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Alana Rigo Deon
Alana Rigo Deon
IJUÍ – RS
2021
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IJUÍ – RS
2021
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AGRADECIMENTOS
Ao professor José Pedro, pela oportunidade de poder conhecer um pouco mais sobre
as brilhantes discussões de Mario Osorio Marques, que tanto me ajudaram na escrita desta
tese.
Ao professor Marcelo Garrido, o qual tive a oportunidade de conhecer pessoalmente
em setembro de 2018 no magnífico Chile, e me inspirar mais sobre como desenvolver um
ensino de geografia com o rigor científico e metodológico.
Ao professor Vanilton, que tive a honra de conhecer nas viagens de eventos da
geografia pelo mundo, e que, com sua alegria e comprometimento nas discussões sobre o
ensino de geografia, torna esse campo de investigação ainda mais rico.
Às minhas amigas Cláudia e Maristela... como eu tenho de agradecer a vocês! Pelo
acolhimento desde minha entrada no Mestrado em 2015; por abrirem as portas das suas casas
para mim inúmeras vezes, mostrando que a amizade vai muito além do mundo acadêmico.
Vocês são referências para a pessoa que quero me tornar. Obrigada pelo apoio e confiança em
mim sempre.
À minha amiga Carina Copatti, companheira em muitas idas e vindas de Ijuí nesses
últimos anos; por ser minha referência como pesquisadora no ensino de Geografia, me
inspirar e mostrar que é possível fazer uma tese.
Enfim, ao grupo de pesquisa Ensino e Metodologias em Geografia e Ciências
Sociais, coordenado pela professora Helena: Carla, Elmir, Gabriel, Jandha, Sigfran, Tarcísio,
Caroline, que contribuíram, cada um a seu modo e com seus conhecimentos de campos
específicos, com o meu crescimento acadêmico. À Paula, que, mesmo que nosso tempo juntas
tenha sido curto no grupo, nem imagina o quanto a amizade foi importante para mim.
À minha família, pai (Clari) e mãe (Eliane), que, mesmo de longe, sempre me
apoiaram e emocionavam-se quando eu ia conhecer lugares do mundo que talvez eles nunca
terão a oportunidade de conhecer, mas ficavam felizes com a minha alegria. Em especial à
minha mãe, mulher guerreira e batalhadora, que nunca mediu esforços para fazer o melhor por
seus filhos. Sempre lembro das palavras dela, em uma das fases difíceis de nossa vida: queria
que nós estudássemos para sermos alguém.
À minha irmã Liana, pelo apoio incondicional sempre, e, em especial, minha
sobrinha e afilhada Valentina, que, no último um ano e meio, tem oxigenado minha vida com
alegria, doçura e fofura, e, de certa forma, esta tese reflete na busca de uma educação melhor
para a sua geração.
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Ao meu irmão Felipe, por me atribuir a responsabilidade de ser exemplo para ele,
mostrando, em suas palavras, o quanto tem orgulho de mim.
À minha avó Adelina Paggi (in memoriam), que, mesmo não estando mais presente
fisicamente nesse mundo e em minha trajetória de doutoramento, sempre foi exemplo de luta
e persistência, e que sempre rezava para que eu pudesse fazer boa viagem até Ijuí. Hoje sei
que suas orações estão sendo feitas em outro lugar e continuam guiando-me, me protegendo e
me iluminando.
Ao meu sempre professor e amigo Robson Paim (in memoriam), por mostrar-me
meus limites e, mesmo assim, confiar em mim e na minha capacidade, sempre contribuindo
para que eu seguisse nos meus estudos.
À Capes, pelo financiamento da pesquisa.
À Unijuí e ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, professores,
colegas, meninas da Secretaria, pela oportunidade de poder aprender e pesquisar para melhor
poder ensinar.
Aos muitos outros amigos e familiares que não foram nominados formalmente, mas
que estão na minha memória afetiva; gratidão pelo apoio e incentivo incondicional.
Aos meus animais de estimação, Zeus e Hera, que estiveram comigo na grande
maioria dos momentos de escrita. Para tudo, eles estavam lá apenas me olhando, mas um
olhar que tem mil palavras expressas.
Por fim, gratidão a Deus, ao universo e a todos os meus mentores espirituais, por
permitirem-me trilhar esse caminho do Doutorado.
Gratidão!1
1
A arte aqui exposta foi desenvolvida por Andressa Mueller a pedido da autora, em janeiro de 2021, em
agradecimento a todos que contribuíram para o desenvolvimento desta tese.
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RESUMO
ABSTRACT
The discussions elucidated on this thesis were central to the method and the constitution of
Geography, which within the limits of this method, imposed fragmentation on the sciences
and their epistemological statutes. In Geography, this had repercussions from the
fragmentation between physical and human and in spatial cuts. The Geography taught at
school becomes a reflection of science because its object and method guide the school
practice. In this direction, it was necessary to think about a teaching method to not fragment
the phenomena that materialize in their space. Thus, this understanding is translated into
school Geography. Therefore, this research aimed to understand the measure to which the
Geographical scale can be considered a teaching method that contributes to overcoming the
fragmentation of knowledge and levels of analysis that permeates school Geography.
Arguments were used in defense of the thesis that it can be a teaching method that makes it
possible to overcome the fragmentation of school knowledge when it articulates concepts,
categories, and principles of Geography; in this sense, it makes possible the relationship
between thought and language, at the same time that it allows the relationship between the
phenomena and levels of analysis that materialize in the Geographical space. The qualitative
bibliographic research, the documentary research, and the analysis of didactic books of the
early years contributed to this understanding, based on a methodology of its elaboration. The
production of data took as reference the Content Analysis proposed by Bardin (2016), and the
interpretation was based on the principles of the critical and hermeneutical theory proposed by
Mario Osorio Marques. Finally, this investigation showed that the books have possibilities to
make the use of the scale possible based on the examples found, however, they still do not use
the scale of Geographic analysis in its relationship with principles, categories, and concepts of
Geography to effectively contribute with overcoming the fragmentation of knowledge in
school Geography.
Keywords: Concentric circles. The scale of Geographical analysis. Language and Thought
Textbook Teaching method.
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LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 17
DELINEAMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ..................................... 21
PERCURSO DA TESE NA APRESENTAÇÃO EM CAPÍTULOS .......................... 25
3.4.1 Interpretações a partir dos livros didáticos dos anos iniciais .............................. 150
3.4.2 Círculos concêntricos .............................................................................................. 150
3.4.3 O conteúdo cidade e as concepções teórico-metodológicas e didático-
pedagógicas das coleções ......................................................................................... 154
3.4.4 A escala de análise geográfica ................................................................................ 164
INTRODUÇÃO
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Esse conceito busca superar a linearidade e a fragmentação dos conhecimentos que são traduzidos em conteúdos
escolares. Assim, tem como pretensão metodológica tornar as aprendizagens dos estudantes significativas para a
sua vida (CALLAI, 2011). A educação geográfica constitui-se uma possibilidade de leitura e entendimento de
mundo para que os estudantes se reconheçam como sujeitos desse mundo, entendendo a complexidade dos
fenômenos sociais e contribuindo, assim, para a formação cidadã (Ibidem, 2011).
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A pesquisa foi realizada em revistas Qualis A – brasileiras pontuadas na Geografia (com base no quadriênio de
avaliação 2013-2016), disponíveis online. Essa escolha se deu por serem as revistas que possuem artigos com
melhor qualidade intelectual na área avaliada. Os descritores utilizados foram “Livro Didático” e
“Manual/Material Didático”.
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que não podem ser explicadas apenas por generalização. Assim, uma das possibilidades
metodológicas para esse trabalho seria o encaminhamento de atividades e textos que levem a
reflexões locais, mas sem desconsiderar a relação do local com outras escalas e fenômenos.
Essa constatação anteriormente descrita demonstra que existem lacunas de ordem
epistêmica nos livros no que se refere aos conteúdos de ensino, que carregam marcas da
ciência de referência e que acabam por dualizar as relações humanas com a natureza, e
didático-pedagógicas, intrínsecas às intencionalidades das políticas que orientam esses
materiais e que refletem na sua organização interna em unidades, capítulos, conteúdos e
atividades (geralmente pautadas na observação, descrição, memorização e que, muitas vezes,
não encaminham a reflexões e compreensões, ou seja, ao exercício crítico). Assim, dualiza-se
o conteúdo apresentado ao sujeito e seu contexto de ensino, como se a geografia fosse alheia à
vida e à realidade do estudante.
Para compreender de maneira mais profunda porque o ensino se estrutura dessa
forma, é necessário interrogar o passado para compreender de onde emergem as
fragmentações e dicotomias que perpassam a geografia, tanto no que se refere às questões
epistemológicas da ciência de referência quanto didático-pedagógicas, que orientam as
práticas do fazer da disciplina escolar. Parte-se do pressuposto de que na modernidade a busca
de um fundamento de verdade sobre como conhecemos as coisas do mundo acabou por
dualizar o entendimento do mundo em sujeito e objeto, razão e experiência, pensamento e
linguagem. Desse embate constitui-se o método positivista, que se tornou o único caminho de
acesso à verdade. As ciências, ao constituírem-se sob essa lógica, disciplinarizaram-se e
especializaram seus objetos de investigação. A geografia, por não possuir um único objeto,
precisou fragmentar-se, o que resultou em compreensões parciais do espaço, tanto em termos
de fenômenos que se dividiram em físicos e humanos quanto em recortes espaciais.
A necessidade dessa discussão emerge com força, especialmente em um cenário em
que a geografia cada vez mais vem perdendo espaço na educação escolar, principalmente com
as novas políticas (Base Nacional Comum Curricular – BNCC – e Reforma do Ensino
Médio), que se colocam na perspectiva da racionalidade técnica neoliberal. Essa racionalidade
acaba reforçando o papel do ensino como um meio para suprir as necessidades do mercado de
trabalho. Nesta conjuntura, afirmar a importância da geografia com bases teóricas é
fundamental para justificar a sua função social na formação humana e cidadã dos sujeitos.
Assim, ao investigar o passado podemos encontrar referências e possibilidades para orientar e
melhorar o processo de ensino e aprendizagem no presente.
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Ao longo do texto também utilizamos a denominação de escala geográfica, mas seu sentido remete à escala de
análise geográfica.
5
Quando me referir à expressão “método de ensino” seu entendimento está atrelado ao sentido pedagógico e sua
possibilidade de desenvolvimento na escola. Para sustentar tal entendimento tenho como referência a discussão
21
exigem. Por fim, acredito que a tese aqui defendida responde muitas das interrogações que
estão comigo desde a minha Graduação, na medida em que me levaram a pensar, dialogar e
propor caminhos para a educação geográfica. Essas discussões terão continuidade a partir dos
delineamentos metodológicos apresentados nesta pesquisa.
realizada por Milton Santos em seu livro “Espaço e Método” (2014a), que nos permite pensar o espaço, objeto
de estudo da geografia, como uma totalidade, de forma a superar a fragmentação do conhecimento geográfico.
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sentidos explícitos e ocultos dos objetos (HERMANN, 2002). Por isso, estas duas teorias dão
suporte teórico para as discussões, reflexões, análises e interpretações, com o intuito de
apresentar as contradições existentes ao longo da produção do conhecimento científico, no
caso com especial atenção à geografia, e possibilitando, por meio do processo interpretativo
das leituras e dos livros didáticos, referenciais para sustentar a tese defendida.
Metodologicamente, o percurso investigativo da tese segue uma abordagem
teórico-bibliográfica de cunho qualitativo, e é divido em dois movimentos
complementares. O primeiro movimento é teórico e faz uma pesquisa bibliográfica,
documental e de Estado do conhecimento, apresentada nos dois primeiros capítulos. Os
principais temas que perpassam a discussão deste estudo emergiram de leituras em livros,
artigos e da pesquisa do Estado do Conhecimento no Banco de Teses e Dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em que foram
pontuados autores de referências para a discussão do tema proposto. Esses autores
contribuem para o desenvolvimento desta investigação com conceitos e discussões que
nos fortalecem com argumentos e nos sustentam teoricamente.
ser essa a fase em que se inicia o trabalho com os conceitos da geografia que, geralmente, são
trabalhados na perspectiva dos círculos concêntricos6 num processo linear, em que o ensino
parte do EU (estudantes) e vai sendo ampliado para a família, escola, rua, bairro, cidade,
numa sucessão de espaços absolutos que fragmentam os espaços e a vida vivida e, assim, não
apresentam possibilidades de inter-relação entre si.
A pesquisa documental é referenciada nos estudos de Lakatos e Marconi (2003), que
entendem que as investigações em documentos públicos oficiais revelam muito da conjuntura
social de um determinado período histórico, e, nesse sentido, dizem, também, muito sobre a
sociedade e sobre quem a produz. Por isso, o pesquisador “deve não só selecionar o que lhe
interessa, como também interpretar e comparar o material, para torná-lo utilizável” (Ibidem, p.
178). Os documentos analisados foram a Base Nacional Comum Curricular (BNCC-2018) e o
Edital 01/2017, referente ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2019 dos anos
iniciais. Os documentos descritos são públicos, escritos e disponíveis em plataformas da
internet vinculadas ao Ministério da Educação – MEC. A escolha de ambos os documentos
justifica-se pelo fato de a BNCC ser a política atual que referencia os currículos escolares e o
próprio Programa Nacional do Livro e do Material Didático – PNLD, programa que orienta o
processo de produção, avaliação e distribuição de livros no Brasil.
A análise dos livros constituiu-se em dois eixos: aspectos gerais e específicos. As
referências para análise das coleções foram construídas com base em Bardin (2016), e
consistem na 1) pré-análise; 2) exploração do material; e 3) tratamento dos resultados,
inferência e interpretação. Na pré-análise realizou-se a) a definição dos livros analisados e
retomada dos objetivos da pesquisa e, aliados a eles, foram desenvolvidos objetivos
específicos para que os aspectos levantados melhor pudessem contribuir com a interpretação
final; b) a leitura flutuante, na qual se tece o contato direto com as coleções, buscando
conhecê-las e deixando-se invadir pelas suas impressões e orientações; e c) foram construídos
indicadores de análise de acordo com os objetivos da pesquisa. Os indicadores foram
divididos em gerais e específicos. Os indicadores gerais são os itens que orientam e
perpassam todos os livros da coleção: apresentação da coleção (também denominada prefácio)
e definição dos conceitos-chave; orientações gerais para a coleção, políticas de referência,
concepções teórico-metodológicas e didático-pedagógicas.
Já os indicadores específicos foram construídos para atender as finalidades desta
pesquisa e tiveram orientação a partir dos seus objetivos, de forma a contemplar as discussões
6
Estudos nesse sentido já foram realizados por Callai (2005).
24
apresentadas nos capítulos. O intuito foi analisar o conteúdo cidade na sua relação com
conceitos, categorias, princípios e recursos metodológicos do trabalho em geografia. A escala
de análise geográfica é entendida como o conceito que permite fazer o entrecruzamento entre
os recortes, os fenômenos físicos e os humanos, permitindo a recorrência à totalidade. Os
princípios são operacionais e permitem desenvolver formas de raciocínio geográfico, dando
dinamicidade ao movimento da escala, pois são eles que a colocam na prática. Os indicadores
específicos foram construídos para a análise de livros didático da tese com o intuito de buscar
a sua defesa; são eles: Conceito Cidade? Como é apresentado? Esse conceito tem relação com
os conceitos-chave orientados por meio do prefácio? Quais conceitos, categorias, princípios e
temas subsidiam o seu desenvolvimento? Em que escala o conteúdo cidade é trabalhado?
Permite a sua relação com outras escalas ou com o mundo da vida do estudante? Quais
recursos metodológicos são utilizados para a operacionalização dos conceitos e conteúdo? As
atividades possibilitam a construção de conhecimentos estimulando a compreensão com o uso
da escala e princípios da geografia?
A última fase da pré-análise consistiu na d) preparação do material a ser analisado e
organização em quadros que permitem a sua maior visualização e identificação dos
elementos, de forma a servir para exploração e interpretação. Foram selecionadas quatro
coleções dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em que analisei, de forma direta, ou seja,
em sua totalidade, aspectos gerais e específicos, e duas coleções em que examinei apenas seus
aspectos gerais. O objetivo foi contemplar primeiramente as abordagens gerais do livro e,
após, as específicas. Todas as coleções foram encontradas em escolas públicas e uma privada
do município de Erechim/RS (cidade onde resido), aprovadas e constantes no Guia do Livro
Didático – PNLD 2019. As coleções são de editoras que possuem grandes tiragens de venda
por título, conforme dados estatísticos do PNLD 2019, e estão entre as cinco mais escolhidas
pelas escolas. A análise ocorreu no manual do professor, pois ele traz tanto o Livro do Aluno
(LA) quantos as orientações do Manual do professor7.
A segunda fase consistiu na exploração do material e na aplicação sistemática das
decisões tomadas anteriormente. Fez-se a leitura e análise do material e sua sistematização em
formato de quadros seguindo as operações de codificação, decomposição e enumeração de
acordo com as regras previamente formuladas.
Por fim, a última fase, o 3) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação, é a
fase em que os dados brutos foram codificados. Essa fase da categorização, que ocorreu após
7
A descrição detalhada sobre as coleções analisadas encontra-se no item 3.4 deste trabalho.
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a análise dos dados obtidos nos LDs, foram considerados os critérios semânticos (sentido das
palavras), sintático (verbos, adjetivos), léxico (classificação de palavras segundo o seu
sentido, sinônimos e sentidos próximos) e expressivo (categorias que classificam as diversas
perturbações da linguagem). As categorias que foram produzidas após essa fase consistiram:
Círculos concêntricos, A cidade e os pressupostos teórico-metodológicos e didático-
pedagógicos, e Escala de análise geográfica.
As análises e interpretações relacionam o campo empírico da pesquisa com o teórico,
buscando, nas discussões e autores que embasam esta pesquisa, a sustentação para a defesa da
tese.
Os capítulos desta tese buscam responder às perguntas que embasam a discussão por
meio dos objetivos específicos. Assim, o primeiro capítulo situa a problemática da tese ao
buscar compreender o método a partir do debate das racionalidades e a separação entre
pensamento e linguagem que na modernidade influenciaram na fragmentação do objeto de
estudo da geografia. Busquei, então, compreender a relação objeto e método na geografia e
como isso repercutiu na geografia escolar, confluindo para o livro didático. O segundo
capítulo traz a escala de análise geográfica como uma possibilidade de superação da
problemática da fragmentação do conhecimento da geografia escolar, tendo como referência
as discussões sobre o conceito a partir de teóricos da geografia e seu ensino. Aliam-se, nesse
sentido, as análises realizadas nas políticas educacionais para entender como orientam as
concepções teórico-metodológicas e didático-pedagógicas dos livros, bem como trazem o
entendimento acerca da escala geográfica. O terceiro capítulo apresenta os elementos do
método de ensino da geografia pelo uso da escala, mostrando uma possibilidade teórica de
trabalho com a escala de análise geográfica, ao mesmo tempo em que busca verificar nos
livros em que medida o conceito de escala está presente nas coleções dos anos iniciais do
Ensino Fundamental.
Finalizo a tese apresentando as considerações finais constatadas, as referências
bibliográficas empregadas na sua confecção e os Apêndices referentes ao tema da pesquisa.
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O conhecimento é condição para a vida humana. Ele qualifica o ser humano como tal
e o seu grau de saber determina sua condição de existência e diretriz para o seu agir
(MARQUES, 1990). Nesse sentido, a construção do conhecimento estrutura-se pelo
desenvolvimento de dois elementos fundantes: linguagem e pensamento. A linguagem é
externa e pode ser compreendida pela dimensão da comunicação, ou seja, aquilo que
expressamos na mediação com o outro e com o mundo. Já o pensamento é interno, pois é
aquilo que desenvolvemos pelo uso da razão, destacando-se o raciocínio, a compreensão e a
imaginação. Tanto a linguagem quanto o pensamento são capacidades humanas que, ao serem
desenvolvidas, possibilitam “conhecer” com mais profundidade o mundo. Essas capacidades
são praticadas nos contextos e espaços vividos e no convívio com os semelhantes, e
aperfeiçoadas por meio da educação escolar.
Gadamer (1997), estudioso da hermenêutica e da linguagem humana, afirma que
só por meio da linguagem é possível compreender. A linguagem tornou possível à espécie
humana ser, pensar e existir no mundo, pois, a partir dela, desenvolvemos o processo
interpretativo do mundo. A linguagem pode ser concebida de duas formas: a verbal,
aquela usada na fala, escrita/descritiva, ou pode ser não verbal, expressa por intermédio
de símbolos, imagens, figuras, desenhos, entre outros meios de comunicação visual (na
geografia são expressas por meio de paisagens e representações cartográficas). Assim,
percebe-se que a linguagem só se desenvolve na mediação com o pensamento, pois o falar
e o pensar acontecem em um processo mútuo, na interação dos seres humanos com o
mundo e dos seres humanos uns com os outros, e é mediante essa relação que a
humanidade se constituiu em espécie cultural e social.
Para Marques (2003), a linguagem não é apenas um meio de comunicação entre
sujeitos; isso quer dizer que ela não é somente um meio de “intercomunicação do que os
falantes sentem ou pensam, mas ela os realiza como falantes, como sujeitos que imprimem
significados ao seu mundo e assim se fazem reconhecidos pelos demais” (Ibidem, p. 28).
Nesse sentido, pela linguagem desenvolvemos procedimentos para melhor compreender o
mundo. Em termos geográficos, um dos primeiros procedimentos foi a observação dos
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De forma a melhor exemplificar como esses procedimentos ocorrem na geografia, expomos que eles ajudaram
os seres humanos a construir suas noções de espacialidade (localização no espaço, posição dos astros, épocas do
ano propícias para determinados plantios/caça/pesca), ou seja, as primeiras relações dos sujeitos com o mundo.
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Nosso conhecimento não se dá pelo acesso direto a coisa (conhecer, por exemplo
uma planta numa identificação plena da coisa mesma), mas pela relação com o
mundo, dentro de um determinado contexto. Nosso acesso às coisas se dá pela
palavra, pela linguagem. As palavras não pertencem a nós, mas pertencem à situação
em que estão e são aprendidas dentro da tradição, no fluxo da experiência. Portanto
a linguagem não é fruto do puro pensamento, mas radica no mundo prático.
(HERMANN, 2002, p. 64-65).
são criadas mentalmente pelo sujeito. Para Marques (1990, p. 15), com base em Japiassú
(1968), os seres humanos são, ao mesmo tempo, razão e imaginação, posto que no imaginário
situam-se as origens do pensamento, pois “a imagem é, assim, criadora do pensamento”. A
imagem faz-nos “mergulhar na profundidade das coisas que nos leva a descobrir no interior
delas mesmas, lá onde estão as fontes que a imaginação liberta de tudo o que é convencional e
superficial, mera aderência factual” (Ibidem, p. 14). Da imagem (visível), então, cria-se a
imaginação (invisível); da imaginação constroem-se interpretações e, delas, compreensões do
mundo.
Nesse diapasão, e apesar de existir uma unidade entre linguagem e pensamento para
a construção de conhecimentos e interpretação do mundo, a racionalidade moderna procurou
dicotomizar os elementos do pensamento e da linguagem, buscando um caminho único de
acesso à verdade, o que se traduz a partir da dualidade entre sujeito e objeto. Essa visão
tornou-se predominante na tradição ocidental, que resultou na divisão entre filosofia e ciência
– a primeira pautada na razão e na subjetividade dos sujeitos como força interpretativa, e a
segunda, pautada no objeto, centrou-se na linguagem a partir da experiência e aquilo que é
visível materialmente (MARQUES, 1990; OLIVEIRA, 2016).
A dualidade sujeito e objeto, ao encontrar aporte no método científico, torna-se
normativa na produção do conhecimento verdadeiro e converte-se no problema básico de
definição do objeto de investigação e das formas de pensamento, das quais constituem-se a
base de suas justificações. Desse entendimento, situa-se a filosofia e as formas racionais
(subjetivas) de pensamento e a ciência, estruturadas a partir da experiência (objeto), ou seja,
da ligação direta com a imagem ou aquilo que traduz a dimensão do visível. Segundo
Marques (1990, p. 16), esses entendimentos digladiam-se entre a primazia de conceder ao
sujeito ou ao objeto “as representações privilegiadas e as estruturas de formas entre eles
vinculantes”.
A geografia, apesar de congregar uma unidade entre pensamento e linguagem,
sistematiza-se e se torna ciência na oposição entre essas duas formas de entendimento,
seguindo a matriz fragmentária da racionalidade científica moderna que acabou por dualizar
seu objeto de estudo em elementos físicos e humanos, tendo primazia a dimensão do objeto.
Esse acordo foi problemático para essa ciência que, por muito tempo, ficou imbuída apenas de
discussões que se referem à dimensão do visível e da materialidade dos fenômenos, ou seja,
os fenômenos como apresentam-se imediatamente. A dimensão imaterial, construída a partir
de modos de operar o conhecimento, não foi privilegiada em seu processo de sistematização.
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Esse conhecimento encontra respaldos em um mundo que estava todo para ser
conhecido. Assim, primeiramente era necessário compreender os aspectos do mundo sensível
a partir da observação e da descrição do novo, para, a partir disso, buscar suas semelhanças,
conexões, diferenciações entre as diferentes paisagens e os elementos que as constituem. E
aqui entra a ideia do onde? (área, sítio, localização/local) Por que aí? (posição, situação)
(BROEK, 1981). Estas são as perguntas bases da geografia. Elas trazem a ideia de que os
lugares e paisagens só podem ser entendidos na sua relação (O que tem aqui? O que tem lá? O
que só ocorre aqui? O que só ocorre lá? Quais as conexões entre aqui e lá?). Essas perguntas
também são chaves para a Geografia e se constituem posteriormente por meio dos princípios
da geografia, que trazem a ideia de que os lugares se constituem e são conhecidos na sua
relação.
Assim, a ideia de dualidade no campo do conhecimento carrega resquícios das
discussões do mundo grego, em que Platão e Aristóteles dividiram o entendimento do mundo na
oposição entre doxa e episteme, ou seja, entre “conhecimento comum” ou opinião e o
“conhecimento buscado”, também conhecido como universal e teórico. Nesse contexto, Platão
(1976) fundamenta a ideia de episteme a partir da razão, pois, para ele, apenas por intermédio dela
seria possível chegar a uma explicação válida e universal sobre todas as coisas do mundo, porque
o verdadeiro conhecimento provinha da essência do próprio ser. Esse pensador refuta a ideia de
que o conhecimento se apresenta a partir das aparências dos objetos, ou seja, na doxa, ou plano
empírico. Diferente de Platão, Aristóteles (1973), outro estudioso do mundo grego, fundamenta
suas ideias na concepção de doxa, pois, para ele, o conhecimento apresenta-se baseado nas
experiências e sensações obtidas por intermédio das relações entre os fenômenos, e dessas
percepções pode-se processar abstrações que levem ao conhecimento racional (OLIVEIRA,
2016).
Vejamos na figura 2 como se estrutura o conhecimento na Antiguidade:
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O pensamento simplificador é conduzido pelo paradigma cartesiano moderno, que nos leva a um pensamento
dividido, reduzido e disjuntivo. Esse conjunto constitui o “paradigma simplificador”, sistêmico e analítico. O
paradigma simplificador, de acordo com Morin (2011), “[...] põe ordem no universo, expulsa dele a desordem. A
ordem se reduz a uma lei, a um princípio. A simplicidade vê o uno, ou o múltiplo, mas não consegue ver que o
uno pode ser, ao mesmo tempo, múltiplo. Ou o princípio da simplicidade separa o que está ligado (disjunção), ou
unifica o que é diverso (redução)” (Ibidem, p. 59). Entendemos que a simplificação nos leva à separação entre
sujeito e objeto. O pensamento disjuntivo isolou os principais campos do conhecimento: a física, a biologia e
fragmentou os saberes no interior de cada ciência, não havendo, assim, uma integração do uno com o múltiplo.
Dessa forma, não conseguimos enxergar a totalidade dos objetos tal como eles estão colocados, como também
dos processos que lhe originaram, pois o conhecimento é cada vez menos discutido e refletido pelas mentes
humanas (MORIN, 2011, p. 12).
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essa atitude “evitaria que o pensamento fosse tomado por paixões ou que se deixasse guiar por
preconceitos”. Para tal prerrogativa, haveria uma “ordem a ser seguida em todo o processo de
conhecimento, e essa deve ser imune ao que nos é dado [...] pelo senso comum” (Ibidem, p.
21). A primeira regra do método, legitimada pelo autor, institui a dedução como instrumento
metodológico para a produção do conhecimento e elimina do processo o que pode envolver os
sentidos e as emoções.
A segunda regra do método esclarece que “tudo que aparece como complexo deve
ser dividido em tantas partes simples quanto possíveis, pois a razão, ao focar num problema
perfeitamente delimitado, tem mais condições de resolvê-lo do que encarar algo composto de
várias maneiras” (DESCARTES, 2019, p. 21). Essa regra do método, conhecida como
disjunção, foi primordial para o avanço da especialização das ciências na modernidade; por
meio dela os campos do conhecimento foram divididos em tantas partes quanto possíveis para
melhor compreendê-los, criando, assim, disciplinas cada vez mais especializadas. Podemos
afirmar, aqui, que há uma aproximação desse princípio com o movimento analítico “Divisão
ou decomposição de um todo ou de um objeto em suas partes, seja materialmente (análise
química de um corpo), seja mentalmente (análise de conceitos)” (JAPIASSÚ, MARCONDES,
2001, p. 12).
A terceira regra do método mostra que é necessário conduzir por ordem os
“pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir
aos poucos, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos [...]” (DESCARTES,
2019, p. 55). Por essa regra podemos destacar que há uma dimensão indutiva no método
cartesiano quando apresenta a ideia de condução dos estudos do mais simples ao mais
complexo. Ou seja, parte-se da indução para chegar à dedução (ambos procedimentos da
razão), que levaria a verdades e leis gerais sobre os fenômenos. Dessa forma, a indução seria
um procedimento do método, mas que só ganharia validade se aplicado à dedução, pois, para
Descartes, a experiência individual não contribui para o avanço do conhecimento.
Para Descartes (2019), esse processo deveria seguir “um ordenamento, de modo que
a remontagem para o composto ou complexo possa ser feita sem desvios que prejudicariam a
verdade almejada”. Trata-se do “estabelecimento de uma ordem lógica, necessária entre esses
elementos simples, e não de uma mera sucessão temporal. A busca da verdade pressupõe o
descobrimento de nexos necessários [...]” (p. 21). Essa regra fundamentou-se a partir do
princípio da generalização, que induz à ideia de um movimento que totalidade, ou seja, a
consideração dos elementos em seu conjunto novamente. Desse modo, ao proceder o
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conhecimento por meio das regras anteriores, incita a proposição de uma lei geral para o
entendimento de casos particulares10.
A quarta regra expõe que esse procedimento pode ser retomado e repetido quantas
vezes for necessário, e “deve dar lugar a tantas revisões quanto necessárias, de modo que as
contribuições e objeções de todos, possam ser levadas em consideração, pois ela é condição
mesma de estabelecimento da verdade” (DESCARTES, 2019, p. 22). Após realizados esses
procedimentos, o fenômeno pode ser reconhecido como verdade universal, pois produzem-se
sínteses, ou seja, teorias para a explicação do mundo, e pode ser desdobrado por meio de
conceitos fundamentais que constituem o núcleo das ciências.
As regras propostas por Descartes instituem o caminho da razão como fundamento
primeiro para o acesso à verdade do fenômeno investigado.
Com base na exposição das regras do método perguntamos: Como essas regras
aproximam-se da Geografia e de seus fundamentos epistemológicos e didático-pedagógicos?
Podemos afirmar que o princípio da disjunção na geografia estabeleceu-se criando dicotomias
presentes até hoje nos estudos geográficos, como os estudos em Geografia Física e Geografia
Humana, Geografia Geral (física) e Geografia Regional (humana), etc., e destes em campos
de investigação e disciplinas cada vez mais específicos. O princípio da simplificação aplica-se
até hoje na formulação dos currículos escolares, posto que, no caso da Geografia, no início do
processo de escolarização inicia-se com o trabalho de conteúdos mais simples aliados à
dimensão do espaço vivido da criança, para que, no decorrer dos anos, esses conhecimentos
possam ser tratados de forma mais complexa, ampliando os espaços de percepção da criança,
passando para as dimensões do espaço percebido e concebido para um espaço mais abstrato e
abrangente.
10
Como afirma Morin (2011), é preciso entender a realidade do mundo, que não é compreensível somente pelo
estudo e análise de cada uma das partes, tampouco o todo pode ser explicado em si mesmo. A soma das partes,
numa lógica de justaposição, também não dá conta do todo.
36
11
É importante lembrar que foi Francis Bacon quem sistematizou o método indutivo, mas essa técnica já existia
desde a racionalidade antiga (LAKATOS; MARCONI, 2003), e foi Galileu Galilei o precursor no uso da
indução experimental.
37
experiências. A primeira delas é externa aos sujeitos, provinda dos sentidos, e a segunda é
interna, provinda desde a reflexão.
Nota-se que não há uma negação do modo de operar racional e reflexivo; apenas o
fundamento primeiro para a construção do conhecimento é dado pela experiência. Locke
(2008), avançando na sua explicação sobre a importância da experiência na produção de
conhecimentos, afirma que os sentidos provocam sensações e lembranças em nossa mente que
possibilitam percepções. Já a reflexão é realizada a partir da experiência provinda das
percepções, uma vez que ela é tida como ideias particulares provindas da própria mente do
sujeito. Para o autor, os sentidos são a “grande fonte de maior parte das ideias que temos,
posto que, estas dependem totalmente de nossos sentidos e por eles são comunicados ao
entendimento” (Ibidem, p. 107).
Os realistas propõem, então, a indução como o único meio de acesso ao
conhecimento. Nessa perspectiva, a posição indutiva ocorre do sujeito em relação ao objeto,
quando o sujeito, por meio da observação sistemática e das experiências particulares, é apenas
um intérprete daquilo que a natureza quer mostrar.
Segundo Kuhn, Callai e Toso (2019), desse entendimento sobre o método indutivo
podemos “radicar a nossa primeira aproximação entre epistemologia, psicologia e pedagogia”
(p. 482), ou seja, o modo como se produz e se concebe o conhecimento em termos
geográficos, mas, também, o formato como se orientam os currículos e as práticas
pedagógicas dos professores. Os autores entendem que, “no caso dos Estudos Sociais
(História, Geografia ou conhecimentos sociais), esses conhecimentos são apresentados às
crianças, em função de seu desenvolvimento cognitivo, dispondo-os pedagogicamente dos
elementos mais próximos aos mais distantes”.
Não por acaso, a indução tornou-se um método que guiou o desenvolvimento da
educação por toda a Europa no século 19, e tinha por objetivo desenvolver a plenitude das
38
capacidades humanas, iniciando pela intuição. Um dos principais expoentes dessa corrente foi
Pestalozzi12. Para ele, a indução é o meio essencial para progredir a capacidade intelectual.
Nesse sentido, como afirma Zanatta (2005, p. 170), Pestalozzi estabeleceu alguns princípios
para o seu método de ensino: “partir do conhecido ao desconhecido; do concreto ao abstrato,
ou do particular ao geral; da visão intuitiva à compreensão geral, por meio de uma associação
natural com outros elementos e, finalmente, reunir no todo orgânico de cada consciência
humana os pontos de vista alcançados”.
É pautada nesse método que a geografia escolar se constitui, buscando desenvolver
as capacidades perceptivas do aluno, sempre iniciando pela dimensão do visível, ou seja, pela
observação. Ela seria a base para o desenvolvimento das primeiras experiências de
aprendizagem, pois, a partir dela e das impressões que geravam, poderia se chegar a
pensamentos ou ideias, como afirma Zanatta (2005, p. 171):
12
Esse autor seguiu os pressupostos de Rousseau e elaborou uma teoria do ensino que buscava desenvolver as
capacidades humanas pelo cultivo do sentimento, da mente e do caráter (LIBÂNEO, 2013).
39
níveis hierarquizados – no caso do espaço, por níveis espaciais que vão se ampliando
sucessivamente”, numa sequência lógica de espacialidades/territorialidades que se ampliam.
O ensino de Geografia, pela perspectiva dos círculos concêntricos, tem sido
recorrente nos livros didáticos dessa disciplina, como ensina Pereira (1988, p. 14): “via de
regra, apresentam uma sequência de conteúdos que se iniciam com a localização do território,
prosseguem com o estudo do relevo, da hidrografia, do clima e da vegetação para finalmente
chegarem à população que, quase sempre, é expressa apenas em termos numéricos”. Note-se
que a crítica aos círculos concêntricos não está atrelada ao nível de ocorrência do fenômeno,
ou seja, o local onde se inicia o estudo da Geografia, se pela casa, a rua, o bairro, a região ou
o território, mas, sim, porque não é feita a relação entre os fenômenos que, muitas vezes, se
manifestam em várias escalas e com conexões entre si (por exemplo, a dimensão da pobreza,
a extensão de um rio, as questões da climatologia, etc.).
Com base nos paradigmas racionalistas e realistas estrutura-se a geografia de forma
disjuntiva, fragmentada em partes que separam o entendimento do sujeito e do objeto.
Elimina-se o sujeito do conhecimento na busca pela objetividade e pela neutralidade do
conhecimento. Em seguida, simplifica-se o objeto, que precisa ser reduzido, fragmentado e
isolado de todo o seu contexto natural e social. O entendimento desses fragmentos ocorre de
forma simplificada em recortes/níveis tratados de forma absoluta (perspectiva matemática)
isolados entre si, sem considerar sua relação com outros níveis e fenômenos que se
materializam no espaço. Por fim, elabora-se a generalização que se constitui, como afirmam
Japiassú e Marcondes (2001, p. 85), “a partir de uma operação mental que consiste em
estender a toda uma classe de seres ou de fenômenos aquilo que é constatado em alguns seres:
é assim que se formam os conceitos empíricos”. A generalização materializa-se a partir da
formulação de leis, teorias e conceitos gerais que explicam os fenômenos do mundo.
40
Figura 3 – Estruturação da Geografia Moderna com base nos princípios racionalistas e realistas
Apesar de racionalistas e realistas darem as bases científicas para as ciências, foi com
o positivismo sistematizado por August Comte (1798/1857), ainda no período moderno, que
se estrutura um método universal que possibilitaria o avanço de todas as ciências. O
13
Essa figura é uma elaboração que sistematiza as leituras realizadas no âmbito da geografia e da filosofia.
41
14
É importante ter claro que a escolha do método também envolve a subjetividade do pesquisador.
43
(2020), nosso olhar sempre é mediado por representações mentais que compartilhamos, de
nós com o mundo e do mundo conosco. É nesse âmbito, como aponta o autor, (2020, p. 4),
“que incidem nossas ações de conhecimento, o operar de nossa ciência”.
Nesse sentido, Boufleuer (2020, p. 4) nos ajuda a entender a geografia:
muito tempo, as concepções de sujeito e objeto, bem como caminhos que mais bem podem
contribuir com o avanço do conhecimento em um campo de investigação. Para Gamboa
(2007), o método é um caminho do conhecimento abrangente e complexo que implica
critérios de cientificidade. Esses critérios são um conjunto de procedimentos racionais que
constitui a metodologia, ou seja, os caminhos percorridos que melhor possibilitam conhecer o
objeto de estudo.
Ainda podemos afirmar que as distintas racionalidades implicaram diferentes modos
de conhecer o fenômeno ou objeto a ser investigado ao longo do tempo. Esses distintos modos
de conhecer estão diretamente ligados aos procedimentos metodológicos. Gamboa (2007)
entende que a metodologia faz alusão aos passos, ou seja, aos procedimentos e maneiras de
conduzir a investigação com base em um determinado objeto. Assim, a metodologia é
entendida como a ferramenta que possibilita fazer a mediação entre o conhecimento do senso
comum e o conhecimento científico. A metodologia, contudo, só tem validade se aliada a um
método, pois é ele quem dá sustentação teórica a partir de suas leis e princípios.
O contexto em que a geografia se sistematiza na modernidade ocorre em sintonia
com o debate das racionalidades em que racionalistas e realistas impõem, cada um a seu
modo, uma forma de conhecer o mundo, ou pela razão ou pela experiência, ou, dito de outro
modo, ou pela via do pensamento ou pela via da linguagem, tornando-as instâncias separadas
na constituição do conhecimento. Desse resultado tem-se a separação entre ciência e filosofia,
tornando o pensar a tarefa do filósofo e a análise a tarefa da ciência. A geografia, nesse
contexto, por ter sido considerada uma ciência empírica, por muito tempo privilegiou o
conhecimento do objeto ante o sujeito. Por esse pressuposto, o seu fundamento primeiro na
condução científica foi o uso dos sentidos, pautado naquilo que o sujeito vê e sente
imediatamente.
É com um formato dualista que se constitui a geografia moderna e se reflete na forma
como a conhecemos hoje. Essa ciência nasce sob as bases dadas por Kant, que, mesmo não
sendo geógrafo de formação, preocupou-se com a defasagem da filosofia em decorrência do
avanço da ciência no século 18 (MOREIRA, 2010). Segundo o autor, o avanço da ciência dá-
se no campo de interpretação da natureza, pautada na invariabilidade das leis naturais e na
certeza da matemática. Esse entendimento reduziu a ciência e a geografia a “uma concepção
de natureza-sem-o-orgânico-e-sem-o-homem, da qual deriva uma dualidade natureza-homem”
(Ibidem, p. 13). A dualidade sujeito-objeto, na qual se constitui a geografia, é oriunda do
paradigma racionalista de Descartes, que, mais tarde, resulta nas correntes determinista e
possibilista, que orientaram o pensamento geográfico.
50
Sob essa concepção de mundo dualista, que encontra na natureza as respostas para o
mundo humano, se desenvolve o paradigma científico que foi a base da especialização do
conhecimento na modernidade. Essa especialização foi a chave para o processo de avanço do
capitalismo que estava em curso na grande maioria dos países europeus, culminando com a
revolução burguesa e a revolução industrial, que ocorrem, primeiramente, na Inglaterra e,
após, na França. Nesse contexto, era necessário construir teorias para conhecer e dominar,
pois nessa época “conhecer era poder” e quem tivesse o poder poderia dominar; por isso,
inúmeros países passaram a construir conhecimentos sobre os territórios com base nos
avanços da ciência, objetivando legitimar interesses específicos.
Em um mundo quase todo a ser conhecido e dominado, o conhecimento da geografia
torna-se crucial para o desenvolvimento de teorias que justificassem o controle dos territórios.
Para isso, primeiramente era necessário “localizar” os territórios a serem conhecidos e é por aí
que se desenvolveu um conhecimento da geografia aliada à astronomia sob um viés
matemático, resultando no que conhecemos, hoje, por cartografia. O seu desenvolvimento
teve base nas teorias construídas na Antiguidade pelos gregos (cálculos de circunferência da
terra, latitudes e longitudes, delimitação das zonas climáticas da terra) e que foram
aperfeiçoadas, culminando com avanço de mapas cada vez mais precisos em termos de
localização e posição dos elementos no espaço (BROEK, 1981).
Pautadas na ideia de localização e visibilidade do espaço e de seus elementos,
surgem as primeiras definições sobre o objeto de estudo da geografia, como o estudo da
superfície terrestre. A definição supracitada está diretamente ligada com o sentido
etimológico da palavra geografia – “geo” terra e ‘grafia” descrição –, ou seja, a descrição
de todos os fenômenos da superfície terrestre. Essa definição é dada em um contexto em
que o mundo estava todo a ser conhecido. Nesse sentido, os procedimentos de observação
e de descrição tornam-se importantes no fazer geográfico. A descrição traz em si
proximidade com o sentido de representação (que pode ser escrita, mas também gráfica),
por evidenciar claramente aquilo que se observa/sente/pensa. Esse entendimento mostra a
aproximação da geografia com a cartografia e um sistema matemático-mecânico (de
matriz absoluta) desde o seu processo de sistematização.
Nessa direção, Moraes (2007, p. 31) com base em Kant afirma que, “caberia ao
estudo geográfico descrever todos os fenômenos manifestados na superfície do planeta, sendo
uma espécie de síntese de todas as ciências”. Para o autor:
51
Moraes (2007) entende que Kant (1974) mostra como o debate das racionalidades
imperou sobre o fazer geográfico quando se classifica a geografia como uma ciência do saber
empírico, por se apoiar em procedimentos que demandam o uso dos sentidos, ou seja, tem-se
o objeto em primazia ao sujeito, isto é, a indução ante a dedução. Assim, vincula-se a
geografia aos conhecimentos relativos à natureza e à dimensão do visível. A partir disso,
simplifica-se o entendimento da superfície terrestre a recortes específicos (o lugar, a
paisagem, o território, o espaço). Por fim, procede-se a síntese que, segundo Japiassú e
Marcondes (2001, p. 12), se opõe à ideia de análise que “consiste em unir em um todo
diversos elementos dados separadamente”, contudo, ao ser vinculada apenas aos aspectos da
natureza, tem-se um entendimento fragmentado dos fenômenos. Dos procedimentos
descritivos procede-se a enumeração, e de sua recorrência na natureza leva-se à generalização,
à criação de leis e às teorias gerais.
Essa perspectiva chamada corológica foi fundamental para o reconhecimento do
objeto da geografia a partir de um enfoque espacial, articulado à distribuição dos fenômenos
na superfície terrestre. Ela coloca-se em oposição à perspectiva cronológica, que traz a
dimensão temporal às discussões geográficas. Assim, ao se privilegiar a dimensão corológica,
a geografia, por muito tempo, foi tratada de forma linear, em que a compreensão dos
fenômenos se dava por acréscimo, havendo o privilégio das formas (dos animais, das plantas,
da natureza, das construções humanas) e a sua localização no espaço. Essa ideia é marca da
matriz absoluta de pensamento na geografia, em que o espaço pode ser compreendido pela
representação e descrição dos fenômenos, e isso é tomado como realidade.
A compreensão do espaço pelo uso de imagens que servem como espelhos da
realidade, culmina com o desenvolvimento da cartografia com o objetivo de orientar viajantes
e naturalistas com localizações precisas sobre os territórios. A criação da Projeção de
Mercator (1569), ao determinar a posição dos países no mapa, busca “realçar o imaginário de
uma Europa racional em contraste com um mundo de bárbaros” (MOREIRA, 2015, p. 14).
Assim, segundo o autor, essa geografia, que se constituiu na modernidade, vê nascer o Estado
e o colonialismo moderno tendo a Europa como o centro de todo o mundo. Em uma
52
É possível perceber que ambos os métodos elaborados por Humbold e Ritter, apesar
da sua relação, possuem influência do realismo no entrecruzamento com o positivismo de
Comte, pois há o privilégio da indução e da experimentação para o estabelecimento de leis
gerais. Apesar dessas características globais, os autores ainda pautam-se em influências
54
Um gênero de vida constituído implica uma ação metódica e contínua que age
fortemente sobre a natureza ou, [...] sobre a fisionomia das áreas. Sem dúvida, a
ação do homem se fez sentir sobre seu ‘ambiente’ desde o dia em que sua mão
armou-se de um instrumento [...]”. Esse entendimento mostra que a geografia
vidalina apresenta uma leitura não dissociativa da relação homem e natureza.
No contexto alemão, Moraes (2007, p. 69) ao estudar Ratzel entende que este define
a geografia como “o estudo da influência que as condições naturais exercem sobre a
humanidade”. As suas ideias foram influenciadas pela teoria da seleção natural de Charles
Darwin, em que a natureza atuaria de duas formas: primeiramente sobre a fisiologia, ou seja,
as características naturais dos seres, e, por segundo, pela psicologia que definiria o caráter de
um povo, seu modo de vida, seus costumes. Ainda entendia que “a natureza influenciaria a
própria constituição social, pela riqueza que propicia, através dos recursos do meio em que
está localizada a sociedade” (Ibidem, p. 69). Para ele, a natureza também era responsável na
55
constituição social do ser humano “pela riqueza que propicia, através dos recursos do meio
em que está localizada a sociedade” (MORAES, 2007, p. 69). Ainda afirmava que a natureza
poderia alavancar ou obstacularizar o desenvolvimento de um povo, pois ela seria responsável
pelas suas condições econômicas e sociais.
Para Ratzel (1982 p. 93), “o estado não é concebível sem território e sem fronteiras
[...] um estado não existe sem seu solo”, pois os recursos da natureza proporcionam o
progresso de uma nação. O território, por abrigar o solo, é considerado condição fundamental
para o trabalho e existência da sociedade, posto que “um povo regride quando perde
território” (p. 94). Consoante Ratzel (1982), se o território de uma nação reduz-se, implica o
começo do seu fim, ou seja, a decadência de uma nação, já o progresso implicaria a conquista
de novos territórios. Segundo Moraes (2007) ainda é possível afirmar que a geografia de
Ratzel deu bases para a geografia humana, pois, apesar de seu caráter naturalista, sua
geografia privilegiou a descrição do movimento humano, “a formação dos territórios, a
difusão dos homens no Globo (migrações, colonizações, etc.), a distribuição dos povos e das
raças na superfície terrestre, o isolamento e suas consequências, além de estudos
monográficos das áreas habitadas” (Ibidem, p. 71).
A vinculação de Ratzel com o projeto expansionista alemão conferiu a esse autor as
bases para o estudo do território. Ele articula a ideia de progresso com o solo e o tamanho da
extensão do território, e esses como fatores preponderantes para o desenvolvimento de uma
nação. Esses elementos, juntos, serviriam para despertar o sentimento de pertencimento do
povo como estratégia para lutar e defender do território. Para Moraes (2007, p. 71), “em
termos de método, a obra de Ratzel não realizou grandes avanços” em relação aos seus
antecessores; “manteve a ideia da Geografia como ciência empírica, cujos procedimentos de
análise seriam a observação e a descrição”. Para além da descrição, o autor propôs “buscar a
síntese das influências na escala planetária, ou, em suas palavras, “ver o lugar como objeto em
si, e como elemento de uma cadeia” (Ibidem, p. 71).
Ainda segundo Moraes (1983, p. 387-388), a proposta de método de Ratzel seguiria
etapas hierarquizadas a partir de uma sequência linear, que consistia na “observação,
descrição, representação, comparação, classificação e generalização” dos fenômenos
(MORAES, 1983, p. 391).
56
também, não deixou de lado a indução, processo tão marcante na constituição da geografia.
Para Moraes (2007, p. 97) a sua proposta diferiu-se de seus antecessores, pois entendia que
“as ciências se definiriam por métodos próprios, não por objetos singulares”. Esse
entendimento pautava-se na ideia de que a geografia tinha uma forma específica de analisar a
realidade, especialmente porque estudava fenômenos variados que também eram objetos de
investigação de outras ciências. Esses objetos, contudo, não deveriam ser trabalhados
isoladamente, mas abrangendo as suas inter-relações. “Entretanto, as inter-relações não
interessariam em si, e sim na medida em que ‘desvelam o caráter variável das diferentes áreas
da superfície da terra’” (Ibidem, p. 98).
Nesse sentido, Hartshorne (1979) propõe os conceitos de área e integração, ambos
pautados no método regional. Para Moraes (2007, p. 98) “A área seria uma parcela da
superfície terrestre diferenciada pelo observador, que a delimita por seu caráter, isto é, a
distingue das demais”. Assim, a área a ser estudada seria delimitada pelo próprio observador a
partir do seu ideal, no qual observar-se-iam os fenômenos escolhidos. Hartshorne (1979)
ainda apresenta duas formas de análise das áreas; uma denominada ideográfica, que seria uma
análise singular e unitária de um determinado lugar, buscando apreender o máximo de
elementos possíveis. A segunda buscaria ser mais generalizadora, a qual denominou de
nomotética (constitui a referência para a geografia quantitativa). Dessas duas formas de
apreensão da realidade o autor buscou integrar a geografia regional (humana) com a geografia
geral (física), apesar de ambas serem diferenciadas pelos níveis de profundidade em seus
estudos. Assim, para Moraes (2007, p. 100) “quanto maior a simplicidade de fenômenos e
relações tratados, maior possibilidade de generalização. Quanto mais profunda a análise
efetuada, maior conhecimento da singularidade local”.
15
A dialética surge com base em Hegel no final do século 18 e foi transformada por Marx no materialismo
histórico dialético no século 19. Já a fenomenologia surge com base em Hurssel no final do século 19 e início do
20. Ambas correntes serviram de referência para a mudança paradigmática que ocorreu na geografia no século
20, orientada pelas correntes críticas.
61
Toda a tradição geográfica buscou definir um objeto de estudo para que melhor
pudessem ser compreendidos os fenômenos estudados por essa ciência. Articulada a ele, esteve a
discussão sobre o método que foi passando por modificações, muitas vezes relativas à perspectiva
da instrumentalidade metodológica, mas não em termos de base teórica, ou seja, a base maior e
abstrata que sustenta o como fazer. Esses métodos, ou pautados na primazia do sujeito ou do
objeto, radicaram um entendimento dualista a uma ciência que se constitui pela ideia de síntese.
63
Para Claudino (2019, p. 72), os procedimentos e as técnicas no interior da geografia vão sofrendo
modificações, mas o método, entendido como “caminho do pensar”, permaneceu o mesmo.
Apesar de todas as mudanças que ocorreram ao longo da constituição do pensamento
geográfico, é preciso entender como essas discussões sobre objeto e método, que carregam
resquícios do debate das racionalidades, influenciam na geografia científica e escolar. É
preciso considerar que, apesar de a geografia escolar e a científica terem a mesma base de
definição – o pensamento geográfico (constituído por objetos e métodos) –, elas possuem
objetivos e finalidades diferentes. Assim, para poder fazer essa discussão é necessário
primeiro definir o que se entende por disciplina e por ciência para traçarmos suas
aproximações e distanciamentos.
16
É importante marcar que a geografia escolar surge no currículo alemão antes do processo de sistematização da
geografia como ciência, como apontam Tonini (2006), Vlach (2004).
17
Conforme proposta de André Chervel (1990), Ivor Goodson (1990) e Circe Bittencourt (2018).
64
Para o dicionário, o termo disciplina é definido como: “1. Regime de ordem imposta
ou mesmo consentida. 2. Ordem que convém ao bom funcionamento de uma organização. 3.
Relação de subordinação do aluno ao mestre. 4. Submissão a um regulamento. 5. Qualquer
ramo do conhecimento. 6. Matéria de ensino” (FERREIRA, 2008, p. 321). Já o significado do
substantivo matéria é: “1. Qualquer substância sólida, líquida ou gasosa que ocupa lugar no
espaço. 2. Substância capaz de receber certa forma, ou em que atua determinado agente. 3.
Assunto de discurso, conversação, etc. 4. Causa, objeto. 5. Notícia, reportagem [...]. 6.
Disciplina Escolar” (Ibidem, p. 542).
As definições tratadas pelos dicionários mostram que, apesar de haver aproximações
entre as definições dadas pelos termos matéria e disciplina, no que se refere especificamente à
questão dos conteúdos de ensino, elas não podem ser definidas como sinônimos, pois cada
uma assumiu inscrições conceituais diferenciadas ao longo do tempo.
Para Chervel (1990), a noção de disciplina, no sentido escolar, e sua articulação com
os conteúdos de ensino, é recente, e ganha essa conotação apenas no século 20, após a
Primeira Guerra Mundial, quando há uma disputa sobre quais disciplinas deveriam ou não
fazer parte do currículo escolar. Para o autor, até a metade do século 19 o termo disciplina não
possuía outra vinculação a não ser com o fim de regramento, vigilância e repressão das
condutas que prejudicavam a boa ordem, não havendo qualquer menção à ideia de disciplina
no ponto de vista de conteúdo de ensino. Até então, o que equivaleria atualmente ao termo
disciplina, no sentido escolar, eram as expressões, objeto, partes, ramos, ou, ainda, matérias
de ensino, o que explica, em certa medida, a confusão nos significados.
O processo de definição das disciplinas que deveriam fazer parte do currículo
escolar, ocorre quase que paralelamente ao processo de especialização das ciências no final do
século 19. Nesse contexto, cada ciência foi dividida em várias áreas e, essas, em disciplinas
específicas, com objetos de investigação próprios, havendo, assim, a criação de novas
disciplinas e, consequentemente, novos conhecimentos que precisavam ser introduzidos no
currículo escolar. Em consonância com as novas disciplinas, emergem novas finalidades para
o ensino, de forma que elas deveriam explicitar a seleção dos conteúdos a serem ensinados,
bem como definir os métodos que garantissem a apreensão dos conteúdos.
Esse processo põe em xeque o pensamento pedagógico da época que, até então, buscava
inculcar o conhecimento nos alunos. Assim, a palavra disciplina faz par com o verbo disciplinar, e
surge na “segunda metade do século 19, em estreita ligação com a renovação das finalidades do
ensino secundário e do ensino primário” (CHERVEL, 1990, p. 179), que desejavam, dali por
diante, disciplinar o espírito, ou seja, desenvolver a formação pelo exercício intelectual.
65
18
Ainda no que se refere à questão do ensino das humanidades e sua importância para a formação do espírito,
podemos afirmar que, atualmente, as disciplinas que compõem o núcleo das ciências humanas assumem essa
prerrogativa pelo desenvolvimento da razão. As disciplinas dessa área são dotadas de recursos teórico-
metodológicos que visam a possibilitar o desenvolvimento do espírito crítico e também reflexivo nos estudantes.
Cada vez mais, contudo, os detentores do poder têm encontrado meios de tornar as disciplinas que fazem parte
dessa área adequadas às finalidades econômicas e políticas, por vezes silenciando e ocultando discussões, por
vezes tornando visíveis o que é de interesse, ou buscando formas de diminuir a sua importância nas discussões
sobre o currículo escolar.
66
ciências são constituídas como campos disciplinares no século 19, com o intuito de produzir
conhecimentos para o ensino escolar, sendo esses traduzidos por meio de conteúdos e
métodos de ensino. Dessa forma, apesar de as ciências serem referência para as disciplinas
escolares, não podemos esquecer, como alerta Chervel (1990), que as disciplinas escolares são
criações originais da própria escola, e possuem relativa autonomia de sua ciência de
referência.
Isso quer dizer que, mesmo que as disciplinas escolares tenham influência das
disciplinas acadêmicas em termos de conteúdo, estrutura e métodos de ensino, elas respondem
a diferentes finalidades na formação dos sujeitos. Para Goodson (1990), existem distinções e
também relações entre o termo disciplina no sentido acadêmico e no sentido escolar. Para o
autor, o termo disciplina é oriundo da tradição acadêmica e, para as escolas, utiliza-se o termo
matérias, mesmo e apesar de os documentos oficiais, que embasam a educação básica,
utilizarem, em suas definições, o termo disciplina. Bittencourt (2018, p. 36) esclarece que a
noção de disciplina escolar é mais usual “nos cursos superiores a qual, por sua vez, é
composta de “matérias” específicas, correspondentes a divisões internas das disciplinas
acadêmicas”.
O cerne dessa discussão sobre a definição dos termos disciplina e matérias de ensino
envolve questões primordiais que precisam ser compreendidas: primeiramente há uma tentativa
de defini-las de acordo com as funções exercidas em cada nível que atuam, mas, na ânsia dessa
definição, reduziu-se o papel ocupado pelas disciplinas escolares à questão específica dos
conteúdos de ensino, negligenciando a questão didático-pedagógica e dos métodos de ensino.
Essa discussão está atrelada diretamente à definição sobre quais disciplinas deveriam fazer parte
do currículo escolar, haja vista que o currículo é campo de disputas e cada disciplina possui
finalidades específicas que influenciarão, de diferentes formas, o desenvolvimento da sociedade.
Nesse sentido, é preciso mencionar que a escola ensina, por meio das disciplinas
escolares, conhecimentos, que são determinados pelas sociedades de forma a materializar nos
seus currículos as intenções dos processos econômicos, políticos e culturais. Nesta
perspectiva, as escolas foram assumindo, em distintas épocas, objetivos que buscavam atender
demandas em diferentes momentos históricos: a formação da classe média para o ensino
secundário, a expansão da alfabetização e a formação de um espírito nacionalista e patriótico
(BITTENCOURT, 2018). Segundo a autora, esses objetivos, que foram traduzidos para as
disciplinas, justificam a sua permanência no currículo. Ao longo do tempo, porém, conforme
mudam-se as finalidades da sociedade, mudam-se também os objetivos da escola e das
próprias disciplinas.
67
Para Callai (2013), cada disciplina é portadora de uma problemática própria, e suas
finalidades educativas não deixam de estar atreladas às funções e objetivos da escola, que, por
sua vez, estão amparadas em objetivos maiores, como dos Estados traduzidos pelas políticas
educacionais, que, no contexto atual, seguem as demandas globais. Assim, refletir sobre as
disciplinas escolares e seus conteúdos de ensino reporta a conhecer a configuração do mundo
e os interesses da sociedade em cada período histórico. Conforme mudam as finalidades,
todavia, educativas, mudam também os conteúdos, os objetivos pedagógicos das disciplinas e
os métodos de ensino, pois elas são os meios necessários para que a escola cumpra uma
determinada função educativa ao longo do tempo (CHERVEL, 1990).
No caso aqui específico, interessa pensar a geografia como disciplina, que, apesar de
ter uma relação de aproximação e distanciamento com a sua ciência de referência, possui uma
história própria, que surge no currículo escolar carregada de intencionalidades políticas e
econômicas em um período em que os Estados-Nações vinham se constituindo como tais.
Aliada a isso, a Geografia, desde o início da modernidade, já mostrava um dualismo interno.
Essa dualidade remonta às discussões filosóficas de realistas e racionalistas, que defendiam
que os conhecimentos, para serem aceitos como tais, precisariam da validade do método, e
esse só poderia ser alcançado pelos procedimentos da indução (linguagem/externa ao sujeito)
e da dedução (pensamento/interna ao sujeito). A geografia aliava-se, então, a ambas as
concepções, por estudar elementos físicos e humanos, mas privilegiou a indução em
detrimento da dedução.
Com a instituição do seu campo científico no século 19, sob a égide do positivismo, a
sua dualidade foi aprofundada, e essa ciência constituiu-se a partir de objeto de estudo
fragmentado que se refletiu no currículo escolar em uma disciplina dualista, que separa dos
seus estudos a relação homem e natureza. Por isso, buscamos compreender o contexto de
aproximações e distanciamentos da sua ciência de referência e a sua influência nos seus
conteúdos e métodos de ensino.
Para Vlach (1987), o ensino de geografia, junto com a história, se torna um dos
sustentáculos no processo de constituição dos Estados nacionais; assim, o objetivo dessas
disciplinas era contribuir com a formação de cidadãos para que esses Estados se
consolidassem. O papel ideológico-cultural e a formação cidadã foram a gênese e a função em
que se constituiu a geografia. Mais tarde essas disciplinas foram ocupando outras funções que
não deixavam de estar atreladas a objetivos econômicos e políticos, como a formação da
classe média para o mercado de trabalho, a formação de cidadãos para o consumismo, entre
outros. Nesse sentido, as escolas colocam-se em cada período histórico a serviço de diferentes
funções, sendo os conteúdos escolares os responsáveis por atribuir a elas diversos objetivos
educacionais.
A terceira característica, ou seja, a forma de funcionamento das disciplinas escolares,
envolve inúmeras questões que vão desde o processo de organização do ensino, como a carga
horária, número de períodos semanais, os temas e conceitos a serem desenvolvidos em cada
etapa de ensino da Escola Básica (Anos Iniciais, Anos Finais e Ensino Médio), à forma como
isso tudo chega ao estudante, ou seja, os objetivos de ensino, que deixam claro aquilo que
queremos com o ensino de Geografia. Por isso, é necessário que os professores tenham claro
como a sua disciplina pode contribuir para a formação humana e cidadã dos estudantes. Tendo
essa clareza, definem-se os conteúdos e métodos de ensino, que implicarão em concepções
didático-pedagógicas e teórico-metodológicas.
Essas três características colocam em evidência a concepção de que as disciplinas
fazem parte de um processo criativo e original da escola, e que têm autonomia para se
constituir como tal, sem que exista uma ciência de referência acadêmica, como é o caso do
próprio processo de constituição da geografia. Nesse sentido, podemos afirmar que, embora a
disciplina acadêmica e disciplina escolar possuam relações comuns entre si, existem
diferenças entre ambas no que se refere a seus objetivos e finalidades, pois, como assevera
Bittencourt (2018, p. 37):
primeiros buscam resolver os problemas a que a ciência precisa dar respostas, enquanto os
segundos são apenas úteis à formação de pessoas que, em princípio, não vão ser especialistas
e nem produtores de novos conhecimentos na área de referência. Existem fortes e
indissociáveis relações entre os conhecimentos acadêmicos e escolares, ao mesmo tempo em
que existem especificidades em cada uma que precisam ser respeitadas.
Nesse sentido, é importante que os professores e currículos tenham claro as várias
dimensões que caracterizam as diferenças entre o conhecimento científico, produzido pela
ciência geográfica, e o conhecimento escolar, produzido pela disciplina de ensino. A ciência
estruturou-se a partir de diversos objetos e métodos oriundos das correntes filosóficas de
pensamento, como o Positivismo, o Neopositivismo, a Dialética e a Fenomenologia e seus
instrumentos do conhecer, e busca traçar teorias e conceitos para entender as mudanças do
mundo. Já a geografia escolar tem por finalidade fornecer meios teóricos para que os
estudantes possam compreender o mundo em que vivem. Para isso, sustenta-se nas teorias e
nos conceitos produzidos pela ciência de referência; assim, ao longo do tempo, os métodos e
os instrumentos do conhecer fornecidos pela ciência tiveram forte influência no ensino
escolar. A Geografia escolar, contudo, mesmo sendo uma disciplina autônoma (produção da
escola), não possui um método de ensino próprio; a sua referência para a produção do ensino
tem se utilizado dos instrumentos teórico-metodológicos da ciência e das concepções
didático-pedagógicas oriundas das correntes da educação.
Ainda, é preciso considerar que no processo de ensino os conhecimentos dos
estudantes são parte fundamental para a aprendizagem. Desse modo, é necessário diferenciar
o que é específico de cada conhecimento no processo de ensino.
as disciplinas contribuem para que o mundo seja visto não apenas por aquilo que “ele é”, mas
por aquilo que “deve” ou “poderia ser”.
Nesse sentido, o conhecimento escolar não é neutro, e à prática educativa
incorporada impõe-se uma intencionalidade, pois ensinar é um ato político, sistemático,
intencional e proposital. Essa intencionalidade coloca em xeque a racionalidade instrumental
que compõe os currículos e propostas pedagógicas das escolas, na qual a aprendizagem
precisa ser útil, e o “saber” deve estar diretamente ligado ao “saber fazer”. Entendemos que as
disciplinas escolares podem contribuir para a formação cidadã do sujeito por meio dos seus
conhecimentos específicos. Para que isso ocorra, entretanto, o professor precisa ter claro
como a sua disciplina pode contribuir para tal prerrogativa e isso pressupõe o conhecer a
estrutura do pensamento geográfico.
A dimensão didático-pedagógica, também entendida por Marques (1990) como
dimensão hermenêutica, alia-se à teórico-epistemológica e torna-se fundamental para que o
ensino se efetive em aprendizagem. Para Marques (1990, p. 117), “a tarefa básica da
pedagogia é a leitura de mundo da sala de aula, para que nele se desvelem os muitos sentidos
que nele atuam e se percebem na unidade em que se constituem”. A hermenêutica
fundamenta-se na interpretação dos múltiplos sentidos e de sua compreensão. O processo
educativo é constituído por diferentes sujeitos, que trazem consigo marcas da sua caminhada e
trajetória de vida, distintas visões de mundo e expectativas que precisam ser consideradas no
processo de ensinar e aprender. Assim, assumir a tarefa de leitura da sala de aula é buscar
entender os diversos contextos que nela se encontram para buscar práticas de ensino efetivas a
esses contextos.
Quando as práticas de ensino são efetivas elas produzem significado na vida dos
sujeitos; esses significados possibilitam a compreensão de que “entender o mundo é entender-
se no mundo, é experienciar o mundo, ou adquirir experiência pela ação refletida, pela
tematização/problematização do que está implícito nas práticas e assumi-las a título de
provisórias hipóteses de atuação” (MARQUES, 1990, p. 118). O compreender-se no mundo é
problematizar e tematizar o mundo, iniciando pelo mundo da vida, da cultura e das
instituições que o sujeito faz parte. Dessa forma, o mais importante da prática educativa é
estranhar as respostas prontas, a naturalização do mundo, assumindo uma postura
interrogativa a fim de dar novos sentidos a ele, reconstruindo de contínuo as aprendizagens.
A dimensão metodológica é aquela em que se efetivam e realizam as posturas
anteriores, pois ela possibilita romper com as concepções fragmentárias que permeiam a
disciplina ao longo do tempo. Essa exigência, que também é uma racionalidade, busca trazer à
74
O Quadro evidencia que os livros didáticos utilizados nas escolas ainda possuem
uma estrutura de conteúdos pautados na geografia moderna, tendência que se consolida entre
1750 até o início do século XX, quando se inicia o processo de renovação do pensamento
geográfico. Essa geografia, como abordada no item 1.4 desta tese, traz marcas do debate das
racionalidades que prioriza o sujeito (racionalismo) ou ao objeto (realismo) na análise do
espaço, e perpassa o dualismo entre pensamento e linguagem. Essa estrutura influenciou a
77
si, assim, ou estuda-se a geografia do mundo ou a geografia das regiões. É preciso destacar,
que esse é um problema recorrente encontrado nas publicações didáticas em geografia, em
que há a carência da abordagem do conteúdo geográfico por meio da escala local. A
abordagem conteudista nessa escala é necessária para que o estudante consiga estabelecer as
relações dos espaços vividos com outros espaços e tempos. E aí encontramos uma
problemática importante a ser discutida, especialmente no ensino de geografia, que tem, em
seus conceitos (lugar, paisagem, região, território, espaço) as principais ferramentas teóricas
para desenvolver a leitura de mundo. Para uma abordagem efetiva dos conteúdos, esses
conceitos precisam ser desenvolvidos de forma articulada, pois nenhum fenômeno ocorre de
maneira isolada no mundo.
A perspectiva fragmentária se alia a dualista e muitas vezes juntas fazem parte das
coleções didáticas quando os livros apresentam a sua estrutura pautada na divisão entre
geografia física e geografia humana, e por vezes ainda em geografia econômica, pois a
abordagem conteudista pouco consegue fazer essa aproximação. Com isso, estabelecem-se
dificuldades para que o sujeito entenda que o físico, o humano e o econômico são partes de
um mesmo mundo, e que nós seres humanos somos responsáveis pela sua produção/alteração
ao longo dos distintos tempos. Por meio da perspectiva fragmentária, os conteúdos tornam-se
alheios as vivências subjetivas dos estudantes, pois há dificuldades de se dar sentido a aquilo
que aprendem.
Mesmo que a partir do século XX outras concepções da geografia tenham feito parte
do pensamento geográfico, atribuindo outros objetos e formas de interpretar o espaço, as
concepções que as antecederam ainda tiveram grande peso na geografia acadêmica e são a
referência para a produção dos conteúdos de ensino. Ainda prevalece nas coleções abordagens
conteudistas que não encaminham para a reflexão sobre aquilo que se está estudando e o seu
sentido, com o mundo da vida. Para haver essa relação, é preciso que o processo de ensino
possibilite o estudante a fazer a tematização do mundo por meio do processo interpretativo
dos conteúdos na sua relação com a realidade vivenciada de forma a produzir abstrações e
compreensões significativas do mundo.
Ainda dentro dessa discussão é que precisamos indagar sobre como produzir um
ensino nesse sentido nos pautando apenas no uso do LD, pois no Brasil, os livros ao serem
produzidos de forma geral para todo o território nacional, não conseguem considerar na
abordagem dos conteúdos as especificidades de cada região/estado, pois anualmente, são
distribuídos livros que universalizam a tão diversa realidade brasileira. Para Callai (2016, p.
273), “muito embora os localismos possam revelar-se um risco a esgarçar o tecido social,
79
abstrações sobre ele. Aprendizagem ocorre na relação do sujeito com o mundo e do mundo
com o sujeito em um determinado contexto.
Tendo por referência das discussões elucidadas é preciso ter claro que o LD facilita o
trabalho docente, seja na organização dos conteúdos a serem trabalhados no ano letivo, na
preparação das aulas, por meio de atividades prontas, mapas já elaborados, mas não consegue
suprir a intencionalidade pedagógica do professor, que precisa ter claro quais objetivos quer
atingir com aquele conteúdo de acordo com a realidade em que atua. O professor precisa fazer
a leitura da sala de aula, interpretar as dificuldades dos seus alunos de forma que isso sirva
para seja feita a relação entre os conceitos e conteúdos com a realidade vivenciada. Esse
entendimento é basilar à profissão docente e “tende a estabelecer uma forma de pensamento
poderoso, claro e coerente” (COPATTI, 2019, p. 158).
As discussões tratadas ao longo deste subcapítulo no que se refere a abordagem
conteudista do livro didático no desenvolvimento da geografia escolar levaram-me a
questionar como esse material tem contribuído com a leitura e a compreensão do mundo,
prerrogativa básica da geografia na educação escolar. Esse questionamento considera os
fundamentos geográficos e didático-pedagógicos que têm orientado esse material e que ainda
se estruturam nas principais teorias do conhecimento moderno que dualizam o entendimento
do mundo em sujeito ou objeto. Nesse sentido, a pergunta que fica é: É possível um ensino
que busque superar a fragmentação da geografia escolar de forma a se materializar no livro
didático? Busco essas respostas nos itens que seguem na discussão desta tese.
81
19
Neste texto serão utilizadas como sinônimos as palavras dimensões, recortes e níveis de análise, pois se
referem a partes do espaço geográfico.
82
teóricas utilizadas para sustentar o conceito de escala geográfica, muitas dessas referências
foram utilizadas nesta pesquisa.
Principais referências
Teses Descrição encontradas sobre a temática
escala geográfica
– RACINE, J. B.; RAFFESTIN, C.;
RUFFY, V. Escala e ação,
contribuição para uma
interpretação do mecanismo de
escala na prática da Geografia.
Revista Brasileira de Geografia,
Rio de Janeiro, 45(1), p. 123-135,
jan./mar. 1983.
FARIAS, ROSANA O trabalho traz uma reflexão sobre o – CASTRO, I. E. “O problema da
TORRINHA SILVA DE. ensino de geografia nas escolas escala”. In: CASTRO, I. E. et al.
Ensino de geografia nas ribeirinhas da Amazônia Brasileira. O (org.). Geografia: conceitos e
escolas das ilhas objetivo foi compreender e temas. Rio de Janeiro, Bertrand,
queimadas/PA: o lugar potencializar o ensino de geografia 2014.
ribeirinho no contexto em escolas ribeirinhas a partir do – SANTOS, M. Da totalidade ao
Amazônico. 17/12/2018. 237 contexto amazônico e a lugar. São Paulo: Editora da
f. Doutorado em relação/interação com o lugar e com Universidade de São Paulo, 2005.
GEOGRAFIA Instituição de o mundo como referência na – SANTOS, M. A natureza do
Ensino: UNIVERSIDADE construção do conhecimento. Para espaço: técnica e tempo, razão e
FEDERAL DE GOIÁS, dar conta do objetivo proposto, a emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
Goiânia Biblioteca pesquisa analisou a proposta – SOUZA, M. L. Os Conceitos
Depositária: Biblioteca da curricular e o livro didático fundamentais da pesquisa sócio-
UFG. verificando como contemplam, espacial. Rio de Janeiro: Bertrand
orientam e possibilitam o ensino de Brasil, 2013.
Geografia a partir do contexto
amazônico e a relação/interação com
o lugar e com o mundo. Aliado a isso,
buscou compreender como os
professores interagem com o
conteúdo curricular em suas práticas
pedagógicas. A pesquisa também
buscou potencializar o ensino por
meio de ferramentas didático-
pedagógicas, utilizando a escala
geográfica amazônica como matriz na
articulação e relação com outros
espaços na construção do
conhecimento geográfico.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
Ainda foi realizada leitura nos artigos que compõem o livro “Escala e ensino de
geografia”, uma das poucas obras que discutem o tema da escala no ensino. O livro foi
publicado recentemente pelo grupo de pesquisa Laboratório de Ensino e Pesquisa em
Educação Geográfica (Lepeg), e apresenta nove artigos com proposições para o trabalho com
a escala. O livro é organizado por Lana Cavalcanti e Leovan Alves dos Santos, e propõe
reflexões teóricas e encaminhamentos didático-pedagógicos pelo uso da escala. Os
organizadores compreendem que ao se ensinar os conteúdos escolares de geografia é preciso
considerá-los em diferentes níveis escalares: “local, regional, nacional e mundial/global, pois
os fenômenos não podem perder de vista sua articulação dialética” (Ibidem, p. 9) com outros
níveis de análise.
Com base nessas referências, encontramos aporte dentro da geografia para pensar a
escala no ensino como uma forma a superar a fragmentação do conhecimento geográfico na
geografia escolar. Os textos, em sua grande maioria, apresentam o desenvolvimento de
instrumentais metodológicos para o trabalho com a escala, diferenciando a escala geográfica
da cartográfica e, assim, evidenciando o caráter operacional do conceito de escala no trabalho
dos conteúdos geográficos. No entanto, nenhum dos textos apresentados discutem a escala por
uma tríplice dimensão de forma a aliar elementos teóricos, didático-pedagógicos e
metodológicos no ensino da geografia, como vemos na sua descrição no quadro 14.
85
A leitura desse material, além de contribuir com as discussões e argumentos que nos
sustentam teoricamente, possibilitou encontrar referências bibliográficas para a discussão da
escala na geografia; dentre elas destacam-se os autores: Castro (2014, 2017), Racine,
Raffestin, Ruffy (1983), Melazzo e Castro (2007), Santos (2014a), Callai (2005), Cavalcanti
(2010), Straforini (2001, 2002), Farias (2018) e Aragão (2019). Assim, pautada na discussão
desses autores, busco elementos que fundamentem o trabalho com a escala, e, nos
desdobramentos da pesquisa documental realizada nas políticas educacionais que embasam o
PNLD, as orientações sobre como a escala é trabalhada nesse material, que baliza o ensino da
geografia escolar.
87
Quanto maior a escala tanto mais próximo ele estará da realidade e tanto maiores
detalhes poderão ser vistos. A redução na escala não significa que os itens sejam
simplesmente mostrados em tamanho menor; a redução significa seleção de itens a
serem mostrados, adequadamente a escala e ao objetivo do mapa, o que é muito
mais importante. Assim os mapas de escalas diferentes servem a diferentes tipos de
análise. (BROEK, 1981, p. 91).
Para Melazzo e Castro (2007, p. 138), a escolha da escala pelo pesquisador pode
transformar-se em uma “estratégia de revelar ou ocultar determinadas facetas somente
88
(MELAZZO; CASTRO, 2007, p. 136). Apesar de ambas as escalas possuírem relação nos
estudos da Geografia, a escala cartográfica está ligada à representação do espaço, ou seja, o
mapa, em sua forma geométrica, perspectiva do espaço absoluto, enquanto a escala geográfica
exprime a representação das relações existentes no espaço ensejando o caráter relacional
desse conceito.
Essa confusão conceitual ainda se desdobra no aprendizado em âmbito escolar, haja
vista que a ciência geográfica é a referência teórica para o seu ensino na escola. Um estudo
realizado por Vianna (2010, p. 141) nos livros didáticos sobre a “Escala: instrumento para a
compreensão do mapa”, mostra que “em muitas situações, encontramos, nos livros didáticos,
o uso do termo ‘escala geográfica’ no sentido descrito aqui como ‘ordem de grandeza’”, ou
seja, como de sinônimo de “escala cartográfica”; ou, ainda, simplesmente, o uso do termo
escala sem se referir ou observar a real definição do conceito. A falta de um conhecimento
mais profundo sobre o conceito de escala, e o seu uso sem a devida conceituação, impede que
ela possibilite uma leitura mais abrangente do espaço.
Mesmo que haja uma diferenciação conceitual entre as escalas que precisam ser
delimitadas, a escala, no sentido geográfico, assume duas prerrogativas que a possibilita de se
libertar do empirismo marcado pelas correntes tradicionais da geografia. A primeira delas é o
entendimento da “inseparabilidade entre o tamanho e fenômeno, o que a define como
problema dimensional”, e a segunda seria a “complexidade dos fenômenos e a
impossibilidade de aprendê-los diretamente, o que a coloca também como problema
fenomenal” (CASTRO, 2017, p. 118). Esse entendimento permite inferir que a escala
geográfica pode ser tratada dialeticamente na busca de uma solução para duas questões que,
por muito tempo, marcaram a geografia: a fragmentação dos fenômenos que se materializam
no espaço em físicos e humanos e sua espacialização a partir da definição de níveis
espacial/territorial de análise.
Ao assumir a escala geográfica fundamentada na dialética, não excluímos o
raciocínio analógico da escala cartográfica; ao contrário, avança teoricamente e possibilita
pensar a escala geográfica como uma estratégia de apreensão da realidade que integra
fenômenos e níveis de análise, ou seja, permite pensar o espaço absoluto contido e contendo o
espaço relativo e o espaço relacional. Nesse sentido, a escala geográfica, ao assumir o
entendimento de que é o tamanho do fenômeno o elemento primordial da análise, implica
perceber que, muitas vezes, o fenômeno não se encerra em um recorte ou dimensão
predeterminada de análise. Aliado a isso, o fenômeno, às vezes, não se limita à perspectiva
visível do pesquisador, o que sugere buscar formas de abstração para a sua compreensão.
90
podemos afirmar que todas as escalas são complexas por suas singularidades e expressam
marcas da sua identidade.
Nessa acepção, a escala, apenas pela visão cartográfica, encontra limites na
análise geográfica, pois centra-se na perspectiva dos recortes em si, sem considerar que
esses carregam em si temáticas/fenômenos 20 de investigação que possuem relações com
outros recortes e fenômenos que são do mundo natural e humano e, muitas vezes, não se
esgotam dentro de um limite rígido de uma dada representação, e não podem ser
analisados apenas na sua projeção ou ampliação. Aqui entra a análise geográfica como um
procedimento que pressupõe recorte, em que os fenômenos são percebidos e a análise em
si carrega a ideia de fragmentação, mas não se limita a esse entendimento, pois os
fenômenos que se materializam nas diversas escalas possuem relações entre si e essas
relações tornam possíveis a sua conexão entre as partes e o todo.
Sob esse entendimento, a escala de análise geográfica coloca-se como conceito-
chave para a leitura e a compreensão dos fenômenos, pois ela ajuda a definir o local de
ocorrência de um dado fenômeno, permitindo sua análise de forma mais profunda, porque
“todo fenômeno tem uma dimensão de ocorrência, de observação e de análise considerada
mais apropriada” (CASTRO, 2014, p. 90). Assim, a escala torna-se uma medida de escolha
para melhor observar, dimensionar e interpretar um determinado fenômeno, e, ao mesmo
tempo, permite sua mudança de acordo com a ocorrência do fenômeno, a exemplo de um rio,
de um conjunto de montanhas ou de manifestações culturais, que, muitas vezes, não se
limitam a um recorte predeterminado do espaço.
Considerando essa assertiva, entende-se que o espaço geográfico, como afirma
Suertegaray (2001), é uno e múltiplo, e isso quer dizer que apresenta recortes que melhor
permitem o seu entendimento; esses recortes também são conceitos da Geografia: o lugar, a
região, o território. Cada um desses recortes “expressam níveis de abstração diferenciados e,
por consequência, possibilidades operacionais também” (Ibidem, 2001).
Os recortes do espaço possibilitam o entendimento de forma mais profunda acerca de
um determinado fenômeno, mas é preciso ter cuidado ao recortar o espaço a ser analisado
para não simplificar os fenômenos somente em um determinado recorte, pois nada no mundo
ocorre de forma isolada, mas sempre na interação com outros fenômenos. Por isso, para uma
compreensão mais complexa do espaço tornam-se necessárias interligações dos vários níveis
de análise que ligam o mesmo fenômeno.
20
O fenômeno, nesta pesquisa, é também considerado tema de estudo e investigação da geografia.
93
Nesse sentido, para um entendimento que busque superar a ideia de recortes a partir
de definições geométricas/absolutas, sem uma inter-relação entre si, apresento, na Figura 6, a
ideia de recortes na dimensão relacional, e isso implica pensar que os conceitos da Geografia
também englobam a concepção de níveis de análise.
Apesar de o tema escala ser recorrente nos estudos da geografia nas últimas décadas,
como aponta Castro (2014), a sua discussão no ensino de geografia é recente. Segundo
Aragão (2019), em trabalho desenvolvido em sua tese de Doutorado, afirma que o conceito de
escala geográfica na indústria com Ensino Médio é pouco trabalhado no ensino básico, o que
impossibilita a construção de um conhecimento significativo em geografia. Nesse sentido, o
objetivo deste debate é entender como a escala tem sido concebida nas discussões sobre a
geografia escolar, buscando elementos que possam contribuir para que esse conceito seja
compreendido como um método/ferramenta teórico-metodológica para o ensino dessa
disciplina. Para isso, utilizamos como referência autores como, Santos (2013, 2014 a,b),
Straforini (2001), Callai (2005, 2018), Callai e Moraes (2017), Cavalcanti (2009, 2010),
Farias (2018) e Aragão (2019); eles vêm sinalizando a importância da escala como uma
mediação fundamental para a geografia escolar e seu ensino.
96
21
BURGESS, Ernest W. O crescimento da cidade: introdução a um projeto de pesquisa. In: PIERSON, Donald
(org.). Estudos de ecologia humana. Leituras de sociologia e antropologia social. São Paulo: Martins Fontes,
1948 [1925].
97
Essa concepção de partir do espaço próximo para espaços mais distantes alia-se às
concepções de ensino em que a criança possui estágios de desenvolvimento que precisam ser
seguidos linearmente; assim, é necessário que primeiro ela aprenda a partir da materialidade
daquilo que é visível e próximo, especialmente tendo como referência o lugar onde vive, para,
posteriormente, conseguir avançar para espaços e conceitos mais abstratos. Essas concepções,
ainda oriundas do realismo, que, por muito tempo, permeou os estudos da geografia, seus
objetos e métodos de ensino, apesar da sua importância para o período em que foi produzida,
já não pode ser considerada referência única para os processos de ensino e aprendizagem em
geografia.
Com a lógica global instituída no mundo, os elementos e fenômenos que se
materializam no espaço são fixos e fluxos, sendo esse último “resultado direto ou indireto das
ações e atravessam ou se instalam nos fixos” (SANTOS, 2014b, p. 61-62). Fixos e fluxos,
interagindo conjuntamente, expressam a realidade geográfica do mundo atual. Nesse sentido,
torna-se cada vez mais atribuição da geografia buscar o entendimento desse mundo fluido, e,
para que haja essa compreensão do espaço em sua totalidade, ele não pode ser entendido a
partir de recortes estanques, separados e fragmentados. Por isso, quando os anos iniciais do
ensino fundamental não estabelecem a “conexão entre o lugar (próximo) e o global
(longínquo) está fazendo um desserviço para o ensino, pois ao invés de trazer a realidade dos
e aos alunos, está, na verdade, distanciando-os cada vez mais” (STRAFORINI, 2001, p. 50). É
preciso ter claro que são os anos iniciais que embasam todos os ciclos posteriores, e, por isso,
98
ele precisa ocorrer de forma sólida, realizando abstrações que vão além da materialidade do
visível.
Straforini (2001) concebe a totalidade como uma abstração da realidade, sendo ela
sinônimo de espaço geográfico. Assim, como não é possível trabalhar apenas no nível da
abstração, é necessário “encontrarmos as ferramentas para abarcarmos concretamente a totalidade
sem desintegrá-la, principalmente na Educação” (Ibidem, 2001, p. 52). Nesse sentido, o autor, já
nos anos 2000, trabalhava com as proposições de Santos a partir da sua obra “Espaço e Método”
(2014a) como chave para a compreensão do espaço geográfico em sua totalidade. Com essa
referência, temos o suporte teórico de categorias analíticas que possibilitam fazer o recorte do
espaço para a análise da realidade, mas sem desvinculá-lo do entendimento da totalidade. Para
Santos (1988, p. 13) “velhas categorias filosóficas e velhas categorias analíticas devem ser
retrabalhadas para que, neste particular, possam prestar novos serviços à compreensão do espaço
humano e à constituição adequada de sua respectiva ciência. [...]”.
As categorias são forma, função, estrutura e processo; todas constituem parte de uma
totalidade, e, ao serem dialeticamente compreendias, são passíveis de serem ampliadas e
adaptadas às diferentes realidades espaciais.
Se num estudo for definido o território como o suporte geográfico para se dar a
explicação, para que esse não perca o sentido de totalidade, deve-se, então, analisá-
lo utilizando as categorias analíticas forma, função, processo e estrutura. Essas
quatro categorias analíticas conferem a cada categoria geográfica a noção de
totalidade. Na verdade, tanto as categorias geográficas quanto as filosóficas são
essenciais, logo, uma não pode ser feita sem a outra, elas são, pois, amalgamadas.
(STRAFORINI, 2001, p. 53).
100
fisicamente (em termos de espaço absoluto), mas que poderão estar muito mais intensamente
relacionadas por conta da origem e dos motivos do acontecimento” (Ibidem, p. 239).
Callai (2005) entende que a definição/delimitação do recorte a considerar é o que
define o motivo da escolha da escala, “considerando então que a escala não é algo dado, mas
resultado de opções/escolhas, elas estão estreitamente ligadas aos objetivos que temos para o
ensino, para a pesquisa no/do lugar” (p. 239). Em outro texto, intitulado “Educação
geográfica, cidadania e cidade”22, as autoras (2017) discorrem sobre a importância e a
necessidade do uso da escala, utilizando como exemplo a interpretação da cidade e como ela
congrega ações locais e globais. Assim, “os conteúdos referentes à cidade e ao urbano são
dimensões do conhecimento que, se abordados considerando a escalaridade, permitem
interligar os conhecimentos da vida cotidiana com os conceitos científicos” (CALLAI;
MORAES, 2017, p. 90).
As autoras entendem que a escala geográfica não se limita à dimensão matemática, que
torna o lugar uma simples localização de um ponto fixo no espaço com características
geométricas e formas definidas, mas uma escala que congrega os vários níveis e dimensões de
análise e, por isso, permite a compreensão do espaço pela perspectiva absoluta, relativa e
relacional.
22
Texto escrito em coautoria com Maristela Maria de Moraes e publicado na Revista Acta Geográfica.
102
outras escalas de análise. Para isso, entende que a abordagem multiescalar pode ser uma
ferramenta para a articulação dialética entre as escalas.
Dessa forma, para a autora:
Estes autores nos permitem pensar a escala de análise como uma alternativa ao
trabalho nos anos iniciais pela perspectiva dos círculos concêntricos, primeiramente ao
considerarem o espaço uma totalidade que não pode ser entendida desde recortes lineares e
sem relação entre si, pois o todo não pode ser compreendido pela soma das partes. O lugar
torna-se, nesse contexto, o ponto de encontro de diversas lógicas, escalas “de interesses
longínquos e próximos, locais e globais” (SANTOS, 1994, p. 18-19), e por isso pode ser
considerado um conceito significativo, pois expressa um movimento de relação entre o mundo
da vida e os conhecimentos historicamente construídos e localizados num tempo e espaço
definidos. As discussões ainda trazem indícios de como o trabalho com a escala pode ser
operacionalizado a partir da articulação entre os conceitos (que também congregam níveis de
análise) e categorias do método propostas por Santos (2014a).
Ainda, é significativo mencionar estudos realizados nos últimos anos sobre o tema da
escala. Um deles é a tese de Farias (2018), que entende que a temática da escala pode
potencializar ensino de geografia a partir da realidade vivenciada (escolas ribeirinhas no
contexto amazônico) para pensar a sua relação e interação com o global. Para discutir a escala
geográfica, a pesquisa se sustenta nas concepções de Souza (2013) que a entende como uma
construção social e em Castro (2014), quando “propõe analisar e discutir os fenômenos
espaciais por meio das escalas para além da analogia geográfica cartográfica, estabelecendo
sentido e significado tanto objetivo, quanto subjetivo às explicações” (FARIAS, 2018, p. 22).
A autora considera que as duas escalas, a cartográfica e a geográfica são
fundamentais para a leitura espacial e para articular dos fenômenos entre as diversas escalas.
Enquanto a primeira “considera a representação gráfica do tamanho real do espaço, admitindo
escala matemática, reduções e projeções, ou seja, está no plano da objetividade” (FARIAS,
103
2018, p. 42), a segunda possui dimensões que “são compreendidas em diversos níveis
escalares, inclusive, de forma articulada e relacional” (Ibidem, p. 42). Nesse sentido, a
dialética entre as escalas possibilita a produção do conhecimento correlacionado fenômenos
dimensões espaciais.
A pesquisa desenvolvida Aragão (2019) que se encaminha na mesma perspectiva e
desenvolve reflexões sobre a importância da escala geográfica na compreensão de fenômenos
espaciais físicos e sociais, tendo o tema da indústria como foco de análise no trabalho escolar.
A proposta de investigação de Aragão (2019, p. 9) “visa à utilização mais efetiva das Escalas
Cartográfica e Geográfica na escola básica, pois entende que ambas são complementares e
dialógicas”. Assim, apoiado em Racine, Raffestin e Ruffy (1983), entende que “a Escala
Cartográfica exprime a representação do espaço como forma geométrica, a Escala Geográfica
exprime a representação das relações que a sociedade mantém com ela” (ARAGÃO, 2019, p.
38). Nesse sentido, o autor evidencia a indissociabilidade entre as escalas, ressaltando que a
escala geográfica engloba a escala cartográfica, tornando possível a articulação entre espaço
absoluto, relativo e relacional.
O autor (2019, p. 41-42), baseado em Candiotto (2008), percebe que a escala
geográfica é um caminho metodológico importante para a investigação, pois “identificar a
escala de origem de um evento e procurar apreendê-lo no lugar (escala de
realização/materialização) permite ao Geógrafo considerar a influência de fenômenos de
outras escalas espaciais nesse lugar” (CANDIOTTO, 2008, p. 86). A pesquisa realizada por
Aragão (2019) assume uma concepção abrangente de escala ao discuti-la não apenas pela
perspectiva de níveis de análise, mas também pela extensão do fenômeno. Nessa direção,
entende que a escala pode ser utilizada na geografia escolar como “um recurso metodológico
que culminará no desenvolvimento de um pensamento geográfico, entendido aqui como a
capacidade cognitiva do sujeito interpretar multiescalarmente qualquer fenômeno, levando-se
em consideração conceitos da Geografia” (ARAGÃO, 2019, p. 42). Para isso, compreende
que os princípios e conceitos estruturantes da geografia precisam ser operacionalizados à luz
da escala geográfica, aliado a esse entendimento ressaltamos o papel das categorias do
método.
A Figura 8 apresenta a sistematização do trabalho com escala geográfica,
considerando as discussões dos estudos mencionados a partir de uma perspectiva relacional.
104
23
A avaliação pedagógica é realizada de acordo com o Decreto n° 9.099/2017, seguindo as orientações e
diretrizes estabelecidas pelo MEC e com base em critérios comuns e específicos constantes no Anexo III do
edital 01/2017.
24
Segundo Dados estatísticos do PNLD 2019 Anos Iniciais, foram gastos um total de R$ 615.852.107,23, sendo
80.092.370 o total de exemplares adquiridos com 92.467 escolas beneficiadas. Dados disponíveis em:
https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos. Acesso em: jan. 2021.
Como afirma Choppin (2004), os livros didáticos estão presentes em todo o mundo. O setor escolar assume peso
106
participação das editoras era “fazer adequação da obra quando da publicação da Base
Nacional Comum Curricular, após a aprovação do Conselho Nacional de Educação e
homologação do Ministro de Estado da Educação” (BRASIL, 2017, p. 5). As obras dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, avaliadas no PNLD 2019, seguem as matrizes de referência
do decreto nº 9.099/2017 e terão ciclo de quatro anos25. Com o lançamento da versão oficial
da Base no final de 2018, houve o PNLD Atualização. Nesse sentido, as editoras foram
convocadas a atualizar as obras e reapresentá-las26 para nova avaliação.
Nessa continuidade, torna-se essencial investigar os critérios de avaliação das obras
constantes no Edital. Para a sua descrição, selecionei os elementos conforme constam no
edital e busquei destacar seus aspectos gerais de acordo com os objetivos já delimitados.
O Edital 01/2017 destaca que, na perspectiva do Ensino Fundamental de nove anos,
os cinco primeiros anos são decisivos. Nessa acepção, é compromisso da educação criar
condições básicas para a permanência das crianças na escola, sua progressão nos estudos e seu
desenvolvimento pleno, nos seus aspectos físico, afetivo, psicológico, intelectual e social. Por
isso, nesse período, é preciso garantir o que mostra o Quadro 17.
Quadro 17 – Considerações gerais acerca das características e objetivos dos anos iniciais do Ensino Fundamental
– Inserção da criança como sujeito pleno no universo escolar numa lógica que contemple a singularidade da
infância e o seu convívio social imediato.
– Desenvolver da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e
do raciocínio lógico-matemático.
– Garantir o seu acesso qualificado à cultura letrada, sem, no entanto, desconsiderar sua cultura de origem.
– Ampliar seu conhecimento de mundo nas diversas áreas do conhecimento.
– Compreender o ambiente natural e social do sistema político, da economia, da tecnologia, das artes e da
cultura dos direitos humanos e dos valores em que se fundamenta a sociedade.
– Contribuir com o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de respeito
recíproco em que se assenta a vida social.
– Contato com múltiplas linguagens incluindo os usos sociais da escrita e da matemática, o desenvolvimento
da oralidade e dos processos de percepção, compreensão e representação.
– O letramento e a alfabetização inicial, assim como a alfabetização matemática, constituem-se, como eixos
organizadores de todo e qualquer componente curricular necessário a esse período, o que permite articulá-los
a uma mesma perspectiva pedagógica.
* Em consequência, a seleção e o tratamento didático dado aos objetos de conhecimento devem se pautar
pelas demandas dos dois processos; e sua apresentação, no contexto de grandes áreas do conhecimento, deve
favorecer uma perspectiva de integração e articulação de conteúdos disciplinares.
Fonte: BRASIL (2017, p. 26-27), organizado por Alana Rigo Deon.
considerável na economia editorial nesses dois séculos. Assim, é impossível desenvolver pesquisas sobre esse
material sem levar esses dados em consideração.
25
Até a mudança na Lei em 2017 os ciclos eram de três anos e contemplavam anos iniciais, finais e Ensino
Médio; com a mudança na Lei insere-se a educação infantil no processo.
26
As obras aprovadas pelo edital 01/2017 precisaram ser atualizadas quando aprovada a última versão da base no
final de 2018. Assim, essas coleções foram reapresentadas e passaram por novo processo avaliativo, chegando
nas escolas em 2020. As suas atualizações, contudo, não são objeto de investigação desta pesquisa, pois não
foram conseguidas as novas edições dos livros. As mudanças observadas na base entre a terceira versão e a
última foram apenas algumas habilidades.
107
Tendo em vista os critérios descritos de uma forma geral, chama-se atenção ao fato
de que é atribuição da escola inserir os sujeitos no universo escolar de maneira a desenvolver
o domínio da leitura, escrita e raciocínio lógico-matemático, considerados como primordiais
para o desenvolvimento da cultura letrada. Não é feita menção, contudo, à importância do
desenvolvimento de um pensamento sensível, ético, estético e crítico, de forma a desenvolver
a capacidade de pensar e refletir sobre o mundo, sendo esta a possibilidade de aprimorar uma
unidade entre pensamento e linguagem na educação escolar desde os anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Neste seguimento, assumir o compromisso ético e estético na educação “significa
restaurar a responsabilidade e o compromisso que temos com o outro, com a humanidade,
com a nossa continuidade” (KUHN, 2016b, p. 20). O autor continua afirmando que “do ponto
de vista da estética, significa abrir espaço para a sensibilidade. Não significa somente espaço
para a emoção ou sentimento que a poesia, a pintura, a música, o teatro, etc., podem provocar,
mas também uma sensibilidade no conhecer e no compreender o mundo” (Ibidem, p. 20).
Assim, apesar de o documento assumir o compromisso de a educação criar condições básicas
para o desenvolvimento pleno dos estudantes, nos seus aspectos físico, afetivo, psicológico,
intelectual e social, as orientações de como isso precisa ser realizado indicam uma perspectiva
contrária.
Ainda, chama-se atenção ao fato de o documento orientar apenas para o
desenvolvimento dos conhecimentos, de forma a contemplar “a singularidade da infância e o
seu convívio social imediato”. Na geografia é preciso que os conhecimentos desde cedo sejam
construídos de forma a considerar as relações existentes entre os diversos espaços e tempos
que podem ser próximos, mas também distantes. Essa é a prerrogativa principal para que as
crianças desenvolvam desde cedo o conhecimento do espaço em sua totalidade e não apenas
de uma de suas partes. Esse entendimento denota uma concepção de educação que ainda se
pauta na compreensão de que o ensino precisa iniciar de um menor conhecimento nas séries
iniciais para um maior conhecimento nas séries finais.
No que se refere aos critérios de avaliação, o edital afirma ser necessário que as
obras se adequem à terceira versão da Base; veiculem as informações de forma correta,
precisa, adequada e atualizada; atuem como mediadoras pedagógicas de modo a proporcionar
a formação cidadã para que os estudantes possam atuar criticamente ante as questões
colocadas pela sociedade, ciência, tecnologia, cultura e economia; e contribuam efetivamente
para a construção de conceitos e posturas perante o mundo e a realidade. Ressalta-se, ainda,
108
que as obras serão avaliadas por meio de um conjunto de critérios eliminatórios comuns e
específicos, seguindo como critérios eliminatórios comuns a todas as coleções.
Muitas das obras, talvez a maior parte, não cumprem o rigor de seguir essa
orientação na apresentação do conteúdo dos livros. Há um enunciado com
proposições teóricas e metodológicas posto diante da obrigatoriedade a partir do
Edital, mas no conteúdo dificilmente acontece a abordagem dos mesmos de acordo
com o que está enunciado.
Competências
Competência O quê? Para quê?
gerais
7. Argumentação Argumentar com base em Formular, negociar e defender
fatos, dados e informações ideias, pontos de vista e decisões
confiáveis. comuns que respeitem e
promovam os direitos humanos, a
consciência socioambiental e o
consumo responsável em âmbito
local, regional e global, com
posicionamento ético em relação
ao cuidado de si mesmo, dos
outros e do planeta.
8. Autoconhecimento Conhecer-se, compreender-se Cuidar de sua saúde física e
e autocuidado na diversidade humana e emocional, compreendendo-se na
apreciar-se. diversidade humana e
reconhecendo suas emoções e as
dos outros, com autocrítica e
capacidade para lidar com elas.
9. Empatia e Exercitar a empatia, o diálogo, Fazer-se respeitar, promovendo o
cooperação a resolução de conflitos e a respeito ao outro e aos direitos
cooperação. humanos, com acolhimento e
valorização da diversidade de
indivíduos e de grupos sociais,
seus saberes, identidades,
culturas e potencialidades, sem
preconceitos de qualquer
natureza.
10. Responsabilidade Agir pessoal e coletivamente Tomar decisões com base em
com autonomia, princípios éticos, democráticos,
responsabilidade, flexibilidade, inclusivos, sustentáveis e
resiliência e determinação. solidários.
Fonte: BRASIL (2018, p. 9-10), organizado por Alana Rigo Deon (2021).
A geografia como disciplina que faz parte da área das ciências humanas, segundo a
BNCC, precisa contribuir para o desenvolvimento das noções de espaço e tempo, tendo claro
o entendimento “de que o ser humano produz o espaço em que vive, apropriando-se dele em
determinada circunstância histórica” (BRASIL, 2018, p. 353). Assim, os seres humanos
produzem o espaço de diferentes formas ao longo do tempo, a partir das diversas técnicas que
desenvolvem. Para que esse entendimento seja operacionalizado, é preciso favorecer aos
alunos a compreensão “dos tempos sociais e da natureza e de suas relações com os espaços”
(Ibidem, p. 353), tendo como referência diferentes linguagens.
No que se refere especificamente à geografia, essa disciplina traz uma oportunidade
para compreender o mundo em que vivemos. Isso ocorre:
coletividade; nas relações com os lugares vividos; nos costumes que resgatam a
nossa memória social; na identidade cultural; e na consciência de que somos sujeitos
da história, distintos uns dos outros e, por isso, convictos das nossas diferenças.
(BRASIL, 2018, p. 359).
Sendo assim, tanto nos anos iniciais quanto finais essa disciplina é reafirmada pelo
ideal da educação geográfica. Para desenvolver esse ideal, a Base entende que os estudantes
precisam desenvolver o pensamento espacial estimulando o raciocínio geográfico. Para
Castellar e Juliasz (2017), o pensamento espacial está associado ao desenvolvimento
intelectual e busca fazer a relação da geografia com outras áreas do conhecimento em um
contexto geográfico. Já o raciocínio geográfico é uma maneira de exercitar o pensamento
espacial, que aplica determinados princípios para compreender aspectos fundamentais da
realidade (Ibidem, 2017), como veremos no Quadro 20.
A discussão sobre a origem dos princípios será realizada no próximo subcapítulo 2.5 “A escala de análise
27
As unidades temáticas são desdobradas por meio dos objetos de conhecimento que
constituem o arcabouço teórico para o desenvolvimento dos temas, conteúdos e conceitos
dessa disciplina. Cada objeto busca desenvolver determinadas habilidades, que são as
aprendizagens esperadas para cada disciplina em cada ano. Segundo o texto da Base, as
habilidades são iniciadas a partir de verbos que explicitam o processo cognitivo envolvido e o
que se espera que seja desenvolvido.
Concordamos com Callai (2017) ao analisar o parecer crítico da BNCC que as
unidades temáticas e sua organização ao longo dos anos iniciais e finais do Ensino
Fundamental não conseguem dar conta de propor a integração entre a geografia física e a
geografia humana no ensino da disciplina escolar. As unidades, por meio dos objetos de
conhecimento e habilidades, expressam uma divisão que pode, em muitos contextos de
ensino, engessar a proposição dos conteúdos e as perspectivas do como ensinar. Como esse
documento também orienta a produção de livros didáticos, corre-se o risco de suas
proposições de trabalho nesses materiais tirarem ainda mais a autonomia do professor, bem
como a especificidade dos contextos locais.
É importante evidenciar que cada ano/série de ensino apresenta um determinado
recorte espacial para a análise, sem muito considerar a sua relação com outros recortes e
fenômenos que nele se materializam. Nesse sentido chamamos atenção para o conceito de
escala de análise, nosso objeto de investigação neste estudo, pois, da forma como é
apresentado, não permite romper com a lógica dos círculos concêntricos como discutem as
pesquisas sobre ensino de geografia. Além disso, não são definidos autores e abordagens que
sustentam teoricamente o conceito de escala, o que pode ocasionar um entendimento errôneo,
118
haja vista a polissemia de significados que esse termo abrange. Ainda, salienta-se que a
articulação entre escalas não se restringe apenas ao local e ao global, mas ao mundo dos
homens e sua relação entre si e com a natureza.
No que se refere especificamente aos anos iniciais do Ensino Fundamental, também
nosso objeto de investigação, a BNCC descreve que essa etapa precisa partir do que as
crianças aprenderam na Educação Infantil. As crianças desenvolvem conhecimentos
sistemáticos a partir da sua articulação com os saberes do mundo da vida. Nessa direção, a
geografia nos anos iniciais pode tornar mais significativo o processo de alfabetização,
fazendo, em consonância com isso, a leitura e a percepção da realidade do mundo.
Para que esse conhecimento se desenvolva é preciso que as crianças nos anos iniciais
do Ensino Fundamental (1° ao 5° anos) sejam desafiadas a responder algumas questões acerca
de si, da sua família, pessoas e objetos: “Onde se localiza? Por que se localiza? Como se
distribui? Quais são as características socioespaciais?” (BRASIL, 2018, p. 367). Segundo
Broek (1981), essas perguntas são a chave para o desenvolvimento do trabalho com a
geografia, e ressalta que o seu valor como disciplina escolar está na inter-relação dos
fenômenos que ocorrem no mundo.
28
Nota-se que o conceito de espaço não é mencionado no sistema de escalas.
120
princípios são uma “lei geral que explica o funcionamento da natureza, e da qual leis mais
específicas podem ser consideradas casos particulares”. Para Sposito (2004), diferente dos
princípios, os conceitos são considerados elaborações teóricas constituídas por uma referência
inicial (científica ou filosófica), organizados por meio da descrição de um fenômeno, e surgem do
interior da linguagem humana, expressando o sentido de um determinado fenômeno. Já as
categorias são frequentemente utilizadas como sinônimo de conceitos, contudo elas funcionam
como elementos epistemológicos que permitem, em associação com o método, desenvolver um
conjunto de conceitos. Assim, conceitos e categorias são abstrações do pensamento, fruto de
elaborações teóricas sobre determinados fenômenos pautados pelo crivo do método científico.
Como, porém, cada um desses elementos pode tornar-se uma ferramenta importante para a análise
do espaço?
Desde que o mundo é mundo há uma tentativa de explicar o porquê dos fenômenos
que nele ocorrem. Na geografia, muitas das respostas foram encontradas com base nas
pesquisas de campo a partir de observação sistemática e descrição dos fenômenos. Esses
foram os procedimentos utilizados nas pesquisas dos autores clássicos da geografia; dentre
eles destacam-se: Kant, Humboldt, Ritter, Ratzel, La Blache, Brunhes, Hartshorne, entre
outros. Cada um a seu modo encontrou, em princípios lógicos e conceitos, a tentativa de
melhor entender um determinado recorte do espaço. Como exemplo temos Kant, que
privilegiou os estudos a partir dos conceitos de espaço e tempo; Humboldt e Ritter com os
conceitos de paisagem e região; Ratzel com o conceito de território; La Blache que retoma as
discussões sobre a paisagem; e Hartshorne estuda o método regional.
Esses autores, como vimos no subcapítulo 1.4, com seus escritos formulam um
conjunto de conceitos que constituem a base teórico-metodológica da geografia. Apesar das
mudanças ocorridas no mundo, esses conceitos ainda formam a base de entendimento dessa
ciência e da geografia escolar. Vejamos o Quadro 24, que traz uma síntese de entendimento
acerca dos conceitos geográficos.
encontrar leis e princípios que norteassem a disciplina geográfica nascentes como disciplina
moderna”.
Andrade (1992) e Moraes (2007) sintetizam os princípios dos autores, como vemos
no Quadro 25.
(BNCC) –, como vimos no item 2.4 desta pesquisa. Na BNCC os princípios são a grande
contribuição da geografia para a educação básica, pois ajudam a desenvolver o raciocínio
espacial estimulando o raciocínio geográfico. Para tanto, é necessário, como expresso no
documento, assegurar o desenvolvimento dos conceitos e categorias de análise que permitem
o domínio do conhecimento dos fenômenos em diversas situações geográficas. Essas
situações podem ser tanto da vida cotidiana quanto do mundo como um todo, por exemplo: “a
desigualdade dos usos dos recursos naturais pela população mundial; o impacto da
distribuição territorial em disputas geopolíticas; e a desigualdade socioeconômica da
população mundial em diferentes contextos urbanos e rurais” (BRASIL, 2018, p. 361).
Ainda para a compreensão aqui proposta, é necessário mencionar as categorias
propostas por Santos (2014a), que considero importantes para um trabalho efetivo com o uso
da escala. As categorias são: forma, função, estrutura e processo. Elas dão formato para o
método geográfico, considerado a forma geográfica para trabalhar e analisar a realidade. Os
fundamentos apresentados evidenciam a possibilidade de relação entre conceitos, categorias e
princípios para o trabalho com a escala de análise geográfica, permitindo uma abordagem
para o ensino de geografia que considera o espaço uma totalidade, mas, ao mesmo tempo, não
exclui a especificidade das partes que constituem o seu todo, ou seja, as categorias lugar,
paisagem, região, território e os fenômenos que nelas se materializam. Esses fenômenos dão
dinamicidade ao espaço e são responsáveis pela sua transformação ao longo do tempo.
Tendo claro esses entendimentos, compreendemos que a escala de análise geográfica
pode ser uma medida que confere visibilidade aos fenômenos geográficos, pois ela verifica a
manifestação da sua ocorrência no espaço. A escala é um ponto de partida para a análise do
espaço nos estudos da geografia, uma vez que, além de dar visibilidade ao recorte espacial de
ocorrência do fenômeno, seja ele o lugar/território/região/paisagem, também permite que a
análise dos fenômenos (físico-naturais, sociais, políticos/econômicos, culturais) que ocorrem
nesse recorte não fique restrita ao âmbito em que estão ocorrendo, possibilitando análises
mais complexas. Assim, a escala, em conjunto com as categorias, princípios e conceitos,
constitui a base teórico-metodológica da geografia a partir da qual podemos discutir os
fenômenos espaciais pelo uso da escala geográfica, pois a sua constante interação possibilita
pensar de forma mais efetiva a realidade.
Desse modo, afirmo que a escala, parafraseando Morin (2003), busca integrar a parte
ao todo e, aliada às categorias, princípios e conceitos, constitui uma base que permite
operacionalizar o uso da escala. A compreensão dessa proposição de forma mais efetiva é
realizada no capítulo a seguir.
126
Este capítulo busca costurar fios traçados nos capítulos anteriores para pensar o
trabalho com a geografia escolar de forma mais integrada. Deste modo, proponho pensar um
ensino e aprendizagem em geografia a partir da relação entre pensamento e linguagem pelo
uso da escala geográfica, tendo como referência o tema cidade, ao mesmo tempo em que
elaboro uma proposta de análise crítica do LD para entender como a escala é trabalhada nesse
material. Se ao longo de todo o processo de sistematização e constituição da geografia ela
estrutura-se de forma fragmentada, a partir do dualismo sujeito e objeto, chancelada pelo
método, proponho refletir acerca de uma geografia escolar que possa ser ensinada e entendida
em sua totalidade. Para isso, busco pensar por meio da geografia a relação entre pensamento e
linguagem, no sentido de fundamentar o entendimento da escala geográfica para além de uma
ferramenta teórico-metodológica, mas como um o método de ensino para a geografia escolar.
acadêmica, nas políticas educacionais e também nos livros didáticos, como observado no
capítulo 1.
Uma disciplina, contudo, não se constitui apenas de uma linguagem específica
materializada em métodos, conceitos e princípios, mas de estratégias didático-pedagógicas em
que se dimensionam os sentidos políticos e sociais da educação e instrumentais
metodológicos que se colocam em prática as dimensões anteriores. A geografia escolar, então,
ao ter o espaço como seu objeto de estudo, precisa encontrar referenciais metodológicos para
que cada uma de suas partes seja entendida sem perder de vista o seu entendimento de
totalidade. O espaço traz em si histórias materializadas de diversos tempos, os feitos atuais
das pessoas e também se constitui como palco onde acontecem os fatos sociais. Esse é o
pressuposto básico para que a leitura do espaço seja desenvolvida, sendo necessário dotar os
estudantes de recursos intelectuais que possam explicar o constante dinamismo do mundo,
tendo como referência as situações cotidianas. Desenvolver a leitura do espaço exige que haja
uma unidade entre linguagem e pensamento, e a aposta nesse processo constitui-se a partir da
“tradução de conceitos reconhecidos no estado atual das ciências para o nível das práticas
sociais contextualizadas e conjunturais” (MARQUES, 1995, p. 118).
Para que essa unidade seja desenvolvida de forma sistemática, chamamos atenção ao
papel da escola e das disciplinas escolares, pois elas são as ferramentas que os professores têm
para ajudar os estudantes a estabelecer relações intersubjetivas no mundo. Assim, as disciplinas
escolares são um meio pelo qual os estudantes podem se desenvolver intelectualmente, pois
reúnem um conjunto de conteúdos, conceitos e categorias de análise que, ao serem construídos no
diálogo intersubjetivo com o mundo da vida, possibilitam tematizá-lo e compreendê-lo. Dessa
forma, é importante ter claro que os estudantes possuem conhecimentos que são oriundos da sua
vivência cotidiana e, ao serem relacionados aos conceitos científicos, possibilitam um novo olhar
sobre o mundo.
Para Young (2011, p. 615), os “conceitos cotidianos são ‘captados’
inconscientemente por todos em suas vidas diárias e são adquiridos pela experiência de
formas ad hoc para propósitos específicos, relacionados com problemas particulares, em
contextos particulares”. Os conceitos teóricos, então, “pertencem apenas a um mundo
específico, constituído por pesquisadores especialistas envolvidos em desenvolver
conhecimento novo” (Ibidem, 2011). As disciplinas reúnem, portanto, um conjunto de
conhecimentos essenciais para que possamos entender a dinâmica sociocultural em que
vivemos. Sobre isso, Young, com base em Charlot (2009), chega à conclusão de que os
professores possuem duas tarefas pedagógicas essenciais: a primeira é ajudar os estudantes a
128
fazerem a relação com os conceitos das diferentes disciplinas, que constituem o currículo com
suas vidas cotidianas, e a segunda é ajudar os estudantes a construir os conceitos, que não
possuem relação com a sua experiência ou não se relacionam diretamente com ela.
Nesse sentido, os conteúdos e conceitos constituem-se como eixo central das
disciplinas escolares e do currículo, pois são abstrações que explicam, de uma forma geral, as
questões do mundo, e os professores têm a atribuição, por intermédio do seu trabalho
pedagógico, de fazer a relação entre o conteúdo das disciplinas e o conhecimento cotidiano
dos estudantes. Como o mundo está sempre em movimento, esses conceitos e as práticas
pedagógicas dos professores não podem ser estáticos; eles precisam evoluir, mas sem deixar
de carregar as marcas históricas do conhecimento que os antecedeu. Segundo Young (2011),
as mudanças nos conteúdos das disciplinas ocorrem com referência ao avanço da ciência e por
pressões políticas. Assim, as disciplinas assumem uma tríplice dimensão: um papel teórico,
pois elas garantem, por meio de um conjunto de especialistas, a produção de novos
conhecimentos, possibilitando que os estudantes possam ter acesso a eles de forma confiável;
um papel pedagógico, pois oferecem possibilidades para que os alunos consigam traduzir
esses conceitos em suas práticas cotidianas; e, por fim, as disciplinas oferecem uma base para
que os estudantes possam analisar e entender o mundo de forma a contribuir com o seu
exercício da cidadania.
Por esse ângulo, afirma Young (2011, p. 615):
A escola ensina conceitos que, muitas vezes, já fazem parte da vida cotidiana dos
estudantes, quando observam o lugar em que vivem, a natureza, o clima, a vegetação, os
limites da sua casa com a do vizinho, os costumes das pessoas com quem convivem, as
diferentes moradias dos bairros, o tamanho das propriedades rurais, os caminhos que precisam
percorrer para ir de casa à escola, entre outros. Assim, mesmo inconscientemente, os
estudantes já possuem uma base geográfica oriunda da experiência cotidiana com a sua
família, grupo de iguais e lugares que convive. Esses conceitos podem ser uma poderosa
129
ferramenta para que os estudantes consigam construir uma aprendizagem significativa. Por
isso, é necessário que o professor consiga ajudá-los a fazer essa relação.
Entra aí o papel da escola e da geografia na busca pela articulação dos sentidos já
construídos sobre o mundo pelo sujeito no diálogo com os conceitos abstratos da geografia.
Ao ser realizada é possível que os sujeitos possuam novas percepções sobre seus saberes
iniciais oriundos das situações vividas em seu mundo da vida. Buscando definir nosso
entendimento a respeito do mundo da vida, aportamos em Marques (1995, p. 19), que o
entende como a anterioridade primeira, “onde se alicerçam as aprendizagens e se efetivam e
onde radica, em sua unidade, o processo de socialização/individuação e da singularização do
sujeito”. O mundo da vida é o mundo da experiência. É nele que sujeitos iniciam os primeiros
contatos com os lugares por meio das percepções, sensações e ações. Essas percepções e
saberes são iniciados desde os primeiros anos de vida do sujeito e estão condicionados à
cultura em que vive.
Nesse contexto insere-se o conceito de lugar na geografia, que carrega as marcas do
mundo da vida, que é onde se fazem concretas as relações com o mundo objetivado, mesmo
que de forma não tematizada. Geograficamente, o lugar situa-se em uma dada localização do
espaço e, como um recorte de análise, carrega as marcas do mundo global. O lugar é onde as
pessoas vivem e constituem representações do mundo, mesmo que empiricamente, e essas
representações vão tornando-se mais complexas à medida que são introduzidos os conteúdos e
conceitos de ensino.
contexto psíquico, social e cultural. Nessa direção, podemos afirmar que a aprendizagem se dá na
intersubjetividade das relações humanas e na vivência nos distintos contextos e espaços sociais.
O lugar, também conhecido como mundo da vida, na geografia é permeado por um
sítio, ou seja, uma localização específica na superfície terrestre, que condiciona a esse sítio
características que lhe são específicas. Nesse contexto, é possível afirmar que o lugar
congrega marcas específicas da localização em que se situa, com características físicas, mas
também marcas daqueles que ali vivem por meio de sua cultura e formas de vida. Esse sítio,
porém, está condicionado a situações que são as inter-relações estabelecidas entre esse lugar
com outros, pois nada ocorre de forma isolada no mundo. Esse entendimento torna impossível
separar o físico do humano na compreensão do espaço, pois o mundo que se materializa no
lugar ou no mundo da vida é uma unidade.
Concordamos, então, com Marques (1995, p. 26), quando entende que “o gênero
humano se autoconstitui em sociedade, onde os processos incessantes do mundo da vida se
erigem em sistemas de pensamento, de ação e de aprendizagem”. É, pois, a partir das relações
estabelecidas entre o ser humano com o lugar, e deste com o mundo, que há a possibilidade de
entendê-lo tanto para poder dominá-lo quanto para nele melhor poder viver. Essa constitui-se
a premissa básica para o desenvolvimento de um conjunto de conhecimentos, signos e regras
que expressam diferentes formas interpretativas do mundo. Com base nesse pressuposto,
fundam-se as ciências, cada qual com objetos de conhecimentos próprios, que avançaram no
desenvolvimento desse conjunto de signos que permitiram tematizar (explicar) o mundo. Na
medida em que esses conhecimentos se especializam, tornam-se disciplinas e conteúdos e
passam a ser referência para o trabalho escolar.
É nesse contexto que emerge a escola como um lugar de expressão universal dos
conhecimentos produzidos ao longo do tempo, e se torna um “lugar social das aprendizagens
intencionadas e sistemáticas” (MARQUES 1995, p. 10), ou seja, as aprendizagens que não
podem ser oportunizadas por outras instituições sociais. A escola é o meio pelo qual as novas
gerações não precisem começar do zero, pois ela traduz os conhecimentos historicamente
produzidos pelas teorias advindas das ciências de alta complexidade ao nível das práticas
cotidianas. Para o autor supracitado: “[...] toda aprendizagem só é efetiva e eficaz à medida
que se finalize na tradução de seus conteúdos ao nível das práticas cotidianas dos indivíduos e
grupos, pelas quais o mundo da vida se reconstrói no horizonte aberto das novas situações” (p.
19-20).
Desse modo, as condições para que se efetive a aprendizagem emergem da
singularidade da vida cotidiana dos diferentes sujeitos, pois é no cotidiano que brotam as
131
dúvidas e os questionamentos que dão origem às ciências, e é com referência nele que os
conceitos produzidos pelas ciências se tornam significativos na vida dos estudantes. Os
conhecimentos construídos pela ciência traduzem-se, abstratamente, por meio de
generalizações que explicam os fenômenos do mundo, por isso são formativos e
humanizadores. A aprendizagem na geografia, ao ser desenvolvida por esse sentido, pode
possibilitar aos estudantes pensar teoricamente por meio dos seus conceitos de forma a
traduzi-los no âmbito das práticas cotidianas.
A aprendizagem ocorre quando o ensino consegue fazer o entrelaçamento da
subjetividade de cada um com o mundo sociocultural, produzindo, assim, um significado na
vida dos sujeitos. Os diferentes sujeitos que compõem o espaço escolar carregam marcas da
sua vida, pois são filhos, irmãos, netos, sobrinhos que possuem uma história, que está
diretamente ligada à sua família, suas condições e o lugar em que vivem. Esse lugar está
situado geograficamente num determinado ponto do espaço, que possui características físicas
e culturais que lhe são próprias, mas que não deixam de sofrer e exercer influência de um
processo maior, que é do mundo global. Nessa perspectiva, os estudantes são dotados de
experiências do seu mundo da vida e carregam as marcas desses sujeitos, tempos, culturas e
lugares dos quais fazem parte. Quando isso ocorre os sujeitos conseguem ressignificar o seu
entendimento de mundo, havendo a possibilidade de que o mundo da vida seja retomado com
outros olhos, permitindo a sua compreensão e alargamento dos saberes anteriores de forma
crítica e reflexiva. Essa ressignificação é mediada pela linguagem, que possibilita ao sujeito
desenvolver diferentes formas de ver, pensar e refletir sobre o mundo. Segundo Libâneo
(2013, p. 147), “na medida em que o saber escolar é colocado em confronto com a prática de
vida real, possibilita-se o alargamento dos conhecimentos e uma visão mais científica e crítica
da realidade”.
Com referência nas discussões traçadas, a pergunta que fica é: Como operacionalizar
metodologicamente essa relação de forma a superar a fragmentação do conhecimento
geográfico? As bases para tal possibilidade serão elucidadas nos próximos subcapítulos.
metodológica que, de fato, possibilite pôr em prática essa unidade. É buscando desenvolver
esse entendimento que este item objetiva discutir como a escala geográfica pode ser uma
possibilidade de método de ensino para a geografia escolar. A escala é um conceito que
proporciona superar a fragmentação do conhecimento geográfico, pois permite fazer a inter-
relação entre fenômenos e as dimensões de análise que nela se materializam. Nesse sentido,
apresentamos pressupostos para o trabalho com a escala pautados nas discussões já realizadas
nesta pesquisa anteriormente, com referência aos princípios, conceitos e categorias da
geografia que melhor possibilitam sua operacionalização.
Para discutir sobre método de ensino é preciso entender que o método é o caminho
que utilizamos para atingir determinados objetivos e, junto a ele, está uma série de recursos
metodológicos que permitem a sua operacionalização. Tendo claro esse entendimento, é
preciso diferenciar método de ensino de método da ciência, apesar de ambos possuírem uma
estreita relação. O primeiro refere-se à relação entre o conteúdo de ensino, que é oriundo da
ciência e dos critérios didático-pedagógicos para a sua seleção e organização, enquanto o
método da ciência carrega marcas profundas com o objeto de estudo e as formas de
compreendê-lo. Assim, para entendermos o objeto de estudo da geografia escolar
necessitamos de uma ferramenta teórico-metodológica que dê conta da especificidade desse
objeto e também um método de ensino.
Ambos os métodos estão articulados aos objetivos de ensino que possuem relação
direta com o conteúdo; esse último é parte do objeto da ciência que o constituiu. A escala
geográfica, por ser um conceito da geografia, carrega marcas do método da sua ciência de
referência. Ao assumir o entendimento de método de ensino, ela faz a articulação com o
objeto do conhecimento e os conteúdos de ensino, como veremos na Figura 9.
Com bases nos elementos apresentados, busco trazer uma proposição para o trabalho
com a escala geográfica, de forma a visibilizar como pode ser feita a relação entre linguagem
e pensamento, articulando fenômenos, conceitos/níveis de análise com os princípios e
categorias da geografia.
Inicio com o conceito de paisagem. Ela apresenta as formas de um determinado lugar
em um recorte temporal. Essas formas, contudo, estão num constante movimento, e
materializam uma relação entre o passado e o presente. A paisagem é o visível, aquilo que
enxergamos e que se apresenta imediatamente. Essa ideia traz muito do conceito de paisagem
construído pelos clássicos da geografia, que entendem que as regras da natureza são
verdadeiras e imutáveis, por isso verídicas. Esse pressuposto desconsidera a ideia de
movimento (tempo) e de ser humano como partes integrantes do espaço e responsáveis pela
sua mudança. Assim, a paisagem representa aspectos da sua morfologia que possui relação
direta com o seu sítio (localização e sua posição) no espaço (GOMES, 2013).
Aqui encontramos um pressuposto-chave na análise do espaço: a ideia de que a
posição é sempre relativa, pois envolve a sua situação ante a outros lugares e ao olhar do
observador, daquele que se dispõe a analisar o espaço. Para Gomes (2013), os lugares são
pontos dentro de um sistema de referência, mas só adquirem sentido a partir do momento em
que são ocupados por alguma coisa. Entra aí o conceito de lugar, que marca a identidade e as
características singulares de cada local, que podem ser físicas, culturais e sociais. A análise,
que pressupõe a divisão em partes dessas características, só pode ser feita na sua relação com
outros lugares e situações para ser demarcada a sua singularidade e as suas conexões. O lugar,
então, expressa o sentido de uma dimensão de análise (recorte do espaço, dado por
coordenadas precisas), mas que possui implicações com outros recortes, que podem ser
regiões, territórios e espaços.
Todos esses recortes implicam uma dimensão que pode ser natural, mas também
política e que igualmente precisa ser considerada, pois é expressa pelos limites/fronteiras
formalizados nos lugares. Os limites e fronteiras indicam o começo e o fim do seu território,
mas essas definições implicam interesses e intencionalidades dos que o produziram. Os
limites e fronteiras são delimitados por uma relação matemática entre a projeção e a realidade,
por isso são representativos, tem a intencionalidade de quem os produziu e mostram uma
realidade entre tantas outras. Dessa forma, é preciso ter o cuidado de não tomar a
representação pela realidade, pois ela mostra uma determinada fração do espaço que pode
visibilizar algumas questões e ocultar outras. As representações, nesse sentido, são recursos
metodológicos para análise, mas não o lugar em si, e muito menos a realidade como ela é.
136
29
Milton Santos, em seu livro A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção, discute esses dois
conceitos, fixos e fluxos. Os elementos fixos, na definição do autor, são aqueles fixados em cada lugar e que
permitem ações que modificam o próprio lugar. Já os fluxos “são resultado direto ou indireto das ações e
atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que,
também se modificam” (SANTOS, 2014b, p. 61-62).
137
constante produto aberto das topologias de poder aponta para o fato de que ‘lugares’
diferentes ficarão em posições contrastantes em relação ao global [...]” (Ibidem, p. 152).
Essa descrição permite-nos perceber como os conceitos podem ser colocados em
movimento pelo uso dos princípios e categorias de análise, que, juntos, possibilitam o
entendimento de um dado fenômeno num sentido relacional. Ao mesmo tempo em que a
utilização dos princípios e categorias não se exclui, as dimensões subjetivas e objetivas dos
sujeitos interpretam e fazem a análise do espaço, pois toda a interpretação é uma forma de ver o
mundo.
Para, todavia, que essas relações descritas se efetivem, o método de ensino precisa
considerar procedimentos metodológicos que melhor possibilitam a compreensão do objeto.
Assim, os procedimentos, nos quais nos aportamos, são procedimentos construídos no
processo constitutivo do pensamento geográfico e aprimorados por autores como Callai e
Moraes (2017), sendo eles cruciais para a operacionalização dos conceitos. Iniciemos com a
observação; ela está ligada à linguagem visual e requer o desenvolvimento do olhar do sujeito
sobre um determinado objeto, no caso específico a cidade; como ele vê, sente e pensa esse
lugar. Esses procedimentos são construídos no mundo da vida do sujeito, mas, ao serem
introduzidos na escola, podem tornar-se sistemáticos. A observação está ligada diretamente ao
visual, ou seja, àquilo que enxergamos circunscritamente.
A descrição é outro procedimento que também encaminha para a representação, pois,
enquanto o primeiro expressa uma relação verbal, o segundo expressa uma relação não verbal.
Vejamos: a paisagem, pela descrição verbal, pode ser descrita, enquanto a paisagem, por uma
representação não verbal, pode ser um desenho que também descreve a paisagem, e isso
implica uma dimensão subjetiva de quem descreve em um procedimento da linguagem escrita
ou mesmo representativa. Ela é a forma como captamos e transmitimos nossas observações
aos outros, e é possível entender que quanto maior nosso conhecimento maior será a
capacidade descritiva. Pela descrição enumeramos e classificamos objetos e buscamos
similaridades e diferenças, conexões e diferenciações, sempre procurando uma explicação. O
procedimento da análise procede do simples e uniforme ao complexo e variado, assim como
dos aspectos secundários aos principais. O procedimento interpretativo envolve olhar o sujeito
em um sentido ontológico sobre os dados obtidos por meio da observação, descrição e análise.
O procedimento da compreensão é mais abrangente, pois busca a integração entre as
partes anteriormente obtidas e o todo, haja vista que, por meio dela, é possibilitado criar
teorias e entendimentos sobre os objetos. Com esse procedimento é possível utilizar a escala
de análise, que seria o procedimento de recomposição de cada parte para o entendimento do
138
Quadro 28 – Elementos para pensar a escala geográfica como proposta de trabalho para a Geografia escolar
E Objeto/fenômeno Procedimentos
Categorias Princípios Para quem?
S de investigação metodológicos
C Paisagem Forma Localização Observar Quem são meus
A Local – Lugar Função Diferenciação Descrever/ alunos?
L Regional – Região Estrutura Distribuição Representar Como aprendem?
A Territorial – Processo Extensão Interpretar Em que contexto
Território Analogia Analisar vivem?
Global – Espaço Conexão Compreender Qual a sua
G Ordem realidade
E Extensão geográfica?
O Analogia Para que estou
G Conexão ensinando?
R Ordem
Á Temporalidade
F
I
C
A
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
139
Oeste) que pode ser dada pelo sistema solar, pois o leste é onde nasce o sol e o oeste é onde
ele se põe. A estrela do norte aponta o norte magnético e o sul o cruzeiro do sul.
A localização é um elemento fundante da geografia, mas saber apenas a localização
de um lugar não é suficiente; é preciso compreender os diversos fenômenos que se
manifestam nesse local considerando o porquê da sua localização. As diferentes localizações
implicam diferentes paisagens, constituídas por aspectos naturais que cada vez mais, pelo
controle das técnicas, se tornam sociais. Assim, outra questão essencial é compreender por
que essa cidade se localiza nesse sítio e não em outro. Para responder, são necessários outros
princípios que ajudam no seu entendimento e envolvem a percepção da cidade como espaço
relativo. Essa percepção está diretamente atrelada à relação dessa cidade com outros lugares?
Por exemplo, sua relação de interdependência com o espaço rural como área de grande
desenvolvimento agropecuário ou mesmo de agricultura familiar, ou ainda com contextos
mais abrangentes: como área de fronteira, regiões metropolitanas, com a metrópole ou a
capital e seus aspetos administrativos, culturais e econômicos. Com essas informações
podemos pensar a sua relação com os outros recortes de análise da geografia, que pode ser a
região, o território ou o espaço. A partir da localização conseguimos delimitar as formas que
compõem a cidade. Essa é a perspectiva do visível determinada pela observação da paisagem
e do lugar.
Referente à localização, precisamos pensar qual é a extensão dessa cidade, para,
então, delimitarmos se a cidade é grande, média ou pequena. Com a imagem do mapa-múndi
não conseguiríamos identificar a extensão desse espaço com precisão, em razão da sua
pequena escala cartográfica (a escala considerada aqui é a métrica, matemática). Poderíamos,
no entanto, utilizar um mapa de grande escala, assim conseguiríamos delimitar quantas vezes
esse espaço foi reduzido para “caber” nas delimitações do papel. Para isso, necessitamos de
conhecimentos matemáticos e da cartografia, que são ferramentas para a compreensão do
espaço e de seus lugares específicos. Esse entendimento evidencia que a geografia não pode
ser entendida sozinha; são necessários conhecimentos/conceitos de outras ciências e
disciplinas para melhor compreendê-la, pois a localização de uma cidade é determinada por
um ponto na superfície terrestre que identifica o seu sítio com características que lhes são
específicas, mas que precisam ser compreendidas a partir das situações, que são as relações
desse sítio com outros lugares.
Para entender melhor a relação entre sítio e situação no contexto da temática cidade,
compreendemos que ela pode ser um sítio, ou seja, um local, num caso, mas também pode ser
considerada uma situação em outro. Por exemplo, num estudo das relações espaciais de uma
141
determinada cidade, com outras cidades, ou mesmo com estados ou países, a cidade seria o local e
as outras cidades seriam as situações. Broek (1981, p. 46) entende que “num estudo em grande
escala, a casa poderia ser o local e a vizinhança urbana a situação. Para compreender um lugar,
grande ou pequeno, devemos avaliar os atributos do seu local, bem como de suas situações”.
Nesse sentido, cada sítio, no caso cada cidade, possui uma extensão. A determinação
dessa extensão pode levar em consideração as características físicas do espaço, mas
geralmente são determinadas pelos seres humanos e suas intencionalidades, caracterizando
seus limites e fronteiras. A extensão de cada cidade possui relações diretas com o seu
processo histórico de povoamento e pelas características econômicas que o lugar foi
adquirindo, e pode atribuir a cada sítio determinadas funções. Essas funções necessitam de
estruturas que estão diretamente ligadas à dimensão econômica e também política em um
determinado momento do tempo, que acaba por justificar as formas e funções criadas. Como,
contudo, as funções não são estáticas, elas são definidas por processos que implicam uma
ação que se realiza de modo contínuo ao longo do tempo. Estruturas e processos, juntos,
podem gerar novas funções e também formas para a cidade, pois quanto mais funções a
cidade adquirir, novas estruturas e infraestruturas são necessárias. Assim, quanto maior for o
fluxo de pessoas, comércio e serviços, maior serão as funções ocupadas pela cidade e, mais
constantemente, serão mudadas as suas formas para atender essas mudanças.
Ainda, aliada à extensão e às funções que as cidades ocupam, temos a hierarquia urbana:
metrópole nacional, metrópole regional, centro regional, centro local, vila. Essa é somente uma
das formas de classificação existentes. Elas foram determinadas pelos órgãos de recenseamento e,
por meio dos critérios estabelecidos para cada hierarquia, é possível estruturar modos de
planejamento para atender às demandas do local. No Brasil, essa classificação é feita pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Essa discussão mostra que nenhum lugar é
igual a outro, nenhuma cidade é igual a outra, apesar de apresentar características e funções
parecidas. Por isso, não existe uma explicação pronta para cada fenômeno no espaço. Não
obstante de possuírem analogias, cada fenômeno materializa-se de uma maneira diferente no
espaço.
Outras questões a se considerar na análise da cidade, ainda na dimensão da extensão,
são as características naturais. Essas implicam característica de solo, relevo, vegetação,
hidrografia e climatologia, e resultam na definição dos lugares onde será possível uma
construção e o tipo de estrutura que essa construção precisará para ser concretizada. Surgem,
então, os cuidados necessários para que haja menos impactos socioambientais. Isso quer dizer
tanto na natureza quanto nas pessoas que vivem nos arredores de tal construção. Se a
142
construção for de grande extensão, seu impacto também poderá ser mais significativo; por
exemplo, a construção de uma usina hidrelétrica, que afeta grandes extensões do terreno, sua
flora e fauna, e, se ocorrer em um lugar onde vivem muitas pessoas, elas precisarão ser
realocadas; isso implica a construção de novas relações de pertencimento com o lugar e a
vizinhança, entre outras questões que não se esgotam nos limites dos exemplos aqui
mencionados.
É preciso considerar também outros exemplos de fenômenos naturais característicos
de cada sítio, que são significativos na análise do espaço, como: se a cidade tem mais ladeiras
quer dizer que seu relevo é mais acentuado, e, por isso, a construção de uma rua, um parque,
um edifício, implicará um planejamento diferenciado; o mesmo processo ocorre para a
instalação de saneamento básico, energia e água encanada. A quantidade de vegetação e os
rios também pode mudar em diferentes partes da cidade se ela é grande ou se ela é pequena.
Essa paisagem pode tornar-se um atrativo turístico dependendo das estruturas e processos que,
na cidade, podem existir ou se criar. Se a cidade é grande e há muitas indústrias e prédios
pode haver lugares que concentrem ilhas de calor, modificando a temperatura. O clima de
uma determinada cidade implica no tipo de formação socioespacial e econômica do lugar. A
questão da hidrografia envolverá também ter mais disposição ou menos de água, pois se a
quantidade de rios que circunda a cidade for grande, mais difícil será ter problemas com
racionamento em épocas de seca, mas se a água não for abundante o poder público precisará
buscar outras formas de conseguir água para poder manter a população abastecida.
Isso tudo vai marcando as formas que a cidade adquire no espaço. Essas diferentes
formas podem ser identificadas a partir da cartografia e do uso de imagens de satélite, cartas,
plantas, croquis. Esse processo implica, pois, o trabalho com a cartografia, uma aliada no
entendimento da geografia. Para o trabalho com a cartografia na escola é necessário que,
juntamente com os temas dessa disciplina, se desenvolva a alfabetização cartográfica,
fundamental para que os estudantes consigam pensar e ler o espaço. Só conseguiremos,
contudo, pensar o espaço, conhecendo e analisando as suas formas (materializadas no espaço
por meio das paisagens), se conseguirmos fazer a sua relação com outros lugares (outras
formas), ou seja, identificando sua extensão, diferenciação e analogia em relação a outras
cidades.
Nesse sentido, insere-se a analogia, que são as semelhanças existentes entre
diferentes cidades. Para o dicionário, “a cidade é um complexo demográfico formado por
importante concentração populacional não agrícola e dada a atividades de caráter mercantil,
industrial, financeiro e cultural” (FERREIRA, 2008, p. 234). Essa definição mostra que
143
qualquer cidade, para ser considerada como tal, precisa dessas características, pois o conceito
de cidade está dado, e o que vai mudar é a localização desta no espaço e as características
físico-naturais, socioculturais, econômicas e políticas que determinaram as suas formas,
funções, estruturas e processos. As formas e as funções não são as mesmas nas diferentes
cidades do mundo, e é nesse sentido que elas apresentam diferenciações.
A diferenciação pode ser entendida a partir das diferentes formas, funções, estruturas
e processos que a cidade abarca: função turística, político-administrativa, industrial, portuária,
religiosa. Algumas cidades apresentam até mais de uma função. As cidades também possuem
uma hierarquia dada pelo número de funções que ocupam. Muitas dessas funções atrelam-se
aos elementos físicos da paisagem, como a função portuária, que se dá pela existência de rio
ou mar por perto. A função turística pode estar ligada a algum elemento natural, como praia,
chapada e cachoeiras. Assim, notamos que, como existem semelhanças entre as diversas
cidades, existem ainda diferenças, e essas podem se dar de acordo com a localização da
cidade, a questão histórica, o desenvolvimento econômico e as suas características físico-
naturais, que podem influenciar no seu desenvolvimento, no número de habitantes e nas
condições sociais desses habitantes. Tudo isso, aliado aos diferentes processos que nela
ocorrem, implica também diferentes formas da cidade. Para Santos (2014a), sempre que há
mudanças na sociedade as formas assumem novas funções. Em todos os tempos são atribuídas
novas funções às cidades, que impõem, em muitos contextos, novas formas.
Nesse cenário, para traçar elementos que melhor nos ajudem a compreender a
analogia e a diferenciação das cidades para além de caracterizar as suas formas e funções,
precisamos observá-las para além da sua aparência, ou seja, aquilo que não está materialmente
visível nos processos e estruturas com relação a outras cidades. Nesse sentido, como afirma
Broek (1981), “o que conhece da sua cidade quem dela nunca saiu”. Por isso, para que
possamos compreender nossa cidade precisamos sair dela e conhecer outros lugares, pois só
assim conseguiremos compará-la com outros lugares. Ao estabelecer essas relações o
estudante traça as suas semelhanças e diferenças. Para, porém, que tal entendimento seja
efetivo, como aponta Young (2011), os estudantes precisam ter claro a diferença entre a
cidade como conceito e a cidade como lugar da experiência; somente assim é possível que os
conceitos possam ser efetivos como ferramentas intelectuais para analisar as distintas
realidades.
Novamente, pensando o mapa para o trabalho em sala de aula com os princípios da
geografia, entendemos que o mapa-múndi não seria a escala adequada para conhecermos as
características específicas de uma dada cidade, pois ele traz características que são gerais do
144
possuem conexão, uma vez que nada ocorre de forma isolada no espaço. A escala é o método
de ensino que liga cada um desses fenômenos compreendidos por meio dos princípios e
visibiliza suas formas, funções, estruturas e processos. Os elementos ora descritos nos ajudam
a pensar o espaço, pois em cada um dos princípios encontramos mecanismos que nos
permitem compreender o lugar, dando visibilidade para as suas características específicas,
mas sem fragmentá-lo, ou seja, relacionando-o para entendê-lo, mostrando a sua
conexão/inter-relação.
A inter-relação dos princípios e conceitos é o que fundamenta o trabalho na geografia
pelo método da escala, e permite que os fenômenos não se restrinjam a uma única área de
ocorrência, mas, sim, na sua relação com outros recortes e fenômenos. Esses caminhos nos
permitem pensar em uma geografia escolar que possibilita o entendimento do espaço
geográfico numa perspectiva crítica e reflexiva. Como, porém, fazer isso? Observando,
descrevendo, representando, analisando, interpretando e compreendendo.
Para entender como, de fato, a geografia escolar é trabalhada na escola, no
subcapítulo que segue busco compreender como os livros didáticos dos anos iniciais
trabalham com o conceito de escala de análise geográfica a partir do conteúdo cidade.
Nessa seção do texto exploro a análise do livro didático desde uma metodologia que
foi construída a partir de critérios que buscam evidenciar como a escala é trabalhada na
geografia escolar. Os livros didáticos têm sido o material de apoio pedagógico ao ensino mais
presente nas escolas públicas brasileiras, conforme inúmeras pesquisas têm demonstrado
(SPOSITO, 2006; CALLAI, 2016), além de ser o único livro que, muitas vezes, a família tem
acesso. Cabe ressaltar, ainda, que o nosso país é um dos que mais gasta no mundo com o
programa de livros didáticos e, nesse sentido, também se justifica a análise desse material.
Assim, as pesquisas realizadas em torno do Livro Didático visam a contribuir cada
vez mais com a melhoria da qualidade do seu conteúdo e dos aspectos didático-pedagógicos.
Por isso o cuidado em evidenciar, com maior nível de detalhes, os aspectos considerados na
análise e na interpretação dos dados produzidos.
A análise dos livros aqui proposta constituiu-se em dois eixos: aspectos gerais e
específicos. As referências para análise das coleções foram construídas com base em Bardin
146
Quadro 31 – Estrutura do MP: orientações gerais da coleção: políticas de referência, concepções teóricas,
didático-pedagógicas e metodológicas
LD1 LD2 LD3 LD4
O objetivo desse item é analisar as concepções teóricas, didático-pedagógicas e metodológicas dos livros e
suas referências em termos de políticas educacionais e conceitos.
Fonte: Alana Rigo Deon (2021).
coleções apenas seus aspectos gerais. Todas as coleções foram encontradas em escolas
públicas e privada do município de Erechim/RS (cidade onde resido), aprovadas e constantes
no Guia do Livro Didático – PNLD 2019. As coleções são de Editoras que possuem grandes
tiragens de venda por título, conforme dados estatísticos do PNLD 2019, e estão entre as
cinco mais escolhidas pelas escolas. A análise ocorreu no Manual do Professor, pois ele traz
tanto o Livro do Aluno (LA) quanto as orientações do Manual do Professor. Vejamos nos
Quadros, na sequência, as coleções analisadas.
Com referência nesses elementos e com base na teoria crítica e hermenêutica, foram
feitas as interpretações dos livros didáticos. O interpretar e o compreender tornam-se eixos
principais para tal desenvolvimento. Segundo Marques (1995, p. 117-118), “traduzir aqui
significa realizar uma inversão do plano da idealidade do conhecimento abstrato para o
terreno em que firmam os pés as práticas cotidianas e concretas dos sujeitos/atores em
presença”. Todo o traduzir implica experiência de produção de sentido, pois realiza-se o
diálogo entre o que escreve e o que interpreta. “O tradutor translada sentido do contexto onde
vive o interlocutor para um outro contexto” (HERMANN, 2002, p. 62). Para a autora, “isso
não implica um falseamento de sentido; ao contrário, deve-se preservar um sentido num
mundo linguisticamente novo”. Por isso, a tradução é sempre uma interpretação e o
compreender configura-se como entendimento próprio a respeito de algo (Ibidem, p. 63).
Assim, assumo todas as responsabilidades sobre as interpretações realizadas.
Os Livros Didáticos têm sido, ao longo dos anos, uma fonte rica de pesquisa,
trazendo, muitas vezes, a história da disciplina escolar, ou seja, as funções que essas
disciplinas exerceram em diferentes tempos. Considerando a forma como abordam os
conteúdos, sua organização e planejamento tornam-se uma fonte de documentação e estudos.
Nessa direção, é possível perceber que os livros sempre estiveram atrelados às intenções
políticas do tempo vivido. Esses sentidos são expressos a partir dos conteúdos dos livros, que
configuram a parte mais importante das disciplinas escolares. Busco, então, trazer, na
interpretação realizada, a síntese dos elementos específicos considerados e organizados a
partir das categorias que emergiram após análise dos LDs.
O ensino, pela perspectiva dos círculos concêntricos, tem permeado a geografia dos
anos iniciais desde o entendimento de que o espaço precisa ser ensinado partindo de uma
lógica, que se inicia sempre mais próxima da realidade vivida para a mais distante, dos
fenômenos mais simples para os mais complexos. Pesquisas realizadas na área do ensino da
geografia, contudo, têm proposto pensar em formas de superação dessa lógica, como os
estudos do lugar, realizados por Callai (1995), Toso, Kuhn, Callai (2016) e Kuhn, Callai,
Toso (2019), e da totalidade-mundo, feitos por Straforini (2001, 2002), entre outros.
151
Precisamos, no entanto, nos perguntar como esses avanços têm chegado na geografia escolar.
O que os livros dos anos iniciais têm a nos mostrar sobre isso?
De uma maneira geral, percebemos que essa perspectiva tem se apresentado ainda de
forma muito incidente nas coleções de livros. Esse entendimento será demonstrado por meio
da análise realizada e dos dados produzidos. Assim, iniciamos pelos “prefácios”, também
denominados de “apresentações”; esses são encaminhados tanto para professores quanto para
os alunos. Os prefácios constituem um elemento importante de análise, pois, muitas vezes,
neles encontram-se as intenções do livro, as concepções de ensino e os conceitos orientadores
das coleções. Nesse sentido, foi possível encontrar, de forma mais evidente em algumas
coleções analisadas, especialmente na apresentação do Livro do Aluno, a recorrência do
entendimento da geografia como disciplina importante para compreender o mundo em que
vivemos, de forma a iniciar o estudo pelo espaço e pelos fenômenos mais próximos de
vivência para espaços mais amplos e complexos30. Vejamos alguns exemplos encontrados:
LD1 – O livro busca ser uma fonte importante de estudo “para auxiliar a identificar e reconhecer os lugares
em que você vive”. O livro dedica-se a “oferecer a você um bom início nos estudos da Geografia, para que
você e seus colegas participem da melhor maneira possível da vida em sociedade: em casa, no bairro, na
cidade, no país... no mundo” (p. 3).
LD6 – “O livro do primeiro ano estuda assuntos relacionados às pessoas, à família, os lugares que frequenta
e o mundo à sua volta”; “o segundo ano trabalha com a casa, escola e assuntos relacionados ao cotidiano”;
“o terceiro ano trabalha com os bairros, seus moradores e os caminhos por onde circulam”; o quarto ano
trabalha com o município; o quinto ano trabalha com o país” (p. 3).
30
A sistematização das análises na integra encontra-se no Apêndice A.
152
31
A sistematização na íntegra das análises encontra-se no Apêndice B.
153
32
Essa constatação foi realizada a partir de estudo desenvolvido por Deon (2016).
154
coleções que partem do espaço próximo para o mais distante, num cenário de círculos que se
ampliam de acordo com o tamanho do espaço, bem como dos objetos mais simples para os
mais complexos. Nesse sentido, a análise do sumário das coleções permite-nos ter uma visão
da totalidade sobre como são organizados os temas e conteúdos trabalhados. Isso mostra a
força do trabalho com essa perspectiva nos anos iniciais, mas, para que isso não ocorra, é
necessário que o professor possua uma sólida formação de modo a desenvolver o pensamento
pedagógico-geográfico, como destaca Copatti (2019, p. 10). Para a autora, esse pensamento
“tende a criar um modo de pensar que alia aspectos da dimensão teórico-conceitual e
epistemológica aos aportes da dimensão pedagógica, que possibilitam construir um modo de
abordar a Geografia, [...] na relação com o livro didático”.
É possível inferir, ainda, que as políticas de referência para a produção dos livros seguem
a visão pedagógica das competências e habilidades, reforçando a responsabilidade das disciplinas
para tal prerrogativa. Assim, é perfeitamente fácil entender o porquê de os livros ainda tratarem
dos círculos concêntricos ao invés de considerar perspectivas mais inovadoras de práticas
pedagógicas e de educação e aprendizagem. Um ensino pautado em competências não tem por
objetivo a construção de um entendimento da complexidade do mundo, mas de questões
imediatistas que, geralmente, estão atreladas aos designíos da economia e do mercado global.
Como, porém, essa lógica anunciada nos prefácios e sumários coloca-se em prática
nas concepções de ensino? E no conteúdo cidade? Vejamos esse entendimento no item
seguinte a partir do que emerge nos livros analisados.
O Quadro evidencia que, no geral, quase todas as coleções entendem o espaço como
objeto-chave da geografia e, atrelado a ele, um conjunto de conceitos que permite entendê-lo.
Alguns desses conceitos carregam matrizes teóricas da corrente crítica ou da tendência
156
humanística. A intensidade com que aparecem é indispensável para uma análise mais
profunda, pois demonstra a sua importância no ensino. Os estudos da geografia, pela
perspectiva teórico-crítica e fenomenológica, são desenvolvidos no Brasil com mais
consistência a partir das décadas de 80 e 90 do século 20, especialmente em um período em
que o mundo estava passando por intensas modificações em escala global, que afetavam
diretamente os diferentes locais – a relembrar, o fim da bipolaridade capitalismo X
socialismo, a vitória do capitalismo e as perspectivas técnicas que ele impõe, desdobradas por
meio da inserção do mercado nas decisões econômicas, cabendo aos governos regular as taxas
de juros. Com isso estabeleceu-se uma nova divisão internacional do trabalho (DIT).
Todas essas ações tiveram impacto significativo na educação, que se torna, de forma
mais contundente, um meio para atender às necessidades imediatas do mercado. Nesse
sentido, as perspectivas críticas na geografia, com base em suas matrizes dialética, cultural e
humanística, trazem a impossibilidade de compreensão da complexidade do mundo sob o viés
do paradigma tradicional, pois seus conceitos e metodologias de ensino tratavam o mundo
desde um viés objetificador. Esse entendimento transparece na abordagem do conteúdo como
um receituário, em que os fenômenos físicos são desvinculados dos fenômenos sociais,
econômicos e culturais e descontextualizados da vida do estudante.
Assim, as matrizes dialética, cultural e humanística sustentam suas teorias a partir da
renovação e revisão de seus conceitos fundamentados nas bases filosóficas, e acreditam que
as ciências e as disciplinas precisam contribuir intelectual e subjetivamente para que o mundo
possa ser explicado e compreendido com vistas à mudança da realidade social das pessoas no
sentido da práxis. No que se refere diretamente ao ensino, essas teorias criticam, de forma
contundente, os processos de ensino e aprendizagem que buscam desenvolver a memorização
e a descrição de lugares e pontos isolados no espaço, oriundos da matriz positivista; daí os
livros indicarem buscar superar esses métodos em suas orientações de trabalho. Em termos
gerais, o Quadro 38 mostra o que buscam as perspectivas críticas.
157
descrita de forma a evidenciar os elementos visíveis, depois pede-se que se explicitem suas
semelhanças e diferenças, sempre associando esse entendimento às formas. Há, ainda,
coleções que tratam, desde as páginas iniciais, dos referenciais espaciais, como localização,
extensão e pontos de referência.
A abordagem conceitual geralmente é apresentada nas primeiras páginas do capítulo,
e esses conceitos são abordados de forma mais genérica no LA, apresentando explicações que
permitem que o estudante possa entender sobre o tema que trata. As explicações mais
profundas estão no MP, em “textos complementares”, com trechos de textos de teóricos que
abordam o tema. Em seguida, os livros expõem os conceitos e temas secundários que se
associam ao entendimento do fenômeno principal. Também há indicativos de que os
estudantes considerem a relação paisagem como o lugar de vivência, como o exemplo
apresentado no LD1: “O lugar onde você mora apresenta paisagens como a das fotos?”
(SILVA; FURQUIM JR., 2018, p. 91).
No quarto e quinto anos o que muda são os conceitos e níveis principais de análise,
como o território e a região, que, segundo as coleções, só podem ser desenvolvidos
posteriormente por abordar maior complexidade e nível de abstração, mas os procedimentos
metodológicos para tal acrescentam-se à classificação e à comparação de áreas distintas, mas
que pouco avançam para o entendimento ou a compreensão da cidade, como preconizam as
teorias críticas evidenciadas nos livros. De forma a melhor expor o entendimento apresentado,
vejamos o Quadro 39, que traz as definições conceituais sobre cidade e município conforme
aparecem nas coleções, atreladas aos temas secundários, princípios e categorias33.
33
A sistematização completa dos conteúdos e temas secundários ao conteúdo cidade em cada livro é encontrada
nos Apêndices C e D desta pesquisa.
159
Evidencia-se o trabalho com os conteúdos, partindo dos mais simples para os mais
complexos e de dimensões mais próximas para mais distantes, entendimento esse que já havia
sido apresentado nos sumários, na medida em que se inicia o entendimento da cidade nos
volumes iniciais a partir do reconhecimento e identificação das diferenças e semelhanças
entre as ruas, bairros, quarteirões, campo e cidade pela leitura da paisagem, para trabalhar
34
O Quadro traz uma generalização, pois nem todos os princípios e categorias são abordados em todas as
coleções.
160
com conceitos mais complexos, como município, limites, fronteiras, urbanização e funções
das cidades nos volumes finais. Nesse sentido, o sumário apresenta um indicativo importante
do que, de fato, as coleções buscam desempenhar com os conteúdos produzidos nos livros.
Os recortes de abordagem do conteúdo nas coleções iniciam pelo lugar e vão para a
paisagem, o território e a região, e os conteúdos e referenciais metodológicos, utilizados para
o seu entendimento, seguem a lógica do mais simples para o mais complexo. Essa premissa já
se apresentava nos pressupostos metodológicos dos clássicos da geografia, como em Ritter,
que, ao se fundamentar na Pedagogia de Pestalozzi, considerava que o ensino de geografia
deveria iniciar do particular ao geral, do lugar para o mundo. Vejamos uma passagem de seus
escritos:
Essas observações se dirigem para o fato de que o método mais natural seja mesmo
aquele que saiba unificar todos esses múltiplos objetos dentro de um todo, e então é
este também que, conforme a natureza do objeto, conduz do singular para o geral. É
ele que primeiramente orienta a criança na realidade e busca fixar que o lugar onde
ela vive também ensina a ver. Que seja então a cidade ou a vila, a montanha ou o
vale, onde a criança possa obter seus primeiros conhecimentos geográficos, não em
sala de aula, no mapa e a partir do livro, mas sim na natureza; isso permanece
imutável. Este método elementar unifica todas as exigências da ciência e do método,
e é por este motivo o único. Aqui a criança conhece a região [Land] em todas as suas
relações, aprende [p. 208] a compreender o mapa de todas as outras regiões [Länder]
na imagem daí registrada por si própria. Se esta formação elementar for concluída de
maneira apropriada, as maiores dificuldades que a Geografia [Geographie] oferece
enquanto ensino mais distanciados serão superadas. (RITTER, 2016, p. 218-219).
contudo, não são abordados na sua íntegra em nenhum dos volumes, bem como as categorias
utilizadas são a forma nos 1°, 2° e 3° anos e as funções nos 4° e 5° anos, o que dificulta a
compreensão do espaço em sua totalidade, como preconizam as coleções em seus
pressupostos teórico-metodológicos.
Evidencia-se, também, que não há encaminhamento para o trabalho com o conceito
de espaço, apesar de esse ser considerado nas orientações do MP como chave para o
entendimento da geografia. Em nenhuma das coleções o conceito de cidade é entendido em
suas múltiplas escalas, o que impossibilita uma compreensão da complexidade desse conceito,
haja vista que em cada série/ano de ensino se trabalha com um conceito principal, mas, ao
final do quinto ano, a soma dessas partes não constitui o todo do seu entendimento. Ao se
trabalhar ao longo dos anos somente alguns conceitos da geografia, priva-se a criança de um
conhecimento complexo do mundo.
Entendemos que recortes de análise, princípios, categorias e conceitos, “tomados
individualmente, representam apenas realidades parciais, limitadas do mundo (SANTOS,
2014a, p. 71). Mas ao serem considerados em seu ‘conjunto’ e relacionados entre si, eles
constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos discutir os fenômenos
espaciais em totalidade” (Ibidem, p. 71). Todos esses elementos precisam ser trabalhados
concomitantemente, de forma que sejam dadas as bases para a compreensão de como
interagem entre si para moldar o espaço ao longo do tempo.
Nesse sentido, o ensino não pode subestimar a capacidade intelectual da criança,
ensinando a ela partes isoladas do espaço, pois, como afirma Toso (2018), “o mundo é
complexo, as relações são complexas e as crianças não operam fora dessa lógica. É
fundamental que sejam feitas apostas nesses sujeitos, sem subestimar suas capacidades” (p.
14). Toso (2018, p. 41), com base em Callai (2002), “acredita que precisamos nos esforçar
para superar um ensino que ocorre nessa perspectiva – linear, factual e fragmentada –, pois o
pensamento da criança não se organiza desse modo. O aluno é capaz de pensar de forma
complexa”. Isso evidencia que o trabalho, partindo dos conteúdos e recortes mais simples para
os mais complexos, não contribui para o entendimento do mundo a partir da complexidade
das relações que nele se materializam.
Já as concepções didático-pedagógicas apresentadas pelas coleções também
carregam as marcas desse processo de renovação no campo educacional. É importante deixar
claro, entretanto, que, para que possam ter efetividade, essas concepções não podem ser
dissociadas dos pressupostos teórico-metodológicos.
162
35
A saber, os estágios do conhecimento propostos pelo autor: Sensório-motor: ocorre entre zero e 2 anos de
idade. Nesse estágio tudo acontece pelas sensações e não há o envolvimento de representações mentais e
pensamento. Pré-operatório: entre 2 e 7 anos de idade. Nesse estágio a criança começa a desenvolver-se a partir
de sua capacidade simbólica, não apenas por sensações. Operatório concreto: entre 7 e 11 anos de idade. Nessa
fase a criança começa a pensar de forma lógica, mas ainda necessita auxílio do domínio do visível. Operatório
formal: dos 11/12 anos em diante. Nessa fase a criança raciocina, elabora hipóteses e as coloca em prática pela
abstração (PIAGET, 2007).
164
A escala de análise geográfica, conforme discutido nesta tese, pode ser um método
de ensino de geografia quando torna possível a articulação entre princípios e categorias para a
construção dos conceitos geográficos. Nos anos iniciais é importante que esse entendimento
seja desenvolvido para que essa etapa consiga ser a base de sustentação para as etapas finais
do processo de escolarização. Como, todavia, esse entendimento apresenta-se nas coleções
analisadas?
Nas coleções analisadas as discussões sobre a escala são apresentadas junto as
orientações gerais para a coleção no MP, de forma mais específica quando expõem a estrutura
dos volumes e os objetivos de cada ano de ensino. Apenas uma coleção indica a discussão
sobre a escala fora desses momentos, a saber, o LD4, quando discute o conceito de lugar,
afirma que “trabalhar com uma dimensão escalar torna-se uma exigência, capaz de superar a
interpretação localista e fechada que impede o encontro de explicações para o que vai
acontecendo”, e adota Helena Callai como referência para a discussão. O LD3 traz um item
165
MP
A atividade no LA sugere o uso da escala, pois não limita o produto a apenas uma
área de ocorrência, mostrando as suas inter-relações, que vão desde a coleta da matéria-prima,
a produção, a distribuição e a venda, ressaltando, assim, a dinâmica da Divisão Internacional
do Trabalho. Percebe-se, neste panorama, que um mesmo produto pode extrair sua matéria-
prima de produção no Brasil, seu fabricante ter sede nos EUA, a fabricação também ocorrer
no México e sua distribuição e venda acontecer em vários lugares do mundo com os quais
esse fabricante tem relações de mercado. No MP destaca-se, ainda, o uso da cartografia como
complemento para a atividade. É importante que o professor desenvolva as atividades de
forma conjunta para que a explicação e o entendimento do tema não se reduzam à
localizações de pontos no espaço, mas de forma a encaminhar o pensar sobre.
No LD1, Unidade 1 “Campo e Cidade”, novamente há atividades, tanto no LA
quanto no MP, sobre o uso da escala a partir do tema indústria – item “Caminhos da
Produção”. Vejamos o exemplo no Quadro 45.
171
Esse entendimento torna-se mais claro a partir das relações e redes estabelecidas
entre os três setores da economia – primário, secundário e terciário – e sua espacialização e
fluxos postos em prática pelo mundo. O conteúdo também pode fazer a relação entre
sociedade e natureza, mostrando que os países que detêm maiores meios técnicos (mais
tecnologia) são os mais industrializados e os que possuem maior poder e influência sobre os
outros. São eles que mais avançam nos setores secundário e terciário e, consequentemente,
exploram, de forma mais incisiva, o meio natural. Os desdobramentos dessa exploração
afetam não somente o local em que ocorrem, poluindo ou esgotando os recursos naturais, mas
também outros lugares a partir das matérias-primas fornecidas para a sua produção ou a
geração de lixo, em razão do fato de cada vez mais os produtos serem feitos para não durar.
Essas relações, contudo, pouco são exploradas nos livros, e quando aparecem estão
em seções no final dos capítulos ou unidades, intituladas “A consciência Cidadã”, “Você
conectado”, “Pesquise”, “Saiba mais”, “Tecendo Saberes”, entre outras denominações
específicas de cada coleção, que trazem possibilidades pedagógicas de explorar o conteúdo de
172
forma mais próxima da realidade vivida ou mesmo vistas em redes sociais, jornais e televisão.
Essas seções, no entanto, em muitos contextos, são demasiado pontuais e não indicam a inter-
relação com os conceitos, categorias e princípios, de modo a contribuir de forma efetiva para
a realização da análise geográfica.
Outro conceito significativo para o trabalho com escala geográfica é o das migrações,
pois elas indicam o movimento de pessoas em diferentes tempos e espaços. As marcas dessas
mudanças influenciam diretamente nas formas das cidades, nos costumes e hábitos e nas
relações econômicas nelas desenvolvidas, que dão característica e constituem o seu
patrimônio imaterial. O Brasil é palco de inúmeras migrações tanto interna quanto
externamente, que ocorreram em distintos tempos e ainda ocorrem por razões diferentes.
Essas migrações marcam as características tanto das regiões do Brasil quanto de cidades
específicas e bairros dentro das cidades. Esse entendimento é explicitado no LD2 na “Unidade
3 “Espaço Urbano”, que, na atividade exposta no Quadro 46, faz com que os alunos entendam
que partes diversas de lugares no mundo, por meio das migrações, materializam-se em
inúmeros lugares.
Santos (2013) em seu livro “Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal”, o mundo como se apresenta, o mundo como ele é, e o mundo como pode ser.
O volume 5 do LD3, ao trabalhar, na Unidade 5, “Urbanização, problemas sociais e
ambientais”, especificamente quando aborda sobre a urbanização no Brasil, afirma que esse
processo ocorreu de forma diferenciada nos diversos lugares do território. Nesse sentido,
chama a atenção ao fato de que algumas cidades “cresceram bastante porque possuíam um
porto ou porque faziam conexão entre áreas produtoras de mercadorias e portos de
exportação. Essas cidades concentraram atividades econômicas e atraíram pessoas de outras
cidades e também do campo” (BRANCO; PICCOLI; LUCCI, 2017, p. 85).
Esses foram alguns exemplos encontrados nos livros que podem estimular o trabalho
com as escalas a partir da discussão de um tema/fenômeno proposto, das relações que possui
com outros fenômenos e dos vínculos que estabelece com outras escalas. Como é impossível
aprender um fenômeno em sua totalidade, é necessário fazer um recorte que mais bem permita
o seu trabalho, mas é preciso que esse recorte não seja desvinculado de outras relações com
outros recortes, que possuem ligação, conexão e interdependência. A cidade possui elos com
outros lugares, paisagens, regiões, território e com o espaço, e esses diferentes recortes, que
igualmente integram dimensões conceituais, se materializam de diferentes formas em cada
cidade a partir de relações políticas, econômicas, sociais, culturais, tecnológicas e
físico/naturais. O trabalho com a cidade, apenas pela generalização, não promove a
construção de conhecimento, por isso é preciso que sejam feitas as devidas relações com as
especificidades dos lugares em que vivem os alunos, para uma construção significativa do
conhecimento. Cada lugar possui especificidades, pela dimensão espacial da localização que
ocupa, que promovem diferentes paisagens, climas, formas de relevo, hidrografia e vegetação,
e também pelas populações que ali vivem e trazem suas culturas, formas de vida e relação
com a natureza. Disso podem ser estabelecidas, ainda, diversas outras relações com outros
temas.
As cidades são pequenas, médias, grandes; fazem parte de um território nacional e
possuem integração regional dada pelas relações de cultura historicamente estabelecidas,
redes de transporte, comunicação e fluxos econômicos, construídos por intencionalidades
políticas. Cada qual possui características especificas que podem ser físicas, mas também
humanas, relativas aos processos de ocupação, migração, fluxos de transporte e meios de
comunicação. Ao trabalhar-se a geografia, partindo desses exemplos apresentados pelos livros
de forma a considerar a relação entre categorias, princípios e conceitos, pode-se superar a
lógica circular e concêntrica que ainda hoje se faz presente nos livros didáticos.
Por fim, esta pesquisa evidenciou que os livros têm possibilidades de tornar o uso da
escala possível a partir dos exemplos encontrados. Eles, no entanto, não utilizam a escala na
sua relação com princípios, categorias e conceitos da geografia de forma que esses possam
contribuir para operacionalizar o trabalho com a escala e, assim, servir, de maneira efetiva,
para a superação da fragmentação do conhecimento na geografia escolar. O exemplo
apresentado no item 3.3 torna possível trabalhar a escala como método de ensino de forma a
superar a fragmentação entre níveis de análise e recortes espaciais e pode ser uma
possibilidade a ser desenvolvida no ensino da geografia escolar.
176
CONSIDERAÇÕES FINAIS
acabou por causar problemas epistemológicos a essas ciências, pois eliminaria qualquer forma
de historicidade e subjetividade na explicação dos fenômenos.
Na geografia, essa subordinação impactou de forma direta no seu objeto de
conhecimento – a superfície terrestre –, pois, como não se limitava apenas aos estudos da
natureza, mas também humanos, precisou fragmentar-se para adquirir seu status científico.
Isso repercutiu ao longo da história do pensamento geográfico em diferentes objetos e
métodos que estruturaram o fazer dessa ciência, bem como referenciais metodológicos que
contribuíssem para a compreensão do seu objeto. Esse entendimento teve reflexos
significativos na geografia escolar e nas suas concepções teórico-metodológicas, haja vista
que a ciência geográfica, seus objetos e métodos, são referências para o conteúdo ensinado na
escola. A relação entre a ciência de referência e a geografia escolar, torna-se cada vez mais
contraditória e complementar, pois a primeira é a referência teórica da segunda em termos de
objeto e método, mas cada uma responde a diferentes finalidades e objetivos. Enquanto a
primeira desenvolve a pesquisa acerca das questões postas respondendo às demandas da
sociedade com um olhar espacial, a segunda tem a responsabilidade de formar cidadãos
críticos e reflexivos para compreender o mundo em que vivem, pelo estudo das questões do
mundo da vida, também com um olhar espacial, e com um pensamento geográfico que ilustra
os raciocínios espaciais.
Aprofundando esse entendimento, é possível afirmar que outro aspecto que
diferencia a disciplina escolar da ciência é o referencial didático-pedagógico. Na geografia a
orientação didático-pedagógica, especialmente nos anos iniciais, ainda hoje pauta-se na
perspectiva dos círculos concêntricos, em que o ensino é separado por recortes espaciais que
iniciam do mais próximo para o mais distante, fragmentando, na análise geográfica, a
perspectiva do olhar espacial em geografia física e em geografia humana que, na escola,
aparecem como temas da natureza e temas dos homens. Essa orientação, nos aspectos
pedagógicos, seguiu os pressupostos da ciência assentados na dimensão indutiva do método, e
foram aprofundados por Pestalozzi, estando também presentes nos estudos de Karl Ritter.
Para uma aprendizagem, porém, que se proponha a superar essa ideia circular, linear e
transmissiva no ensino, os estudos aqui realizados permitem pensar as disciplinas escolares a
partir de uma tríplice dimensão. Esse entendimento supõe considerar a dimensão teórica pela
dimensão dialética, a orientação didático-pedagógica pela perspectiva hermenêutica e a
perspectiva metodológica ou instrumental, pois é aí, de fato, se colocam em prática as
dimensões anteriores.
178
Devido toda essa discussão que precisou ser realizada resgatando discussões do
campo da filosofia e da geografia, que o primeiro capitulo se tornou tão extenso, mas
importante pois permitiu compreender as bases em que se estrutura o conhecimento e seus
reflexos na geografia científica e escolar. Nesse resgate, que encontrei na relação entre
pensamento e linguagem as bases que sustentam teoricamente essa pesquisa, sendo essa uma
nova perspectiva para pensar os problemas da educação geográfica.
No segundo capítulo trago uma possibilidade de pensar a superação da fragmentação
da geografia escolar por meio de um conceito que emerge no interior da geografia: a escala de
análise geográfica. Para buscar um entendimento da escala, que desse conta dos pressupostos
desta pesquisa, foram recolhidas discussões de autores que são referência na temática, que
contribuíram para pensar sua discussão em termos epistemológicos. Primeiramente diferenciei
as noções de escala cartográfica e geográfica, haja vista a sua aproximação conceitual, o que,
em muitos contextos, gera uma confusão de sentidos e significados. Em seguida, busquei
encontrar nessas discussões elementos que pudessem, de fato, contribuir para a grande
questão da tese, ou seja, a hipótese de que a escala seria o método que permitiria superar a
fragmentação do conhecimento geográfico tanto em termos de fenômeno quanto de níveis de
análise. Esse entendimento foi encontrado em Castro (2014, 2017), quando elenca pontos
principais para a compreensão e a utilização desse conceito. Ainda, busquei referência em
autores do ensino da geografia que tornaram possível pensar o conceito de escala geográfica
na geografia escolar. Em autores clássicos da geografia, encontrei a compreensão dos
princípios, que, retomados por autores espanhóis e pela própria BNCC, constituem uma base
conceitual e metodológica que ajuda a operacionalizar o conceito de escala. Assim, emergiu o
entendimento de que, a partir dos conceitos (percebidos em sua base explicativa e como níveis
de análise), categorias e princípios da geografia, era possível pensar a escala como um método
de ensino.
Essa articulação tornou possível pensar a escala como método de ensino,
considerando a relação entre pensamento e linguagem. Ao assumir a escala nesse sentido
podemos dizer que ela se torna uma construção social e imaginária que compartilhamos
intersubjetivamente, e que opera na organização do conhecimento permitindo ver as relações
e correlações entre os temas e recortes analíticos que a geografia estuda. Esse entendimento
amplia o constructo teórico da abordagem da escala na geografia e seu ensino, pois apresenta
uma perspectiva teórica pautada nas teorias crítica e hermenêutica que traz novas
possibilidades de estudar e pensar a geografia. A relação entre formas de pensamento e
179
A partir da análise feita nos livros didáticos, com referência na análise do conteúdo
de Bardin, foi possível evidenciar que eles não encaminham, de forma efetiva, para o trabalho
com a escala, sendo o conceito, muitas vezes, entendida apenas como recorte ou dimensão
espacial, e é nesse sentido que se organizam os volumes das coleções, privilegiando, em cada
ano, um recorte espacial e um conceito-chave. Aqui já evidencia-se um entendimento parcelar
da escala geográfica e que não está de acordo com as proposições dos autores adotados como
referência nesta pesquisa. O conceito cidade é trabalhado no primeiro e segundo anos pela
perspectiva do lugar, no terceiro ano pela paisagem e no quarto e quinto anos pelo território
ou região, iniciando a exposição do conteúdo pela dimensão do visível para o abstrato.
O problema aqui não é evidenciar o recorte analítico de abordagem dos conteúdos
em cada ano de ensino, mas, sim, perder o entendimento de que esse recorte é parte do espaço
que se constitui como uma totalidade. Considerá-lo assim exige que, ao se fazer o recorte
analítico, tenha-se a possibilidade de dividir o espaço e partes, e que, ao final, seja feita a sua
reconstituição. Essa reconstituição ocorre por meio dos elementos do método: conceitos,
princípios e categorias. A abordagem do conteúdo cidade, contudo, não consegue dar conta de
trabalhar de forma integrada, em cada ano, com os conceitos categorias e princípios; por
exemplo, o terceiro ano trabalha com paisagem do campo e da cidade, suas diferenças,
semelhanças e conexões, mas pouco evidência o trabalho para além das formas e, por vezes,
funções do campo e da cidade. Os elementos do método de ensino, ao serem tomados
individualmente ou em parte, não possibilitam a construção de uma base teórico-
metodológica que permite compreender o espaço em sua totalidade, ou seja, como uma
produção humana que considera a natureza e a sociedade em suas perspectivas social, cultural
e econômica.
No mesmo sentido, no que se refere especificamente às habilidades a serem
desenvolvidas ao longo dos anos iniciais, percebe-se a predominância e recorrência dos
verbos “observar”, “descrever”, “comparar”, “analisar”, “reconhecer”... sendo essas as
principais referências no processo de encaminhamento dos conteúdos. As habilidades além de
engessarem o processo de construção do conhecimento, dizem respeito à capacidade do
sujeito para cumprir determinada tarefa ou função, e há pouco encaminhamento para
habilidades que levem à interpretação, entendimento e compreensão dos conteúdos, apenas
cumprem a tarefa pedagógica para a qual o currículo foi proposto. Isso fica claro porque a
relação entre linguagem e pensamento nos livros ainda ocorre de forma dissociada. A ideia de
que o conhecimento é dicotômico e que se estrutura pelo pensamento ou pela linguagem,
também é muito presente nas concepções pedagógicas e no ensino.
181
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