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9/19/2016 Instituto Humanitas Unisinos - IHU - A nova direita brasileira surge na onda anti-PT e quer se descolar da velha direita

desenvolvimentista. Entrevista esp…

A nova direita brasileira surge na onda anti-


PT e quer se descolar da velha direita
desenvolvimentista. Entrevista especial com
Camila Rocha

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Por: Patricia Fachin | 15 Setembro 2016

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O movimento político que se convencionou chamar de a “nova direita” no Brasil
vem se constituindo desde o início dos anos 2000, em fóruns de discussão na
internet, nas antigas comunidades do Orkut e, hoje, nas redes sociais, e,
“eventualmente, desses fóruns da internet é que saem novos militantes que
participarão ou fundarão novas organizações e que participarão de partidos”, diz
Camila Rocha, à IHU On­Line, na entrevista a seguir, concedida por


telefone.

Camila Rocha está desenvolvendo sua pesquisa de doutorado na USP, que


tem como mote analisar a direita liberal dos anos 1980, sua militância e de que
modo elas atuam na sociedade civil e na política nos dias atuais e a partir disso
faz uma comparação entre o modo de atuação nos anos 80 e nos dias de
hoje. Neste cenário, ela acaba acompanhando a militância da nova direita que,
“um pouco antes de junho de 2013”, passou a ter mais “capacidade de
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“um pouco antes de junho de 2013”, passou a ter mais “capacidade de
atração”. “Várias das lideranças e militantes da nova direita viram junho com
bons olhos” porque essas manifestações foram “uma oportunidade para eles
poderem aparecer mais para o grande público, para atrair militâncias”, relata.

De acordo com Camila, a nova direita é constituída de grupos heterogêneos,


que se esforçam para não serem identificados com a velha direita brasileira, que
tem origens na Ditadura Militar, no PFL e no PP. “O grosso das pessoas que
se identificam como nova direita, ou que pelo menos fariam parte dessa nova
direita, tem como novidade negar esse aspecto; eles não querem se identificar,
de jeito nenhum, com os governos militares e, mais do que isso, querem se
diferenciar, também, alegando que esses governos, para eles, atuavam em
moldes estatistas e desenvolvimentistas, o que eles negam em absoluto. Boa
parte dos militantes da nova direita diriam que, na verdade, o que eles querem é
um modelo de livre mercado e privatizações, que é o oposto do que existia na
ditadura militar. Esse corte é importante”, explica.

Na entrevista a seguir, Camila apresenta alguns dos elementos que diferenciam


a nova direita da velha direita e da esquerda, e um deles é justamente a
não adesão à intervenção estatal nas diferentes esferas da vida pública e
privada. No campo da economia, diz, “todos eles, basicamente, se
autodenominam liberais” e “não querem que o Estado faça leis que regulem
esses assuntos da vida íntima das pessoas. (...) Eles acreditam que todos os
problemas da sociedade civil têm que ser resolvidos no interior da própria
sociedade civil e que o Estado não teria que regular nada, nem teria que fazer lei
nenhuma para reconhecer violações de direitos humanos ou mesmo uma lei que
regulasse o aborto ou a descriminalização do uso de drogas”.

A pesquisadora destaca também que as ideias da nova direita têm chamado a


atenção dos jovens, especialmente dos universitários, mas não está mais
vinculada à classe média alta ou ao empresariado. Na avaliação dela, esse
fenômeno pode ser explicado a partir do “modo operandi dos governos do PT”,
que “prescinde de politização” e “de mobilização política”, já que programas
sociais “simplesmente são feitos a despeito das pessoas que participam deles
terem algum tipo de conselho para discutir o resultado dessas políticas, de como
elas impactam suas vidas”.

Apesar das tensões políticas que caracterizam a atual conjuntura, Camila


Rocha frisa “que quando esses movimentos passam a se tornar públicos, isso
facilita, inclusive, para o público refletir sobre o que é, afinal, a nova direita e
analisar se se identifica com ela ou com a esquerda”. E acrescenta: “Isso
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analisar se se identifica com ela ou com a esquerda”. E acrescenta: “Isso
também torna mais claras as posições dos atores no jogo político. É muito difícil
quando existe um jogo político muito nebuloso, principalmente no Brasil, em
que temos partidos de direita fazendo alianças com partidos de esquerda e, às
vezes, partidos que são formados com objetivos clientelistas e que não têm
nenhum tipo de compromisso ideológico”.

Camila Rocha é graduada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo –


USP e mestra em Ciência Política pela mesma universidade.

Confira a entrevista.

IHU On­Line – Em que consiste sua pesquisa sobre a militância da
direita? Quem são os militantes de direita hoje no Brasil? Há um
perfil hegemônico ou há diferentes vertentes de direita hoje no país?

Camila Rocha – Minha pesquisa de doutorado é mais especificamente sobre a


direita liberal dos anos 1980, que se mantém até hoje, mas atualmente existem
vários grupos que formam o que se chama de nova direita, os quais têm
relações entre si, mas também têm tensões; eles estão longe de ser um
movimento homogêneo.

Os libertários

A nova direita defende privatizações de empresas públicas,
privatização de serviços como educação e saúde e o
pagamento de mensalidades em universidades públicas

Simplificando um pouco, é possível dizer que existem desde grupos –


geralmente menores – que chamamos de ultraliberais, que se autodenominam
libertários ou libertarianos, até grupos que são bastante conservadores,
mais na linha das pessoas que militam, por exemplo, no Partido Social
Cristão – PSC, que é o partido do Jair Bolsonaro e do Pastor Everaldo. O
mais interessante é que entre esses dois extremos – libertários e os militantes do
PSC – todos obviamente são anti­PT e contra a esquerda de forma geral, mas
também compartilham, em maior grau para os ultraliberais e libertários e em
menor grau no partido do Bolsonaro, o mesmo “ar” no que diz respeito a
posições sobre livre mercado e menos Estado. Ou seja, defendem
privatizações de empresas públicas, privatização de serviços como educação e
saúde e o pagamento de mensalidades em universidades públicas.
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saúde e o pagamento de mensalidades em universidades públicas.

Muitos desses militantes que se autodenominam libertários, como são


partidários, geralmente se organizam em vários partidos, mas se concentram em
um partido menor, que é o Partido Social Liberal – PSL, que agora tem uma
tendência chamada Livres, e também no Partido Novo, que foi recém-criado
por um executivo do Banco Itaú. Esses militantes, normalmente, são favoráveis à
descriminalização do aborto, e vários deles foram à marcha da maconha, pois
são a favor da liberação das drogas, logo, eles têm posições mais progressistas no
que tange a costumes.

IHU On­Line ­ Então, na pauta sobre moralidade, a esquerda hoje
converge com esses grupos de direita?

Camila Rocha ­ Sim. Por exemplo, às vezes a militância mais conservadora é


favorável ou simplesmente não é contrária a pautas como a liberação do
casamento homossexual ou a possibilidade de os homossexuais adotarem
crianças. Então, se pensarmos na “nova direita”, existe, sim, uma onda
geracional - estou falando isso com base em entrevistas que fiz com militantes e
com lideranças desse campo que são pessoas que têm entre 16 e, no máximo, 40
anos e que já têm uma visão diferente em várias pautas no campo da moral. Isso
acaba fazendo, às vezes, com que eles sejam menos conservadores a despeito de
serem de direita.

Outro ponto interessante é que nem todos esses militantes se afirmam de


direita; isso é algo controverso. Alguns, sim, falam que são de direita ou que são
conservadores ou conservadores liberais, mas outros acreditam que essa divisão
entre direita e esquerda está superada, que isso não faria mais sentido e que,
na verdade, existem pessoas que são mais liberais e mais estatistas, então, eles
não gostam de se autodefinir dentro desse espectro de direita e esquerda.

IHU On­Line ­ Quais são as distinções que percebe entre a nova e a
velha direita?

Camila Rocha – Antes de responder a sua pergunta, gostaria de ressaltar que


estou sempre falando de grupos que são razoavelmente institucionalizados, ou
seja, eles fazem parte de organizações formais da sociedade civil ou partidárias,
ou têm pelo menos uma expressão partidária. Não estou falando de grupos que
sejam, eventualmente, fascistas de fato ou nazifascistas ou que se organizam em
determinadas manifestações e passeatas de forma menos orgânica e depois se
dispersam.
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dispersam.

A velha e a nova direita


Então, para responder à questão, nos anos 1980, o partido que melhor
expressava a direita, ideologicamente, a despeito de ter uma face clientelista, era
o Partido da Frente Liberal ­ PFL, hoje DEM, e, com menor ênfase, o
partido do Maluf, o PP. Isso foi se modificando com o tempo, mas as diferenças
dos anos 1980 para cá – agora estou falando mais da direita liberal – é que
nos anos 1980 e 1990 esse era um campo majoritariamente ocupado por
segmentos de elites empresariais, acadêmicas e tecnocratas, que eventualmente
faziam parte dos governos em vários níveis. Hoje, ao contrário, principalmente
por conta da internet e das redes sociais, esse campo acabou se democratizando
e por isso é possível encontrar muita gente de classe média e pessoas com grau
universitário fazendo parte da militância tanto da direita liberal quanto da
direita mais conservadora.

Com a internet surgiu a possibilidade de as pessoas trocarem informações,


passarem a se reconhecer entre si, formarem grupos de discussão etc. Enfim,
esse é um fenômeno que deve ser considerado para pensarmos, inclusive, porque
nós os chamamos de “nova direita”. A interação dessas pessoas nas redes
sociais, a criação de fóruns e a possibilidade de qualquer pessoa fazer um site, se
tornar um youtuber e ter um alcance razoável de público, têm sido um fenômeno
importante. E, eventualmente, desses fóruns da internet é que saem novos
militantes que participarão ou fundarão novas organizações e que participarão
de partidos. Por exemplo, quando o Bolsonaro mudou de partido e foi para o
PSC, segundo uma entrevista que fiz com uma liderança da juventude do
partido, muitos jovens passaram a se filiar ao partido e, provavelmente, esses
jovens fizeram uma associação com o nome do político. Esses jovens tinham
uma socialização, sobretudo, no on-line e não tinham aquele tipo antigo de
socialização política, seja partidária ou em movimento social. Ao contrário, eram
pessoas que se conheciam pela internet, que tinham algumas referências em
comum na rede e que decidiram se filiar ao partido. Esses são alguns dos
aspectos que separariam, por exemplo, o que seria a nova da antiga direita, pois
esses recursos não existiam antes.

IHU On­Line – Então, você associa o crescimento da militância de
direita ao uso da internet? Mais recentemente, o momento político
do país também tem favorecido esse movimento? A que outras razões
atribui esse fenômeno?

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Camila Rocha – Com certeza. Mas quando o ex-presidente Lula foi eleito, já


era possível verificar pequenos grupos de direita – bem pequenos mesmo – se
formando na internet, antes mesmo de o Facebook entrar no Brasil. À época
existia o Orkut, que foi criado em 2004 e já era muito usado no país. Hoje ainda
é possível fazer pesquisas nas comunidades que existiam no Orkut, porque o
Google fez o backup das comunidades, e é possível ver que desde aquela época
existiam comunidades em que as pessoas falavam que o Brasil precisava de uma
nova direita.

Naquela época a conjuntura política estava longe de parecer o que vivemos hoje,
mas as sementes da nova direita já estavam ali. Esses grupos foram crescendo,
ganhando organicidade, foram sendo fundadas novas organizações, essas
pessoas começaram a se conhecer, inclusive fora do ambiente da internet, e esse
processo começou a se desenrolar mais um pouco antes de junho de 2013,
quando esses grupos foram ganhando maior capacidade de atração.

O boom de 2013
Para dar um exemplo mais concreto, vou citar o caso do Rodrigo
Constantino. Em 2005 e 2006, ele participava dessas comunidades do Orkut,
discutia ideias liberais, tinha uma inserção nesse campo, mas era recém-
formado em Economia pela PUC, trabalhava no mercado financeiro e esse
espaço de discussão era uma espécie de hobby. Com o passar do tempo, ele foi
conhecendo as pessoas, foi ficando mais conhecido naquele meio específico e em
2013 ele decidiu fazer da sua militância algo mais profissional, quando se tornou
colunista em vários meios de comunicação. Ele já escrevia alguns livros e uma
das suas obras mais recentes, Esquerda Caviar, vendeu mais de 50 mil cópias
– isso é bastante se pensarmos no mercado editorial brasileiro. Portanto, a partir
de 2013 teve um boom desses grupos e movimentos, que antes eram menores,
mais focalizados, e passaram a ganhar um alcance maior.

Depois também foram surgindo outros livros best­seller, como o Guia


Politicamente Incorreto da História do Brasil, e esse tipo de coisa. A
conjuntura política permitiu que esses grupos passassem, a partir de um
discurso antigoverno, anti-PT e contra a esquerda, a aglutinar mais pessoas e
isso possibilitou que eles tivessem um público maior para exporem suas ideias
sobre política, economia e sociedade.

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Manifestações de Junho de 2013 (Foto: Youtube)

IHU On­Line ­ A nova direita quer se diferenciar de uma imagem de
direita já existente no país, essa que vem do período da Ditadura
Militar? Em que aspectos?

Camila Rocha – Com certeza. Claro que tem um núcleo de militância que


defende ideias da Ditadura e algumas pautas mais relacionadas à soberania e à
defesa do patrimônio nacional, que é mais identificada com a atuação dos
governos militares. Mas o grosso das pessoas que se identificam como nova
direita, ou que pelo menos fariam parte dessa nova direita, tem como novidade
negar esse aspecto; eles não querem se identificar, de jeito nenhum, com os
governos militares e, mais do que isso, querem se diferenciar, também, alegando
que esses governos, para eles, atuavam em moldes estatistas e
desenvolvimentistas, o que eles negam em absoluto. Boa parte dos militantes da
nova direita diriam que, na verdade, o que eles querem é um modelo de livre
mercado e privatizações, que é o oposto do que existia na ditadura militar.
Esse corte é importante.

O Partido da Frente Liberal – PFL, apesar de ter adotado, pelo menos em


parte, uma ideologia liberal no campo da economia, principalmente com
Bornhausen, indica que existe no partido uma continuidade óbvia entre esses
atores políticos que participaram ou participam do PFL ou do DEM e a
ditadura, pois o PFL é um partido que saiu da Arena. Então, os militantes da
nova direita querem frisar essa divisão: antiga direita é esse pessoal que estava
ligado à Ditadura, que é estatista e desenvolvimentista; os militantes da nova
direita, ao contrário, são liberais no campo da economia, não têm nada a ver
com a ditadura mesmo no campo dos direitos humanos, nem com todas as
atrocidades que foram feitas. Inclusive, essa é uma das razões pela qual vários
deles preferem não se dizer de direita, porque como a direita, no Brasil, ainda
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deles preferem não se dizer de direita, porque como a direita, no Brasil, ainda
está muito identificada com esse passado da Ditadura Militar, eles preferem
simplesmente não se dizer de direita para não ter a possibilidade dessa
identificação. Então, como disse, se autodenominam ou como liberais ou como
libertários. São pessoas que estão ligadas ao Partido Novo, ao Partido Social
Liberal, organizações tipo Instituto Mises Brasil, apesar de eles terem um
perfil heterogêneo.

IHU On­Line – Além da questão moral, quais são as pautas dos
diferentes movimentos de direita no âmbito econômico e social?

No que tange a pautas morais e mesmo sociais, existem
tensões, porque esses grupos que se autodenominam
libertários se assemelham muito mais à esquerda

Camila Rocha – No campo da economia, todos eles, basicamente, se


autodenominam liberais. No que tange a pautas morais e mesmo sociais,
existem tensões, porque esses grupos que se autodenominam libertários se
assemelham muito mais à esquerda em relação a essas pautas, mas existe um
porém: esses militantes libertários são a favor de que o Estado não intervenha
em questões de foro íntimo, ou seja, com quem uma pessoa vai casar, se fará um
aborto ou não, se vai adotar uma criança, independentemente de ser
homossexual ou não, isso, segundo eles, não teria que dizer respeito ao Estado.

Pauta moral
Outro ponto que é diferente de uma parte significativa da esquerda: eles
também não querem que o Estado faça leis que regulem esses assuntos da vida
íntima das pessoas, como, por exemplo, toda uma demanda de grupos
defensores de direitos humanos, que pede que o Estado faça leis que
criminalizem homofobia ou machismo, para que isso seja diferenciado de crimes
comuns. Os libertários são contra isso. Eles acreditam que todos os problemas
da sociedade civil têm que ser resolvidos no interior da própria sociedade civil e
que o Estado não teria que regular nada, nem teria que fazer lei nenhuma para
reconhecer violações de direitos humanos ou mesmo uma lei que regulasse o
aborto ou a descriminalização do uso de drogas. Se fosse feita uma legalização
das drogas, para esses grupos ela seria muito mais por conta do livre mercado
do que por atuação do Estado. Isso é diferente, provavelmente, do que vários
grupos de esquerda defenderiam e de casos, por exemplo, como o do Uruguai,
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em que foi feita a legalização da maconha, em que o Estado tem um controle


bastante razoável sobre a venda do produto.

No que tange aos militantes conservadores em pautas morais, pode-se dizer


que eles têm mais semelhança com a direita antiga. Já nos anos 1980 não era
nenhum pouco desprezível a presença das várias igrejas evangélicas e cristãs –
neopentecostais – nas discussões políticas, mas hoje essa presença está muito
mais forte. Várias dessas igrejas passaram a se organizar em partidos, de forma
mais orgânica, e hoje o processo avançou muito e isso também é um ponto que
os diferencia. Hoje temos uma articulação, por exemplo, de diferentes
segmentos religiosos - não só no Congresso, mas também na sociedade civil - em
torno dessas questões, principalmente da questão do aborto. Isso também é
diferente do que existia nos anos 1980, porque há uma organização muito maior
da sociedade civil e de partidos ligados a essas diferentes denominações cristãs
em torno desses assuntos.

Essas pautas acabam extravasando para outras questões que, à época, não eram
discutidas, como o uso de células-tronco, defesa dos direitos etc. Interessante
que, eventualmente, esses grupos convergem quando alguns setores religiosos
afirmam que têm o direito de ter liberdade de expressão para falar nas igrejas
contra a homossexualidade, e que quando se aprova um projeto como o da
criminalização da homofobia, a liberdade de expressão deles estaria prejudicada.
Esse é um argumento liberal. Então, existem pontos de união no discurso entre
esses militantes mais conservadores e religiosos com os libertários. A despeito de
não concordarem em certas pautas, é possível encontrar vários pontos de
convergência.

Também é importante frisar que antigamente a igreja católica tinha uma força
maior não só na sociedade civil, mas também na política, que hoje está ficando
cada vez mais fraca e sendo ocupada, cada vez mais, por outros segmentos
religiosos.

Pauta econômica e social


Essas diferenças extravasam para o campo econômico e social. Há pessoas da
nova direita que não seriam favoráveis, por exemplo, a projetos que
envolvessem maior participação popular ou conselhos ou algo como o orçamento
participativo, nem a projetos de democratização da sociedade, de
democratização do Estado, de maior participação popular nos assuntos de
Estado, porque para a nova direita, simplesmente a população não tem que
emitir qualquer tipo de opinião. A direita pensa diferente, inclusive, sobre o
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emitir qualquer tipo de opinião. A direita pensa diferente, inclusive, sobre o
próprio conceito do que é democracia, porque nas discussões um pouco mais
aprofundadas, em um debate mais teórico e filosófico, existem diferenças
marcantes na própria concepção do que seria democracia, o que seria liberdade e
autonomia. Nesses aspectos existem diferenças marcantes entre esquerda e essa
nova direita.

IHU On­Line ­ Como quais, por exemplo?

Camila Rocha – No limite, é possível dizer que na medida em que a esquerda


valorizaria muito a democracia e os próprios processos de democratização,
enquanto a direita, não. Para ela, nós chegamos até aqui, numa situação em
que todos têm direito ao voto, mas de quatro em quatro anos a pessoa vota e
volta para casa, ou seja, ela não é favorável à extensão desse processo de
democratização. Alguns segmentos são até mais reacionários, acreditam ser
necessário voltar para trás, porque tem muita participação da sociedade, e
outros são mais razoáveis, acreditam que a participação deveria ser mais
ordenada. Não é à toa que, mesmo defendendo o Estado mínimo, a maior parte
deles é favorável a que o Estado detenha o controle das forças de repressão,
como exército e polícia, justamente para manter o controle. São raros os que vão
falar em privatização das forças de segurança.

IHU On­Line ­ Quais são os teóricos que influenciam as ideias da
direita hoje?

Camila Rocha – Existem desde teóricos do campo da economia, como Milton


Friedman, Friedrich August von Hayek e o próprio Ludwig Von Mises.
Há também, mais recentemente, os filósofos que seguem essa linha, entre eles, o
Nozick [1], que é um libertariano que faz uma defesa no que tange à filosofia
moral e à filosofia normativa e dá os fundamentos morais de por que o Estado
deveria ter funções mínimas ou super-reduzidas ou, quase no limite, não existir.

Mas existem outros autores que atuam em contextos específicos. Por exemplo,
autores que se voltam mais para a linha publicista, principalmente para os
militantes mais conservadores. Olavo de Carvalho é uma referência
incontornável. Ele publicou vários livros, principalmente na internet, pois
começou a ser bastante ativo na rede antes mesmo deste boom das redes sociais.
Com certeza os textos e mesmo os podcasts dele são uma referência,
principalmente para militantes mais conservadores.

O próprio Rodrigo Constantino e o Leandro Narloch, que é jornalista,


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escrevem livros voltados para o grande público e não são acadêmicos, mas, bem
ou mal, acabam fazendo uma espécie de simplificação dos argumentos mais
acadêmicos, eruditos e refinados, para o grande público. Isso é muito importante
porque, em certo sentido, eles traduzem para uma linguagem mais acessível e
que dialoga melhor com os dilemas contemporâneos os pressupostos ideológicos
e filosóficos desses outros autores que mencionei.

IHU On­Line ­ Quais são as organizações que representam as
correntes de direita no Brasil hoje?

Camila Rocha – No que tange às organizações partidárias, hoje, diria que


existem três partidos pequenos em que, geralmente, a nova direita se concentra:
Partido Social Liberal – PSL, Partido Novo, que foi recém-fundado, e o
Partido Social Cristão – PSC. É importante dizer que houve uma tentativa
de fundação de um partido que não deu certo, que foi feita no final dos anos
2000, que seria o Líder, um partido libertário brasileiro e que, a despeito de
não ter ido para frente, acabou fazendo com que vários militantes libertários ou
libertarianos tenham tido a possibilidade de ter uma socialização política fora da
internet.

Isso foi bem importante, porque vários desses jovens que se organizaram em
torno da tentativa de fundação desse partido, depois fundaram outras
organizações e foram fazer parte de outros partidos. Para citar um exemplo, um
desses jovens, Bernardo Santoro, participou ativamente da tentativa de
fundação do Partido Libertário, chegou a exercer a função de vice-presidente
do que seria o partido, e depois assumiu um cargo como diretor do Instituto
Liberal, que é o que chamamos de think tanks [2], que é um instituto que
basicamente elabora e dá publicidade a propostas de políticas públicas e também
traduz e publica livros de autores liberais. Depois disso ele foi convidado para
ajudar a fazer o programa político do Partido Social Cristão – PSC, que é o
partido da família do Bolsonaro. Inclusive, atualmente, o Bernardo Santoro
está participando ativamente e é – se não me engano – coordenador de
campanha de um dos filhos do Bolsonaro à prefeitura do Rio de Janeiro. Isso
mostra o tipo de trajetória que os membros da nova direita têm: começaram na
internet, nas comunidades de Orkut, foram agrupando pessoas e chegaram a ter
uma militância mais orgânica, em organizações e partidos.

Entre as organizações que existem hoje, há uma porosidade entre elas, pois uma
mesma pessoa pode fazer parte de várias organizações e até mesmo de partidos.
Então, além desses partidos, há militantes de direita no PP, no DEM e até no
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Então, além desses partidos, há militantes de direita no PP, no DEM e até no
PSDB. Existe uma concepção de que a atuação partidária se daria de forma mais
focada e mais orgânica nesses três partidos – PSL, NOVO e PSC – e se daria de
forma mais difusa, como uma espécie de frente, abrangendo partidos que vão do
centro até a extrema-direita, inclusive partidos mais consolidados.

Organizações da sociedade civil


No que tange às organizações da sociedade civil, existem alguns institutos que
são mais antigos, como o Instituto Liberal, que foi fundado em 1983 no Rio
de Janeiro e até o final dos anos 1990 ainda tinha filial em outros estados
brasileiros, como São Paulo, Brasília e Rio Grande do Sul, onde era
bastante forte. Com o passar do tempo, parte dessas filiais foram fechadas e a
informação mais recente que tenho é de que o Instituto do Rio de Janeiro iria
abrir mão de ter uma sede física para atuar apenas virtualmente. Hoje o atual
presidente do instituto é o Rodrigo Constantino.

Também existem o Instituto de Estudos Empresariais, no Rio Grande do


Sul, o Instituto de Formação de Líderes – IFL, que acredito atuar tanto
em Minas Gerais quanto em São Paulo, o Fórum da Liberdade, que é um
encontro promovido periodicamente pelo Instituto de Estudos Empresariais, e
que reúne muitas lideranças, não só liberais, mas também da nova direita, e o
próprio Olavo de Carvalho já chegou a frequentar esses espaços.

IHU On­Line – O Movimento Brasil Livre ­ MBL também tem
desempenhado um papel na conquista de militância para a direita?

À medida que a crise política foi se aprofundando e a
conjuntura política foi ficando cada vez mais favorável para
a nova direita, eles conseguiram atrair novos militantes

Camila Rocha – Todas as instituições, mais antigas ou mais novas, como o


Instituto Mises ou o Instituto Millenium, que são de meados dos anos
2000, ou a Ordem Livre, que também é mais recente, ou todos os militantes
que ficam orbitando nesses institutos, começaram a participar das
manifestações de junho de 2013 e aí decidiram fundar o Movimento Brasil
Livre, mas de uma forma meio solta, não tão comprometida; o próprio
Bernardo Santoro foi um dos fundadores do movimento. Depois, à medida
que a crise política foi se aprofundando e a conjuntura política foi ficando cada
vez mais favorável para a nova direita,
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9/19/2016 Instituto Humanitas Unisinos - IHU - A nova direita brasileira surge na onda anti-PT e quer se descolar da velha direita desenvolvimentista. Entrevista esp…
vez mais favorável para a nova direita, eles conseguiram atrair novos militantes,
entre eles, os jovens que viraram porta-vozes e figuras mais conhecidas do
Movimento Brasil Livre, como o Kim Kataguiri, por exemplo.

Esses jovens foram sendo atraídos por esses militantes mais experientes, e, à
medida que as manifestações e a própria conjuntura foram se intensificando e se
desenvolvendo, esses jovens foram conquistando maior destaque no movimento
e os militantes mais experientes, como sempre, começaram a se afastar.
Justamente como eram mais experientes e estavam engajados em outros
projetos, acabaram dando preferência para esses outros projetos e deixando o
movimento mais a cargo dos militantes mais jovens. Então, com certeza o MBL
está inserido em todo esse universo de organizações e partidos da nova
direita.

IHU On­Line ­ Como se dá a militância deles além das manifestações
on­line? Eles desenvolvem um trabalho de base, de formação
política, como a esquerda fazia nos anos 80?

Camila Rocha – Existe uma rede off­line e núcleos de formação política,


que estão presentes não só nos partidos, mas também nesses próprios Institutos.
O Instituto Mises já tem uma pós-graduação em Escola Austríaca, publicam
livros, realizam encontros de formação – menos voltados para a política prática e
mais voltados para o conhecimento dos autores de filosofia, e os cânones. Agora,
em termos de política, para atuar na sociedade civil, vários desses militantes
participaram de programas de treinamento no exterior, principalmente nos
Estados Unidos, que são oferecidos por think tanks norte-americanos e que
têm ligação com as organizações da sociedade civil aqui no Brasil.

Por exemplo, vários militantes fazem cursos no Cato Institute ou Atlas


Economic Research Foundation e em programas de formação ligados a um
programa dos Irmãos Koch [3], nos Estados Unidos. Às vezes, a Atlas
Foundation faz programas de treinamento no Brasil, em língua portuguesa,
assim como o Cato também tem uma seção de língua portuguesa, que acabou
virando uma espécie de organização no Brasil, que é ligada umbilicalmente ao
Cato. Eles oferecem programas os mais diversos, desde como aprender a
escrever editoriais de política em jornais e periódicos, até como gerenciar uma
associação think tanks, ou seja, se a pessoa quiser se tornar um “administrador”
de uma organização, eles ensinam como fazer isso.

Essas organizações são ligadas a grupos de direita e tanto a Cato quanto a Atlas


fazem parte dessa constelação de direita,
http://www.ihu.unisinos.br/560085-entrevista-especial-com-camila-rocha que vai desde uma direita mais liberal 13/20
9/19/2016 Instituto Humanitas Unisinos - IHU - A nova direita brasileira surge na onda anti-PT e quer se descolar da velha direita desenvolvimentista. Entrevista esp…
fazem parte dessa constelação de direita, que vai desde uma direita mais liberal
até uma direita mais conservadora. Também têm aqueles grupos que não se
reivindicam nem de direita nem de esquerda, que têm suas próprias
organizações.

IHU On­Line – Então, conforme o que você disse antes, grupos de
direita participaram de junho de 2013? Como eles compreenderam
esse momento? A esquerda está bastante dividida no entendimento
desse fenômeno. A direita também?

Camila Rocha – Eles estiveram presentes, sim, e a impressão que tenho é de


que várias das lideranças e militantes da nova direita viram junho com bons
olhos, porque foi uma oportunidade para eles poderem aparecer mais para o
grande público, para atrair militâncias - o próprio MBL nasceu nas
manifestações de junho.

Em termos das avaliações, como os intelectuais de esquerda costumam fazer


em relação aos ganhos políticos ou avanços ou retrocessos, apostaria que a nova
direita deve ter visto mais avanços do que retrocessos nas manifestações de
junho. Eles devem ter uma percepção de que saíram lucrando com as
manifestações; não que isso signifique que setores de esquerda saíram perdendo,
mas eles viram com bons olhos no sentido de ter sido algo favorável para eles.

IHU On­Line ­ A esquerda está perdendo militância para a direita ou
não dá para fazer um diagnóstico desse tipo?

Camila Rocha – Dizer que ela está perdendo seria um pouco precipitado. Mas
é importante destacar que – e isso de fato é algo que está acontecendo – vários
dos novos militantes que vêm sendo atraídos pelos setores que compõem a nova
direita são jovens, a maior parte deles com grau universitário e que têm contato,
na própria universidade, com o movimento estudantil ou com militantes de
esquerda. No entanto, por não se identificarem ou por sentirem que são –
segundo militantes já me relataram - perseguidos ou coagidos por militantes de
esquerda ou por grupos do movimento estudantil, embora nem sempre tenham
uma posição política muito definida, acabam indo militar na direita.

Nesse sentido, talvez, em algumas situações, por conta da intransigência dos


grupos de esquerda ou por esses grupos não se preocuparem em atrair pessoas
que não sejam previamente de esquerda, essas pessoas acabam indo para a
direita. Essas são as situações que esses militantes me relataram, mas não tenho
como dizer qual é a abrangência disso ou quão isso é ou não importante em
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como dizer qual é a abrangência disso ou quão isso é ou não importante em
termos numéricos.

Mas uma coisa é fato: atualmente, os discursos da nova direita têm, sim, atraído
muitos jovens e universitários, que são segmentos que, por excelência,
costumavam se mobilizar à esquerda, ou terem posições políticas mais alinhadas
à esquerda.

IHU On­Line ­ E a militância da direita também está sendo formada
por grupos mais heterogêneos socialmente, como por jovens de
classe média baixa?

Camila Rocha ­ Isso é interessante e é algo que diferencia a nova direita da


velha direita. Hoje, existe uma democratização no campo da direita, onde é
possível encontrar, principalmente, gente de origem de classe média-média e
baixa. Os militantes, em sua maioria, são de classe média e com acesso ao ensino
universitário, seja ele público ou privado, e de vários cursos também. Antes,
muitas dessas pessoas com formação universitária vinham de cursos específicos,
como Economia, Direito, Engenharia e hoje isso é muito mais diversificado, pois
encontraremos as mais variadas formações, como psicologia, arquitetura etc.

IHU On­Line – Recentemente entrevistamos Henrique Costa sobre os


jovens prounistas que não têm uma identificação com o PT ou com a
esquerda, embora tenham sido beneficiados pelo ProUni. Como você
entende esse fenômeno? Isso está ligado a algum erro estratégico da
esquerda ou a um avanço da direita na cena pública?

Camila Rocha – O modo de regulação lulista, ou o modus operandi dos


governos do PT, que fez esses programas – ProUni, Bolsa Família, Minha
Casa Minha Vida -, é um modus operandi que prescinde de politização, de
mobilização política. Isto é, esses programas simplesmente são feitos a despeito
das pessoas que participam deles terem algum tipo de conselho para discutir o
resultado dessas políticas, de como elas impactam suas vidas, ou seja, essas
pessoas, no limite, não foram organizadas pelo partido de nenhuma forma. Isso
faz com que várias pessoas consigam ter acesso à universidade por conta do
programa, pois sem a existência dele, elas não poderiam estudar ou o acesso
seria muito mais difícil, e a despeito disso, elas não se importam muito se o
programa terá continuidade, tampouco têm uma relação de achar bom que
determinado partido tenha feito o programa que os beneficia.

Erro estratégico da esquerda


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Se houve um erro estratégico da esquerda, com certeza
estaria nisso de fazer políticas públicas sem haver qualquer
tipo de política que seja mobilizadora

Nesse sentido, se houve um erro estratégico da esquerda, com certeza estaria


nisso de fazer políticas públicas sem haver qualquer tipo de política que seja
mobilizadora. Essas políticas feitas não só não politizam, como acabam até
despolitizando, porque são entendidas pela população e pelos beneficiários como
dadas, talvez com exceção do Bolsa Família, porque foi muito ligado ao Lula e
muito ventilado na mídia, com muitos debates acalorados. Então, talvez, os
beneficiados do Bolsa Família tenham outra relação com a manutenção do
programa.

Também é importante destacar que vários militantes falaram nas entrevistas


sobre a própria decepção com o governo no que tange aos escândalos de
corrupção. Isso é generalizado, e pessoas que tinham votado em Lula nas duas
eleições e tinham alguma identificação com o PT, se afastaram tão radicalmente,
por conta dos escândalos de corrupção, que acabaram indo para a oposição. Se
formos pensar em termos de estratégia, o fato de perder o controle não só sobre
a narrativa desses acontecimentos, mas também sobre a própria forma com que
o partido lidou com a erupção desses escândalos, com certeza afetou muito a
imagem não só do partido, mas acabou reverberando muito sobre a imagem dos
militantes da nova direita, como se a corrupção fosse uma coisa generalizada
da esquerda.

IHU On­Line ­ A disputa entre direita e esquerda ficará mais acirrada
daqui para frente?

Camila Rocha – Não sei dizer. A esquerda, de forma geral, parece aturdida


com tudo que aconteceu. Essas manifestações “Fora Temer” tendem a
aglutinar um pouco esses setores de esquerda que ficaram meio aturdidos, sem
saber o que fazer em meio à crise política. Mas, em termos partidários, é muito
difícil dizer o que acontecerá porque, por enquanto, existem candidatos,
principalmente do PSOL, que têm alguma possibilidade de disputa eleitoral,
principalmente o Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro, mas isso ainda está
muito nublado. Tenho a impressão de que, hoje, boa parte dos setores acaba
apostando muito mais em organizações e movimentos da sociedade civil, em
detrimento do partido.
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detrimento do partido.

É interessante ressaltar que todas essas mobilizações de coletivos e de feministas


em torno de uma série de questões de gênero, que aparecem tanto na política
quanto na mídia e nos esportes, é uma forma diferente de a esquerda se
organizar; ou mesmo a manifestação dos estudantes secundaristas é uma forma
diferente de prática política de organização, que não se relaciona diretamente
com formas mais consolidadas de atuação política, sejam partidos ou
movimento social mais centralizado. A esquerda também teria chance de se
reorganizar e se renovar por meio desses movimentos coletivos da sociedade
civil, mais do que pelos partidos.

IHU On­Line ­ Como você vê esse novo momento político que o país
vive, em que há uma disputa por ideias e pelo espaço público, com o
surgimento de novas organizações à esquerda e à direita?

Camila Rocha – Talvez algumas pessoas possam encarar o que vou falar com
um pouco de receio, mas acredito que esse fenômeno é positivo porque é bom
que exista uma politização no campo da direita, e é bom que essas pessoas
participem, cada vez mais, do debate público, não só em termos de
democratização, mas no sentido de que quanto mais pessoas se envolverem,
melhor a qualidade do debate. A própria esquerda tem que “correr atrás”, tem
que responder não só em termos de políticas práticas, de militância, mas até no
sentido de os intelectuais públicos de esquerda se posicionarem, eventualmente,
frente a essas questões. É preciso considerar que cada vez mais surgirão
intelectuais da nova direita ou, pelo menos, porta-vozes ou publicistas. Com
toda essa onda de publicações que estão no campo da nova direita, seria
interessante que jornalistas e intelectuais de esquerda passassem também a
publicar livros de maior circulação, que pretendam atingir um público maior.

É positivo também que, quando esses movimentos passam a se tornar públicos,


isso facilita, inclusive, para o público refletir sobre o que é, afinal, a nova direita
e analisar se se identifica com ela ou se identifica com a esquerda. Isso também
torna mais claras as posições dos atores no jogo político. É muito difícil
quando existe um jogo político muito nebuloso, principalmente no Brasil, em
que temos partidos de direita fazendo alianças com partidos de esquerda e, às
vezes, partidos que são formados com objetivos clientelistas e que não têm
nenhum tipo de compromisso ideológico. Tendo a achar interessante quando
essas posições ficam mais claras, mais facilmente detectáveis para o grande
público, para o eleitorado.
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Notas:

[1] Robert Nozick (1938-2002): foi um filósofo norte-americano e professor da


Universidade Harvard. Foi um proeminente filósofo político americano nas
décadas de 1970 e 1980. Desenvolveu outros trabalhos, menos influentes, nas
áreas de epistemologia e teoria da decisão. A sua obra Anarquia, Estado e
Utopia, de 1974, foi uma resposta libertariana a Uma Teoria da Justiça de John
Rawls, publicada em 1971. (Nota da IHU On­Line)

[2] Think tanks: são organizações ou instituições que atuam no campo dos


grupos de interesse, produzindo e difundindo conhecimento sobre assuntos
estratégicos, com vistas a influenciar transformações sociais, políticas,
econômicas ou científicas. (Nota da IHU On­Line)

[3] Irmãos Koch: Os irmãos e sócios Charles e David Koch são empresários


norte-americanos, donos do Charles Koch Institute e ocupam sexto e sétimo
lugar na lista dos mais ricos da Forbes. Há ainda Bill Koch, o caçula, brigado
com os irmãos e com um império independente, mas também financiador ativo
de políticos conservadores e o primogênito Frederick Koch, que não se interessa
pelos negócios da família. (Nota da IHU On­Line)

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