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Entrevista Sobre Nova Direita Brasileira
Entrevista Sobre Nova Direita Brasileira
Por: Patricia Fachin | 15 Setembro 2016
O movimento político que se convencionou chamar de a “nova direita” no Brasil
vem se constituindo desde o início dos anos 2000, em fóruns de discussão na
internet, nas antigas comunidades do Orkut e, hoje, nas redes sociais, e,
“eventualmente, desses fóruns da internet é que saem novos militantes que
participarão ou fundarão novas organizações e que participarão de partidos”, diz
Camila Rocha, à IHU OnLine, na entrevista a seguir, concedida por
telefone.
Confira a entrevista.
IHU OnLine – Em que consiste sua pesquisa sobre a militância da
direita? Quem são os militantes de direita hoje no Brasil? Há um
perfil hegemônico ou há diferentes vertentes de direita hoje no país?
Os libertários
A nova direita defende privatizações de empresas públicas,
privatização de serviços como educação e saúde e o
pagamento de mensalidades em universidades públicas
IHU OnLine Então, na pauta sobre moralidade, a esquerda hoje
converge com esses grupos de direita?
IHU OnLine Quais são as distinções que percebe entre a nova e a
velha direita?
IHU OnLine – Então, você associa o crescimento da militância de
direita ao uso da internet? Mais recentemente, o momento político
do país também tem favorecido esse movimento? A que outras razões
atribui esse fenômeno?
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9/19/2016 Instituto Humanitas Unisinos - IHU - A nova direita brasileira surge na onda anti-PT e quer se descolar da velha direita desenvolvimentista. Entrevista esp…
Naquela época a conjuntura política estava longe de parecer o que vivemos hoje,
mas as sementes da nova direita já estavam ali. Esses grupos foram crescendo,
ganhando organicidade, foram sendo fundadas novas organizações, essas
pessoas começaram a se conhecer, inclusive fora do ambiente da internet, e esse
processo começou a se desenrolar mais um pouco antes de junho de 2013,
quando esses grupos foram ganhando maior capacidade de atração.
O boom de 2013
Para dar um exemplo mais concreto, vou citar o caso do Rodrigo
Constantino. Em 2005 e 2006, ele participava dessas comunidades do Orkut,
discutia ideias liberais, tinha uma inserção nesse campo, mas era recém-
formado em Economia pela PUC, trabalhava no mercado financeiro e esse
espaço de discussão era uma espécie de hobby. Com o passar do tempo, ele foi
conhecendo as pessoas, foi ficando mais conhecido naquele meio específico e em
2013 ele decidiu fazer da sua militância algo mais profissional, quando se tornou
colunista em vários meios de comunicação. Ele já escrevia alguns livros e uma
das suas obras mais recentes, Esquerda Caviar, vendeu mais de 50 mil cópias
– isso é bastante se pensarmos no mercado editorial brasileiro. Portanto, a partir
de 2013 teve um boom desses grupos e movimentos, que antes eram menores,
mais focalizados, e passaram a ganhar um alcance maior.
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9/19/2016 Instituto Humanitas Unisinos - IHU - A nova direita brasileira surge na onda anti-PT e quer se descolar da velha direita desenvolvimentista. Entrevista esp…
IHU OnLine A nova direita quer se diferenciar de uma imagem de
direita já existente no país, essa que vem do período da Ditadura
Militar? Em que aspectos?
IHU OnLine – Além da questão moral, quais são as pautas dos
diferentes movimentos de direita no âmbito econômico e social?
No que tange a pautas morais e mesmo sociais, existem
tensões, porque esses grupos que se autodenominam
libertários se assemelham muito mais à esquerda
Pauta moral
Outro ponto que é diferente de uma parte significativa da esquerda: eles
também não querem que o Estado faça leis que regulem esses assuntos da vida
íntima das pessoas, como, por exemplo, toda uma demanda de grupos
defensores de direitos humanos, que pede que o Estado faça leis que
criminalizem homofobia ou machismo, para que isso seja diferenciado de crimes
comuns. Os libertários são contra isso. Eles acreditam que todos os problemas
da sociedade civil têm que ser resolvidos no interior da própria sociedade civil e
que o Estado não teria que regular nada, nem teria que fazer lei nenhuma para
reconhecer violações de direitos humanos ou mesmo uma lei que regulasse o
aborto ou a descriminalização do uso de drogas. Se fosse feita uma legalização
das drogas, para esses grupos ela seria muito mais por conta do livre mercado
do que por atuação do Estado. Isso é diferente, provavelmente, do que vários
grupos de esquerda defenderiam e de casos, por exemplo, como o do Uruguai,
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Essas pautas acabam extravasando para outras questões que, à época, não eram
discutidas, como o uso de células-tronco, defesa dos direitos etc. Interessante
que, eventualmente, esses grupos convergem quando alguns setores religiosos
afirmam que têm o direito de ter liberdade de expressão para falar nas igrejas
contra a homossexualidade, e que quando se aprova um projeto como o da
criminalização da homofobia, a liberdade de expressão deles estaria prejudicada.
Esse é um argumento liberal. Então, existem pontos de união no discurso entre
esses militantes mais conservadores e religiosos com os libertários. A despeito de
não concordarem em certas pautas, é possível encontrar vários pontos de
convergência.
Também é importante frisar que antigamente a igreja católica tinha uma força
maior não só na sociedade civil, mas também na política, que hoje está ficando
cada vez mais fraca e sendo ocupada, cada vez mais, por outros segmentos
religiosos.
IHU OnLine Como quais, por exemplo?
IHU OnLine Quais são os teóricos que influenciam as ideias da
direita hoje?
Mas existem outros autores que atuam em contextos específicos. Por exemplo,
autores que se voltam mais para a linha publicista, principalmente para os
militantes mais conservadores. Olavo de Carvalho é uma referência
incontornável. Ele publicou vários livros, principalmente na internet, pois
começou a ser bastante ativo na rede antes mesmo deste boom das redes sociais.
Com certeza os textos e mesmo os podcasts dele são uma referência,
principalmente para militantes mais conservadores.
escrevem livros voltados para o grande público e não são acadêmicos, mas, bem
ou mal, acabam fazendo uma espécie de simplificação dos argumentos mais
acadêmicos, eruditos e refinados, para o grande público. Isso é muito importante
porque, em certo sentido, eles traduzem para uma linguagem mais acessível e
que dialoga melhor com os dilemas contemporâneos os pressupostos ideológicos
e filosóficos desses outros autores que mencionei.
IHU OnLine Quais são as organizações que representam as
correntes de direita no Brasil hoje?
Isso foi bem importante, porque vários desses jovens que se organizaram em
torno da tentativa de fundação desse partido, depois fundaram outras
organizações e foram fazer parte de outros partidos. Para citar um exemplo, um
desses jovens, Bernardo Santoro, participou ativamente da tentativa de
fundação do Partido Libertário, chegou a exercer a função de vice-presidente
do que seria o partido, e depois assumiu um cargo como diretor do Instituto
Liberal, que é o que chamamos de think tanks [2], que é um instituto que
basicamente elabora e dá publicidade a propostas de políticas públicas e também
traduz e publica livros de autores liberais. Depois disso ele foi convidado para
ajudar a fazer o programa político do Partido Social Cristão – PSC, que é o
partido da família do Bolsonaro. Inclusive, atualmente, o Bernardo Santoro
está participando ativamente e é – se não me engano – coordenador de
campanha de um dos filhos do Bolsonaro à prefeitura do Rio de Janeiro. Isso
mostra o tipo de trajetória que os membros da nova direita têm: começaram na
internet, nas comunidades de Orkut, foram agrupando pessoas e chegaram a ter
uma militância mais orgânica, em organizações e partidos.
Entre as organizações que existem hoje, há uma porosidade entre elas, pois uma
mesma pessoa pode fazer parte de várias organizações e até mesmo de partidos.
Então, além desses partidos, há militantes de direita no PP, no DEM e até no
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Então, além desses partidos, há militantes de direita no PP, no DEM e até no
PSDB. Existe uma concepção de que a atuação partidária se daria de forma mais
focada e mais orgânica nesses três partidos – PSL, NOVO e PSC – e se daria de
forma mais difusa, como uma espécie de frente, abrangendo partidos que vão do
centro até a extrema-direita, inclusive partidos mais consolidados.
IHU OnLine – O Movimento Brasil Livre MBL também tem
desempenhado um papel na conquista de militância para a direita?
À medida que a crise política foi se aprofundando e a
conjuntura política foi ficando cada vez mais favorável para
a nova direita, eles conseguiram atrair novos militantes
Esses jovens foram sendo atraídos por esses militantes mais experientes, e, à
medida que as manifestações e a própria conjuntura foram se intensificando e se
desenvolvendo, esses jovens foram conquistando maior destaque no movimento
e os militantes mais experientes, como sempre, começaram a se afastar.
Justamente como eram mais experientes e estavam engajados em outros
projetos, acabaram dando preferência para esses outros projetos e deixando o
movimento mais a cargo dos militantes mais jovens. Então, com certeza o MBL
está inserido em todo esse universo de organizações e partidos da nova
direita.
IHU OnLine Como se dá a militância deles além das manifestações
online? Eles desenvolvem um trabalho de base, de formação
política, como a esquerda fazia nos anos 80?
IHU OnLine – Então, conforme o que você disse antes, grupos de
direita participaram de junho de 2013? Como eles compreenderam
esse momento? A esquerda está bastante dividida no entendimento
desse fenômeno. A direita também?
IHU OnLine A esquerda está perdendo militância para a direita ou
não dá para fazer um diagnóstico desse tipo?
Camila Rocha – Dizer que ela está perdendo seria um pouco precipitado. Mas
é importante destacar que – e isso de fato é algo que está acontecendo – vários
dos novos militantes que vêm sendo atraídos pelos setores que compõem a nova
direita são jovens, a maior parte deles com grau universitário e que têm contato,
na própria universidade, com o movimento estudantil ou com militantes de
esquerda. No entanto, por não se identificarem ou por sentirem que são –
segundo militantes já me relataram - perseguidos ou coagidos por militantes de
esquerda ou por grupos do movimento estudantil, embora nem sempre tenham
uma posição política muito definida, acabam indo militar na direita.
Mas uma coisa é fato: atualmente, os discursos da nova direita têm, sim, atraído
muitos jovens e universitários, que são segmentos que, por excelência,
costumavam se mobilizar à esquerda, ou terem posições políticas mais alinhadas
à esquerda.
IHU OnLine E a militância da direita também está sendo formada
por grupos mais heterogêneos socialmente, como por jovens de
classe média baixa?
Se houve um erro estratégico da esquerda, com certeza
estaria nisso de fazer políticas públicas sem haver qualquer
tipo de política que seja mobilizadora
IHU OnLine A disputa entre direita e esquerda ficará mais acirrada
daqui para frente?
IHU OnLine Como você vê esse novo momento político que o país
vive, em que há uma disputa por ideias e pelo espaço público, com o
surgimento de novas organizações à esquerda e à direita?
Camila Rocha – Talvez algumas pessoas possam encarar o que vou falar com
um pouco de receio, mas acredito que esse fenômeno é positivo porque é bom
que exista uma politização no campo da direita, e é bom que essas pessoas
participem, cada vez mais, do debate público, não só em termos de
democratização, mas no sentido de que quanto mais pessoas se envolverem,
melhor a qualidade do debate. A própria esquerda tem que “correr atrás”, tem
que responder não só em termos de políticas práticas, de militância, mas até no
sentido de os intelectuais públicos de esquerda se posicionarem, eventualmente,
frente a essas questões. É preciso considerar que cada vez mais surgirão
intelectuais da nova direita ou, pelo menos, porta-vozes ou publicistas. Com
toda essa onda de publicações que estão no campo da nova direita, seria
interessante que jornalistas e intelectuais de esquerda passassem também a
publicar livros de maior circulação, que pretendam atingir um público maior.
Notas:
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