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Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Biblioteca Anton Dakitsch do IFF
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Para aqueles que tiveram suas oportunidades
excluídas, seus talentos descartados e suas
vidas marcadas pelo descaso.
AGRADECIMENTOS
Àqueles que não só me deram a vida, mas me deram a oportunidade de viver o que sempre
sonhei, que foram meus braços e pernas ao caminho que trilho hoje. Aos meus pais, Carlos e
Angélica, o amor mais puro e eterno.
Ao meu irmão, Arthur, pela leveza do amor de criança, pelos dias que mesmo quando eu achava
que ninguém se importava, ele estava ali, interessado em tudo que me rondava.
Às minhas irmãs e à minha filha, minhas perdas mais dolorosas e aprendizados mais profundos.
(In Memorian)
Ao meu amigo e companheiro Italo, que aguentou choros, surtos e pedidos de socorro. Sabes
que mesmo se não for para ser, “Serás o meu amor, serás a minha paz. ”
À minha orientadora, Aline, não só por aceitar me orientar, mas por me acolher e me ensinar o
que sei hoje. Pela humanidade, simplicidade e cumplicidade nesses anos difíceis. Por ser, por
vezes, mais que orientadora, mas um ombro amigo onde pude compartilhar dores e sonhos,
obrigada por ser luz em minha vida e em minha caminhada.
À banca, composta por mulheres incríveis, agradeço pelo aceite para participar deste momento,
pelos acréscimos e ensinamentos tão importantes ao trabalho.
Às amigas Luiza e Bianca. A primeira, por ter dividido essa caminhada comigo, entre artigos,
prazos, sufocos, choros, esperanças e desesperanças. E a segunda, por sempre estar presente,
pelo apoio, por ouvir as lamúrias e por fazer a vida mais leve com boas gargalhadas.
Aos amigos que fiz durante o curso, pelas trocas e por todo apoio, minha administração,
carinho.
Aos amigos da vida, obrigada por serem o refúgio e a leveza de todos os momentos.
A todos os entrevistados que aceitaram participar desta pesquisa, pela disponibilidade, pela
paciência e atenção.
RIBEIRO, Carla Aparecida da Silva. (Sub)Urbano no Centro: Um Plano para a Cultura Hip-
hop e a Gestão Participativa em Campos Dos Goytacazes/RJ. 2021. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura, Urbanismo e Tecnologias) - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Fluminense, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, 2021.
A cultura hip-hop no espaço urbano de Campos dos Goytacazes vem sendo ignorada e
estigmatizada por grande parte da população, segundo os próprios manifestantes. Em
contrapartida, ela é considerada um movimento social de resistência e reivindicação de direitos
de uma parte menos abastada da sociedade. A partir disso, o trabalho tem como objetivo geral
compreender como a cultura suburbana pode ser inserida no processo de gestão participativa
por meio do coletivo denominado Manifestação Cultural de Rimas (MCR), considerando a
importância da continuidade de seu movimento e respectivo espaço na cidade, de modo a propor
um plano de ação direcionado ao grupo. Como objetivos específicos, estabeleceu-se: traçar uma
abordagem teórico-conceitual sobre a cultura suburbana, o hip-hop e as políticas culturais;
delinear brevemente o trajeto da gestão urbana participativa, a fim de destacar a importância
desta para uma cidade mais justa, democrática e igualitária; analisar o movimento hip-hop em
Campos dos Goytacazes, identificando e caracterizando seus agentes, com enfoque no grupo
MCR e o espaço que ocupam sob a Ponte Leonel Brizola; e por fim, desenvolver e apresentar
um plano de ação para a organização e atuação do grupo. Como metodologia, utilizou-se:
revisão bibliográfica e documental; estudo de caso; pesquisas de campo, a fim de compreender
as dinâmicas do grupo e as narrativas urbanas; e desenvolvimento de um produto, que consiste
no documento do plano de ação. Ao final, espera-se incentivar a cultura local e instrumentalizar
seus agentes, de modo que possam se manifestar e serem incluídos no processo de gestão
participativa urbana, inclusive contribuindo para a cidade por meio da apropriação de espaços
subutilizados, da arte urbana, dentre outros.
Hip-hop culture in the urban space of Campos dos Goytacazes has been ignored and stigmatized
by a large part of the population, according to the protesters themselves. On the other hand, it
is considered a social movement of resistance and claiming the rights of a less affluent part of
society. From this, the work has as general objective to understand how suburban culture can
be inserted in the participative management process through the collective called Manifestação
Cultural de Rimas (MCR), considering the importance of the continuity of its movement and
respective space in the city, in order to propose an action plan directed at the group. As specific
objectives, it was established: to draw a theoretical-conceptual approach on suburban culture,
hip-hop and cultural policies; briefly outline the path of participatory urban management in
order to highlight its importance for a fairer, more democratic and egalitarian city; analyze the
hip-hop movement in Campos dos Goytacazes, identifying and characterizing its agents, with
a focus on the MCR group and the space they occupy under the Leonel Brizola Bridge; and
finally, develop and present an action plan for the organization and performance of the group.
The methodology used was: bibliographical and documental review; case study; field research
in order to understand group dynamics and urban narratives; and development of a product,
which consists of the action plan document. In the end, it is expected to encourage local culture
and equip its agents, so that they can manifest themselves and be included in the participatory
urban management process, including contributing to the city through the appropriation of
underutilized spaces, urban art, among others.
1 INTRODUÇÃO 19
2 A CULTURA (SUB)URBANA E O HIP-HOP 29
2.1 CULTURA, CULTURA URBANA E CULTURA SUBURBANA 29
2.2 “OS CIRCUITOS DOS JOVENS URBANOS” E A CULTURA COMO RECURSO 38
2.3 A CULTURA HIP-HOP: BREVE HISTÓRICO 43
3 GESTÃO PARTICIPATIVA E AS POLÍTICAS CULTURAIS 49
3.1 GESTÃO PARTICIPATIVA 49
3.2 POLÍTICAS CULTURAIS 56
4 HIP-HOP EM CAMPOS DOS GOYTACAZES 75
4.1 CENTRO X PERIFERIA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES 76
4.2 DO INÍCIO DO HIP-HOP EM CAMPOS DOS GOYTACAZES AO SURGIMENTO DA MCR 80
4.3 O HIP-HOP COMO FERRAMENTA DE PARTICIPAÇÃO PARA OS GRUPOS MARGINALIZADOS
DE CAMPOS DOS GOYTACAZES 104
5 O PLANO DE AÇÃO COMO PRODUTO 121
5.1 PASSO A PASSO PARA O PLANO DE AÇÃO 121
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 152
REFERÊNCIAS 154
APÊNDICE A – ESBOÇO PARA ENTREVISTA COM OS MEMBROS DA
ORGANIZAÇÃO DA MANIFESTAÇÃO CULTURAL DE RIMAS 165
APÊNDICE B – ESBOÇO PARA ENTREVISTA COM OS MEMBROS
PARTICIPANTES DA MANIFESTAÇÃO CULTURAL DE RIMAS 167
APÊNDICE C – PLANO DE AÇÃO MCR 168
ANEXO A – OFÍCIO DE SOLICITAÇÃO 23/11/2021 200
ANEXO B – OFÍCIO DE SOLICITAÇÃO 25/11/2021 204
19
1 INTRODUÇÃO
O hip-hop pode ser considerado um movimento cultural e social norteado por ideologias
de resistência e valorização da juventude negra e periférica (ROCHA, DOMENICH,
CASSEANO, 2001). A respectiva arte urbana manifesta a exclusão econômica, educacional e
racial que esses interlocutores vivem, com o intuito de romper com as estruturas sociais que os
segregam e de afastá-los da violência do meio em que vivem.
Segundo Souza e Bernardes (2018), a manifestação emergiu nos EUA, na década de
1960 e é constituída por quatro elementos: o Rap1, o Break2, o Grafitti3 e o DJ4. No Brasil, a
cultura chegou, no início dos anos de 1980, nos espaços públicos de São Paulo e logo se
espalhou para o Rio de Janeiro e outras capitais. O hip-hop tem como característica a cultura
urbana, de rua, sendo esse um conceito utilizado pelos próprios manifestantes. A expressão
cultura urbana pode ser tomada num sentido descritivo como “conjunto de códigos induzidos
por e exigidos para o uso de equipamentos, espaços e instituições urbanas e desempenho das
formas de sociabilidade adequadas. ” (MAGNANI, 1998, p.2)
Em busca de estabelecer uma relação entre essa cultura e a sociedade atual, entende-se
que a segunda tem sido caracterizada pela individualidade e fragilidade, e concentra seus
esforços no consumo exacerbado (BAUMAN, 2001). Uma das consequências disso é a maior
separação do poder e da política, em que o Estado perde sua força, os serviços públicos se
deterioram e, assim, diversas funções que antes eram estatais, passam a ser feitas pelas
iniciativas privadas, ou simplesmente não são feitas. A vida para o consumo, segundo Bauman
(2008), leva as pessoas que não são capazes de consumir para a margem da sociedade, onde
fluem poucos recursos.
Harvey (2014) também afirma que o liberalismo econômico faz com que o urbanismo e
a vida urbana sejam definidos pelo poder de compra e, com isso, as pessoas que não o possuem
são configuradas como marginais, dos quais os indivíduos que possuem mais recursos
aquisitivos tentam se proteger.
Nesse contexto, o hip-hop surgiu, de acordo com Araújo (2008), como uma reação ao
tal modelo de segregação socioeconômica, cultural e espacial hegemônico, em tom de
1
Gênero musical urbano com versos por vezes improvisados, rimas simples, repleto de gírias e ditados populares
(ARAÚJO, 2008, p.4).
2
Dança urbana com movimentos acrobáticos.
3
Representações com aerossol de tinta, nas paredes, muros, monumentos de uma cidade.
4
Disc Jockey - artista ou profissional que seleciona e reproduz as mais diferentes composições musicais,
previamente gravadas.
20
resistência às condições de vida que as pessoas à margem da sociedade viviam, e como forma
alternativa de produzir o espaço urbano e de adquirir uma identidade coletiva por meio da
cultura.
Em suas origens, o movimento produzia a cultura urbana no contexto do bairro, da rua
e de espaços pelos quais tinham sentimento de pertencimento. Contudo, segundo Araújo (2008),
no final da década de 1990, o hip-hop, sobretudo o rap, saiu da periferia e chegou aos centros
urbanos. A comercialização da cultura hip-hip no país tomou força em 1997, com o disco
“Sobrevivendo no Inferno” do grupo Racionais MC’s, que vendeu um milhão de cópias e
chamou atenção tanto das gravadoras, quanto da mídia. Desde então, a cultura marginal, muitas
vezes criminalizada, começou a ser amplamente comercializada. (Araújo, 2008).
O rap passou a ser difundido pelo país, tendo nomes em evidência, como: Mano Brown,
Criolo e Emicida. Exemplo disso é o sucesso do rapper baiano Baco Exu do Blues, que venceu
o Grand Prix do festival Cannes Lions em 2019, com o curta-metragem "Bluesman", do seu
disco homônimo (PORTAL GLOBO.COM, 2019). O grafitti também vem sendo amplamente
reconhecido, ganhando espaço em locais nobres, com grandes painéis em áreas elitizadas, como
é o caso da Av. Paulista, em São Paulo, e do Pier Mauá, no Rio de Janeiro.
O município de Campos dos Goytacazes, localizado na região Norte do Estado do Rio
de Janeiro, com uma população de 503.424 (quinhentos e três mil quatrocentos e vinte e quatro)
habitantes (IBGE, 2018) e uma área de 4.032 km², tem o viaduto da Ponte Leonel Brizola como
o principal palco da cultura hip-hop em tempos mais recentes, sendo um dos ocupantes o
coletivo intitulado Manifestação Cultural de Rimas (MCR). A ponte está localizada na região
central do município, entre o Centro Histórico e dois dos bairros mais elitizados da região, o
Parque Conselheiro Tomaz Coelho e o Parque Avenida Pelinca, como se pode observar na
Figura 1. Não há registros precisos dos primeiros indícios do hip-hop na cidade; contudo, de
acordo com Gonçalves (2019), em 2004, começaram as ocupações no Centro do município.
21
abastada; em sua forma marginal, a linguagem continua a se desenvolver nos espaços públicos,
sendo estigmatizada e desprezada pela mesma classe que a consome nos espaços privados.
O que leva à reflexão de Certeau (1996) de que “Talvez não seja inútil sublinhar a
importância do domínio desta história ‘irracional’, ou desta ‘não história’, como o diz ainda A.
Dupont. O que interessa ao historiador do cotidiano é o Invisível...” (CERTEAU, 1996, p.31).
O autor traz à luz “o homem ordinário”, que através de suas práticas cotidianas e seus modos
de atuação social, definem sua singularidade e, ao mesmo tempo, uma pluralidade social que
surge de tal interação. Para ele, os indivíduos são determinados por suas relações sociais em
um processo individual-coletivo, de onde emerge uma cultura que, por meio de
microrresistências, formam microliberdades, deslocando assim as fronteiras de dominação.
Acrescentando ainda a discussão, destaca-se Serpa (2010), que ressalta que muitas
manifestações de grupos culturais permanecem absolutamente invisíveis, mantendo-se com o
apoio de organizações não governamentais; ocorrendo, muitas vezes, sem nenhum apoio
institucional ou financeiro; e representando, assim, um capital cultural desconhecido, invisível,
em que as cidades e seus habitantes poderiam (e deveriam) tirar mais proveito.
De acordo com a Lei no. 10.257, de 10 de julho de 2001, que institui o Estatuto da
Cidade, “Aqueles que estão engajados na transformação da cidade rumo à superação de uma
ordem urbanística excludente, patrimonialista e predatória podem ter no Estatuto da Cidade um
instrumento importante. ” (BRASIL, 2001, p. 23). Junto a isso, pode-se destacar as gestões
participativas, que, de acordo com Gohn (2001), tratam-se de canais de participação que visam
a interlocução entre a população e o poder público, que surgem nas cidades como instrumento
de democratização dos processos de gestão e administração entre estes atores ou setores da
sociedade, para que, assim, o Estado possa garantir a pluralidade e a diversidade que a formam.
Contudo, em muitos casos, a gestão participativa não passa de uma pseudoparticipação
(TENÓRIO; ROZENBERG, 1997), não atendendo as necessidades de toda a população,
principalmente daqueles que mais necessitam e menos têm voz. Unem-se a isso administrações
e políticas reduzidas à dimensão eleitoral, que, segundo Fernandes (2010), geram acordos e
decisões que abandonam a complexidade da vida urbana.
Em entrevista à revista Observatório Itaú Cultural (2008), que discorreu sobre o
seminário internacional “A Cultura pela Cidade – Uma Nova Gestão Cultural da Cidade”,
Alfons Martinell Sempere, professor da Universidade de Girona e diretor da AECID à época,
destacou a cultura como um dos eixos fundamentais para a promoção do desenvolvimento
social. Pode-se associar a isso, um dos principais consensos debatidos no seminário: o papel
central que a cultura deve ter na solução de demandas da sociedade.
23
Serpa (2010) traz a ideia da cidade como fenômeno cultural, que poderia ser traduzida
e sintetizada através da ideia de centralidade. Para o autor, pensar a cidade como centralidade
traz a possibilidade de pensá-la como “possibilidade de encontro, de aproximação, de
simultaneidade, de reunião, de intercâmbio e de relações. Então, a cidade como fenômeno
cultural é, sobretudo, uma cidade que centraliza as criações humanas. ” (SERPA, 2010, p.29).
Nesse contexto, faz-se o seguinte questionamento: como a cultura suburbana,
particularmente representada pelo movimento hip-hop em Campos dos Goytacazes/RJ, pode
ser inserida no processo de gestão participativa com a perspectiva de dar continuidade ao
movimento e seu espaço na cidade, além de ser porta-voz de uma parcela marginalizada da
sociedade, a fim de democratizar os processos participativos?
Como justificativa, traz-se a crença de que, como movimento cultural, o hip-hop pode
impulsionar a requalificação do espaço residual da Ponte Leonel Brizola, recuperando o sentido
de lugar de encontro da vida pública, além de trazer uma nova imagem identitária à cidade; e,
como movimento social, o hip-hop tem o poder de ser um meio de desenvolvimento de ações
políticas entre seus participantes, em maioria periféricos, através de práticas reivindicatórias,
tornando-se, assim, um recurso das classes menos abastadas para estabelecer uma gestão urbana
mais participativa.
De acordo com Bettina Heinrich (Observatório Itaú Cultural, 2008), é necessário pensar
em novas formas de cidadania e de se organizar a participação política local, pois, quanto mais
as sociedades urbanas se tornam diversificadas, mais limitados os instrumentos de decisão e de
gestão se mostram. Florence (2010) destaca que a identidade resultante de um processo de
produção na dinâmica de luta de política urbana concebe múltiplos laços de solidariedade que
unem forças sociais e políticas para a articulação de um novo tecido social urbano, conduzido
para a construção de cidades mais solidárias, justas e sustentáveis.
Tendo em vista o cenário exposto, o objetivo geral do trabalho consiste em compreender
como a cultura suburbana, no que tange ao movimento do hip-hop em Campos dos
Goytacazes/RJ, pode ser inserida no processo de gestão participativa urbana, por meio do
coletivo MCR, considerando a importância da continuidade de sua manifestação e respectivo
espaço na cidade, de modo a propor um plano de ação direcionado ao grupo.
Além disso, como objetivos específicos, estabeleceu-se: traçar uma abordagem teórico-
conceitual sobre a cultura suburbana, o hip-hop e as políticas culturais, destacando sua
relevância para a cidade, especialmente no que se refere aos espaços urbanos; delinear
brevemente o trajeto da gestão urbana participativa, afim de destacar a importância desta para
uma cidade mais justa, democrática e igualitária; analisar o movimento hip-hop em Campos
24
dos Goytacazes, identificar e caracterizar seus agentes e espaços, com enfoque no grupo MCR;
e desenvolver e apresentar um plano de ação direcionado ao coletivo, visando incentivar a
cultura local e instrumentalizar seus agentes, de modo que estes possam se manifestar e serem
incluídos no processo de gestão participativa urbana, inclusive contribuindo para a cidade por
meio da apropriação de espaços subutilizados, da arte urbana, dentre outros.
Diante do que foi explicitado, definiu-se que o desenvolvimento da pesquisa traz uma
abordagem qualitativa, procurando responder às questões a partir da compreensão da realidade
humana vivida socialmente, trabalhando com a vivência, com a experiência e com a linguagem
da prática (MINAYO, 2001).
De natureza aplicada e descritiva, o estudo busca reconhecer e caracterizar os espaços
utilizados por agentes formadores do movimento hip-hop em Campos dos Goytacazes,
elucidando o recorte na Ponte Leonel Brizola, local apropriado pela MCR como palco de seus
movimentos e, a partir disso, compreender como a cultura suburbana pode ser inserida no
processo de gestão participativa da cidade.
O método, segundo Gil (2008), é tido como o caminho a ser seguido para atingir o
conhecimento, buscando, assim, a validação da pesquisa e dos resultados a serem obtidos. Com
isso, iniciou-se o trajeto metodológico com a pesquisa bibliográfica, por meio de livros, artigos
científicos, dissertações e teses, a fim de compor a fundamentação teórica acerca das temáticas
aqui abordadas, como: a produção e gestão do espaço urbano; a contextualização da gestão
urbana participativa e possíveis instrumentos e planos de ação existentes; a cultura suburbana
e as políticas públicas culturais; e uma breve contextualização histórica da cultura hip-hop a
nível mundial, nacional e municipal.
Em seguida, a fim de respaldar e aprofundar a pesquisa acerca da gestão urbana, seus
instrumentos, políticas públicas e planos de ação, inclusive os culturais no contexto do
município; bem como da realidade do movimento hip-hop, foi realizada a pesquisa documental
por meio de documentos oficiais, leis, reportagens e fotografias.
Através de uma abordagem empírica, foi realizado um estudo de caso e pesquisa de
campo sobre o movimento hip-hop na cidade, particularmente em relação ao coletivo MCR.
Destaca-se que um estudo de caso visa “proporcionar uma visão global do problema ou
de identificar possíveis fatores que o influenciam ou são por ele influenciados. ” (GIL, 2002, p.
55). Assim, o trabalho busca apresentar o coletivo MCR, sua formação, trajetória,
manifestações, relação com os espaços da cidade, problemas, potencialidades, dentre outros.
Fez-se então, um contato intenso com o grupo, tendo sido possível analisar os afetos e
experiências urbanas em busca da aproximação com os anseios destes atores sociais.
25
Uma condição importante é o acesso precário que esses indivíduos têm à internet.
Segundo o jornal Folha de São Paulo (2020), 85% dos cidadãos das classes mais baixas utilizam
a internet pelo celular com pacotes limitados, sendo um dificultador no acesso a materiais mais
elaborados nos formatos de download, streaming e vídeo chamadas.
A cultura hip-hop na cidade de Campos dos Goytacazes, segundo Ribeiro (2019), tem
como principais agentes formadores, jovens que estão em grande maioria em vulnerabilidade
social. Diante da pandemia, o munícipio, que teve seu primeiro caso confirmado na cidade no
dia 23 de março de 2020 (PORTAL OFICIAL DA PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPOS
DOS GOYTACAZES, 2020), iniciou o processo de isolamento social a fim de diminuir o
contágio da doença; assim, os interlocutores da cultura urbana ficaram sem seu espaço de fala,
que se dava de forma presencial na Ponte Leonel Brizola.
26
higiene das mãos do entrevistado e da própria, assim como a desinfecção adequadas das
superfícies onde ambos tiveram contato; bem como por ofertar máscara cirúrgica ao
entrevistado, para utilização obrigatória de ambos durante toda a entrevista.
As entrevistas não estruturadas foram realizadas com: 4 integrantes da MCR; 4
organizadores da MCR; 5 conselheiros do Conselho de Cultura do município; 2 artistas da
vertente do graffiti; 3 artistas da vertente do break; 1 representante do skate; e 2 representantes
do basquete, sendo que um desses faz parte da atual gestão pública municipal. Além das 21
entrevistas individuais, foram efetuadas 3 rodas de conversa com a organização do coletivo
MCR, no intuito de delimitar as metas, planos e ações, além de contato constante com esses por
meio dos aplicativos WhatsApp e Instagram. Destaca-se também que as entrevistas foram
devidamente autorizadas pelo Comitê de Ética.
Pelo fato de o trabalho de pesquisa estar vinculado a um curso de Mestrado Profissional,
em que a elaboração de um produto torna-se fundamental, como resultado da pesquisa, foi
estruturado um plano de ação direcionado ao coletivo MCR, para que este seja um instrumento
para a promoção e participação do grupo nos processos urbanos. Por isso é que, na atual
pesquisa, entende-se a necessidade de compreender a fundo a realidade e as necessidades dos
indivíduos que compõem o coletivo MCR, que, para além de serem os responsáveis pela
implementação do plano, sofrerão as consequências deste. Com isso, a construção do produto
de deu com participação direta dos manifestantes, contendo assim, as marcas, as raízes e os
costumes de tais, não sendo de forma alguma dissociado de seus interlocutores.
Quanto à organização, este trabalho está estruturado em seis capítulos, sendo o primeiro
a introdução e o sexto as considerações finais. O segundo capítulo apresenta uma análise
teórico/conceitual acerca das definições de cultura, cultura urbana e cultura suburbana, a fim
de embasar a pesquisa e introduzir ao breve histórico da cultura hip-hop, que consta também
neste capítulo inicial.
O terceiro capítulo objetivou estabelecer uma abordagem acerca das políticas públicas
culturais e da gestão participativa pública, trazendo uma breve contextualização histórica, os
objetivos, os instrumentos, os planos de ação, a importância desta para a sociedade e as
possíveis dificuldades em sua aplicação nos municípios.
O quarto capítulo, por sua vez, é dedicado à abordagem sobre o hip-hop em Campos dos
Goytacazes, além de elencar os polos e grupos que fazem parte da manifestação cultural na
cidade, introduzindo ao recorte aqui estipulado, o Viaduto da Ponte Leonel Brizola, e seus
agentes formadores, o coletivo Manifestação Cultural de Rimas. Neste capítulo, também foram
feitos o levantamento e a análise dos agentes municipais responsáveis pela gestão cultural da
28
cidade, com enfoque no Conselho Municipal de Cultura (ComCultura), responsável pelo Plano
Municipal de Cultura do município.
O quinto capítulo foi dedicado ao plano de ação desenvolvido, expondo, assim, uma
análise das demandas dos membros do coletivo, as referências utilizadas na construção do
plano, os conceitos e objetivos que esperam ser alcançados por este, além de sua construção e
a metodologia aplicada, através das pesquisas de campos que foram executadas.
29
que o ser humano elabora e produz, simbólica e materialmente falando. ” (BOTELHO, 2001,
p.74); com isso, a sociabilidade é fundamental para a sua formação.
Já a dimensão sociológica, trata-se de uma produção elaborada no intuito de construir e
alcançar sentidos e públicos através de formas específicas de expressão, envolvendo um
conjunto diverso de demandas profissionais, institucionais, políticas e econômicas, voltando a
visibilidade para si mesma. A dimensão sociológica, segundo Botelho (2001), é o que senso
comum entende por cultura, responsável por estimular, por variados meios, a produção, a
circulação e o consumo de bens simbólicos. É ela também que acaba por possuir um aparato
que visa propiciar o acesso às diversas linguagens, colaborando com o surgimento de um
público consumidor de bens culturais.
Dada a grande complexidade do conceito, Miguez (2002) pontua que:
Diante disso, o conceito de cultura será brevemente tratado, a partir daqui, na tentativa
de se fazer um recorte que abranja a temática em que o trabalho se insere.
Abordaremos, assim, o conceito de culturas híbridas. Canclini (1997) defende a
necessidade de um instrumento de diagnóstico para tratar as transformações culturais que se
deram na contemporaneidade, em que, segundo ele, dificultaram o entendimento desses
fenômenos quando baseados em classificações do tipo: moderno e tradicional; culto e popular;
ou hegemônico e subalterno. O autor debate que as mudanças sociais, que acorreram a partir da
segunda metade do século XX, atingiram a cultura tradicional, modificando assim, as definições
de cultura erudita, cultura popular e cultura de massa.
Esta última, contudo, trouxe significativas atualizações para os processos culturais
globais, gerando novos meios de produção, circulação e consumo de tais culturas, que
reestruturaram as fronteiras entre o domínio das artes cultas e da cultura popular, definindo
assim um processo de descolecionamento, que seria um desagrupamento de grupos que antes
eram fixos e estáveis, dissociando, assim, a ideia de que ser ‘culto’ era advindo do
31
conhecimento de grandes obras, ou ser ‘popular’ por dominar os objetos ou mensagens que se
produziam na comunidade.
Outra colocação importante para se chegar ao entendimento de culturas híbridas é o que
Canclini (1997) descreve como desterritorialização e reterritorialização, ou seja, “a perda da
relação "natural" da cultura com os territórios geográficos e sociais e, ao mesmo tempo, certas
relocalizações territoriais relativas, parciais, das velhas e novas produções simbólicas.”
(CANCLINI, 1997, p. 295). De acordo com ele, esses processos combinados desestabilizaram
tanto a noção de comunidade, que define uma cultura a partir de sua ligação com um território
específico e delimitado, quanto a ideia que opõe centro e periferia.
Segundo o autor, é no âmbito urbano que se dissolvem os sistemas culturais, conforme
problematiza:
Assim, ele pontua que o conceito seria insuficiente para designar o novo cenário. A ideia
de cultura urbana, construída a partir da oposição conceitual entre cidade e campo, bem como
pela separação entre espaços públicos e privados na própria urbe, já não é suficiente, de acordo
com o autor, devido ao impacto das transformações mencionadas sobre a estrutura das cidades.
Dessa forma, a cultura urbana é reestruturada ao conceder o protagonismo do espaço público
às tecnologias e, como consequência, as identidades coletivas se afastam do espaço urbano e de
seu palco construtivo (CANCLINI, 1997).
É neste contexto que Canclini (1997) chama de gêneros impuros, as práticas que desde
a sua criação abandonaram o conceito de coleção patrimonial, onde se intersectam o visual e o
literário, o culto e o popular, o artesanal e o industrial e a circulação massiva. Turenko (2009)
afirma que tais características são verificadas no rap, no grafitti e no break, elementos que dão
origem à cultura hip-hop.
Contudo, Magnani (1998), apesar de explanar a controvérsia do termo, o assume como
“[...] um sentido restrito, descritivo, como conjunto de códigos induzidos por e exigidos para o
uso de equipamentos, espaços e instituições urbanas e desempenho das formas de sociabilidade
adequadas.” (MAGNANI, 1998, p.2). E é esta conceituação que este trabalho adota, num
entendimento de toda cultura, seja ela da dimensão antropológica ou sociológica, produzida,
32
Como resultado, em 1851, Luís Bonaparte deu um golpe de Estado e, para solucionar o
problema do capital excedente, colocou em prática um amplo programa de investimentos em
infraestrutura no país. Na cidade de Paris, em 1853, isso significou sua reconfiguração urbana
implementada por Georges-Eugène Haussmann.
O plano, segundo Harvey (2014), configurou a cidade em uma escala muito maior,
absorvendo imensa quantidade de mão de obra e capital. Reformulação de bairros inteiros;
abertura e alargamento de ruas; e demolições de cortiços, que desabrigou e excluiu a população
mais pobre, antigos moradores do centro medieval, expulsos para os subúrbios, foram algumas
de suas intervenções (BOIS, 2008).
No Brasil, pode-se analisar o mesmo fenômeno de hierarquização nas cidades. Santos
(2010) explicita isso com a criação dos subúrbios cariocas, quando, no final do século XIX, a
capital brasileira buscava equiparar-se com os modelos internacionais, deixando de lado o
sistema colonial e incorporando os valores capitalistas, transformando a dinâmica e a aparência
da cidade.
Para essas transformações, de acordo com Santos (2010), foi colocada em prática a
reforma urbanística na cidade do Rio de Janeiro pelo prefeito Francisco Pereira Passos, com
apoio e incentivo do Governo Federal, que se espelhou na reformulação de Paris, realizada por
Haussman, entre 1853 e 1870.
De acordo com Abreu (2006), a Área Metropolitana do Rio de Janeiro se caracteriza por
uma estrutura com modelo núcleo-periferia “onde a cidade dos ricos se contrapõe àquela dos
pobres” (ABREU, 2006, p.7). O autor defende que tal modelo segregador foi estruturado
principalmente a partir do interesse do capital financeiro e legitimado indiretamente pelo
Estado, em que, através de políticas públicas (ou ausência destas), o poder público influenciou
a organização social da capital, tanto por ações quanto por omissões. Objetivando alcançar a
eficiência econômica, as políticas e investimentos públicos privilegiaram, assim, apenas os
34
locais onde teriam retorno financeiro, ou seja, as áreas mais abastadas da cidade, enquanto
pouco ou nada foi feito nas áreas suburbanas.
Abreu (2006) acrescenta que, na reforma de Passos, foi vedado o exercício da
mendicância e, como exposto anteriormente, foi demolida uma série de cortiços que haviam
sido proibidos de sofrer reparos por lei municipal de 10/2/1903. As intervenções da época
desapropriaram quarteirões de moradias, fazendo com que grande parte da população fosse
morar com outras famílias, a pagar aluguéis altos, ou migrasse para os subúrbios. Ademais, os
morros situados no centro da cidade, que até então eram pouco habitados, passaram a ser
exponencialmente ocupados, dando origem à favela (ABREU, 2006).
Anos mais tarde, por volta de 1930, surgiu a tentativa de implementação do Plano
Agache, em que a análise das favelas, como um problema social estético, emerge em diversos
discursos e a solução proposta é sua erradicação:
Nos registros do plano, de acordo com Abreu (2006), este não poderia aceitar a
permanência das favelas nas áreas nobres da cidade devido à proximidade das classes sociais
opostas, o que causaria insegurança e interferiria na qualidade de vida e manutenção da ordem
social da classe dominante. Materializando o horror ao pobre pelas classes abastadas, vale
ressaltar ainda uma preocupação interessante destes:
Pode-se perceber, a partir desse relato, que os moradores dos subúrbios já mantinham
uma relação de pertencimento com o espaço. De acordo com Santos (2010), os moradores que
foram excluídos para estas áreas misturaram-se com os que já se encontravam naquele local,
35
remanescentes da antiga zona rural, constituindo assim uma nova forma de expressão cultural:
a cultura suburbana.
Contudo, antes de adentrar a formação da cultura suburbana, vale ressaltar, no presente
trabalho, a divergência de alguns autores acerca do conceito de subúrbio. Para Domingues
(1994, p.4), “Os conceitos de periferia urbana e de subúrbio banalizaram-se de tal forma que é
hoje difícil encontrar uma definição clara e consensual desses conceitos”. De acordo com o
autor, a identificação do subúrbio provoca a ideia de fragmentação do espaço urbano:
Para Soto (2008), que se baseia nas ideias do sociólogo José de Souza Martins, o termo
subúrbio tem sido deturpado de seu sentido original, sendo confundido com periferia. Segundo
o autor: “O subúrbio representaria um espaço intermediário entre a cidade e o campo. A este
espaço corresponde uma consciência social híbrida e indefinida. Uma manifestação de
extremos e desencontros. ” (SOTO, 2008, p.114). Já a periferia, segundo o autor, é o extremo
da urbanização degradada, em que as habitações são precárias, inacabadas, provisórias, onde
não há uma infraestrutura básica (SOTO, 2008). Por outro lado, para Domingues (1994, p.7),
“o subúrbio é o lugar da exclusão, da marginalidade e da segregação sociais, da anomia, da
ausência de uma noção de pertença a um lugar, do défice de cidadania, etc.”.
Contribuindo com a discussão, Pallone (2005) traz que uma das características dos
subúrbios seria a baixa densidade de ocupação e que o termo traduziria a situação intermediária
entre cidade e campo, como dito anteriormente, e não uma condição socioeconômica. A autora
acrescenta que até o início do século XX, o termo era utilizado para designar todas as áreas
periféricas da cidade, mas com as reformas urbanas, o conceito passou a ser utilizado para
designar áreas servidas pela ferrovia.
Maia e Chao (2016) afirmam que antes da reforma urbana do Rio de Janeiro por Pereira
Passos, a criação das ferrovias já contribuía para a história da cidade, tanto na ordem econômica,
demográfica e cultural, como na política e social. Os autores colocam que foi, a partir dessa
criação, que surgiram os conceitos de subúrbio e periferia.
A ideia de subúrbio neste momento da história é tida como bairros distantes do centro
econômico e cultural, que nasceram nas proximidades das linhas e estações ferroviárias. O
conceito abrange ainda os condomínios de luxo, geralmente murados, onde seus moradores
36
5
Considera-se aqui o sujeito que vive à margem da sociedade.
37
(2006) traz uma abordagem importante acerca da periferia neste sentido. A autora coloca,
baseada em uma letra de rap, a definição de periferia como quilombo urbano, fazendo, assim,
uma relação entre a alta densidade da população preta com as questões escravocratas. Segundo
ela, “No Brasil, a abolição não resolveu a questão da condição social do ser negro na sociedade
brasileira” (CARRIL, 2006, p.27).
O país é marcado por uma história escravocrata que durou 300 anos (LIMA, 2019) e
que teoricamente só teve fim há 132 anos. A pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e
Raça (IPEA, 2011), produzida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apresenta
indicadores provenientes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE,
acerca dos diversos campos da vida social, como forma de disponibilizar para pesquisadores,
estudantes, ativistas dos movimentos sociais e gestores públicos um panorama das
desigualdades de gênero e de raça no Brasil. Em sua quarta e última edição, de 2011, mostrou
que o Brasil, em 2009, registrou mais de 191 milhões de residentes, e que 51,1% dessa
população era negra. Dentre outros apontamentos da desigualdade racial no país, a pesquisa
mostra que, entre 1993 a 2007, a periferia brasileira ganhou aproximadamente 2 milhões de
novos domicílios, destes, 66% eram chefiados por pretos, sendo 40,1% por homens negros e
21,3% por mulheres negras. Deve-se levar em conta que 10 anos se passaram desde que esses
dados foram apresentados.
De acordo com as estatísticas de raça e cor produzidas pelo IBGE (2019), em 2018, no
que diz respeito ao mercado de trabalho, pessoas de cor preta ou parda correspondiam a maior
força de trabalho no país, 25,2% a mais que os brancos. Porém, em relação à taxa de
subutilização, ou seja, trabalhos informais, 29% eram pretos e 18,8% brancos. Ao que diz
respeito aos cargos gerenciais, 68,6% eram ocupados por brancos, enquanto apenas 29,9% por
pretos. Tal padrão não teve alteração independentemente do nível de instrução.
Ainda de acordo com o IBGE (2019): 41,7% das pessoas abaixo da linha da pobreza
eram pretos, para 19% dos brancos; 36,6% dos analfabetos do país eram pretos, para 18% dos
brancos; a população negra ganhava em média menos R$ 1.244,00 do que a população branca;
das 1.835 crianças de 5 a 7 anos que já trabalhavam, 63,8% eram pretas; a taxa de homicídio
entre jovens de 15 a 29 anos era de 98,5% em relação aos jovens pretos, para 34% dos jovens
brancos.
De acordo com Marcio Pochmann (IPEA, 2011), presidente do Ipea no ano de 2011, a
desigualdade tanto de gênero quanto de raça, são estruturantes da desigualdade social no Brasil,
havendo inúmeras denúncias, algumas aqui apontadas, para piores condições de vida de
mulheres e negros. Segundo o professor Otair Fernandes, doutor em Ciências Sociais e
38
Este subtópico procurou estabelecer um diálogo acerca da cultura praticada por jovens,
com base na conceituação de Magnani (2005) sobre o Circuito dos Jovens Urbanos, e a cultura
como recurso, abordada por Yúdice (2006), antes de introduzir o leitor a cultura hip-hop
propriamente dita.
39
Magnani (2005) apresenta um trabalho sobre os jovens e suas práticas culturais, de lazer,
redes de sociabilidade e relações de troca, assim como conflitos no contexto urbano da cidade
de São Paulo. Ele inicia sua arguição fazendo uma crítica ao termo “tribos urbanas”, expressão
divulgada principalmente pelo sociólogo francês Michel Maffesoli, atribuindo ao
comportamento dos jovens o nomadismo, a fragmentação e a um certo tipo de consumo. “O
ponto central era mostrar o lado “afetual” de microgrupos caracterizados como um tipo de
comunidade emocional: são efêmeros, de inscrição local, desprovidos de organização. ”
(MAGNANI, 2005, p.174).
De acordo com Magnani (2005), o autor francês coloca sobre os jovens o peso da
modernidade e da sociedade de massas, e que estes seriam pequenos grupos, voláteis,
diferenciados e que apresentavam uma negação a homogeneidade e ao individualismo. Para
Magnani (2005), tal conceituação se mostra limitada, sendo uma dessas limitações o uso
inapropriado do termo “tribos”, que em seu sentido etnológico significa “alianças amplas entre
clãs, segmentos, grupos locais etc.” (MAGNANI, 2005, p.175) e o uso do francês para
denominar jovens metropolitanos se contrapõe a esse sentido. O autor também destaca o
preconceito aferido ao termo.
Magnani (2005), no intuído de traçar linhas de interpretação diferentes, traz ainda o
termo “culturas juvenis” abordado pelo antropólogo espanhol Carlos Feixa, em que aponta que
a expressão busca apontar as formas em que as experiências juvenis se expressam
coletivamente, com estilos de vida distintos, tendo como principal referência o tempo livre. Tais
estilos podem ser identificados por meio do consumo de alguns dos produtos da cultura de
massa, como: roupas; música; adereços; formas de lazer; entre outros. Em uma dicotomia, essas
culturas remetem a subculturas; contudo, as experiências no interior delas podem ser vistas
como “rituais de resistência à dominação de uma cultura hegemônica” (MAGNANI, 2005,
p.176).
Na busca por outra alternativa que pudesse dialogar com os termos em contraposição
ou complementação, Magnani (2005) propõe a denominação de “circuitos de jovens” com outra
abordagem sobre o comportamento destes nos centros urbanos, dando maior importância a sua
inserção na paisagem urbana, por meio da etnografia dos espaços onde eles circulam, seus
pontos de encontro, conflitos, e os outros agentes com quem estabelecem trocas.
Mais concretamente, o que se busca com essa opção é um ponto de vista que
permita articular dois elementos presentes nessa dinâmica: os
comportamentos (recuperando os aspectos da mobilidade, dos modismos etc.,
enfatizados nos estudos sobre esse segmento) e os espaços, as instituições e
os equipamentos urbanos que, ao contrário, apresentam um maior (e mais
40
O autor busca, assim, mudar o foco para a sociabilidade e para as permanências entre os
jovens, em contraposição aos estudos que levantam as pautas de consumo, estilos de uma forma
geracional e a fragmentação dos grupos.
O termo circuito foi tomado pelo autor devido a sua abrangência, que, segundo ele,
possibilita a identificação e a construção de totalidades consistentes com o objetivo de análise,
proporcionado assim, recortes, ou categorias, que não sejam restritos a um território. Tais
categorias foram denominadas pelo autor como: pedaço; mancha; e trajeto.
Pedaço seria o espaço entre o privado, ou seja, a casa, e o público, onde os atores
desenvolvem uma sociabilidade básica, mais ampliada se comparada aos laços familiares;
contudo, mais densa, significativa e estável do que contatos ou relações formais.
Macha, por sua vez, seriam áreas adjacentes ao espaço urbano, com equipamentos
marcando limites e viabilizando atividades e/ou práticas preponderantes. Esta categoria é
considerada mais estável do que o pedaço, estando ligada diretamente às dinâmicas de um
grupo.
A macha seria um local mais aberto e que acolheria um maior número e mais
diversificado de usuários, oferecendo a partir da oferta de bens ou serviços, espaço para
encontros. Contudo, na mancha, não há a certeza do que ou quem irá encontrar.
Trajeto, no entanto, seriam os fluxos rotineiros na cidade e no interior das manchas
urbanas. A necessidade no termo deu-se devido à extensão e, principalmente, à diversidade
dentro do espaço urbano que vai além do bairro, impondo assim, a necessidade de
deslocamentos mais longos.
O autor descreve ainda o circuito como uma categoria
6
Apesar da tradução direta “dança de rua”, o estilo exige menos condicionamento físico e é formado por uma
dança mais coreografada e em sincronia com o grupo (MAGNANI, 2005)
42
nas definições da alta cultura, da antropologia e da cultura de massas” (YÚDICE, 2006, p.11).
O autor justifica que a globalização e o surgimento de uma nova economia acarretaram a
culturalização crescente da economia, assim como uma transformação da cultura em
mercadoria, ou como ele mesmo coloca, em recurso. Nesse sentido, a cultura é introduzida em
uma racionalidade econômica, no qual o seu gerenciamento, conservação e distribuição passam
a ser prioritários. A cultura, assim, se estabelece na base de uma nova divisão do trabalho.
As modificações históricas, que fizeram da cultura como recurso, não são dadas como
naturais, são tomadas como um processo cuidadosamente coordenado e com base fundada em
acordos comerciais e leis de propriedade intelectual determinadas por organizações
internacionais, em que os direitos autorais são colocados sob responsabilidade de produtores e
distribuidores de conglomerados de entretenimento. Contudo, foi desenvolvida uma nova
economia, que possibilitou as ideias de desenvolvimento cultural, cidadania cultural e política
da diferença. Assim, a cultural, entendida pela ótica do pertencimento, tornou-se uma condição
cada vez mais necessária para a formação da cidadania.
Nesse contexto, o autor ressalta o conceito de cidadania desenvolvido por Renato
Rosaldo no fim dos anos 1980:
subúrbios por todo o país, tendo como principal ação política a produção e a difusão da cultura,
como modalidades ou trabalhos artísticos, como forma de inserção social.
Tais movimentos não estiveram obrigatoriamente ligados à dinâmica de uma política
partidária ou possuíam dependência com o poder público. As ações políticas ligaram-se em
forma de redes, que se interconectavam com diversos setores da sociedade, intervindo nos
espaços esquecidos pelo Estado. Os objetivos desses movimentos eram a constrição da
cidadania e a inserção socioeconômica da população mais pobre. O principal argumento de tais
organizações era a produção e a ação cultural como ferramenta para a mudança social.
Organizações como o Afro-Reggae e outras, apresentadas pelo autor, tem a ideia de cultura
como autoafirmação.
Neste contexto, pode-se entender o movimento hip-hop como movimento cultural e
social, que surge nas periferias contra a discriminação da sociedade e o abandono do espaço, e
transforma a falta de perspectiva em consciência de cidadania. Através do encontro, das práticas
reivindicatórias e da exposição da realidade enfrentada, o cidadão renegado e esquecido pela
sociedade, jogado às margens da “não cidade”, utiliza da cultura como enfrentamento contra a
violência, o territorialismo, o abuso policial, e a desigualdade social, de gênero e raça.
[...] a música e seus rituais podem ser utilizados para criar um modelo no qual
a identidade não pode ser entendida nem como uma essência fixa, nem como
uma construção vaga e extremamente contingente a ser reinventada pela
vontade e pelo capricho de estetas, simbolistas e apreciadores de jogos de
linguagem (GILROY, 2002, p.209).
44
7
Disc Jockey: artista ou profissional que seleciona e reproduz as mais diferentes composições musicais,
previamente gravadas.
8
Parte mais rítmica das canções de funk, com ausência de letra
45
9
A utilização da agulha do toca-discos arranhando o vinil em sentido anti-horário como instrumento musical
10
Mestres de Cerimônia
11
A Universal Zulu Nation, pregava os ideais de paz, unidade, amor e união. Que vieram a fundamentar os
princípios hip hop. Hoje ela é a maior organização de hip hop do mundo. (AZEVEDO, 2006 apud Gonçalves,
2011)
46
[...] saber viver, sobreviver e lutar contra o que é imposto pelo sistema, ou
seja, fazer o máximo para se manter fora dos veículos de dominação que,
segundo os ideais do movimento, representavam a exclusão social e racial, e
seus conseqüentes problemas como as drogas: tanto seu alto consumo quanto
ao tráfico; as gangues; a baixa escolaridade; a falta de emprego, a falta de
saúde pública. (GONÇALVES, 2011, p. 17).
12
Abreviação para “Break Boy”, “Beat Boy” ou “Bronx Boy”
13
O mesmo significado de B-Boy para mulheres
14
Significa grupo, membro, integrante, podendo ser entendida como território que mantêm uma intervenção mais
ampla e coletiva (COSTA e MENEZES, 2009)
47
O movimento hip-hop teve grande poder, através de sua cultura urbana, em disseminar
informações e ideologia. Após 40 anos de sua criação, ele saiu no âmbito periférico e começou
a se tornar midiático, “entrando” na casa de todas as pessoas e tornando-se objeto de consumo
da indústria fonográfica e cinematográfica (HERSCHMANN, 1997, apud SOUZA e
BERNARDES, 2007). Contudo, mesmo passando por massificação nos últimos anos, ainda se
caracteriza como um movimento cultural urbano: possuindo, como principais características, a
luta pelos direitos sociais de jovens das periferias das cidades; questionando a exclusão social
e as desigualdades presentes na sociedade; e sendo considerado um movimento social urbano
contemporâneo.
O hip-hop, quase cinquenta anos depois, foi massificado e incorporado à cultura pop
ocidental. O rap, principalmente, ainda representa uma das principais vozes de expressão
cultural, protestos contra as injustiças nas periferias das grandes cidades e a referência cultural
da juventude, particularmente nas comunidades de maioria negra e carente, mesmo o estilo
tendo aderido às grandes gravadoras.
Desde suas origens, o movimento está intimamente ligado ao contexto do bairro, da rua
e de espaços que levem, a seus manifestantes, o sentimento de identidade e pertencimento. De
acordo com Barbio (2011), o bairro constitui, para os manifestantes, o símbolo da sua exclusão
social, da desigualdade e da degradação das condições de vida de seus iguais.
A autora afirma que devido ao sentimento de exclusão, o movimento faz, do bairro e da
rua, um símbolo de união contra a sociedade que os discrimina. Assim, esses espaços públicos
surgem como uma “inversão simbólica”, ou seja, enquanto a sociedade e as culturas dominantes
48
enxergam a periferia negativamente; para eles, passam a ser elementos construtores de uma
identidade positiva.
Em contraponto a isso, no entanto, em 2004, segundo Turenko (2009), representantes
do movimento hip-hop de vinte estados da federação, bem como nomes reconhecidos no
movimento como MV Bill, integrantes do grupo Racionais MC’s, Rappin Hood, entre outros,
foram recebidos pelo então presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, levando com
eles uma pauta de reivindicações, onde muitas delas foram atendidas. Pode-se perceber com
este fato, que o hip-hop se fortaleceu, criando redes de trabalho, associações e organizações em
rede, que levaram o movimento a se relacionar com diversos setores da sociedade,
aproximando-se assim das políticas públicas culturais, as quais serão abordadas no próximo
capítulo.
49
Uma outra simbiose íntima entre cultura e cidade precisa ser formulada, num
processo de reinvenção do cotidiano. A renovação e expansão dos recursos
culturais da cidade; o apoio às instituições culturais centrais; a criação de
recursos culturais de porte cotidiano criando uma malha cultural sólida; a
definição de modos culturais criativos de relacionamento com os
equipamentos e problemas urbanos; o estímulo à cidade culturalmente
diversa; a opção pelo desenvolvimento humano ainda mais que pelo
desenvolvimento econômico; o cuidado no respeito e na multiplicação dos
direitos culturais, renovados com criatividade; o apoio à ideia de uma nova
cidade transformada que com seu exemplo possa mover o mundo; a definição
do que podem ser os indicadores dessa nova gestão cultural da cidade; a nova
institucionalidade da cultura solicitada pelos novos desafios; a
sustentabilidade do processo cultural e, finalmente mas não em último lugar,
o papel da sociedade civil no novo arranjo da cultura na cidade que deve tornar
realidade uma política cultural de proximidade — esses são alguns dos vetores
da discussão que ora se propõe e que se pode resumir numa frase: traduzir a
cultura em vetor da vida cotidiana. (COELHO, 2008, p.9-10)
relevante nesse processo, sendo um condicionante das relações sociais e, portanto, impossível
de dissociá-las. Ao analisar as cidades, Souza (2006) considera a segregação do tecido urbano,
a divisão das parcelas de população pobre e a auto segregação dos ricos, como aspectos
desafiadores à democratização da gestão e do planejamento urbano.
De acordo com Gohn (2019), as principais causas da desigualdade social, que pode ser
apontada como causa para a segregação socioeconômica citada, são: falta de acesso à educação
de qualidade; desemprego e baixos salários; política fiscal injusta e dificuldade de acesso aos
serviços públicos básicos como a saúde, ao transporte público, ao saneamento básico, a
segurança pública, ao lazer e a cultura; entre outros. A autora ainda afirma que o Brasil consta
na lista dos países mais desiguais do planeta.
Dentro deste cenário, Gohn (2019) busca trazer uma análise de como a participação tem
sido abordada quando o foco é a sociedade civil. A autora coloca que é possível observar a
participação em práticas cotidianas, em sindicatos, em movimentos ou outras organizações
sociais, bem como em discursos e práticas de políticas estatais, dentro de ações das instituições
participativas, e que, nesta esfera política, os sentidos e significados divergem completamente.
Assim, ela pontua e concorda com o entendimento de Milani (2008) quanto aos
processos participativos no campo social, de que a participação faz parte da realidade dos
indivíduos e que sua ação é relacional, construída no plano da transformação social; portanto,
as práticas participativas e as bases sociais evoluem e variam de acordo com cada contexto em
que está inserida.
Gohn (2019) traz ainda o conceito de participação segundo o Dicionário do Pensamento
Social do Século XX (1993), organizado por Outhwaite e Bottomore, em que o princípio da
participação é tão antigo quanto o conceito de democracia, porém, a participação tornou-se mais
difícil por conta da dimensão do governo moderno, assim como a necessidade de decisões
rápidas.
Segundo a autora, pode-se analisar a participação em três níveis: o conceptual, que pode
apresentar ambiguidades e variar com o paradigma teórico fundamentado; o político, associado
aos processos de democratização, mas também utilizado como discurso que busca a integração
social dos indivíduos, que resultaria em políticas sociais de controle; e o da prática social, que
trata ações concretas, elaboradas em lutas, movimentos e organizações, para realizar ou
participar dos espaços institucionais da esfera pública.
Com intuito a introduzir o leitor as políticas culturais, será abordado aqui o nível
conceptual, segundo as pesquisas de Gohn (2019), para discutir assim, a participação na
51
sociedade por meio de movimentos e coletivos sociais, visando a aproximação com o objetivo
deste trabalho.
De acordo com Gohn (2019), os primeiros autores a mostrarem interesse sobre o tema,
sob a ótica da atuação dos indivíduos em associações, foram cientistas e teóricos políticos
ingleses do início do século XX, como: G. D. H. Cole; H. Laski; J. N. Figgis; e Paul Hirst, na
década de 1990.
Cole (1920), de acordo com Gohn (2019), sugere que os homens deveriam atuar por
meio de associações para satisfazer suas necessidades, sustentando que apenas assim, em
âmbito local, os indivíduos poderiam aprender a democracia. Ele propôs ainda, a criação de
instrumentos de participação local, como: cooperativa de consumidores; conselhos de
utilidades; guildas cívicas, com intuito de cuidar da educação, saúde, entre outros; e uma
estrutura política para desenvolvimento de processos participativos, indo da comuna local até a
comuna nacional.
Gohn (2019) ressalta que as associações foram incluídas como direitos fundamentais do
ser humano no século XIII, tendo a burguesia utilizando desse direito, enquanto as camadas
populares tiveram que lutar para obtê-lo. Contudo, a Lei Chapelier, em 1791, na França, veio a
proibir tais associações, temendo a força de grupos subordinados, e, apenas no século XIX, o
direito foi incorporado nas várias constituições pelo mundo.
Trazendo a obra “A democracia na América”, de Alexis de Tocqueville, pensador e
político francês, Gohn (2019) acrescenta que o autor exaltava a comuna, remetendo a esta como
“a grande força dos homens livres” (GOHN, 2019, p.66), assim, nas lutas sociais, a participação
era um sistema representativo, indo da comuna ao poder central. Ele acreditava que a
democracia era uma forma de pertencer à sociedade e que o domínio do povo era visto como
forma de governo; assim, o estado social democrático era inevitável.
Segundo a autora (GOHN, 2019), até os anos de 1960, o tema da participação como
participação comunitária era forte, sendo encontrado como conceito. Já nos anos de 1970,
devido aos regimes político-militares em muitos países latinos, a participação voltou a ser
tomada em um sentido de participação popular por parte sociedade civil.
Contudo, no final da década de 1980, a participação passou a ser tida como uma medida
para a cidadania, sendo associada à exclusão social, ou seja, ela era tomada como integração,
enquanto a não participação era sinônimo de exclusão. Assim, o sujeito que aprendia a
participar era integrado. Nesse sentido, Gohn (2019) traz à luz Stassen, que nega este último
conceito e busca provar que existe a participação quando há o sentimento de valorização pelos
indivíduos, em que estes são considerados necessários e úteis e, assim, têm lugar na sociedade.
52
Desta forma, a autora coloca que os principais sujeitos que compõem o processo
participativo são os sujeitos sociais, podendo ser grupos de jovens, de idosos, de moradores de
bairros, e que esta participação configura a concepção de cidadania.
Ela pontua que, nas ciências sociais, os tipos de abordagem sobre participação social e
política são inúmeras e seguem correntes teóricas diferentes. Gohn (2019) coloca em questão
53
uma análise importante para este trabalho, de como e porque os indivíduos participam por meio
de ações coletivas. A sua resposta são as desigualdades já apontadas aqui.
Para expor tais abordagens, ela traz dez das mais utilizadas acerca da participação
política dos cidadãos, sendo elas: a escolha racional; a proximidade dos centros de poder e da
posição social dos indivíduos na sociedade; a mobilização política institucional; a identidade
coletiva; a teoria crítica e reconhecimento de direitos; o engajamento militante ou neomarxista;
o decolonial; a abordagem relacional ou do cyberativismo; a de gênero, a partir de grupos de
mulheres; e os autonomistas.
Na primeira abordagem, da escolha racional, a participação seria entendida com a
participação dos indivíduos na esfera pública de acordo com os custos e benefícios que esta
poderia trazer. Gohn (2019) aponta que, no Brasil, a abordagem retomou e se modernizou em
algumas organizações movimentalistas, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra
Rua (VPR). Tais organizações têm base em ideais neoliberais e conservadores, apresentando
pautas que retrocedem os direitos sociais e aumentam as desigualdades sociais.
A segunda abordagem seria um aprofundamento da primeira, que priorizaria a posição
social das pessoas em relação à estrutura de poder. Nela, o caráter econômico integra aspectos
sociais. Em uma vertente mais contemporânea dessa, a posição social das pessoas tornaria essas
propensas ou não à participação.
A terceira abordagem, da mobilização política institucional, surgiu devido críticas à
primeira, e foca em repertórios, ou seja, criações culturais aprendidas através da luta, de grupos
e indivíduos em suas articulações no plano macro, devido a estruturas e oportunidades políticas
existentes. Tais oportunidades, símbolos e códigos concebidos no processo de mobilização, são
considerados ferramentas. Assim, o principal motivador desta abordagem é o sistema político
institucionalizado, ou seja, a participação institucional. Gohn (2019) pontua que esta
abordagem tem sido muito usada no Brasil após a Constituição de 1988, por meio dos processos
de gestão participativa na fase de redemocratização.
Chama-se atenção para a quarta abordagem, da identidade coletiva, importante para este
trabalho. Nela, o fator principal seria a centralidade aos fatores culturais; de identidade dos
participantes; às redes de pertencimento e compartilhamento; e ao envolvimento militante,
institucional ou extrainsticional, tanto de indivíduos, quanto de grupos. A inclusão destes em
redes de solidariedade seria a justificativa para a participação, sendo suas relações sociais
também consideradas espaços de socialização política. Destaca-se, aqui, a consideração de que
os aspectos culturais levariam ao aprendizado em lutas e confrontos, assim como a concepção
54
Ela retoma, desse modo, aos movimentos sociais, que tiveram grande reprodução no
Brasil, na década de 1980, quando surgiram novas manifestações da sociedade na cena pública.
Tais movimentos trouxeram para a discussão, as questões de gênero, raça, idade, entre outros;
assim, as desigualdades começaram a ser levantadas pelo ponto de vista de discriminações
sociais e não só sob o aspecto socioeconômico. É neste âmbito que são possíveis os avanços
das lutas de mulheres, negros e homoafetivos nas décadas de 2000 e 2010 no Brasil. (GOHN,
2019).
Pode-se chamar atenção também para a quinta abordagem, da teoria crítica e do
reconhecimento de direitos, em que a participação emerge em conjunto com a justiça social.
Ela destaca questões do reconhecimento, de direitos sociais de grupos e povos discriminados,
dividindo-os em dois grupos: das diversidades, desigualdades e injustiças sociais; e ao relativo
à redistribuição de bens ou direitos historicamente acumulados. Gohn (2019) ressalta a
conceituação de Habermas para tratar a ação comunicativa e a noção de esfera pública,
levantando que, para este autor, a democracia não deveria ser compreendida como o governo
da maioria, eleições livres, concorrência ou indicações do estado de direito, mas que na esfera
pública, os espaços de convivência deveriam ser considerados, pois são os espaços onde há
abertura para interação comunicativa. Portanto, ele defende a ampliação de participação civil
nos processos decisórios para o avanço de uma cultura democrática e propõe que o modelo
político deveria se dar entre as esferas informais e formais.
A sexta abordagem traz o engajamento militante, em que constam duas versões distintas:
uma baseia-se no interacionismo simbólico, que tem como meta avaliar o engajamento de
indivíduos nas carreiras militantes, e a outra traz uma abordagem com fundamento marxista,
sendo a mais antiga corrente apresentada. Nesta última, o conceito de participação está em
conjunto com as lutas de classes e com os movimentos sociais, sendo voltada para a
transformação de condições da realidade social, carências econômicas e opressão sociopolítica
e cultural. Na outra versão desta abordagem, os principais fatores seriam os macroeconômicos
55
e políticos, que, segundo Gohn (2019), é uma das poucas assinaladas no texto, que considera o
nível econômico com importância.
A descolonização ou decolonização trata-se de uma corrente que traz uma análise
histórica colonial, abordando as formas de exploração ocorridas na América Latina, assim como
na África, partindo da versão do colonizado. Nessa abordagem mais ampla, a colonialidade é
tida como “a face oculta da modernidade eurocêntrica, que impôs sentimentos de inferioridade.
” (GOHN, 2019, p.72), em que a modernidade era tida como civilidade, enquanto os nativos
eram bárbaros e atrasados. O problema da América Latina para os teóricos dessa abordagem
seria a “descolonização do saber e do ser” (GOHN, 2019, p.72), em que foram naturalizadas as
injustiças, a exploração e a pobreza, inibindo assim, o pensamento crítico da população.
A abordagem relacional está presente em estudos sobre redes e cyber ativismo. Segundo
Gohn (2019), as redes e mídias sociais nortearam rumos e abordagens diferentes na participação
social e política, tendo potencial para guinar relações entre grupos e indivíduos. Dessa forma,
as microrelações ganharam destaque em estruturações de ações coletivas tanto na esfera
pública, como na privada. Gohn (2019) pontua que “as comunicações virtuais acabaram
transformando profundamente a forma como as pessoas do século XXI se comunicam, se
organizam e interagem social, cultural, política e economicamente. ” (GOHN, 2019, p. 74), e
que isso influencia diretamente as formas de participação política e social, desenvolvendo assim
novas formas de uma cidadania digital.
A nona abordagem traz as mulheres como protagonistas. Segundo Gohn (2019), mesmo
que a igualdade de gênero não tenha sido alcançada em nenhum país e que a discriminação e
sub-representação política das mulheres seja enorme,
Este grupo de mulheres, denominadas feministas, tiveram, em sua luta, pautas, como: a
libertação das convenções sociais e a moral tradicional dos anos 60; a luta contra a
discriminação das mulheres no mercado de trabalho; discussões sobre o papel da mulher na
sociedade; a mulher no campo da educação; a questão de gênero; a mulher na política; a
violência contra as mulheres; as reivindicações do próprio corpo; o problema do re-
conhecimento com ética; a luta contra o assédio moral e sexual; entre outros. A grande
56
importância desse movimento dá-se também pela participação das mulheres além dessas pautas.
Ele também exigiu a igualdade de gênero para todas as alternativas de ser mulher, abrindo
caminhos para a participação de homoafetivos e para a luta pelas questões raciais.
A última abordagem, dos autonomistas, baseia-se em teorias e ideais do socialismo
libertário e do novo humanismo holístico. De acordo com Gohn (2019), a abordagem ressurge
em práticas coletivas, mas também é uma bandeira do movimento dos povos indígenas.
Gohn (2019), na finalização de seu texto, traz algumas reflexões. Entre elas, a autora
coloca que a maioria das abordagens e teorias não focou prioritariamente na questão da
desigualdade social gerada pela desigualdade econômica, e sim no plano sociocultural, de
inclusão social, confundindo diferenças com desigualdade.
Outro ponto importante para este trabalho foi sua análise quanto à população preta:
Pode-se constatar, pela análise das abordagens, que os movimentos sociais e culturais
são de extrema importância para uma participação efetiva. No entanto, são necessárias
reformulações que visem formas de superação das desigualdades sociais, para que, assim, a
construção de uma cidadania inclusiva seja realidade.
O contexto da participação também deve ser incluído nas políticas públicas, inclusive
as culturais, conforme será abordado a seguir.
Artigo 5 – Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, que
são universais, indissociáveis e interdependentes. O desenvolvimento de uma
diversidade criativa exige a plena realização dos direitos culturais, tal como
os define o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos e os
artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais. Toda pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas
obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda pessoa
tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que respeite
plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder participar na vida
cultural que escolha e exercer suas próprias práticas culturais, dentro dos
limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais. (UNESCO, 2002, p.3)
Se o Estado não é produtor de cultura nem instrumento para seu consumo, que
relação pode ele ter com ela? Pode concebê-la como um direito do cidadão e,
assim, assegurar às pessoas o direito de acesso às obras culturais produzidas,
particularmente o direito de fruí-las, de criar as obras, ou seja, produzi-las, e
o de participar das decisões sobre políticas culturais. (CHAUÍ, 2009, p.48)
Rubim (2007) resume pelo seu ponto de vista a história das políticas culturais nacionais
com as expressões: ausência, autoritarismo e instabilidade. O autor adota o conceito de Canclini
(2005) sobre políticas culturais:
Desta forma, Rubim (2007) assinala que as políticas culturais implicariam também em
intervenções conjuntas e sistemáticas, assim como coletivos e metas. Segundo o autor, as
políticas culturais no país sob essa conceituação tiveram caráter tardio e um difícil
desenvolvimento.
As políticas culturais surgiram no país com a entrada de Mário de Andrade no
Departamento de Cultura, em São Paulo, e com a fundação do Ministério da Educação e Saúde,
em 1930, com mais destaque para a passagem de Gustavo Capanema na liderança deste
ministério entre os anos de 1934 e 1945 (RUBIM, 2007). Neste contexto, estava a Revolução
de 30, apresentando o compromisso com a industrialização, urbanização, modernismo cultural,
construção do estado nacional centralizado, politicamente e administrativamente. De acordo
com o autor, as experiências municipais da cidade de São Paulo, com o conjunto de práticas e
doutrinas, ultrapassaram as fronteiras da cidade.
Rubim (2007) cita algumas das contribuições de Mário de Andrade, como: o
estabelecimento de uma intervenção estatal sistemática, que abrange diversas áreas da cultura;
o julgamento da cultura como “tão vital como o pão”; as propostas de uma definição abrangente
de cultura, ultrapassando as belas artes e considerando, entre outras, as culturas populares; o
reconhecimento do patrimônio não só material possuído pelas classes dominantes, mas também
assumindo a cultura imaterial, intangível e significativo aos diversos níveis sociais; e o
patrocínio de duas missões etnográficas nas regiões amazônica e nordestina, com intuito de
pesquisar as populações. Contudo, o autor acrescenta algumas críticas as iniciativas de Mário
de Andrade, como a imposição da cultura elitizada e a negligência com o analfabetismo no país.
Em simultaneidade, Rubim (2007) aponta que o ministério comandado por Gustavo
Capanema, que possuía o setor nacional da cultura em conjunto durante o governo de Getúlio
15
Tradução da autora.
59
Vargas, teve sua importância para esses primeiros passos das políticas culturais. Apesar da
estética moderna e da política conservadora, Capanema acolheu intelectuais e artistas
progressistas, mesmo após a implantação da ditadura do Estado Novo, em 1937.
Rubim (2007) afirma que, pela primeira vez, o país efetuava intervenções na área
cultural, articulando com uma atuação negativa, devido às opressões da ditadura, e uma atuação
afirmativa, por meio de formulações, práticas, legislações e novas organizações culturais.
Destaca-se, nesta época, o Departamento de Informações e Propaganda (DIP), instituição que
ao mesmo tempo reprimia e integrava o meio cultural. As políticas culturais da época, assim,
destacavam “o nacionalismo, a brasilidade, a harmonia entre as classes sociais, o trabalho e o
caráter mestiço do povo brasileiro. ” (RUBIM, 2007, p.104).
Neste período, o autor aponta as instituições criadas, como: a Superintendência de
Educação Musical e Artística; o Instituto Nacional de Cinema Educativo; o Serviço de
Radiodifusão Educativa; o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; o Serviço
Nacional de Teatro; o Instituto Nacional do Livro; e o Conselho Nacional de Cultura. Destaca-
se ainda o Sphan, criado por meio de proposta de Gustavo Capanema e Mário de Andrade, que
não foi plenamente aceito, mas responsável posteriormente pela preservação de diversos
patrimônios. (RUBIM, 2007).
Entre 1945 e 1964, Rubim (2007) aborda a quase inexistência de políticas culturais no
país, com pequenas exceções, como: “a instalação do Ministério da Educação e Cultura, em
1953; a expansão das universidades públicas nacionais; a Campanha de Defesa do Folclore e a
criação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, órgão vinculado ao MEC. ” (RUBIM,
2007, p.105) O autor pontua também outras instituições importantes para a área cultural, como:
os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes, no Rio de Janeiro em 1961,
que foram responsáveis por despertar sonhos culturais e políticos em jovens universitários; e o
Movimento de Cultura Popular, na cidade do Recife em 1960, tendo Paulo Freire com seu
método pedagógico conjugando educação e cultura, apesar disso, este último movimento foi
bloqueado pelo Golpe Militar.
Rubim (2007) divide o período da ditadura militar em três momentos. De 1964 a 1968,
o autor coloca que a ditadura atingiu os setores populares e militantes, e que apesar da repressão
e censura, ocorreram manifestações políticas contra o regime e um desenvolvimento cultural
pela esquerda, com audiência das classes médias. Nesse período, iniciou-se a passagem do
circuito cultural escolar-universitário para uma predominância de cultura midiática. Neste
sentido, ocorreram as instalações e criações de empresas de telecomunicação, implantando uma
60
indústria cultural, visando o controle do audiovisual e buscando integrar o país com a política
de segurança nacional.
No segundo momento, de 1968 a 1974, o regime foi brutal, representado por violência,
prisões, tortura, assassinatos e censura, bloqueando toda a dinâmica cultural que antecedeu.
Esta época, segundo o autor, foi marcada pelo vazio cultural.
O terceiro momento foi de 1974 a 1985, com o final do regime militar. A violência nesse
período diminui e começaram as iniciativas nas áreas políticas e culturais. Contudo, ainda em
um regime autoritário, buscando uma transição hegemônica, procurou-se incorporar os
profissionais da cultura por meio de investimentos da área. Nesse período, nasceu o primeiro
Plano Nacional de Cultura (PNC), em 1975, assim como várias instituições culturais, como:
“Fundação Nacional das Artes (1975), Centro Nacional de Referência Cultural (1975),
Conselho Nacional de Cinema (1976), Radiobrás (1976), Fundação Pró-Memória (1979).”
(RUBIM, 2007, p.106)
O autor destaca dois movimentos deste período: a criação e desenvolvimento da
Fundação Nacional de Artes (Funarte), com agenda de financiamento de projetos culturais; e
as mutações organizacionais, de pensamento e de ação com ligação a Aloísio Magalhães,
intelectual administrativo que criou e renovou órgãos como: “Centro Nacional de Referência
Cultural (1975); Iphan (1979); Sphan e Pró-Memória (1979), Secretaria de Cultura do MEC
(1981) até sua morte prematura em 1982. ” (RUBIM, 2007, p.107).
Rubim (2007) aponta que a conexão do autoritarismo com as políticas culturais levou a
transição para uma cultura midiática, visando padrões mercadológicos, sem interação com as
políticas culturais do Estado.
Com o fim da ditadura, criou-se o Ministério da Cultura, em um movimento de oposição
à ditadura, com secretários estaduais de cultura e setores artísticos e intelectuais, que
reivindicavam um novo governo democrático e que reconhecesse a cultura.
Entretanto, Rubim (2007) destaca a instabilidade da cultura na construção da
democracia nos governos de José Sarney (1985-1989), Collor de Melo (1990-1992) e Itamar
Franco (1992-1994), em que havia quase que anualmente a troca do responsável pelo
ministério. Unindo a isso, o mandato de Collor, com experimentos neoliberais, desmontou a
área cultural, acabou com o ministério, reduzindo-o a uma secretaria, e extinguiu diversos
órgãos como a Funarte, Embrafilme, Pró-Memória, Fundacem e Concine.
No ano de 1986, a primeira lei brasileira de incentivos fiscais surgiu pelo nome “Lei
Sarney”. Rubim (2007) ressalta que a lei contrariava todo o esforço feito até ali, devido à ruptura
com os meios de financiamento da cultura, com a proposta de que estes fossem buscados no
61
mercado, que ganhou, assim, poder de decisão. A Lei Sarney foi extinta no governo seguinte,
mas deu lugar à Lei Rouanet. Sobre as leis de incentivo, o autor pontua:
Em 1995, iniciou-se o governo de Fernando Henrique Cardoso, que foi até o ano de
2002. Rubim (2007) destaca que o novo governo implementou, de forma mais enfática, o
modelo neoliberal no país, colocando o mercado acima do Estado. Na cultura, o autor apresenta
que, durante os oito anos, o Ministério da Cultura, com o slogan “Cultura é um bom negócio”,
pretendeu estimular ainda mais as leis de incentivo, estas sendo consideradas a única política
cultural do governo, onde o dinheiro público era gerido pela iniciativa privada.
As críticas à retirada do Estado nas decisões sobre as políticas culturais são inúmeras:
Pode-se perceber, diante do exposto até aqui, que as políticas culturais no país foram
marcadas pela escassez, más formulações e pouca abrangência, visando um público específico
e sendo pouco inclusivas. Portanto, antes de adentrar aos governos do Partido dos
Trabalhadores (PT), que se deu entre 2003 a 2016, o trabalho focará nas arguições de Botelho
(2001), citada no Capítulo 2 deste trabalho, que auxiliará nas delimitações de estratégias para
as políticas culturais.
62
De acordo com Botelho (2001), para que a cultura na dimensão antropológica seja
atingida por políticas públicas, é necessária uma reorganização das estruturas sociais, além de
distribuição de recursos econômicos, dependendo assim de mudanças radicais para que esta
possa interferir na vida, nos hábitos e nas sociabilidades de cada indivíduo.
Na dimensão sociológica, devido à organização, o planejamento das políticas culturais
torna-se mais palpável, sendo as interferências mais viáveis e a busca por resultados mais
previsível. Nesse caso, por estar em um campo institucionalizado, a autora coloca que a
dimensão é privilegiada pelas políticas culturais, devido a sua visibilidade concreta, podendo,
assim, ter ação efetiva, permitindo elaboração de diagnósticos, visando resolver problemas e
carências, além de estimar recursos através de metas em curto, médio e longo prazos.
Na dimensão antropológica, Botelho (2001) destaca que apenas as políticas culturais
não são capazes de atingir o plano do cotidiano; para isso, são necessários dois tipos de
investimento. O primeiro deve ser de responsabilidade dos interessados, por meio de
organização e atuação na sociedade em um exercício real de cidadania, exigindo, então, a
presença do poder público em respostas a questões concretas:
acrescenta, concordando com Rubim (2007), que a produção cultural no país depende
basicamente das leis de incentivo fiscal nas esferas federal, estadual e municipal.
Botelho (2001) destaca que o financiamento tomou o primeiro plano no debate sobre
políticas culturais, e que não se pode aceitar essa realidade imposta, de que o as políticas
culturais não podem ser analisadas independentemente do seu financiamento. Segundo ele, “o
financiamento é determinado pela política e não o contrário” (BOTELHO, 2001, p.77). Vale
ressaltar que passar a responsabilidade para o setor privado, não tira o papel regulador do
Estado, já que as renúncias fiscais são recursos públicos.
As políticas culturais precisam antever, por meio de planejamento, as fontes e
mecanismos de financiamento, tendo clareza quanto às metas a serem alcançadas em curto,
médio e longo prazo; podendo, assim, selecionar as estratégias adequadas para cada atividade
artística e cultural. Dessa forma, a política pública requer dos gestores, o conhecimento
adequado para prever problemas e os mecanismos ideais para resolvê-los (BOTELHO, 2001).
De acordo com a autora, os problemas relacionados à captação de recursos pelas leis de
incentivo fiscal, estão ligados tanto aos pequenos produtores culturais, quanto aos grandes, por
lutarem pelos mesmos recursos, em uma concorrência desequilibrada. Assim, os projetos que
visam os interesses das empresas são mais privilegiados, não tendo a qualidade da criação como
critério.
Não é exclusividade, contudo, das leis de incentivos fiscais, a capacidade de captar
recursos. Segundo Botelho (2001), deve-se considerar a combinação entre diferentes
possibilidades de uma legislação abrangente, assim como a distribuição de encargos por setores
de governo, como auxílio à área cultural.
A autora coloca que o público alvo fundamental para a captação de recursos privados,
seriam as pessoas físicas, devido sua visibilidade mais restrita, que podem beneficiar grupos
culturais em uma escala menor, pelo que é mais próximo dele e pelo que ele tenha identificação,
podendo não só investir, mas lutar por aquela cultura. Contudo, devido à baixa política
brasileira neste sentido, o investimento individual tem uma fraca tradição.
Eficazes políticas culturais exigem pesquisa e estratégia, em que a ação do poder público
não é substituível, sendo fundamental o planejamento, assumindo critérios sociais de
intervenção e definição de propriedades, assim como programas plurianuais, permitindo
estudos em médio e longo prazos.
Ao falar de democratização da cultura, a autora faz duras críticas, defendo que se deve
pensar nas avaliações das políticas culturais por métodos qualitativos, uma vez que são
necessários apontamentos aprofundados dos alvos. Segundo Botelho (2001), atualmente a
64
democratização cultural deve se dar pela inclusão de toda a população em determinada cultura,
mas pela oferta dos meios e possibilidades de escolha por qual cultura irá produzir ou consumir,
denominando assim a democracia cultural. Dessa forma, para se chegar a uma democracia
cultural, é necessário o favorecimento de subculturas, fornecendo aos excluídos de uma cultura
tradicional, formas de se desenvolverem de acordo com suas próprias necessidades.
A autora aponta a necessidade de uma tomada de consciência quanto às bases da
elaboração de políticas culturais, priorizando a diversidade e pluralidade cultural, possibilitando
aos atores sociais a escolha de viver sua própria cultura. A partir destes entendimentos, o texto
retorna ao breve histórico das políticas culturais no Brasil com os governos do PT.
Entre os anos de 2003 a 2006, deu-se o primeiro mandato do ex-presidente da República,
Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Já no ano de 2002, constava em seu plano de governo o
documento “Imaginação a serviço do Brasil”, em que o redimensionamento da cultura nas
políticas públicas era apontado. Tal programa dialogava com documentos e estudos
internacionais, considerando a cultura como direito básico e que as políticas culturais deveriam
estar focadas no desenvolvimento da democracia. Como ministro de seu primeiro mandato,
Lula selecionou o cantor Gilberto Gil para assumir o MinC. (CALABRE, 2019). No segundo
mandato do ex-presidente, de 2007-2010, Juca Ferreira assumiu o ministério.
Como proposta inicial, deu-se a reformulação da estrutura do ministério, onde as
secretarias foram reorganizadas para concentrar seus esforços na implementação de políticas, e
não apenas para as leis de incentivo. Dessa forma, segundo Calabre (2019), as desenvolvidas
secretarias de: Articulação Institucional; Políticas Culturais; Programas e Projetos Culturais;
Identidade e Diversidade Cultural; Fomento e Incentivo Culturais; e Audiovisual; tinham como
intuito aproximar as atividades do Ministério.
Logo no início da gestão de Gil, Calabre (2019) aponta que a reformulação da Lei
Rouanet, lei de incentivo citada anteriormente, foi colocada em pauta. Assim, para analisar e
captar subsídios, foram realizados os seminários “Cultura para todos”, nos estados do Rio
Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Pará. Tais seminários,
iniciados em 2003, tinham, como atividades, encontros com secretários de cultura municipais
e estaduais, bem como investidores privados e fundações, investidores estatais, e produtores
culturais independentes. Elas buscavam responder a duas questões: os principais problemas
para acesso ao financiamento público federal da cultura e quais mecanismos deveriam ser
adotados para a obtenção de transparência e descentralização do financiamento cultural.
Nesse sentido, o ministério teve como primeira contribuição, o diálogo com diversos
atores culturais, criando uma rede de interlocutores, além de tornar mais participativa a
65
construção das novas políticas públicas. Para além disso, os seminários obtiveram avaliação
dos problemas que poderiam ser resolvidos a curto, médio e longo prazo, assim como o
entendimento de que a reformulação da lei não deveria paralisar os projetos em andamento.
Outro importante passo, de acordo com Calabre (2019), foi o diálogo da Secretaria de
Políticas Culturais (SPC) com órgãos de pesquisas federais, como o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), com objetivo de
produzir e sistematizar as informações no campo cultural. Tais informações, que eram quase
inexistentes, visaram permitir um conhecimento sobre a realidade da cultura para a criação das
políticas culturais. Vale ressaltar a importância dada a este conhecimento por Botelho (2001).
Entre 2004 e 2005, Calabe (2019) pontua a realização de vários encontros entre
membros do MinC e do IBGE, resultando em produtos e ações, tendo se destacado a publicação
do Suplemento de Cultura na Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), lançado
em 2006, em que pesquisas anuais foram feitas em todos os municípios do Brasil, levantando
questões públicas municipais. As informações extraídas foram fundamentais para a elaboração
de políticas públicas, assim como para a estruturação do Sistema Nacional de Cultura (SNC).
De acordo com Calabe (2019), o SNC foi construído tendo, como elementos
fundamentas, as conferências e os planos de cultura. A 1ª Conferência Nacional de Cultura,
realizada em dezembro de 2005, foi uma das etapas de elaboração do Plano Nacional de Cultura
(PNC). Com um mecanismo participativo e consultivo, tinha como objetivo principal, o
recolhimento de sugestões para a elaboração de diretrizes para o PNC. No processo preparatório
para a conferência, foram realizados 1197 seminários municipais e 19 conferências estaduais,
estimando a realização de 53000 pessoas em todo país (CALABE, 2019).
O plano, segundo a autora, teve um processo longo de construção, ocupando
praticamente os dois mandatos do presidente, sendo aprovado em dezembro de 2010. O PNC
contém 5 capítulos, onde se distribuem 14 diretrizes, 36 estratégias e 275 ações. Sua execução
é acompanhada ainda de 53 metas, que tem como base o conjunto de diretrizes, estratégias e
ações previstas. Calabe (2019) acrescenta que o documento deve conduzir: a defesa e
valorização do patrimônio cultural brasileiro; a produção, promoção e difusão de bens culturais;
a formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; a
democratização do acesso aos bens da cultura; e a valorização da diversidade étnica e regional;
devendo ser tido, portanto, como um grande exercício de democracia participativa.
A construção legal do SNC deu-se nesse contexto, objetivando a institucionalidade da
área e a busca pelo diálogo e execução de ações em conjunto com diversos níveis do governo,
66
como, atingir as novas demandas da sociedade. Mesmo com a instabilidade entre as gestões de
Juca Ferreira, de 2008 a 2010, para a ministra Ana de Hollanda, de 2011 a 2012, e desta para a
ministra Marta Suplicy, de 2012 a 2014, algumas das políticas culturais tiveram continuidade.
Vale ressaltar que a gestão de Dilma ainda teve a substituição de Marta Suplicy, para Ana
Cristina Wanzeler, que ficou cerca de um mês no cargo, sendo assumido no dia 1 de janeiro de
2015 por Juca Ferreira.
O PNC foi revisto de forma participativa, focando nas 53 metas que deveriam ser
alcançadas em 10 anos, o que tornou sua implantação possível. O MinC, em parceria com
universidades federais da Bahia e Santa Catarina, apoiou estados e municípios na adoção de
entes federativos dos planos culturais. Contudo, algumas das temáticas não tiveram um
desenvolvimento satisfatório para alcance das metas, apresentando dificuldades na
implementação do PNC, que tem relação conjunta com o SNC, e apresentou sua
regulamentação e andamento conturbados (RUBIM, 2015). Segundo o autor, dissonância entre
o PNC e o SNC afetou o desenvolvimento de ambas, mantendo as políticas culturais instáveis.
Sobre as leis de incentivo, Rubim (2015) pontua que, na gestão de Dilma, a ausência e
esquecimento da adesão a uma nova política de financiamento desestabilizaram os projetos do
ministério, não deixando o Estado exercer um papel prioritário na cultura. Não houve, então, a
implementação de novos modelos de financiamento que estivessem em sincronia com as
políticas de diversidade cultural, com capacidade de atender as demandas da sociedade.
De acordo com Rubim (2015), o fomento à cultura deveria se dar por um novo sistema
de financiamento, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 150 para a consolidação do
desenvolvimento institucional da cultura, assim, renomeada como PEC 421/2014, que de
acordo com o site da Câmara dos Deputados, foi deferida em 2015, prevendo 2% do orçamento
federal para a cultura e 1,5% dos orçamentos estaduais e municiais.
Neste mesmo campo, Rubim (2015) destaca a continuidade do Vale-Cultura, que
representou uma nova modalidade de financiamento, na maioria das vezes voltando-se para a
criação e a produção, objetivando tornar as políticas de financiamento mais diversificadas. No
que diz respeito à Educação, alguns programas foram desenvolvidos com uma melhor
comunicação entre os dois ministérios, como o Mais Cultura nas Escolas e o Mais Cultura nas
Universidades.
Contudo, quanto à área de comunicação, Rubim (2019) aponta rupturas como:
engavetamento da ANCINAV; enfraquecimento do DOC-TV e Revelando os Brasis; além do
retrocesso das iniciativas de culturais digitais e dos direitos autorais.
68
Assim, muitas das lacunas deixadas pelas gestões de Lula, não foram consistentemente
afrontadas. No entanto, não se pode deixar de assinalar a importância das gestões do PT, entre
os anos de 2003-2016 para a área cultural. Rubim (2015) aponta que “O diálogo com a
sociedade permitiu enfrentar os autoritarismos. Formular e realizar políticas culturais em
circunstâncias democráticas” (RUBIM, 2015, p.12). Grupos e culturas, antes excluídos, viram
pela primeira vez desenvolvimento nas áreas da diversidade. Tais fatos colocaram o Ministério
da Cultura em um lugar onde ele nunca esteve, alcançando políticas culturais, econômicas e
sociais.
No entanto, em 2016, a então presidente Dilma, sofreu o processo de impeachment, que
teve início em 2 de dezembro de 2015, segundo o site Agência Senado (2016), tendo duração
de 273 dias, encerrando-se em 31 de agosto de 2016, com a cassação de seu mandato e posse
do então vice Michel Temer. Dilma e parte considerável da população classificaram o evento
como golpe e conspiração entre Michel Temer e o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
(AGÊNCIA SENADO, 2016).
Esse acontecimento marcou a história nacional e sucedeu inúmeros eventos desastrosos
no país, contudo, não cabe a este trabalho destrinchar todos os pontos desse momento, mas
deve-se pontuar que tal acontecimento se inicia muito antes do dia 14 de abril de 2016, quando
os deputados votaram em maioria a favor do impeachment em nome da pátria, de Deus e da
família. 16
No dia 31 de agosto de 2016, Michel Temer, então vice-presidente, assumiu a
presidência da república. As ações para o extermínio dos direitos sociais foram quase que
imediatos, como colocam Freire et al (2016):
16
Uma sucessão de eventos desencadearam esse momento: em 2013, iniciaram as manifestações em todo o Brasil
contra o aumento da tarifa de transporte; em 2014, iniciou-se uma fase ostensiva da Operação Lava Jato, utilizada
pela mídia contra a ex-presidente; em 2015, Eduardo Cunha foi eleito para a presidência da Câmara dos Deputados
com apoio da oposição; manifestações movidas pelo MBL, Vem Pra Rua, Revoltados Online, partido
Solidariedade e SOS Forças Armadas, se uniram contra o governo; no dia 2 de dezembro Eduardo Cunha autorizou
a abertura do processo de impeachment em retaliação ao apoio do PT ao processo de cassação do seu mandato
devido as informações de contas não declaradas na Suíça (MATTOS, BESSONE, MAMIGONIAN, 2016).
69
revisão das metas do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). (Freire
et al, 2016, p.2)
Segundo autor, muitos são os atentados do atual governo contra a cultura, entre eles: o
insulto a Fernanda Montenegro por Ricardo Alvim, que logo após o ocorrido deixou a direção
da Funarte para tomar posse da secretaria de cultura; a reunião anual da Unesco, onde Ricardo
Alvin atacou os últimos vintes anos da cultura nacional; as constantes afirmações da existência
de uma guerra cultural; a nomeação de Sérgio Nascimento de Camargo para a Fundação
Cultural Palmares, este, que declarou que a escravidão foi benéfica para os africanos e o racismo
no Brasil é “Nutella”.
Rubim (2021) destaca a matéria do jornal El País, do dia 27 de dezembro de 2019, em
sua edição brasileira, onde demonstra o papel econômico da cultura, alegando que o setor
mantém 5 milhões de pessoas empregadas no país com empregos formais e informais, sendo
17
O enfraquecimento da democracia com o impeachment foi ainda mais alastrado com a prisão política do ex-
presidente Lula, devido às articulações na Lava Jato, o que impôs seu afastamento da disputa presidencial, sendo
substituído por Fernando Haddad. Mesmo com as campanhas “Lula Livre”, tais acontecimentos culminaram em
um governo de extrema-direita, tendo como chefe de Estado Jair Messias Bolsonaro, o que gerou retrocessos em
todas as políticas públicas do país. (RUBIM, 2021)
70
quase 6% da mão de obra brasileira. A Lei Rouanet era a responsável por 73% do suporte as
produções culturais a época.
Contudo, sob constante ataque, no dia 17 de janeiro de 2020, não só a cultura como o
país, se viu diante de um episódio estarrecedor. O então secretário de Cultura Roberto Alvim,
em discurso sobre o edital do Prêmio Nacional das Artes, surgiu ao som do compositor favorito
de Adolf Hitler, Richard Wagner, além de plagiar partes do discurso do ministro de propaganda
nazista. De acordo com Rubim (2021):
Rubim (2021) aponta que, além deste episódio, a sua tentativa de protagonizar a dita
guerra cultural contra a esquerda não teria agradado os setores ideológicos do governo, que tem
como conselheiro principal Olavo de Carvalho. Apesar de concordarem com os valores
fascistas, o governo, segundo o autor, provavelmente prefere não ser tão escancarado.
Seu cargo foi então ocupado pela atriz Regina Duarte, que teve 78 dias medíocres a
frente da secretaria, com sua gestão marcada por episódios como: o discurso de posse, onde
destaca-se o trecho “Cultura é aquele pum produzido com talco espirrando do traseiro do
palhaço. A cultura é assim, é feita de palhaçada” (REVISTA FÓRUM, 2020, s.p.); a demissão
de sete membros de órgãos relacionados a secretaria, todos indicados por Olavo de Carvalho,
que encarou a atitude como uma guerra, onde a ala olavista iniciou um longe repúdio; as
tentativas de indicação para ocupação dos cargos que foram vetadas pelo Palácio do Planalto;
a não moção de pesar pela morte de artistas no período, como a de João Gilberto, a de Aldir
Blanc e de Moraes Moreira; além das entrevistas dadas, como a da CNN, onde minimizou a
ditadura militar, e fugiu da entrevista antes de seu fim. Através de um vídeo de despedida,
Regina Duarte e Bolsonaro encenaram a saída da atriz da secretaria para um suposto cargo na
Cinemateca. (RUBIM, 2021)
Após quase um mês, Mário Frias, também ator, tomou posse da secretaria e se mantem
até os dias atuais, tendo suas ações mais visíveis as acusações ao PT em relação à política da
Lei Rouanet. De acordo com Rubim (2021), a Secretaria Especial da Cultura tende a
71
Por trás dessa concepção, estão as ideias de destruição da cultura existente, tomando
como justificativa que esta está tomada pelo “marxismo cultural” e a criação de uma nova
cultura, autoritária, conservadora, terraplanista e com um inflexível fundamentalismo moral e
religioso. Esta cruzada, instalada em setores como de relações internacionais, culturais e
educacionais, não se concentra em uma área específica, ela mantém a destruição de liberdades,
políticas culturais e se insere em nas questões econômicas, sociais, políticas e ambientais
(RUBIM, 2021).
O autor coloca que a utilização da expressão guerra cultural, ao invés de “disputa pela
hegemonia político-cultural” (RUBIM, 2021, p.50), indica o seu real sentido, não para
desenvolver uma disputa democrática pelo poder, mas para viabilizar a violência física e
simbólica contra os adversários políticos-culturais.
E, para além disso, segundo Rubim (2021), o Brasil não está hoje em um ambiente
democrático, mas sim em um estado de exceção.18 O atual presidente, inclusive, nunca fez
18
Em que uma rápida contextualização, na democracia os direitos econômicos, sociais, políticos, ambientais e
culturais são assegurados, já no estado de exceção, o regime não é só autoritário, como totalitário.
72
O ex-secretário protesta contra o atual governo e explica a guerra não declarada contra
a inteligência, a tolerância, o patrimônio simbólico nacional, que vai contra os princípios da
democracia, fortalecendo a ideia de que o processo de extinção do MinC e as políticas
anticulturais são ferramentas políticas de um governo autoritário, que fragiliza e limita as ações
culturais, tirando a autonomia e colocando a cultura em último plano, levando a população a
mais ignorância, falta de diversidade e inclusão.
Peixe (2021) coloca, assim, a necessidade de lutar para que a cultura possa ocupar um
papel fundamental em futuros programas de governo, considerando na melhor das hipóteses,
que após as eleições de 2022, outro gestor assumirá de forma democrática e pacífica. É
necessário, então, a avaliação das experiências trilhadas até aqui para compreender as
transformações culturais, tecnológicas, políticas, sociais, econômicas e ambientais, e que estas
pautas estejam inclusas e conectadas com o papel da cultura, a fim de formular novas propostas
de políticas públicas culturais.
Apesar de todos os apontamentos no presente capítulo, vale ressaltar que este foi escrito
durante a gestão do governo Bolsonaro, em que inúmeros desdobramentos podem vir a ocorrer.
Contudo, pode-se finalizar esta parte do trabalho em forma de apelo ao momento, com a frase
de Peixe (2021), ao falar da normatização da violência e da força policial com as minorias: “É
urgente reagir e parar o massacre de negros, jovens, favelados, mulheres, comunidade
LGBTQI+, trabalhadores rurais e povos indígenas! ” (PEIXE, 2021, p.34).
75
Elevada à categoria de cidade em 1835, o município foi formado sobre uma planície à
margem direita do Rio Paraíba do Sul, rodeado por brejos e lagoas, onde escolheu-se assim, a
parte mais alta para instalar a cidade, na Praça São Salvador e seu entorno (FARIA e QUINTO
JÚNIOR, 2017), sendo hoje popularmente conhecido como centro histórico.
O centro passou por diversas intervenções com o passar dos anos, desde a construção,
entre 1844 e 1872, de um extenso canal de navegação em suas proximidades, que liga os
municípios de Campos dos Goytacazes e Macaé (TEIXEIRA E VIEIRA, 2015), passando pela
construção do Jardim de Alah, em 1944, que posteriormente passou a se chamar Parque Alberto
Sampaio, até a implantação do viaduto da Ponte Leonel Brizola, em 2004.
A Ponte Leonel Brizola alinha-se com o Canal Campos-Macaé e, segundo gestores da
época, foi construído com o objetivo de facilitar a travessia e a mobilidade do centro ao
subdistrito de Guarus. Contudo, ele agravou ainda mais o sistema viário local, já precário. A
ponte passou a cortar o Centro e fragmentar o espaço existente. Entretanto, apesar de ter
potencializado os problemas urbanos centrais e proporcionado maior fluxo de veículos,
dificultando a mobilidade e o acesso dos pedestres, a parte debaixo do viaduto por ela formada
é utilizada como polo principal da cultura urbana hip-hop.
O capítulo 2 do presente trabalho abordou a relação entre o urbano e o suburbano, neste
capítulo, no entanto, será abordada a relação entre o centro e a periferia, ou o suburbano,
buscando analisar o hip-hop, cultura oriunda das favelas e o seu principal palco em Campos
dos Goytacazes, que se dá no centro da cidade.
Faria (2005) traz o entendimento de que estar mais próximo ao centro indica o fácil
acesso a bens e serviços, não só em um sentido concreto material, mas também a um domínio
simbológico, sendo estes centros, estratégicos para a dominação espacial.
O conceito de centralidade, de acordo com Roncayolo (1992), pode ser resumido a um
local de sociabilidade, permanência comum, estabilidade de mercado e na concentração de
órgãos institucionais, mas com sentido e simbolismos aliados. Faria (2005) aponta ainda que
no espaço urbano contemporâneo, a definição centro-periferia é de difícil entendimento,
existindo a segregação imposta, das classes mais pobres expulsas do centro urbano, e a auto
segregação, onde os mais abastados saem desses centros em busca de espaços mais seguros e
privatizados, como os condomínios fechados.
Sobre o município de Campos, Faria (2005) aponta sua importância para a economia
e para a política do país desde antes de sua elevação a cidade. As intervenções a partir do século
77
XIX, onde constaram: construções de canais; estrada de ferro; instalação de água e esgoto; e
luz elétrica; mostram a inserção do município na urbanização do país. Atualmente, ela é o
principal centro urbano da região Norte Fluminense, como polo de atividades comerciais.
Faria (2005) destaca os planos urbanísticos da cidade, chamando atenção para o projeto
do engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, de 1902, que visou as questões de higiene e
saneamento. A partir desse período, o munícipio deu início as medidas higienistas no espaço
público, principalmente no centro da cidade. Pohlmann (2003) destaca a proibição de quitandas
nas ruas centrais, levantando a ideia de que a imagem do pobre era relacionada a desordem.
De acordo com Faria (2005), inicia-se assim a segregação sócio espacial na cidade,
tendo como aspectos fundamentais a supervalorização da área central, com as políticas voltadas
a burguesia, e a desvalorização das áreas periféricas, com a ausência de investimentos,
ocupação da classe mais pobre, além da construção de presídios, cemitérios e hospitais
especializados em doenças epidêmicas, afastando tudo o que era considerado ruim do centro
urbano modernizado.
Faria (2005) pontua diversas outras intervenções na área central do município, o que
acarretou ainda mais a sua valorização, enquanto a população mais pobre era deixada a margem
das melhorias da cidade, ficando nas áreas mais distantes onde eram tomadas por pântanos e
áreas alagadiças.
A expansão da cidade após as décadas de 1920 e 1930 se deram principalmente em
direção a oeste, devido ao investimento em equipamentos urbanos, como: a Praça do Liceu;
alinhamento da rua Alberto Torres; e a linha de bonde que ligava o centro a Estação da Estrada
de Ferro Leopoldina. De acordo com Faria (2005), tais intervenções e a posição geográfica ao
redor do Liceu, que está em um dos pontos mais altos da cidade, possibilitou o crescimento do
bairro Maria de Queiros, um dos mais privilegiados do município.
Faria pontua que a partir da década de 1940, começam a ficar claros os problemas da
realidade sócio espacial, que exigiu reformulações, principalmente por reivindicações das
populações menos abastadas. A imprensa da época apontava a existência de duas cidades, uma
que recebeu investimentos por 20 anos, e a outra que foi abandonada a margem e esquecida. Só
neste momento percebeu-se a necessidade por parte dos órgãos gestores de ligação entre esses
bairros e o centro da cidade. Faria (2005) acrescenta ainda, que os 40 anos relatados, desde o
plano de higienização, foram o início da expansão territorial em conjunto com os problemas de
mobilidade espacial.
Em 1944, o prefeito Salo Brand solicitou um empréstimo de vinte milhões de cruzeiros
no intuito de reorganizar e planejar a expansão urbana, tendo como entendimento de que os
78
problemas que a cidade enfrentava não eram apenas econômicos, mas também social e
urbanístico. Neste sentido, foi elaborado o plano conhecido como Plano Coimbra Bueno, de
1944, que visou reparar os erros dos planos anteriores e conduzir a expansão do município
integrando os bairros até então a deriva. Mesmo não tendo sido efetivado em sua totalidade, o
plano definiu o sentido da expansão urbana. (FARIA, 2005)
Nas décadas de 1950 e 1960, intensificou-se a segregação entre o centro e a periferia,
que segundo Faria (2005), derivou da falta de investimento nas áreas demarcadas pelo Plano de
Coimbra Bueno, em conjunto com a chegada de trabalhadores da zona rural a zona urbana,
como consequência do declínio da cultura do café e das novas leis trabalhistas. Neste momento,
Faria (2005) pontua ainda que na mídia da época encontravam-se o receio e a insegurança da
parte elitizada da cidade em relação aos grupos que começavam a demarcar novas áreas e as
ocupações irregulares, dando início ao processo de favelização.
Em 1979, o prefeito e arquiteto Raul David Linhares elaborou o Plano de
Desenvolvimento Urbanístico e Territorial de Campos (PDUC), tendo como base as leis do
Plano de 1944. O objetivo do PDUC foi corrigir os dados do tecido urbano, principalmente das
áreas mais carentes, visando as relações socioeconômicas, geopolíticas e culturais (FARIA,
2005).
A autora pontua ainda que, a partir de 1980, a favelização acentuou-se devido às
falências das usinas de cana-de-açúcar e os conflitos gerados pela expansão urbana. Ela conclui
que os planos elaborados, devido a não efetivação e ausência de intervenções nas áreas
periféricas, aumentaram a oposição entre o centro e a periferia.
Faria e Pohlmann (2020) indicam ainda o processo de urbanização espraiada que se deu
na cidade, espalhando-se desordenadamente pela planície. De acordo com as autoras, após
1970, ao mesmo tempo em que as atividades sucro-alcooleiras entravam em declínio, ocorria a
implantação do Proalcool e o começo da exploração e produção de petróleo e gás. Em 1985,
com a Lei 7.453 a União começou a dividir com os estados e municípios os recursos dos
royalties19. Contudo, devido ao êxodo rural, advindo da falência das usinas e com o aumento
da população urbana, o fenômeno de favelização se acentuou, passando de 4 favelas para 32,
de acordo com senso do IBGE de 1996. Faria (2005) coloca que ainda do início dos anos 2000,
o número de favelas se mantinha, no entanto, aumentavam os números de habitantes desses
núcleos.
19
Compensação financeira ofertada aos municípios produtores de petróleo, devido ao impacto ambiental causado
pela extração deste mineral
79
O ponto inicial da cultura hip-hop na cidade de Campos dos Goytacazes não é preciso e
nem consensual entre os integrantes do movimento de acordo com a bibliografia consultada e
com as entrevistas executados para esta pesquisa.
Em entrevista Ribeiro (2019), Paulo Roberto Gonçalves, Mestre em Políticas Públicas
na UENF e rapper, comentou, segundo suas pesquisas e experiências, que os primeiros indícios
da cultura hip-hop na área central teriam surgido com o graffiti por volta de 2004. Já Victor
Almeida (2021), conhecido por seu nome artístico Lebron Victor, fundador da Nação Basquete
de Rua (NBR), integrante do movimento hip-hop através do basquete, empresário e atual
Diretor de Projetos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo na atual
gestão, em entrevista a autora desta pesquisa, relata que, mesmo não tendo participado do início
do movimento na cidade, esteve presente em uma nova roupagem da cultura hip-hop no início
dos anos 2000, quando houve uma união entre os elementos, com ocupações no centro.
Almeida (2021) comenta ainda que por volta de 2002, ele se recorda que ocorriam rodas
de rimas em Ururaí e Custodópolis, periferias da cidade. Segundo o entrevistado, a roda de
Ururaí era a mais simbólica e conhecida e que ambas ocorriam há muito mais tempo, não
sabendo precisar uma data. Na Figura 2, pode-se perceber a distância dos bairros para o centro
da cidade, firmando sua tradição como cultura suburbana. Contudo, pontua-se que não há
registros ou documentos que comprovem tais acontecimentos e datas. Devido à escassez de
tempo e a situação pandêmica atual, não houve a possibilidade de procurar atores mais antigos
que pudessem elucidar este histórico inicial.
81
20
Codinome do pichador, criado em uma estética própria, com letras estilizadas e sobrepostas (DIÓGENES, 2014)
82
Em 2004, o grupo de três amigos, Andinho Ide, Fabi e Endi 317, criaram o Progressivo
Art Crew. Ainda neste ano, organizaram o primeiro encontro de graffiti da cidade, onde
grafitaram a parede do Condomínio Chácara da Lapa, no bairro da Lapa, ganhando mais adeptos
que se interessaram pelo movimento.
Os artistas comentam no documentário sobre as dificuldades enfrentadas na época,
como a ilegalidade do xarpi, a ausência de recursos e tintas para a prática do graffiti e o pouco
conhecimento desta arte urbana, sendo esses, obrigados a grafitar em áreas pouco visadas no
município (FIGURA 3). De acordo com o grafiteiro Jhony Misterbod: “Tem gente que começou
a pouco tempo e não sabe dessas dificuldades que era, de pintar na rua. A gente tinha que pintar
em beira de valão, em lugar que tivesse muito abandonado, pra tá fazendo o nosso graffiti. ”
(LINHA, 2021).
A primeira vez que a gente tentou pintar o viaduto, foi em 2007, inclusive tem
esse graffiti até hoje lá. Foi um domingo, um dia com os alunos, apareceu a
guarda, tentou apreender o nosso material. Apreendeu o meu caderno de
desenho, apreendeu tudo, mas a gente tinha conseguido uma autorização pra
tá pintando e conseguiu recuperar né, esse material. Inclusive, os próprios
21
Gangue ou grupo
83
guardas que apreenderam a gente, pediu pra tirar foto do graffiti com a gente.
Então isso também foi uma coisa muito marcante também, acredito que na
história de Campos. Mas depois a gente parou de pintar ali no viaduto né,
voltando só em 2014, a pintar de novo no viaduto, e a voltar a ter de novo a
mesma repressão. Mas aí a gente conseguiu um contato direto com a secretaria
de cultura, e conseguiu uma autorização. Hoje até, o graffiti em campos,
através do viaduto, existe uma autorização, assim, é, existe uma liberação pra
tá fazendo a arte em Campos. (LINHA, 2021, s.p.)
Pode-se concluir, pela fala do grafiteiro, que a repressão sofrida pela arte urbana no
centro da cidade antecede os dias atuais, e que o viaduto (FIGURA 4) foi um importante
instrumento para a mudança neste cenário, através da resistência dos artistas.
Almeida (2021) explica que os atores do projeto acabaram brigando e o fórum foi
extinto. Nesta circunstância, ele decidiu fundar a NBR, ainda em 2006, como um coletivo, com
o intuito de resgatar o que eles queriam atingir com o projeto iniciado. A NBR, segundo ele,
não era apenas um coletivo de basquete, como muitos achavam, ela foi criada com a intenção
de unir os elementos do hip-hop, expor à sociedade a importância da prática social da cultura,
visando a inclusão de jovens periféricos. Em 2009, a NBR foi legalizada como ONG. Em
postagens na página do BlogSpot do ano de 2009, é possível ver a apresentação da organização:
reuniu rappers, b.boys, DJs, grafiteiros, além do basquete, capoeira, wheeling22 e BMX23, como
pode-se ver no banner do evento, na Figura 5.
Almeida (2021) comentou sobre a dificuldade em organizar o evento, citando que ficou
durante um ano procurando meios para a realização do mesmo (FIGURA 6). Devido a esta
22
Acrobacias com motos
23
Esporte praticado com bicicleta, com inúmeras manobras, conhecido também como Bike Freestyle
86
puderam ser constatadas na página da NBR na rede social Facebook, foram: Copa de Basquete
de Rua no SESC (FIGURA 8); eventos na quadra do IFF (FIGURA 9); e ações em escolas
municipais (FIGURA 10).
[...] proibiram a gente de andar de skate na praça São Salvador tava tendo
muito atrito com a guarda então a gente andava vinha a guarda, a gente parava
voltava no outro dia e andava de novo e fomos insistentes nisso. [...] Ai
falavam para a gente ir para a rodoviária mas estava tendo muito roubo. Aí
falavam para a gente ir para o Jardim São Benetido, andar de Skate no Jardim
São Benedito, porém a galera do basquete, várias vezes rolou treta, quase
rolou briga. Porque o mesmo espaço que a galera joga basquete não dava para
se andar de skate. (MISTERBOD, 2019 apud GONÇALVES, 2019, p.55)
Percebe-se que, para além do conflito com a guarda e/ou a polícia municipal, também
havia um conflito territorial interno entre as linguagens da cultura hip-hop. Neste sentindo,
Gonçalves (2019) dando sequência ao relato de Misterbod, acrescenta que os skatistas da época
se organizaram para dialogar com o poder público para reivindicar a criação de novos espaços
para praticar o esporte, devido à degradação das pistas da cidade.
[...] fizemos uma manifestação pedindo uma pista de skate Plaza, uma pista
Plaza ao estilo pista de rua, tipo uma praça né para skate não transição que já
tinha na rodoviária com padrões de campeonatos de skate no estilo formato
street, então a gente estava fazendo este apelo na época, o Romeu Lins era
secretário de esportes radicais na fundação, esse apelo era diretamente com
ele primeiro [...] através disso tudo teve uma reunião, com o Romeu Lins lá
com o Magno que era presidente da fundação e esportes, então teve uma
reunião, chamou a gente, chamou a galera do basquete também, nós nem
sabíamos porque a galera do basquete estava lá, naquele momento, não
entendi [...] Aí com isso no dia da reunião falaram que fariam uma quadra de
basquete de rua, na qual a gente também poderia andar de skate. É foi isso que
aconteceu e nós também não ficamos satisfeitos com isso porque isso foi um
cala boca, tá ligado, não foi o que a gente pediu, foi um cala boca para a gente
para de encher o saco deles. (MISTERBOD, 2019 apud GONÇALVES, 2019,
p.55)
De acordo com Ribeiro (2019), em 2004, a “Ponte de Rosinha” começou a ser construída
quando Rosângela Barros Assed Matheus de Oliveira Garotinho, conhecida popularmente por
Rosinha Garotinho, Governadora do Estado do Rio a época, propôs a construção da mesma. A
obra tinha como objetivo a ligação viária entre as avenidas Hélio Póvoa, no centro, e Tancredo
90
24
Nome fictício para guardar o anonimato do entrevistado.
92
Já o skatista Fábio25 comenta que a ocupação do skate foi iniciada junto ao basquete e
que “Teve uma época que trancavam e essa chave ficava na nossa mão também, só que não
durou muito, gente abriu buraco ali e entrava. É um espaço público, não tem como privar a
gente de usar. ” (FÁBIO, 2021, s.p.) De acordo com ele, o primeiro evento da quadra foi feito
pelo grupo do skate, com patrocínio da loja Fluir, que é voltada para a venda de artigos
esportivos urbanos. Contudo, o entrevistado não soube dizer a data do evento, não podendo
comprovar se realmente foi o primeiro a ser realizado neste local.
25
Nome fictício para guardar o anonimato do entrevistado.
93
O coletivo iniciou a ocupação dos pilares, transformando o espaço em uma galeria a céu
aberto. A identidade hip-hop apropriou-se da ponte. Para todos os entrevistados pertencentes à
cultura hip-hop, a área sob o viaduto é tida como palco da cultura urbana, sendo responsável
pela difusão do respectivo movimento na cidade, tornando-se assim, referência da cultura
urbana local. A quadra gradeada é chamada por alguns usuários de jaula cultural. “A cultura ta
presa aqui dentro, nos deram a chave pra entrar e não nos deixam sair” (GONÇALVES, 2019,
s.p. apud Ribeiro, 2021, p. 63).
A partir desse momento, movimentos como o Coletivo Cultural Resistência Goytacá,
Baile Charme e Mutirão de Grafite começaram a ocorrer no espaço. “É um polo onde acontece
tudo, nenhum espaço na cidade tem cultura urbana como nesse espaço aqui” (GONÇALVES,
2019, s.p. apud Ribeiro, 2019, p. 62)
O palco presente hoje na praça foi inaugurado no primeiro festival de graffiti organizado
pela Prefeitura de Campos, através da Fundação Municipal da Infância e da Juventude e da
Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em 2016. De acordo com Almeida (2021), o
pedido do palco veio de um representante do passinho, em uma das reuniões para organizar o
evento em que ele estava presente, onde este teria alegado que precisava do palco para
apresentações.
O festival contou com a presença de vinte grafiteiros que contaram a história de Campos
no dique do Rio Paraíba do Sul, na Avenida XV de Novembro, entre as Pontes Barcelos Martins
e General Dutra (Figura 16). Teve como tema “História de Campos e Paz”. A festa de
encerramento ocorreu na quadra embaixo da Ponte Leonel Brizola e contou com apresentações
de hip-hop e break.
De acordo com Almeida (2021), o basquete de rua teve seu momento de efervescência
no país entre os anos 2004 e 2008, contudo, em 2010 o movimento acaba perdendo força,
inclusive na cidade de Campos. Segundo o mesmo, hoje em dia não há coletivos de basquete
de rua no município.
O skate, de acordo com Fábio, também já teve apoio do SESC, que promovia eventos,
oficinas e estrutura. O skatista comenta ainda sobre uma pista (FIGURA 17) feita na quadra
abaixo do viaduto:
Um vereador, agora não lembro se era candidato, veio aqui e prometeu uma
pista, junto com um cara que se dizia representar a gente, lá de dentro. Dessa
pista, a gente não teve nem 5% dela, precisou que o IFF finalizasse todo o
projeto. Foi aí que a gente conseguiu alguma coisa aqui embaixo. (FÁBIO,
2021, s.p.)
Com o término do Rima Cabrunco, alguns dos jovens que costumavam participar das
rodas, viram a necessidade de se unir para retomar as batalhas embaixo do viaduto, formando
assim, a Manifestação Cultural de Rimas (MCR) em 2015, como mostra a Figura 18. O coletivo
se mantém até os dias atuais.
26
Nome fictício para guardar o anonimato do entrevistado.
98
[...] Alguns pararam de ir. Não que isso seja culpa das pessoas, porque a gente
também não tem estrutura pra poder oferecer pra esses artistas também, a
gente acaba fazendo por amor, pra não deixar o movimento acabar.
(ORGANIZADOR 1, 2021, s.p.)
Entre os problemas apontados, um dos organizadores contou que em uma das tentativas
de dividir o espaço, uma pessoa em situação de rua ameaçou com uma faca a sua namorada,
que também faz parte da organização. Além disso, ele desabafou sobre eles próprios terem que
limpar o espaço, devido ao mal odor e fezes que essas pessoas deixam no local. Ademais,
acrescentam ainda a degradação do local, onde esses ocupantes cortaram as grades, quebraram
os bancos, o piso e os refletores. De acordo com um dos organizadores, em uma situação onde
eles pediram intervenção do município em relação a esses sujeitos, a guarda teria chegado com
jato d’água para expulsá-los. Dias depois eles teriam retornado à ocupação.
100
A gente tinha muita ligação com uma rima, quando eles chegaram aqui a gente
tinha combinado com eles que como a gente dividia o espaço, a gente dançava
nos intervalos das batalhas, fazia rodinha de dança, e aí quando acabava a
batalha a galera toda da rima ficava toda sentado aqui em volta enquanto a
gente estava ensaiando. [...] A gente começou a ter alguns problemas. As
pessoas que andavam de skate aqui, não curtiram a gente vir aqui dançar, aí
ameaçavam a gente, tacavam o skate na gente. Eu morava em Guarus nessa
época e eu ia andando, porque eu morava logo ali do outro lado. E aí teve uma
época que 15 skatistas vinham atrás de mim. E aí vinha um andando atrás, na
ponte, querendo me colocar medo. E tudo isso era porque a gente dividia o
mesmo espaço. E aí quando começou a ter esses problemas assim, a gente
pegou e deixou de vir pra cá. (PEDRO, 2021, s.p.)
Um dos organizadores alegou que se recorda de uma briga entre os grupos, onde um
skatista teria achado ruim um dançarino olhar para ele. Segundo o organizador, ele teve que
intervir e pedir para que os dançarinos saíssem, porque estavam em menor número e não queria
que ninguém se machucasse. Questionado sobre o que ele achava que causava a animosidade,
o dançarino alega que provavelmente o territorialismo e a homofobia.
Teve até um dia, que um deles quis arranjar problema com um de nós. Um
amigo meu parou de frente pra galera, pra ver como estava a coreografia, aí o
moleque tava sentado aqui pra traz, começou a perguntar ‘porque você tá me
encarando? ‘ E aí começou a dar aquele bolo, e começou a taxar o cara de
viadinho, e deu um bolo doido. Depois desse dia, a gente até tentou vir uma
vez, a gente veio em um dia que ia ter roda de rima, aí eles estavam com o
grupo que ofendeu meu amigo, aí eles quiseram ameaçar. Aí a gente pensou
‘mano, vamos parar de ir pra lá, porque daqui a pouco vai ficar mal falado pra
caramba o lugar por causa de briga, e vão dizer que a culpa é nossa’. (PEDRO,
2021, s.p.)
27
Nome fictício para guardar o anonimato do entrevistado.
101
Questionado sobre a situação com os dançarinos, o skatista entrevistado falou que não
tinha conhecimento de nenhuma briga no espaço e comentou que os dançarinos nunca ajudaram
o movimento. “Tinha um grupo que vinha pra cá e dominava e fazia a dança deles, mas questão
de movimentar, nunca movimentaram. Sempre chegaram, mas não agregavam. ” (FÁBIO,
2021, s.p.) Apesar de falar que não há rixa com os dançarinos, percebe-se certo incômodo por
parte do skatista. “Não existe rivalidade, existe realidade. Não é que a gente tem repúdio, eu
quero é que eles venham, mas tem que ser justo, quem faz e quem não faz. ” (FÁBIO, 2021,
s.p.)
Outra questão levantada pela autora deste projeto é a pouca presença de figuras
femininas. Os integrantes entrevistados responderam que era realmente um problema, mas
aparentaram nunca ter pensado muito sobre o assunto, falando que todo o público é bem
acolhido. Contudo, a DJ residente, que faz parte da organização, comenta que no início houve
um estranhamento por ela ser mulher, o que causava desconforto.
[...] os meninos que chegavam, pra rimar, os MCs, meio que me estranhavam
assim, não sei se essa a palavra certa, mas as vezes chegavam, e
cumprimentavam os meninos e ficavam sem jeito de me cumprimentar. Ou se
pensava às vezes, se devia me cumprimentar ou não, aí não me
cumprimentava. Aí rolava essa parada assim “quem é essa garota? ”.
(ORGABIZADOR 2, 2021, s.p.)
Apesar desse estranhamento inicial, a DJ comenta que com o tempo eles começaram a
se sentir à vontade com sua presença. Os outros organizadores declaram ainda que a entrada da
DJ teria mudado completamente a batalha, por ela começar a levantar questões de machismos
nas rimas dos MCs.
Aí rolou tipo, deu chegar pro (Organizador) e falar ‘esses moleque estão
rimando umas parada nada ver, e vocês estão rindo à beça aqui, nós da
organização ‘. A reação da plateia é isso, a gente não tem o que fazer, mas a
gente, enquanto organização, tem que ter uma postura, porque perante
algumas paradas. Aí eu chegava junto pra conversar com os meninos, aí a
(Organizadora 2) colocava mais pilha comigo. Aí a gente começou a ter uma
outra postura em relação a isso, dependendo da rima ‘por que você está
falando da tia do maluco? Não é você e ele? Porque está colocando a mãe, a
irmã no meio? ‘ (ORGABIZADOR 2, 2021, s.p.)
Rapaz, esse espaço aqui é da gente, do hip-hop em geral, porque esse espaço
é desde o Rima Cabrunco, desde a época do Sativamente, do Graveto, a galera
que é referência já passou por aqui. Grafiteiro, Misterbod, skatista, então, é
mais do que merecido a gente ter esse local, porque senão fica isso aí que
vocês estão vendo, abandonado, morador de rua, falta de segurança, e não é
isso que a gente quer, a gente quer cultura, desenvolvimento urbano e muita
arte pra favela e pro centro também. (INTEGRANTE 4, 2021, s.p.)
Soares (2015) acrescenta outro ponto importante do conselho: a abertura para que a
comunidade, ou seja, qualquer pessoa da sociedade pode participar e apresentar demandas, por
intermédio de um conselheiro. Júnior (2021) afirma que é por meio dessa dinâmica ser possível
levar à discussão, os diversos setores da cultura: “[...] eu sou do meio, então conheço algumas
pessoas, conheço a área. A intenção é que eu procure as pessoas pra elas explicarem as
demandas e a gente levar a discussão. ” (JÚNIOR, 2021, s.p.).
Desta forma, o COMCULTURA é composto por 24 câmaras técnicas, sendo elas 12 da
sociedade civil com as câmaras: Artes Urbanas; Artes Visuais; Audiovisual; Cultura Popular;
Coletivos Culturais; Dança; Gestão Cultural; Instituições de Ensino Superior; Literatura;
Música; Patrimônio Histórico; e Teatro. Além de 12 câmaras do poder público municipal, onde
os representantes e seus suplentes são indicações do poder público, sendo as câmaras: Fundação
Cultural Jornalista Oswaldo Lima; Sistema Municipal de Cultura; Sistema Municipal de
Bibliotecas; Arquivo Público Municipal "Waldir Pinto de Carvalho"; Teatro Trianon; Museu
Histórico de Campos dos Goytacazes; Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia;
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo; Secretaria de
Desenvolvimento Humano e Social; Subsecretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos;
Procuradoria Geral do Município; e Câmara Municipal de Campos dos Goytacazes.
A VII e última Conferência Municipal de Cultura, realizada em 2021, foi efetuada de
forma virtual, em decorrência da pandemia. Na conferência, puderam se inscrever
representantes da cultura em três categorias: como eleitores, candidatos ou observadores. Os
interessados deveriam escolher uma das Câmaras Temáticas para participar, anexando
documento de identificação pessoal e comprovante de residência no município.
107
Sobre a participação popular, a introdução da Lei nº 9.065 cita que “após efetivação de
consulta pública realizada pela página virtual do próprio Conselho, por 10 (dez) dias, obtendo
a colaboração de cerca de 25 (vinte e cinco) propostas de complementação ao texto apresentado
para análise pública. ” (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2021). Ao decorrer deste trabalho,
houve o acompanhamento da pesquisadora durante as fases finais do plano, incluindo a consulta
popular. De acordo com a Figura 21 e com as falas dos conselheiros entrevistados, a consulta
pública, devido a pandemia, se deu de forma virtual, assim como a divulgação desta, que se deu
principalmente por meio das redes sociais do COMCULTURA e de coletivos e fazedores de
cultura mais ligados ao conselho.
108
Júnior acrescenta ainda que a principal consulta e participação popular foi feita por
intermédio dos conselheiros que captaram as demandas de suas devidas câmaras durante os
anos e levaram para a construção do instrumento. Contudo, questionados sobre o
110
Apesar disso, de acordo com Soares (2021), a arte urbana teria sido incluída no plano.
A presidente do fórum acrescenta ainda o fato de haver uma câmara específica para este público,
conquistada há pouco tempo, mas que apenas uma pessoa se candidatou na última conferência.
“Precisa haver uma conexão mais próxima com o poder público. [...] Por mais que a gente esteja
perto, a dialogar, por mais que o poder público possa criar alternativas, eu vejo que o trabalho
tenha que ser feito da forma que você está fazendo, indo até eles. “ (SOARES, 2021, s.p.)
A presidente acrescenta que o único elemento do hip-hop presente nas discussões e lutas
do COMCULTURA, é o graffiti. Percebeu-se nas entrevistas que a forte atuação do graffiti se
dá devido a produtora cultural e integrante do movimento, Anna Franthesca, entender a
necessidade de participação dos grupos não só nos editais, mas também nas discussões sobre
política pública cultural no município. Anderson Santos, conhecido como Andinho, marido de
Anna e grafiteiro, que também foi entrevistado, acrescentou ao tema:
A galera tem que ir aos conselhos, tem que conhecer as pessoas, saber qual o
contexto, pra depois brigar. [...] Pra galera é preciso, porque numa hora que
eles precisarem brigar, as pessoas tem que saber quem são eles pra ver com o
que que eles estão lidando. (SANTOS, 2021, s.p.)
Apesar da forte atuação do graffiti pelos dois atores mencionados, o atual conselheiro,
também grafiteiro e um dos fundadores do coletivo Lamparones, David Montezuma, conhecido
como Dom, não foi identificado em nenhuma das reuniões presenciadas pela pesquisadora no
ano de 2021. Questionado em entrevista concedida para este trabalho, o conselheiro comentou
sobre a ausência:
111
Com esse lance de reuniões pela internet, eu não me adaptei muito ainda, não
tive muito acesso. Mas eu tenho trocado ideias com as pessoas próximas do
conselho que eu tenho afinidade, que é o Fabrício, a Clarissa, então, eu tenho
buscado trocar ideias e apresentando ideias. Eu basicamente não interagi nas
lives pra não tomar tempo, as pessoas já tem tipo um roteiro, de fala, a gente
não consegue todo mundo falar ao mesmo tempo, se não vai tornar uma parada
muito grande, entendeu? (MONTEZUMA, 2021, s.p.)
Figura 24 - Divulgação da Lei Aldir Blanc para a distribuição de recursos remanescentes em 2021
E aí é outra briga, porque não temos artistas capacitados para fazer editais, não
temos. Na lei Aldir Blanc que todo mundo que falou ‘A’ ganhou. Isso é um
absurdo. Eu estudei pra cacete, pra pegar R$20.000 e dividir pra 10 artistas e
cada um ganhar R$1000,00 e ver um cara que fez um projeto bosta e ganhou
115
R$20.000, pra mim isso é uma ofensa, porque eu acho que se a pessoa quer
captar, ela tem que estudar. (SANTOS, 2021, s.p.)
É um pessoal que está invisibilizado porque diz o que tem que ser dito. [...]
Eu acho que é um papel social muito importante, que é dar voz a quem não
tem voz. E que acabam não tendo, exatamente porque estão falando aquilo
que não querem que eles digam. Entendeu? Ele é invisível exatamente porque
ele dá visibilidade aquilo que não deve ser dito num politicamente correto. [...]
Gostaria que eles estivessem em espaços mais suntuosos, no Trianon, no
Teatro de Bolso, no Museu. [...] Colocar não só nesses equipamentos, mas nas
outras praças, de outros distritos, porque dentro do nosso plano de cultura, nós
temos a descentralização das atividades culturais. (SOARES, 2021, s.p.)
116
Neste contexto, pode-se trazer à tona, a crítica de Almeida (2021) sobre o hip-hop no
município. Segundo o diretor de projetos “O hip-hop não está na periferia. [...] Se você pegar
hoje a periferia de Campos, o hip-hop não entra. ” (ALMEIDA, 2021, s.p.). Ele acrescenta ainda
que, apesar de encontrar sujeitos que ouvem músicas e bandas como Racionais, há a ausência
do diálogo e acesso, pois o consumo destes locais está baseado na produção da cultura de massa.
Vale ressaltar ainda a origem da cultura. Apesar de ser oriunda de espaços periféricos,
onde os jovens utilizavam desta para a superação de uma ordem social, o que aparentemente
está acontecendo hoje, é a evasão desses grupos para os centros urbanos. Ainda de acordo com
Almeida (2021):
Você não ouve falar, por exemplo, de uma manifestação da galera do rap, pra
ir numa favela e ensinar rap para as crianças que estão lá paradas, ou numa
escola, para se juntar, você não ouve falar disso. Você não ouve os grafiteiros
fazer uma ação social, eles querem pintar. Você não ouve falar dos B.Boys
pegar, e sei lá, ir pra pegar essas crianças, que hoje a gente tá cheio de criança
em situação de rua em Campos, e fazer uma aulão com elas, para poder
ensinar, parar com ela no meio do trânsito, pra poder ensinar. Você ouve a
galera do break querer ir para as escolas de dança para dar aula, você vê a
galera do graffiti correr atrás dos seus trampos comerciais, como artista
plástico, ou artista de audiovisual, você ouve a galera do rap querer gravar CD
e querer ficar famoso no TikTok e no Instagram. Não tô falando nada contrário
da galera querer progredir, eu tô dizendo que isso não é cultura hip-hop, isso
não é movimento hip-hop. (ALMEIDA, 2021, s.p.)
Para o empresário e diretor de projetos, não existe movimento hip-hop na cidade, porque
de acordo com ele, o movimento hip-hop deve ser composto dos cinco elementos, sendo o
principal deles o conhecimento. E acrescentou que não é necessário cantar, rimar, grafitar ou
dançar para ser hip-hop, é necessário estar ligado ao movimento, de acordo com as diretrizes
que a fundaram como uma cultura de resistência.
E isso era uma outra coisa, que aqui em Campos, as pessoas tinham uma
dificuldade de entender, para eles, ser hip-hop era quem rimava só. E isso
acaba contaminando. Os breakers, eles se entendem como street dancers e
117
não como hip-hop. E o hip-hop é uma filosofia, eu sou hip-hop. Você é hip-
hop, você, na arquitetura, mas você tá focada numa visão de cultura urbana,
isso é hip-hop. O hip-hop é uma essência, sabe? Como se fosse, como eu posso
dizer, uma doutrina. [...] O hip-hop ele existe, o que não existe é o movimento
hip-hop. Importante destacar isso. [...] Então o hip-hop, que antigamente
falava de realidade, de autoestima, de segurança e até de ostentação, ele passa
a falar de droga, de putarias, de coisas vazias, de se acabar com drogas, tipo
assim, de virar uma noite bebendo, cheirando, fazendo tudo completamente
antagônicos ao que o hip-hop prega. (ALMEIDA, 2021, s.p.)
Questionado sobre o que ele considerava ser o motivo por trás disso, ele respondeu que
seria a ausência do quinto elemento, o conhecimento. E acrescenta que se considera culpado,
assim como todas as pessoas que vieram antes da nova geração, por não ter repassado os
conhecimentos adiante. Ele comenta que o hip-hop, sendo de origem negra africana, tem uma
cultura ancestral, e que tal ancestralidade é passada pela oralidade, pela conversa, e que eles
teriam parado de fazer isso. O empresário e fundador da NBR afirma ainda que:
Em 2022, a gente vai voltar com força nesse cenário. A gente vai voltar a
intervir, se tudo der certo, com as coisas se caminhando, A gente vai voltar a
trabalhar diretamente nisso. Todo dia a gente tem tido algum movimento,
alguma reunião pra poder realmente voltar. Mas também a experiência nos
trouxe, que a gente não pode começar e não dar continuidade, como a gente
começou lá atrás e a gente não conseguiu continuar. As pessoas abriram mão
do que a gente tava fazendo, todas elas abriram mão do hip-hop. (ALMEIDA,
2021, s.p.)
A NBR hoje em dia, ela atua muito mais como uma ponte entre essas
juventudes de favelas e periferias e seus direitos do que qualquer outra coisa.
E no meio do caminho a gente vai achando as formas de dialogar, as vezes é
o hip-hop, as vezes é o funk, as vezes é através de uma ação educativa, são
muitas outras possibilidades. Nós somos uma organização que entende que a
juventude é resposta. São a solução para os problemas que a gente tem. E a
nossa juventude está morrendo, está sendo exterminada. Então, se a gente não
encontrar formas que mantenham a juventude viva, pensando no futuro, e
pronto para esse futuro, ela vai continuar sendo exterminada. (SILVA, 2021,
s.p.)
Pode-se perceber assim, que mesmo o hip-hop sendo uma ferramenta para as
comunidades mais carentes, ele está cada vez mais distante da realidade da qual emergiu:
Ninguém está oferecendo hip-hop pra favela. Na favela, não tem uma favela
que não gosta que você cuide das crianças, ou não tem uma favela que não
tenha mulheres com problemas reais sabe? De violência de gênero, pobreza
menstrual, e o hip-hop pode ser a ferramenta que vai dar isso, e aí você está
fazendo hip-hop. (ALMEIDA, 2021, s.p.)
Apesar das críticas do diretor de projetos, em reunião com a organização da MCR para
coleta de dados e demandas, dois dos objetivos expressados por eles foram: a ida a escolas
119
municipais para levar o rap as crianças e adolescentes; e a ocupação de praças periféricas com
as batalhas de rima. Tais desejos foram colocados em pauta pelos próprios organizadores, sem
intervenção ou questionamento da pesquisadora. Percebe-se então, que há o desejo desses
jovens em levar o hip-hop para outros âmbitos, contudo, sempre são retomadas as problemáticas
financeiras e de ausência de estrutura.
O diretor de projetos da atual gestão e fundador na NBR, durante a entrevista com a
pesquisadora, propôs um encontro com o coletivo para conhece-los e inclui-los em planos
futuros da ONG. Contudo, até a escrita do presente trabalho, não foi possível criar a ponte entre
a organização e o coletivo.
Entende-se, com isso, a necessidade da união do coletivo com outras instituições, assim
como a união entre os próprios elementos do hip-hop, o que não foi constatado no município.
Além disso, acrescenta-se o fato de que, apesar de o movimento se apresentar como forte
ferramenta de voz e participação das classes menos abastadas em espaços institucionalizados e
que teriam vínculo com o poder público, este não apresenta ter ações, vínculo ou conhecimento
desses meios.
Questionada sobre a possível construção de um Plano de Ação para esse grupo, que
pudesse fomentar a cultura e ajudá-los na organização e cumprimento de metas, a Presidente
do Fórum Regional de Cultura, Kátia Macabu expressa que:
A partir dele você teria um material muito bom pra já pôr em prática e ajudaria
o município inclusive com essa proposta, no encaminhamento dessa proposta.
[...] Podemos apresentar para a Câmara de Arte de Rua, para que esta pessoa
solicite que na próxima reunião este tema seja incluído e dizendo que vai ter
uma convidada, que vai ter direito a voz e explicação. E o conselho pode
aprovar e encaminhar para a fundação, para mim, para a diretoria de artes
culturais, para que a fundação possa executar esse plano. (SOARES, 2021,
s.p.)
Entende-se, assim, que tal plano pode ser capaz de incluir o grupo em esferas
institucionais visando buscar uma cidadania cultural, em que as políticas culturais devem
atender aos anseios e às necessidades da população, e que só é possível chegar até esta por meio
da participação. A presidente ainda acrescenta sobre a importância dessa participação:
Eles não participam porque não tem conhecimento, e as vezes não participam
porque acham que é coisa da prefeitura. [...] A participação popular, a
participação da sociedade civil, ela é ceifada, e por conta disso, a própria
sociedade não se entende como imponderada, como pertencente aquele
núcleo. Então, o que você falou dos meninos embaixo da ponte, eles não se
sentem parte desse núcleo. (SOARES, 2021, s.p.)
120
Como pontapé inicial, tomou-se como referência as orientações oferecidas pelo MinC
em conjunto com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2017, para a elaboração dos
planos municipais de cultura, detalhadas no livro “Planos Municipais de Cultura: Guia de
Elaboração” (BRITTO, 2017). O guia funciona como uma cartilha, servindo como norteador
para as administrações municipais a fim de que estas executem programas para atenderem às
necessidades e especificidades de cada município.
Outra referência importante foi o Plano Municipal de Cultura de Campos dos
Goytacazes, sancionado em maio de 2021. Como dito anteriormente, a estrutura do PMC é
composta por 4 diretrizes, 2 objetivos gerais, 5 objetivos específicos, 25 estratégias, 37 metas
e 82 ações. A utilização deste se deu principalmente a fim de compreender as pretensões dos
rumos culturais no município, para que assim, o Plano de Ação do coletivo MCR possa
caminhar em conjunto com suas aspirações.
No entanto, o documento que este trabalho buscou desenvolver, não tem a magnitude
de um plano municipal, devido ao tempo para seu o desenvolvimento e por se tratar de um
plano de ação voltado para um recorte menor, estimando alcançar apenas um coletivo cultural.
28
As entrevistas realizadas foram não estruturadas, contudo, no Apêndice A e B pode-se conferir os esboços que
nortearam as conversas.
122
Neste sentido, uma referência estrutural importante foi a Minuta do Plano de Cultura do
Instituto Federal Fluminense, mesmo este se tratando de um documento que abrange uma
instituição extensa, com diversos campi e cursos, sendo composto assim, por 06 eixos
temáticos, 14 diretrizes distribuídas pelos eixos, 28 metas e 108 estratégias.
Sobre o PMC, como visto anteriormente, é importante ressaltar que este é o componente
essencial para o planejamento da cultura dos municípios a longo prazo, devendo ser elaborado
para realização em um panorama de dez anos, tendo que incluir: diretrizes; objetivos; metas;
ações; prazos de execução; e indicadores de resultados para acompanhamento.
O plano é um instrumento de políticas públicas e está inserido no SNC, construído como
consequência das orientações das Conferências Nacionais de 2005 e 2009. Parte de suas metas
deve ser alcançada a partir da participação municipal, visando, assim, a democratização ao
acesso à cultura e a promoção do desenvolvimento humano, social e econômico com base nos
direitos culturais. De acordo com o guia:
Apesar do plano de ação proposto neste trabalho não se tratar de uma Lei, como o PMC,
foram seguidas duas das cinco premissas e princípios metodológicos indicados no guia citado
anteriormente, como: a elaboração participativa, tanto por meio da organização do coletivo,
quanto dos integrantes, que participaram ativamente de sua construção; e o planejamento
técnico e político, onde no primeiro, foram utilizadas metodologias indicadas no guia para a
organização, sistematização e hierarquização das informações, e o segundo, visou a dimensão
e os rumos do PMC de Campos dos Goytacazes, envolvendo assim, diversos interesses e a
negociação com diferentes atores.
De acordo com o guia, é fundamental que os responsáveis pela elaboração de um plano
“se engajem em um processo dialogado buscando pluralizar e harmonizar suas visões distintas
da realidade: tanto sobre como ela é, quanto sobre o que precisa ser feito para que ela se torne
a desejada. ” (BRITTO, 2017, p.29) O PMC de Campos dos Goytacazes também reforça a ideia
de que não cabe apenas ao poder público “planejar e fomentar políticas públicas de cultura, esse
papel deve ser compartilhado com a sociedade civil na defesa dos valores democráticos de
participação e de colaboração. ” (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2021, p.6)
123
Em relação à estrutura do plano, no guia, são propostas etapas de elaboração, bem como
seus desdobramentos, a qual aderiu-se neste trabalho em partes, se adequando à realidade dos
agentes culturais do coletivo MCR e da cultura hip-hop. A Figura 26 mostra as etapas de
elaboração do guia, já a Figura 27, revela as adequações tomadas para o presente Plano de Ação
com a exclusão de alguns desdobramentos que serão explicados mais à frente.
Seguindo como referência o PMC de Campos dos Goytacazes (FIGURA 30), iniciou-
se o Plano de Ação com uma breve apresentação do documento, contendo: período de execução
do plano; estratégias metodológicas e de coletas de dados; objetivos; além de sua organização.
Como se pode ver na Figura 31, a estrutura do documento foi composta por 4 diretrizes, 1
objetivo geral, 4 objetivos específicos, 16 metas e 60 ações. Além disso, foi feito um breve
resumo dos resultados e impactos que se pretende alcançar através deste. Tomando como base
os PMC, que devem ser efetivados em 10 anos, decidiu-se que o Plano de Ação adotaria metade
deste tempo, por se tratar de uma escala menor. Espera-se assim, que ele seja completamente
efetivado dentro de um período de 5 anos a partir de sua construção.
Para a elaboração das metas e dos objetivos demonstrados, como já mencionado, foram
sistematizados os dados extraídos pelas pesquisas de campo, bem como as próprias metas e
ações do PMC de Campos dos Goytacazes, como:
Meta1. Custear, pelo menos, 10 (dez) obras por ano, totalizando, no mínimo,
100 (cem) obras em 2031. [...]
Além disso, no segundo objetivo, como se pode ver nas Figuras 38 e 39, tomou-se como
base principalmente as estratégias 6 e 7 do PMC:
Meta1. Estimular visitações anuais de, ao menos, 50% dos alunos das redes
pública e privada, bem como de grande parte da comunidade, aos
equipamentos e às manifestações das diversas expressões culturais. [...]
5) Descentralizar
II - arte de rua.
Meta1. Por meio de incentivo à realização de, pelo menos, 2 (dois) encontros
por ano na forma de seminário, fórum, congresso e de atividades de
intercâmbio totalizando, no mínimo, 20 (vinte) em 2031.
3) Capacitar
Ação2. Criar editais de ocupação para uso dos equipamentos públicos que
assim o permitirem. [...] (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2021, p.33)
141
O coletivo, contudo, entrou em contato com a autora deste projeto para que esta tentasse,
por meio de interlocução com o COMCULTURA, a reestruturação mínima do espaço para que
eles pudessem retornar com as batalhas ainda no ano de 2021. A fim de levar a pauta para o
conselho, a pesquisadora entrou em contato com o conselheiro de Artes Urbanas, para que este
pudesse incluir o assunto em uma reunião. Assim, no dia 16 de novembro de 2021 (FIGURA
49), o conselheiro abordou brevemente a proposta em assuntos gerais na reunião do
COMCULTURA. Como resposta, a Presidente da FCJOL e do COMCULTURA pediu que o
retorno fosse efetuado apenas em 2022, devido à pandemia da COVID-19. Em seguida, a fim
de mediar a discussão, a autora deste projeto pediu voz e defendeu o coletivo, ressaltando a
importância da manifestação e do espaço residual da Ponte Leonel Brizola que está em
abandono, não fazendo sentido a não realização do evento, tendo em vista que a própria
prefeitura já teria liberado a abertura de bares, bem como a realização de eventos, se respeitadas
as medidas de segurança. Após a fala da pesquisadora, a presidente da FCJOL informou que
marcaria uma reunião com o coletivo para tratar o assunto, reunião esta que foi agendada no
dia seguinte à solicitação.
executiva das Artes e Culturas da FCJOL, Kátia Macabu; o conselheiro de Artes Urbanas,
David de Oliveira Montezuma; responsáveis pelo Centro Pop; dois organizadores da MCR; e a
pesquisadora deste projeto. Na reunião (FIGURA 50), a pesquisadora apresentou brevemente a
trajetória do coletivo e da Ponte Leonel Brizola, bem como a importância destes para a arte
urbana da cidade.
29
Anexo A
147
A notícia também foi postada no Instagram da FCJOL, como se pode ver na Figura 52.
30
Anexo B
152
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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3. Você estuda?
4. Você trabalha?
3. Você estuda?
4. Você trabalha?
PLANO DE
AÇÃO
MANIFESTAÇÃO CULTURAL DE RIMAS
Ficha Técnica
PLANO DE AÇÃO
OBJETIVO GERAL
Fortalecer a cultura hip-hop, com foco no
coletivo MCR, e instrumentalizar seus agentes,
visando o incentivo e o fomento, de modo que
estes possam manifestar-se livremente e serem
incluídos no processo de gestão participativa.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Requalificar a Quadra de Esportes Hugo
Oliveira Saldanha, espaço onde a MCR
realiza suas manifestações;
Gerir e captar recursos financeiros;
Organizar o coletivo;
Capacitar a organização.
11
PLANO DE AÇÃO: MCR
OBJETIVO
REQUALIFICAR A QUADRA DE
3.3 METAS E AÇÕES ESPORTES HUGO OLIVEIRA SALDANHA,
ESPAÇO ONDE A MCR REALIZA SUAS
MANIFESTAÇÕES
Adquirir: 2 caixas de som ativas 12 Ksr Pró; 1 mesa Ksr Pró; 2 tripés Ksr Pró; 2
cabos Xlr 5m Hayonik; 3 microfones sem fio VHF profissionais; 1 notebook;
AÇÃO 5
Suporte de Notebook e Controladora; Controladora Pioneer DDJ 200; e 1
câmera.
12
Confeccionar banner ou placa com a logo da MCR para utilização durante os
AÇÃO 6
eventos.
PLANO DE AÇÃO: MCR
OBJETIVO
REQUALIFICAR A QUADRA DE
3.3 METAS E AÇÕES ESPORTES HUGO OLIVEIRA SALDANHA,
ESPAÇO ONDE A MCR REALIZA SUAS
MANIFESTAÇÕES
Criar vínculo com órgãos sociais e municipais como o Centro Pop e a Secretaria
AÇÃO 1 de Desenvolvimento Humano e Social, para acolhimento e ressocialização das
pessoas em situação de rua que ocupam a quadra.
13
AÇÃO 3 Buscar por patrocinadores que se interessem em ter sua marca vinculada à
cultura urbana, como lojas de esportes urbanos, produtoras, entre outros.
14
AÇÃO 3 Fazer parceria com vendedores para garantir uma porcentagem de vendas em
dias de eventos privados.
AÇÃO 4 Produzir e vender artigos da MCR como: blusas; bonés; moletons; adesivos;
chaveiros; entre outros
15
AÇÃO 2 Gerenciar o capital, garantindo a reserva para investir nas ações propostas.
16
Buscar aproximação com coletivos de graffiti, break, skate, basquete e DJ, com
AÇÃO 1
intuito de criar vínculo e projetos em parceria
18
Retornar com a biblioteca MCR, onde eram expostos livros para empréstimo
AÇÃO 1 durante as batalhas.
Fazer parcerias com artistas locais, como fotógrafos, artesãos, pintores, entre
AÇÃO 1 outros, para que estes realizem amostras no espaço, em dias de batalha ou não.
21
22
23
AÇÃO 1 Realizar todas as ações, metas e objetivos presentes neste Plano de Ação.
Criar CNPJ, tornando a MCR uma Entidade cultural com CNPJ, sendo possível a
AÇÃO 4
participação em editais com essa exigência.
REALIZAR CAMPANHAS DE
AGASALHO, ALIMENTAÇÃO ETC.
5 CRONOGRAMA DE AÇÕES 29