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Sobre a dinâmica da transferência (Freud, 1912)

● As condições estipuladas pelo sujeito para o amor, a satisfação das pulsões e suas
metas são resultado de predisposições inatas e influências na infância. Surge daí
um clichê (ou vários), que é repetido regularmente ao longo da vida e reeditado
conforme permitido pelas condições exteriores e pela natureza dos objetos de amor
acessíveis. Apenas uma parte dessas emoções determinantes da vida amorosa se
desenvolveu psiquicamente plenamente, está inclinada à realidade e acessível à
consciência. Outra parte dessas moções só teve expansão na fantasia ou
manteve-se completamente no inconsciente. Se não há satisfação da necessidade
de amor pela realidade, o sujeito terá que se aproximar das novas pessoas próximas
com representações de expectativas libidinosas.
● Por isso, é normal que uma pessoa insatisfeita parcialmente tenha seu investimento
libidinal, carregado de expectativa, direcionado para a figura do psicanalista. Esse
investimento será guiado por modelos, dará sequência a um clichê, e o analista será
inserido em uma das “sequências psíquicas” formadas até então pelo paciente. A
transferência pode ocorrer a partir da imagem do pai (expressão de Carl Jung), do
imago da mãe ou do irmão.

Há dois pontos ainda obscuros sobre a dinâmica da transferência:

(1) Por que a transferência é tão mais intensa na análise em casos de pessoas neuróticas?

● Todas as vezes em que há impedimento das associações livres do paciente,


pode-se resolver o impasse garantindo ao paciente que ele agora está dominado por
uma ideia relacionada à pessoa do analista ou a algo ligado a ele. Esse
esclarecimento faz o obstáculo desaparecer, ou ocorre a transformação da situação
de fracasso em uma situação de ocultação de tais ideias que lhe ocorreram.
● Freud esclarece a primeira questão afirmando que a intensidade da transferência
deve ser atribuída à neurose, e não à psicanálise. A transferência ocorre com maior
intensidade em instituições onde pacientes neuróticos não têm tratamento
psicanalítico. A segunda questão exige mais atenção e maior aprofundamento.

(2) Por que a transferência, que fora da análise possui efeito de cura e é condição para o
tratamento bem sucedido, durante a análise é a mais forte resistência contra o tratamento?

● A introversão da libido (outra expressão de Jung) é um pré-requisito de toda


psiconeurose. Nesse processo há diminuição da porção da libido que pode chegar à
consciência, e há um aumento proporcional da porção da libido inconsciente,
separada da realidade, que ainda alimenta as fantasias do sujeito. Houve um
movimento (parcial ou total) da libido em direção à regressão, causando reanimação
das imagens infantis.
● O objetivo do tratamento psicanalítico é resgatar a libido, torná-la acessível à
consciência e, finalmente, colocá-la a serviço da realidade. Quando a investigação
analítica chega à libido recolhida, ocorre uma luta; as forças que provocaram a
regressão da libido tornam-se “resistências”, para que esse novo estado seja
conservado. No entanto, há resistências mais fortes. Os complexos inconscientes
(ou, mais precisamente: as partes desses complexos que pertencem ao
inconsciente) sempre exerceram atração sobre a libido disponível à personalidade,
que resvalou para a regressão, por causa da perda de intensidade da atração da
realidade. Para libertar essa libido, é necessário superar essa atração do
inconsciente, ou seja, é preciso que haja a suspensão do recalque das pulsões
inconscientes e de suas produções.
● A análise luta contra a resistência, que acompanha o tratamento passo a passo; as
ocorrências [Einfall] e atos do analisando prestam contas à resistência e colocam-se
como um acordo entre as forças que buscam a cura e aquelas que se opõem.
● Se seguirmos um complexo patogênico (evidente como sintoma ou imperceptível) da
sua representação no consciente até sua origem no inconsciente, chegaremos a um
ponto onde a resistência é evidenciada de forma tão clara, que a próxima ocorrência
[Einfall] vai necessariamente aparecer como um acordo entre as suas exigências e
às do trabalho psicanalítico. É aqui que entra em cena a transferência. A
transferência se dá se houver algo da matéria do complexo (o conteúdo do
complexo) que é adequado para ser transferido à pessoa do analista, resultando na
ideia seguinte e apresentando-se por meio dos sinais de uma resistência, como uma
interrupção, por exemplo. Essa ideia de transferência também satisfaz a resistência,
por isso chegou à consciência antes de qualquer outra ocorrência. Sempre que
acontecer uma aproximação de um complexo patogênico, a parte do complexo que
possui capacidade de transferência é impelida para a consciência e defendida
insistentemente.

Transferência como resistência


Por que há tão perfeita adequação da transferência como meio de resistência? A confissão
da moção de desejo para o objeto de desejo é difícil, e a transferência para o analista
poderia aliviar o peso dessa confissão, mas por que ela a dificulta?

Para compreendermos o uso da transferência como meios para a resistência, não podemos
pensar apenas em uma “transferência” pura. É necessário separá-la em dois tipos:

(a) transferência positiva: transferência de sentimentos carinhosos e

(b) transferência negativa: transferência de sentimentos hostis.

A transferência positiva ainda se divide entre transferência de sentimentos carinhosos e


simpáticos, que podem chegar à consciência, e na transferência que segue pelo
inconsciente.

● Esses sentimentos geralmente têm origem erótica. Todas as nossas relações


emotivas ao longo da vida, como amizade, confiança e simpatia, têm associação
genética com a sexualidade. Seu desenvolvimento se deu a partir de desejos
puramente sexuais, mas com a meta enfraquecida, mesmo que eles apareçam
como não sensuais e puros à nossa autopercepção consciente. Em nossa origem,
tínhamos conhecimento apenas de metas sexuais; de acordo com a Psicanálise, as
pessoas que admiramos ou de quem gostamos podem ser ainda objetos sexuais no
nosso inconsciente.

A resposta à questão sobre a atuação da transferência na resistência é a seguinte:

● A transferência ao analista só se mostra favorável à resistência durante o tratamento


quando se tratar de transferência negativa ou de transferência positiva de emoções
eróticas recalcadas. Esses dois componentes do ato emotivo podem ser
desprendidos do psicanalista se houver “suspensão” da transferência, tornando-a
consciente; o componente não-repulsivo capaz de chegar à consciência contínua
como elemento de sucesso da análise, assim como em outras formas de tratamento.
Nesse sentido, pode-se dizer que há sugestão na base dos resultados da
Psicanálise, mas sugestão no sentido apresentado por Ferenczi: “o sugestionamento
de uma pessoa por meio dos fenômenos de transferência que nela são possíveis”.
● A resistência de transferência só aparece na Psicanálise? Não. Nas instituições, a
ruptura da transferência negativa ocorre com bastante frequência. A transferência
erótica se mostra de forma clara como resistência contra a cura, mantendo o
paciente ”preso” na instituição.
● A marca específica dos neuróticos é um alto grau de ambivalência (transferência
negativa e transferência carinhosa direcionadas à mesma pessoa, ao mesmo
tempo). Essa ambivalência explica a disposição das pessoas neuróticas utilizarem
as transferências em prol da resistência. A possibilidade de cura e influência termina
onde a capacidade de transferência se torna essencialmente negativa, como no
caso dos paranoides.
● Ainda há outro ponto a ser explicado sobre o problema da transferência. Quando
entra no domínio de uma farta resistência transferencial, o paciente pode se lançar
ao analista, passar a desprezar a regra psicanalítica fundamental de falar tudo que
vem à mente sem censuras, se esquecer dos princípios do início do tratamento e
ficar indiferente à relações e conclusões lógicas que antes o impressionaram. Esses
fatores são resultado de um deslocamento para uma situação analítica provocada
pelo tratamento.
● O tratamento analítico deseja lembrar as emoções inconscientes, mas elas não
querem ser lembradas; elas almejam a própria reprodução, conforme a
atemporalidade e a capacidade alucinatória do inconsciente. Os resultados do
despertar das emoções inconscientes são experienciados pelo paciente com
atualidade e realidade, como ocorre nos sonhos; a pessoa deseja satisfazer suas
paixões, desconsiderando a situação real.
● O psicanalista tem como objetivo fazer com que o paciente contextualize essas
emoções emocionais no tratamento e em sua história de vida, subordine-as à
observação racional e reconheça-as em seu valor psíquico. Essa batalha entre
psicanalista e analisando, entre intelecto e pulsões, entre o reconhecimento e a
vontade de agir, ocorre quase com exclusividade nos fenômenos de transferência. A
vitória nesse campo se expressa como cura duradoura da neurose.
● É impossível negar as dificuldades que o controle dos fenômenos de transferência
pode oferecer ao psicanalista, mas são precisamente elas que realizam o precioso
trabalho de promover a manifestação e atualização das emoções amorosas
esquecidas e ocultas dos pacientes.

Recomendações ao médico para o tratamento psicanalítico (Freud, 1912)

Nesse texto Freud ainda faz recomendações aos médicos que exercem a psicanálise, mas
em “A questão da análise leiga” ele mesmo discute se a análise deveria ou não ser
exclusividade dos médicos. Embora a Psicanálise tenha origem na medicina (Freud era
neurologista), ela não é uma prática exclusiva de profissionais com essa formação. Desse
modo, leia as “recomendações ao médico que pratica a psicanálise” como dirigidas aos
analistas em geral.
● a) Pode parecer difícil para o analista manter na memória e não confundir as
inúmeras informações de diversos pacientes. Contudo, a técnica sugerida por Freud
é muito simples. Consiste unicamente em não querer memorizar nada
especificamente, e sim prestar a mesma “atenção equiflutuante” ao que se ouve.
● A “regra psicanalítica fundamental” para o analisando é falar sobre tudo que vem à
mente, sem criticar ou selecionar. A contraparte do analista é lembrar de tudo
igualmente. A regra para o médico é não permitir influências conscientes em sua
capacidade de memorização, e sim utilizar sua “memória inconsciente”, ou seja,
ouvir o que for dito e não se preocupar se vai se lembrar ou não de algo. O material
se tornará disponível à consciência do médico assim que houver uma
contextualização.
● b) Freud não recomenda que o analista faça anotações extensas, nem registros da
sessão. Além de causar uma má impressão em alguns pacientes, aqui valem os
mesmos aspectos da memorização. Enquanto anotamos, selecionamos de forma
nociva o material, além de ocupar parte da própria atividade intelectual, que deveria
ser melhor aplicada na interpretação do que é ouvido. Exceções à regra são aceitas
em casos de datas, resultados específicos relevantes ou textos de sonho.
● c) Caso a intenção seja usar o caso tratado em uma publicação científica, a
anotação durante a sessão de análise seria justificada. Porém, obtêm-se menos
benefícios de registros do histórico analítico de um transtorno do que se poderia
esperar.
● d) O trabalho analítico tem como um de seus méritos a coincidência entre pesquisa
e tratamento, contudo há uma oposição entre a técnica utilizada em um e a outra. O
comportamento correto do psicanalista é se alçar entre configurações psíquicas, não
fazer especulações ou meditar enquanto analisa e só trabalhar o material obtido, por
meio do pensamento, depois do término da análise.
● e) Freud recomenda que no tratamento psicanalítico se aja como, por exemplo, um
cirurgião que, suspendendo seus afetos e compaixão humana, tem como único
objetivo estabelecido para suas forças psíquicas a realização da operação da forma
mais perfeita possível. Essa frieza necessária ao analista justifica-se porque cria
condições mais favoráveis para os dois lados: oferece maior amplitude de
assistência ao paciente e preserva a vida afetiva do médico.
● f) Essas regras confluem no objetivo de produzir no psicanalista o contraponto da
“regra psicanalítica fundamental”. O médico deve ser capaz de interpretar o que foi
dito e reconhecer o inconsciente oculto, sem selecionar as informações por uma
censura própria. Para isso, é necessária uma condição psicológica: o psicanalista
não pode ter dentro de si resistências, que repelem da consciência o material
inconsciente, e provocam uma nova forma de seleção e deformação da análise.
Desse modo, é necessário que ele seja submetido a uma purificação psicanalítica e
tome conhecimento dos próprios complexos que podem atrapalhar a absorção do
conteúdo exposto pelo paciente. Os recalques do próprio analista são como pontos
cegos em sua percepção analítica.
● Como nos tornamos analistas? A análise dos próprios sonhos é suficiente para
muitas pessoas, mas não para todas. Uma boa recomendação é tornar-se um
especialista. Se abrir diante de uma pessoa sem ser pressionado por uma doença
tem várias vantagens: podemos conhecer o oculto em nós em menos tempo e com
menos esforço afetivo, adquirimos convicções e impressões no próprio corpo
inalcançáveis ao ouvir conferências ou estudar por livros, e temos um ganho devido
à relação psíquica que geralmente se estabelece com o guia. O analisando que
souber valorizar o autoconhecimento e o aumento do autocontrole adquiridos pode
prosseguir o desbravamento analítico de si mesmo como uma autoanálise. Aquele
que negligenciar esse cuidado com o próprio psiquismo pode perder capacidade de
aprender com seus analisandos, e pode projetar na Ciência as particularidades de
sua pessoa; isso pode levar descrédito ao método analítico e induzir pessoas sem
experiência ao erro.
● g) A técnica afetiva que consiste em o analista mostrar seus próprios conflitos e
defeitos psíquicos ao paciente não é recomendável. Ela se aproxima dos
tratamentos por sugestão, se afastando da psicanálise, e aumenta no analisando a
incapacidade de superação das resistências mais profundas. Essa técnica também
pode fazer com que o paciente queira inverter a situação, tendo mais interesse na
análise do analista do que em sua própria.
● A postura de intimidade do psicanalista pode dificultar um dos principais objetivos da
terapia: a resolução da transferência. Freud sugere que o analista deve ser opaco e,
tal como um espelho, não mostrar ao analisando nada além do que lhe é mostrado.
● h) Outra tentação a ser evitada é a ambição educativa. O analista deve controlar-se
ao apontar novos objetivos ao doente, e ter tolerância perante a sua fraqueza. Nem
todos são capazes de realizar bem a sublimação de suas pulsões, portanto deve-se
ter cuidado ao indicar isso.
● i) Deve-se ter cuidado com a cooperação intelectual do paciente, especialmente com
aqueles que tendem a praticar a intelectualização. A resolução dos mistérios da
neurose se dá por meio da regra psicanalítica de trazer à tona os materiais do
inconsciente sem crítica. Freud não recomenda oferecer a literatura psicanalítica a
pacientes ou seus parentes, mas afirma que, no caso de internação em uma
instituição, pode haver vantagem no uso da leitura para o estabelecimento de um
clima de influência e para a preparação dos analisandos.
● Freud conclui exprimindo sua esperança de chegar a um consenso, por meio do
progresso nas experiências dos psicanalistas, sobre as questões da técnica a ser
usada para o tratamento mais eficaz dos neuróticos.

Sobre o início do tratamento (Freud, 1913)

● Em um texto de 1913 – Sobre o início do tratamento (ou Início do tratamento) –


Freud apresenta algumas regras para o início do tratamento psicanalítico como
“recomendações”, mas não defende sua obrigatoriedade absoluta.
● Uma mecanização da técnica recebe a oposição da diversidade das constelações
psíquicas, da plasticidade dos processos psíquicos e da riqueza de fatores
determinantes. Contudo, é possível estabelecer uma postura razoavelmente
adequada do psicanalista.
● Freud costuma fazer uma sondagem inicial de duas semanas com seus pacientes,
para decidir se os casos são adequados à Psicanálise. Esse “ensaio” já é o começo
da Psicanálise e deve seguir suas regras. O analista deixa principalmente o paciente
falar, oferecendo apenas esclarecimentos necessários à continuidade de sua
narração.
● Esse início probatório do tratamento psicanalítico também é justificado por questões
de diagnóstico. Mesmo diante de condições psíquicas do sujeito adequadas à
Psicanálise, como uma neurose com sintomas obsessivos ou histéricos de curta
duração e sem manifestação excessiva, precisamos questionar se o caso não é um
estágio prévio de uma dementia praecox (esquizofrenia segundo Bleuler, parafrenia
segundo Freud). Pode haver certa dificuldade no diagnóstico diferencial, e se for um
caso de parafrenia e não de histeria ou neurose obsessiva, o psicanalista não pode
realizar a cura do paciente.
● Longas conversas antes do início do tratamento, uma terapia diferente feita
anteriormente e o conhecimento anterior do analisando pelo psicanalista podem
apresentar algumas desvantagens. Esses fatores podem provocar no paciente uma
postura preconcebida em relação à transferência, tirando a oportunidade do
psicanalista de observar desde o começo o crescimento e o devir da transferência.
Dificuldades específicas podem surgir se houver em algum momento relações
sociais de amizade entre o analista e o paciente ou entre suas famílias.
● A postura dos pacientes (por exemplo: ser cético ou ter muita confiança na
efetividade psicanálise) tem pouca importância; perante às resistências internas que
ancoram a neurose sua confiança ou desconfiança temporárias são pouco
relevantes. A boa-fé inicial do paciente pode ser destroçada na primeira dificuldade
durante o tratamento, e a desconfiança do cético é justamente um sintoma, e não
incomoda se a regra da psicanálise for seguida.
● Mesmo aquele totalmente capaz de psicanalisar os outros pode, como outro mortal
qualquer, produzir intensas resistências quando estiver na posição de objeto da
Psicanálise.
● Freud destaca dois pontos importantes no início do tratamento psicanalítico: as
determinações referentes a tempo e dinheiro.

Em a relação Tempo: Freud segue o princípio de remuneração por hora. Uma


determinada hora é disponibilizada ao paciente, que se torna responsável por ela
mesmo se não a usar. Os cancelamentos “eventuais” podem ameaçar a
sobrevivência material do analista, e as doenças intercorrentes – que podem
acontecer ao longo do período do tratamento psicanalítico – são raras.

● Freud trabalha com seus pacientes todos os dias, exceto domingo e feriados, ou
seja, geralmente seis vezes por semana. Para casos leves ou continuações de
casos já muito avançados, três horas semanais são suficientes. Um trabalho com
maior intervalo de tempo entre as sessões pode trazer o risco do não
acompanhamento da vivência real do analisando e de que o tratamento sofra com
uma perda de contato com a realidade, sendo levado a desvios. Em certas ocasiões,
alguns pacientes precisam de mais que a média de uma hora por dia, porque
gastam a maior parte dessa hora para tornar-se extrovertidos e comunicativos.
● Uma questão colocada pelo paciente no início da terapia que pode incomodar o
psicanalista é: “Quanto tempo irá durar o tratamento? Quanto tempo o senhor
precisa para me libertar do meu sofrimento? ”. A resposta pode ser dada, depois do
período inicial probatório de duas semanas, usando a fábula de Esopo. Um
andarilho pergunta sobre o comprimento do caminho, Esopo responde: “Anda! ”, e
explica que para calcular a duração da caminhada precisa conhecer o passo do
andarilho. A comparação tem como problema a possibilidade de o neurótico mudar
sua velocidade e fazer pouco progresso em certas épocas. Na verdade, a questão
sobre a duração do tratamento psicanalítico praticamente não pode ser respondida.
● De forma direta: a Psicanálise exige longos períodos de tratamento, semestres ou
anos inteiros, sempre mais tempo que o paciente espera. Devido a isso, o
psicanalista deve esclarecer a situação antes que o analisando decida dar início à
análise. Isso também pode ser considerado como prova para uma seleção de
pacientes aptos ao tratamento em psicanálise.
● Um fator importante que impede um tratamento psicanalítico rápido é a
vagarosidade da ocorrência das transformações psíquicas profundas. Os pacientes
podem subdividir seus problemas e buscar na psicanálise um tratamento rápido para
apenas um (por exemplo, dor de cabeça ou certa angústia), mas o psicanalista não
consegue determinar o que virá à tona. O analista pode introduzir o processo (da
dissolução dos recalques), estimulá-lo, supervisioná-lo, tirar obstáculos do caminho,
e também estragá-lo em certa medida. Mas geralmente o processo segue seu
próprio caminho e não permite a escolha de direção nem sequência dos pontos que
irão ser atacados. Analogamente, é como um homem que pode iniciar o processo de
geração de uma criança, mas não pode escolher seu sexo ou a sequência com que
as partes de seu corpo surgirão durante o parto. A neurose possui características de
um organismo, suas manifestações parciais possuem independência em relação às
outras, se condicionam mutuamente, costuma apoiar-se; não se sofre de várias, mas
sempre de uma neurose.

Próximo ponto a se decidir no início do tratamento: o dinheiro a ser pago ao analista:


Na cultura, assuntos que envolvem dinheiro tem um tratamento semelhante ao de
assuntos sexuais: com dubiedade, epicidade e hipocrisia. O psicanalista não
participa disso, e trata as questões financeiras perante o paciente com a mesma
honestidade com que quer educá-lo sobre a vida sexual. Informa-lhe como avalia
seu tempo, sem ser perguntado.

● O tratamento gratuito pode retirar considerável parte do tempo do psicanalista,


aumentar enormemente algumas das resistências dos neuróticos e tirar o paciente
um bom motivo para se dedicar para o fim do tratamento.
● Antes de terminar suas observações sobre o início do tratamento psicanalítico,
Freud apresenta algumas considerações sobre um certo cerimonial da situação
onde acontece o tratamento. Ele aconselha a utilização do divã pelo paciente, que
não vê o psicanalista que senta-se atrás dele. Historicamente, o divã é resquício do
tratamento com hipnose, ponto de partida para o desenvolvimento da Psicanálise.
Mas sua manutenção tem vários motivos. O divã impede que o analisando faça
interpretações a partir das feições do psicanalista, ou que essas feições influenciam
as comunicações do paciente. Essa medida de manter o uso do divã tem como
intenção e efeitos: a prevenção da mistura (imperceptível) da transferência com o
que ocorre ao paciente; o isolamento da transferência, que no tempo certo pode
aflorar como resistência.

Em que ponto e com que material o tratamento deve se iniciar? Antes de tudo, o
psicanalista apresenta a regra fundamental da psicanálise, que prescreve que o
paciente diga tudo que vem à sua mente, sem censura, comportando-se
análogamente à um viajante que descreve as mudanças da paisagem que observa
pela janela de um trem. Após o estabelecimento da regra, o psicanalista deixa a
cargo do paciente a escolha do ponto inicial, e pode solicitar que ele conte o que
sabe a respeito e si.

● O analista não deve esperar ou estimular uma narrativa sistemática, pois tudo será
contado novamente, e nessas repetições surgirão os conteúdos importantes. É
recomendável desaconselhar que o paciente prepare sua narrativa antes da sessão,
com a intenção de aproveitar melhor o tempo. Essas preparações evitam o
surgimento de ocorrências indesejadas, servindo à resistência, que faz com que o
material mais valioso não seja comunicado. Outro comportamento a se evitar é o
“vazamento” de material da análise pelo fato de o paciente falar sobre o tratamento
com outras pessoas. Devemos aconselhar o paciente a encarar o tratamento como
um assunto que diz respeito apenas a si e a seu analista.
● A recusa inicial do paciente em falar, afirmando que nada lhe vem à mente, pode ser
sinal de uma forte resistência defendendo a neurose. Tudo que é associado à
situação presente (por exemplo: pensar sobre os objetos na sala, ou pensar no fato
de que está no divã) corresponde a uma transferência para o analista, apropriada
para uma resistência. O psicanalista é então obrigado a iniciar desvendando essa
transferência, a partir da qual rapidamente encontrará a entrada do material
patogênico do paciente.
● Assim como a primeira resistência, pode haver demanda de um interesse especial
por parte dos primeiros sintomas ou primeiros atos casuais, denunciado um
complexo dominante em sua neurose. Por exemplo: uma jovem pode usar a saia
para esconder o tornozelo à mostra, e mais tarde revelar um orgulho narcísico de
sua beleza física e suas tendências ao exibicionismo.
● O tema da transferência deve permanecer intocado enquanto não houver
interrupções das informações e ocorrências do paciente. Esse procedimento
continua até a transformação da transferência em resistência.

A questão seguinte é em relação à princípios:


Quando as comunicações do psicanalista ao analisando devem começar? Qual é o
momento para o desvendamento do significado secreto de suas ideias espontâneas
[Einfälle], da introdução dele aos pressupostos e procedimentos técnicos da psicanálise?

● Isso só deve ocorrer após a instalação de uma transferência produtiva no paciente,


um rapport razoável. Atrelá-lo à terapia e à pessoa do analista permanece como o
primeiro objetivo. Não é preciso fazer mais nada além de lhe dar tempo. Se o
analista demonstrar interesse verdadeiro, afastar com cuidado as resistências que
apareceram no início e evitar determinados erros de conduta, o paciente vai
estabelecer esses laços, fazendo a associação do analista a uma das imagens das
pessoas das quais costumava receber carinho. Esse primeiro sucesso pode ser
desperdiçado se o psicanalista não adotar um ponto de vista da empatia (uma
postura moralizante, por exemplo), ou se portar como mandatário ou representante
de uma parte interessada, do cônjuge, etc.
● Não se deve informar ao paciente as traduções de seus sintomas ou jogar na cara
dele "soluçoes" logo na primeira sessão. Quanto mais certo for o diagnóstico, mais
forte será a resistência. Mesmo em estágios mais avançados do tratamento, uma
tradução de desejos ou a comunicação de uma solução de sintomas não deve ser
feita antes que o próprio paciente esteja quase lá. Desse modo, o analisando precisa
apenas dar um pequeno passo para ele mesmo se apoderar dessa solução.

Mas será que o psicanalista deveria prolongar o tratamento? Não deveria terminá-lo
o mais rápido possível? O paciente não sofrerá por esse desconhecimento? Para
responder a essas questões, Freud apresenta algumas considerações sobre a
importância do saber e sobre o mecanismo de cura na Psicanálise.

● Nos primórdios da Psicanálise, havia uma postura intelectualista de pensamento,


que dava grande importância ao saber do paciente sobre o que ele havia esquecido.
A expectativa era de que isso levasse a uma rápida conclusão da neurose e do
tratamento, mas isso não se dava. A comunicação e descrição do ocorrido não
levavam à lembrança do trauma recalcado. Como exemplo, Freud conta sobre uma
menina com histeria que teve uma vivência homossexual, revelada pela mãe, que
influenciava a fixação de suas crises histéricas. Sempre que Freud repetia a
narrativa da mãe (que havia flagrado a cena) diante da menina, a reação era um
ataque histérico, e havia o esquecimento da comunicação. A paciente apresentava
uma violenta resistência contra um saber que lhe era empurrado; para se proteger
das informações, ela simulava perda total de memória e imbecilidade [Schwachsinn].
Freud decide retirar do saber a importância que lhe foi atribuída, enfatizando as
resistências, que naquele momento haviam causado o desconhecimento e se
dispunham a defendê-lo. O saber consciente, mesmo quando não era repelido, era
impotente perante essas resistências.
● O estranho comportamento dos doentes, que são capazes de unir um saber
consciente com o desconhecimento, pode ser inexplicável pela Psicologia Normal,
mas a Psicanálise explica por reconhecer o inconsciente. Mesmo que os
analisandos saibam da sua vivência recalcada em seus pensamentos, falta a eles a
ligação com o ponto que contém a lembrança recalcada de alguma forma. A
ocorrência de uma mudança só pode se dar quando o processo de pensamento
consciente chegou até esse ponto e nele superou as resistências do recalque. A
comunicação consciente do material recalcado ao analisando não colocará fim nos
sintomas, mas motivará um processo de pensamento, durante o qual se estabelece
o espera influenciamento da lembrança inconsciente.
● Freud apresenta um panorama do jogo de forças que ganha movimento com o
tratamento. O sofrimento do paciente e seu desejo de cura que daí decorre é o
motor mais direto da terapia. Muita coisa é descontada dessa força motriz,
principalmente o benefício secundário da doença. O tratamento psicanalítico fornece
as grandezas de afeto necessárias para a superação das resistências, por meio da
mobilização de energias que estão preparadas para a transferência; por meio das
informações no tempo adequado, ele mostra ao analisando os caminhos para onde
essas energias devem ser direcionadas. A transferência muitas vezes pode eliminar
os sintomas, mas provisoriamente, enquanto ela mesmo subsistir. Isso seria um
tratamento por sugestão, e não Psicanálise. Na Psicanálise, a intensidade da
transferência é utilizada para superar as resistências. Só assim torna-se impossível
estar doente, mesmo com a dissolução da transferência, como é exigida por sua
determinação.
● O interesse intelectual e a compreensão do analisando são irrelevantes perante as
outras forças presentes na batalha; as novas fontes de força que o paciente deve ao
analista são a transferência e a instrução (por meio da comunicação). A instrução só
é utilizada quando o paciente é levado a ela pela transferência; devido a isso,
exige-se uma forte transferência antes da primeira comunicação. As posteriores
devem esperar pela eliminação do incômodo da transferência através das
resistências transferidas, que surgem uma após a outra.

Recordar, repetir e elaborar (Freud, 1914)


As transformações da técnica psicanalítica

● A técnica da Psicanálise sofreu profundas modificações desde seus


primórdios. No estágio do método catártico de Breuer, se focava o momento
em que os sintomas se formavam, e se buscava permitir a reprodução dos
processos psíquicos daquela situação, para posteriormente conduzi-los a um
decurso [Ablauf] por meio da atividade consciente. Naquele tempo, os
objetivos eram lembrar a ab-reagir por meio do estado hipnótico.
● Após o abandono da hipnose, a intenção era inferir o que o analisando não
conseguia lembrar, a partir das ocorrências livres dele. O objetivo era
contornar a resistência por meio da interpretação e comunicação de seus
resultados ao analisando. Permanecia importante a situação de formação
dos sintomas, mas a abreviação ficou em segundo plano, parecendo
substituída pelo trabalho do paciente para superar a crítica contra as suas
ocorrências (de acordo com a regra fundamental da Psicanálise).
● Finalmente, a técnica atual foi constituída. O psicanalista não mais foca em
um determinado momento ou problema, mas sim se concentra no estudo da
superfície psíquica do paciente, utilizando a arte da interpretação
basicamente para fazer o reconhecimento das resistências que aparecem ali
e para torná-las conscientes para o analisando.
● Ocorre uma nova divisão do trabalho na terapia psicanalítica: o analista atua
revelando as resistências que o paciente desconhecia; com o domínio
dessas resistências, muitas vezes a narração que o analisando faz das
situações e contextos esquecidos flui sem esforço. O objetivo dessas
técnicas continua sem alterações. De forma descritiva: preencher as lacunas
da lembrança, de forma dinâmica: superar as resistências de recalque.

Esquecimento? Em geral, o esquecimento de cenas, impressões e vivências


se reduz a um “bloqueio” delas. Ao falar desse “esquecido”, o paciente quase
sempre diz: “Na verdade, eu sempre soube disso, mas não pensava nisso”.

● Existe outro grupo de processos psíquicos que, como atos exclusivamente


interiores, podem ser contrapostos às impressões e vivências: conexões,
fantasias, emoções de sentimentos, processos de relações. Aqui é comum
que ocorra a “lembrança” de algo que nunca foi percebido e nunca esteve
consciente. A convicção do analisando independe se essa “conexão” esteve
na consciência e foi esquecida ou se nunca foi consciente.
● Em especial nas várias formas de neurose obsessiva, o esquecido
geralmente é limitado ao não reconhecimento de sequências, à dissolução
de nexos e ao isolamento de lembranças.
● Geralmente não é possível evocar uma lembrança de um tipo especial de
vivências, de extrema importância, que são vividas nos primórdios da
infância sem compreensão, mas posteriormente encontram compreensão e
interpretação. Podemos conhecê-las por meio de sonhos e somos obrigados
a acreditar nela devido aos mecanismos da neurose.
● Recordar / repetir / atuar (acting out)
● Mesmo que o analisando não se lembre do que foi esquecido ou recalcado,
ele atua com aquilo. Ele não reproduz o esquecido como lembrança, mas
como ato, ele repete sem saber que repete. Por exemplo: o analisando não
lembra de ter sido incrédulo e rebelde perante a autoridade dos pais, mas se
comporta assim perante o analista.
● Principalmente, o paciente começa o tratamento psicanalítico com a
repetição. Quando, ao se deparar com a regra psicanalítica fundamental
(dizer tudo que lhe vem à mente sem censura), ele pode afirmar que não tem
nada a dizer. Isso pode ser uma repetição de uma postura que se impõe
como resistência contra as lembranças. Essa obsessão da repetição é um
modo de lembrar.
● A resistência é somente uma parcela de repetição, e a repetição é a
transferência de um passado esquecido para o analista e para todos os
aspectos da situação presente. A obsessão da repetição substitui o impulso
para a lembrança em todas as atividades e relações, por exemplo, quando
durante o tratamento o analisando assume uma tarefa, inicia um
empreendimento ou escolhe um objeto de amor.
● Quanto maior for a resistência, mais frequente será a substituição do lembrar
pelo atuar (repetir). Se o início do tratamento se dá sob uma transferência
suave e positiva, de forma não expressa, é possível se aprofundar na
lembrança; porém se no transcorrer do tratamento houver uma mudança
para uma transferência hostil ou excessivamente forte e, devido a isso,
passível de recalcamento, o atuar toma o lugar do lembrar, imediatamente.
● O analisando repete em vez de lembrar, e essa repetição se dá sob as
condições da resistência, mas o que, de fato, ele repete ou atua? Ele repete
tudo o que já foi imposto em sua essência vivente a partir das fontes do
recalque, seus traços de caráter patológicos, suas inibições e posições
inviáveis. Durante o tratamento, ele também repete todos os seus sintomas.
● O destaque da compulsão para a repetição não é um fato novo, mas uma
concepção mais coesa. A doença deve ser tratada como uma potência atual,
não como um assunto histórico. O trabalho terapêutico, que consiste em boa
parte na recondução ao passado, entra enquanto o paciente vivencia o
passado como algo real e atual.
● A repetição durante o tratamento é uma invocação de uma parte da vida real,
que pode levar a uma “piora durante o tratamento”.
● O analisando deve dar atenção às manifestações da doença e fazer as
pazes com o conteúdo recalcado, que tem expressão nos sintomas. A
aproximação das causas da doença pode acirrar conflitos e aflorar sintomas,
mas “não se pode matar um inimigo que está ausente ou que não está perto
o suficiente”. É necessária ao tratamento a condução ao estar doente, mas o
analisando pode ter prazer na permanência nos sintomas; isso ocorre
especialmente com jovens e crianças.
● Durante o tratamento, moções pulsionais novas e mais profundas podem
chegar à repetição. As atitudes do analisando podem provocar danos
passageiros à sua vida fora da transferência, ou desvalorizar a saúde a ser
alcançada.
● O objetivo do psicanalista nessa situação permanece o lembrar à moda
antiga, o represamento em âmbito psíquico dos impulsos que o analisando
quer levar ao âmbito motor, e sua reprodução psíquica (lembrança). Sob um
vínculo de transferência, é possível evitar que o analisando realize ações de
repetição significativas. A melhor forma de protegê-lo de danos
consequentes da execução de seus impulsos é estabelecer com ele um
compromisso de não tomar decisões importantes na vida durante o
tratamento, por exemplo, não escolher uma profissão ou objeto definitivo de
amor. O melhor a se fazer é esperar a cura.
● No manejo da transferência encontra-se o principal recurso para a contenção
da compulsão à repetição e sua reconfiguração em um motivo para a
lembrança. Ao oferecermos uma área onde ela pode se esbaldar, podemos
inocular a compulsão e até torná-la útil. Se houver uma postura colaborativa
por parte do analisando, é possível dar um novo significado a todos os
sintomas da doença, substituindo a neurose comum por uma neurose de
transferência, que pode ser curada pela terapia psicanalítica. A partir das
reações de repetição apresentadas na transferência, e após superarmos as
resistências, as lembranças são despertadas e se instalam com pouco
esforço.

Perlaborar / elaborar :A introdução da superação das resistências ocorre com


o psicanalista descobrindo a resistência e informando ao paciente. É preciso
dar ao analisando tempo para se aprofundar na resistência, para elaborá-la,
superá-la, enquanto continua o tratamento analítico segundo a regra
psicanalítica fundamental. No ápice do trabalho, analistas e analisando, em
conjunto, descobrem as moções pulsionais recalcadas, que nutrem as
resistências.

● Na prática, essa perlaboração das resistências pode ser uma tarefa difícil
para o analisando e exigir paciência do analista. Mas essa é a parte do
tratamento que terá maior influência na transformação do paciente e que
distingue a terapia psicanalítica de todo influenciamento por sugestão. Da
perspectiva teórica, a perlaboração das resistências pode ser comparada à
abreviação dos montantes de afeto retidos pelo recalque, fator de influência
essencial no tratamento hipnótico.

Amor transferencial: significado em clínica psicanalítica

● “Se existe um objeto do teu desejo, ele não é outro senão tu mesmo”
(Jacques Lacan).
● Lacan nesta sua famosa colocação sobre o ato de amar, que sintetiza
os conceitos desenvolvidos no Seminário 8 a respeito da
transferência, afirma que “amar é dar o que não se tem, a alguém que
não o quer.”
● Dessa forma, podemos definir o amor como o ato de doar ao outro a
falta reconhecida em si próprio, o desejo in natura de desejar-se,
levando-nos de volta a outra máxima lacaniana ao concluirmos que
“se existe um objeto de teu desejo, ele não é outro senão tu mesmo”,
pois que, o amante faz-se objeto amado para encontrar no semblante
que apresenta ao outro, a satisfação de seus próprios desejos.

Significado de amor transferencial :“Tornamos a compulsão inócua, e


na verdade útil, concedendo-lhe o direito de afirmar-se num campo
definido. Admiti-la à transferência como a um playground no qual lhe
é permitido expandir-se em liberdade quase completa e no qual se
espera que nos apresenta tudo no tocante à pulsões patogênicas,
que se acha oculto na mente do paciente. Contanto que o paciente
apresente complacência bastante para respeitar as condições
necessárias da análise, alcançamos normalmente sucesso em
fornecer a todos os sintomas da moléstia um novo significado
transferencial e em substituir sua neurose comum por uma neurose
de transferência, da qual pode ser curado pelo trabalho terapêutico.”
(Freud, 1914/1980, p. 201)

● Assim, temos no par analítico (interação analisando-analista) um dos


mais propícios terrenos para o aflorar de todas as possíveis nuances
das mais altas expressões do ato de desejar, pois como não amar a
um outro que supõe-se deter o saber da cura de todas as possíveis
formas de sofrer? Como não desejar a satisfação de continuar
repetidamente a gozar mesmo quando inconscientes do real objeto
desse gozo?
● Como não caminhar para negar as verdades que torturam,
transformando o espelho que grita o “Eu” em um amante que
sussurra o “Outro”? Doa a quem doer, repetir é preciso para que se
faça presente o “Outro” a nos responder “o que quer” (Che vuor?)
travestido do véu de prazer que no suposto amar, se lança a encobrir
as vistas que miravam a angústia transbordante das verdades que
refletem os que se fazem objetos; que miravam tudo que deixaria em
suspenso o conforto do não ser pela angústia do tornar-se.
● “Inferimos desta experiência que a ideia transferencial penetrou na
consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis,
porque ela satisfaz a resistência(…) Reiteradamente, quando nos
aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo
capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a
consciência e defendida com a maior obstinação.” (Sigmund Freud,
1912/1980, p. 138)
● O amor de transferência no contexto psicanalítico: O amor
transferencial surge então, se não adequadamente manejado pelo
analista, como uma das maiores formas de resistência ao processo
de desconstrução e ressignificação de tudo que se faça sintoma, ao
tentar escorraçar o analista de sua função proposta no “contrato
analítico”, reduzindo-o de desconfortáveis porém “curativos” ecos de
verdades que transformam, à múltiplas "vivências" de afetos
passados, tão-somente plenos do poder das mais camufladas formas
de fazer gozar como profundamente entrelaçados às mais variadas
formas de sofrer.
● “Logo percebemos que a transferência é, ela própria, apenas um
fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do
passado esquecido, não apenas para a figura do médico, mas
também para todos os outros aspectos da situação atual.” (Freud,
1912/1980, p. 197)

O que é amor transferencial e qual o papel do analista? A partir dessa


abordagem, pode-se propor como factível o conceito de que, uma vez
no setting analítico, independente de seus desdobramentos e
distintas colorações, no amor transferencial, não estamos lidando
com o ato de amar, mas com as súplicas de um ser que sofre a ansiar
por continuar a sofrer, quando em essência lhe é desconhecida
qualquer possibilidade diferente de vir a ser.

● Desse modo, cabe ao analista consciente de sua posição de objeto


de transferência e responsável fundamental pelo cumprimento do
“acordo analítico”, o manejo de tudo que supostamente lhe seja
endereçado dessa ordem, de modo a impedir, tanto que os anseios
do analisando sejam atendidos, quanto que sejam de súbito
reprimidos, pois atender ou reprimir “o amor não amado” seria trazer
para o “real” do paciente apenas mais uma forma de sofrer
recém-deslocada, pois como poderia um ateu tecer um discurso de
amor ou ódio a um Deus do qual não crê a existência?. Caberia então
ao analista o caminho do meio, agindo pelo não agir ao manter-se
estritamente como objeto, que ao abdicar do julgar ou de outra esfera
desejar, trabalha incansavelmente, a fim de criar um ambiente
favorável ao desmascarar de todos os “outros” que repetidamente
“falam” impedindo o analisando de com sua própria voz falar,
desconstruindo assim toda a cadeia de sons aprisionantes que, uma
vez ressignificados, germinarão de súbito bradar, as infinitas
possibilidades de tudo que antes sofria e agora se faz amar. E eis o
verdadeiro amor, quando o paciente aprende a amar-se e o analista
reafirma o puro amor pela arte de analisar.

O MANEJO DA INTERPRETAÇÃO DE SONHOS NA PSICANÁLISE

● Freud trata a questão da técnica e métodos da interpretação dos sonhos não


como algo rígido e imutável, mas sim a maneira como o analista pode se
utilizar da arte da interpretação, inquestionáveis formas de abordar o assunto,
pode haver mais de um caminho bom, mas alguns maus o que leva a uma
comparação para melhor esclarecer.
● A clínica psicanalítica desperta o interesse no conteúdo dos sonhos trazidos
pelos pacientes, mas não sendo somente algo linear, conteúdos que fazem
sentido primeiramente como um primeiro relato podem ser atropelados por
novos sonhos e assim ter que retomar o primeiro no meio de novos assuntos
que apareceram. A importância do conhecimento da superfície da mente do
paciente para o analista é primordial, pois em qualquer instante complexos e
resistências se ativam e o comportamento consciente é o que o orientará. A
interpretação que aparece em uma sessão deve ser compreendida como
suficiente e não considerar prejuízo se não aparecer todo o conteúdo, deve
ser respeitada a primeira coisa que vem à mente do paciente e assim ir
trabalhando como aparece, com cuidado que a interpretação não seja para o
paciente como algo que deva ter resolução por parte do analista e/ou que o
paciente sinta a necessidade de ter ou trazer sonhos e assim gerando a
interrupção destes.
● As produções oníricas em casos de neurose grave são incapazes de solução
completa, no ato de interpretar completamente o sonho, as resistências
latentes e intocadas se ativam podendo se limitar à sua compreensão. Uma
interpretação completa coincide com o final da análise, pode ser guardada a
informação, sendo trabalhada e cruzar ideias posteriormente. O mesmo
ocorre se isolarmos um sintoma principal, não será resolutivo pois necessita
reunir fragmentos do que significa determinado sintoma.
● É com cautela que deve ser interpretado os sonhos, respeitando as regras
técnicas que orientam o caminho como um todo, a confiança e habilidade da
compreensão do simbolismo onírico é independente das associações do
paciente. Esse analista fica livre da exigência de interpretações.
● Conforme Freud (1911) quanto mais o paciente aprende na prática da
interpretação dos sonhos, mais sombrios se tornam os próximos sonhos, o
conhecimento adquirido serve para colocar em guarda o processo de
construção onírica. É destacado que alguns psicanalistas solicitaram que
seus pacientes anotassem os sonhos o que é compreendido como supérfluo
pois as associações realizadas que são de suma importância no processo
terapêutico.
● Os sonhos corroborativos acompanham acessivelmente a análise e a
tradução se apresenta como o tratamento alcançou, é o que o analista
sugeriu durante o percurso na forma onírica. A grande maioria dos sonhos se
antecipa a análise uma alusão a algo que estava oculto. O analista
experiente reconhece que certas observações derivam de condições
estimuladas pelo tratamento.

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