibilitar o desenvolvimento do espírito crítico e também reflexivo nos estudantes.
Cada vez mais, contudo, os detentores do poder têm encontrado meios de tornar as disciplinas que fazem parte
dessa área adequadas às finalidades econômicas e políticas, por vezes silenciando e ocultando discussões, por
vezes tornando visíveis o que é de interesse, ou buscando formas de diminuir a sua importância nas discussões
sobre o currículo escolar.
66

ciências são constituídas como campos disciplinares no século 19, com o intuito de produzir
conhecimentos para o ensino escolar, sendo esses traduzidos por meio de conteúdos e
métodos de ensino. Dessa forma, apesar de as ciências serem referência para as disciplinas
escolares, não podemos esquecer, como alerta Chervel (1990), que as disciplinas escolares são
criações originais da própria escola, e possuem relativa autonomia de sua ciência de
referência.
Isso quer dizer que, mesmo que as disciplinas escolares tenham influência das
disciplinas acadêmicas em termos de conteúdo, estrutura e métodos de ensino, elas respondem
a diferentes finalidades na formação dos sujeitos. Para Goodson (1990), existem distinções e
também relações entre o termo disciplina no sentido acadêmico e no sentido escolar. Para o
autor, o termo disciplina é oriundo da tradição acadêmica e, para as escolas, utiliza-se o termo
matérias, mesmo e apesar de os documentos oficiais, que embasam a educação básica,
utilizarem, em suas definições, o termo disciplina. Bittencourt (2018, p. 36) esclarece que a
noção de disciplina escolar é mais usual “nos cursos superiores a qual, por sua vez, é
composta de “matérias” específicas, correspondentes a divisões internas das disciplinas
acadêmicas”.
O cerne dessa discussão sobre a definição dos termos disciplina e matérias de ensino
envolve questões primordiais que precisam ser compreendidas: primeiramente há uma tentativa
de defini-las de acordo com as funções exercidas em cada nível que atuam, mas, na ânsia dessa
definição, reduziu-se o papel ocupado pelas disciplinas escolares à questão específica dos
conteúdos de ensino, negligenciando a questão didático-pedagógica e dos métodos de ensino.
Essa discussão está atrelada diretamente à definição sobre quais disciplinas deveriam fazer parte
do currículo escolar, haja vista que o currículo é campo de disputas e cada disciplina possui
finalidades específicas que influenciarão, de diferentes formas, o desenvolvimento da sociedade.
Nesse sentido, é preciso mencionar que a escola ensina, por meio das disciplinas
escolares, conhecimentos, que são determinados pelas sociedades de forma a materializar nos
seus currículos as intenções dos processos econômicos, políticos e culturais. Nesta
perspectiva, as escolas foram assumindo, em distintas épocas, objetivos que buscavam atender
demandas em diferentes momentos históricos: a formação da classe média para o ensino
secundário, a expansão da alfabetização e a formação de um espírito nacionalista e patriótico
(BITTENCOURT, 2018). Segundo a autora, esses objetivos, que foram traduzidos para as
disciplinas, justificam a sua permanência no currículo. Ao longo do tempo, porém, conforme
mudam-se as finalidades da sociedade, mudam-se também os objetivos da escola e das
próprias disciplinas.
67

Para Callai (2013), cada disciplina é portadora de uma problemática própria, e suas
finalidades educativas não deixam de estar atreladas às funções e objetivos da escola, que, por
sua vez, estão amparadas em objetivos maiores, como dos Estados traduzidos pelas políticas
educacionais, que, no contexto atual, seguem as demandas globais. Assim, refletir sobre as
disciplinas escolares e seus conteúdos de ensino reporta a conhecer a configuração do mundo
e os interesses da sociedade em cada período histórico. Conforme mudam as finalidades,
todavia, educativas, mudam também os conteúdos, os objetivos pedagógicos das disciplinas e
os métodos de ensino, pois elas são os meios necessários para que a escola cumpra uma
determinada função educativa ao longo do tempo (CHERVEL, 1990).
No caso aqui específico, interessa pensar a geografia como disciplina, que, apesar de
ter uma relação de aproximação e distanciamento com a sua ciência de referência, possui uma
história própria, que surge no currículo escolar carregada de intencionalidades políticas e
econômicas em um período em que os Estados-Nações vinham se constituindo como tais.
Aliada a isso, a Geografia, desde o início da modernidade, já mostrava um dualismo interno.
Essa dualidade remonta às discussões filosóficas de realistas e racionalistas, que defendiam
que os conhecimentos, para serem aceitos como tais, precisariam da validade do método, e
esse só poderia ser alcançado pelos procedimentos da indução (linguagem/externa ao sujeito)
e da dedução (pensamento/interna ao sujeito). A geografia aliava-se, então, a ambas as
concepções, por estudar elementos físicos e humanos, mas privilegiou a indução em
detrimento da dedução.
Com a instituição do seu campo científico no século 19, sob a égide do positivismo, a
sua dualidade foi aprofundada, e essa ciência constituiu-se a partir de objeto de estudo
fragmentado que se refletiu no currículo escolar em uma disciplina dualista, que separa dos
seus estudos a relação homem e natureza. Por isso, buscamos compreender o contexto de
aproximações e distanciamentos da sua ciência de referência e a sua influência nos seus
conteúdos e métodos de ensino.

1.6 A RELAÇÃO ENTRE A GEOGRAFIA ESCOLAR E SUA CIÊNCIA DE


REFERÊNCIA: AS CONCEPÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS

Muitos debates têm sido feitos ao longo do tempo em torno da concepção de


disciplina escolar, e esses debates têm tomado diferentes concepções e, por vezes, posturas
conflitantes (BITTENCOURT, 2018). Nesse contexto, existem autores que defendem a ideia
das disciplinas escolares como “transposição didática”, especialmente autores ligados à área
68

da matemática; outros autores defendem a ideia de que as disciplinas são um “campo


autônomo do conhecimento”, especialmente linguistas e aqueles ligados às áreas das ciências
sociais. De forma a mostrar esses diferentes debates e posicionamentos em torno do tema, é
que tecemos esse subcapítulo.
O entendimento da disciplina escolar como transposição didática, decorre das
investigações do matemático Yves Chevallard, que entende que as disciplinas escolares são
uma vulgarização/simplificação dos conhecimentos produzidos por sua ciência de referência.
Para o autor, os conteúdos ensinados na escola são produzidos em âmbito acadêmico e, para
chegar à escola, sofrem uma série de transformações para se tornarem conteúdos escolares.
Essas transformações seriam realizadas pelos processos didático-pedagógicos de forma a
tornar os conteúdos aptos a serem ensináveis nas escolas.
Para entender como o autor fundamenta sua teoria, nos aportamos nos estudos de
Lopes e Macedo (2011). As autoras afirmam que Chevallard baseia seus estudos a partir de
fundamentos matemáticos; assim, encontra elementos para formular sua teoria da transposição
didática. Para ele, existem “diferenças epistemológicas entre o conhecimento matemático
produzido por investigadores do campo e o conhecimento matemático ensinado na escola”.

Em suas pesquisas, ele evidencia como um determinado conceito na matemática dos


matemáticos é modificado, normalmente para ser simplificado quando é ensinado na
disciplina escolar matemática. O conceito é deslocado: (i) das questões que
permitem resolver e dos conceitos com os quais constitui uma rede de relações
(descontextualização); (ii) do período histórico (desconteporalização); (iii) dos
vínculos que possui com as pessoas que o produziram e suas práticas científicas
(despersonalização). Simultaneamente, o conceito é naturalizado, como se sua produção
respondesse a verdades incontestáveis. (LOPES; MACEDO, 2011, p. 95-96).

Encontramos, nessa posição, alguns problemas que se tornam imprescindíveis para a


discussão no que se refere à sua teoria ser considerada aceita em âmbito de outros campos do
saber, no nosso caso, especificamente, a Geografia, que tem suas raízes na dimensão da
experiência. A primeira delas é que sua teoria se aplica à área da matemática, que possui
diferentes pressupostos epistemológicos e teórico-metodológicos fundamentados
essencialmente na razão e não necessitam da experiência para a sua comprovação. A segunda
é que a didática e a pedagogia não possuem a função de “adaptar” ou de simplificar um
conteúdo de forma a torná-lo apto para ser ensinado.
No âmbito da Geografia, autores como Souza e Pezzato (2010, p. 71-72) afirmam
que é generalizada a “concepção de que a escola trabalha com a simplificação da ciência de
referência, produzida nas universidades, nos institutos e demais instituições de pesquisa.
69

Nessa perspectiva, entre os saberes escolares e os conhecimentos produzidos pelos cientistas


há, apenas, uma diferença de grau”. Sendo assim, os autores, com base em Chervel (1990),
acreditam que as disciplinas ensinadas nas escolas não são apenas expressão das ciências de
referência, mas expressões e produções de conhecimentos que se materializam no interior da
escola.
O entendimento da disciplina escolar como simplificação dos conteúdos da ciência
de referência, ganha conotação ao se pesquisar a história da geografia escolar e perceber a
influência do pensamento geográfico acadêmico no ensino escolar, haja vista que um dos
objetivos da criação da ciência geográfica era produzir conhecimentos para se tornarem
conteúdos de ensino. O que precisamos entender, no entanto, é que as finalidades para a qual
se constituem a ciência e a disciplina já são um indicativo de suas diferentes funções,
objetivos e finalidades. Acreditamos e defendemos a concepção de que as disciplinas
escolares são produções da escola, influenciadas pelas políticas educacionais e agentes
externos ao Estado, mas que possuem a base de sustentação de seus conteúdos na Geografia
acadêmica.
Buscando justificar nossa posição, encontramos, no aporte dos teóricos André
Chervel (1990) e Ivor Goodson (1990), a concepção de que as disciplinas escolares não são a
simplificação do conhecimento acadêmico, mas criações próprias do sistema escolar, que
possuem objetivos, finalidades e forma de organização pedagógica próprias e, por isso, não se
restringem à pura e simples transposição da sua ciência de referência, e muito menos sofrem
adaptações pedagógicas para se tornarem ensináveis, com a qual compartilhamos nosso
entendimento. A ciência de referência, na concepção defendida pelos autores, é uma base de
sustentação para os conteúdos ministrados nas disciplinas escolares, mesmo que nem sempre
as políticas educacionais e os livros didáticos considerem tal prerrogativa.
Desse modo, quando se renuncia a compreensão de que os conteúdos de ensino são
simplificações da ciência de referência, admite-se que as próprias disciplinas escolares
possuem, pelo menos, três características que as diferem do saber acadêmico: a sua gênese
(como a escola produz as disciplinas escolares), a sua função (para que servem as disciplinas
escolares) e suas formas de funcionamento (como elas agem sobre os alunos), considerando
que essas características não podem ser entendidas de forma dissociadas. No que se refere à
sua gênese, as disciplinas escolares estão atreladas às próprias especificidades e finalidades
que a escola abarcou ao longo do tempo, frutos dos diversos objetivos determinados pela
sociedade e, junto a eles, diversos contextos econômicos, políticos e sociais (CHERVEL,
1990).
70

Para Vlach (1987), o ensino de geografia, junto com a história, se torna um dos
sustentáculos no processo de constituição dos Estados nacionais; assim, o objetivo dessas
disciplinas era contribuir com a formação de cidadãos para que esses Estados se
consolidassem. O papel ideológico-cultural e a formação cidadã foram a gênese e a função em
que se constituiu a geografia. Mais tarde essas disciplinas foram ocupando outras funções que
não deixavam de estar atreladas a objetivos econômicos e políticos, como a formação da
classe média para o mercado de trabalho, a formação de cidadãos para o consumismo, entre
outros. Nesse sentido, as escolas colocam-se em cada período histórico a serviço de diferentes
funções, sendo os conteúdos escolares os responsáveis por atribuir a elas diversos objetivos
educacionais.
A terceira característica, ou seja, a forma de funcionamento das disciplinas escolares,
envolve inúmeras questões que vão desde o processo de organização do ensino, como a carga
horária, número de períodos semanais, os temas e conceitos a serem desenvolvidos em cada
etapa de ensino da Escola Básica (Anos Iniciais, Anos Finais e Ensino Médio), à forma como
isso tudo chega ao estudante, ou seja, os objetivos de ensino, que deixam claro aquilo que
queremos com o ensino de Geografia. Por isso, é necessário que os professores tenham claro
como a sua disciplina pode contribuir para a formação humana e cidadã dos estudantes. Tendo
essa clareza, definem-se os conteúdos e métodos de ensino, que implicarão em concepções
didático-pedagógicas e teórico-metodológicas.
Essas três características colocam em evidência a concepção de que as disciplinas
fazem parte de um processo criativo e original da escola, e que têm autonomia para se
constituir como tal, sem que exista uma ciência de referência acadêmica, como é o caso do
próprio processo de constituição da geografia. Nesse sentido, podemos afirmar que, embora a
disciplina acadêmica e disciplina escolar possuam relações comuns entre si, existem
diferenças entre ambas no que se refere a seus objetivos e finalidades, pois, como assevera
Bittencourt (2018, p. 37):

A disciplina acadêmica visa formar um profissional: cientistas, professor,


administrador, técnico, etc. A disciplina ou matéria escolar visa formar um cidadão
comum que necessita de ferramentas intelectuais variadas para situar-se na
sociedade e compreender o mundo físico e social em que vive.

No mesmo sentido, Francisco Lestegás (2002) autor espanhol, em seu texto


“Construir, enseñar y aprender Geografia: una disciplina al servicio de la cultura escolar”,
afirma que os saberes científicos e os saberes escolares respondem a diferentes finalidades; os
71

primeiros buscam resolver os problemas a que a ciência precisa dar respostas, enquanto os
segundos são apenas úteis à formação de pessoas que, em princípio, não vão ser especialistas
e nem produtores de novos conhecimentos na área de referência. Existem fortes e
indissociáveis relações entre os conhecimentos acadêmicos e escolares, ao mesmo tempo em
que existem especificidades em cada uma que precisam ser respeitadas.
Nesse sentido, é importante que os professores e currículos tenham claro as várias
dimensões que caracterizam as diferenças entre o conhecimento científico, produzido pela
ciência geográfica, e o conhecimento escolar, produzido pela disciplina de ensino. A ciência
estruturou-se a partir de diversos objetos e métodos oriundos das correntes filosóficas de
pensamento, como o Positivismo, o Neopositivismo, a Dialética e a Fenomenologia e seus
instrumentos do conhecer, e busca traçar teorias e conceitos para entender as mudanças do
mundo. Já a geografia escolar tem por finalidade fornecer meios teóricos para que os
estudantes possam compreender o mundo em que vivem. Para isso, sustenta-se nas teorias e
nos conceitos produzidos pela ciência de referência; assim, ao longo do tempo, os métodos e
os instrumentos do conhecer fornecidos pela ciência tiveram forte influência no ensino
escolar. A Geografia escolar, contudo, mesmo sendo uma disciplina autônoma (produção da
escola), não possui um método de ensino próprio; a sua referência para a produção do ensino
tem se utilizado dos instrumentos teórico-metodológicos da ciência e das concepções
didático-pedagógicas oriundas das correntes da educação.
Ainda, é preciso considerar que no processo de ensino os conhecimentos dos
estudantes são parte fundamental para a aprendizagem. Desse modo, é necessário diferenciar
o que é específico de cada conhecimento no processo de ensino.

Quadro 11 – Tríplice dimensão do conhecimento geográfico escolar


Conhecimento da
Dimensões do conhecimento desenvolvidas na Geografia
Geografia
1 – Conhecimento do Os conhecimentos do mundo da vida são subjetivos a cada estudante e o lugar
Mundo da Vida em que vivem. Esses lugares materializam condições específicas dadas pela
localização que ocupa e pelas características culturais desenvolvidas pelas
pessoas que ali vivem.
2 – Conhecimento O conhecimento científico é historicamente produzido e, passado pelo filtro
Científico (Pensamento dos métodos e instrumentos metodológicos, torna-se abstração que serve de
geográfico) referência para a produção dos conteúdos de ensino a serem ensinados na
educação básica.
3 – Conhecimento Escolar A linguagem, aliada ao pensamento, se constitui como fio condutor que
articula o conhecimento do mundo da vida ao conhecimento da ciência. Busca
dotar os estudantes de conceitos e categorias de análise para que possam
construir o seu conhecimento e exercer a sua cidadania.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
72

Cada um desses conhecimentos, dentro da sua especificidade, possui atribuições que


lhes são específicas. Os conhecimentos do mundo da vida são espontâneos, construídos ao
longo da vida e passados de geração em geração e, por isso, não se fundamentam em métodos
científicos. O conhecimento científico é produzido por pesquisas no âmbito da ciência
geográfica ao longo do tempo, que, fundamentadas em métodos e procedimentos
metodológicos, produziram teorias, conceitos e princípios que estruturam o pensamento
geográfico. Já a geografia escolar traz no currículo o conhecimento considerado importante
pela sociedade e políticas educacionais; tem como referência conteudista a ciência geográfica.
Por ser uma disciplina escolar, carrega marcas do fazer didático-pedagógico escolar.
Para operacionalizar o papel das disciplinas escolares, essas precisam ser pensadas e
desenvolvidas a partir de uma tríplice dimensão, e isso envolve um conjunto de
conhecimentos e exigências teóricas relativas à sua especialidade, aos processos didático-
pedagógicos e às metodologias de ensino, como vemos na Figura 5.

Figura 5 – Disciplinas escolares em uma tríplice dimensão

Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

Ao assumir o entendimento das disciplinas escolares a partir de uma tríplice


dimensão, temos com base os escritos de Marques (1990) sobre as exigências ao processo
formativo à docência. Nesse sentido, buscamos pensar essas exigências no contexto das
disciplinas escolares.
A primeira exigência para um ensino crítico e reflexivo é teórica-epistemológica, que
se traduz a partir de uma concepção crítico-dialética. Essa dimensão está atrelada diretamente
à capacidade de o ser humano produzir sentidos sobre o mundo baseado nas representações
mentais e intersubjetivas que estabelece entre seres humanos e o mundo objetivado. Essa
busca de sentido supõe um processo de racionalidade que leva à interpretação das
contradições presentes na sociedade com vistas à sua transformação. Com esse entendimento,
73

as disciplinas contribuem para que o mundo seja visto não apenas por aquilo que “ele é”, mas
por aquilo que “deve” ou “poderia ser”.
Nesse sentido, o conhecimento escolar não é neutro, e à prática educativa
incorporada impõe-se uma intencionalidade, pois ensinar é um ato político, sistemático,
intencional e proposital. Essa intencionalidade coloca em xeque a racionalidade instrumental
que compõe os currículos e propostas pedagógicas das escolas, na qual a aprendizagem
precisa ser útil, e o “saber” deve estar diretamente ligado ao “saber fazer”. Entendemos que as
disciplinas escolares podem contribuir para a formação cidadã do sujeito por meio dos seus
conhecimentos específicos. Para que isso ocorra, entretanto, o professor precisa ter claro
como a sua disciplina pode contribuir para tal prerrogativa e isso pressupõe o conhecer a
estrutura do pensamento geográfico.
A dimensão didático-pedagógica, também entendida por Marques (1990) como
dimensão hermenêutica, alia-se à teórico-epistemológica e torna-se fundamental para que o
ensino se efetive em aprendizagem. Para Marques (1990, p. 117), “a tarefa básica da
pedagogia é a leitura de mundo da sala de aula, para que nele se desvelem os muitos sentidos
que nele atuam e se percebem na unidade em que se constituem”. A hermenêutica
fundamenta-se na interpretação dos múltiplos sentidos e de sua compreensão. O processo
educativo é constituído por diferentes sujeitos, que trazem consigo marcas da sua caminhada e
trajetória de vida, distintas visões de mundo e expectativas que precisam ser consideradas no
processo de ensinar e aprender. Assim, assumir a tarefa de leitura da sala de aula é buscar
entender os diversos contextos que nela se encontram para buscar práticas de ensino efetivas a
esses contextos.
Quando as práticas de ensino são efetivas elas produzem significado na vida dos
sujeitos; esses significados possibilitam a compreensão de que “entender o mundo é entender-
se no mundo, é experienciar o mundo, ou adquirir experiência pela ação refletida, pela
tematização/problematização do que está implícito nas práticas e assumi-las a título de
provisórias hipóteses de atuação” (MARQUES, 1990, p. 118). O compreender-se no mundo é
problematizar e tematizar o mundo, iniciando pelo mundo da vida, da cultura e das
instituições que o sujeito faz parte. Dessa forma, o mais importante da prática educativa é
estranhar as respostas prontas, a naturalização do mundo, assumindo uma postura
interrogativa a fim de dar novos sentidos a ele, reconstruindo de contínuo as aprendizagens.
A dimensão metodológica é aquela em que se efetivam e realizam as posturas
anteriores, pois ela possibilita romper com as concepções fragmentárias que permeiam a
disciplina ao longo do tempo. Essa exigência, que também é uma racionalidade, busca trazer à
74

tona o emaranhado de conhecimentos que a humanidade produziu ao longo do tempo. Isso


permite que cada nova geração não precise reinventar a roda, quer dizer, começar a produção
de conhecimentos do zero. Para Marques (1990, p. 107), isso ocorre:

1) seja dos conteúdos do saber que devem ser criticamente avaliados,


selecionados/priorizados, ordenados e graduados, para que se façam orgânicos e
adquiram o real sentido com que se inscrevem na ação proposital do
ensino/aprendizagem; 2) seja do currículo oculto nas formas em que são trabalhados
os conteúdos, e nas normas, valores e crenças; 3) seja dos procedimentos didáticos,
das tecnologias desenvolvidas, dos materiais do ensino/aprendizagem, para que se
façam fundados no estado atual do desenvolvimento das ciências concernidas e se
inscrevam na ação proposital presidida pela prática pedagógica.

Essa exigência envolve a organização dos currículos escolares, das disciplinas e


materiais didáticos e conflui para o desenvolvimento dos conteúdos e métodos de ensino. É
nessa dimensão que as políticas educacionais efetivam “o que deve ser ensinado” e “como
deve ser ensinado”, seguindo a lógica que orienta pedagogicamente os currículos trazida pelas
competências e habilidades. Essa orientação tem ocorrido cada vez mais de forma
verticalizada no processo educativo, mas de modo mais contundente nos livros didáticos, pois
é o recurso mais presente nas escolas públicas brasileiras.
A dimensão metodológica, no entanto, também pode servir aos interesses e
intencionalidades do professor de forma a articular o pensamento geográfico, a dimensão
didático-pedagógica e o método de ensino. Essas três dimensões, como articuladoras das
disciplinas escolares, permitem que o ensino não fique reduzido à compreensão estreita do
mundo, pautada apenas na perspectiva objetivista da racionalidade instrumental, que não
considera o sujeito parte do ensino. Isso ocorre porque torna possível o diálogo com o
conhecimento historicamente acumulado, ou seja, aquilo que se deu no espaço ao longo do
tempo, para que esse seja interpretado hermeneuticamente, considerando o lugar, que também
pode ser o mundo da vida do sujeito, de forma a ser organizado instrumentalmente para poder
efetivar-se em aprendizagem.
Essas discussões envolvem pensar como o diálogo entre as racionalidades pode se
efetivar na educação por meio das disciplinas escolares. Nesse sentido, o ensino deixa de ser
mera “transmissão de conhecimentos” para um processo que envolve “construção dos
conhecimentos”, considerando os distintos contextos e instâncias sociais em que ocorre a
aprendizagem. Assim, articulando as distintas dimensões propostas por Marques, as quais se
complementam, há a possibilidade de o professor, no seu processo de mediação, desenvolver
aprendizagens para ir além das percepções do mundo da vida, com referência em um
75

conhecimento sistemático de modo a contribuir com a construção de entendimentos e


compreensões do mundo.
As discussões traçadas permitem compreender que a geografia escolar é uma criação
da escola e que sofre influências das políticas educacionais que estão atreladas às demandas
econômicas globais, mas que, no seu seio, busca estabelecer a relação entre os conhecimentos
do mundo da vida e os conteúdos de ensino, de forma a produzir abstrações para que os
alunos possam realizar a leitura e a compreensão do mundo e, consequentemente, exercer a
sua cidadania. Sendo assim, o objetivo da geografia escolar é ajudar os alunos a
desenvolverem referenciais para que possam contribuir para a leitura de mundo e o exercício
da cidadania.
Quando, contudo, discutimos a questão das disciplinas e do conhecimento por elas
produzido, é preciso ter claro que desde o início da geografia escolar no currículo oficial
brasileiro é o livro didático, apoiado nas políticas educacionais, que tem ditado os conteúdos
de ensino, isto é, o currículo e os pressupostos metodológicos para o ensino, sendo ele a
principal referência para o trabalho com a geografia escolar na escola. Diante disso, o
próximo item deste texto discutirá como se dá a relação entre pensamento e linguagem por
meio das concepções teórico-epistemológicas e didático-pedagógicas que perpassam a
abordagem dos conteúdos do livro didático de geografia.

1.7 A RELAÇÃO PENSAMENTO E LINGUAGEM NA ABORDAGEM DOS


CONTEÚDOS DO LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA

Este subcapítulo objetiva discutir como ocorre a relação entre pensamento e


linguagem por meio das concepções teórico-epistemológicas e didático-pedagógicas que
perpassam a abordagem dos conteúdos do livro didático de geografia ao longo do tempo. Essa
discussão torna-se essencial, pois os livros didáticos são os principais recursos de ensino
desde a origem dos sistemas nacionais de educação no começo do século 19, nesse sentido,
podemos afirmar que há muito tempo os livros didáticos têm sido os principais indutores dos
conteúdos ensinados pelas disciplinas escolares.
Os conteúdos de ensino possuem relação direta com as concepções epistêmicas na
qual a geografia se estrutura, ou seja, a relação objeto e método, bem como com os
fundamentos didático-pedagógicos da educação que perpassam os métodos de ensino. Sobre a
forma de organização e estruturação dos conteúdos do livro didático ao longo do tempo Couto
(2017, p. 199) discute sobre os principais traços apresentados pelos LDs no que se refere a
76

epistemologia do pensamento geográfico e a epistemologia do pensamento psicopedagógico,


como demonstrado no quadro 12.

Quadro 12 – Fundamentos geográficos e didático-pedagógicos no livro didático


Fundamentos Fundamentos didático-
Ideias principais Ideias principais
geográficos pedagógicos
Cartografia O registro cartográfico e a Pedagogia Tradicional A pedagogia tradicional
utilização de mapas. (Religiosa ou Leiga) privilegia a teoria ante a
Aproximação com a prática. O professor e/ou o
perspectiva matemático- livro didático é quem detém
quantitativa de interpretação o conhecimento. A
do universo. A geografia preocupação é com o “o que
universal formula leis gerais e o como ensinar”.
para explicar a geografia Os métodos de ensino
especial. permitem transmitir os
Descrição Descrição da natureza por conteúdos e conceitos a
meio da intuição espacial do partir de uma sequência
ser humano, dando origem às lógica. Aos alunos cabe a
ideias de espaço percebido, tarefa de assimilar o
experienciado, vivido. conhecimento.
Dualismo Geografia geral (temática ou Pedagogia Nova Seguiu as concepções de
sistemática) X Geografia Rousseau e Pestalozzi e
especial (regional). possuem a preocupação com
Separação entre o “como ensinar”, ou seja, os
conhecimento puro e aspectos metodológicos da
empírico. aprendizagem. As
Alguns Livros Didáticos aprendizagens precisam dar
organizam-se de forma conta das situações de vida
temática, outros de forma dos sujeitos, sendo o
regional, outros combinando professor mediador dos
capítulos temáticos e sujeitos com o mundo real.
capítulos regionais. Se anteriormente o trabalho
Fragmentação A fragmentação entre a pedagógico era pautado no
“Geografia Física desenvolvimento intelectual,
sistemática” e a “Geografia essa concepção centra-se na
Humana regional”. atividade prática, ou seja, no
A organização dos Livros processo de ensino.
Didáticos seguindo a
sequência N-H-E (natureza,
homem, economia) ou E-H-
N.
Fonte: COUTO (2017, p. 208-217), organizado e adaptado por Alana Rigo Deon (2021).

O Quadro evidencia que os livros didáticos utilizados nas escolas ainda possuem
uma estrutura de conteúdos pautados na geografia moderna, tendência que se consolida entre
1750 até o início do século XX, quando se inicia o processo de renovação do pensamento
geográfico. Essa geografia, como abordada no item 1.4 desta tese, traz marcas do debate das
racionalidades que prioriza o sujeito (racionalismo) ou ao objeto (realismo) na análise do
espaço, e perpassa o dualismo entre pensamento e linguagem. Essa estrutura influenciou a
77

constituição da Geografia como ciência e como disciplina, mesmo anteriormente ao processo


de sistematização do conhecimento geográfico.
Assim, é possível afirmar que mesmo os LDs tendo avançado em sua qualidade, boa
parte dos entendimentos sobre os fundamentos geográficos e didático-pedagógico das
coleções, ainda estrutura-se com referência no debate das racionalidades, fruto de um
constante questionamento de como se constitui o conhecimento. Esse debate buscava um
único modo de dizer sobre as coisas do mundo, o que acabou por predeterminar uma única
compreensão como verdadeira (HERMANN, 2002). É preciso ter claro que cada experiência
humana no mundo é singular, pois pauta-se em uma cultura e um contexto específico, e esse
entendimento denuncia a impossibilidade de uma única forma de interpretação, compreensão
ou representação da realidade.
Mesmo que atualmente as coleções afirmam se estruturar em orientações geográficas
diferentes das mencionadas, tanto no que se refere às bases epistêmicas quanto didático-
pedagógicas, ainda trazem em suas raízes marcas profundas desse debate. Nesse sentido, se
insere a perspectiva cartográfica que fundamentada na razão, se estrutura na geografia como
uma linguagem não verbal que busca por meio da elaboração de mapas e cartas, o
conhecimento geral dos territórios. A cartografia segue uma abordagem aliada a dimensão da
materialidade do visível, acaba muitas vezes por tratar o mapa como a realidade em si. Esse
entendimento se traduz nos LDs, por meio de mapas e cartas geralmente apresentados em
pequena escala, pautados na ideia de localização ou extensão dos territórios com uma
abordagem que predefine a sua interpretação. Ainda, apresentam aspectos de difícil
compreensão para os estudantes, pois são muitos “termos e expressões específicos, de cunho
técnico ou teórico/científico, são complexos e direcionados, basicamente, ao professor”
(COPATTI, 2019, p. 156).
Aliado a linguagem não verbal expressa por meio da cartografia, está a linguagem
verbal que se traduz por meio da concepção descritiva, em a que abordagem dos conteúdos se
dá pela descrição dos elementos como aparecem visíveis no espaço geográfico. O mundo por
esse viés apresenta-se interpretado, com conceitos “fechados” o que impossibilita o estudante
de criar representações intersubjetivas entre aquilo que aprende na sua relação com o mundo
vivido. Realizar a leitura de mundo por essa lógica implica não considerar a complexidade do
mundo, e das relações que nele se materializam, e que se dão num processo mútuo entre os
seres humanos entre si, e destes, com a natureza.
A perspectiva dualista foi constituída antes da sistematização do conhecimento
geográfico e dá início a divisão do mundo em recortes espaciais estanques e sem relação entre
78

si, assim, ou estuda-se a geografia do mundo ou a geografia das regiões. É preciso destacar,
que esse é um problema recorrente encontrado nas publicações didáticas em geografia, em
que há a carência da abordagem do conteúdo geográfico por meio da escala local. A
abordagem conteudista nessa escala é necessária para que o estudante consiga estabelecer as
relações dos espaços vividos com outros espaços e tempos. E aí encontramos uma
problemática importante a ser discutida, especialmente no ensino de geografia, que tem, em
seus conceitos (lugar, paisagem, região, território, espaço) as principais ferramentas teóricas
para desenvolver a leitura de mundo. Para uma abordagem efetiva dos conteúdos, esses
conceitos precisam ser desenvolvidos de forma articulada, pois nenhum fenômeno ocorre de
maneira isolada no mundo.
A perspectiva fragmentária se alia a dualista e muitas vezes juntas fazem parte das
coleções didáticas quando os livros apresentam a sua estrutura pautada na divisão entre
geografia física e geografia humana, e por vezes ainda em geografia econômica, pois a
abordagem conteudista pouco consegue fazer essa aproximação. Com isso, estabelecem-se
dificuldades para que o sujeito entenda que o físico, o humano e o econômico são partes de
um mesmo mundo, e que nós seres humanos somos responsáveis pela sua produção/alteração
ao longo dos distintos tempos. Por meio da perspectiva fragmentária, os conteúdos tornam-se
alheios as vivências subjetivas dos estudantes, pois há dificuldades de se dar sentido a aquilo
que aprendem.
Mesmo que a partir do século XX outras concepções da geografia tenham feito parte
do pensamento geográfico, atribuindo outros objetos e formas de interpretar o espaço, as
concepções que as antecederam ainda tiveram grande peso na geografia acadêmica e são a
referência para a produção dos conteúdos de ensino. Ainda prevalece nas coleções abordagens
conteudistas que não encaminham para a reflexão sobre aquilo que se está estudando e o seu
sentido, com o mundo da vida. Para haver essa relação, é preciso que o processo de ensino
possibilite o estudante a fazer a tematização do mundo por meio do processo interpretativo
dos conteúdos na sua relação com a realidade vivenciada de forma a produzir abstrações e
compreensões significativas do mundo.
Ainda dentro dessa discussão é que precisamos indagar sobre como produzir um
ensino nesse sentido nos pautando apenas no uso do LD, pois no Brasil, os livros ao serem
produzidos de forma geral para todo o território nacional, não conseguem considerar na
abordagem dos conteúdos as especificidades de cada região/estado, pois anualmente, são
distribuídos livros que universalizam a tão diversa realidade brasileira. Para Callai (2016, p.
273), “muito embora os localismos possam revelar-se um risco a esgarçar o tecido social,
79

nacional, a homogeneização da brasilidade, e do ser brasileiro, representa risco inverso”, pois


não se conhece as particularidades das diferentes realidades encontradas em nosso país e,
assim, não há a relação do conhecimento científico com o mundo da vida do estudante.
Nesse aspecto, entra nossa proposição de pensar a escala de análise como ferramenta
teórico-metodológica que possibilita fazer a relação entre os fenômenos físicos e humanos em
suas múltiplas escalas (local, regional, territorial, global), pois nada ocorre de forma isolada
no espaço geográfico. Acreditamos que a escala de análise geográfica pode oportunizar o
desenvolvimento do exercício reflexivo sobre o mundo a partir dos conhecimentos científicos,
tendo como referência o mundo da vida. Isso permite que o estudante possa pensar
geograficamente indo para além da dimensão da experiência, mas produzindo abstrações, ou
seja, formas de pensar sobre o mundo pela geografia.
Aliam-se nesse sentido para a estruturação da geografia escolar nos LDs a
organização do pensamento psicopedagógico. A estrutura tradicional traz a preocupação com
quais são os conteúdos de ensino e estratégias para ensiná-los, mas quase não apresenta-se a
preocupação com quem são os estudantes e a realidade por eles vivenciada. Predomina um
ensino transmissivo em que o professor é responsável por tornar o conteúdo assimilável para
o estudante. Geralmente os livros que seguem essa perspectiva, segundo Couto (2017)
começam a sua abordagem com conceitos, temas e conteúdos sistematizados, sendo estes
pressupostos para a realização de atividades em que possam ser aplicados os conhecimentos
aprendidos.
Contrariamente à está estrutura estão as pedagogias novas em que a preocupação está
na aprendizagem do estudante. Segundo Couto (2017, p. 210) as práticas educativas devem se
organizar a partir e para dar conta das situações de vida e das interações dos indivíduos”.
Ainda para o autor, os LDs que seguem essa perspectiva iniciam com perguntas com objetivo
de sondar os conhecimentos prévios dos estudantes, seus interesses e expectativas referentes
ao conteúdo, mas pouco há o avanço dessa abordagem para o nível dos conceitos.
O ensino por ambas as perspectivas se torna problemático pois a construção do
conhecimento ou inicia do plano sensorial aquilo que o aluno vê, ou sente, de forma a
valorizar suas experiências prévias, ou no plano racional, em que a abstração ocorre por meio
de conceitos, temas, conteúdos ou representações. Contudo, nosso entendimento é que o
conhecimento é construído na relação entre o pensar e o fazer, entre o concreto e o abstrato.
Pois nossa defesa é de que o conhecimento não ocorre apenas pelo simples fato de observar/
conhecer ou identificar/representar determinado objeto/fenômeno, nem apenas por criar
80

abstrações sobre ele. Aprendizagem ocorre na relação do sujeito com o mundo e do mundo
com o sujeito em um determinado contexto.
Tendo por referência das discussões elucidadas é preciso ter claro que o LD facilita o
trabalho docente, seja na organização dos conteúdos a serem trabalhados no ano letivo, na
preparação das aulas, por meio de atividades prontas, mapas já elaborados, mas não consegue
suprir a intencionalidade pedagógica do professor, que precisa ter claro quais objetivos quer
atingir com aquele conteúdo de acordo com a realidade em que atua. O professor precisa fazer
a leitura da sala de aula, interpretar as dificuldades dos seus alunos de forma que isso sirva
para seja feita a relação entre os conceitos e conteúdos com a realidade vivenciada. Esse
entendimento é basilar à profissão docente e “tende a estabelecer uma forma de pensamento
poderoso, claro e coerente” (COPATTI, 2019, p. 158).
As discussões tratadas ao longo deste subcapítulo no que se refere a abordagem
conteudista do livro didático no desenvolvimento da geografia escolar levaram-me a
questionar como esse material tem contribuído com a leitura e a compreensão do mundo,
prerrogativa básica da geografia na educação escolar. Esse questionamento considera os
fundamentos geográficos e didático-pedagógicos que têm orientado esse material e que ainda
se estruturam nas principais teorias do conhecimento moderno que dualizam o entendimento
do mundo em sujeito ou objeto. Nesse sentido, a pergunta que fica é: É possível um ensino
que busque superar a fragmentação da geografia escolar de forma a se materializar no livro
didático? Busco essas respostas nos itens que seguem na discussão desta tese.
81

2 O CONCEITO DE ESCALA GEOGRÁFICA NO ENSINO DE GEOGRAFIA

Este capítulo busca refletir sobre o conceito de escala e sua possibilidade de


desenvolver na escola um ensino de geografia para a compreensão do espaço geográfico em
sua totalidade. Assim, objetiva, pela escala, pensar alternativas metodológicas para superar a
fragmentação do conhecimento geográfico oriundo do debate das racionalidades e do
processo de constituição do pensamento geográfico. Neste capítulo a escala de análise
geográfica é tratada como uma possibilidade de inter-relacionar dimensões de análise19 (local-
global-global-local) e fenômenos que envolvem natureza e sociedade, considerando a unidade
entre pensamento e linguagem. Mesmo que pensamento e linguagem possuam características
específicas, marca dos processos históricos que os constituíram, eles só se desenvolvem na
sua relação.
Com o intuito de melhor desenvolver as ideias, apresento a discussão sobre as
compreensões conceituais e epistêmicas que envolvem as noções de escala e como essas
noções têm sido pensadas no ensino de geografia. As referências utilizadas para esta
discussão foram selecionadas com base na pesquisa de estado do conhecimento realizada no
Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), com os descritores “Escala de Análise Geográfica”, “Pensamento
Geográfico”, “Ensino de Geografia” e “Livro Didático de Geografia”, no qual foram
encontradas 46 teses no período de 2016-2019. Desse material, foi realizada a leitura do título,
resumos e palavras-chave, sendo excluídas as teses que não apresentassem o descritor “Escala
de Análise Geográfica”, pois constitui-se como o tema principal de discussão desta tese.
Assim, foram encontradas três teses com esse descritor, além de outros, como pensamento
geográfico, ensino de geografia e livro didático, que também perpassam as discussões desta
pesquisa.
Ao realizar a leitura das teses, contudo, percebi que o conceito de escala não era
tomado como centralidade na discussão de uma das teses, mas sim utilizado apenas para
ilustrar a importância da relação local-global no trabalho com os conceitos geográficos, como
não houve uma discussão mais profunda sobre o conceito, ela não foi considerada nesta
análise. Já as teses apontadas no quadro 13, indicam a discussão sobre a escala no ensino de
geografia no último quadriênio, bem como evidenciam quais foram as principais referências

19
Neste texto serão utilizadas como sinônimos as palavras dimensões, recortes e níveis de análise, pois se
referem a partes do espaço geográfico.
82

teóricas utilizadas para sustentar o conceito de escala geográfica, muitas dessas referências
foram utilizadas nesta pesquisa.

Quadro 13 – Teses sobre a temática da escala geográfica no período de 2016-2019


Principais referências
Teses Descrição encontradas sobre a temática
escala geográfica
ARAGÃO, WELLINGTON O autor, em sua tese, reflete sobre a – BAHIANA, L. C. C.
ALVES. A escala geográfica Escala Geográfica e a Contribuição ao estudo da
e o pensamento geográfico: formação/desenvolvimento de um questão da escala na geografia:
experiências com jovens pensamento geográfico por jovens escalas em geografia urbana. 1986.
escolares do Ensino Médio. escolares do Ensino Médio. O autor 216 f. Dissertação (Mestrado) –
20/5/2019 265 f. Doutorado entende que o conceito de escala Universidade Federal do Rio de
em GEOGRAFIA Instituição geográfica é pouco trabalhado no Janeiro, Rio de Janeiro, 1986.
de Ensino: UNIVERSIDADE ensino básico, o que impossibilita os – CALLAI, H. C. Aprendendo a ler
FEDERAL DE GOIÁS, estudantes de desenvolver um o mundo: a geografia nos anos
Goiânia Biblioteca pensamento geográfico iniciais do Ensino Fundamental. In:
Depositária: Biblioteca Digital fundamentado em conceitos Caderno Cedes, Campinas, v. 25,
de Teses e Dissertações UFG. geográficos. A escala geográfica é n. 66, p. 227-247, maio/ago. 2005.
fundamental para a leitura de – CANDIOTTO, L. Z. P. A
fenômenos espaciais físicos e sociais, relevância do lugar na interpretação
contribuindo para a leitura geográfica geográfica em tempos de
da realidade. Para tal, propõe uma globalização. In: Revista Terra
utilização mais efetiva das Escalas Livre, ano 24, v. 2, n. 31, p. 75-91.
Cartográfica e Geográfica na escola Jul./dez. 2008.
básica, pois entende que são – CASTRO, I. E. Análise
complementares e dialógicas. geográfica e o problema
epistemológico da escala. In:
Anuário do Instituto de
Geociências, Rio de Janeiro:
Igeo/UFRJ, v. 15, 1992.
– CASTRO, I. E. O problema da
escala. In: CASTRO, I. E. de;
GOMES, P. C. C. CORRÊA, R. L.
(org.). Geografia: conceitos e
temas. 13. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2010.
– CASTRO, I. E. Escala e pesquisa
na geografia. Problema ou solução?
In: Revista Espaço Aberto,
PPGG/UFRJ, v. 4, n. 1, p. 87-100,
2014.
– CAVALCANTI, L. S. A
Geografia e a realidade escolar
contemporânea: avanços,
caminhos, alternativas. In:
SEMINÁRIO NACIONAL:
CURRÍCULO EM MOVIMENTO
– PERSPECTIVAS ATUAIS, 1.,
2010, Belo Horizonte. Anais [...].
Belo Horizonte, 2010.
– MELAZZO, E. S.; CASTRO, C.
A. A escala geográfica: noção,
conceito ou teoria? In: Terra
Livre, Presidente Prudente, ano 23,
v. 2, n. 29, p. 131-142, ago./dez.
2007.
83

Principais referências
Teses Descrição encontradas sobre a temática
escala geográfica
– RACINE, J. B.; RAFFESTIN, C.;
RUFFY, V. Escala e ação,
contribuição para uma
interpretação do mecanismo de
escala na prática da Geografia.
Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, 45(1), p. 123-135,
jan./mar. 1983.
FARIAS, ROSANA O trabalho traz uma reflexão sobre o – CASTRO, I. E. “O problema da
TORRINHA SILVA DE. ensino de geografia nas escolas escala”. In: CASTRO, I. E. et al.
Ensino de geografia nas ribeirinhas da Amazônia Brasileira. O (org.). Geografia: conceitos e
escolas das ilhas objetivo foi compreender e temas. Rio de Janeiro, Bertrand,
queimadas/PA: o lugar potencializar o ensino de geografia 2014.
ribeirinho no contexto em escolas ribeirinhas a partir do – SANTOS, M. Da totalidade ao
Amazônico. 17/12/2018. 237 contexto amazônico e a lugar. São Paulo: Editora da
f. Doutorado em relação/interação com o lugar e com Universidade de São Paulo, 2005.
GEOGRAFIA Instituição de o mundo como referência na – SANTOS, M. A natureza do
Ensino: UNIVERSIDADE construção do conhecimento. Para espaço: técnica e tempo, razão e
FEDERAL DE GOIÁS, dar conta do objetivo proposto, a emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
Goiânia Biblioteca pesquisa analisou a proposta – SOUZA, M. L. Os Conceitos
Depositária: Biblioteca da curricular e o livro didático fundamentais da pesquisa sócio-
UFG. verificando como contemplam, espacial. Rio de Janeiro: Bertrand
orientam e possibilitam o ensino de Brasil, 2013.
Geografia a partir do contexto
amazônico e a relação/interação com
o lugar e com o mundo. Aliado a isso,
buscou compreender como os
professores interagem com o
conteúdo curricular em suas práticas
pedagógicas. A pesquisa também
buscou potencializar o ensino por
meio de ferramentas didático-
pedagógicas, utilizando a escala
geográfica amazônica como matriz na
articulação e relação com outros
espaços na construção do
conhecimento geográfico.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

As teses referidas no quadro 13 evidenciam que são poucas as discussões no ensino


da geografia que tem a temática da escala como centralidade para pensar a geografia escolar,
o que mostra que é um tema que ainda carece de investigações. As discussões sobre a escala
propostas nas teses possuem aproximações com a pesquisa aqui realizada pois a concebem de
forma dialética. Esse entendimento não exclui a escala cartográfica, ao contrário a agrega na
leitura dos fenômenos espaciais. Assim a entendem como um conceito que permite
desenvolver a análise geográfica, por meio da aproximação entre as várias dimensões
escalares, ao mesmo tempo que possibilita compreender as relações entre fenômenos que a
geografia estuda.
84

Ainda foi realizada leitura nos artigos que compõem o livro “Escala e ensino de
geografia”, uma das poucas obras que discutem o tema da escala no ensino. O livro foi
publicado recentemente pelo grupo de pesquisa Laboratório de Ensino e Pesquisa em
Educação Geográfica (Lepeg), e apresenta nove artigos com proposições para o trabalho com
a escala. O livro é organizado por Lana Cavalcanti e Leovan Alves dos Santos, e propõe
reflexões teóricas e encaminhamentos didático-pedagógicos pelo uso da escala. Os
organizadores compreendem que ao se ensinar os conteúdos escolares de geografia é preciso
considerá-los em diferentes níveis escalares: “local, regional, nacional e mundial/global, pois
os fenômenos não podem perder de vista sua articulação dialética” (Ibidem, p. 9) com outros
níveis de análise.
Com base nessas referências, encontramos aporte dentro da geografia para pensar a
escala no ensino como uma forma a superar a fragmentação do conhecimento geográfico na
geografia escolar. Os textos, em sua grande maioria, apresentam o desenvolvimento de
instrumentais metodológicos para o trabalho com a escala, diferenciando a escala geográfica
da cartográfica e, assim, evidenciando o caráter operacional do conceito de escala no trabalho
dos conteúdos geográficos. No entanto, nenhum dos textos apresentados discutem a escala por
uma tríplice dimensão de forma a aliar elementos teóricos, didático-pedagógicos e
metodológicos no ensino da geografia, como vemos na sua descrição no quadro 14.
85

Quadro 14 – Referências sobre a temática escala na Geografia escolar


Principais referências encontradas
Título/Autor Descrição do texto
sobre a temática escala
1. Abordagem do O texto apresenta uma proposta – SOUZA, M. L de. Escala geográfica,
envelhecimento da didática pelo uso da escala para o “construção social da escala” e “políticas
população sob a trabalho com o tema “o de escalas”. In: SOUZA, M. L de. Os
perspectiva da escala envelhecimento das pessoas no espaço conceitos fundamentais da pesquisa
geográfica – Marquiana urbano”. Para isso, faz uma socioespacial. Rio de Janeiro: Bertrand,
de Freitas Vilas Boas diferenciação entre escala geográfica e 2013. p. 179-216.
Gomes. cartográfica.
2. A indústria e suas O texto analisa a indústria e suas – ARAGÃO, W. A. O ensino sobre a
transformações atividades na perspectiva da escala indústria e a multiescalaridade: aportes
espaciais à luz da geográfica. Busca o entendimento das para o desenvolvimento de um
escala geográfica no transformações causadas pela indústria pensamento geográfico. In: PINHEIRO,
ensino de geografia – no espaço geográfico e como afetam a A. C.; ARAGÃO, W. A. (org.).
Wellington Alves vida cotidiana. Formação de professores,
Aragão. metodologias e ensino de geografia. 1.
ed. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico,
2019.
3. Escala e O texto traz propostas didáticas para o – ARAGÃO, Wellington Alves. A
Generalização: trabalho com diferentes escalas nas escala geográfica e o pensamento
prerrogativas para o representações cartográficas, geográfico: experiências com jovens
ensino de geografia – averiguando as generalizações no escolares do Ensino Médio. 2019. 265
Diego T. F. contexto de mudança de escala. f. Tese (Doutorado em Geografia) –
Nascimento, Luan do Universidade Federal de Goiás, Goiânia
Carmo da Silva e Biblioteca Depositária: Biblioteca
Mirian Aparecida Digital de Teses e Dissertações UFG.
Bueno. – MELAZZO, E. S.; CASTRO, C. A. A
escala geográfica: noção, conceito ou
teoria? Revista Terra Livre, v. 2, n. 29,
2007.
4. A Escala Geográfica O texto discute a importância com o – CASTRO, I. E. O problema da escala:
como instrumento trabalho adequado da escala conceitos e temas. In: CASTRO, I. E.;
para o ensino de geográfica na geografia, entendendo a GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L.
geografia na escala como ferramenta para o (org.). Geografia: conceitos e temas. Rio
atualidade – Diego N. desenvolvimento do pensamento de Janeiro: Bertrand Brasil: 2012.
Mustafé. geográfico dos alunos. – LACOSTE, Y. A geografia – isso
serve antes de mais nada para fazer a
guerra. Campinas: Papirus, 1988.
– STRAFORINI, R. Ensinar geografia:
o desafio na totalidade-mundo nas séries
iniciais. 2. ed. São Paulo: Annablume,
2008.
5. As escalas O texto busca relacionar diferentes – CASTRO, I. E. O problema da escala:
geográficas nas realidades socioespaciais, conceitos e temas. In: CASTRO, I. E.;
práticas de ensino: considerando o cotidiano e as GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L.
uma forma de dimensões regional e global como (org.). Geografia: conceitos e temas. Rio
aproximar e possibilidades de desenvolvimento do de Janeiro: Bertrand Brasil: 2014.
compreender as trabalho pedagógico. – SANTOS, M. Da totalidade ao lugar.
diferentes realidades São Paulo: Edusp, 2005.
espaciais – Rosana T.
S. de Farias.
6. A abordagem da O texto indica caminhos teóricos e – CAVALCANTI, L.S. A geografia e a
escala e o ensino de ideias práticas para o trabalho com o realidade escolar contemporânea:
vegetação na geografia conteúdo vegetação a partir de uma avanços, caminhos, alternativas. In:
escolar – Clara Lúcia abordagem escalar. SEMINÁRIO NACIONAL:
Francisca de Souza. CURRÍCULO EM MOVIMENTO –
PERSPECTIVAS ATUAIS, 1., 2010.
Belo Horizonte. Anais [...]. Belo
Horizonte, 2010.
86

Principais referências encontradas


Título/Autor Descrição do texto
sobre a temática escala
– SILVEIRA, M. L. Escala Geográfica:
da ação ao império. Terra Livre,
Goiânia, a. 20, v. 2, n. 23, p. 87-96,
jul./dez. 2004.
7. A linguagem da O texto apresenta uma proposta – SANTOS, M. A natureza do espaço:
música no ensino de didática com o uso da linguagem técnica e tempo, razão e emoção. São
segregação música, considerando escalas Paulo: Hucitec, 1996.
socioespacial em geográficas na abordagem da
escala intraurbana – segregação socioespacial.
David de Abreu Alves.
8. Escala Cartográfica O texto propõe o desenvolvimento de – ARAGÃO, Wellington Alves. A
no ensino de geografia uma atividade com a escala escala geográfica e o pensamento
em diferentes cartográfica e mapas mentais no geográfico: experiências com jovens
contextos – Priscylla K. intuito de analisar como os estudantes escolares do Ensino Médio. 2019. 265
de Menezes. especializam-se no município e f. Tese (Doutorado em Geografia) –
constroem identidades juvenis. Universidade Federal de Goiás, Goiânia
Biblioteca Depositária, Biblioteca Digital
de Teses e Dissertações UFG, 2019.
– CASTRO, I. E. Análise geográfica e o
problema epistemológico da escala: In:
Anuário do Instituto de Geociências,
Rio de Janeiro: Igeo/UFRJ, v. 15, 1992.
– SMITH, N. Contornos de uma política
especializada: veículos dos sem-teto e
produção de escala geográfica. In:
ARANTES, A. A. (org.). O espaço da
diferença. Campinas: Papirus, 2000.
9. Proposta didática O texto é proveniente da dissertação MOURA JÚNIOR, Francisco Tomaz de.
para o ensino de escala de Mestrado intitulada “O conceito de O conceito de escala geográfica e a
geográfica – Francisco escala geográfica e a formação inicial formação inicial de professores de
T. de Moura Júnior, de professores de geografia”, e geografia. 2020. 102 f. Dissertação
Suzana R. de Lima desenvolve um percurso didático para (Mestrado em Geografia) – Universidade
Oliveira. o processo de mediação pedagógica a Federal de Goiás, Jataí, 2020.
partir do conceito de cerrado. Para tal,
apresentam elementos para que o
professor possa mediar a formação do
conceito de escala, buscando articular
os diferentes locais com a vida dos
estudantes.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

A leitura desse material, além de contribuir com as discussões e argumentos que nos
sustentam teoricamente, possibilitou encontrar referências bibliográficas para a discussão da
escala na geografia; dentre elas destacam-se os autores: Castro (2014, 2017), Racine,
Raffestin, Ruffy (1983), Melazzo e Castro (2007), Santos (2014a), Callai (2005), Cavalcanti
(2010), Straforini (2001, 2002), Farias (2018) e Aragão (2019). Assim, pautada na discussão
desses autores, busco elementos que fundamentem o trabalho com a escala, e, nos
desdobramentos da pesquisa documental realizada nas políticas educacionais que embasam o
PNLD, as orientações sobre como a escala é trabalhada nesse material, que baliza o ensino da
geografia escolar.
87

2.1 AS DEFINIÇÕES EPISTÊMICAS DOS CONCEITOS DE ESCALA GEOGRÁFICA E


CARTOGRÁFICA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A GEOGRAFIA

A escala, ao longo do tempo, adquiriu conceituações polissêmicas, pois, a partir de


uma única palavra, lhe foi atribuído múltiplos sentidos na geografia. Assim, inicio esta
discussão fazendo a diferenciação entre dois desses sentidos: a escala cartográfica e a escala
geográfica, ambas tão presentes nos estudos geográficos, mas, muitas vezes, sendo utilizadas
como sinônimos, porque, em muitos contextos, não são definidos seus significados
conceituais. Essa não definição conceitual tem gerado um uso banal dos conceitos, que
acabam por impor limites epistemológicos e teórico-metodológicos.
Por isso, começo definindo o significado das escalas cartográfica e geográfica. A
primeira pode ser definida como uma “1. Linha graduada, dividida em partes iguais, que
indica a relação das dimensões ou distâncias marcadas sobre um plano com as dimensões ou
distâncias reais [...]” (FERREIRA, 2008, p. 361). A origem desse entendimento tem raízes no
campo da matemática, quando se busca projetar uma superfície esférica numa superfície
plana, haja vista a impossibilidade de representação do mundo em sua totalidade. Para isso,
foram utilizadas regras de proporção entre o espaço real e a representação para mostrar o
quanto esse foi diminuído para caber no papel. Essa regra de proporção foi a base que se
convencionou chamar de escala e serviu para que pudessem se desenvolver representações do
espaço.
Como não é possível entender a realidade como um todo em uma projeção gráfica, as
representações na geografia acabaram por privilegiar um determinado aspecto da realidade;
isso fez com que certos elementos se tornassem visíveis e outros não. Há uma seleção nos
elementos mostrados pelas representações que acabam por reduzir o entendimento do espaço
a recortes e elementos específicos. Esses recortes servem como convenções e possuem
relações diretas com as noções de grande e pequena escala; assim:

Quanto maior a escala tanto mais próximo ele estará da realidade e tanto maiores
detalhes poderão ser vistos. A redução na escala não significa que os itens sejam
simplesmente mostrados em tamanho menor; a redução significa seleção de itens a
serem mostrados, adequadamente a escala e ao objetivo do mapa, o que é muito
mais importante. Assim os mapas de escalas diferentes servem a diferentes tipos de
análise. (BROEK, 1981, p. 91).

Para Melazzo e Castro (2007, p. 138), a escolha da escala pelo pesquisador pode
transformar-se em uma “estratégia de revelar ou ocultar determinadas facetas somente
88

apreensíveis a partir da escolha deliberada do sujeito cognoscente”. Nessa direção, o


entendimento do espaço apenas pela perspectiva cartográfica esteve associado ao panorama
realista, que buscava a compreensão do mundo naquilo que pudesse ser representado
fielmente na perspectiva do visível, o que acabava por tornar a representação como se fosse a
realidade em si. Como o campo de visão do sujeito não abarca a totalidade do espaço, esse era
explicado por analogia a partir de um recorte específico delimitado pela escala. Essa foi a
“solução” ao problema empírico da geografia, que passou a explicar o espaço a partir de
recortes que selecionam as informações a serem evidenciadas, tornando-se específicos e
isolados entre si.
Segundo Castro (2017), por muito tempo o raciocínio analógico e linear da escala
cartográfica ajudou a explicar a realidade, pois satisfazia plenamente as necessidades
empíricas da geografia, porque, ao “referir-se ao local como grande escala e ao mundo como
pequena escala” (p. 119), utilizou-se uma fração apenas descritiva e analítica da realidade,
que acabava por ocultar as relações entre as partes e, dessa, com o todo que compõe o espaço
geográfico. O entendimento do espaço pela perspectiva cartográfica, contudo, tornou-se cada
vez mais insatisfatório para a geografia em razão da sua relação puramente matemática. O
mundo, em sua complexidade, não pode ser entendido apenas por recortes lineares e
fragmentados que privilegiam determinados fenômenos a serem evidenciados.
Buscando ir além do entendimento do espaço apenas pela perspectiva geométrica,
surge o conceito de escala geográfica. Mesmo que a sua denominação tenha sido criada em
analogia à escala cartográfica, ela assume uma definição conceitual distinta, da anterior,
considerada uma “medida que confere visibilidade ao fenômeno” (CASTRO, 2017, p. 123).
Conforme a autora, a escala geográfica não define o nível de análise e não pode ser
confundida com ele, pois a escala só assume um problema epistemológico “enquanto
definidora de espaços de pertinência de medida dos fenômenos [...]” (Ibidem, p. 123). É
preciso ter claro, ainda, “que para a pesquisa nem o fenômeno, nem a escala de análise são
dados da natureza, mas escolhas intelectuais fortemente influenciadas pelas matrizes teóricas
dos pesquisadores e pelos seus contextos sociais” (CASTRO, 2014, p. 88).
A analogia entre os conceitos de escala geográfica e cartográfica, todavia, causa
inúmeros problemas no entendimento de ambas, o que, para Racine, Raffestin e Ruffy (1983),
ocorre porque a ciência geográfica não possuía um conceito próprio de escala, por isso adotou
o conceito da cartografia, e essa adoção, sem a devida conceituação, evidencia uma confusão
entre os seus significados. “Portanto, a Geografia ao tomar emprestada a noção cartográfica
de escala responde a uma visão de espaço geométrico, como um dado a ser apreendido”
89

(MELAZZO; CASTRO, 2007, p. 136). Apesar de ambas as escalas possuírem relação nos
estudos da Geografia, a escala cartográfica está ligada à representação do espaço, ou seja, o
mapa, em sua forma geométrica, perspectiva do espaço absoluto, enquanto a escala geográfica
exprime a representação das relações existentes no espaço ensejando o caráter relacional
desse conceito.
Essa confusão conceitual ainda se desdobra no aprendizado em âmbito escolar, haja
vista que a ciência geográfica é a referência teórica para o seu ensino na escola. Um estudo
realizado por Vianna (2010, p. 141) nos livros didáticos sobre a “Escala: instrumento para a
compreensão do mapa”, mostra que “em muitas situações, encontramos, nos livros didáticos,
o uso do termo ‘escala geográfica’ no sentido descrito aqui como ‘ordem de grandeza’”, ou
seja, como de sinônimo de “escala cartográfica”; ou, ainda, simplesmente, o uso do termo
escala sem se referir ou observar a real definição do conceito. A falta de um conhecimento
mais profundo sobre o conceito de escala, e o seu uso sem a devida conceituação, impede que
ela possibilite uma leitura mais abrangente do espaço.
Mesmo que haja uma diferenciação conceitual entre as escalas que precisam ser
delimitadas, a escala, no sentido geográfico, assume duas prerrogativas que a possibilita de se
libertar do empirismo marcado pelas correntes tradicionais da geografia. A primeira delas é o
entendimento da “inseparabilidade entre o tamanho e fenômeno, o que a define como
problema dimensional”, e a segunda seria a “complexidade dos fenômenos e a
impossibilidade de aprendê-los diretamente, o que a coloca também como problema
fenomenal” (CASTRO, 2017, p. 118). Esse entendimento permite inferir que a escala
geográfica pode ser tratada dialeticamente na busca de uma solução para duas questões que,
por muito tempo, marcaram a geografia: a fragmentação dos fenômenos que se materializam
no espaço em físicos e humanos e sua espacialização a partir da definição de níveis
espacial/territorial de análise.
Ao assumir a escala geográfica fundamentada na dialética, não excluímos o
raciocínio analógico da escala cartográfica; ao contrário, avança teoricamente e possibilita
pensar a escala geográfica como uma estratégia de apreensão da realidade que integra
fenômenos e níveis de análise, ou seja, permite pensar o espaço absoluto contido e contendo o
espaço relativo e o espaço relacional. Nesse sentido, a escala geográfica, ao assumir o
entendimento de que é o tamanho do fenômeno o elemento primordial da análise, implica
perceber que, muitas vezes, o fenômeno não se encerra em um recorte ou dimensão
predeterminada de análise. Aliado a isso, o fenômeno, às vezes, não se limita à perspectiva
visível do pesquisador, o que sugere buscar formas de abstração para a sua compreensão.
90

Essas formas de abstração são os conceitos, categorias e princípios geográficos que


buscam explicar, por generalização, o entendimento de um dado fenômeno. Ao atentar-se para
a escala, considera-se as particularidades do local de origem, mas também a sua influência e
suas relações com outros lugares. Esses lugares podem assumir diferentes fenômenos com
dimensões mais abrangentes do que a delimitação de um recorte específico, como fizeram,
por muito tempo, a geografia física e humana. Na geografia humana os recortes utilizados são
o lugar e, deste, suas inúmeras ramificações (a cidade, o bairro, a rua, a região, o território e o
mundo). Já na geografia física os recortes são, basicamente, o continental e o planetário. Essa
pré-delimitação escalar causou prejuízos ao entendimento do espaço em sua totalidade.
Castro (2017) entende que a ideia de nível de análise/recorte não pode ser definidora
da escala na perspectiva geográfica, pois essa ideia assume um fator complicador: ele
“subsume um sentido de hierarquia”, tornando-se danoso para o entendimento do espaço
geográfico. Assim, “se o nível de análise supõe como, aliás, a palavra indica, aprofundamento
maior ou menor do conhecimento, este pode ser variável, independente da escala” (Ibidem, p.
123). É preciso lembrar que a escala geográfica é uma medida que confere visibilidade ao
fenômeno e não a definidora do seu nível de análise. Esse entendimento requer cuidado com
os diferentes modos de percepção e concepção do real.
Sintetizando a percepção sobre o conceito de escala geográfica, Castro (2014, p. 92)
aponta alguns pontos necessários para a compreensão e a operacionalização desse conceito:

1. A escala não existe, o que existe é o fenômeno; 2. A escala é uma estratégia


intelectual para abordar o real; 3. A escala como medida é uma abstração ou
convenção; 4. A escolha da escala define o que é significativo no fenômeno, o que
terá visibilidade; 5. Quando a escala muda, as variáveis significativas do fenômeno
mudam; 6. As variáveis explicativas para fenômenos numa escala não são
transferíveis, seja para o mesmo fenômeno ou para outro, em outra escala; 7. Não há
hierarquias entre escalas, cada escala revela um conjunto de causalidades
específicas; 8. A microescala não é menos complexa do que a macroescala.

Desdobrando o entendimento da autora sobre os oito pontos para a compreensão da


escala necessários a esta pesquisa, entendemos que, primeiramente, quando aponta que a
escala não existe, o que existe é o fenômeno, é possível descontruir a ideia de círculos
concêntricos que muito tem pautado o trabalho didático-pedagógico na geografia escolar. Por
essa concepção de ensino, os conteúdos são definidos por recortes de análise específicos do
espaço, delimitados previamente e explicados sem relação entre si. Por exemplo, o fenômeno
urbano é um conteúdo de ensino que se materializa em diferentes níveis de análise, mas, ao
ser trabalhado apenas pela escala global ou nacional, como é frequente nos LDs, acaba por
91

fragmentar o entendimento do urbano a uma realidade especifica, que não constitui a


realidade dos mais variados lugares do mundo. Isso evidencia que, muitas vezes, os recortes
em que são aprendidos os fenômenos não têm relação com a vida ou a realidade do estudante.
Seguindo a compreensão da autora quando trata da escala como estratégia intelectual
para abordar o real, é possível entender que o real é a escala em que são percebidos os
fenômenos, que pode ser, por exemplo, a cidade em que o estudante vive, e que esse seria o
ponto de partida na educação para uma análise mais profunda do espaço. O mundo da vida é,
“ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo
dialeticamente” (SANTOS, 2014b, p. 339). Como o mundo, ou seja, o real, não pode ser
compreendido em sua totalidade, apenas por representação e por fragmentação, “a escala é o
artifício analítico que confere visibilidade à parcela ou dimensão do real” (CASTRO, 2014, p.
90). Nesse contexto, a escala geográfica pode ser considerada uma ferramenta metodológica
que permite a apreensão do real, mas, ao mesmo tempo, possibilita fazer a sua relação entre as
dimensões de análise e os fenômenos, pois esses desenvolvem-se em um processo mútuo.
Nesse sentido, propomos pensar a escala como uma unidade entre linguagem e
pensamento. A escala, por meio da linguagem, permite fazer a abstração do real a partir do
recorte em que os fenômenos são percebidos e buscar explicação nas abstrações, que são os
conceitos, categorias e princípios da geografia, e verificar como eles podem contribuir para o
entendimento do fenômeno na dimensão de análise em que ocorre e na sua relação com outros
recortes. A escala, então, é um conceito (que explica o fenômeno), mas também possibilita
identificar a dimensão em que esse fenômeno ocorre, e, ao incorporar esses dois elementos,
pode ser entendida como síntese, ou seja, como a articuladora dos estudos geográficos no
sentido de integrar níveis (local-regional-territorial-global) e fenômenos que neles se
materializam sem tornar esses espaços compartimentados.
A escala, entendida como uma abstração ou convenção, tem relações diretas com a
escolha da escala, e sugere que é uma escolha do pesquisador, e, por isso, implica a seleção
dos fenômenos a serem analisados. É importante que esses elementos tenham relação com o
mundo da vida do estudante. A mudança de escala sugere mudança nas variáveis estudadas,
pois, conforme a escala muda, mudam-se os fenômenos a serem analisados. As variáveis
explicativas para fenômenos numa escala não são transferíveis, por isso, ao mudarmos de
escala de análise, os fenômenos mudam, mas isso não quer dizer que os fenômenos não
possuam relações e conexões entre si. Ainda, podemos destacar que não há hierarquias entre
escalas, e todas são importantes, pois contêm fenômenos com causalidades e características
que lhes são específicas, mas também conexões que se explicam no conjunto. Por fim,
92

podemos afirmar que todas as escalas são complexas por suas singularidades e expressam
marcas da sua identidade.
Nessa acepção, a escala, apenas pela visão cartográfica, encontra limites na
análise geográfica, pois centra-se na perspectiva dos recortes em si, sem considerar que
esses carregam em si temáticas/fenômenos 20 de investigação que possuem relações com
outros recortes e fenômenos que são do mundo natural e humano e, muitas vezes, não se
esgotam dentro de um limite rígido de uma dada representação, e não podem ser
analisados apenas na sua projeção ou ampliação. Aqui entra a análise geográfica como um
procedimento que pressupõe recorte, em que os fenômenos são percebidos e a análise em
si carrega a ideia de fragmentação, mas não se limita a esse entendimento, pois os
fenômenos que se materializam nas diversas escalas possuem relações entre si e essas
relações tornam possíveis a sua conexão entre as partes e o todo.
Sob esse entendimento, a escala de análise geográfica coloca-se como conceito-
chave para a leitura e a compreensão dos fenômenos, pois ela ajuda a definir o local de
ocorrência de um dado fenômeno, permitindo sua análise de forma mais profunda, porque
“todo fenômeno tem uma dimensão de ocorrência, de observação e de análise considerada
mais apropriada” (CASTRO, 2014, p. 90). Assim, a escala torna-se uma medida de escolha
para melhor observar, dimensionar e interpretar um determinado fenômeno, e, ao mesmo
tempo, permite sua mudança de acordo com a ocorrência do fenômeno, a exemplo de um rio,
de um conjunto de montanhas ou de manifestações culturais, que, muitas vezes, não se
limitam a um recorte predeterminado do espaço.
Considerando essa assertiva, entende-se que o espaço geográfico, como afirma
Suertegaray (2001), é uno e múltiplo, e isso quer dizer que apresenta recortes que melhor
permitem o seu entendimento; esses recortes também são conceitos da Geografia: o lugar, a
região, o território. Cada um desses recortes “expressam níveis de abstração diferenciados e,
por consequência, possibilidades operacionais também” (Ibidem, 2001).
Os recortes do espaço possibilitam o entendimento de forma mais profunda acerca de
um determinado fenômeno, mas é preciso ter cuidado ao recortar o espaço a ser analisado
para não simplificar os fenômenos somente em um determinado recorte, pois nada no mundo
ocorre de forma isolada, mas sempre na interação com outros fenômenos. Por isso, para uma
compreensão mais complexa do espaço tornam-se necessárias interligações dos vários níveis
de análise que ligam o mesmo fenômeno.

20
O fenômeno, nesta pesquisa, é também considerado tema de estudo e investigação da geografia.
93

Nesse sentido, para um entendimento que busque superar a ideia de recortes a partir
de definições geométricas/absolutas, sem uma inter-relação entre si, apresento, na Figura 6, a
ideia de recortes na dimensão relacional, e isso implica pensar que os conceitos da Geografia
também englobam a concepção de níveis de análise.

Figura 6 – Interligação entre os recortes escalares de forma relacional

Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

A escala geográfica, no sentido proposto é absoluta, por entender que o real só


pode ser compreendido por representação e fragmentação (CASTRO, 2017), é relativa,
pois envolve a escolha do pesquisador, e relacional, pois, além de definir o local de
ocorrência do fenômeno, também possibilita fazer a sua inter-relação com outros recortes
e fenômenos. Essa relação é dada pelos conceitos da geografia, que também são conceitos
que possibilitam a análise do espaço. Assim, cada conceito de análise/recorte do espaço
carrega consigo uma dimensão conceitual e um nível escalar. Isso quer dizer que os
conceitos abrangem a perspectiva absoluta do espaço (nível escalar), passando da
dimensão relativa para a dimensão relacional, vejamos o quadro 15:
94

Quadro 15 – A relação entre conceitos e níveis de análise


Nível de análise Definição Conceito Definição
Local “1. Relativo a Lugar Todos os fenômenos materializam-
determinado lugar. 2. se em um local de ocorrência. Uma
Restrito ou limitado a dimensão fixa no espaço. Embora
uma área, subconjunto a localização seja um primeiro
ou domínio específico passo para a análise geográfica,
[...] (FERREIRA, 2008, para Santos (2014b, p. 314), “cada
p. 521). lugar é, à sua maneira, o mundo”,
pois na sua visão “todos os lugares
são virtualmente mundiais”.
Assim, nada ocorre no mundo de
forma isolada.
Regional “Relativo a, ou próprio Região Traz características gerais e
de uma região” específicas frutos das diferentes
(FERREIRA, 2008, p. paisagens, culturas, identidades,
692). por isso, em um mundo
aparentemente homogêneo, a
região emerge como um recorte
para a análise do espaço.
Territorial “1. Relativo ao território. Território O território é considerado “Área de
2. Que é considerado um país sujeita a uma autoridade, a
parte do território de um uma jurisdição qualquer: o
Estado, e sob seu poder e território de uma região militar.
jurisdição [...]” Espaço terrestre, marítimo, aéreo,
(FERREIRA, 2008, p. sobre o qual os órgãos políticos de
774). um país exercem seus poderes [...].
Possui como referência as relações
de poder que nele foram e são
estabelecidas pelos mais diversos
agentes que o produzem
(Estado/Empresas/Grupos/
Instituições Sociais), resultado da
nova divisão territorial do trabalho.
Global/ “1. Relativo ao globo. 2. Espaço Implica pensar a unidade e a
Planetário/ Integral, total” totalidade que compõem cada
Mundial (FERREIRA, 2008, p. recorte do espaço. Ele contém e é
434). contido por inúmeras instâncias
físico-naturais, político,
econômicas, sociais e culturais.
Assim, temos um conjunto de
objetos distribuídos paralelamente
sobre o território.
Local - Regional. Cada nível de análise Paisagem Retrato de um determinado lugar
Nacional - Global possui uma autonomia e concretizado num espaço e tempo.
interdependência, que Materialização do que é visível
pode ser dada pode ser assim como o lugar; o
dependendo do enfoque ponto de partida para análise do
da pesquisa. Eles, espaço. Contém formas que são
porém, só possibilitam a produzidas a partir de diferentes
compreensão do espaço funções. Assim, a paisagem agrega
na sua relação. os diferentes níveis de análise.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
95

A interligação das escalas de análise nos estudos em Geografia é uma possibilidade


de tornar significativo o ensino e a aprendizagem desta em âmbito acadêmico e escolar, pois
mostra o caráter relacional do espaço, não ficando restrito em sua dimensão absoluta, pois a
ocorrência do fenômeno, muitas vezes, não se limita à fronteira de ocorrência. Desse modo, é
importante que o trabalho dessa disciplina tenha como referência esse entendimento de escala,
e que se transmutem para a abordagem de seus temas e conteúdos. O entendimento do
fenômeno, a partir da sua relação com os diversos níveis de análise (local-regional-nacional-
global), possibilita a interpretação complexa da realidade, contribuindo para a educação
geográfica, conceito esse que busca superar a linearidade e a fragmentação dos conteúdos
tratados pela geografia escolar.
Tendo em vista as potencialidades e os limites do conceito de escala, é preciso
entender como ele está presente nas discussões sobre o ensino da geografia, haja vista que é a
possibilidade de relacionar os conceitos dessa ciência que, historicamente, foi usada de forma
linear e fragmentada. Por isso, a pesquisa intenta discutir sobre como a escala pode se
apresentar como recurso teórico-metodológico na busca da superação da linearidade dos
conteúdos abordados na geografia. Para tal prerrogativa, busco compreender como os autores
de referência do ensino de geografia brasileiros têm discutido e abordado o conceito de escala
geográfica.

2.2 A ESCALA NA PESQUISA SOBRE ENSINO DE GEOGRAFIA

Apesar de o tema escala ser recorrente nos estudos da geografia nas últimas décadas,
como aponta Castro (2014), a sua discussão no ensino de geografia é recente. Segundo
Aragão (2019), em trabalho desenvolvido em sua tese de Doutorado, afirma que o conceito de
escala geográfica na indústria com Ensino Médio é pouco trabalhado no ensino básico, o que
impossibilita a construção de um conhecimento significativo em geografia. Nesse sentido, o
objetivo deste debate é entender como a escala tem sido concebida nas discussões sobre a
geografia escolar, buscando elementos que possam contribuir para que esse conceito seja
compreendido como um método/ferramenta teórico-metodológica para o ensino dessa
disciplina. Para isso, utilizamos como referência autores como, Santos (2013, 2014 a,b),
Straforini (2001), Callai (2005, 2018), Callai e Moraes (2017), Cavalcanti (2009, 2010),
Farias (2018) e Aragão (2019); eles vêm sinalizando a importância da escala como uma
mediação fundamental para a geografia escolar e seu ensino.
96

Partimos da premissa de que a geografia só pode ser entendida de forma a não


fragmentar os fenômenos, quando considera as relações entre lugares e fenômenos, pois,
como afirma Santos (2014b, p. 314), “cada lugar é, à sua maneira, o mundo”, e, na sua visão,
“todos os lugares são virtualmente mundiais”. Em um mundo em que as relações globais se
concretizam nos locais principalmente a partir dos avanços da globalização, é preciso
estranhar perspectivas que não considerem tal prerrogativa, de forma a manter-se preso em
análises fragmentárias dos fenômenos do mundo. Assim, qualquer perspectiva curricular e de
ensino que não considere tal prerrogativa, precisa ser questionada e debatida.
Coaduna-se com esse entendimento as discussões realizadas por Straforini (2001)
em sua dissertação de Mestrado “Ensinar geografia nas séries iniciais: o desafio da
totalidade-mundo”, em que o seu título já apresenta uma preocupação com um ensino de
geografia na perspectiva da totalidade. Para o autor, contudo, o ensino da geografia desde
os anos iniciais é trabalhado de forma linear e fragmentada, em que “inicia-se os estudos
com a família, depois vem a escola, a rua, o bairro, a cidade, o campo, o município, o
estado, a nação, o continente e, por fim, o mundo [...]”. O problema, como sinaliza
Straforini (2001), não é ensinar por meio de escalas espaciais, mas, sim, seu ensino deve
ser “de forma isolada, sem nenhuma relação do espaço imediato e próximo com o
longínquo e distante” (Ibidem, p. 55). Esse entendimento da geografia, mesmo que nos
anos iniciais, acaba sendo danoso para a criança, pois menospreza a sua capacidade de
interpretação e acaba tornando parcial o entendimento do espaço geográfico.
Vejamos a Figura 7, que representa a concepção de ensino conhecida como círculo
concêntrico. Essa concepção possui referência na teoria produzida pelo sociólogo Ernest
Burgess (1948)21, da escola de Chicago, no século 20, e foi utilizada para explicar a tendência
de expansão das cidades. Essa teoria tinha o intuito de expor como se utilizam os recursos da
cidade; para isso, dividia o espaço urbano em várias zonas concêntricas, tendo o centro como
noção essencial, e, a partir dele, se explicaria a distribuição e a concentração espacial dos
bairros, indústrias, comércio, entre outros.

21
BURGESS, Ernest W. O crescimento da cidade: introdução a um projeto de pesquisa. In: PIERSON, Donald
(org.). Estudos de ecologia humana. Leituras de sociologia e antropologia social. São Paulo: Martins Fontes,
1948 [1925].
97

Figura 7 – Círculos concêntricos no ensino de Geografia

Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

Essa concepção de partir do espaço próximo para espaços mais distantes alia-se às
concepções de ensino em que a criança possui estágios de desenvolvimento que precisam ser
seguidos linearmente; assim, é necessário que primeiro ela aprenda a partir da materialidade
daquilo que é visível e próximo, especialmente tendo como referência o lugar onde vive, para,
posteriormente, conseguir avançar para espaços e conceitos mais abstratos. Essas concepções,
ainda oriundas do realismo, que, por muito tempo, permeou os estudos da geografia, seus
objetos e métodos de ensino, apesar da sua importância para o período em que foi produzida,
já não pode ser considerada referência única para os processos de ensino e aprendizagem em
geografia.
Com a lógica global instituída no mundo, os elementos e fenômenos que se
materializam no espaço são fixos e fluxos, sendo esse último “resultado direto ou indireto das
ações e atravessam ou se instalam nos fixos” (SANTOS, 2014b, p. 61-62). Fixos e fluxos,
interagindo conjuntamente, expressam a realidade geográfica do mundo atual. Nesse sentido,
torna-se cada vez mais atribuição da geografia buscar o entendimento desse mundo fluido, e,
para que haja essa compreensão do espaço em sua totalidade, ele não pode ser entendido a
partir de recortes estanques, separados e fragmentados. Por isso, quando os anos iniciais do
ensino fundamental não estabelecem a “conexão entre o lugar (próximo) e o global
(longínquo) está fazendo um desserviço para o ensino, pois ao invés de trazer a realidade dos
e aos alunos, está, na verdade, distanciando-os cada vez mais” (STRAFORINI, 2001, p. 50). É
preciso ter claro que são os anos iniciais que embasam todos os ciclos posteriores, e, por isso,
98

ele precisa ocorrer de forma sólida, realizando abstrações que vão além da materialidade do
visível.
Straforini (2001) concebe a totalidade como uma abstração da realidade, sendo ela
sinônimo de espaço geográfico. Assim, como não é possível trabalhar apenas no nível da
abstração, é necessário “encontrarmos as ferramentas para abarcarmos concretamente a totalidade
sem desintegrá-la, principalmente na Educação” (Ibidem, 2001, p. 52). Nesse sentido, o autor, já
nos anos 2000, trabalhava com as proposições de Santos a partir da sua obra “Espaço e Método”
(2014a) como chave para a compreensão do espaço geográfico em sua totalidade. Com essa
referência, temos o suporte teórico de categorias analíticas que possibilitam fazer o recorte do
espaço para a análise da realidade, mas sem desvinculá-lo do entendimento da totalidade. Para
Santos (1988, p. 13) “velhas categorias filosóficas e velhas categorias analíticas devem ser
retrabalhadas para que, neste particular, possam prestar novos serviços à compreensão do espaço
humano e à constituição adequada de sua respectiva ciência. [...]”.
As categorias são forma, função, estrutura e processo; todas constituem parte de uma
totalidade, e, ao serem dialeticamente compreendias, são passíveis de serem ampliadas e
adaptadas às diferentes realidades espaciais.

Forma é o aspecto visível da coisa. Refere-se, ademais, ao arranjo ordenado de


objetos, a um padrão. Tomada isoladamente, temos uma mera descrição de
fenômenos ou de um de seus aspectos num dado instante do tempo. Função de
acordo com o dicionário Webster, sugere uma tarefa ou atividade esperada de uma
forma, pessoa, instituição ou coisa. Estrutura implica a inter-relação de todas as
partes de um todo; o modo de organização ou construção. Processo pode ser
definido como uma ação contínua desenvolvendo-se em direção a um resultado
qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança. (SANTOS,
2014a, p. 69).

Corrêa (2017, p. 28-29), desdobrando o entendimento das categorias e dando


exemplos da temática cidade, compreende o exposto no Quadro 16.
99

Quadro 16 – Categorias analíticas


Forma É o aspecto visível, exterior, de um objeto, seja visto isoladamente, seja considerando-se o
arranjo de um conjunto de objetos, formando um padrão espacial. Uma casa, um bairro, uma
cidade e uma rede urbana são formas espaciais em diferentes escalas. Ressalta-se que a forma
não pode ser considerada em si mesma, sob o risco de atribuir a ela uma autonomia que não é
possuidora. Se assim fizermos estaremos deslocando a forma para a esfera da geometria, a
linguagem da forma, caindo em um espacialismo estéril. Por outro lado, ao considerarmos
isoladamente a forma espacial, aprenderíamos apenas a aparência, abandonando a essência e as
relações entre esta e a aparência.
Função Implica uma tarefa, atividade ou papel a ser desempenhado pelo objeto criado, a forma. Habitar,
vivenciar o cotidiano em suas múltiplas dimensões – trabalho, compras e lazer, são algumas das
funções associadas à casa, ao bairro, à cidade e à rede urbana.
Estrutura Não é possível dissociar forma e função da análise do espaço. É necessário, no entanto, ir além,
inserindo forma e função na estrutura social, sem o que não captaremos a natureza histórica do
espaço. A estrutura diz respeito à natureza social e econômica de uma sociedade em um dado
momento do tempo: é a matriz social onde as formas e funções são criadas e justificadas.
Processo É definido como uma ação que se realiza, via de regra, de modo contínuo, visando a um resultado
qualquer, implicando tempo e mudança. Os processos ocorrem no âmbito de uma estrutura social
e econômica e resultam das contradições internas das mesmas. Em outras palavras, processo é
uma estrutura em seu movimento de transformação.
Fonte: CORRÊA (2017), organizado por Alana Rigo Deon (2021).

Essas quatro categorias só têm sentido no entendimento da totalidade do espaço


geográfico se desenvolvidas de forma mútua, e, nesse sentido, “constroem uma base teórica e
metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos espaciais em sua totalidade”
(SANTOS, 2014a, p. 71), caso contrário, tornam-se realidades parciais e limitadas do mundo.
Assim, é preciso que essas quatro categorias sejam desenvolvidas no estudo do espaço de
forma concomitante, para que se perceba como “interagem para criar e moldar o espaço
através do tempo” (Ibidem, p. 71).
Com base nessa percepção, a pergunta que fica é: Como operacionalizar essas categorias
analíticas? Corrêa (2017) traz o entendimento de que o espaço contém e é contido por um
conjunto de conceitos-chave de natureza operativa: paisagem, região, lugar e território, que foram
construídos ao longo da história da geografia e que, ao serem aliados às categorias analíticas,
possibilitam a compreensão do espaço em sua totalidade. Straforini (2001) também partilha desse
entendimento, mostrando um exemplo para o trabalho com as categorias do método.

Se num estudo for definido o território como o suporte geográfico para se dar a
explicação, para que esse não perca o sentido de totalidade, deve-se, então, analisá-
lo utilizando as categorias analíticas forma, função, processo e estrutura. Essas
quatro categorias analíticas conferem a cada categoria geográfica a noção de
totalidade. Na verdade, tanto as categorias geográficas quanto as filosóficas são
essenciais, logo, uma não pode ser feita sem a outra, elas são, pois, amalgamadas.
(STRAFORINI, 2001, p. 53).
100

Nesse sentido, insere-se o conceito de lugar nos anos iniciais assumindo na


atualidade uma nova dimensão, sendo entendido como “o ponto de encontro de lógicas que
trabalham em diferentes escalas” (SANTOS, 1994, p. 18-19) e categorias da geografia. O
lugar coloca-se como conceito-chave de análise do espaço, pois tudo aquilo que é universal se
materializa em um local; os lugares são o mundo que se reproduz “de modos específicos,
individuais e diversos. Eles são singulares, mas são também globais, manifestações da
totalidade-mundo, da qual são formas particulares” (Idem, 2013, p. 112).
O que, porém, permite que haja essa articulação entre as múltiplas escalas? A escala,
por muito tempo, foi considerada uma categoria de análise espacial, pois busca tornar possível
a relação entre o local, o regional, o territorial e o global. “O mundo se apresenta como uma
totalidade. Todavia, essa totalidade é impossível de ser abarcada pelo exercício analítico; o
grande desafio é encontrarmos os instrumentos capazes de dar conta dessa totalidade sem
desintegrá-la, ou ainda, cooptar a parte sem perder o todo” (STRAFORINI, 2001, p. 92).
Assim, para realizarmos tal exercício analítico é possível utilizar a escala de análise, pois
congrega um entendimento relacional do espaço (dimensão conceitual e um nível escalar),
tornando-se um conceito central que possibilita que, ao final da análise, seja feita a
recorrência à totalidade.
Dessa forma, a compreensão do espaço (mundo/totalidade) nos anos iniciais pode ser
proporcionada por meio da leitura do lugar, e a escala de análise geográfica pode ser um
recurso analítico que se utiliza dessa categoria, acentuando seus aspectos significativos “no
modo como ele se manifesta, renunciando explicações mais abrangentes, abstrações teóricas,
que extrapolem o próprio fenômeno” (CAVALCANTI, 2009, p. 142). Diante disso, a
categoria lugar, no ensino de Geografia, é uma possibilidade de compreensão da espacialidade
dos fenômenos vivenciados no mundo da vida dos sujeitos, que, na atual fase da globalização,
estão imersos em uma relação profunda com o mundo global.
Nesta lógica, Callai (2005), outra pesquisadora do ensino preocupada com as
discussões sobre a escala, assim como Straforini, assume a perspectiva de Milton Santos para
a compreensão do mundo pelo viés da geografia. Em muitos de seus textos, especialmente do
ensino dos anos iniciais, vem sinalizando o entendimento da escala como ferramenta
intelectual significativa para o ensino de geografia. No texto “Aprendendo a ler o mundo: a
geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental”, a autora (2005) entende que a escala de
análise requer toda a atenção, pois nenhum estudo pode ficar restrito ao âmbito em que está
ocorrendo, e nada ocorre de forma isolada. Nesse sentido, o lugar “ou tem alguma relação
com a natureza ou tem interferências de outras dimensões de escala que não estão próximas
101

fisicamente (em termos de espaço absoluto), mas que poderão estar muito mais intensamente
relacionadas por conta da origem e dos motivos do acontecimento” (Ibidem, p. 239).
Callai (2005) entende que a definição/delimitação do recorte a considerar é o que
define o motivo da escolha da escala, “considerando então que a escala não é algo dado, mas
resultado de opções/escolhas, elas estão estreitamente ligadas aos objetivos que temos para o
ensino, para a pesquisa no/do lugar” (p. 239). Em outro texto, intitulado “Educação
geográfica, cidadania e cidade”22, as autoras (2017) discorrem sobre a importância e a
necessidade do uso da escala, utilizando como exemplo a interpretação da cidade e como ela
congrega ações locais e globais. Assim, “os conteúdos referentes à cidade e ao urbano são
dimensões do conhecimento que, se abordados considerando a escalaridade, permitem
interligar os conhecimentos da vida cotidiana com os conceitos científicos” (CALLAI;
MORAES, 2017, p. 90).
As autoras entendem que a escala geográfica não se limita à dimensão matemática, que
torna o lugar uma simples localização de um ponto fixo no espaço com características
geométricas e formas definidas, mas uma escala que congrega os vários níveis e dimensões de
análise e, por isso, permite a compreensão do espaço pela perspectiva absoluta, relativa e
relacional.

Essas três dimensões do espaço se entrelaçam dialeticamente e aquilo que é visível,


perceptível numa perspectiva de espaço absoluto tem seu significado na dimensão de
espaço relativo e relacional e assim na complexidade dos três âmbitos. Não importa,
portanto, se está sendo desencadeado o estuda da cidade partindo do lugar
específico, seja desde a cidade em que o aluno vive ou de um bairro ou de um
determinado aspecto da cidade. A questão é abordar considerando a complexidade
dos fenômenos. (CALLAI; MORAES, 2017, p. 91).

Cavalcanti (2010a), em seu texto “A geografia e a realidade escolar


contemporânea: avanços, caminhos, alternativas”, traz alternativas teórico-práticas para
orientar o trabalho docente. Dessa maneira, trata o lugar como ponto de referência para o
tratamento dos conteúdos geográficos. A autora, com base em Callai (2003), afirma que
“não se trata de trabalhar o lugar apenas como uma referência local, mas como uma escala
de análise necessária para se compreender os fenômenos que acontecem no mundo, mas
ocorrem temporal e territorialmente nesse local” (CAVALCANTI, 2010a, p. 6). Assim,
desenvolver esse entendimento é necessário para que esse lugar seja contextualizado em

22
Texto escrito em coautoria com Maristela Maria de Moraes e publicado na Revista Acta Geográfica.
102

outras escalas de análise. Para isso, entende que a abordagem multiescalar pode ser uma
ferramenta para a articulação dialética entre as escalas.
Dessa forma, para a autora:

Com a abordagem multiescalar, busca-se superar o tratamento dicotômico e


excludente dos fenômenos em sua escala local ou global, como se uma dimensão
não tivesse a ver com a outra. Pretende-se também suplantar a conhecida abordagem
dos círculos concêntricos, que vai do local ao global, do mais imediato do aluno ao
mais distante, praticada tradicionalmente nos anos iniciais do ensino fundamental.
Nessa abordagem, iniciavam-se os estudos, no primeiro ano, pelo espaço do aluno e
avançava-se de forma linear, paulatinamente, nos anos seguintes, para os estudos da
escola, do bairro, do município, do estado – de círculos de referência mais imediata
do aluno para círculos com raio maior de referência. (CAVALCANTI, 2010a, p. 6).

Estes autores nos permitem pensar a escala de análise como uma alternativa ao
trabalho nos anos iniciais pela perspectiva dos círculos concêntricos, primeiramente ao
considerarem o espaço uma totalidade que não pode ser entendida desde recortes lineares e
sem relação entre si, pois o todo não pode ser compreendido pela soma das partes. O lugar
torna-se, nesse contexto, o ponto de encontro de diversas lógicas, escalas “de interesses
longínquos e próximos, locais e globais” (SANTOS, 1994, p. 18-19), e por isso pode ser
considerado um conceito significativo, pois expressa um movimento de relação entre o mundo
da vida e os conhecimentos historicamente construídos e localizados num tempo e espaço
definidos. As discussões ainda trazem indícios de como o trabalho com a escala pode ser
operacionalizado a partir da articulação entre os conceitos (que também congregam níveis de
análise) e categorias do método propostas por Santos (2014a).
Ainda, é significativo mencionar estudos realizados nos últimos anos sobre o tema da
escala. Um deles é a tese de Farias (2018), que entende que a temática da escala pode
potencializar ensino de geografia a partir da realidade vivenciada (escolas ribeirinhas no
contexto amazônico) para pensar a sua relação e interação com o global. Para discutir a escala
geográfica, a pesquisa se sustenta nas concepções de Souza (2013) que a entende como uma
construção social e em Castro (2014), quando “propõe analisar e discutir os fenômenos
espaciais por meio das escalas para além da analogia geográfica cartográfica, estabelecendo
sentido e significado tanto objetivo, quanto subjetivo às explicações” (FARIAS, 2018, p. 22).
A autora considera que as duas escalas, a cartográfica e a geográfica são
fundamentais para a leitura espacial e para articular dos fenômenos entre as diversas escalas.
Enquanto a primeira “considera a representação gráfica do tamanho real do espaço, admitindo
escala matemática, reduções e projeções, ou seja, está no plano da objetividade” (FARIAS,
103

2018, p. 42), a segunda possui dimensões que “são compreendidas em diversos níveis
escalares, inclusive, de forma articulada e relacional” (Ibidem, p. 42). Nesse sentido, a
dialética entre as escalas possibilita a produção do conhecimento correlacionado fenômenos
dimensões espaciais.
A pesquisa desenvolvida Aragão (2019) que se encaminha na mesma perspectiva e
desenvolve reflexões sobre a importância da escala geográfica na compreensão de fenômenos
espaciais físicos e sociais, tendo o tema da indústria como foco de análise no trabalho escolar.
A proposta de investigação de Aragão (2019, p. 9) “visa à utilização mais efetiva das Escalas
Cartográfica e Geográfica na escola básica, pois entende que ambas são complementares e
dialógicas”. Assim, apoiado em Racine, Raffestin e Ruffy (1983), entende que “a Escala
Cartográfica exprime a representação do espaço como forma geométrica, a Escala Geográfica
exprime a representação das relações que a sociedade mantém com ela” (ARAGÃO, 2019, p.
38). Nesse sentido, o autor evidencia a indissociabilidade entre as escalas, ressaltando que a
escala geográfica engloba a escala cartográfica, tornando possível a articulação entre espaço
absoluto, relativo e relacional.
O autor (2019, p. 41-42), baseado em Candiotto (2008), percebe que a escala
geográfica é um caminho metodológico importante para a investigação, pois “identificar a
escala de origem de um evento e procurar apreendê-lo no lugar (escala de
realização/materialização) permite ao Geógrafo considerar a influência de fenômenos de
outras escalas espaciais nesse lugar” (CANDIOTTO, 2008, p. 86). A pesquisa realizada por
Aragão (2019) assume uma concepção abrangente de escala ao discuti-la não apenas pela
perspectiva de níveis de análise, mas também pela extensão do fenômeno. Nessa direção,
entende que a escala pode ser utilizada na geografia escolar como “um recurso metodológico
que culminará no desenvolvimento de um pensamento geográfico, entendido aqui como a
capacidade cognitiva do sujeito interpretar multiescalarmente qualquer fenômeno, levando-se
em consideração conceitos da Geografia” (ARAGÃO, 2019, p. 42). Para isso, compreende
que os princípios e conceitos estruturantes da geografia precisam ser operacionalizados à luz
da escala geográfica, aliado a esse entendimento ressaltamos o papel das categorias do
método.
A Figura 8 apresenta a sistematização do trabalho com escala geográfica,
considerando as discussões dos estudos mencionados a partir de uma perspectiva relacional.
104

Figura 8 – A escala de análise geográfica numa perspectiva relacional

Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

A Figura sistematiza a percepção de autores que têm trabalhado com o tema da


escala na geografia e seu ensino de geografia como apresentado no estado do conhecimento e
nas discussões até aqui elucidadas. Os trabalhos desenvolvidos mostram-nos perspectivas
importantes para a tese aqui apresentada: o entendimento do lugar como ponto de partida para
o ensino da geografia desde os anos iniciais e da escala como uma estratégia intelectual para
mostrar a relação multiescalar. Emerge, ainda, das discussões, as categorias do método
propostas por Santos (2014a), e os princípios geográficos como eixos importantes para o
trabalho com a escala geográfica, e, por fim, o entendimento da escala em uma perspectiva
dialética que contribui para a inter-relação entre fenômenos e níveis de análise, possibilitando
a compreensão relacional do fenômeno. Nesse sentido, evidenciamos que os autores trazem a
pertinência e a importância do trabalho com a escala no ensino de geografia.
Dadas as bases para compreender como a escala tem sido tratada nas discussões da
geografia e do seu o ensino, no item que segue busco evidenciar como o trabalho com a escala
de fato, efetiva-se na prática escolar. Para tecer essa compreensão analisamos a Base Nacional
Comum Curricular, política que orienta o currículo escolar atual no Brasil no que se refere às
suas concepções gerais e orientações para as ciências humanas e geografia, bem como o
Edital do PNLD 2019 referente aos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois se constituem
referências importantes na produção dos livros didáticos.
105

2.3 A ESCALA NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS QUE ENVOLVEM CURRÍCULO E


LIVRO DIDÁTICO: ASPECTOS DO EDITAL DO PNLD E DA BNCC

O objetivo deste subcapítulo é discutir e apresentar como as políticas educacionais,


como o Edital do PNLD 2019 anos iniciais do Ensino Fundamental e a BNCC, atual
referência para o currículo, encaminha orientações que se desdobram no livro didático,
material de grande acesso nas escolas públicas do Brasil. O intuito de analisar esses
documentos, de uma forma geral, é buscar compreender as concepções didático-pedagógicas
que os embasam, e, especificamente, entender em que medida o conceito de escala de análise
está presente e como orienta o ensino de geografia.
Para o levantamento de dados foi utilizada a pesquisa documental; ela objetiva definir os
documentos a serem analisados de forma a contribuir com a pesquisa, bem como possibilita
definir e analisar os conceitos e termos expressos nesses documentos e a interpretação dos seus
significados (visíveis ou ocultos) (GIL, 1999). Assim, as análises são realizadas em documentos
públicos, escritos e disponíveis em meio digital em sites do governo vinculados ao MEC. Foram
selecionados para análise o Edital do PNLD 2019, lançado em 2017, e a Base Nacional Comum
Curricular, versão 2018, documento que orienta a construção dos currículos nas escolas
brasileiras.
No que se refere ao Edital do Programa Nacional do Livro e do Material Didático, este
tem orientado a estrutura dos livros que chegam até as escolas brasileiras. O Edital é parte
integrante para a qualidade dos livros, pois contém as orientações sobre as características das
obras, tanto dos atributos físicos, no que diz respeito ao tamanho, formato, acabamento, número
de páginas e especificações técnicas, quanto legislações que as coleções precisam seguir. As
orientações do Edital servem tanto para autores e editores quanto para a avaliação pedagógica23.
Assim, assumem uma dimensão importante, haja vista que os livros didáticos têm atuado como
indutores do currículo escolar, ou seja, orientando o trabalho teórico e didático-pedagógico das
disciplinas escolares.
Deste modo, para as especificidades desta pesquisa analiso o Edital 2017, que
referencia o PNLD 2019 anos iniciais24. Nessa edição do PNLD, uma das condições para

23
A avaliação pedagógica é realizada de acordo com o Decreto n° 9.099/2017, seguindo as orientações e
diretrizes estabelecidas pelo MEC e com base em critérios comuns e específicos constantes no Anexo III do
edital 01/2017.
24
Segundo Dados estatísticos do PNLD 2019 Anos Iniciais, foram gastos um total de R$ 615.852.107,23, sendo
80.092.370 o total de exemplares adquiridos com 92.467 escolas beneficiadas. Dados disponíveis em:
https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos. Acesso em: jan. 2021.
Como afirma Choppin (2004), os livros didáticos estão presentes em todo o mundo. O setor escolar assume peso
106

participação das editoras era “fazer adequação da obra quando da publicação da Base
Nacional Comum Curricular, após a aprovação do Conselho Nacional de Educação e
homologação do Ministro de Estado da Educação” (BRASIL, 2017, p. 5). As obras dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, avaliadas no PNLD 2019, seguem as matrizes de referência
do decreto nº 9.099/2017 e terão ciclo de quatro anos25. Com o lançamento da versão oficial
da Base no final de 2018, houve o PNLD Atualização. Nesse sentido, as editoras foram
convocadas a atualizar as obras e reapresentá-las26 para nova avaliação.
Nessa continuidade, torna-se essencial investigar os critérios de avaliação das obras
constantes no Edital. Para a sua descrição, selecionei os elementos conforme constam no
edital e busquei destacar seus aspectos gerais de acordo com os objetivos já delimitados.
O Edital 01/2017 destaca que, na perspectiva do Ensino Fundamental de nove anos,
os cinco primeiros anos são decisivos. Nessa acepção, é compromisso da educação criar
condições básicas para a permanência das crianças na escola, sua progressão nos estudos e seu
desenvolvimento pleno, nos seus aspectos físico, afetivo, psicológico, intelectual e social. Por
isso, nesse período, é preciso garantir o que mostra o Quadro 17.

Quadro 17 – Considerações gerais acerca das características e objetivos dos anos iniciais do Ensino Fundamental
– Inserção da criança como sujeito pleno no universo escolar numa lógica que contemple a singularidade da
infância e o seu convívio social imediato.
– Desenvolver da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e
do raciocínio lógico-matemático.
– Garantir o seu acesso qualificado à cultura letrada, sem, no entanto, desconsiderar sua cultura de origem.
– Ampliar seu conhecimento de mundo nas diversas áreas do conhecimento.
– Compreender o ambiente natural e social do sistema político, da economia, da tecnologia, das artes e da
cultura dos direitos humanos e dos valores em que se fundamenta a sociedade.
– Contribuir com o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de respeito
recíproco em que se assenta a vida social.
– Contato com múltiplas linguagens incluindo os usos sociais da escrita e da matemática, o desenvolvimento
da oralidade e dos processos de percepção, compreensão e representação.
– O letramento e a alfabetização inicial, assim como a alfabetização matemática, constituem-se, como eixos
organizadores de todo e qualquer componente curricular necessário a esse período, o que permite articulá-los
a uma mesma perspectiva pedagógica.
* Em consequência, a seleção e o tratamento didático dado aos objetos de conhecimento devem se pautar
pelas demandas dos dois processos; e sua apresentação, no contexto de grandes áreas do conhecimento, deve
favorecer uma perspectiva de integração e articulação de conteúdos disciplinares.
Fonte: BRASIL (2017, p. 26-27), organizado por Alana Rigo Deon.

considerável na economia editorial nesses dois séculos. Assim, é impossível desenvolver pesquisas sobre esse
material sem levar esses dados em consideração.
25
Até a mudança na Lei em 2017 os ciclos eram de três anos e contemplavam anos iniciais, finais e Ensino
Médio; com a mudança na Lei insere-se a educação infantil no processo.
26
As obras aprovadas pelo edital 01/2017 precisaram ser atualizadas quando aprovada a última versão da base no
final de 2018. Assim, essas coleções foram reapresentadas e passaram por novo processo avaliativo, chegando
nas escolas em 2020. As suas atualizações, contudo, não são objeto de investigação desta pesquisa, pois não
foram conseguidas as novas edições dos livros. As mudanças observadas na base entre a terceira versão e a
última foram apenas algumas habilidades.
107

Tendo em vista os critérios descritos de uma forma geral, chama-se atenção ao fato
de que é atribuição da escola inserir os sujeitos no universo escolar de maneira a desenvolver
o domínio da leitura, escrita e raciocínio lógico-matemático, considerados como primordiais
para o desenvolvimento da cultura letrada. Não é feita menção, contudo, à importância do
desenvolvimento de um pensamento sensível, ético, estético e crítico, de forma a desenvolver
a capacidade de pensar e refletir sobre o mundo, sendo esta a possibilidade de aprimorar uma
unidade entre pensamento e linguagem na educação escolar desde os anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Neste seguimento, assumir o compromisso ético e estético na educação “significa
restaurar a responsabilidade e o compromisso que temos com o outro, com a humanidade,
com a nossa continuidade” (KUHN, 2016b, p. 20). O autor continua afirmando que “do ponto
de vista da estética, significa abrir espaço para a sensibilidade. Não significa somente espaço
para a emoção ou sentimento que a poesia, a pintura, a música, o teatro, etc., podem provocar,
mas também uma sensibilidade no conhecer e no compreender o mundo” (Ibidem, p. 20).
Assim, apesar de o documento assumir o compromisso de a educação criar condições básicas
para o desenvolvimento pleno dos estudantes, nos seus aspectos físico, afetivo, psicológico,
intelectual e social, as orientações de como isso precisa ser realizado indicam uma perspectiva
contrária.
Ainda, chama-se atenção ao fato de o documento orientar apenas para o
desenvolvimento dos conhecimentos, de forma a contemplar “a singularidade da infância e o
seu convívio social imediato”. Na geografia é preciso que os conhecimentos desde cedo sejam
construídos de forma a considerar as relações existentes entre os diversos espaços e tempos
que podem ser próximos, mas também distantes. Essa é a prerrogativa principal para que as
crianças desenvolvam desde cedo o conhecimento do espaço em sua totalidade e não apenas
de uma de suas partes. Esse entendimento denota uma concepção de educação que ainda se
pauta na compreensão de que o ensino precisa iniciar de um menor conhecimento nas séries
iniciais para um maior conhecimento nas séries finais.
No que se refere aos critérios de avaliação, o edital afirma ser necessário que as
obras se adequem à terceira versão da Base; veiculem as informações de forma correta,
precisa, adequada e atualizada; atuem como mediadoras pedagógicas de modo a proporcionar
a formação cidadã para que os estudantes possam atuar criticamente ante as questões
colocadas pela sociedade, ciência, tecnologia, cultura e economia; e contribuam efetivamente
para a construção de conceitos e posturas perante o mundo e a realidade. Ressalta-se, ainda,
108

que as obras serão avaliadas por meio de um conjunto de critérios eliminatórios comuns e
específicos, seguindo como critérios eliminatórios comuns a todas as coleções.

Quadro 18 – Critérios eliminatórios comuns a todas as coleções


1. Respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas à Educação Infantil e ao Ensino
Fundamental.
2. Observância de princípios éticos e democráticos necessários à construção da cidadania, ao respeito à
diversidade e ao convívio social republicano.
3. Coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica assumida pela obra, no que diz respeito à
proposta didático-pedagógica explicitada e aos objetivos visados.
4. Correção e atualização de conceitos, informações e procedimentos.
5. Adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didático-pedagógicos da obra.
6. Observância dos temas contemporâneos no conjunto dos conteúdos da obra.
7. Outros critérios comuns.
Fonte: BRASIL (2017, p. 29), organizado por Alana Rigo Deon (2021).

Destaca-se, a partir de análises já realizadas em livros didáticos por autores do ensino de


geografia, como Callai (2016) e Copatti (2019), que os LDs seguem à risca as determinações do
edital, contemplando, em suas orientações, as políticas de referência, descrevendo, inclusive,
trechos dessas políticas que ajudem a reafirmar o seu entendimento sobre elas. No que se refere à
construção da cidadania, ela é considerada critério fundamental para o desenvolvimento das
coleções, posto que, ao longo das suas unidades e capítulos, elas precisam evidenciar em que
momentos tratam dessa perspectiva. Assim, são desenvolvidas seções específicas em muitos
livros de forma a contemplar seu desenvolvimento. Sua prorrogativa central, contudo, que é
contribuir para o exercício crítico e reflexivo a partir dos conteúdos propostos, demasiadas vezes é
feita apenas para cumprir o Edital e não para a prerrogativa que o conceito de cidadania propõe.
As disciplinas têm um papel importante na construção da cidadania, pois é por meio
dos seus conteúdos e conceitos que os estudantes têm a possibilidade de acesso à cultura
letrada de forma a promover o avanço do conhecimento. Para dar conta de tal prerrogativa, as
disciplinas precisam realizar um diálogo entre as dimensões teórico/epistemológica, dimensão
didático-pedagógica e metodológica (como apontado no item 1.6 desta discussão), a fim de
que seus conceitos possam ser vias para a leitura e entendimento do mundo de forma a
contribuir para o exercício da cidadania.
No geral, é possível perceber que o Edital encaminha um grande número de
orientações que os livros precisam seguir com cuidado e atenção para que sejam aprovados.
Os Editais que conduzem o PNLD, então, são parte significativa do processo de produção e
avaliação dos livros que chegam até as escolas. Para Callai (2016), no geral as coleções
seguem à risca essas proposições do Edital, contemplando, por meio de textos, na maior parte
109

das vezes no início do manual do professor, os referenciais educacionais, teóricos,


pedagógicos e metodológicos, bem como o seu encaminhamento para discussões sobre a
formação cidadã, os temas contemporâneos, a proposta de avaliação e textos com referenciais
teóricos da educação e das áreas de referência.
As obras precisam conter o máximo de informações, e os textos devem ter tamanhos
não tão extensos para que o professor tenha em mãos um material “pronto” que, de fato, vá
subsidiar o seu trabalho. Nesse sentido, as exigências do Edital são especificadas nos mínimos
detalhes para que as editoras adequem suas coleções às regras, evitando, assim, reprovações.
Com a nova referência curricular da BNCC há o indicativo para que os livros deixem claro,
logo na introdução de cada unidade/capítulo, como contemplam as especificações das
habilidades no desenvolvimento dos conteúdos propostos para cada ano escolar. Isso busca
tornar explícito se as coleções estão seguindo o regramento proposto pelo Edital. Como
afirma Callai (2016, p. 278), no entanto:

Muitas das obras, talvez a maior parte, não cumprem o rigor de seguir essa
orientação na apresentação do conteúdo dos livros. Há um enunciado com
proposições teóricas e metodológicas posto diante da obrigatoriedade a partir do
Edital, mas no conteúdo dificilmente acontece a abordagem dos mesmos de acordo
com o que está enunciado.

A autora ainda assevera que a dimensão didático-pedagógica é frágil na maioria dos


livros, e não encaminha para aprendizagens significativas, “pois prevalecem a omissão, o
ocultamento, o silenciamento da dimensão ética e política” (CALLAI, 2016, p. 278). A
dimensão didático-pedagógica, em seus pressupostos teóricos, busca romper com a escola
transmissora e que reproduz os interesses do mundo global. O que prevalece nas políticas
educacionais, contudo, é o interesse do mercado na formação de competências e habilidades,
e, nesse sentido, se apropria do conceito de formação cidadã, e o coloca critério fundamental
para o desenvolvimento das coleções, o que acaba por tornar a cidadania um conceito
associado ao desenvolvimento da lógica do sistema produtivo e não a sua prerrogativa
fundamental que é contribuir para o exercício crítico e reflexivo.
Há, ainda, critérios específicos para as áreas do conhecimento e componentes
curriculares que os livros precisam seguir, e essa orientação é realizada pela BNCC. Por isso,
é necessário centrar nossa análise, primeiramente, na totalidade do documento. Para isso,
foram elencados alguns itens principais para análise, como a introdução (apresenta os
objetivos, fundamentos pedagógicos), para, após, examinar especificamente a disciplina de
geografia, nesse caso as referências para as ciências humanas e para a geografia nos anos
110

iniciais do Ensino Fundamental. Esses elementos justificam-se por trazer as referências


norteadoras do documento, bem como as referências teórico-metodológicas e didático-
pedagógicas que se desdobram no ensino de geografia.
Ao analisar a introdução da BNCC, observa-se que o documento mostra que traz um
conjunto de aprendizagens essenciais que todas as crianças devem desenvolver ao longo da
educação básica, de forma a assegurar “aos estudantes o desenvolvimento de dez
competências gerais, que consubstanciam, no âmbito pedagógico, os direitos de aprendizagem
e desenvolvimento” (BRASIL, 2018, p. 8). Nesse sentido, as competências são definidas
como “a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas,
cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida
cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (Ibidem, p. 8), como
exemplificadas no Quadro 19.

Quadro 19 – Competências gerais que orientam a BNCC


Competências
Competência O quê? Para quê?
gerais
1. Conhecimento Valorizar e utilizar os Entender e explicar a realidade,
conhecimentos sobre o mundo continuar aprendendo e colaborar
físico, social, cultural e digital. para a construção de uma
sociedade justa, democrática e
inclusiva.
2. Pensamento Exercitar a curiosidade Investigar causas, elaborar e
científico, crítico e intelectual utilizando as testar hipóteses, formular e
criativo ciências com criticidade e resolver problemas e criar
criatividade. soluções (inclusive tecnológicas)
com base nos conhecimentos das
diferentes áreas.
3. Repertório cultural Valorizar as diversas Participar de práticas
manifestações artísticas e diversificadas da produção
culturais. artístico-cultural.
4. Comunicação Utilizar diversas linguagens. Expressar e partilhar
informações, experiências, ideias
e sentimentos em diferentes
contextos e produzir sentidos que
levem ao entendimento mútuo.
5. Cultura Digital Compreender, utilizar e criar Comunicar, acessar e disseminar
tecnologias digitais de forma informações, produzir
significativa, crítica e ética. conhecimentos, resolver
problemas e exercer
protagonismo e autoria na vida
pessoal e coletiva.
6. Trabalho e projeto Valorizar e apropriar-se de Entender as relações próprias do
de vida conhecimentos e experiências. mundo do trabalho e fazer
escolhas alinhadas ao exercício
da cidadania e ao seu projeto de
vida, com liberdade, autonomia,
consciência crítica e
responsabilidade.
111

Competências
Competência O quê? Para quê?
gerais
7. Argumentação Argumentar com base em Formular, negociar e defender
fatos, dados e informações ideias, pontos de vista e decisões
confiáveis. comuns que respeitem e
promovam os direitos humanos, a
consciência socioambiental e o
consumo responsável em âmbito
local, regional e global, com
posicionamento ético em relação
ao cuidado de si mesmo, dos
outros e do planeta.
8. Autoconhecimento Conhecer-se, compreender-se Cuidar de sua saúde física e
e autocuidado na diversidade humana e emocional, compreendendo-se na
apreciar-se. diversidade humana e
reconhecendo suas emoções e as
dos outros, com autocrítica e
capacidade para lidar com elas.
9. Empatia e Exercitar a empatia, o diálogo, Fazer-se respeitar, promovendo o
cooperação a resolução de conflitos e a respeito ao outro e aos direitos
cooperação. humanos, com acolhimento e
valorização da diversidade de
indivíduos e de grupos sociais,
seus saberes, identidades,
culturas e potencialidades, sem
preconceitos de qualquer
natureza.
10. Responsabilidade Agir pessoal e coletivamente Tomar decisões com base em
com autonomia, princípios éticos, democráticos,
responsabilidade, flexibilidade, inclusivos, sustentáveis e
resiliência e determinação. solidários.
Fonte: BRASIL (2018, p. 9-10), organizado por Alana Rigo Deon (2021).

Os pressupostos iniciais que orientam a Base nos mostram alguns elementos


importantes que não podem ser negligenciados em sua análise. O primeiro deles diz respeito à
concepção pedagógica do documento, orientada por dez competências gerais que servem para
“apoiar os estudantes nas escolhas necessárias para a concretização dos seus projetos de vida
e a continuidade dos estudos” (BRASIL, 2018, p. 5). O quadro mostrou que essas
competências se concentram no o que ensinar? e para que ensinar?, tornando clara a ideia
de que os objetivos da educação já estão alinhavados a uma finalidade prática e instrumental
do ensino. Não caracteriza, contudo, outras dimensões importantes no trabalho educativo, que
é Para quem ensinar?, ou seja, Quem são os estudantes das escolas públicas brasileiras e
quais são as suas realidades? E o Como?, e aqui chamamos atenção para a
forma/possibilidades de colocar em prática tais competências, haja vista a diversidade de
realidades que existem no Brasil, tanto em termos de infraestrutura das escolas e qualificação
docente quanto dos próprios estudantes.
112

Ainda, é preciso salientar que a noção de competências como concepção didático-


pedagógica que orienta a educação se sobrepõe à principal atribuição da escola, que é a
construção de conhecimentos intencionados e sistemáticos. Young (2007, p. 1.294), em seu
texto “Para que Servem as Escolas?”, afirma que essa instituição tem como principal
atribuição “capacitar jovens a adquirir o conhecimento que, para a maioria deles, não pode ser
adquirido em casa ou em sua comunidade, e para adultos, em seus locais de trabalho”. O
autor, ao usar a palavra conhecimento, considera importante fazer a distinção entre o
conhecimento dos poderosos e o conhecimento poderoso. O primeiro é definido por aqueles
que detêm o conhecimento, e está atrelado diretamente ao acesso e à distribuição de certos
tipos de conhecimento, os quais nem todos têm as mesmas oportunidades de conseguir. Já o
segundo refere-se “ao que o conhecimento pode fazer, como, por exemplo, fornecer
explicações confiáveis ou novas formas de se pensar a respeito do mundo” (Ibidem, p. 1.294).
É sobre esse último conhecimento que confere à escola sua atribuição específica.
O autor entende, porém, que, por diferentes questões, o conhecimento poderoso “e o
papel das escolas na sua aquisição têm sido negligenciados [...] por aqueles que tomam
decisões no campo político” (YOUNG, 2007, p. 1.288-1.289). Isso justifica-se, pois o
currículo, centrado no conhecimento poderoso, “diverge dos propósitos mais instrumentais”
da educação do ensino, que é a formação, e “diz a um indivíduo como fazer coisas
específicas” (Ibidem, p. 1.296). Esse ensino é financiado pelas grandes empresas globais e
possui, cada vez mais, o apoio dos governos. Nesse sentido, a dimensão das competências,
entendida como “[...] capacidade ou aptidão [...]” “para desempenhar determinada função”
(FERREIRA, 2008, p. 249), tem se sobreposto à dimensão do conhecimento, que é a principal
atribuição da formação escolar.
A concepção de currículo, tendo como premissa básica as competências, não é uma
discussão nova e emana das teorias do “aprender a aprender”, construídas no final do século
20 e produzidas em um contexto em que as políticas globais passam a dominar os contextos
locais. Assim, essa concepção impõe uma visão de mundo totalitária, criando uma falsa noção
da educação como um processo de igualdade a todos. Nessa perspectiva, os conceitos de
cidadania, igualdade e inclusão são capturados dos discursos democráticos em defesa dos
direitos sociais e passam a orientar os documentos oficiais, mas metamorfoseados para o
discurso neoliberal, e, no contexto das políticas educacionais, acabam por ocultar seus
verdadeiros sentidos e significados.
Nesse entendimento, é necessário interrogar e estranhar a concepção de educação
integral proposta pela BNCC, que visa “à formação e ao desenvolvimento humano global, o
113

que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento,


rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou
a dimensão afetiva” (BRASIL, 2018, p. 14). Na verdade, apesar de o discurso buscar
ultrapassar o histórico debate das racionalidades e as concepções tradicionais de ensino, a
BNCC, ao propor uma concepção pedagógica de ensino pautada em competências e
habilidades, acaba por contradizer seu próprio discurso.
Para que, de fato, haja o rompimento do reducionismo que perpassa o currículo
escolar, é adequado assumir a ideia da construção de conhecimento a partir de uma tríplice
dimensão, como propõe Marques (1990), e isso envolve o diálogo entre as racionalidades
dialética, hermenêutica e instrumental. Um diálogo articulado entre essas três dimensões
possibilita desenvolver conhecimentos de maneira a construir reflexões e formar raciocínios
que possibilitem relacionar os estudos do mundo com o mundo da vida dos estudantes. Esse
diálogo também pode ser construído a partir de uma perspectiva interdisciplinar, em que cada
disciplina escolar pode buscar, em seus conceitos comuns, modos de ampliar o conhecimento
do mundo. Essa postura não nega as especificidades de cada área do conhecimento; ao
contrário, oportuniza a ampliação da compreensão epistemológica de cada ciência.

2.4 A GEOGRAFIA NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E O LUGAR DOS


ANOS INICIAIS

A geografia como disciplina que faz parte da área das ciências humanas, segundo a
BNCC, precisa contribuir para o desenvolvimento das noções de espaço e tempo, tendo claro
o entendimento “de que o ser humano produz o espaço em que vive, apropriando-se dele em
determinada circunstância histórica” (BRASIL, 2018, p. 353). Assim, os seres humanos
produzem o espaço de diferentes formas ao longo do tempo, a partir das diversas técnicas que
desenvolvem. Para que esse entendimento seja operacionalizado, é preciso favorecer aos
alunos a compreensão “dos tempos sociais e da natureza e de suas relações com os espaços”
(Ibidem, p. 353), tendo como referência diferentes linguagens.
No que se refere especificamente à geografia, essa disciplina traz uma oportunidade
para compreender o mundo em que vivemos. Isso ocorre:

Na medida em que esse componente curricular aborda as ações humanas construídas


nas distintas sociedades existentes nas diversas regiões do planeta. Ao mesmo
tempo, a educação geográfica contribui para a formação do conceito de identidade,
expresso de diferentes formas: na compreensão perceptiva da paisagem, que ganha
significado à medida que, ao observá-la, nota-se a vivência dos indivíduos e da
114

coletividade; nas relações com os lugares vividos; nos costumes que resgatam a
nossa memória social; na identidade cultural; e na consciência de que somos sujeitos
da história, distintos uns dos outros e, por isso, convictos das nossas diferenças.
(BRASIL, 2018, p. 359).

Sendo assim, tanto nos anos iniciais quanto finais essa disciplina é reafirmada pelo
ideal da educação geográfica. Para desenvolver esse ideal, a Base entende que os estudantes
precisam desenvolver o pensamento espacial estimulando o raciocínio geográfico. Para
Castellar e Juliasz (2017), o pensamento espacial está associado ao desenvolvimento
intelectual e busca fazer a relação da geografia com outras áreas do conhecimento em um
contexto geográfico. Já o raciocínio geográfico é uma maneira de exercitar o pensamento
espacial, que aplica determinados princípios para compreender aspectos fundamentais da
realidade (Ibidem, 2017), como veremos no Quadro 20.

Quadro 20 – Princípios do raciocínio geográfico


Princípio Descrição
Analogia Um fenômeno geográfico sempre é comparável a outros. A identificação das
semelhanças entre fenômenos geográficos é o início da compreensão da
unidade terrestre.
Conexão Um fenômeno geográfico nunca acontece isoladamente, mas sempre em
interação com outros fenômenos próximos ou distantes.
Diferenciação É a variação dos fenômenos de interesse da geografia pela superfície terrestre
(por exemplo, o clima), resultando na diferença entre áreas.
Distribuição Exprime como os objetos se repartem pelo espaço.
Extensão Espaço finito e contínuo delimitado pela ocorrência do fenômeno geográfico.
Localização Posição particular de um objeto na superfície terrestre. A localização pode ser
absoluta (definida por um sistema de coordenadas geográficas) ou relativa
(expressa por meio de relações espaciais topológicas ou por interações
espaciais).
Ordem Ordem ou arranjo espacial é o princípio geográfico de maior complexidade.
Refere-se ao modo de estruturação do espaço de acordo com as regras da
própria sociedade que o produziu.
Fonte: BRASIL (2018, p. 360).

Segundo a BNCC, desenvolver o raciocínio espacial estimulando o raciocínio


geográfico por meio dos princípios geográficos é a grande contribuição da geografia para os
alunos da educação básica. Os princípios originalmente foram construídos pelos autores
clássicos da geografia27 e dão forma ao trabalho escolar dessa disciplina. Por isso, podem ser
considerados recursos que permitem operacionalizar os conceitos. Dessa forma, conhecer e
desenvolver os princípios que dão sustentação ao trabalho geográfico constitui prorrogativa

A discussão sobre a origem dos princípios será realizada no próximo subcapítulo 2.5 “A escala de análise
27

geográfica na sua relação com os princípios, categorias e conceitos da geografia”.


115

essencial para superar as aprendizagens tradicionais, que se centram ou na dimensão didático-


pedagógica ou metodológica.
A BNCC apresenta uma preocupação com o desenvolvimento do raciocínio como
um dos meios para exercitar o pensamento espacial; contudo, a geografia, pela complexidade
do seu objeto de investigação, só pode ser entendida como totalidade na articulação entre
pensamento e linguagem. O documento, todavia, não consegue superar essa perspectiva
fragmentária, pois ainda traz o entendimento do pensamento como o desenvolvimento
cognitivo e a linguagem como o desenvolvimento sensível do sujeito articulado à dimensão
do visível, no caso da geografia realizada por meio de mapas, imagens. Essa histórica
separação contribuiu para que a geografia se constituísse de forma fragmentada, privilegiando
as formas, por vezes as funções em detrimento das estruturas e processos. Tanto a linguagem
quanto o pensamento possuem características específicas que melhor possibilitam o seu
entendimento, mas ambas se desenvolvem mutuamente, pois é por meio da linguagem com o
mundo e com os outros seres humanos que os sujeitos produzem pensamento.
É preciso salientar, ainda, que a noção de pensamento espacial, como referência para
a geografia, não é unanimidade entre os pesquisadores da área do ensino. Copatti (2019)
diferencia pensamento espacial de pensamento geográfico. Para a autora, o pensamento
espacial é parte do pensamento geográfico, na medida em que a geografia se utiliza dele
“como um dos aspectos para a interpretação do espaço, contribuindo para estabelecer
raciocínios espaciais e geográficos” (p. 41). Assim, para a autora a geografia busca
desenvolver o pensamento geográfico:

Pelo entrelaçamento entre a percepção espacial/pensamento espacial (suas


dinâmicas, estrutura e escalas de análise), pela análise da realidade (das relações que
ocorrem no espaço) e pelo raciocínio geográfico, relacionando-se a partir de
determinados parâmetros – modos de compreensão – que serviram para a
interpretação do espaço e das interações que nele são vivenciadas. (COPATTI, 2019,
p. 41).

Esmiuçando esse entendimento da autora, o pensamento espacial refere-se às


diferentes interações que os sujeitos estabelecem com o espaço. A análise do
contexto/realidade implica a relação entre diferentes dimensões do espaço, considerando a
dimensão temporal. O raciocínio permite estabelecer teoricamente as relações com o
pensamento espacial e a análise do contexto. De acordo com a autora, o pensamento
geográfico constitui-se a partir de um conjunto de princípios, categorias, conceitos e métodos
que, constantemente, são construídos no campo científico a partir das diferentes percepções
116

do espaço. Esse pensamento está em constante mutação e é influenciado pelas formas de


linguagem (entendida como conjunto de conceitos, categorias e princípios) e pelo método
(estrutura teórico-metodológica, escala de análise, linguagem cartográfica).
No que se refere aos principais conceitos da geografia, esses estão diferenciados na
BNCC por níveis de complexidade: paisagem, lugar, região, território e espaço. Os conceitos
são desenvolvidos seguindo uma lógica dos níveis mais simples ao mais abstratos. Desse
modo, inicia-se trabalhando nos anos inicias do Ensino Fundamental com conceitos pautados
no domínio do visível, a exemplo o lugar e a paisagem, para, nos anos finais, trabalhar com
conceitos mais abstratos – território e região. Esse entendimento evidencia que a Base não
rompe com a perspectiva do ensino pautada nos currículos concêntricos, operando conceitos e
níveis de análise de forma fragmentada.
O currículo da disciplina de geografia está organizado em cinco unidades temáticas
comuns ao longo de todo o Ensino Fundamental. As unidades são grandes blocos temáticos
que organizam o conhecimento de cada disciplina. Essas unidades buscam o desenvolvimento
progressivo de habilidades, ou seja, o saber fazer, como pode ser observado no Quadro 21.

Quadro 21 – As unidades temáticas na Geografia


Unidades temáticas O que buscam desenvolver?
1. Sujeito e seu lugar no mundo • Noções de identidade e pertencimento no sentido da alteridade
(Anos iniciais).
• Expande o olhar para a relação do sujeito com contextos mais
amplos, considerando temas políticos, econômicos e culturais do
Brasil e do mundo (Anos finais).
• Constitui-se em uma busca do lugar de cada indivíduo no mundo,
ao mesmo tempo em que o situa em uma categoria mais ampla de
sujeito social: a de cidadão ativo.
2. Conexões e escalas • Articular de diferentes espaços possibilitando que os alunos
compreendam as relações existentes entre fatos nos âmbitos local e
global.
• A compreensão das interações multiescalares existentes entre sua
vida familiar, seus grupos e espaços de convivência e as interações
espaciais mais complexas.
• Desde o Ensino Fundamental – Anos Iniciais – as crianças
compreendem e estabelecem as interações entre sociedade e meio
físico natural.
• Nos anos finais – os alunos devem aprender a considerar as escalas
de tempo e as periodizações históricas, importantes para a
compreensão da produção do espaço geográfico em diferentes
sociedades e épocas.
3. Mundo do trabalho • O uso de diferentes materiais produzidos pelas sociedades em
diversos tempos.
• Incorpora-se o processo de produção do espaço agrário e industrial
em sua relação entre campo e cidade, destacando-se as alterações
provocadas pelas novas tecnologias no setor produtivo, fator
desencadeador de mudanças substanciais nas relações de trabalho,
na geração de emprego e na distribuição de renda em diferentes
escalas.
117

Unidades temáticas O que buscam desenvolver?


4. Formas de representação e • Anos Iniciais – exercício da localização geográfica para
pensamento espacial desenvolver o pensamento espacial, que, gradativamente, passa a
envolver outros princípios metodológicos do raciocínio geográfico,
como os de localização, extensão, correlação, diferenciação e
analogia espacial.
• Anos Finais – ler, comparar e elaborar diversos tipos de mapas
temáticos, assim como as mais diferentes representações utilizadas
como ferramentas da análise espacial.
5. Natureza, ambiente e • Busca-se a unidade da geografia, articulando geografia física e
qualidade de vida geografia humana.
• Anos Iniciais – destacam-se as noções relativas à percepção do
meio físico natural e de seus recursos, de como os seres humanos
se apropriam e os modificam.
• Anos Finais – essas noções ganham dimensões conceituais mais
complexas, de modo a estabelecer relações mais elaboradas,
conjugando natureza, ambiente e atividades antrópicas em distintas
escalas e dimensões socioeconômicas e políticas.
Fonte: BRASIL (2018, p. 362-364), organizado e adaptado por Alana Rigo Deon (2021).

As unidades temáticas são desdobradas por meio dos objetos de conhecimento que
constituem o arcabouço teórico para o desenvolvimento dos temas, conteúdos e conceitos
dessa disciplina. Cada objeto busca desenvolver determinadas habilidades, que são as
aprendizagens esperadas para cada disciplina em cada ano. Segundo o texto da Base, as
habilidades são iniciadas a partir de verbos que explicitam o processo cognitivo envolvido e o
que se espera que seja desenvolvido.
Concordamos com Callai (2017) ao analisar o parecer crítico da BNCC que as
unidades temáticas e sua organização ao longo dos anos iniciais e finais do Ensino
Fundamental não conseguem dar conta de propor a integração entre a geografia física e a
geografia humana no ensino da disciplina escolar. As unidades, por meio dos objetos de
conhecimento e habilidades, expressam uma divisão que pode, em muitos contextos de
ensino, engessar a proposição dos conteúdos e as perspectivas do como ensinar. Como esse
documento também orienta a produção de livros didáticos, corre-se o risco de suas
proposições de trabalho nesses materiais tirarem ainda mais a autonomia do professor, bem
como a especificidade dos contextos locais.
É importante evidenciar que cada ano/série de ensino apresenta um determinado
recorte espacial para a análise, sem muito considerar a sua relação com outros recortes e
fenômenos que nele se materializam. Nesse sentido chamamos atenção para o conceito de
escala de análise, nosso objeto de investigação neste estudo, pois, da forma como é
apresentado, não permite romper com a lógica dos círculos concêntricos como discutem as
pesquisas sobre ensino de geografia. Além disso, não são definidos autores e abordagens que
sustentam teoricamente o conceito de escala, o que pode ocasionar um entendimento errôneo,
118

haja vista a polissemia de significados que esse termo abrange. Ainda, salienta-se que a
articulação entre escalas não se restringe apenas ao local e ao global, mas ao mundo dos
homens e sua relação entre si e com a natureza.
No que se refere especificamente aos anos iniciais do Ensino Fundamental, também
nosso objeto de investigação, a BNCC descreve que essa etapa precisa partir do que as
crianças aprenderam na Educação Infantil. As crianças desenvolvem conhecimentos
sistemáticos a partir da sua articulação com os saberes do mundo da vida. Nessa direção, a
geografia nos anos iniciais pode tornar mais significativo o processo de alfabetização,
fazendo, em consonância com isso, a leitura e a percepção da realidade do mundo.
Para que esse conhecimento se desenvolva é preciso que as crianças nos anos iniciais
do Ensino Fundamental (1° ao 5° anos) sejam desafiadas a responder algumas questões acerca
de si, da sua família, pessoas e objetos: “Onde se localiza? Por que se localiza? Como se
distribui? Quais são as características socioespaciais?” (BRASIL, 2018, p. 367). Segundo
Broek (1981), essas perguntas são a chave para o desenvolvimento do trabalho com a
geografia, e ressalta que o seu valor como disciplina escolar está na inter-relação dos
fenômenos que ocorrem no mundo.

Quadro 22 – Perguntas-chave para o desenvolvimento da Geografia nos anos iniciais


Onde se localiza? É uma indagação que a leva a mobilizar o pensamento
espacial e as informações geográficas para interpretar as
paisagens e compreender os fenômenos socioespaciais,
tendo na alfabetização cartográfica um importante
encaminhamento.
Por que se localiza? Permite a orientação e a aplicação do pensamento espacial
em diferentes lugares e escalas de análise.
Como se distribui? É uma pergunta que remete ao princípio geográfico de
diferenciação espacial, que estimula os alunos a entender o
ordenamento territorial e a paisagem, estabelecendo
relações entre os conceitos principais da geografia.
Quais são as características socioespaciais? Permite que reconheçam a dinâmica da natureza e a
interferência humana na superfície terrestre, conhecendo
os lugares e estabelecendo conexões entre eles, sejam
locais, regionais ou mundiais, além de contribuir para a
percepção das temáticas ambientais.
Fonte: BRASIL (2018, p. 367-368), organizado por Alana Rigo Deon (2021).

Conforme a BNCC, a ênfase nos lugares de vivência possibilita o desenvolvimento


das noções de pertencimento, localização e distribuição dos fenômenos no espaço. “Mas o
aprendizado não deve ficar restrito apenas aos lugares de vivência. Outros conceitos
119

articuladores, como paisagem, região e território28, vão se integrando e ampliando as escalas


de análise” (BRASIL, 2018, p. 368). Assim, para compreender como há o desenvolvimento
desse entendimento, analisei a proposição da BNCC para cada ano, tendo como referência as
unidades temáticas, os objetos de conhecimento e as habilidades. Na análise foram
evidenciados como articulam a escala de análise, as relações sociedade-natureza e a utilização
dos princípios geográficos.

Quadro 23 – Análise acerca das unidades temáticas da Geografia na BNCC


Anos Análise
1° Ano No primeiro ano a geografia desenvolvida tem relações diretas com as vivências dos estudantes, o estímulo de
suas percepções e a leitura da paisagem local. Em termos de dimensões escalares trabalha-se o eu e a vivência
na minha casa, escola ou mesmo lugares em que os alunos frequentam. Não há o encaminhamento para um
trabalho mais efetivo com os conceitos como região, território ou espaço, de forma a avançar o conhecimento,
fazendo a sua relação com outros níveis escalares. A escala de análise possibilita a articulação entre níveis e
objetos e, quando trabalhada nesse sentido, possibilita caminhos para superar a fragmentação do
conhecimento.
Ainda não apresenta uma totalidade de entendimento entre a relação e a manifestação dos fenômenos físicos e
humanos; por exemplo: os fenômenos humanos como casas, moradias, usos dos espaços públicos, ainda
trazem um entendimento dissociado das relações de tempo e clima.
Outros conceitos desenvolvidos: usos dos espaços públicos (praças, parques), tipos de moradia, regras de
convivência, ritmos naturais (dia e noite, variação de temperatura e umidade, características de seus lugares de
vivência relacionadas aos ritmos da natureza (chuva, vento, calor, etc.).
No que se refere aos princípios geográficos: semelhanças e diferenças (que remetem à diferenciação e à
analogia) e localização; de forma indireta utiliza-se o princípio da ordem quando busca desenvolver a noção de
regras de convivência, conexão.
2° Ano No segundo ano a geografia avança em termos de níveis de análise para uma percepção ampla do bairro. Há
uma maior tentativa de integração entre fenômenos físicos e humanos quando, por exemplo, se busca
“Relacionar o dia e a noite a diferentes tipos de atividades sociais”, “Comparar diferentes meios de transporte
e de comunicação, indicando o seu papel na conexão entre lugares, e discutir os riscos para a vida e para o
ambiente e seu uso responsável”. Nessa série os alunos são estimulados ao desenvolvimento da leitura da
paisagem a partir de suas semelhanças e diferenças: migrações, costumes e tradições, meios de transporte e
comunicações, tipos de trabalhos: atividades extrativas (minerais, agropecuárias e industriais), recursos
naturais: solo, água.
No que se refere aos princípios geográficos: semelhanças e diferenças (que remetem à diferenciação e
analogia), permanências, localização, posição, conexão.
Os verbos das habilidades são descrever, comparar, reconhecer, identificar.
3° Ano A geografia do terceiro ano avança para o trabalho em níveis de análise em termos da cidade e do campo. Para
desenvolver o trabalho pauta-se no desenvolvimento da leitura da paisagem no que se refere à produção do
trabalho humano e sua interferência na natureza. Trata de cultura e modos de vida, ressaltando os diferentes
meios de produção na cidade e no campo e a consciência ambiental.
No que diz respeito aos princípios geográficos: conexão, diferenciação, analogia.
Os verbos são identificar, reconhecer, comparar.
4° Ano A geografia do quarto ano trabalha com o nível territorial, por vezes regional. Destaca-se a discussão sobre as
migrações e sua influência na cultura brasileira. Relação campo e cidade, fluxos econômicos, relações de
trabalho. Produção, circulação e fluxo de mercadorias, mas a discussão concentra-se no município, seus
limites territoriais, fronteiras, gestão do município.
Os princípios são: extensão, diferenciação, conexão, localização, analogia.
Os verbos mais utilizados são: descrever, identificar, distinguir, comparar, reconhecer, todos vinculados à
dimensão do visível.
5° Ano A geografia do quinto ano aprofunda a análise do território. Articula-se a discussão à dinâmica populacional,
migrações, relações étnico raciais, étnico-culturais e desigualdades sociais. Destaca-se as categorias formas e
funções das cidades, suas interações entre a cidade e o campo e entre cidades na rede urbana, a tecnologia na
indústria e no campo, meios de transporte, comunicação e questão ambiental. Os princípios são: conexão,
diferenciação.
Os verbos utilizados são: identificar, analisar, reconhecer, comparar, descrever.
Fonte: BRASIL (2018), organizado por Alana Rigo Deon (2021).

28
Nota-se que o conceito de espaço não é mencionado no sistema de escalas.
120

Em um aspecto geral, a BNCC segue as concepções das políticas que a embasam


quando as habilidades pouco encaminham para o entendimento do espaço em sua totalidade a
partir do exercício crítico e reflexivo na disciplina de geografia. Isso fica claro ao analisar-se os
verbos que compõem as habilidades geralmente referidas, como observar, descrever, identificar,
reconhecer, comparar. Quase não há verbos que encaminham à compreensão ou entendimento de
determinado tema de investigação. Verbos que envolvem domínio abstrato do conhecimento,
como compreensão e entendimento, não são tratados mesmo no quarto e quinto ano do Ensino
Fundamental. É importante compreender que atividades como observar e descrever só produzirão
avanço no conhecimento se mediadas desde conceitos e princípios na sua relação, caso contrário
ainda estaremos produzindo um ensino sem significado para a vida do estudante. Para que o
conhecimento construído seja significativo ele precisa fazer a relação entre a linguagem e o
pensamento, e isso envolve a relação entre o domínio do visível e o abstrato.
Tomando por base as discussões realizadas até aqui, o próximo subcapítulo busca
reunir os elementos que considero essenciais para o trabalho com a escala de análise
geográfica para pensar em possibilidades metodológicas de operacionalizar esse conceito na
geografia escolar. Nesse sentido, capturo do movimento realizado as discussões que considero
significativas e que podem contribuir com o uso efetivo desse conceito em sala de aula.

2.5 A ESCALA DE ANÁLISE GEOGRÁFICA NA SUA RELAÇÃO COM OS


PRINCÍPIOS, CATEGORIAS E CONCEITOS DA GEOGRAFIA

As discussões elucidadas até o momento permitem-nos pensar a possibilidade de


relação entre a escala de análise geográfica com os princípios, categorias e conceitos da
geografia. Para traçar esse entendimento, recorro aos itens já discutidos neste capítulo 2, em
especial o 2.1, que trata a escala geográfica a partir de uma perspectiva dialética, assumindo a
tríplice dimensão do espaço e permitindo a relação entre conceitos e níveis de análise. Já o
item 2.2 possibilita-nos pensar a escala a partir das categorias do método na sua articulação
com os conceitos básicos da geografia, e o item 2.4 traz o entendimento dos princípios do
raciocínio geográfico como possibilidades de operacionalizar os conceitos da geografia. Com
essas referências temos base para pensar como esses elementos, juntos, podem ser
operacionalizados na geografia escolar.
Para a compreensão aqui proposta, primeiramente é necessário diferenciar a
compreensão de princípios, conceitos e categorias, haja vista que cada um deles contribui de
diferentes formas para a análise do espaço. Para Japiassú e Marcondes (2001, p. 156), os
121

princípios são uma “lei geral que explica o funcionamento da natureza, e da qual leis mais
específicas podem ser consideradas casos particulares”. Para Sposito (2004), diferente dos
princípios, os conceitos são considerados elaborações teóricas constituídas por uma referência
inicial (científica ou filosófica), organizados por meio da descrição de um fenômeno, e surgem do
interior da linguagem humana, expressando o sentido de um determinado fenômeno. Já as
categorias são frequentemente utilizadas como sinônimo de conceitos, contudo elas funcionam
como elementos epistemológicos que permitem, em associação com o método, desenvolver um
conjunto de conceitos. Assim, conceitos e categorias são abstrações do pensamento, fruto de
elaborações teóricas sobre determinados fenômenos pautados pelo crivo do método científico.
Como, porém, cada um desses elementos pode tornar-se uma ferramenta importante para a análise
do espaço?
Desde que o mundo é mundo há uma tentativa de explicar o porquê dos fenômenos
que nele ocorrem. Na geografia, muitas das respostas foram encontradas com base nas
pesquisas de campo a partir de observação sistemática e descrição dos fenômenos. Esses
foram os procedimentos utilizados nas pesquisas dos autores clássicos da geografia; dentre
eles destacam-se: Kant, Humboldt, Ritter, Ratzel, La Blache, Brunhes, Hartshorne, entre
outros. Cada um a seu modo encontrou, em princípios lógicos e conceitos, a tentativa de
melhor entender um determinado recorte do espaço. Como exemplo temos Kant, que
privilegiou os estudos a partir dos conceitos de espaço e tempo; Humboldt e Ritter com os
conceitos de paisagem e região; Ratzel com o conceito de território; La Blache que retoma as
discussões sobre a paisagem; e Hartshorne estuda o método regional.
Esses autores, como vimos no subcapítulo 1.4, com seus escritos formulam um
conjunto de conceitos que constituem a base teórico-metodológica da geografia. Apesar das
mudanças ocorridas no mundo, esses conceitos ainda formam a base de entendimento dessa
ciência e da geografia escolar. Vejamos o Quadro 24, que traz uma síntese de entendimento
acerca dos conceitos geográficos.

Quadro 24 – Síntese de entendimento acerca dos conceitos geográficos


Conceito Síntese
Espaço Considerado uma totalidade, pois congrega três dimensões em uma só: absoluta, relativa e relacional.
Território Expresso por um limite territorial socialmente definido por meio da sua extensão. Congrega relações de
poder e um sentimento de pertencimento.
Região Traz características gerais e específicas, frutos das diferentes paisagens, culturas e identidades,
considerando os diversos tempos.
Paisagem Retrato de um determinado lugar concretizado num espaço e tempo. Materialização do que é visível por
meio das formas.
Lugar Também conhecido como espaço vivido. Geralmente próximo do sujeito que fala. Pode-se desenvolver
no lugar um sentimento de pertencimento ou mesmo fobia a ele (Topofilia e Topofobia).
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
122

O espaço seria o conceito-chave da geografia, pois integra todos os conceitos


formulados pelos autores clássicos. O espaço, nesse sentido, é entendido como totalidade, ou,
na definição de Santos (2014b), o espaço é o palco onde ocorrem os movimentos/ações
cotidianos e também o local onde se materializam as diferentes formas, ou seja, objetos fixos
do espaço (casas, fábricas, igrejas), que são resultado da materialização da vida humana, da
cultura e dos interesses da sociedade. O espaço, porém, também pode ser ator, isto é, que o
que modifica e é modificado pela vida humana e pelos próprios movimentos e ciclos naturais.
Nessa perspectiva, o espaço possui forças que interferem nas formas e as produzem de
diferentes maneiras em cada lugar do espaço.
A partir desse entendimento, assumimos a compreensão de que cada recorte do
espaço (lugar, território, região, paisagem) produz ações que impactam no todo, bem como
percebemos que as ações globais têm efeitos nos diversos recortes. Desse modo, o espaço é
um todo inter-relacionado constituído por diversas partes que privilegiam, cada uma a seu
modo, uma forma específica de analisar a realidade. Articulados aos conceitos estão os
princípios, também construídos na geografia clássica, e por muito tempo os princípios
organizaram e estruturaram o trabalho geográfico, pois constituíram “a base lógica da
construção da representação geográfica de mundo” (MOREIRA, 2015, p. 118). Eles
fundamentaram-se nas pesquisas e trabalhos de campo desenvolvidos pelos precursores da
geografia. A ideia de princípio constitui a base de toda a produção científica moderna. Em
Descartes também encontramos princípios que fundamentam o método cartesiano, os quais
foram responsáveis por assegurar a veracidade do estudo. Assim, podemos afirmar que os
princípios organizam a produção de conhecimento, pois funcionam como leis gerais que
permitem o entendimento dos fenômenos.
Para Andrade (1992, p. 6), os princípios seriam a forma de dar à Geografia “uma
certa independência frente à História e às Ciências Naturais, fornecendo os alicerces para o
pensamento geográfico atual, para a verdadeira Nova Geografia”. Os princípios, mesmo
sendo criados sob a égide empirista, quando aliados à escala de análise geográfica podem
ajudar a superar os reducionismos que fragmentam o espaço em físico e humano e em recortes
espaciais. Mesmo os princípios tendo sido criados sob a orientação do método positivista, eles
não são apenas físicos, mas também sociais. Os princípios dão forma aos conteúdos e os
conectam, buscando uma melhor compreensão dos fenômenos a serem conhecidos.
Consoante Santos (2004, p. 45), os primeiros geógrafos modernos, dentre eles
Humboldt, Ritter, La Blache, Ratzel e Brunhes, eram geógrafos principistas, “que buscavam
123

encontrar leis e princípios que norteassem a disciplina geográfica nascentes como disciplina
moderna”.
Andrade (1992) e Moraes (2007) sintetizam os princípios dos autores, como vemos
no Quadro 25.

Quadro 25 – Princípios da Geografia clássica


Princípios Autor Característica
Princípio da Friedrich Ratzel Existem diferenças entre climas, montanhas, biomas;
diferenciação “povos e civilizações resultaram deste relacionamento
através dos tempos” (ANDRADE, 1992, p. 85).
Princípio da extensão Friedrich Ratzel O autor, ao estudar o Estado em sua geografia política,
admitiu “que este é a sociedade organizada dominando
um território; desse modo, a dominação do território
caracteriza o Estado, dependendo a sua importância da
extensão e da situação do território ocupado. Na sua
teoria política, as noções de espaço e de posição têm a
maior importância. O progresso ou a decadência de um
Estado dependeria de sua capacidade de expansão –
ampliação do território sob seu domínio ou de redução –
diminuição do território dominado” (ANDRADE, 1992,
p. 85).
Princípio da analogia Karl Ritter Procurou explicar a evolução da humanidade ligando-a
(Geografia geral) às relações entre o povo e o meio natural, fazendo,
sobretudo, a descrição da sociedade; [...] admitiu que o
todo era formado pela soma das partes e que da soma
das partículas locais se poderia partir para a formulação
de leis gerais, válidas para toda a superfície da Terra
(ANDRADE, 1992, p. 82-83).
Princípio da Alexander Von Comparando a distribuição do relevo, do clima e das
causalidade Humboldt associações vegetais em várias latitudes, Humboldt
analisou a interação entre estes elementos, estabelecendo
causas e efeitos, o que o levou à formulação do princípio
da causalidade (ANDRADE, 1992, p. 82).
Princípio da Jean Brunhes “Todos os elementos da superfície terrestre e todos os
conexidade lugares se inter-relacionam” (MORAES, 2007, p. 42).
Princípio da atividade Jean Brunhes “Tudo na natureza está em constante dinamismo”
(MORAES, 2007, p. 42).
Unidade terrestre Paul Vidal de La A Terra é um todo, que só pode ser compreendido numa
Blache visão de conjunto (MORAES, 2007, p. 42).
Princípio da Paul Vidal de La Buscou entender como se distribuem os fenômenos no
distribuição Blache espaço, explicando as diferenças e contrates existentes
entre eles.
Princípio da Karl Ritter “Cada lugar tem uma feição, que lhe é própria e que não
individualidade se reproduz de modo igual em outro lugar” (MORAES,
2007, p. 42).
Fonte: ANDRADE (1992); MORAES (2007), organizado por Alana Rigo Deon (2021).

Já para Moreira (2015, p. 117), os princípios são definidos como lógico-operacionais,


pois permitem a tradução do conceito para a prática. Para o autor, “tudo na Geografia começa
com princípios lógicos”; são eles: localização, distribuição, distância, extensão, posição,
escala, como vemos a seguir:
124

Primeiro é preciso localizar o fenômeno na paisagem. O conjunto das localizações


dá o quadro da distribuição. Vem, então, a distância entre as localizações dentro da
distribuição. E com a rede e conexão das distâncias vem a extensão, que já é o
princípio da unidade do espaço (ou do espaço como princípio da unidade). A seguir
vem a delimitação dos recortes dentro da extensão, surgindo o território. E, por fim
do entrecruzamento desses recortes, surge a escala e temos o espaço constituído em
toda a sua complexidade. (MOREIRA, 2015, p. 117).

O entendimento proferido por Moreira (2015) é fundamental, porque nos possibilita


pensar que os princípios tornam operacional o uso da escala no ensino de geografia, pois são
eles que possibilitam o entrecruzamento de recortes espaciais e fenômenos que se
materializam nesses recortes. Alargando a visão proposta pelos autores clássicos da geografia,
um grupo de pesquisadores espanhóis recuperou as discussões sobre os princípios e propôs
um novo modelo para o ensino de Geografia e história (GARCÍA RUIZ, RASO SANCHÉZ,
2008; GARCÍA RUIZ, JIMÉNEZ, 2006). Para García Ruiz (2012, p. 49), “os princípios são
ferramentas, instrumentos de observação, análise, reflexão e compreensão. São parte da
natureza intrínseca dos fenômenos e acontecimentos. Se referem tanto a fenômenos físicos e
naturais como sociais e espirituais”. Os princípios estão na base, origem e fundamentação da
ciência, mas ganham essa conotação de científico-didáticos por congregarem uma base
conceitual e metodológica para o ensino dessas disciplinas. Nesse sentido, os princípios
possibilitam um entendimento relacional do mundo a partir da relação entre escalas: local-
global, concreto-abstrato, perto-longe, subjetivo-objetivo [...] (Ibidem, 2012). Os princípios
propostos pelos autores são descritos no quadro 26.

Quadro 26 – Princípios científico-didáticos


Princípios Questões fundamentais
1. Universalidade Nada que fazemos está alheio ao mundo. Tudo que fazemos
repercute em todos.
2. Espacialidade Onde ocorre? Onde ocorreu?
3. Temporalidade Quando ocorre? Quando ocorreu?
4. Conflito-consenso ou modalidade Como ocorre? Como ocorreu?
5. Atividade, evolução, mudança e Como evolui? Como evoluiu?
continuidade
6. Intencionalidade O que pensavam? O que pretendiam?
7. Interdependência O que/quem intervém/interveio?
8. Causalidade Por que acontece/aconteceu?
9. Identidade Quais foram suas características essenciais?
10. Relatividade Todos possuem distintos modos de ler e interpretar o mundo.
Fonte: GARCÍA RUIZ; RASO SÁNCHEZ (2008).

Esse conjunto de princípios geográficos também é recuperado no novo documento


que organiza os currículos da educação básica brasileira – a Base Nacional Comum Curricular
125

(BNCC) –, como vimos no item 2.4 desta pesquisa. Na BNCC os princípios são a grande
contribuição da geografia para a educação básica, pois ajudam a desenvolver o raciocínio
espacial estimulando o raciocínio geográfico. Para tanto, é necessário, como expresso no
documento, assegurar o desenvolvimento dos conceitos e categorias de análise que permitem
o domínio do conhecimento dos fenômenos em diversas situações geográficas. Essas
situações podem ser tanto da vida cotidiana quanto do mundo como um todo, por exemplo: “a
desigualdade dos usos dos recursos naturais pela população mundial; o impacto da
distribuição territorial em disputas geopolíticas; e a desigualdade socioeconômica da
população mundial em diferentes contextos urbanos e rurais” (BRASIL, 2018, p. 361).
Ainda para a compreensão aqui proposta, é necessário mencionar as categorias
propostas por Santos (2014a), que considero importantes para um trabalho efetivo com o uso
da escala. As categorias são: forma, função, estrutura e processo. Elas dão formato para o
método geográfico, considerado a forma geográfica para trabalhar e analisar a realidade. Os
fundamentos apresentados evidenciam a possibilidade de relação entre conceitos, categorias e
princípios para o trabalho com a escala de análise geográfica, permitindo uma abordagem
para o ensino de geografia que considera o espaço uma totalidade, mas, ao mesmo tempo, não
exclui a especificidade das partes que constituem o seu todo, ou seja, as categorias lugar,
paisagem, região, território e os fenômenos que nelas se materializam. Esses fenômenos dão
dinamicidade ao espaço e são responsáveis pela sua transformação ao longo do tempo.
Tendo claro esses entendimentos, compreendemos que a escala de análise geográfica
pode ser uma medida que confere visibilidade aos fenômenos geográficos, pois ela verifica a
manifestação da sua ocorrência no espaço. A escala é um ponto de partida para a análise do
espaço nos estudos da geografia, uma vez que, além de dar visibilidade ao recorte espacial de
ocorrência do fenômeno, seja ele o lugar/território/região/paisagem, também permite que a
análise dos fenômenos (físico-naturais, sociais, políticos/econômicos, culturais) que ocorrem
nesse recorte não fique restrita ao âmbito em que estão ocorrendo, possibilitando análises
mais complexas. Assim, a escala, em conjunto com as categorias, princípios e conceitos,
constitui a base teórico-metodológica da geografia a partir da qual podemos discutir os
fenômenos espaciais pelo uso da escala geográfica, pois a sua constante interação possibilita
pensar de forma mais efetiva a realidade.
Desse modo, afirmo que a escala, parafraseando Morin (2003), busca integrar a parte
ao todo e, aliada às categorias, princípios e conceitos, constitui uma base que permite
operacionalizar o uso da escala. A compreensão dessa proposição de forma mais efetiva é
realizada no capítulo a seguir.
126

3 ESCALA GEOGRÁFICA COMO POSSIBILIDADE DE MÉTODO DE ANÁLISE


NA GEOGRAFIA ESCOLAR: A RELAÇÃO ENTRE PENSAMENTO E
LINGUAGEM

Este capítulo busca costurar fios traçados nos capítulos anteriores para pensar o
trabalho com a geografia escolar de forma mais integrada. Deste modo, proponho pensar um
ensino e aprendizagem em geografia a partir da relação entre pensamento e linguagem pelo
uso da escala geográfica, tendo como referência o tema cidade, ao mesmo tempo em que
elaboro uma proposta de análise crítica do LD para entender como a escala é trabalhada nesse
material. Se ao longo de todo o processo de sistematização e constituição da geografia ela
estrutura-se de forma fragmentada, a partir do dualismo sujeito e objeto, chancelada pelo
método, proponho refletir acerca de uma geografia escolar que possa ser ensinada e entendida
em sua totalidade. Para isso, busco pensar por meio da geografia a relação entre pensamento e
linguagem, no sentido de fundamentar o entendimento da escala geográfica para além de uma
ferramenta teórico-metodológica, mas como um o método de ensino para a geografia escolar.

3.1 A LINGUAGEM E O PENSAMENTO NA ARTICULAÇÃO ENTRE OS CONTEÚDOS


DE ENSINO DA GEOGRAFIA E O MUNDO DA VIDA

Como vimos no início do capítulo 1, a relação entre pensamento e linguagem é


fundante para o desenvolvimento do sujeito singularizado, mas também possibilita conhecer
com mais profundidade o mundo. Um mundo que já não é mais natural, ou seja, apenas
objeto, mas cada vez mais social, pois é resultado da produção humana a partir das condições
técnicas desenvolvidas em diferentes espaços e tempos que se materializam de distintas
formas nos mais diversos lugares. Essa relação que se dá de maneira intersubjetiva entre
natureza e sociedade, não nos permite mais dissociá-las no entendimento do mundo. Assim,
entender a complexidade desse movimento exige cada vez mais modos integradores de
conhecimento, constituídos na educação escolar por meio da articulação entre os
conhecimentos tematizados e o mundo da vida.
Esse entendimento articula-se aos estudos de Milton Santos na geografia, que
propõem o espaço como objeto de estudo da ciência, tratando-o em sua totalidade. Esse
conceito é a referência para pensar a geografia escolar, considerada uma disciplina autônoma,
fruto da criação da própria instituição escolar – que possui referência teórica na geografia
127

acadêmica, nas políticas educacionais e também nos livros didáticos, como observado no
capítulo 1.
Uma disciplina, contudo, não se constitui apenas de uma linguagem específica
materializada em métodos, conceitos e princípios, mas de estratégias didático-pedagógicas em
que se dimensionam os sentidos políticos e sociais da educação e instrumentais
metodológicos que se colocam em prática as dimensões anteriores. A geografia escolar, então,
ao ter o espaço como seu objeto de estudo, precisa encontrar referenciais metodológicos para
que cada uma de suas partes seja entendida sem perder de vista o seu entendimento de
totalidade. O espaço traz em si histórias materializadas de diversos tempos, os feitos atuais
das pessoas e também se constitui como palco onde acontecem os fatos sociais. Esse é o
pressuposto básico para que a leitura do espaço seja desenvolvida, sendo necessário dotar os
estudantes de recursos intelectuais que possam explicar o constante dinamismo do mundo,
tendo como referência as situações cotidianas. Desenvolver a leitura do espaço exige que haja
uma unidade entre linguagem e pensamento, e a aposta nesse processo constitui-se a partir da
“tradução de conceitos reconhecidos no estado atual das ciências para o nível das práticas
sociais contextualizadas e conjunturais” (MARQUES, 1995, p. 118).
Para que essa unidade seja desenvolvida de forma sistemática, chamamos atenção ao
papel da escola e das disciplinas escolares, pois elas são as ferramentas que os professores têm
para ajudar os estudantes a estabelecer relações intersubjetivas no mundo. Assim, as disciplinas
escolares são um meio pelo qual os estudantes podem se desenvolver intelectualmente, pois
reúnem um conjunto de conteúdos, conceitos e categorias de análise que, ao serem construídos no
diálogo intersubjetivo com o mundo da vida, possibilitam tematizá-lo e compreendê-lo. Dessa
forma, é importante ter claro que os estudantes possuem conhecimentos que são oriundos da sua
vivência cotidiana e, ao serem relacionados aos conceitos científicos, possibilitam um novo olhar
sobre o mundo.
Para Young (2011, p. 615), os “conceitos cotidianos são ‘captados’
inconscientemente por todos em suas vidas diárias e são adquiridos pela experiência de
formas ad hoc para propósitos específicos, relacionados com problemas particulares, em
contextos particulares”. Os conceitos teóricos, então, “pertencem apenas a um mundo
específico, constituído por pesquisadores especialistas envolvidos em desenvolver
conhecimento novo” (Ibidem, 2011). As disciplinas reúnem, portanto, um conjunto de
conhecimentos essenciais para que possamos entender a dinâmica sociocultural em que
vivemos. Sobre isso, Young, com base em Charlot (2009), chega à conclusão de que os
professores possuem duas tarefas pedagógicas essenciais: a primeira é ajudar os estudantes a
128

fazerem a relação com os conceitos das diferentes disciplinas, que constituem o currículo com
suas vidas cotidianas, e a segunda é ajudar os estudantes a construir os conceitos, que não
possuem relação com a sua experiência ou não se relacionam diretamente com ela.
Nesse sentido, os conteúdos e conceitos constituem-se como eixo central das
disciplinas escolares e do currículo, pois são abstrações que explicam, de uma forma geral, as
questões do mundo, e os professores têm a atribuição, por intermédio do seu trabalho
pedagógico, de fazer a relação entre o conteúdo das disciplinas e o conhecimento cotidiano
dos estudantes. Como o mundo está sempre em movimento, esses conceitos e as práticas
pedagógicas dos professores não podem ser estáticos; eles precisam evoluir, mas sem deixar
de carregar as marcas históricas do conhecimento que os antecedeu. Segundo Young (2011),
as mudanças nos conteúdos das disciplinas ocorrem com referência ao avanço da ciência e por
pressões políticas. Assim, as disciplinas assumem uma tríplice dimensão: um papel teórico,
pois elas garantem, por meio de um conjunto de especialistas, a produção de novos
conhecimentos, possibilitando que os estudantes possam ter acesso a eles de forma confiável;
um papel pedagógico, pois oferecem possibilidades para que os alunos consigam traduzir
esses conceitos em suas práticas cotidianas; e, por fim, as disciplinas oferecem uma base para
que os estudantes possam analisar e entender o mundo de forma a contribuir com o seu
exercício da cidadania.
Por esse ângulo, afirma Young (2011, p. 615):

As escolas são lugares onde o mundo é tratado como um “objeto de pensamento” e


não como um “lugar de experiência”. Disciplinas como história, geografia e física
são as ferramentas que os professores têm para ajudar os alunos a passarem da
experiência [...] “formas mais elevadas de pensamento”. As disciplinas reúnem
“objetos de pensamento” como conjuntos de “conceitos” sistematicamente
relacionados. [...] É importante que os alunos não confundam a Londres de que fala
o professor de geografia com a Londres onde vivem. Até certo ponto, é a mesma
cidade, mas o relacionamento do aluno com ela, nos dois casos, não é o mesmo. A
Londres onde vivem é um “lugar de experiência”. Londres como exemplo de uma
cidade é um “objeto de pensamento” ou um “conceito”.

A escola ensina conceitos que, muitas vezes, já fazem parte da vida cotidiana dos
estudantes, quando observam o lugar em que vivem, a natureza, o clima, a vegetação, os
limites da sua casa com a do vizinho, os costumes das pessoas com quem convivem, as
diferentes moradias dos bairros, o tamanho das propriedades rurais, os caminhos que precisam
percorrer para ir de casa à escola, entre outros. Assim, mesmo inconscientemente, os
estudantes já possuem uma base geográfica oriunda da experiência cotidiana com a sua
família, grupo de iguais e lugares que convive. Esses conceitos podem ser uma poderosa
129

ferramenta para que os estudantes consigam construir uma aprendizagem significativa. Por
isso, é necessário que o professor consiga ajudá-los a fazer essa relação.
Entra aí o papel da escola e da geografia na busca pela articulação dos sentidos já
construídos sobre o mundo pelo sujeito no diálogo com os conceitos abstratos da geografia.
Ao ser realizada é possível que os sujeitos possuam novas percepções sobre seus saberes
iniciais oriundos das situações vividas em seu mundo da vida. Buscando definir nosso
entendimento a respeito do mundo da vida, aportamos em Marques (1995, p. 19), que o
entende como a anterioridade primeira, “onde se alicerçam as aprendizagens e se efetivam e
onde radica, em sua unidade, o processo de socialização/individuação e da singularização do
sujeito”. O mundo da vida é o mundo da experiência. É nele que sujeitos iniciam os primeiros
contatos com os lugares por meio das percepções, sensações e ações. Essas percepções e
saberes são iniciados desde os primeiros anos de vida do sujeito e estão condicionados à
cultura em que vive.
Nesse contexto insere-se o conceito de lugar na geografia, que carrega as marcas do
mundo da vida, que é onde se fazem concretas as relações com o mundo objetivado, mesmo
que de forma não tematizada. Geograficamente, o lugar situa-se em uma dada localização do
espaço e, como um recorte de análise, carrega as marcas do mundo global. O lugar é onde as
pessoas vivem e constituem representações do mundo, mesmo que empiricamente, e essas
representações vão tornando-se mais complexas à medida que são introduzidos os conteúdos e
conceitos de ensino.

Compreender o lugar em que se vive encaminha-nos a conhecer a história do lugar e,


assim, a procurar entender o que ali acontece. Nenhum lugar é neutro, pelo
contrário, os lugares são repletos de história e situam-se concretamente em um
tempo e em um espaço fisicamente delimitado. As pessoas que vivem em um lugar
estão historicamente situadas e contextualizadas no mundo. Assim, o lugar não pode
ser considerado/entendido isoladamente. O espaço em que vivemos é o resultado da
história de nossas vidas. Ao mesmo tempo em que ele é o palco onde se sucedem os
fenômenos, ele é também ator/autor, uma vez que oferece condições, põe limites,
cria possibilidades. (CALLAI, 2005, p. 236).

As marcas do lugar em que o sujeito vive constituem as referências para a produção do


conhecimento. Assim, o lugar é a base de entendimento para que se construam novos sentidos
sociais e culturais sobre o mundo. Para Marques (1995), é no constante confronto “do eu com o
outro”, com o “mundo da vida” e com o “mundo social e cultural”, que a aprendizagem
transcende a mera “conformação ao que existe”; ela se torna uma “reconstrução
autotranscendente”, que pode ser ampliada e ressignificada de acordo com cada sujeito e seu
130

contexto psíquico, social e cultural. Nessa direção, podemos afirmar que a aprendizagem se dá na
intersubjetividade das relações humanas e na vivência nos distintos contextos e espaços sociais.
O lugar, também conhecido como mundo da vida, na geografia é permeado por um
sítio, ou seja, uma localização específica na superfície terrestre, que condiciona a esse sítio
características que lhe são específicas. Nesse contexto, é possível afirmar que o lugar
congrega marcas específicas da localização em que se situa, com características físicas, mas
também marcas daqueles que ali vivem por meio de sua cultura e formas de vida. Esse sítio,
porém, está condicionado a situações que são as inter-relações estabelecidas entre esse lugar
com outros, pois nada ocorre de forma isolada no mundo. Esse entendimento torna impossível
separar o físico do humano na compreensão do espaço, pois o mundo que se materializa no
lugar ou no mundo da vida é uma unidade.
Concordamos, então, com Marques (1995, p. 26), quando entende que “o gênero
humano se autoconstitui em sociedade, onde os processos incessantes do mundo da vida se
erigem em sistemas de pensamento, de ação e de aprendizagem”. É, pois, a partir das relações
estabelecidas entre o ser humano com o lugar, e deste com o mundo, que há a possibilidade de
entendê-lo tanto para poder dominá-lo quanto para nele melhor poder viver. Essa constitui-se
a premissa básica para o desenvolvimento de um conjunto de conhecimentos, signos e regras
que expressam diferentes formas interpretativas do mundo. Com base nesse pressuposto,
fundam-se as ciências, cada qual com objetos de conhecimentos próprios, que avançaram no
desenvolvimento desse conjunto de signos que permitiram tematizar (explicar) o mundo. Na
medida em que esses conhecimentos se especializam, tornam-se disciplinas e conteúdos e
passam a ser referência para o trabalho escolar.
É nesse contexto que emerge a escola como um lugar de expressão universal dos
conhecimentos produzidos ao longo do tempo, e se torna um “lugar social das aprendizagens
intencionadas e sistemáticas” (MARQUES 1995, p. 10), ou seja, as aprendizagens que não
podem ser oportunizadas por outras instituições sociais. A escola é o meio pelo qual as novas
gerações não precisem começar do zero, pois ela traduz os conhecimentos historicamente
produzidos pelas teorias advindas das ciências de alta complexidade ao nível das práticas
cotidianas. Para o autor supracitado: “[...] toda aprendizagem só é efetiva e eficaz à medida
que se finalize na tradução de seus conteúdos ao nível das práticas cotidianas dos indivíduos e
grupos, pelas quais o mundo da vida se reconstrói no horizonte aberto das novas situações” (p.
19-20).
Desse modo, as condições para que se efetive a aprendizagem emergem da
singularidade da vida cotidiana dos diferentes sujeitos, pois é no cotidiano que brotam as
131

dúvidas e os questionamentos que dão origem às ciências, e é com referência nele que os
conceitos produzidos pelas ciências se tornam significativos na vida dos estudantes. Os
conhecimentos construídos pela ciência traduzem-se, abstratamente, por meio de
generalizações que explicam os fenômenos do mundo, por isso são formativos e
humanizadores. A aprendizagem na geografia, ao ser desenvolvida por esse sentido, pode
possibilitar aos estudantes pensar teoricamente por meio dos seus conceitos de forma a
traduzi-los no âmbito das práticas cotidianas.
A aprendizagem ocorre quando o ensino consegue fazer o entrelaçamento da
subjetividade de cada um com o mundo sociocultural, produzindo, assim, um significado na
vida dos sujeitos. Os diferentes sujeitos que compõem o espaço escolar carregam marcas da
sua vida, pois são filhos, irmãos, netos, sobrinhos que possuem uma história, que está
diretamente ligada à sua família, suas condições e o lugar em que vivem. Esse lugar está
situado geograficamente num determinado ponto do espaço, que possui características físicas
e culturais que lhe são próprias, mas que não deixam de sofrer e exercer influência de um
processo maior, que é do mundo global. Nessa perspectiva, os estudantes são dotados de
experiências do seu mundo da vida e carregam as marcas desses sujeitos, tempos, culturas e
lugares dos quais fazem parte. Quando isso ocorre os sujeitos conseguem ressignificar o seu
entendimento de mundo, havendo a possibilidade de que o mundo da vida seja retomado com
outros olhos, permitindo a sua compreensão e alargamento dos saberes anteriores de forma
crítica e reflexiva. Essa ressignificação é mediada pela linguagem, que possibilita ao sujeito
desenvolver diferentes formas de ver, pensar e refletir sobre o mundo. Segundo Libâneo
(2013, p. 147), “na medida em que o saber escolar é colocado em confronto com a prática de
vida real, possibilita-se o alargamento dos conhecimentos e uma visão mais científica e crítica
da realidade”.
Com referência nas discussões traçadas, a pergunta que fica é: Como operacionalizar
metodologicamente essa relação de forma a superar a fragmentação do conhecimento
geográfico? As bases para tal possibilidade serão elucidadas nos próximos subcapítulos.

3.2 ELEMENTOS QUE FUNDAMENTAM A ESCALA DE ANÁLISE COMO


POSSIBILIDADE DE MÉTODO DE ENSINO PARA A GEOGRAFIA ESCOLAR POR
MEIO DA RELAÇÃO PENSAMENTO E LINGUAGEM

Dadas as bases de discussão sobre como pensar no processo de ensino a partir da


relação entre pensamento e linguagem, é necessária a proposição de uma ferramenta teórico-
132

metodológica que, de fato, possibilite pôr em prática essa unidade. É buscando desenvolver
esse entendimento que este item objetiva discutir como a escala geográfica pode ser uma
possibilidade de método de ensino para a geografia escolar. A escala é um conceito que
proporciona superar a fragmentação do conhecimento geográfico, pois permite fazer a inter-
relação entre fenômenos e as dimensões de análise que nela se materializam. Nesse sentido,
apresentamos pressupostos para o trabalho com a escala pautados nas discussões já realizadas
nesta pesquisa anteriormente, com referência aos princípios, conceitos e categorias da
geografia que melhor possibilitam sua operacionalização.
Para discutir sobre método de ensino é preciso entender que o método é o caminho
que utilizamos para atingir determinados objetivos e, junto a ele, está uma série de recursos
metodológicos que permitem a sua operacionalização. Tendo claro esse entendimento, é
preciso diferenciar método de ensino de método da ciência, apesar de ambos possuírem uma
estreita relação. O primeiro refere-se à relação entre o conteúdo de ensino, que é oriundo da
ciência e dos critérios didático-pedagógicos para a sua seleção e organização, enquanto o
método da ciência carrega marcas profundas com o objeto de estudo e as formas de
compreendê-lo. Assim, para entendermos o objeto de estudo da geografia escolar
necessitamos de uma ferramenta teórico-metodológica que dê conta da especificidade desse
objeto e também um método de ensino.
Ambos os métodos estão articulados aos objetivos de ensino que possuem relação
direta com o conteúdo; esse último é parte do objeto da ciência que o constituiu. A escala
geográfica, por ser um conceito da geografia, carrega marcas do método da sua ciência de
referência. Ao assumir o entendimento de método de ensino, ela faz a articulação com o
objeto do conhecimento e os conteúdos de ensino, como veremos na Figura 9.

Figura 9 – A escala como método de ensino

Fonte: Alana Rigo Deon (2021).


133

Nesse seguimento, a geografia escolar tem em si o método da ciência que a orienta, e


um método de ensino que possibilita que os conteúdos por ela ensinados possam contribuir
para entender o espaço – seu objeto de análise. Esse movimento não desconsidera a
diversidade de contextos de ensino, até porque, como discutido no subcapítulo anterior, no
mundo da vida é onde se materializa tudo aquilo que é estudado em termos de abstrações
pelos estudantes.
Nesse contexto insere-se a geografia como disciplina, que busca estudar a totalidade
dos fenômenos e como eles se materializam nos mais diversos lugares. Os lugares, juntos,
compõem a totalidade do mundo, mas, considerados assim, “é uma regra do método que cuja
prática exige que se encontre, paralelamente, através da análise, a possibilidade de dividi-lo
em partes [...] (SANTOS, 2014a, p. 15), que permite, ao seu término, a reconstituição desse
todo, ou seja, a síntese.
Entra aí nossa a proposição de pensar a escala de análise como método de ensino
para a geografia escolar, de forma que possa possibilitar essa reconstituição. Esse
entendimento sustenta-se na sua definição conceitual que é expressa por Castro (2014, p. 21),
em que a escala é uma medida que confere visibilidade aos fenômenos e que “inclui tanto a
relação como a inseparabilidade entre tamanho e fenômeno”. Isso pressupõe que é o
fenômeno que tem privilégio ante a delimitação do seu recorte de análise. Nesse sentido, a
escala torna-se uma estratégia intelectual para que o fenômeno possa ser entendido, mas sem
desvinculá-lo da sua relação com outros fenômenos e dimensões escalares. Vejamos o
entendimento da escala materializado a partir do trabalho com o conteúdo cidade.

Quadro 27 – A escala geográfica aplicada ao entendimento do conteúdo cidade


1. A escala não existe, o que existe é o fenômeno O fenômeno a ser entendido é a cidade, mas pode ser uma
empresa global, uma bacia hidrográfica.
2. A escala é uma estratégia intelectual para abordar o real O problema a ser analisado é real e possui características
específicas oriundas de seus aspectos físicos e sociais, mas
as estratégias de sua explicação são uma abstração, ou seja,
uma generalização.
3. A escala como medida é uma abstração ou convenção A definição da escala permite recortar o fenômeno de forma
que esse mais bem possa ser analisado, mas sem deixar de
relacioná-lo com outros níveis e fenômenos que podem ser
locais, regionais, territoriais ou mesmo global.
4. A escolha da escala define o que é significativo no fenômeno, o que A escala é uma escolha social do pesquisador que implicará
terá visibilidade na seleção de elementos significativos a serem visibilizados
ou invisibilizados.
5. Quando a escala muda, as variáveis significativas do fenômeno mudam A cidade é um fenômeno que se materializa em várias
dimensões escalares, mas em cada lugar esse fenômeno
adquire características específicas.
6. As variáveis explicativas para fenômenos numa escala não são Cada lugar possui especificidades físicas e sociais, e essas
transferíveis, seja para o mesmo fenômeno ou para outro, em outra escala não são transferíveis de um lugar para outro.
7. Não há hierarquias entre escalas; cada escala revela um conjunto de Tanto a grande cidade quanto a pequena cidade possuem um
causalidades específicas conjunto de causalidades que as circunscrevem.
8. A microescala não é menos complexa do que a macroescala Tanto a grande quanto a pequena cidade são complexas em
seu entendimento.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021) com base em CASTRO (2014).
134

Dadas essas bases de operacionalização da escala, é preciso que sejam evidenciados


os elementos do método de ensino que, junto a ela, possibilitam desenvolver as relações entre
os fenômenos e níveis de análise. Primeiramente é necessário pensar os conceitos
geográficos-chave, que, pela dimensão da escala, carregam consigo não apenas a sua
dimensão explicativa, mas também um nível escalar. Ao considerarmos o espaço como uma
totalidade, entendemos os conceitos lugar, paisagem, região e território como recortes que
dividem essa totalidade e, assim, compõem as suas partes. Cada recorte carrega em si uma
dimensão escalar e contempla um conjunto de fenômenos físicos e humanos, por exemplo um
rio e uma cultura, que, muitas vezes, não se esgotam no limite rígido de um dado recorte.
Esses conceitos, ao se aliarem às categorias do método propostas por Santos (2014a)
– “forma, função, estrutura e processo” –, possibilitam fazer o recorte analítico sem
desvinculá-lo do entendimento da totalidade. Para operacionalizar esse entendimento,
tomamos como exemplo o conteúdo cidade, que é entendido como lugar, como paisagem,
como território, região e espaço, e isso envolve buscar explicações tanto nas abstrações
conceituais desses conceitos quanto em sua dimensão a partir dos níveis de análise.
É preciso mencionar, ainda, o lugar dos princípios como elemento do método de
ensino, que permitem, por meio da escala, dar forma aos conteúdos da geografia, ou seja,
possibilitam operacionalizar o trabalho com os conteúdos a partir de um entendimento
relacional dos fenômenos do mundo de forma a considerar as relações entre local-global,
concreto-abstrato, perto-longe, subjetivo-objetivo e fenômenos físicos e humanos. A síntese
do entendimento descrito pode ser visualizada na Figura 10.

Figura 10 – Síntese do entendimento da escala como método de ensino

Fonte: Alana Rigo Deon (2021).


135

Com bases nos elementos apresentados, busco trazer uma proposição para o trabalho
com a escala geográfica, de forma a visibilizar como pode ser feita a relação entre linguagem
e pensamento, articulando fenômenos, conceitos/níveis de análise com os princípios e
categorias da geografia.
Inicio com o conceito de paisagem. Ela apresenta as formas de um determinado lugar
em um recorte temporal. Essas formas, contudo, estão num constante movimento, e
materializam uma relação entre o passado e o presente. A paisagem é o visível, aquilo que
enxergamos e que se apresenta imediatamente. Essa ideia traz muito do conceito de paisagem
construído pelos clássicos da geografia, que entendem que as regras da natureza são
verdadeiras e imutáveis, por isso verídicas. Esse pressuposto desconsidera a ideia de
movimento (tempo) e de ser humano como partes integrantes do espaço e responsáveis pela
sua mudança. Assim, a paisagem representa aspectos da sua morfologia que possui relação
direta com o seu sítio (localização e sua posição) no espaço (GOMES, 2013).
Aqui encontramos um pressuposto-chave na análise do espaço: a ideia de que a
posição é sempre relativa, pois envolve a sua situação ante a outros lugares e ao olhar do
observador, daquele que se dispõe a analisar o espaço. Para Gomes (2013), os lugares são
pontos dentro de um sistema de referência, mas só adquirem sentido a partir do momento em
que são ocupados por alguma coisa. Entra aí o conceito de lugar, que marca a identidade e as
características singulares de cada local, que podem ser físicas, culturais e sociais. A análise,
que pressupõe a divisão em partes dessas características, só pode ser feita na sua relação com
outros lugares e situações para ser demarcada a sua singularidade e as suas conexões. O lugar,
então, expressa o sentido de uma dimensão de análise (recorte do espaço, dado por
coordenadas precisas), mas que possui implicações com outros recortes, que podem ser
regiões, territórios e espaços.
Todos esses recortes implicam uma dimensão que pode ser natural, mas também
política e que igualmente precisa ser considerada, pois é expressa pelos limites/fronteiras
formalizados nos lugares. Os limites e fronteiras indicam o começo e o fim do seu território,
mas essas definições implicam interesses e intencionalidades dos que o produziram. Os
limites e fronteiras são delimitados por uma relação matemática entre a projeção e a realidade,
por isso são representativos, tem a intencionalidade de quem os produziu e mostram uma
realidade entre tantas outras. Dessa forma, é preciso ter o cuidado de não tomar a
representação pela realidade, pois ela mostra uma determinada fração do espaço que pode
visibilizar algumas questões e ocultar outras. As representações, nesse sentido, são recursos
metodológicos para análise, mas não o lugar em si, e muito menos a realidade como ela é.
136

A ideia de recortar o espaço para melhor compreendê-lo pressupõe o princípio da


disjunção elaborado por Descartes e, metodologicamente, desenvolvido pelo procedimento da
análise. Recortam-se os lugares por relações matemáticas dadas por linhas imaginárias que
dividem o mundo cartograficamente em sentidos e direções. Os lugares também são locais e
por isso possuem elementos diferenciados. No sentido lógico-matemático, apresentam-se
conceitos; por exemplo, a região e as funções que carrega, ou seja, a região pode ser o espaço
dividido de acordo com suas funções naturais: clima, relevo, vegetação, e, mais recentemente,
questões culturais, tudo isso num sentido estratégico para delimitar políticas de controle de
territórios, dados por meio de seus limites. Assim, as funções, geralmente, são divididas em
gerais e depois particulares, que se dão a partir de uma ação “natural dum órgão, aparelho ou
máquina”, a partir da posição ou atribuição que ocupa. As funções sempre são relativas, pois
se dão na relação entre lugares, entre dois ou mais conjuntos, e não mais de um elemento
determinado de outro (FERREIRA, 2008).
Pensar em território traz logo a ideia de limites e fronteiras que têm relação com a
sua divisão em termos de extensão, ou seja: Onde começa e onde termina um território?
Como isso é delimitado? Que relações um território estabelece com outro? Como essas
relações influenciam na vida das pessoas? Como ocorre o movimento de pessoas dentro desse
território? Como interagem as formas fixas com os fluxos29? Notem que os fluxos recortam as
estruturas e permitem a relação entre todas as partes, isto é, todos os recortes, possibilitando a
sua reorganização, ou melhor, o seu entendimento num sentido mais complexo. O território,
no sentido de processo, implica continuidade e/ou mudança de algo que se materializa no
espaço e também em seus recortes.
O global apresenta, de forma mais abstrata, a dimensão do político, do econômico e
dos interesses e relações de poder, pois a globalização e a divisão internacional do trabalho
são frutos da elaboração social e materializam-se de diferentes formas nos diversos lugares.
Nesse sentido, o local é produto do global, bem como o local tem dinâmicas que se refletem
no global, como afirma Massey (2013, p. 152): “há problemas em ambos os lados dessa
contraposição”. Nessa dinâmica, a autora entende que “para uma compreensão relacional da
globalização neoliberal os ‘lugares’ são linhas cruzadas nas mais amplas geometrias de poder
que constituem tanto eles próprios quanto o ‘global’. Por isso compreender o espaço como o

29
Milton Santos, em seu livro A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção, discute esses dois
conceitos, fixos e fluxos. Os elementos fixos, na definição do autor, são aqueles fixados em cada lugar e que
permitem ações que modificam o próprio lugar. Já os fluxos “são resultado direto ou indireto das ações e
atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que,
também se modificam” (SANTOS, 2014b, p. 61-62).
137

constante produto aberto das topologias de poder aponta para o fato de que ‘lugares’
diferentes ficarão em posições contrastantes em relação ao global [...]” (Ibidem, p. 152).
Essa descrição permite-nos perceber como os conceitos podem ser colocados em
movimento pelo uso dos princípios e categorias de análise, que, juntos, possibilitam o
entendimento de um dado fenômeno num sentido relacional. Ao mesmo tempo em que a
utilização dos princípios e categorias não se exclui, as dimensões subjetivas e objetivas dos
sujeitos interpretam e fazem a análise do espaço, pois toda a interpretação é uma forma de ver o
mundo.
Para, todavia, que essas relações descritas se efetivem, o método de ensino precisa
considerar procedimentos metodológicos que melhor possibilitam a compreensão do objeto.
Assim, os procedimentos, nos quais nos aportamos, são procedimentos construídos no
processo constitutivo do pensamento geográfico e aprimorados por autores como Callai e
Moraes (2017), sendo eles cruciais para a operacionalização dos conceitos. Iniciemos com a
observação; ela está ligada à linguagem visual e requer o desenvolvimento do olhar do sujeito
sobre um determinado objeto, no caso específico a cidade; como ele vê, sente e pensa esse
lugar. Esses procedimentos são construídos no mundo da vida do sujeito, mas, ao serem
introduzidos na escola, podem tornar-se sistemáticos. A observação está ligada diretamente ao
visual, ou seja, àquilo que enxergamos circunscritamente.
A descrição é outro procedimento que também encaminha para a representação, pois,
enquanto o primeiro expressa uma relação verbal, o segundo expressa uma relação não verbal.
Vejamos: a paisagem, pela descrição verbal, pode ser descrita, enquanto a paisagem, por uma
representação não verbal, pode ser um desenho que também descreve a paisagem, e isso
implica uma dimensão subjetiva de quem descreve em um procedimento da linguagem escrita
ou mesmo representativa. Ela é a forma como captamos e transmitimos nossas observações
aos outros, e é possível entender que quanto maior nosso conhecimento maior será a
capacidade descritiva. Pela descrição enumeramos e classificamos objetos e buscamos
similaridades e diferenças, conexões e diferenciações, sempre procurando uma explicação. O
procedimento da análise procede do simples e uniforme ao complexo e variado, assim como
dos aspectos secundários aos principais. O procedimento interpretativo envolve olhar o sujeito
em um sentido ontológico sobre os dados obtidos por meio da observação, descrição e análise.
O procedimento da compreensão é mais abrangente, pois busca a integração entre as
partes anteriormente obtidas e o todo, haja vista que, por meio dela, é possibilitado criar
teorias e entendimentos sobre os objetos. Com esse procedimento é possível utilizar a escala
de análise, que seria o procedimento de recomposição de cada parte para o entendimento do
138

todo. Quando o sujeito consegue compreender ele está operacionalizando os conceitos em


determinadas situações cotidianas. Assim, há uma relação intrínseca entre os procedimentos
metodológicos para que possam efetivar a construção do conhecimento, como veremos na
Figura 11.

Figura 11 – Inter-relação entre os procedimentos metodológicos da Geografia

Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

O Quadro 28 busca sistematizar a proposição de trabalho pelo uso da escala,


acrescido do entendimento do Para quem?, que se refere aos alunos a quem se dedica o
ensino.

Quadro 28 – Elementos para pensar a escala geográfica como proposta de trabalho para a Geografia escolar
E Objeto/fenômeno Procedimentos
Categorias Princípios Para quem?
S de investigação metodológicos
C Paisagem Forma Localização Observar Quem são meus
A Local – Lugar Função Diferenciação Descrever/ alunos?
L Regional – Região Estrutura Distribuição Representar Como aprendem?
A Territorial – Processo Extensão Interpretar Em que contexto
Território Analogia Analisar vivem?
Global – Espaço Conexão Compreender Qual a sua
G Ordem realidade
E Extensão geográfica?
O Analogia Para que estou
G Conexão ensinando?
R Ordem
Á Temporalidade
F
I
C
A
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
139

3.3 A PROPOSIÇÃO DA ESCALA COMO MÉTODO DE ENSINO: O EXEMPLO DO


CONTEÚDO CIDADE

Para desenvolver essa proposição, tendo referências nas discussões anteriormente


elucidadas, escolhi como tema a cidade. A escolha do tema/conteúdo cidade se dá em virtude
de ser um espaço onde vive a grande maioria das pessoas atualmente, e por ser, em grande
medida, fruto das influências locais e globais. Para tanto, é essencial definir o conceito de
cidade. Assim, tenho como referência Carlos (2007, p. 11). Para a autora, a cidade:

[...] enquanto construção humana é um produto histórico-social e nesta dimensão


aparece como trabalho materializado, acumulado ao longo do processo histórico de
uma série de gerações. Expressão e significação da vida humana, obra e produto,
processo histórico cumulativo, a cidade contém e revela ações passadas, ao mesmo
tempo em que o futuro, que se constrói nas tramas do presente – o que nos coloca
diante da impossibilidade de pensar a cidade separada da sociedade e do momento
histórico analisado.

A proposição tratada pela autora permite o entendimento da cidade como uma


construção humana, permeada por formas que ganham significado com a dinâmica dos seres
humanos ao longo do tempo, atribuindo, assim, diferentes funções. A cidade é o lugar onde
vive a maioria das pessoas no mundo, é onde se encontra passado, presente e futuro,
materializados nas formas que nela se expressam. Na cidade estruturam-se, por meio das
formas e funções, diferentes processos e estruturas. Por isso, conhecer a cidade (vivência) e
aprender a pensá-la abstratamente (conceitualmente), é o primeiro passo para que o sujeito
possa aprender a vivenciar e lutar pela sua cidadania.
Para iniciar a pensar a escala geográfica como método de ensino comecemos
pensando a cidade pela sua dimensão absoluta, ou seja, tendo a imagem mental de um mapa-
múndi em branco. Ao pensar a cidade nos remetemos ao mundo, representado pelo mapa-
múndi; ele só passa a conter dinamicidade quando o tematizamos. Nesse contexto, o mundo é
composto por inúmeras cidades; mas o que diferencia cada uma delas? A primeira questão a
se pensar é a dimensão da localização e das formas. Melhor dizendo, onde essa cidade se
localiza? Quais formas geométricas apresenta? Isso implica pensar a paisagem. Nesse sentido,
criaremos, em nosso mapa mental, a ideia de um ponto fixo no espaço que remete à nossa
cidade nesse mapa-múndi. Esse ponto é marcado por uma coordenada geográfica, delimitada
pela latitude e pela longitude, que são referidas de acordo com a orientação (Norte, Sul, Leste,
140

Oeste) que pode ser dada pelo sistema solar, pois o leste é onde nasce o sol e o oeste é onde
ele se põe. A estrela do norte aponta o norte magnético e o sul o cruzeiro do sul.
A localização é um elemento fundante da geografia, mas saber apenas a localização
de um lugar não é suficiente; é preciso compreender os diversos fenômenos que se
manifestam nesse local considerando o porquê da sua localização. As diferentes localizações
implicam diferentes paisagens, constituídas por aspectos naturais que cada vez mais, pelo
controle das técnicas, se tornam sociais. Assim, outra questão essencial é compreender por
que essa cidade se localiza nesse sítio e não em outro. Para responder, são necessários outros
princípios que ajudam no seu entendimento e envolvem a percepção da cidade como espaço
relativo. Essa percepção está diretamente atrelada à relação dessa cidade com outros lugares?
Por exemplo, sua relação de interdependência com o espaço rural como área de grande
desenvolvimento agropecuário ou mesmo de agricultura familiar, ou ainda com contextos
mais abrangentes: como área de fronteira, regiões metropolitanas, com a metrópole ou a
capital e seus aspetos administrativos, culturais e econômicos. Com essas informações
podemos pensar a sua relação com os outros recortes de análise da geografia, que pode ser a
região, o território ou o espaço. A partir da localização conseguimos delimitar as formas que
compõem a cidade. Essa é a perspectiva do visível determinada pela observação da paisagem
e do lugar.
Referente à localização, precisamos pensar qual é a extensão dessa cidade, para,
então, delimitarmos se a cidade é grande, média ou pequena. Com a imagem do mapa-múndi
não conseguiríamos identificar a extensão desse espaço com precisão, em razão da sua
pequena escala cartográfica (a escala considerada aqui é a métrica, matemática). Poderíamos,
no entanto, utilizar um mapa de grande escala, assim conseguiríamos delimitar quantas vezes
esse espaço foi reduzido para “caber” nas delimitações do papel. Para isso, necessitamos de
conhecimentos matemáticos e da cartografia, que são ferramentas para a compreensão do
espaço e de seus lugares específicos. Esse entendimento evidencia que a geografia não pode
ser entendida sozinha; são necessários conhecimentos/conceitos de outras ciências e
disciplinas para melhor compreendê-la, pois a localização de uma cidade é determinada por
um ponto na superfície terrestre que identifica o seu sítio com características que lhes são
específicas, mas que precisam ser compreendidas a partir das situações, que são as relações
desse sítio com outros lugares.
Para entender melhor a relação entre sítio e situação no contexto da temática cidade,
compreendemos que ela pode ser um sítio, ou seja, um local, num caso, mas também pode ser
considerada uma situação em outro. Por exemplo, num estudo das relações espaciais de uma
141

determinada cidade, com outras cidades, ou mesmo com estados ou países, a cidade seria o local e
as outras cidades seriam as situações. Broek (1981, p. 46) entende que “num estudo em grande
escala, a casa poderia ser o local e a vizinhança urbana a situação. Para compreender um lugar,
grande ou pequeno, devemos avaliar os atributos do seu local, bem como de suas situações”.
Nesse sentido, cada sítio, no caso cada cidade, possui uma extensão. A determinação
dessa extensão pode levar em consideração as características físicas do espaço, mas
geralmente são determinadas pelos seres humanos e suas intencionalidades, caracterizando
seus limites e fronteiras. A extensão de cada cidade possui relações diretas com o seu
processo histórico de povoamento e pelas características econômicas que o lugar foi
adquirindo, e pode atribuir a cada sítio determinadas funções. Essas funções necessitam de
estruturas que estão diretamente ligadas à dimensão econômica e também política em um
determinado momento do tempo, que acaba por justificar as formas e funções criadas. Como,
contudo, as funções não são estáticas, elas são definidas por processos que implicam uma
ação que se realiza de modo contínuo ao longo do tempo. Estruturas e processos, juntos,
podem gerar novas funções e também formas para a cidade, pois quanto mais funções a
cidade adquirir, novas estruturas e infraestruturas são necessárias. Assim, quanto maior for o
fluxo de pessoas, comércio e serviços, maior serão as funções ocupadas pela cidade e, mais
constantemente, serão mudadas as suas formas para atender essas mudanças.
Ainda, aliada à extensão e às funções que as cidades ocupam, temos a hierarquia urbana:
metrópole nacional, metrópole regional, centro regional, centro local, vila. Essa é somente uma
das formas de classificação existentes. Elas foram determinadas pelos órgãos de recenseamento e,
por meio dos critérios estabelecidos para cada hierarquia, é possível estruturar modos de
planejamento para atender às demandas do local. No Brasil, essa classificação é feita pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Essa discussão mostra que nenhum lugar é
igual a outro, nenhuma cidade é igual a outra, apesar de apresentar características e funções
parecidas. Por isso, não existe uma explicação pronta para cada fenômeno no espaço. Não
obstante de possuírem analogias, cada fenômeno materializa-se de uma maneira diferente no
espaço.
Outras questões a se considerar na análise da cidade, ainda na dimensão da extensão,
são as características naturais. Essas implicam característica de solo, relevo, vegetação,
hidrografia e climatologia, e resultam na definição dos lugares onde será possível uma
construção e o tipo de estrutura que essa construção precisará para ser concretizada. Surgem,
então, os cuidados necessários para que haja menos impactos socioambientais. Isso quer dizer
tanto na natureza quanto nas pessoas que vivem nos arredores de tal construção. Se a
142

construção for de grande extensão, seu impacto também poderá ser mais significativo; por
exemplo, a construção de uma usina hidrelétrica, que afeta grandes extensões do terreno, sua
flora e fauna, e, se ocorrer em um lugar onde vivem muitas pessoas, elas precisarão ser
realocadas; isso implica a construção de novas relações de pertencimento com o lugar e a
vizinhança, entre outras questões que não se esgotam nos limites dos exemplos aqui
mencionados.
É preciso considerar também outros exemplos de fenômenos naturais característicos
de cada sítio, que são significativos na análise do espaço, como: se a cidade tem mais ladeiras
quer dizer que seu relevo é mais acentuado, e, por isso, a construção de uma rua, um parque,
um edifício, implicará um planejamento diferenciado; o mesmo processo ocorre para a
instalação de saneamento básico, energia e água encanada. A quantidade de vegetação e os
rios também pode mudar em diferentes partes da cidade se ela é grande ou se ela é pequena.
Essa paisagem pode tornar-se um atrativo turístico dependendo das estruturas e processos que,
na cidade, podem existir ou se criar. Se a cidade é grande e há muitas indústrias e prédios
pode haver lugares que concentrem ilhas de calor, modificando a temperatura. O clima de
uma determinada cidade implica no tipo de formação socioespacial e econômica do lugar. A
questão da hidrografia envolverá também ter mais disposição ou menos de água, pois se a
quantidade de rios que circunda a cidade for grande, mais difícil será ter problemas com
racionamento em épocas de seca, mas se a água não for abundante o poder público precisará
buscar outras formas de conseguir água para poder manter a população abastecida.
Isso tudo vai marcando as formas que a cidade adquire no espaço. Essas diferentes
formas podem ser identificadas a partir da cartografia e do uso de imagens de satélite, cartas,
plantas, croquis. Esse processo implica, pois, o trabalho com a cartografia, uma aliada no
entendimento da geografia. Para o trabalho com a cartografia na escola é necessário que,
juntamente com os temas dessa disciplina, se desenvolva a alfabetização cartográfica,
fundamental para que os estudantes consigam pensar e ler o espaço. Só conseguiremos,
contudo, pensar o espaço, conhecendo e analisando as suas formas (materializadas no espaço
por meio das paisagens), se conseguirmos fazer a sua relação com outros lugares (outras
formas), ou seja, identificando sua extensão, diferenciação e analogia em relação a outras
cidades.
Nesse sentido, insere-se a analogia, que são as semelhanças existentes entre
diferentes cidades. Para o dicionário, “a cidade é um complexo demográfico formado por
importante concentração populacional não agrícola e dada a atividades de caráter mercantil,
industrial, financeiro e cultural” (FERREIRA, 2008, p. 234). Essa definição mostra que
143

qualquer cidade, para ser considerada como tal, precisa dessas características, pois o conceito
de cidade está dado, e o que vai mudar é a localização desta no espaço e as características
físico-naturais, socioculturais, econômicas e políticas que determinaram as suas formas,
funções, estruturas e processos. As formas e as funções não são as mesmas nas diferentes
cidades do mundo, e é nesse sentido que elas apresentam diferenciações.
A diferenciação pode ser entendida a partir das diferentes formas, funções, estruturas
e processos que a cidade abarca: função turística, político-administrativa, industrial, portuária,
religiosa. Algumas cidades apresentam até mais de uma função. As cidades também possuem
uma hierarquia dada pelo número de funções que ocupam. Muitas dessas funções atrelam-se
aos elementos físicos da paisagem, como a função portuária, que se dá pela existência de rio
ou mar por perto. A função turística pode estar ligada a algum elemento natural, como praia,
chapada e cachoeiras. Assim, notamos que, como existem semelhanças entre as diversas
cidades, existem ainda diferenças, e essas podem se dar de acordo com a localização da
cidade, a questão histórica, o desenvolvimento econômico e as suas características físico-
naturais, que podem influenciar no seu desenvolvimento, no número de habitantes e nas
condições sociais desses habitantes. Tudo isso, aliado aos diferentes processos que nela
ocorrem, implica também diferentes formas da cidade. Para Santos (2014a), sempre que há
mudanças na sociedade as formas assumem novas funções. Em todos os tempos são atribuídas
novas funções às cidades, que impõem, em muitos contextos, novas formas.
Nesse cenário, para traçar elementos que melhor nos ajudem a compreender a
analogia e a diferenciação das cidades para além de caracterizar as suas formas e funções,
precisamos observá-las para além da sua aparência, ou seja, aquilo que não está materialmente
visível nos processos e estruturas com relação a outras cidades. Nesse sentido, como afirma
Broek (1981), “o que conhece da sua cidade quem dela nunca saiu”. Por isso, para que
possamos compreender nossa cidade precisamos sair dela e conhecer outros lugares, pois só
assim conseguiremos compará-la com outros lugares. Ao estabelecer essas relações o
estudante traça as suas semelhanças e diferenças. Para, porém, que tal entendimento seja
efetivo, como aponta Young (2011), os estudantes precisam ter claro a diferença entre a
cidade como conceito e a cidade como lugar da experiência; somente assim é possível que os
conceitos possam ser efetivos como ferramentas intelectuais para analisar as distintas
realidades.
Novamente, pensando o mapa para o trabalho em sala de aula com os princípios da
geografia, entendemos que o mapa-múndi não seria a escala adequada para conhecermos as
características específicas de uma dada cidade, pois ele traz características que são gerais do
144

todo. Para, no entanto, compreendermos as características específicas dos lugares, no caso da


cidade, precisamos mudar a escala, pois, como afirma Castro (2017), a escala muda de acordo
com o fenômeno/recorte a ser analisado. A definição do recorte está ligada diretamente com
os interesses do autor nessa representação. Assim, para caracterizar elementos da cidade,
tratando das analogias ou diferenciações, o ideal seria o uso de mapas de grande escala, fotos
aéreas e mapas temáticos. As grandes escalas, nos termos específicos da cartografia (lógico-
matemática), representam pequenos espaços (fazendas, cidades, bairros). Já as pequenas
escalas representam grandes extensões, como é o caso do mapa-múndi (estados, países). De
acordo com o ano de ensino e do conhecimento de cartografia dos estudantes, pode-se
produzir croquis e mapas temáticos com diferentes legendas, utilizando diversas cores e
símbolos.
Alia-se a esse entendimento a questão da distribuição, ou seja, como os objetos e
fenômenos repartem-se no espaço. A distribuição vai variar de acordo com as características
físico-naturais do espaço, mas também das características socioculturais, econômicas,
demográficas. Dependendo da localização existe um tipo de relevo, solo, vegetação, rios,
clima, hidrografia. Isso tudo influencia no tipo de produção material (econômica) que ocorre
no espaço, ou, no caso aqui, na cidade. A sociedade se adapta a essas diferenças e encontra
diversas formas de produzir o espaço. Exemplos podem ser encontrados em lugares banhados
por águas, onde a população encontra formas de poder sobreviver, como pesca e turismo, e, a
partir disso, estabelece diferentes formas e funções à cidade.
O princípio da ordem está ligado à dimensão do poder, e refere-se ao modo como as
sociedades estabelecem regras para a estruturação do espaço. Essas regras não são naturais;
elas são sociais, ou seja, foram produzidas pelos grupos humanos para poder viver em
harmonia ao longo do tempo. Quando tratamos da cidade pelo princípio da ordem, podemos
pensar em: Como se organiza a cidade? Quais as leis que a regem? Como essas leis impactam
no nosso cotidiano? (como dias que recolhem o lixo, acesso a serviços de saúde e proteção).
Esse regramento pode ser considerado caráter relacional do espaço, pois existem diferentes
regramentos dependendo da cidade em que se vive. Há regramentos formais, instituídos pela
Lei, e não formais, instituídos por um grupo de pessoas para atender finalidades individuais.
Esses regramentos não formais, geralmente locais, são na própria cidade (constituído por
grupos de traficantes, por exemplo), mas, em certa medida, submetem-se a um regramento
que é regional, territorial, global.
Com base nos conceitos, princípios e categorias vamos estabelecendo inter-relações,
pois todos os fenômenos que ocorrem no espaço, que por ora se parecem ou se diferem,
145

possuem conexão, uma vez que nada ocorre de forma isolada no espaço. A escala é o método
de ensino que liga cada um desses fenômenos compreendidos por meio dos princípios e
visibiliza suas formas, funções, estruturas e processos. Os elementos ora descritos nos ajudam
a pensar o espaço, pois em cada um dos princípios encontramos mecanismos que nos
permitem compreender o lugar, dando visibilidade para as suas características específicas,
mas sem fragmentá-lo, ou seja, relacionando-o para entendê-lo, mostrando a sua
conexão/inter-relação.
A inter-relação dos princípios e conceitos é o que fundamenta o trabalho na geografia
pelo método da escala, e permite que os fenômenos não se restrinjam a uma única área de
ocorrência, mas, sim, na sua relação com outros recortes e fenômenos. Esses caminhos nos
permitem pensar em uma geografia escolar que possibilita o entendimento do espaço
geográfico numa perspectiva crítica e reflexiva. Como, porém, fazer isso? Observando,
descrevendo, representando, analisando, interpretando e compreendendo.
Para entender como, de fato, a geografia escolar é trabalhada na escola, no
subcapítulo que segue busco compreender como os livros didáticos dos anos iniciais
trabalham com o conceito de escala de análise geográfica a partir do conteúdo cidade.

3.4 O LIVRO DIDÁTICO DOS ANOS INICIAIS: OS CÍRCULOS CONCÊNTRICOS E A


ESCALA GEOGRÁFICA NUMA RELAÇÃO CONTRADITÓRIA ENTRE AS
CONCEPÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS E DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS

Nessa seção do texto exploro a análise do livro didático desde uma metodologia que
foi construída a partir de critérios que buscam evidenciar como a escala é trabalhada na
geografia escolar. Os livros didáticos têm sido o material de apoio pedagógico ao ensino mais
presente nas escolas públicas brasileiras, conforme inúmeras pesquisas têm demonstrado
(SPOSITO, 2006; CALLAI, 2016), além de ser o único livro que, muitas vezes, a família tem
acesso. Cabe ressaltar, ainda, que o nosso país é um dos que mais gasta no mundo com o
programa de livros didáticos e, nesse sentido, também se justifica a análise desse material.
Assim, as pesquisas realizadas em torno do Livro Didático visam a contribuir cada
vez mais com a melhoria da qualidade do seu conteúdo e dos aspectos didático-pedagógicos.
Por isso o cuidado em evidenciar, com maior nível de detalhes, os aspectos considerados na
análise e na interpretação dos dados produzidos.
A análise dos livros aqui proposta constituiu-se em dois eixos: aspectos gerais e
específicos. As referências para análise das coleções foram construídas com base em Bardin
146

(2016), e consistem na 1) pré-análise; 2) exploração do material; 3) tratamento dos resultados,


inferência e interpretação. Esse entendimento já foi apresentado na introdução e agora está
sendo operacionalizado. Na pré-análise foi realizado: a) a definição dos livros analisados e
retomada dos objetivos da pesquisa, e, aliados a eles, foram desenvolvidos objetivos
específicos para que os aspectos levantados pudessem melhor contribuir com a interpretação
final; b) a leitura flutuante, na qual se tece o contato direto com as coleções, buscando
conhecê-las e deixando-se invadir pelas suas impressões e orientações; e c) a construção de
indicadores de análise de acordo com objetivos da pesquisa. Os indicadores foram divididos
em gerais e específicos. Os indicadores gerais são os itens que orientam e perpassam todos os
livros da coleção: apresentação/prefácios das coleções e definição dos conceitos-chave; Como
se apresenta o sumário; as orientações gerais para a coleção, políticas de referência,
concepções teórico-metodológicas e didático-pedagógicas; o entendimento de escala expresso
pelos livros, e são descritos nos Quadros a seguir.

Quadro 29 – Estrutura dos prefácios/apresentação das coleções e seus conceitos-chave


LD1 LD2 LD3 LD4
Buscou-se analisar os prefácios pois eles contêm as intenções dos livros didáticos, seus objetivos e conceitos-
chave que orientam o seu desenvolvimento.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

Quadro 30 – Estrutura do sumário


LD1 LD2 LD3 LD4
A proposição de analisar os sumários dos livros tem por objetivo buscar indicativos de como se organizam e
estruturam os conteúdos em cada série dos anos iniciais. Mesmo que o conteúdo cidade não esteja presente em
todos os livros das coleções analisadas, buscou-se entender a sua organização em todos eles para obter uma
melhor compreensão da sua organização.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

Quadro 31 – Estrutura do MP: orientações gerais da coleção: políticas de referência, concepções teóricas,
didático-pedagógicas e metodológicas
LD1 LD2 LD3 LD4
O objetivo desse item é analisar as concepções teóricas, didático-pedagógicas e metodológicas dos livros e
suas referências em termos de políticas educacionais e conceitos.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

Quadro 32 – Entendimento de escala expresso pelos livros


LD1 LD2 LD3 LD4
O objetivo desse item é entender como a escala de análise geográfica é orientada nos livros das coleções dos
anos iniciais. Expressam-se autores de referência e uma dimensão conceitual clara.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
147

Já os indicadores específicos foram aqueles definidos a partir dos objetivos da


pesquisa e buscam contemplar as discussões apresentadas nos capítulos. O intuito foi analisar
o conteúdo cidade na sua relação com conceitos, categorias, princípios e recursos
metodológicos do trabalho em geografia. A escala é o recurso que permite fazer o
entrecruzamento entre os recortes, fenômenos físicos e humanos, permitindo a recorrência à
totalidade. Os princípios são operacionais e permitem desenvolver formas de raciocínio
geográfico e dão dinamicidade ao movimento da escala, pois são eles que colocam a escala na
prática. Vejamos os indicadores apresentados no Quadro 33.

Quadro 33 – Indicadores específicos


Indicadores específicos Desdobramentos
Conceito cidade? Como é apresentado? Entendemos que nos anos iniciais do Ensino Fundamental
os conceitos precisam ser apresentados de forma clara,
trazendo explicações e informações que possibilitem ao
aluno uma compreensão geral sobre o tema.
Tem relação com os conceitos-chave Aqui o objetivo foi verificar se os conceitos discutidos na
orientados por meio do prefácio? abordagem do conteúdo cidade têm relação com as
Quais conceitos, categorias, princípios e indicações do prefácio, haja vista que ele é o definidor das
temas subsidiam o seu desenvolvimento? intenções do livro, bem como entender quais outros
conceitos e princípios da geografia oportunizam a
construção do conceito cidade nos alunos numa
perspectiva de integração entre fenômenos.
Os princípios e conceitos remetem ao pensamento
geográfico, que é referência para a disciplina escolar.
Em que escala o conteúdo cidade é Foi identificado a apresenta de abordagem do conteúdo
trabalhado? Permite a sua relação com cidade, pois todo o fenômeno tem uma escala de
outras escalas ou com o mundo da vida do ocorrência no espaço. Ao mesmo tempo em que se busca
estudante? compreender se há o encaminhamento do conteúdo para
relação com a vida do estudante.
Quais recursos metodológicos são utilizados Os recursos teórico-metodológicos são as ferramentas que
para operacionalização dos conceitos e possibilitam mobilizar a construção do conhecimento. Na
conteúdo? geografia esses recursos foram elaborados ao longo da
construção do pensamento geográfico e possuem relação
direta com o método.
As atividades possibilitam a construção de As atividades são o movimento no qual os estudantes são
conhecimentos estimulando a compreensão desafiados a expor o que realmente aprenderam do
por meio do uso da escala e princípios da conteúdo trabalhado. Por isso é crucial que elas
geografia? encaminhem para o exercício crítico por meio da análise e
compreensão do conteúdo, estimulando que esse seja
abordado em uma perspectiva escalar.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

A última fase da pré-análise consistiu na d) preparação do material a ser analisado,


na organização em quadros que permitiu uma maior visualização e identificação dos
elementos, de forma a servir para os processos de exploração e a interpretação dos dados.
Foram selecionadas quatro coleções dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em que se
analisou, de forma direta, ou seja, em sua totalidade, aspectos gerais e específicos e duas
148

coleções apenas seus aspectos gerais. Todas as coleções foram encontradas em escolas
públicas e privada do município de Erechim/RS (cidade onde resido), aprovadas e constantes
no Guia do Livro Didático – PNLD 2019. As coleções são de Editoras que possuem grandes
tiragens de venda por título, conforme dados estatísticos do PNLD 2019, e estão entre as
cinco mais escolhidas pelas escolas. A análise ocorreu no Manual do Professor, pois ele traz
tanto o Livro do Aluno (LA) quanto as orientações do Manual do Professor. Vejamos nos
Quadros, na sequência, as coleções analisadas.

Quadro 34 – Coleções analisadas na totalidade


**
* Volumes
Coleção Autores Editora Ano Ed. ID
analisados
Conectados Edilson Adão Candido da Silva FTD 2018 1° LD1 D – 3, 4, 5
Geografia Laercio Furquim Junior I – 1, 2
Buriti Mais Ed. Lina Youssef Jomaa Moderna 2017 1° LD2 D – 3, 4, 5
Geografia I – 1, 2
Liga Elian Alabi Lucci, Editora 2017 1° LD3 D – 2, 3, 4, 5
Mundo Anselmo Lazaro Branco Saraiva I–1
Ana Paula Piccoli
Ápis Maria Helena Simielli Editora 2017 2° LD4 D – 3, 4, 5
Ática I – 1, 2
*
ID – Identificação das coleções; **D (anos que apresentam o conteúdo cidade diretamente);
I (anos que não apresentam o conteúdo cidade diretamente)
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

As coleções apresentadas no quadro 35 foram analisadas apenas em seus aspectos


gerais, a saber: as orientações do Manual do Professor e os conteúdos trabalhados em cada
ano, pois não foram conseguidas todas na íntegra para uma análise geral, mas constituem
elementos importantes para a pesquisa, por isso são consideradas nesta pesquisa.

Quadro 35 – Coleções analisadas apenas em seus aspectos gerais


*
Coleção Autores Editora Ano Ed ID
Aprender Leda Leonardo da Silva Edições SM 2017 6° LD5
Juntos Editor: Robson Rocha
Crescer Andressa Alves, Camila Turcatel Editora do Brasil 2017 1° LD6
Geografia Levon Boligian
*
ID – Identificação das coleções.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

A segunda fase consistiu na exploração do material e na aplicação das decisões


tomadas anteriormente e consiste na codificação, decomposição e enumeração na sua relação
com as regras previamente elaboradas. Por fim, a última fase – o 3) Tratamento dos
resultados, inferência e interpretação – é a em que os dados brutos foram codificados. Para
Bardin (2016, p. 133), com base em Holsti (1969), “a codificação é o processo pelo qual os
149

dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais


permitem uma descrição exata das características presentes no conteúdo”. Ainda, segundo a
autora, a organização da codificação compreende três escolhas: o recorte, que se refere à
escolha das unidades; a enumeração, que compreende a escolha das regras de contagem; e a
classificação/agregação, que é a escolha das categorias. O Quadro 36 explicita essas três
fases, seguindo a forma como foram realizadas.

Quadro 36 – Organização da codificação dos dados em uma tríplice dimensão


Organização/codificação Desdobramento Como foi realizada nos LDs
1. O recorte: escolha das – Recorte do tema – “unidade de significação” – O recorte realizado foi o tema cidade (mas
unidades/O que conta que se liberta naturalmente de um texto também foram considerados o município e
analisado segundo certos critérios relativos à urbanização) e teve como referência
teoria que serve de guia a leitura. interpretativa a teoria crítica-hermenêutica.
– O texto pode ser recortado em ideias – Primeiramente selecionamos as coleções e
constituintes, em enunciados e em proposições a separamos a partir dos sumários de cada
portadores de significações isoláveis” ano que indicassem o conteúdo cidade,
(BARDIN, 2016, p. 135). município e espaço urbano, em todos os
– Recorta-se o objeto ou referente e o agrupa de cinco volumes.
volta de acordo com as impressões do – Após ser realizado esse processo com
pesquisador, considerando o sentido das todas as coleções foram analisadas as suas
palavras. individualidades e generalidades, após
realizamos a organização do conteúdo em
tabelas para melhor indicar sua visualização
e identificação dos elementos pretendidos.
2. A enumeração: escolha – Presença ou ausência do tema. – Foram verificadas nas coleções
das regras de contagem/o – Frequência – quantas vezes determinado primeiramente a presença do tema em cada
modo de contagem conceito aparece no texto. um dos volumes.
– Aparição é “[...] um item de sentido ou de – Em seguida, a sua aparição a partir da
expressão será tanto mais significativa – e definição conceitual.
relação ao que procura atingir na descrição ou – A intensidade e como são trabalhadas as
interpretação da realidade visada – quanto mais categorias, princípios e recursos
essa frequência se repetir” (p. 139). metodológicos que permitem melhor
– Intensidade – com que cada elemento compreendê-lo.
aparece é indispensável na análise de valores, – Também foi indicada a ordem em que esse
tendências, atitudes. tema foi tratado no contexto das coleções.
– Ordem – A ordem de aparição das unidades.
Se aparece a antes de d, ou se d aparece antes
de a. É importante evidenciar se existe
constantes nas ordens evidenciadas.
3. A classificação e a – As categorias reúnem um grupo de elementos – Realizadas as fases anteriores fez-se a
agregação: escolha das sob um título genérico e o agrupamento de categorização. Essa fase ocorreu após a
categorias características comuns desses elementos. Elas análise dos dados obtidos nos livros e
são classificadas a partir de conjuntos por considerou os critérios semânticos (sentido
diferenciação e, em seguida, por reagrupamento das palavras), sintático (verbos, adjetivos),
segundo o gênero (analogia). léxico (classificação de palavras segundo o
– Os critérios de categorização podem ser seu sentido, sinônimos e sentidos próximos)
semânticos (sentido das palavras) sintático e expressivo (categorias que classificam as
(verbos, adjetivos) léxico (classificação de diversas perturbações da linguagem). As
palavras segundo o seu sentido, sinônimos e categorias produzidas foram:
sentidos próximos) expressivo (categorias que - círculos concêntricos;
classificam as diversas perturbações da - a cidade e os pressupostos teórico-
linguagem). metodológicos e didático-pedagógicos;
Classificar elementos em categorias impõem a - escala de análise geográfica.
investigação do que cada um deles tem em
comum.
Faz-se o inventário – isolando os elementos e os
classifica de forma que seja repartidos e
imponham certa organização.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021) com base em BARDIN (2016).
150

Com referência nesses elementos e com base na teoria crítica e hermenêutica, foram
feitas as interpretações dos livros didáticos. O interpretar e o compreender tornam-se eixos
principais para tal desenvolvimento. Segundo Marques (1995, p. 117-118), “traduzir aqui
significa realizar uma inversão do plano da idealidade do conhecimento abstrato para o
terreno em que firmam os pés as práticas cotidianas e concretas dos sujeitos/atores em
presença”. Todo o traduzir implica experiência de produção de sentido, pois realiza-se o
diálogo entre o que escreve e o que interpreta. “O tradutor translada sentido do contexto onde
vive o interlocutor para um outro contexto” (HERMANN, 2002, p. 62). Para a autora, “isso
não implica um falseamento de sentido; ao contrário, deve-se preservar um sentido num
mundo linguisticamente novo”. Por isso, a tradução é sempre uma interpretação e o
compreender configura-se como entendimento próprio a respeito de algo (Ibidem, p. 63).
Assim, assumo todas as responsabilidades sobre as interpretações realizadas.

3.4.1 Interpretações a partir dos livros didáticos dos anos iniciais

Os Livros Didáticos têm sido, ao longo dos anos, uma fonte rica de pesquisa,
trazendo, muitas vezes, a história da disciplina escolar, ou seja, as funções que essas
disciplinas exerceram em diferentes tempos. Considerando a forma como abordam os
conteúdos, sua organização e planejamento tornam-se uma fonte de documentação e estudos.
Nessa direção, é possível perceber que os livros sempre estiveram atrelados às intenções
políticas do tempo vivido. Esses sentidos são expressos a partir dos conteúdos dos livros, que
configuram a parte mais importante das disciplinas escolares. Busco, então, trazer, na
interpretação realizada, a síntese dos elementos específicos considerados e organizados a
partir das categorias que emergiram após análise dos LDs.

3.4.2 Círculos concêntricos

O ensino, pela perspectiva dos círculos concêntricos, tem permeado a geografia dos
anos iniciais desde o entendimento de que o espaço precisa ser ensinado partindo de uma
lógica, que se inicia sempre mais próxima da realidade vivida para a mais distante, dos
fenômenos mais simples para os mais complexos. Pesquisas realizadas na área do ensino da
geografia, contudo, têm proposto pensar em formas de superação dessa lógica, como os
estudos do lugar, realizados por Callai (1995), Toso, Kuhn, Callai (2016) e Kuhn, Callai,
Toso (2019), e da totalidade-mundo, feitos por Straforini (2001, 2002), entre outros.
151

Precisamos, no entanto, nos perguntar como esses avanços têm chegado na geografia escolar.
O que os livros dos anos iniciais têm a nos mostrar sobre isso?
De uma maneira geral, percebemos que essa perspectiva tem se apresentado ainda de
forma muito incidente nas coleções de livros. Esse entendimento será demonstrado por meio
da análise realizada e dos dados produzidos. Assim, iniciamos pelos “prefácios”, também
denominados de “apresentações”; esses são encaminhados tanto para professores quanto para
os alunos. Os prefácios constituem um elemento importante de análise, pois, muitas vezes,
neles encontram-se as intenções do livro, as concepções de ensino e os conceitos orientadores
das coleções. Nesse sentido, foi possível encontrar, de forma mais evidente em algumas
coleções analisadas, especialmente na apresentação do Livro do Aluno, a recorrência do
entendimento da geografia como disciplina importante para compreender o mundo em que
vivemos, de forma a iniciar o estudo pelo espaço e pelos fenômenos mais próximos de
vivência para espaços mais amplos e complexos30. Vejamos alguns exemplos encontrados:

LD1 – O livro busca ser uma fonte importante de estudo “para auxiliar a identificar e reconhecer os lugares
em que você vive”. O livro dedica-se a “oferecer a você um bom início nos estudos da Geografia, para que
você e seus colegas participem da melhor maneira possível da vida em sociedade: em casa, no bairro, na
cidade, no país... no mundo” (p. 3).

LD6 – “O livro do primeiro ano estuda assuntos relacionados às pessoas, à família, os lugares que frequenta
e o mundo à sua volta”; “o segundo ano trabalha com a casa, escola e assuntos relacionados ao cotidiano”;
“o terceiro ano trabalha com os bairros, seus moradores e os caminhos por onde circulam”; o quarto ano
trabalha com o município; o quinto ano trabalha com o país” (p. 3).

Os prefácios expõem a ideia do estudo com o reconhecimento do lugar em que os


alunos vivem e espaços próximos, como ponto de partida para o ensino de geografia. Esse
entendimento é fundamental, pois os alunos somente conseguem tornar significativas as
aprendizagens quando há a relação com o seu mundo da vida. O que é problemático,
entretanto, é estudar esse espaço de forma fragmentada, a partir de uma sucessão de espaços
lineares e sem conexão entre si. Ou seja, entende-se a casa, a rua, para depois entender o
quarteirão, o bairro, a cidade. Qual é, porém, a relação entre todos esses espaços? Como os
fenômenos que neles se materializam possuem relações entre si e com a vida do estudante?
Como esses espaços próximos têm relações com os mais distantes? É preciso, ainda,
considerar que, conforme as escalas mudam, suas variáveis interpretativas também mudam, e,

30
A sistematização das análises na integra encontra-se no Apêndice A.
152

consequentemente, os fenômenos e suas relações. Essa é a tonalidade de entendimento que


precisa ser dada aos conteúdos de ensino.
Essa forma de organização, já enunciada por alguns dos prefácios, se faz presente
nos sumários dos seis livros analisados, pois, pela estrutura e forma de organização do
sumário, torna-se visível a organização dos conteúdos e a lógica que seguem. Assim, no
primeiro e no segundo anos as coleções trabalham com o “Eu”, os lugares e as pessoas que
convivem, com as denominações “Eu no mundo”, “Onde Brinco”, “Os lugares de vivência”,
“Meu lugar no mundo”, “As pessoas que convivo”, geralmente referindo-se a lugares que
remetem à proximidade espacial do espaço vivido pela criança. No segundo ano essas
dimensões ampliam-se para a casa, a rua, a escola e o bairro. Há algumas diferenciações nas
denominações utilizadas pelas coleções, mas elas referem-se às dimensões espaciais. O
conteúdo cidade (recorte do espaço que indica a cidade que está composta pelos fragmentos
antes apresentados), geralmente, é trabalhado no terceiro, quarto e quinto anos de forma
direta. Em duas das coleções o conceito é trabalhado desde o segundo ano31.
No terceiro, quarto e quinto anos as coleções trabalham com o bairro, a cidade e o
município, as regiões e o território (por vezes, o território é trabalhado antes que a região),
sempre seguindo uma ampliação sucessiva e linear do espaço. No terceiro ano a análise do
espaço concentra-se na perspectiva da paisagem, orientando para a sua leitura no que se refere
ao reconhecimento das diferenças entre o campo e a cidade e suas possíveis articulações. No
quarto ano o tema município é trabalhado na perspectiva do território, ressaltando seus limites
e funções político-administrativas, considerando a lógica de espaços fragmentados. Já no
quinto ano trabalha-se os conteúdos, especificamente o tema cidade na perspectiva territorial-
regional, levando em conta a sua relação de hierarquia urbana e funções das cidades. Assim,
percebe-se, que os livros seguem a perspectiva curricular já apontada pela base, tratando dos
conteúdos do local para o regional e territorial, em que os fenômenos que se materializam
nesses recortes partem do domínio do visível para o abstrato.
O que ocorre, todavia, é que geralmente essa forma de organização curricular acaba
sendo naturalizada pelos professores, pois tem sido costumeiro ensinar nesse sentido. Toso,
Kuhn, Callai (2016, p. 221) asseveram que “a naturalização facilmente leva à passividade e
replicação pela simples razão de ser assim mesmo”. Por isso, é necessário visibilizar essa
forma de organização curricular a partir dos livros utilizados nas escolas, de modo a conhecer
a natureza do conhecimento historicamente produzido, como evidenciado no início desta tese

31
A sistematização na íntegra das análises encontra-se no Apêndice B.
153

(debate das racionalidades), buscando, a partir disso, possibilidades de mudança em âmbito


didático-pedagógico e metodológico.
No mesmo sentido, os autores inferem que “a organização do currículo a partir dos
círculos concêntricos traduz a racionalidade científica/positivista moderna” (TOSO; KUHN;
CALLAI, 2016, p. 224), que foi produzida pelo método cartesiano e incorporada pela ciência
moderna experimental. Esse entendimento tem orientado a escola e o currículo com base
naquilo que é produzido e sistematizado pelas ciências.

Significa, no caso dos círculos concêntricos, que o conteúdo ali expresso é


resultado/produto da razão científica. A escola assim pressuposta, ainda mantém o
real como ponto de partida das aprendizagens a serem desenvolvidas pela criança.
Um real abstraído, formal, sistematizado. Quando a escola reproduz este caminho
ela pressupõe que a criança a partir do real, do imediato, do particular chegará às
compreensões universais e gerais. Espera-se que das experiências reais a criança
deduza leis, princípios ou teorias gerais. De elementos mais simples para elementos
mais complexos. Recorrer à observação e à experimentação da realidade é a forma
que o currículo escolar encontrou de estreitar a relação entre o conhecimento da
ciência e a realidade. Expressa como contextualização ou recontextualização do
conhecimento. (Ibidem, p. 224-225).

O mesmo ocorre com os conteúdos de ensino, que são separados e fragmentados. No


caso da geografia, separam-se fenômenos físicos de humanos, e esses em unidades cada vez
mais simplificadas. Esse entendimento também pode ser evidenciado a partir dos sumários
que, de uma forma geral, apresentam a discussão sobre os fenômenos físicos no final dos
volumes em cada ano de ensino. No conteúdo cidade, por vezes, essa integração é realizada
no final dos capítulos ou em textos complementares, mas, no geral, quando se trabalha com
clima, relevo e vegetação, tem-se a escala regional e nacional, pois os livros dos anos iniciais
pouco encaminham para o trabalho com o conceito de espaço, mesmo enunciando em suas
concepções teórico-metodológicas que esse é o conceito-chave de entendimento da geografia.
Em perspectiva diferente estão os livros do Ensino Médio, que tratam as dimensões do global,
do territorial e do regional, geralmente iniciando pelos estudos da geografia física para, após
trabalhar com a geografia humana32. Os livros dessa etapa de ensino pouco encaminham para
os estudos do lugar e da paisagem. Nesse ponto de vista, o ensino fica fragilizado, pois os
principais conceitos, que dão sustentação teórica à geografia, precisam ser trabalhados de
forma articulada em todos os anos da educação básica.
Aqui já se encontram as primeiras evidências de um trabalho com a geografia que
segue a perspectiva de níveis de análise, quando há um ordenamento que persiste em todas as

32
Essa constatação foi realizada a partir de estudo desenvolvido por Deon (2016).
154

coleções que partem do espaço próximo para o mais distante, num cenário de círculos que se
ampliam de acordo com o tamanho do espaço, bem como dos objetos mais simples para os
mais complexos. Nesse sentido, a análise do sumário das coleções permite-nos ter uma visão
da totalidade sobre como são organizados os temas e conteúdos trabalhados. Isso mostra a
força do trabalho com essa perspectiva nos anos iniciais, mas, para que isso não ocorra, é
necessário que o professor possua uma sólida formação de modo a desenvolver o pensamento
pedagógico-geográfico, como destaca Copatti (2019, p. 10). Para a autora, esse pensamento
“tende a criar um modo de pensar que alia aspectos da dimensão teórico-conceitual e
epistemológica aos aportes da dimensão pedagógica, que possibilitam construir um modo de
abordar a Geografia, [...] na relação com o livro didático”.
É possível inferir, ainda, que as políticas de referência para a produção dos livros seguem
a visão pedagógica das competências e habilidades, reforçando a responsabilidade das disciplinas
para tal prerrogativa. Assim, é perfeitamente fácil entender o porquê de os livros ainda tratarem
dos círculos concêntricos ao invés de considerar perspectivas mais inovadoras de práticas
pedagógicas e de educação e aprendizagem. Um ensino pautado em competências não tem por
objetivo a construção de um entendimento da complexidade do mundo, mas de questões
imediatistas que, geralmente, estão atreladas aos designíos da economia e do mercado global.
Como, porém, essa lógica anunciada nos prefácios e sumários coloca-se em prática
nas concepções de ensino? E no conteúdo cidade? Vejamos esse entendimento no item
seguinte a partir do que emerge nos livros analisados.

3.4.3 O conteúdo cidade e as concepções teórico-metodológicas e didático-pedagógicas


das coleções

As concepções teórico-metodológicas e didático-pedagógicas são eixos estruturantes


do trabalho com os conteúdos nas disciplinas, pois elas evidenciam a concepção de método,
objeto e recursos metodológicos que dão conta de atender as especificidades do objeto. O
desenvolvimento dessas dimensões precisa ocorrer de forma articulada para que haja
efetividade no ensino e aprendizagem. Essas definições, que são encontradas no início do MP,
nos dão indicativos da abordagem dos conteúdos. É importante lembrar, entretanto, como
destaca Callai (2016), que nem sempre os encaminhamentos no trabalho com os conteúdos
seguem as premissas anteriormente descritas por questões políticas que se sobrepõem à
formação para a cidadania.
155

É importante salientar que nem todas as coleções trazem explicitamente a abordagem


teórica e, por vezes, didático-pedagógica que seguem. Muitas vezes elas são entendidas a
partir dos conceitos-chave com os quais se orientar e autores de referência, bem como
estruturam e organizam os volumes e conteúdos da coleção. Em síntese, as coleções estão
amparadas nas concepções teóricas e metodológicas conforme descritas no Quadro 37,
articuladas em seus principais procedimentos metodológicos.

Quadro 37 – Concepções teóricas e metodológicas das coleções


Livros LD1 LD2 LD3 LD4
Orientação Perspectiva Crítica, Perspectiva Crítica, Evidencia a Evidencia um
teóricas da tendo o conceito de tendo o espaço e suas perspectiva crítica e entendimento, pela
geografia espaço como categorias como humanista. perspectiva crítica, do
totalidade de M. elementos de análise. espaço a partir da relação
Santos como Alguns conceitos pela sociedade-natureza.
referência para as perspectiva dos
discussões. autores de referência
Por vezes alguns são abordados pela
conceitos são perspectiva
abordados pela humanística.
perspectiva
humanística.
Principais Lugar (desenvolvido Lugar (espaço Não deixa claro os Lugar (precisa ser
conceitos nos dois primeiros vivido). conceitos abordado a partir de uma
desenvolvidos volumes). Paisagem (resultado desenvolvidos, apenas multiplicidade de formas).
Paisagem, (tudo do processo de deixa evidente a Paisagem (tudo aquilo
aquilo relacionado às construção do preocupação com o que vemos materializado
formas do espaço). espaço). desenvolvimento da no espaço).
Território (precisa Região, território, leitura do espaço Região (área de recortes
sofrer adaptações a natureza, sociedade vivido e da paisagem múltiplos que expressam
cada etapa escolar). (não são descritos local e a relação relações de pertencimento
Região (não exige seus entendimentos), sociedade-natureza. e identidade).
apreensão dos apesar de serem Território (campo de
critérios de enunciado como forças operando sobre um
regionalização). importantes na substrato material, seja ele
Natureza (trabalhado formação de um a casa ou o país, formas
na retaguarda do modo de pensar de poder exercidas sobre
conceito de geográfico. determinados grupos).
paisagem). Natureza e sociedade
(precisam ser analisados
na sua relação).
Procedimentos Localização, Observar, descrever, Observar, identificar, Leitura e interpretação de
metodológicos orientação espacial, registrar, comparar, interpretar, descrever, linguagens, localização,
geográficos direção dos objetos, relacionar, organizar representar, elaborar reconhecer símbolos,
mudanças de escala, informações, explicações. interpretar legendas,
relações hierárquicas, sintetizar, analisar. representar o espaço,
analise, observação e escalas, observação e
percepção. comparação, análise,
problematização,
formulação de hipóteses.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

O Quadro evidencia que, no geral, quase todas as coleções entendem o espaço como
objeto-chave da geografia e, atrelado a ele, um conjunto de conceitos que permite entendê-lo.
Alguns desses conceitos carregam matrizes teóricas da corrente crítica ou da tendência
156

humanística. A intensidade com que aparecem é indispensável para uma análise mais
profunda, pois demonstra a sua importância no ensino. Os estudos da geografia, pela
perspectiva teórico-crítica e fenomenológica, são desenvolvidos no Brasil com mais
consistência a partir das décadas de 80 e 90 do século 20, especialmente em um período em
que o mundo estava passando por intensas modificações em escala global, que afetavam
diretamente os diferentes locais – a relembrar, o fim da bipolaridade capitalismo X
socialismo, a vitória do capitalismo e as perspectivas técnicas que ele impõe, desdobradas por
meio da inserção do mercado nas decisões econômicas, cabendo aos governos regular as taxas
de juros. Com isso estabeleceu-se uma nova divisão internacional do trabalho (DIT).
Todas essas ações tiveram impacto significativo na educação, que se torna, de forma
mais contundente, um meio para atender às necessidades imediatas do mercado. Nesse
sentido, as perspectivas críticas na geografia, com base em suas matrizes dialética, cultural e
humanística, trazem a impossibilidade de compreensão da complexidade do mundo sob o viés
do paradigma tradicional, pois seus conceitos e metodologias de ensino tratavam o mundo
desde um viés objetificador. Esse entendimento transparece na abordagem do conteúdo como
um receituário, em que os fenômenos físicos são desvinculados dos fenômenos sociais,
econômicos e culturais e descontextualizados da vida do estudante.
Assim, as matrizes dialética, cultural e humanística sustentam suas teorias a partir da
renovação e revisão de seus conceitos fundamentados nas bases filosóficas, e acreditam que
as ciências e as disciplinas precisam contribuir intelectual e subjetivamente para que o mundo
possa ser explicado e compreendido com vistas à mudança da realidade social das pessoas no
sentido da práxis. No que se refere diretamente ao ensino, essas teorias criticam, de forma
contundente, os processos de ensino e aprendizagem que buscam desenvolver a memorização
e a descrição de lugares e pontos isolados no espaço, oriundos da matriz positivista; daí os
livros indicarem buscar superar esses métodos em suas orientações de trabalho. Em termos
gerais, o Quadro 38 mostra o que buscam as perspectivas críticas.
157

Quadro 38 – Perspectivas críticas


Perspectiva dialética  O entendimento do ser humano como parte da natureza e como a
transforma. Admite-se a ideia de que as forças econômicas são
responsáveis pelo rumo da história da humanidade (produto social).
Há a valorização da ideia de tempo em espiral, ou seja, que o espaço
carrega marcas do passado no presente.
 Busca compreender o mundo por uma perspectiva de totalidade,
sendo esse o sentido da análise geográfica.
 O espaço congrega três dimensões que nele se materializam de
maneira simultânea: absoluto, relativo e relacional.
 Assim, a relação sujeito e objeto não é dada de forma imediata por
meio da percepção, mas construída historicamente na apropriação da
natureza por intermédio do trabalho.
Perspectiva fenomenológica  Privilegia em sua análise o sujeito do conhecimento a partir da sua
experiência específica (mundo da vida), e a impossibilidade de
separar o sujeito do mundo objetivado.
 O mundo é considerado interpretado, mas cada experiência humana
é singular no processo interpretativo.
 O método não é o único caminho de acesso à verdade.
 O espaço é vivido e experienciado; assim, paisagem, lugar e/ou
espaço vivido são conceitos-chave para a interpretação
geográfica.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021) com base em SUERTEGARAY (2005).

O processo de ensino, nesse contexto, é considerado um meio para a transformação


da sociedade. A construção de conhecimentos é uma das possibilidades para que os estudantes
possam se inserir de uma forma mais justa na sociedade atual e fazer frente aos seus direitos
como cidadãos. Nesse contexto, o objetivo da geografia é desenvolver no estudante um
conhecimento que possibilite fazer relação com a sua vida e, assim, colocar sentido ao que
estuda, bem como venha a servir como ferramenta para a compreensão da sua vida, para que,
assim, possa entender o mundo e transformar sua realidade.
Assumir, porém, essas concepções, também implica referenciais metodológicos que
deem conta de atender tais prerrogativas; por isso, é importante entendê-las nos
desdobramentos dos livros analisados. A nossa referência é o conteúdo cidade, mas
considerou-se na análise, ainda, o município e os processos de urbanização.
Segundo a análise realizada nos livros, foi possível perceber que, muitas vezes, eles
não conseguem dar conta de seguir fielmente as abordagens pelas quais relatam se situar. Isso
fica claro ao se analisar o conteúdo cidade, pois os pressupostos metodológicos utilizados
para o seu entendimento ainda reproduzem as concepções da geografia moderna. Por
exemplo, no segundo e terceiro anos, quando os conceitos e recortes principais de análise são
o lugar e a paisagem, os recursos metodológicos, princípios e categorias mobilizados pautam-
se na observação da paisagem, geralmente realizada a partir de imagens/fotografias
disponibilizadas na primeira página do capítulo, e, em seguida, solicita-se que essa seja
158

descrita de forma a evidenciar os elementos visíveis, depois pede-se que se explicitem suas
semelhanças e diferenças, sempre associando esse entendimento às formas. Há, ainda,
coleções que tratam, desde as páginas iniciais, dos referenciais espaciais, como localização,
extensão e pontos de referência.
A abordagem conceitual geralmente é apresentada nas primeiras páginas do capítulo,
e esses conceitos são abordados de forma mais genérica no LA, apresentando explicações que
permitem que o estudante possa entender sobre o tema que trata. As explicações mais
profundas estão no MP, em “textos complementares”, com trechos de textos de teóricos que
abordam o tema. Em seguida, os livros expõem os conceitos e temas secundários que se
associam ao entendimento do fenômeno principal. Também há indicativos de que os
estudantes considerem a relação paisagem como o lugar de vivência, como o exemplo
apresentado no LD1: “O lugar onde você mora apresenta paisagens como a das fotos?”
(SILVA; FURQUIM JR., 2018, p. 91).
No quarto e quinto anos o que muda são os conceitos e níveis principais de análise,
como o território e a região, que, segundo as coleções, só podem ser desenvolvidos
posteriormente por abordar maior complexidade e nível de abstração, mas os procedimentos
metodológicos para tal acrescentam-se à classificação e à comparação de áreas distintas, mas
que pouco avançam para o entendimento ou a compreensão da cidade, como preconizam as
teorias críticas evidenciadas nos livros. De forma a melhor expor o entendimento apresentado,
vejamos o Quadro 39, que traz as definições conceituais sobre cidade e município conforme
aparecem nas coleções, atreladas aos temas secundários, princípios e categorias33.

33
A sistematização completa dos conteúdos e temas secundários ao conteúdo cidade em cada livro é encontrada
nos Apêndices C e D desta pesquisa.
159

Quadro 39 – Conceitos, recortes de análise, categorias e princípios


LDS 2° Ano 3° Ano 4° Ano 5° Ano
Conceito Não se trabalha O conceito de O município é O conceito de cidade é
Cidade (LA) com o conceito de cidade é trabalhado trabalhado como a trabalhado por meio
cidade no capítulo a partir da menor unidade dos processos de
que discute perspectiva da político- urbanização,
“Campo e Cidade”. paisagem, e busca administrativa que hierarquia, funções e
Pede-se a partir de diferenciar as envolve tanto a área redes urbanas, regiões
imagens do campo paisagens do campo urbana quanto a rural. metropolitanas,
e da cidade para se e da cidade. Para A cidade é vista impactos naturais
destacar as tal, trazem imagens como a sede do oriundos do
diferenças e características de município, e discute- crescimento urbano e
semelhanças entre ambos. Destaca-se se sobre seus limites megarregião.
ambas. No capítulo a concentração de territoriais.
seguinte pessoas e
encaminha-se para construções e
elementos presentes atividades
na paisagem urbana econômicas como
(praças, parques, características da
ruas, espaços de cidade.
convivência).
Conceito e
recorte de Lugar Paisagem Território/região Território/região
análise
Conceitos e Campo e cidade, Campo e cidade. Município, área Urbanização, fluxos de
temas agricultura, Relações de urbana e rural, pessoas, transportes,
secundários pecuária, trabalho. limites. cidades no tempo,
extrativismo, Tecnologia. Relações de trabalho, patrimônio,
atividade industrial. pessoas entre campo planejamento urbano,
e cidade. redes urbanas,
Migrações. acessibilidade,
Comunidades desigualdade urbana:
tradicionais e problemas urbanos,
relações de cidadania. transporte e
comunicações.
Princípios34 Semelhanças, Localização, Diferenças, Temporalidade,
diferenças, extensão, relação, analogia/semelhança, extensão, localização,
localização. diferenças, relação, ordem interação (conexão),
semelhanças, (indireta), extensão, diferenças,
mudanças, distribuição, semelhanças, ordem
permanências localização. (indireta).
continuidade
interdependência.
Categorias Formas. Formas. Formas. Formas, funções.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

Evidencia-se o trabalho com os conteúdos, partindo dos mais simples para os mais
complexos e de dimensões mais próximas para mais distantes, entendimento esse que já havia
sido apresentado nos sumários, na medida em que se inicia o entendimento da cidade nos
volumes iniciais a partir do reconhecimento e identificação das diferenças e semelhanças
entre as ruas, bairros, quarteirões, campo e cidade pela leitura da paisagem, para trabalhar

34
O Quadro traz uma generalização, pois nem todos os princípios e categorias são abordados em todas as
coleções.
160

com conceitos mais complexos, como município, limites, fronteiras, urbanização e funções
das cidades nos volumes finais. Nesse sentido, o sumário apresenta um indicativo importante
do que, de fato, as coleções buscam desempenhar com os conteúdos produzidos nos livros.
Os recortes de abordagem do conteúdo nas coleções iniciam pelo lugar e vão para a
paisagem, o território e a região, e os conteúdos e referenciais metodológicos, utilizados para
o seu entendimento, seguem a lógica do mais simples para o mais complexo. Essa premissa já
se apresentava nos pressupostos metodológicos dos clássicos da geografia, como em Ritter,
que, ao se fundamentar na Pedagogia de Pestalozzi, considerava que o ensino de geografia
deveria iniciar do particular ao geral, do lugar para o mundo. Vejamos uma passagem de seus
escritos:

Essas observações se dirigem para o fato de que o método mais natural seja mesmo
aquele que saiba unificar todos esses múltiplos objetos dentro de um todo, e então é
este também que, conforme a natureza do objeto, conduz do singular para o geral. É
ele que primeiramente orienta a criança na realidade e busca fixar que o lugar onde
ela vive também ensina a ver. Que seja então a cidade ou a vila, a montanha ou o
vale, onde a criança possa obter seus primeiros conhecimentos geográficos, não em
sala de aula, no mapa e a partir do livro, mas sim na natureza; isso permanece
imutável. Este método elementar unifica todas as exigências da ciência e do método,
e é por este motivo o único. Aqui a criança conhece a região [Land] em todas as suas
relações, aprende [p. 208] a compreender o mapa de todas as outras regiões [Länder]
na imagem daí registrada por si própria. Se esta formação elementar for concluída de
maneira apropriada, as maiores dificuldades que a Geografia [Geographie] oferece
enquanto ensino mais distanciados serão superadas. (RITTER, 2016, p. 218-219).

É possível perceber que as discussões que vêm desde os clássicos da geografia


perpassam, ainda hoje, o ensino dessa disciplina, quando trazem o entendimento de que o
ensino deve partir da realidade mais próxima para a mais distante. Mesmo que o entendimento
do lugar seja o cerne do estudo da geografia pelas propostas atuais de ensino, o problema que
se evidencia é que essa perspectiva valoriza o lugar apenas como local em sua perspectiva
métrica, ou seja, o espaço absoluto. “A proposta, hoje, direciona-se para o entendimento de
que o lugar se explica pelo global, ao mesmo tempo que o local poderá agir sobre o global. O
lugar também resgata a identidade” (SUERTEGARAY, 2019, p. 7).
Pode-se afirmar, ainda, com base na análise, que os princípios, e, por vezes, as
categorias utilizadas para operacionalizar os conteúdos, não ficam claros nos volumes
analisados nas diferentes coleções, apesar de serem referência na BNCC para o
desenvolvimento do raciocínio geográfico. Alguns princípios, como diferenciação e analogia,
foram entendidos a partir dos encaminhamentos para explicitar as diferenças e semelhanças
da paisagem, assim como interdependência foi entendida como conexão. Os princípios,
161

contudo, não são abordados na sua íntegra em nenhum dos volumes, bem como as categorias
utilizadas são a forma nos 1°, 2° e 3° anos e as funções nos 4° e 5° anos, o que dificulta a
compreensão do espaço em sua totalidade, como preconizam as coleções em seus
pressupostos teórico-metodológicos.
Evidencia-se, também, que não há encaminhamento para o trabalho com o conceito
de espaço, apesar de esse ser considerado nas orientações do MP como chave para o
entendimento da geografia. Em nenhuma das coleções o conceito de cidade é entendido em
suas múltiplas escalas, o que impossibilita uma compreensão da complexidade desse conceito,
haja vista que em cada série/ano de ensino se trabalha com um conceito principal, mas, ao
final do quinto ano, a soma dessas partes não constitui o todo do seu entendimento. Ao se
trabalhar ao longo dos anos somente alguns conceitos da geografia, priva-se a criança de um
conhecimento complexo do mundo.
Entendemos que recortes de análise, princípios, categorias e conceitos, “tomados
individualmente, representam apenas realidades parciais, limitadas do mundo (SANTOS,
2014a, p. 71). Mas ao serem considerados em seu ‘conjunto’ e relacionados entre si, eles
constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos
espaciais em totalidade” (Ibidem, p. 71). Todos esses elementos precisam ser trabalhados
concomitantemente, de forma que sejam dadas as bases para a compreensão de como
interagem entre si para moldar o espaço ao longo do tempo.
Nesse sentido, o ensino não pode subestimar a capacidade intelectual da criança,
ensinando a ela partes isoladas do espaço, pois, como afirma Toso (2018), “o mundo é
complexo, as relações são complexas e as crianças não operam fora dessa lógica. É
fundamental que sejam feitas apostas nesses sujeitos, sem subestimar suas capacidades” (p.
14). Toso (2018, p. 41), com base em Callai (2002), “acredita que precisamos nos esforçar
para superar um ensino que ocorre nessa perspectiva – linear, factual e fragmentada –, pois o
pensamento da criança não se organiza desse modo. O aluno é capaz de pensar de forma
complexa”. Isso evidencia que o trabalho, partindo dos conteúdos e recortes mais simples para
os mais complexos, não contribui para o entendimento do mundo a partir da complexidade
das relações que nele se materializam.
Já as concepções didático-pedagógicas apresentadas pelas coleções também
carregam as marcas desse processo de renovação no campo educacional. É importante deixar
claro, entretanto, que, para que possam ter efetividade, essas concepções não podem ser
dissociadas dos pressupostos teórico-metodológicos.
162

Quadro 40 – Concepções didático-pedagógicas


Livros LD1 LD2 LD3 LD4
Orientação Perspectiva A concepção Evidencia os Perspectiva
didático Socioconstrutivista didática da coleção princípios da construtivista e
pedagógica de Vygotsky e segue as Aprendizagem socioconstrutivista.
Construtivista de proposições do significativa de
Jean Piaget. ensino de Geografia Ausubel,
de Helena Callai e interdiciplinariedade
Lana S. Cavalcanti. e o interculturalismo.
Procedimentos Educação Utilizar diferentes Alfabetização Atividades orais e
didático- cartográfica fontes textuais, cartográfica, escritas, leituras de
pedagógicos (representações documentais, atividades variadas, textos de diferentes
espaciais, mapas imagéticas na orais, escritas, gêneros, obras de
mentais, leitura e individuais, coletivas, arte e mapas
fotografias aéreas, compreensão do estudo da língua mentais, ícones de
imagens de satélite, espaço, conhecer e portuguesa, artes, trabalho com
leitura de plantas, utilizar a linguagem temas alfabetização
croquis, mapas cartográfica como contemporâneos. cartográfica, mapas
temáticos), instrumento de de localização,
interpretação de representação, situação-problema,
texto, redação leitura e projetos,
textual, pesquisa, interpretação do interdiciplinarieda-
atividades espaço. de, temas
multidisciplinar. Trabalho de campo, contemporâneo,
entrevistas, alfabetização
observação, cartográfica.
análises,
argumentações.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

Quase todas as coleções analisadas seguem as abordagens construtivista e


socioconstrutivista; apenas uma que segue os preceitos da aprendizagem significativa de
David Ausubel. Os autores do LD1, Silva e Furquim Jr. (2018), afirmam da impossibilidade
de seguir de uma forma fiel uma única perspectiva teórica, e é notável esse entendimento, pois
dificilmente as coleções vão ter a mesma concepção das políticas que a orientam, apesar de
precisarem dar os indicativos de como oferecem essas possibilidades. As coleções também
incluem, em sua perspectiva, a abordagem do fundamento pedagógico das competências e
habilidades, que é a abordagem maior situada pela BNCC, e, por isso, precisa estar presente
nos livros. Buscando cumprir esse entendimento, as coleções indicam no MP e no início de
cada unidade/capítulo do LA como desenvolvem as habilidades destinadas a cada ano de
ensino.
Tanto o construtivismo quanto o socioconstrutivismo são bases importantes que
contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento do entendimento sobre como se estrutura
a aprendizagem. A abordagem construtivista segue os preceitos de Jean Piaget (2007), e
entende que o conhecimento é resultado de uma construção pessoal do aluno que se
163

desenvolve a partir de estágios do conhecimento que avançam progressivamente35. Para esse


autor, a linguagem, por estar atrelada ao domínio do visível, não é suficiente para explicar o
pensamento. Assim, para chegar a níveis mais abstratos a criança precisa avançar fases que
possibilitam o amadurecimento do seu sistema nervoso, chamado pelo autor de maturação.
Ao analisar a proposta socioconstrutivista de Vigotsky (2009), é possível encontrar
pontos em que suas teorias convergem com Piaget, mas propondo avanços. Vigotsky entende
que a criança nasce num mundo que é social, e que essa condição influencia diretamente seu
processo de construção de conhecimento, pois é por meio das interações que os sujeitos
estabelecem com a sociedade ao seu redor que eles podem se modificar e modificar a
sociedade. Assim, o conhecimento escolar desenvolve-se a partir da transição do abstrato ao
concreto, em que os professores, por intermédio do processo de mediação, podem conduzir o
estudante a construir conhecimentos que ele não saiba ou não pode aprender sozinho.
A teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (2003) parte da premissa de que
quanto mais sabemos mais aprendemos. Assim, para o autor, a aprendizagem significativa
possibilita ampliar e reconfigurar ideias já existentes na mente, sendo possível fazer relações e
construir novos conhecimentos. Para que isso ocorra é necessário que as histórias dos sujeitos
sejam consideradas, assim como seus conhecimentos prévios, e, a partir disso, os professores
precisam propor situações que possibilitem a aprendizagem. A aprendizagem significativa
ocorre quando o estudante incorpora o conceito e o operacionaliza em âmbito da sua prática.
Essas propostas, porém, encontram limites em sua abordagem, pois ainda acabam
recaindo no clássico debate das racionalidades, em que o conhecimento ocorre pela
perspectiva do sujeito ou do objeto, constituindo-se pela equação sujeito > objeto, objeto >
sujeito. Por esse viés, como entende Boufleuer (2017) apoiado em Marques (1995), ambas as
abordagens encontram limites, pois acabam inclinando-se ou mais para o lado do sujeito, ou
mais para o lado do objeto, ou o conhecimento se desenvolve externa ou internamente no
sujeito. O que se evidencia, “é que as principais correntes pedagógicas modernas e
contemporâneas são tributárias desse pressuposto” (BOUFLEUER, 2017, p. 5). Assim,
pensamento e linguagem ainda operam como funções distintas e que se desenvolvem em
tempos distintos na aprendizagem, não como uma unidade.

35
A saber, os estágios do conhecimento propostos pelo autor: Sensório-motor: ocorre entre zero e 2 anos de
idade. Nesse estágio tudo acontece pelas sensações e não há o envolvimento de representações mentais e
pensamento. Pré-operatório: entre 2 e 7 anos de idade. Nesse estágio a criança começa a desenvolver-se a partir
de sua capacidade simbólica, não apenas por sensações. Operatório concreto: entre 7 e 11 anos de idade. Nessa
fase a criança começa a pensar de forma lógica, mas ainda necessita auxílio do domínio do visível. Operatório
formal: dos 11/12 anos em diante. Nessa fase a criança raciocina, elabora hipóteses e as coloca em prática pela
abstração (PIAGET, 2007).
164

Linguagem e pensamento, contudo, constituem-se como elementos fundantes da


geografia, ciência que estuda o espaço. O espaço é constituído por seres humanos, objetos e
ações, que, por vezes, são visíveis e, por vezes, invisíveis. As relações estabelecidas entre
objetos e ações pelos seres humanos e pela dinâmica da natureza, produzem o espaço ao
longo do tempo. Essa produção ocorre de humanos com humanos, de humanos com a
natureza e da natureza com humanos, em uma relação mútua. Buscar formas de compreender
essas relações é o objetivo do conhecimento. O conhecimento nada mais é do que o mundo
tematizado, e essa tematização ocorre porque os seres humanos, por meio da linguagem,
criam representações simbólicas do mundo. Essas representações são construídas pela
percepção e pelo pensamento que ocorrem de forma concomitante quando observamos,
descrevemos, interpretamos, compreendemos e mobilizamos, dimensões tanto da linguagem
quanto de pensamento. Pensamento e linguagem, nesse sentido, são uma unidade
contraditória e complementar que são parte do ser humano e que se desenvolvem
mutuamente.
Como vimos anteriormente, essa unidade pode ocorrer pelo uso da escala geográfica,
mas o que nos resta saber é como, de fato, ela aparece nas coleções didáticas. Esse
entendimento será expresso na discussão a seguir.

3.4.4 A escala de análise geográfica

A escala de análise geográfica, conforme discutido nesta tese, pode ser um método
de ensino de geografia quando torna possível a articulação entre princípios e categorias para a
construção dos conceitos geográficos. Nos anos iniciais é importante que esse entendimento
seja desenvolvido para que essa etapa consiga ser a base de sustentação para as etapas finais
do processo de escolarização. Como, todavia, esse entendimento apresenta-se nas coleções
analisadas?
Nas coleções analisadas as discussões sobre a escala são apresentadas junto as
orientações gerais para a coleção no MP, de forma mais específica quando expõem a estrutura
dos volumes e os objetivos de cada ano de ensino. Apenas uma coleção indica a discussão
sobre a escala fora desses momentos, a saber, o LD4, quando discute o conceito de lugar,
afirma que “trabalhar com uma dimensão escalar torna-se uma exigência, capaz de superar a
interpretação localista e fechada que impede o encontro de explicações para o que vai
acontecendo”, e adota Helena Callai como referência para a discussão. O LD3 traz um item
165

denominado “Sugestão de trabalho em nível local e regional” junto aos procedimentos


didático-pedagógicos, como forma de melhor desenvolver as aulas considerando as escalas.
De modo a evidenciar as concepções de escala apresentadas pelos livros analisados,
organizei o Quadro 41.

Quadro 41 – Concepções de escala


Livros LD1 LD2 LD3 LD4
Entendimento A coleção busca, A concepção de “O propósito desta O conceito de escala
de escala das nos primeiros escala é entendida a coleção é fornecer é trabalhado a partir
coleções volumes, enfatizar partir de um trecho condições para que de Callai (2010),
“os lugares de que trata dos os alunos consigam quando discute o
vivência e a ideia princípios relacionar o lugar conceito de lugar:
de pertencimento, a norteadores da de vivência, com “trabalhar com uma
localização coleção quando escalas mais dimensão escalar
espacial, a aborda sobre o que é amplas (local, torna-se uma
alfabetização trabalhado em cada regional e global), exigência, capaz de
cartográfica e a livro da coleção. “O e possam comparar superar a
convivência social livro do 1° ano e perceber interpretação
nas mais variadas apresenta os temas semelhanças e localista e fechada
situações. sobre a identidade; diferenças, que impede o
Gradativamente, os grupos sociais permanências e encontro de
amplia-se a escala [...]. No livro do 2° mudanças. Ao explicações para o
de análise e ano, a principal eleger a escala de que vai acontecendo.
abordam-se os escala de análise, análise, constrói-se E a escala social de
conceitos de passa a ser o bairro o raciocínio análise precisa estar
paisagem, território [...]. O livro do espacial e delimita- clara e referenciar
e região, assim terceiro ano é se o fenômeno em todo e qualquer
como o estudo do dedicado à leitura e à questão, estudo, pois além do
urbano e do rural e análise da paisagem estimulando a global/mundial e do
a interligação entre como procedimentos capacidade de local, temos também
campo e cidade, para compreensão do generalização na níveis intermediários
conjuntos espaciais espaço geográfico construção do que são o regional e
distintos, mas cada [...]. No livro do conceito” (p. XIII). o nacional. E o
vez mais integrados quarto ano universal está
[...]”. (p. XX). trabalhamos a presente em todos
Ainda destaca o organização político- esses recortes, que
lugar como um administrativa do são espaciais, mas
conceito importante Brasil, suas também políticos,
para a relação com paisagens naturais e administrativos,
outras escalas de sociais [...]. O livro culturais e sociais.
análise (p. XVI). do quinto ano tem Cada lugar está
como foco a inserido numa rede
dinâmica que comporta essa
populacional escala de análise e,
brasileira, a por isso, a
urbanização e a articulação dos fatos,
formação de redes fenômenos e forças
urbanas [...]” (p. reais e/ou virtuais
XXI). tem de ser
reconhecida e
considerada em seu
contexto” (p.
XXVIII).
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
166

A partir da análise do Quadro é possível perceber que, geralmente, a concepção de


escala exposta nos livros reafirma o entendimento apresentado pelos sumários, referindo-a
apenas a níveis e dimensões de análise. Isso torna-se problemático para a geografia, pois a
escala é uma medida que confere visibilidade ao fenômeno e não é definidora do nível de
análise, como afirma Castro (2014, 2017). Assim, seu entendimento, apenas na perspectiva de
recorte, não encaminha para a compreensão da totalidade do espaço, pois não possibilita a sua
articulação com outros recortes, haja vista que nem todas as categorias e princípios são
desenvolvidos na abordagem do conteúdo cidade, como vimos anteriormente.
A ideia do lugar como conceito-chave para “a relação com outras escalas de análise”,
como preconizado pelo LD1, LD3 e LD4, é um movimento importante e necessário para que
os livros rompam com a perspectiva dos círculos concêntricos. Uma das críticas mais
contundentes dos pesquisadores do ensino de geografia dos anos iniciais, então, é justamente
a falta de relação entre os conteúdos e a realidade vivida pelo aluno, tornando a aprendizagem
descontextualizada e sem sentido. Como os livros são produzidos em escala nacional,
dificilmente os diversos contextos locais são abordados no trabalho com os conteúdos. Dessa
forma, tem-se percebido que as coleções têm buscado inserir esse entendimento, chamando a
atenção no MP para pontos em que podem ser feitas as contextualizações com o lugar de
vivência dos estudantes. Vejamos, no Quadro 42, alguns exemplos.
167

Quadro 42 – Contextualizações com o lugar de vivência dos estudantes


LD1 – MP – Vol. 5 – Unidade 3 “Rede Urbana” LD2 – MP Vol. 5 – Unidade 2 “Urbanização
Brasileira”
Ex. 1: “A importância das Cidades”
“Converse com os estudantes sobre a relação de Ex. 1: “Hierarquia urbana”
importância que as cidades têm. Peça para pensarem “Para que os alunos compreendam melhor a
na relação da cidade onde eles vivem com as cidades integração e a hierarquia entre as cidades, forneça
vizinhas. Considere que no conjunto de cidades exemplos próximos à realidade deles. Comente, por
algumas apresentam maior influência e destaque que exemplo, que habitantes de uma cidade pequena,
outras”. como um centro local ou um centro de zona,
frequentemente precisam recorrer a hospitais de
“Converse com os estudantes sobre os aspectos cidades maiores ou da capital do Estado para
econômicos, populacionais e políticos que levam os conseguir atendimento de determinadas
estudantes a terem diferentes importância e especialidades médicas” (JOMAA, 2017, p. 74).
influências regional ou nacional. Essa conversa pode
ser orientada por questionamentos que promovam a Ex. 2: “Desigualdade urbana: problemas
identificação das características da cidade onde está urbanos, transporte”
inserida a escola. Quais são as principais atividades “Pergunte aos alunos se algum dos problemas
comerciais desenvolvidas na cidade? Pessoas de apresentados no capítulo ocorrem no lugar onde
outros municípios vêm para a cidade para realizar vivem e estimule um debate sobre possíveis medidas
compras, utilizar serviços de saúde e educação? que poderiam ser tomadas no sentido de reduzir
Decisões políticas importantes para a região são esses problemas” (JOMAA, 2017, p. 79).
tomadas na cidade? A cidade apresenta rodoviária,
terminal ferroviário, porto ou aeroporto? [...]”
(SILVA; FURQUIM JR., 2018, p. 106).
LD3 – LA – Vol. 2 – Unidade 5 “Campo e Cidade” LD4 – LD4 – MP – Vol. 4 – Unidade 2
“Interdependência campo e cidade”
Ex. 1:
“1. Procure saber se no lugar onde está a escola em Ex. 1:
que você estuda há pessoas ou descendentes de “Providencie o mapa da cidade. Para estabelecer as
pessoas que vieram de outros locais. Escreva no direções das diferentes regiões do seu município,
caderno: a) de onde a pessoa veio? b) quando se além do movimento aparente do sol, pode-se
mudou para o lugar e por quê? c) que costumes do trabalhar com uma bússola ou com as informações
lugar onde nasceu trouxe para o lugar onde vive contidas em um mapa. Para pesquisar o que há em
hoje? d) do que ela mais gosta no lugar onde vive? e) cada região da cidade é possível organizar um
o que ela gostaria de mudar nele” (BRANCO; trabalho de campo. Se não for possível, colete dados
PICCOLI; LUCCI, 2017, p. 81). e outras informações e, depois, apresente esse
material aos alunos. Muitas informações podem ser
obtidas no site das prefeituras” (SIMIELLI, 2017, p.
68-69).
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

Para que, de fato, no entanto, esses encaminhamentos tenham efetividade, caberá ao


professor fazer as devidas contextualizações, muitas vezes buscando referenciais de leituras,
pesquisas sobre a realidade local e mapas que ajudem a compreender a realidade, situando-os
com o conhecimento historicamente construído. Entendemos, contudo, que essa não é uma
ação que, sozinha, consiga romper essa perspectiva de ensino que, por muitos anos, tem
orientado os currículos. De um modo geral, as coleções apresentam o encaminhamento para o
trabalho com o lugar no desdobramento dos conteúdos a partir das atividades, mas poucas
coleções possibilitam pensar a sua relação com várias escalas.
168

É importante mencionar, ainda, que em nenhum momento as coleções evidenciam


como trabalham com a escala geográfica na abordagem dos conteúdos. Os exemplos sobre o
uso da escala geográfica, encontrados nas coleções, estão, geralmente, nas atividades, exceto
o trecho da Figura 43, que traz um texto extraído do item “Tema Contemporâneo” do MP,
encontrado na Coleção Ápis, Unidade 3 – “As cidades e o trabalho”.

Quadro 43 – Exemplo LD4 – MP – vol. 5 – “As cidades se transformam”

Fonte: SIMIELLI (2017, p. 101).


169

A atividade traz indicativos do trabalho com a escala a partir da problemática da seca


que assola os desertos, observando como as pessoas e órgãos públicos que vivem nesta
realidade têm buscado encontrar soluções para minimizar seus impactos. Para conhecer essa
solução o governo brasileiro enviou um grupo de especialistas para aprender novas
tecnologias que poderão ser introduzidas em áreas semiáridas. Nesse sentido, é possível
evidenciar que existem ações locais que podem influenciar outros diversos lugares, pois o
fenômeno da seca no deserto assola, principalmente, lugares localizados em zonas tropicais
do mundo, ou mesmo influenciar as atividades econômicas, o que já constitui indicativos para
o trabalho com os princípios e as categorias da geografia.
É interessante notar como a escala pode ser trabalhada nessa atividade
primeiramente, pois aqui é o fenômeno que existe. A escala é utilizada como estratégia para
abordar o real, ou seja, o fenômeno da seca no deserto (fenômeno natural). O lugar em que se
escolheu evidenciar o fenômeno Oriente Médio foi uma convenção. Assim, definiu-se o que
de significativo sobre esse fenômeno deveria ser mostrado, isto é, os processos de irrigação
(ação humana sobre o meio natural). Ao serem enviados técnicos brasileiros para conhecer o
processo desenvolvido no Oriente Médio, esses abstraem uma generalização de como é feito,
mas o contexto brasileiro é diverso, e as variáveis da mudança de escala e aplicação das
técnicas no Brasil serão diferentes.
Como a atividade não traz esses indicativos, é necessário que o professor mobilize
esses conhecimentos para que as devidas relações sejam estabelecidas de forma a promover
um conhecimento crítico e reflexivo sobre a geografia.
A seguir, há outra atividade em que é perceptível o uso da escala no LD4 na Unidade
2 “Interdependência entre campo e cidade”; ela é desenvolvida em um contexto que discute a
atividade industrial de modo a fazer a ligação entre as relações campo e cidade.
Primeiramente, no LA, é discutido sobre objetos utilizados pelos alunos em seu cotidiano,
como tênis, roupas, alimentos e materiais escolares. Em seguida, expõem-se a matéria-prima
empregada em cada um desses objetos. Ressalta-se, no MP, que se discuta sobre a
transformação das matérias-primas pela indústria, vejamos:
170

Quadro 44 – Exemplo LD4 – LA e MP – vol. 4 – cap. 4 – “Atividade industrial”

MP

Fonte: SIMIELLI (2017, p. 76).

A atividade no LA sugere o uso da escala, pois não limita o produto a apenas uma
área de ocorrência, mostrando as suas inter-relações, que vão desde a coleta da matéria-prima,
a produção, a distribuição e a venda, ressaltando, assim, a dinâmica da Divisão Internacional
do Trabalho. Percebe-se, neste panorama, que um mesmo produto pode extrair sua matéria-
prima de produção no Brasil, seu fabricante ter sede nos EUA, a fabricação também ocorrer
no México e sua distribuição e venda acontecer em vários lugares do mundo com os quais
esse fabricante tem relações de mercado. No MP destaca-se, ainda, o uso da cartografia como
complemento para a atividade. É importante que o professor desenvolva as atividades de
forma conjunta para que a explicação e o entendimento do tema não se reduzam à
localizações de pontos no espaço, mas de forma a encaminhar o pensar sobre.
No LD1, Unidade 1 “Campo e Cidade”, novamente há atividades, tanto no LA
quanto no MP, sobre o uso da escala a partir do tema indústria – item “Caminhos da
Produção”. Vejamos o exemplo no Quadro 45.
171

Quadro 45 – Exemplo LD1 – MP – vol. 4 – cap. 1 – “Integração campo e cidade”

Fonte: SILVA; FURQUIM JR. (2018, p. 17).

As atividades mencionadas são importantes por expressarem como o conteúdo


indústria pode ser uma via importante para o trabalho com a escala, como já apontou Aragão
(2019) em sua tese. Para o autor, o estudo da indústria na geografia escolar:

[...] envolve um amplo e complexo estudo do espaço geográfico, dos impactos


positivos e negativos sobre ele, do uso de matérias-primas oriundas de distintas
escalas, dos fluxos (interno e externo) de pessoas, de tecnologias, de produtos
(parciais ou acabados), de máquinas, de marcas, de compra e venda, de redes etc.
Enfim, a indústria é, de fato, multiescalar. Até mesmo micro e pequenas indústrias
com atuação mais local congregam elementos de escalas maiores que, muitas vezes,
passam despercebidos por aqueles que produzem, comercializam ou consomem
mercadorias, fazendo-as circular da escala local à global, por meio de distintos
modais de transportes. (p. 97).

Esse entendimento torna-se mais claro a partir das relações e redes estabelecidas
entre os três setores da economia – primário, secundário e terciário – e sua espacialização e
fluxos postos em prática pelo mundo. O conteúdo também pode fazer a relação entre
sociedade e natureza, mostrando que os países que detêm maiores meios técnicos (mais
tecnologia) são os mais industrializados e os que possuem maior poder e influência sobre os
outros. São eles que mais avançam nos setores secundário e terciário e, consequentemente,
exploram, de forma mais incisiva, o meio natural. Os desdobramentos dessa exploração
afetam não somente o local em que ocorrem, poluindo ou esgotando os recursos naturais, mas
também outros lugares a partir das matérias-primas fornecidas para a sua produção ou a
geração de lixo, em razão do fato de cada vez mais os produtos serem feitos para não durar.
Essas relações, contudo, pouco são exploradas nos livros, e quando aparecem estão
em seções no final dos capítulos ou unidades, intituladas “A consciência Cidadã”, “Você
conectado”, “Pesquise”, “Saiba mais”, “Tecendo Saberes”, entre outras denominações
específicas de cada coleção, que trazem possibilidades pedagógicas de explorar o conteúdo de
172

forma mais próxima da realidade vivida ou mesmo vistas em redes sociais, jornais e televisão.
Essas seções, no entanto, em muitos contextos, são demasiado pontuais e não indicam a inter-
relação com os conceitos, categorias e princípios, de modo a contribuir de forma efetiva para
a realização da análise geográfica.
Outro conceito significativo para o trabalho com escala geográfica é o das migrações,
pois elas indicam o movimento de pessoas em diferentes tempos e espaços. As marcas dessas
mudanças influenciam diretamente nas formas das cidades, nos costumes e hábitos e nas
relações econômicas nelas desenvolvidas, que dão característica e constituem o seu
patrimônio imaterial. O Brasil é palco de inúmeras migrações tanto interna quanto
externamente, que ocorreram em distintos tempos e ainda ocorrem por razões diferentes.
Essas migrações marcam as características tanto das regiões do Brasil quanto de cidades
específicas e bairros dentro das cidades. Esse entendimento é explicitado no LD2 na “Unidade
3 “Espaço Urbano”, que, na atividade exposta no Quadro 46, faz com que os alunos entendam
que partes diversas de lugares no mundo, por meio das migrações, materializam-se em
inúmeros lugares.

Quadro 46 – Exemplo LD2 – LA – vol. 3 – cap. 2 – “A vida na cidade”

Fonte: JOMAA (2017, p. 68).

Outro exemplo em que se subentende que a escala geográfica se faz presente é


encontrado no LD3 no final da Unidade 1, “Município e o meu lugar”, na seção “Vamos falar
sobre”, que trata de como as ações locais podem ter efeitos globais a partir de atitudes que
podem melhorar o mundo. O item foi construído com referência nas “55 ações para os jovens
mudarem o mundo”, e elaborado a partir da “Conferência Internacional da Juventude Tunza”,
ocorrida em fevereiro de 2013 no Quênia.
173

Quadro 47 – Exemplo LD3 – LA – vol. 4 – “O meu lugar”

Fonte: BRANCO; PICCOLI; LUCCI (2017, p. 19).

Vejamos como o MP oferece orientação para o desenvolvimento da seção: “O


objetivo da seção Vamos falar sobre... é trabalhar questões voltadas à responsabilidade
social e à formação cidadã, por meio de temas relevantes na atualidade. Vincular os estudos
à realidade dos alunos é uma das maneiras mais eficientes de estimular o aprendizado e
formar cidadãos críticos e atuantes” (BRANCO; PICCOLI; LUCCI, 2017, p. 19).
Compreende-se que é esse tipo de atividade que evidencia a realidade e demonstra como o
mundo está conectado e como os lugares reproduzem as ações do mundo. A todo o momento
percebemos a presença do mundo em nossas vidas pelos meios de comunicação ou mesmo
pelas ações cotidianas às quais estamos submersos. Vejamos o exemplo do coronavírus, que
até há um ano era a realidade apenas da China e, hoje, está presente em todos os cantos do
Planeta. O exemplo, contudo, não se refere a uma análise geográfica; ele subentende que os
aspectos da escala sejam considerados, mas não mostra a presença dos conceitos, categorias e
princípios.
Muitas outras relações podem ser desenvolvidas com essa atividade dentro do
contexto em que ela está sendo utilizada; por exemplo, a questão da indústria e do
consumismo, a decisão das grandes empresas em continuar instituindo essa lógica e seus
reflexos na vida das pessoas e do meio ambiente, a sustentabilidade local entre outras relações
que podem ser estabelecidas e os meios de comunicação, que são as formas para a difusão de
ideias. É por aí que precisamos construir caminhos para o ensino da geografia que, de fato,
contribua para a transformação social dos estudantes. Por isso, é necessário que os estudantes
compreendam a tríplice dimensão que envolve esses processos, ou como chama atenção
174

Santos (2013) em seu livro “Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal”, o mundo como se apresenta, o mundo como ele é, e o mundo como pode ser.
O volume 5 do LD3, ao trabalhar, na Unidade 5, “Urbanização, problemas sociais e
ambientais”, especificamente quando aborda sobre a urbanização no Brasil, afirma que esse
processo ocorreu de forma diferenciada nos diversos lugares do território. Nesse sentido,
chama a atenção ao fato de que algumas cidades “cresceram bastante porque possuíam um
porto ou porque faziam conexão entre áreas produtoras de mercadorias e portos de
exportação. Essas cidades concentraram atividades econômicas e atraíram pessoas de outras
cidades e também do campo” (BRANCO; PICCOLI; LUCCI, 2017, p. 85).

Quadro 48 – Exemplo LD3 – MP – vol. 5 – “Redes de cidades”

Fonte: BRANCO; PICCOLI; LUCCI (2017, p. 85).

O importante dessa atividade é que os alunos compreendam as relações entre as cidades,


os processos históricos e econômicos que a constituíram, mesmo que o livro não os explicite, e
como a questão econômica, aliada aos fatores físicos, pode contribuir para o avanço ou limitar o
desenvolvimento das cidades. Como ressalta Callai (1995, p. 7), uma cidade “é o resultado de um
jogo de forças políticas e econômicas que acontecem entre os que ali vivem”, mas também entre
aqueles que possuem poder sobre os que ali habitam na articulação com o jogo de forças externo.
Isso cria formas, mas também funções para as cidades e novas estruturas a partir de relações
econômicas estabelecidas com outros lugares e fluxos por meio dos processos. Assim, todas essas
categorias precisam ser evidenciadas para uma análise mais profunda do tema.
175

Esses foram alguns exemplos encontrados nos livros que podem estimular o trabalho
com as escalas a partir da discussão de um tema/fenômeno proposto, das relações que possui
com outros fenômenos e dos vínculos que estabelece com outras escalas. Como é impossível
aprender um fenômeno em sua totalidade, é necessário fazer um recorte que mais bem permita
o seu trabalho, mas é preciso que esse recorte não seja desvinculado de outras relações com
outros recortes, que possuem ligação, conexão e interdependência. A cidade possui elos com
outros lugares, paisagens, regiões, território e com o espaço, e esses diferentes recortes, que
igualmente integram dimensões conceituais, se materializam de diferentes formas em cada
cidade a partir de relações políticas, econômicas, sociais, culturais, tecnológicas e
físico/naturais. O trabalho com a cidade, apenas pela generalização, não promove a
construção de conhecimento, por isso é preciso que sejam feitas as devidas relações com as
especificidades dos lugares em que vivem os alunos, para uma construção significativa do
conhecimento. Cada lugar possui especificidades, pela dimensão espacial da localização que
ocupa, que promovem diferentes paisagens, climas, formas de relevo, hidrografia e vegetação,
e também pelas populações que ali vivem e trazem suas culturas, formas de vida e relação
com a natureza. Disso podem ser estabelecidas, ainda, diversas outras relações com outros
temas.
As cidades são pequenas, médias, grandes; fazem parte de um território nacional e
possuem integração regional dada pelas relações de cultura historicamente estabelecidas,
redes de transporte, comunicação e fluxos econômicos, construídos por intencionalidades
políticas. Cada qual possui características especificas que podem ser físicas, mas também
humanas, relativas aos processos de ocupação, migração, fluxos de transporte e meios de
comunicação. Ao trabalhar-se a geografia, partindo desses exemplos apresentados pelos livros
de forma a considerar a relação entre categorias, princípios e conceitos, pode-se superar a
lógica circular e concêntrica que ainda hoje se faz presente nos livros didáticos.
Por fim, esta pesquisa evidenciou que os livros têm possibilidades de tornar o uso da
escala possível a partir dos exemplos encontrados. Eles, no entanto, não utilizam a escala na
sua relação com princípios, categorias e conceitos da geografia de forma que esses possam
contribuir para operacionalizar o trabalho com a escala e, assim, servir, de maneira efetiva,
para a superação da fragmentação do conhecimento na geografia escolar. O exemplo
apresentado no item 3.3 torna possível trabalhar a escala como método de ensino de forma a
superar a fragmentação entre níveis de análise e recortes espaciais e pode ser uma
possibilidade a ser desenvolvida no ensino da geografia escolar.
176

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O caminho construído nesta tese permitiu perceber que a escala de análise


geográfica pode ser um método de ensino que possibilita superar a fragmentação do
conhecimento escolar quando articula conceitos, categorias e princípios da geografia, nesse
sentido torna possível a relação entre pensamento e linguagem para a compreensão da
totalidade do espaço geográfico. Para sustentar tal entendimento, o percurso investigativo
realizado tornou-se fundamental. É evidente que cada pesquisa está imersa na subjetividade
do olhar daquele que a conduz. Assumimos, então, essa responsabilidade, acreditando que é
esse olhar, acrescido dos pressupostos teórico-metodológicos, que, escolhidos, conduzem os
dados e os resultados produzidos. É preciso destacar, ainda, que tais entendimentos não se
constituem como uma verdade absoluta, mas parcial, condicionada ao espaço-temporalidade
do momento em que foi conduzida e das escolhas realizadas.
Esta pesquisa, desde o seu início, teve como intuito buscar possibilidades de superar
a fragmentação do conhecimento geográfico; por isso, as discussões elucidadas nesta tese
tiveram centralidade no método a partir do debate das racionalidades e sua materialização na
constituição da geografia, que, dentro dos limites da estrutura científica modera, impuseram
fragmentações às ciências e seus estatutos epistemológicos. Na geografia isso repercutiu a
partir da fragmentação entre físico e humano e em recortes espaciais. A geografia ensinada na
escola tornou-se reflexo da ciência, pois seu objeto e método orientam a prática escolar.
Assim, foi necessário pensar um método de ensino da geografia de forma a não fragmentar os
fenômenos que se materializam no espaço, de modo que esse entendimento seja traduzido
para a geografia escolar.
O método científico constituiu-se, na modernidade, como um fundamento universal
que conduz a busca pela verdade na produção do conhecimento. Esse fundamento acabou por
originar duas linhas de pensamento que até hoje conduzem os pressupostos epistemológicos
das ciências e das correntes pedagógicas: a razão e a experiência. A primeira concentrou-se no
sujeito e, por isso, a verdade é interna, constituída pelo pensamento; já a segunda concentrou-
se no objeto, e nesse sentido a verdade é externa ao sujeito e passível de ser vista e
mensurada. Do embate entre ambas linhas de pensamento, consolidou-se o método científico
positivo, que se tornou um caminho único de acesso ao conhecimento. A visão científico-
objetivista, que imperou nas ciências desde o século 19, subordinou a validade do
conhecimento das ciências humanas e sociais a partir do método das ciências da natureza.
Desse modo, a transposição dos métodos das ciências da natureza para as ciências humanas
177

acabou por causar problemas epistemológicos a essas ciências, pois eliminaria qualquer forma
de historicidade e subjetividade na explicação dos fenômenos.
Na geografia, essa subordinação impactou de forma direta no seu objeto de
conhecimento – a superfície terrestre –, pois, como não se limitava apenas aos estudos da
natureza, mas também humanos, precisou fragmentar-se para adquirir seu status científico.
Isso repercutiu ao longo da história do pensamento geográfico em diferentes objetos e
métodos que estruturaram o fazer dessa ciência, bem como referenciais metodológicos que
contribuíssem para a compreensão do seu objeto. Esse entendimento teve reflexos
significativos na geografia escolar e nas suas concepções teórico-metodológicas, haja vista
que a ciência geográfica, seus objetos e métodos, são referências para o conteúdo ensinado na
escola. A relação entre a ciência de referência e a geografia escolar, torna-se cada vez mais
contraditória e complementar, pois a primeira é a referência teórica da segunda em termos de
objeto e método, mas cada uma responde a diferentes finalidades e objetivos. Enquanto a
primeira desenvolve a pesquisa acerca das questões postas respondendo às demandas da
sociedade com um olhar espacial, a segunda tem a responsabilidade de formar cidadãos
críticos e reflexivos para compreender o mundo em que vivem, pelo estudo das questões do
mundo da vida, também com um olhar espacial, e com um pensamento geográfico que ilustra
os raciocínios espaciais.
Aprofundando esse entendimento, é possível afirmar que outro aspecto que
diferencia a disciplina escolar da ciência é o referencial didático-pedagógico. Na geografia a
orientação didático-pedagógica, especialmente nos anos iniciais, ainda hoje pauta-se na
perspectiva dos círculos concêntricos, em que o ensino é separado por recortes espaciais que
iniciam do mais próximo para o mais distante, fragmentando, na análise geográfica, a
perspectiva do olhar espacial em geografia física e em geografia humana que, na escola,
aparecem como temas da natureza e temas dos homens. Essa orientação, nos aspectos
pedagógicos, seguiu os pressupostos da ciência assentados na dimensão indutiva do método, e
foram aprofundados por Pestalozzi, estando também presentes nos estudos de Karl Ritter.
Para uma aprendizagem, porém, que se proponha a superar essa ideia circular, linear e
transmissiva no ensino, os estudos aqui realizados permitem pensar as disciplinas escolares a
partir de uma tríplice dimensão. Esse entendimento supõe considerar a dimensão teórica pela
dimensão dialética, a orientação didático-pedagógica pela perspectiva hermenêutica e a
perspectiva metodológica ou instrumental, pois é aí, de fato, se colocam em prática as
dimensões anteriores.
178

Devido toda essa discussão que precisou ser realizada resgatando discussões do
campo da filosofia e da geografia, que o primeiro capitulo se tornou tão extenso, mas
importante pois permitiu compreender as bases em que se estrutura o conhecimento e seus
reflexos na geografia científica e escolar. Nesse resgate, que encontrei na relação entre
pensamento e linguagem as bases que sustentam teoricamente essa pesquisa, sendo essa uma
nova perspectiva para pensar os problemas da educação geográfica.
No segundo capítulo trago uma possibilidade de pensar a superação da fragmentação
da geografia escolar por meio de um conceito que emerge no interior da geografia: a escala de
análise geográfica. Para buscar um entendimento da escala, que desse conta dos pressupostos
desta pesquisa, foram recolhidas discussões de autores que são referência na temática, que
contribuíram para pensar sua discussão em termos epistemológicos. Primeiramente diferenciei
as noções de escala cartográfica e geográfica, haja vista a sua aproximação conceitual, o que,
em muitos contextos, gera uma confusão de sentidos e significados. Em seguida, busquei
encontrar nessas discussões elementos que pudessem, de fato, contribuir para a grande
questão da tese, ou seja, a hipótese de que a escala seria o método que permitiria superar a
fragmentação do conhecimento geográfico tanto em termos de fenômeno quanto de níveis de
análise. Esse entendimento foi encontrado em Castro (2014, 2017), quando elenca pontos
principais para a compreensão e a utilização desse conceito. Ainda, busquei referência em
autores do ensino da geografia que tornaram possível pensar o conceito de escala geográfica
na geografia escolar. Em autores clássicos da geografia, encontrei a compreensão dos
princípios, que, retomados por autores espanhóis e pela própria BNCC, constituem uma base
conceitual e metodológica que ajuda a operacionalizar o conceito de escala. Assim, emergiu o
entendimento de que, a partir dos conceitos (percebidos em sua base explicativa e como níveis
de análise), categorias e princípios da geografia, era possível pensar a escala como um método
de ensino.
Essa articulação tornou possível pensar a escala como método de ensino,
considerando a relação entre pensamento e linguagem. Ao assumir a escala nesse sentido
podemos dizer que ela se torna uma construção social e imaginária que compartilhamos
intersubjetivamente, e que opera na organização do conhecimento permitindo ver as relações
e correlações entre os temas e recortes analíticos que a geografia estuda. Esse entendimento
amplia o constructo teórico da abordagem da escala na geografia e seu ensino, pois apresenta
uma perspectiva teórica pautada nas teorias crítica e hermenêutica que traz novas
possibilidades de estudar e pensar a geografia. A relação entre formas de pensamento e
179

linguagem suscitam a aprendizagem da escala em sua máxima amplitude de forma a preparar


os sujeitos para participar da vida social no mundo.
No capítulo três tracei as bases para que, com efeito, se colocasse em prática a
dimensão teórica da geografia e a dimensão didático-pedagógica pelo viés metodológico. Para
tal, apresentei os elementos que, com base nas discussões tratadas no capítulo dois, entendo
fundamentar a escala de análise como possibilidade de método para a geografia escolar,
propondo a sua operacionalização a partir de um exemplo com o conteúdo cidade. Ainda, para
compreender como a escala é trabalhada na escola, elaborei uma metodologia de análise do
livro didático. O intuito foi conhecer as intenções dos livros, seus conceitos orientadores e se
seus pressupostos teórico-metodológicos e didático-pedagógicos concretizam-se no ensino
pela abordagem do conteúdo cidade. O conteúdo cidade foi o instrumento analítico para que,
de fato, se conseguisse pôr em prática as intencionalidades pretendidas. O entendimento dessa
sequência foi importante, pois permitiu perceber que não há um diálogo entre as proposições
feitas pelas coleções e o que se efetiva em âmbito das discussões apresentadas por meio dos
conceitos, princípios, categorias e recursos metodológicos. Os livros enunciam sua proposição
de acordo com os ditames do Edital do PNLD, dos avanços da ciência geográfica e das
pesquisas acerca da educação geográfica.
Ao longo da discussão realizada nesta tese foi possível o entendimento de que cada
método na geografia se aliou a diferentes objetos e recursos metodológicos que melhor
permitiriam a sua operacionalização na leitura e entendimento do mundo. Assim, as coleções,
ao adotarem o conceito de espaço e a perspectiva teórico-crítica, precisam operar com
recursos metodológicos que não fiquem presos apenas à dimensão da observação, descrição e
análise dos fenômenos, mas que encaminhem para a sua interpretação, entendimento e
compreensão. Ao considerar isso, é evidente que os livros não seguem sistematicamente a
proposição teórica que se dizem seguir.
Também analisei as políticas que orientam o edital de produção do livro didático dos
anos iniciais e a BNCC, que é a nova referência curricular que orienta os pressupostos
pedagógicos e os conteúdos e conceito que precisam estar presentes nas coleções didáticas. O
intuito foi entender em que medida o conceito de escala de análise está presente e como
orienta o ensino de geografia, bem como quais são as orientações pedagógicas e conceitos
estruturantes desses documentos. Esse entendimento foi fundamental para a análise realizada
posteriormente nas coleções didáticas, pois evidenciou-se uma aproximação entre a
abordagem dos conteúdos, a perspectiva pedagógica das competências e as habilidades, como
sinalizado pela BNCC.
180

A partir da análise feita nos livros didáticos, com referência na análise do conteúdo
de Bardin, foi possível evidenciar que eles não encaminham, de forma efetiva, para o trabalho
com a escala, sendo o conceito, muitas vezes, entendida apenas como recorte ou dimensão
espacial, e é nesse sentido que se organizam os volumes das coleções, privilegiando, em cada
ano, um recorte espacial e um conceito-chave. Aqui já evidencia-se um entendimento parcelar
da escala geográfica e que não está de acordo com as proposições dos autores adotados como
referência nesta pesquisa. O conceito cidade é trabalhado no primeiro e segundo anos pela
perspectiva do lugar, no terceiro ano pela paisagem e no quarto e quinto anos pelo território
ou região, iniciando a exposição do conteúdo pela dimensão do visível para o abstrato.
O problema aqui não é evidenciar o recorte analítico de abordagem dos conteúdos
em cada ano de ensino, mas, sim, perder o entendimento de que esse recorte é parte do espaço
que se constitui como uma totalidade. Considerá-lo assim exige que, ao se fazer o recorte
analítico, tenha-se a possibilidade de dividir o espaço e partes, e que, ao final, seja feita a sua
reconstituição. Essa reconstituição ocorre por meio dos elementos do método: conceitos,
princípios e categorias. A abordagem do conteúdo cidade, contudo, não consegue dar conta de
trabalhar de forma integrada, em cada ano, com os conceitos categorias e princípios; por
exemplo, o terceiro ano trabalha com paisagem do campo e da cidade, suas diferenças,
semelhanças e conexões, mas pouco evidência o trabalho para além das formas e, por vezes,
funções do campo e da cidade. Os elementos do método de ensino, ao serem tomados
individualmente ou em parte, não possibilitam a construção de uma base teórico-
metodológica que permite compreender o espaço em sua totalidade, ou seja, como uma
produção humana que considera a natureza e a sociedade em suas perspectivas social, cultural
e econômica.
No mesmo sentido, no que se refere especificamente às habilidades a serem
desenvolvidas ao longo dos anos iniciais, percebe-se a predominância e recorrência dos
verbos “observar”, “descrever”, “comparar”, “analisar”, “reconhecer”... sendo essas as
principais referências no processo de encaminhamento dos conteúdos. As habilidades além de
engessarem o processo de construção do conhecimento, dizem respeito à capacidade do
sujeito para cumprir determinada tarefa ou função, e há pouco encaminhamento para
habilidades que levem à interpretação, entendimento e compreensão dos conteúdos, apenas
cumprem a tarefa pedagógica para a qual o currículo foi proposto. Isso fica claro porque a
relação entre linguagem e pensamento nos livros ainda ocorre de forma dissociada. A ideia de
que o conhecimento é dicotômico e que se estrutura pelo pensamento ou pela linguagem,
também é muito presente nas concepções pedagógicas e no ensino.
181

Em tempo, é importante mencionar que em nenhum momento as coleções chamam a


atenção ou evidenciam como trabalham com a escala geográfica na abordagem dos conteúdos,
apesar de indicarem nas orientações do MP a sua importância. Os exemplos sobre o uso da
escala geográfica encontrados nas coleções estão, geralmente, nas atividades, que no conteúdo
cidade se evidenciam a partir da temática da indústria e das relações de trabalho, migrações,
problemas ambientas e funções urbanas. São, todavia, partes isoladas da abordagem do
conteúdo que não possibilitam o seu entendimento na totalidade. Nestes casos, a abordagem
da escala não é explícita, e fica subentendida a partir da subjetividade de quem realiza a
pesquisa.
Há uma tentativa das coleções em encaminhar os conteúdos de modo para que os
conteúdos sejam contextualizados com o mundo da vida do estudante, geralmente por meio de
atividades. Esse entendimento é importante, pois é por meio da articulação entre conteúdos e
conceitos com as práticas cotidianas que, de fato, podem ser construídas aprendizagens
efetivas. Nesse sentido, o mundo da vida não se encontra no livro didático; ele precisa ser
medido didático-pedagogicamente pelo professor, que deve conhecer, de forma profunda, a
sua ciência de referência, objeto e método. É o professor quem precisa organizar e planejar as
aulas de acordo com o seu contexto, trazendo exemplos da sua realidade. Entendo, aqui, que é
possível utilizar o livro como base para o conteúdo, mas sempre tendo em mente a
importância do trabalho com o mundo da vida do estudante. O LA trabalha, por vezes, com o
espaço absoluto e relativo, mas é pela perspectiva do lugar (mundo da vida) que conseguimos
trabalhar o espaço pela perspectiva relacional, que é o que determina o entendimento do
mundo, considerando o lugar de vivência do estudante. As atividades têm sido o ponto em
que, por certo, os LDs encaminham para o trabalho com o mundo da vida e a escala
geográfica.
Os livros evidenciam, ainda, concepções pedagógicas que denotam a separação entre
pensamento e linguagem ao se ampararem em perspectivas de ensino que consideram que o
conhecimento ocorre ou pelo pensamento ou pela linguagem. A relação linguagem e
pensamento é fundamental para o entendimento do espaço em sua totalidade, pois esse objeto
carrega marcas dos sujeitos e de outros objetos que o constituem e que não acontecem de
forma isolada, mas na relação entre humanos entre si e com a natureza. Desse modo, buscar
formas de compreender essas relações, que estão imersas no nosso cotidiano, é o objetivo do
conhecimento. O conhecimento é a tematização do mundo, que ocorre porque os seres
humanos, por meio da linguagem, criam representações simbólicas do mundo para
compreendê-lo e explicá-lo. Essas representações são construídas pela unidade entre os
182

sentidos e pensamentos que se desenvolvem mutuamente, pois não mobilizamos o


pensamento sem o uso dos sentidos, assim como a recíproca também é verdadeira.
Mediante esse entendimento não existe conhecimentos fragmentados, pois a
fragmentação foi um processo socialmente produzido na busca de uma compreensão mais fiel
sobre a verdade do mundo, em que o método se constituiu como um único meio de acesso ao
conhecimento. A superação dessa fragmentação pode ocorrer na geografia escolar quando se
considera as disciplinas escolares a partir de uma tríplice dimensão, em que a dimensão
teórico-epistemológica da geografia é considerada pela perspectiva crítico-dialética, que
possibilita articular os conteúdos de ensino com a vida do estudante. A dimensão
hermenêutica abre-se para o interpretar dos sujeitos como um modo de produzir sentido sobre
o mundo objetivado, não existindo mais um método que impõe um caminho único de acesso à
verdade. Dessa maneira, quando traduzimos esse entendimento para a geografia, não existe
mais a dicotomia entre geografia física e geografia humana, mas uma unidade que se
materializa no espaço, pois ambas se constituem mutuamente e são parte do mundo
tematizado. Por fim, a dimensão metodológica pode ocorrer pelo uso da escala de análise
geográfica, e, por meio dela, é possível produzir essas tematizações de forma a não
fragmentar pensamento e linguagem.
Os conceitos são mobilizações do pensamento e da linguagem ao longo do tempo e
explicam, de forma geral, o mundo. Existem, entretanto, questões específicas dos locais que
requerem o avanço do conhecimento e desses conceitos, e aí entra o uso da escala de análise,
haja vista que nada ocorre de forma isolada no mundo. Os procedimentos metodológicos são
as formas que a ciência e as disciplinas utilizam para poder mobilizar o conhecimento. Foi
possível perceber que, ao se estudar o fenômeno cidade, por exemplo, articulando recortes do
espaço, categorias, conceitos e princípios da geografia, tendo a análise como pressuposto do
método de ensino, pode-se fazer a recorrência do seu entendimento como totalidade,
permitindo, assim, a superação da fragmentação do conhecimento geográfico escolar.
Por fim, reitera-se que a proposição aqui feita não é uma verdade absoluta, mas
encaminhamento para pensar em um ensino que dê conta da especificidade da geografia e seu
objeto de estudo. Assim, mesmo que ainda há tanto a dizer e a fazer, pois tudo é um ciclo,
precisamos colocar um ponto final e seguir com as inquietações aqui produzidas em outro
momento. Esta pesquisa não se encerra nestas páginas; há um caminho muito fecundo a ser
realizado em estudos que considerem a relação entre pensamento e linguagem no ensino da
geografia, bem como a definição do alcance do método de análise geográfico na geografia
escolar.
183

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192

APÊNDICE A – QUADRO SÍNTESE DOS PREFÁCIOS DO LA

LDS LD1 LD2 LD3 LD4 LD5 LD6


Prefácios O livro busca No prefácio Traz perguntas Tem como O livro busca O livro busca
LD alunos ser uma fonte do aluno que já devem ter objetivo ajudar a ajudar o estudante despertar a
importante de perguntas que passado pela explorar o mundo a construir uma curiosidade dos
estudo “para remete a cabeça do por meio dos aprendizagem estudantes para
auxiliar a pensar: “O estudante: “[...] estudos, de forma sólida e ver o mundo à sua
identificar e que tem no como é o espaço a “estimular a significativa para volta com outros
reconhecer os mundo? O ao seu redor e reconhecer como que seja útil não olhos. Busca
lugares em que mundo tem como são outros a geografia está apenas hoje, mas estimular os
você vive”. O caminhos, mais distantes? presente de forma no futuro. O livro sentidos para que
livro dedica-se a casas, Porque as pessoas natural no nosso traz estímulos possa ver e
“oferecer a você prédios, são diferentes? dia a dia”. Por para que os reconhecer um
um bom início estradas, Será que elas isso, neste livro estudantes mundo novo.
nos estudos da fazendas, rios, vivem do mesmo você vai trabalhar possam criar, O livro do
Geografia, para mares, jeito? De onde de forma prática. expressar ideias e primeiro ano
que você e seus montanhas, vêm os produtos Orientado por seu pensamentos, estuda assuntos
colegas gente... que usamos e professor. É você refletindo sobre o relacionados às
participem da Quanto mais como eles são quem vai construir que aprende de pessoas, à família,
melhor maneira você conhece feitos? Porque a geografia, tanto forma a contribuir os lugares que
possível da vida o mundo, mais dizem que o na sala de aula para a formação frequenta e o
em sociedade: coisas boas mundo está quanto nas outras cidadã. mundo à sua
em casa, no você pode interligado? atividades do seu volta; o segundo
bairro, na encontrar Porque há tantos dia a dia. Espero ano trabalha com
cidade, no nele” (p. 3). problemas com a que este livro a casa, a escola e
país... no natureza? [...] ajude você, aluno, assuntos
mundo” (p. 3). Esperamos com a compreender relacionados ao
isso ajudá-lo a melhor o mundo cotidiano; o
compreender o em que vivemos e terceiro ano
mundo que o a participar dele trabalha com os
cerca e a ativamente para bairros, seus
participar dele construir uma moradores e os
[...]” (p. 3). sociedade cada caminhos por
vez melhor” (p. onde circulam; o
3). quarto ano
trabalha com o
município; o
quinto ano
trabalha com o
país.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
193

APÊNDICE B – ORGANIZAÇÃO DOS SUMÁRIOS DAS COLEÇÕES COM


RELAÇÃO AO CONTEÚDO CIDADE

Buriti Mais Aprender


Anos FTD Liga Mundo Ápis Crescer Geografia
Geografia Juntos
1° Ano Unidade 3: Unidade 1, Unidade 1: Unidade 1 – “Meu “Sou Criança”; “Eu e as pessoas ao
“Lugares de “Você e as “Como é bom Lugar no Mundo”, “Onde eu meu redor”.
Vivência”, pessoas”; brincar!; “Espaços “No meu dia a dia brinco”; “Os – “Eu, meu grupo e
Conhecendo Unidade 2, “A de brincar e de (Minha rua, Minha lugares que outros grupos”. “Os
lugares” e moradia”; trabalhar”; escola)”; “Outros frequento”; lugares do dia a
“Meus lugares”. Unidade 3, “A Unidade 2: lugares de vivência “Onde eu dia”. – “O ambiente
escola”. “Estamos na (Aonde costumo ir, moro”; “Minha à nossa volta”.
escola”; Lugares que eu não escola”.
Unidade 3: “Onde conheço)”.
moramos”.
2° Ano Unidade 1: Unidade 1, Unidade 1: “As Unidade 1 – “A vida Minha “Nossa casa, nosso
“Moradia: o “Bairro: o seu famílias”; em comunidade”, identidade”; lugar”; As casas são
primeiro lugar lugar”; Unidade Unidade 2: As com os capítulos: “Os outros e diferentes”; As ruas
de 2, “O dia a dia moradias”; “Viva a diferença! eu”; “As são nossos
convivência”; no lugar onde Unidade 3: As (Semelhantes, mas brincadeiras”; caminhos”; Escola,
Unidade 2: você vive”; escolas”; diferentes; “Os lugares de um lugar
“Escola: Unidade 4, “Em Unidade 4: “O Representações)”; brincar”; “As importante”.
convivência e cada lugar um espaço escolar”; “Morar e Conviver famílias”; “As
aprendizagem”; modo de viver”. Unidade 5: (Na minha moradia; moradias.
Unidade 3: “Campo e Lugares para
“Rua: cidade”; morar)”; Unidade 2
convivência e Unidade 6: “Ruas, – “Localizar e
circulação”; praças e parques”; representar
Unidade 4: Unidade 7: “As espaços”, com dois
“Bairro: ruas e o trabalho”; capítulos: “Estudar e
convivência e Unidade 8: “A conviver (Escola:
identidade”. circulação nas lugar para conviver;
ruas”. Minha sala de
aula)”; “As ruas e os
caminhos (Como é
minha rua; trajetos
no meu dia a dia)”;
Unidade 3 – “Viver
e trabalhar”, com os
capítulos: “A vida
cotidiana (Os
arredores da escola;
A vida e o trabalho
no bairro)”; “O
trabalho e a
circulação (Circular
pelos caminhos;
Produzindo
mercadorias)”;
Unidade 4 – “O
ambiente em que
vivemos”, com os
capítulos:
“Conhecer lugares
(Identificando
lugares; Outros
lugares)”; “Proteger
nosso ambiente
(Precisamos cuidar
do ambiente;
Depende de nós)”.
194

Conectados Buriti Mais Aprender Conectados


Anos Liga Mundo Ápis
Geografia Geografia Juntos Geografia
3° Ano Unidade 1 Unidade 1, “A Unidade 3 – “Os Unidade 1 – “A “Reconhecendo “Bairros e
Paisagens do paisagem”; bairros”; cidade e o campo”. as paisagens”; quarteirões”; “As
campo e da Unidade 2, “O Unidade 7 – “O “A ação paisagens”; As vias
cidade”. espaço rural”; trabalho na cidade humana sobre a públicas”; “As
Unidade 3, “O e no campo”. paisagem”; O paisagens das
espaço urbano”. campo”; “A cidades”; “O espaço
cidade”; urbano”; A cidade
“Relações entre em transformação”.
o campo e a
cidade”.
4° Ano Unidade 1: “O Unidade 1, “O Unidade 1 – “O Unidade 2 – “A Divisão do – “O município”; O
campo e a território município e o meu interdependência território espaço urbano e o
cidade”; brasileiro”; lugar”; Unidade 2 campo-cidade”, com brasileiro”; “A espaço rural”; –
Unidade 2: “O Unidade 2, “A – “A sociedade e os capítulos: população “Campo e cidade:
município”. natureza o município”; “Organizando o brasileira”; “O espaços integrados”.
brasileira”; Unidade 3 – espaço (O trabalho município”;
Unidade 3, “A “Limites no campo e na “Cidadania no
população territoriais, cidade; As unidades município”;
brasileira”; orientação e o político- “Viver no
Unidade 4, município; administrativas)”; campo”; “Viver
“População e Unidade 4 – “Da produção ao na cidade”.
trabalho”, é “Governo do consumo (A
constituída município e atividade industrial;
pelos capítulos: Cidadania”. Plantar para comer,
“A população e produzir para
as atividades vender)”.
econômicas”;
“As atividades
agropecuárias”;
“Os recursos
naturais e a
atividade
extrativa”; “A
atividade
industrial, o
comércio e os
serviços”;
“Relações entre
campo e
cidade”.
5° Ano Unidade 3: A Unidade 1, “A Unidade 5 – Unidade 3 – “As O Planeta Terra “O Planeta Terra”;
rede”. Com os dinâmica “Urbanização, cidades e o e sua O Brasil no mundo”;
capítulos: “A populacional problemas sociais trabalho”, com os superfície”; “O “O relevo e suas
cidade” e “A Brasileira”; e ambientais”. capítulos: “O Brasil”; formas”; “População
metrópole”. Unidade 2, “A crescimento das “Comunicação brasileira”.
urbanização cidades (As cidades e transporte no
brasileira”, é se transformam; território
composta pelos Interações brasileiro”; “A
capítulos: “As urbanas)”; “O dinâmica da
cidades trabalho e a população no
brasileiras”; “O tecnologia território”; “As
processo de (Mudanças no cidades
urbanização no campo e na cidade; brasileiras”;
Brasil”; “As Energia, transporte e “Produção e
cidades e suas comunicação)”. trabalho no
relações”; “As Brasil”; “As
cidades e seus regiões
problemas”. brasileiras”.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
195

APÊNDICE C – CONCEITO CIDADE NAS COLEÇÕES

LD Vol. 2 Vol. 3 Vol. 4 Vol. 5


LD1-LA Não se aplica. O conceito de cidade é O conceito de cidade é O conceito de cidade é
trabalhado a partir da aprofundado a partir das trabalhado por meios dos
perspectiva da paisagem, diferenças e relações com o processos de urbanização, redes,
chamando-se atenção para campo. Em seguida busca-se funções, hierarquia urbana,
a concentração de pessoas e diferenciá-lo do conceito de regiões metropolitanas, impactos
construções. Destaca-se, município entendido como naturais oriundos do crescimento
nesse sentido, a relação uma unidade político- urbano.
cidade-campo e elementos administrativa que envolve
do espaço urbano como tanto a área urbana quanto a
definidores das diferentes rural. A cidade é a sede do
paisagens. município. Assim, trata-se da
ideia de extensão territorial,
gestão do município e
mobilidade urbana.
LD2-LA Não se aplica. Trabalha-se a cidade a Município como unidade de “A cidade é uma construção
partir dos elementos da menor hierarquia dentro da humana. Ela é caracterizada pela
paisagem (casas, ruas, organização política do país. aglomeração de construções, de
escolas, fábricas, banco), Localidade onde está sediada pessoas e de atividades
proximidade física das a Prefeitura tem a categoria econômicas. De acordo com o
construções, espaço de cidade. seu desenvolvimento econômico,
aglomeração de pessoas, histórico e social, as cidades
carros, atividades configuram-se de diferentes
econômicas. formas. É por isso que as
paisagens urbanas podem ser
muito diferentes umas das outras.
Atualmente as cidades
concentram a maior parte da
população, reúnem variadas
atividades econômicas e também
influenciam o modo de vida e as
atividades econômicas rurais” (p.
50).
LD3-LA Não se trabalha com o Discute-se o campo e a Conceito de município O conceito é trabalhado da
conceito de cidade no cidade a partir das relações entendido como menor urbanização, entendida como “o
capítulo que discute de trabalho e as diferenças unidade político processo caracterizado pelo
“Campo e Cidade”. na paisagem. administrativa do país com aumento da população urbana em
Pede-se trabalhar a autonomia de governo um ritmo maior que o da
partir de imagens do própria. “Ele é geralmente população rural e pelas
campo e da cidade formado pelo espaço urbano, transformações da paisagem e do
para se destacar as que compreende a cidade, e modo de vida decorrentes” (p.
diferenças e pelo espaço rural, também 81).
semelhanças entre chamado campo. Diversos
ambas. No capítulo municípios são divididos em
seguinte encaminha-se distritos, e estes, por sua vez,
para elementos são divididos em bairros”
presentes na paisagem (vol. 4, p. 10).
urbana (praças,
parques, ruas, espaços
de convivência).
LD4-LA Não se aplica. Explora-se os elementos A referência principal de Trabalha-se a cidade a partir da
que diferenciam a paisagem discussão é o conceito de urbanização, verticalização das
do campo e da cidade. O município, entendido como a cidades, rede urbana, região
tema é abordado por meio menor unidade político- metropolitana, megarregião.
da cartografia a partir de administrativa oficial. Os
representações do bairro e municípios são divididos em
da escola (entende-se que o área rural e área urbana,
bairro é o espaço de sendo na área urbana onde se
vivências das crianças localiza a sede do município.
dessa faixa etária) e
gradativamente os alunos
serão direcionados para o
espaço mais abstrato.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
196

APÊNDICE D – CONCEITOS E TEMAS SECUNDÁRIOS AO CONTEÚDO CIDADE


DESENVOLVIDOS NAS COLEÇÕES

LDS 2° Ano 3° Ano 4° Ano 5° Ano


Conceito e recorte
Lugar Paisagem Território/Região Território/Região
de análise
Conceitos e temas Espaços de Convivência. Integração Campo e Urbanização,
secundários O que se produz nas Cidade, produção, sustentabilidade, habitação,
cidades. circulação de pessoas e transportes, saneamento
LD1 Campo e Cidade, produtos, comércio, básico.
comunicações, tecnologia consumo, comunicação,
no campo. município, área urbana e
rural, limites, população do
município, migração,
história da cidade, gestão
do município e relações de
cidadania.
LD2 Espaço urbano, modos de Município-limites, áreas, Fluxos de pessoas,
vida, relações de trabalho, divisas, relações de transportes, cidades no
indústria, comércio trabalho, evolução das tempo, patrimônio,
(varejista, atacadista) e tecnologias, consumo. planejamento urbano, redes
serviços; consumidor e as Processo de produção, urbanas, acessibilidade,
vendas pela internet, transformação e circulação desigualdade urbana:
migrações e sua influência de mercadorias. problemas urbanos,
das formas da cidade. transporte.
Educação em valores.
LD3 Campo e cidade, Campo e cidade, o Campo e cidade, Urbanização, transformações
agricultura, trabalho, os recursos da sociedade, desigualdade no campo e na cidade, êxodo
pecuária, natureza, trabalho nas social, migrações, limites, rural, rede de cidades,
extrativismo, comunidades tradicionais. povos indígenas e problemas sociais urbanos,
atividade comunidades quilombolas, problemas ambientais
industrial. cidadania a partir da urbanos, planejamento
relação de governo. urbano.
LD4 A cidade e o campo, Trabalho no campo e na Representação do espaço
pontos de referência, cidade, unidades político- urbano, transformações da
percursos, pontos de vista, administrativas, terras paisagem, planejamento
bairro, tecnologias. quilombolas, produção e urbano, crescimento
consumo, atividade desordenado, conexões entre
industrial, agricultura cidades, megalópole, cidades
familiar. e as relações de trabalho,
tecnologia, energia,
transporte e comunicações.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).

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