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As Wicked As You Are - Samantha Birdie
As Wicked As You Are - Samantha Birdie
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Àqueles que amam jaquetas de couro, bad boys apaixonados, garotas
decididas, cigarros baratos e lábios adocicados. Aos amantes de romances
intensos e, principalmente, do caos. Eu dedico tudo isso à vocês. Eu dedico
cada pedacinho deste caótico universo à vocês.
Você, Nicholas Thompson, era tudo que eu queria.
E eu era seu paraíso mais caótico.
— Alice Wonders
PRÓLOGO
ALICE WONDERS
Todos os dias, quando a luz forte do sol entra pela janela do meu quarto,
quando sinto o cheiro de cigarros baratos e bebidas caras, eu sei que não
estou em casa. Eu sei que estou num quase inferno.
Já me disseram muitas e muitas vezes, me avisaram que o bonito é
tentador e pecaminoso. Me disseram muitas vezes que basta se deixar levar
pela tentação e pronto, o caos está feito. Me mandaram resistir, mas
esqueceram de mencionar que Wiston Hill, uma cidade chamada de utopia,
seria pior que qualquer outro lugar. Seria quente da forma errada.
Ninguém me avisou que olhos azuis podem ser misteriosos e ninguém me
avisou que eles guardam os maiores prazeres de todos.
Sim, os seus olhos azuis. Eu realmente não queria gostar de você. Nunca
pensei em me apaixonar e o meu tipo de prazer era outro, completamente
diferente, mas tão errado quanto o seu. Eu tinha problemas e segredos, como
todos os outros, um caos escondido no fundo da minha alma e dos meus
pensamentos.
E você também era assim.
Você, Nicholas Thompson era o caos disfarçado de perfeição. Você era o
proibido.
Ao seu lado descobri que quebrar regras pode ser delicioso e descobri que
mentiras podem ser perigosas.
Não, eu não gosto e nunca gostei da ideia de me apaixonar, mas acabou
sendo muito mais intenso. Você é muito mais intenso que qualquer outra
coisa e eu deveria saber, porque seus olhos azuis brilhavam de uma forma
diferente na primeira vez em que os vi.
E eu odeio o fato de ter te deixado entrar assim, odeio a sua malícia e a
sua persistência. Odeio os seus lábios quentes e as suas mordidas. E também
odeio os seus abraços confortáveis e seu sorriso maravilhosamente
provocativo.
Eu senti, e ainda sinto, o caos se aproximando, o incêndio começando,
porque ainda sinto sua respiração pesada em meu pescoço. Você ama segurar
na minha cintura, você ama me ver na ponta dos pés para acompanhar a sua
falação.
Você ama o que, teoricamente, não pode ter e o conquista mesmo assim.
Você me conquista cada vez mais.
Quem sabe, o inferno consiga ser doce. Talvez eu adore toda essa merda e
talvez, por isso, as paredes estejam desmoronando.
Então, eu deixo o fogo tomar conta de tudo.
01
HEAVEN
"O paraíso só deixa que alguns entrem nele.
É tarde demais para eu escolher isso."
The Weeknd | Real Life
ALICE WONDERS
Meus fios escuros dançam com o vento frio. Sinto a brisa, o cheiro do
mar carregado no ar. Me encosto na parede externa do bar, onde a noite reina
e o silêncio conforta. Olho o céu, tão escuro quanto meus pensamentos.
Eu não sou uma Wonders, não por aqui, não longe de meus pais e de
suas empresas. Eu estou livre, pela primeira vez em anos. E eu amo a
sensação de liberdade. Eu amo o livre arbítrio, a possibilidade, o poder de
errar.
Minha irmã Cherry dizia que eu estou me destruindo mentalmente, mas
tenho motivos para isso. Eu tenho um passado conturbado. Mesmo assim,
fico feliz em observar as estrelas depois de doses de tequila.
Percorro o estacionamento com os olhos, a rua vazia, a praia do outro
lado, a areia. Observo as árvores. Então, sinto o calor. Não é início de verão,
não está realmente quente.
Encostado na mesma parede que eu, distante, ele me observa. Ele me
analisa da cabeça aos pés enquanto aproveita de um cigarro. Ele passa seus
olhos azuis por todo meu corpo, quase que me desafiando. Há pecado em
suas íris, há perversão em sua face. Eu sinto. Eu sei.
E ele continua a me olhar, sem medo, sem recuo. Seus dedos brincam
com o cigarro aceso, seus fios escuros são bagunçados pelo vento. Seu
maxilar tensiona enquanto o mesmo me provoca. É como fitar a
personificação de um paraíso. Tentador.
O garoto sorri com malícia quando nos encontramos, separados por uma
porta de bar, à passos um do outro. Quietos e, ao mesmo tempo, barulhentos.
Eu sei, porque a minha mente grita ao absorver sua figura.
Desejo.
Suspiro ao vê-lo tirar sua atenção de mim. Minhas pernas enfraquecem,
mas logo voltam ao normal. O calor me domina, o impulso toma conta do
meu corpo. Temo encontrar suas íris mais uma vez, a sensação que elas me
provocaram foi devastadora. Ele me examinou por segundos que pareceram
horas e eu senti o peso do seu olhar.
De soslaio vejo o movimento de seu corpo. O menino ri baixinho
olhando para o chão, joga a bituca fora e anda até a porta — próxima demais
de mim.
— Tem outro cigarro? — questiono analisando a praia, sem lhe dar a
atenção que merece. E merece muito.
Não ouço a resposta, na verdade, ele não fala comigo. O garoto se
coloca à minha frente, me forçando a encará-lo, me forçando a lidar com os
arrepios. Do bolso da sua calça surrada e preta, ele retira um maço.
— Obrigada — falo antes que me entregue o que pedi. Um sorriso sutil
aparece em seu rosto, mas some em seguida, me deixando incerta. Foi apenas
uma impressão ou ele realmente gostou de me ouvir agradecer?
O garoto estica a caixinha para mim, deixando-me escolher um dos
cigarros. O faço com rapidez, mas acabo por sentir sua pele quente em minha
mão. Extremamente quente. Por impulso ou por vontade, ergo o olhar e
encontro suas íris azuis escuras, elas já me observam e estremeço quando me
dou conta.
— Nunca te vi por aqui. — As primeiras palavras que o ouço dizer. Sua
voz é rouca, seu maxilar é perfeitamente desenhado e me controlo para não
passar meus dedos em sua pele.
— Com certeza não — respondo e levo o cigarro à boca. De repente, o
ainda desconhecido agarra um isqueiro e o acende.
Suas mãos ficam próximas do meu rosto, nossos olhos se conectam e,
por alguns segundos, penso em quais outras sensações ele conseguiria me
causar, além dos arrepios e calor.
— Sou nova — confesso. Ele sorri. — Gosta do que vê? — questiono,
provocando-o.
O garoto ri, mas seu olhar me devora. Ele molha os lábios. Sinto que
pode me atacar à qualquer momento, como um animal selvagem faria.
Suspiro.
Ele não responde a minha pergunta.
— Sou Nicholas.
Me deixo analisar seu abdômen perfeitamente coberto por uma camiseta
preta. Seus músculos, mesmo assim, continuam notáveis.
— Alice — respondo.
Ele não se cansa de me queimar com suas íris misteriosas, Nicholas
aproveita bem do que vê.
— Espero te encontrar novamente — sussurra e volta à porta do bar.
— Você não respondeu a minha pergunta. — Insisto, fitando-o, tentando
fazê-lo estremecer assim como fez comigo. Nicholas me olha sem muita
paciência.
Mordo o lábio. Ele é perfeito.
Seu corpo se move lentamente, sinto sua pele na minha e Nicholas me
coloca contra a parede. Ergo a cabeça, ele é alto e eu estou sem saída.
— Talvez. — Merda de resposta que não esclarece coisa alguma. — E
você, Alice?
Tento sorrir de canto, tento me desapegar da prisão que são suas íris,
mas o menino possui certo poder sobre meu corpo. Começo a arfar contra a
minha vontade, o ar entre nós é quente.
— Gosto cada vez mais — respondo sem a timidez que, às vezes, me
ataca.
Nicholas sorri com maldade, analisando cada traço da minha face. Era
pra ser só um flerte de bar, mas por algum motivo a sua pele me aquece de
uma maneira estranha.
Deliciosa, mas estranha.
— Certo — murmura e por um segundo penso em colar nossos lábios,
porém meus músculos ainda não me respondem.
Ele me examina por uma última vez e sai, sem interrupções. Tento lidar
com a minha garganta seca e os impulsos entre as minhas pernas quando
Nicholas parte, me deixando afundar em tentação.
Heaven, o bar, está cheio de desejos proibidos.
02
TENTADORES
"Ontem à noite, você estava ao meu lado.
Espaço e tempo, eu quero me perder em seus olhos."
Zayn | Tonight
ALICE WONDERS
Afasto a coberta com calma, sentindo o suor escorrer pela minha testa.
Como se já não bastasse a ressaca, o som estridente do despertador me irrita.
— Andressa! — grunho, mantendo os olhos fechados. O travesseiro em
meu rosto abafa o som, mas ainda não é suficiente. Preciso de silêncio.
— Você poderia se levantar. — Suave e doce, soa pelo quarto enquanto
ouço seus passos vagarosos. — Bom dia — diz e, finalmente, desliga o
aparelho.
Abro os olhos com lentidão, para ter certeza de que a claridade que entra
pela janela não me fará gritar de dor, mas não sinto nada. Estou teoricamente
bem. Se descartar os sonhos baseados em memórias da noite anterior — o
cheiro de menta preso ao corpo de Nicholas —, estou bem.
— Que horas são? — questiono, observando seus cabelos ruivos e
longos, seu corpo enfiado num vestido preto e florido. Sua cintura é bem
definida e sua pele, cheia de sardas. Andressa joga alguns fios para trás dos
ombros e se senta na beira de sua cama.
Ela é extremamente linda, cada detalhe é gracioso. Na primeira vez em
que a vi me senti hipnotizada por seus traços. Seus olhos verdes brilham com
a luz que entra no quarto.
— Mais de dez.
Eu ainda fico chocada com o tom doce de todo seu corpo, com a
simpatia grátis. Ela é muito amigável. Andressa não parece só mais uma
garota rica e mimada, como as outras da fraternidade em que moramos.
Me sento, sentindo a cabeça latejar. Fecho os olhos novamente. Eu
nunca mais irei beber.
— Cacete — murmuro, levando a mão à cabeça. Andressa ri baixo, com
discrição.
— É, imagino, você voltou mal ontem.
Não me incomodo com a sua reação, não enquanto tento me lembrar do
que aconteceu depois dos cigarros e flertes inesperados. Eu entrei no bar,
continuei bebendo, mas não me recordo de andar até a fraternidade e me
jogar na cama bagunçada.
— E eu voltei sozinha? — questiono com certa preocupação. A noite
anterior não passa de um borrão irritante, mas ainda me lembro do quão
desejável Nicholas era.
Abro os olhos e encontro seu sorriso malicioso que não combina com
suas íris brilhantes e inocentes. Ela não me responde.
— O que foi? — Soa um tanto ríspido. A ruiva suspira com calma,
porém tal sentimento não habita meu corpo. Estou nervosa.
— A sua pergunta é do tipo que me leva à fazer outras perguntas —
explica. — Por exemplo, se você tinha motivos para voltar acompanhada.
Rolo os olhos ao notar o tom cômico que descansa em sua voz.
Andressa, apesar de ser um amor, é extremamente curiosa. No meu primeiro
dia em Wiston Hill, ela me questionou sobre família, amigos, namorados e
todo o resto. Me senti tonta com as suas perguntas.
— Esquece. — Deixo-a desanimada. — Eu não me lembro, não
exatamente.
A minha explicação parece boa, eu realmente não faço ideia. Então, ela
me deixa em paz, mas não tira a atenção da minha face. Continua me
observando com certa cautela. Me apoio na mesa de cabeceira e me coloco de
pé com muita dificuldade, tudo ainda gira.
— Você está aqui há meio verão — começa — e eu te vi beber muitas
vezes. Parece um costume.
— Eu sei, mas eu vou parar — minto, é o que todo viciado diz. É uma
frase mais clichê que "não estou bêbada" depois de ingerir oito doses de
tequila. Sorrio com sutileza, sabendo que algumas coisas não mudam, mas
Andressa parece preocupada.
— Onde foi ontem? — Há curiosidade em sua voz, como sempre.
— Ao Heaven Bar — respondo me levando ao banheiro, fugindo da
conversa irritante. Quando ela tenta cuidar de mim me lembra a minha mãe,
que sempre fingiu preocupação, mas nunca realmente se importou.
E eu odeio me lembrar de Katherine.
— Fica perto, na praia — conta como se eu não soubesse. — Deve ter
voltado sozinha, já que o Campus fica logo atrás. — A sua incerteza só me
deixa mais enjoada.
— Pode ser — concordo e, mesmo assim, ela não desiste. Entro no
banheiro com pressa, mas a ruiva me segue.
— Devia ir mais devagar. — A menina examina meu corpo, fazendo
uma pausa irritante. Seu ombro encosta no batente. — Não está em Nova
Iorque.
Disso eu tenho certeza.
— Vou pensar sobre. — Meus dedos percorrem a madeira da porta e a
seguro firmemente, pronta para a fechar. Preciso ficar sozinha, preciso jogar
água fria em meu rosto.
Há algo que temo mais nesse momento: a cidade planejada de Wiston
Hill — dividida em três partes, a residencial, o centro e o Campus — não é
tão grande, na verdade, é minúscula. E por ter um tamanho tão pequeno eu
sei que com sorte, ou o contrário, irei esbarrar no corpo de Nicholas
novamente e serei tomada por seu cheiro de menta.
— Hoje é o último dia de férias — comento quando percebo o silêncio
estranho e os olhares, estamos nos encarando há muito tempo. — Amanhã é
segunda e começo a estudar, então, não voltarei bêbada. Pode ficar
despreocupada.
Andressa bufa. É verdade, amanhã eu começo o meu curso enquanto ela
entra num novo semestre, com sorte saiu de casa mais cedo do que eu
consegui. Tive alguns atrasos escolares que me fizeram me formar um tanto
depois do esperado.
— Ótimo — responde docemente.
Assim que fecho a porta posso tomar um tempo para me observar no
espelho. Limpo com os dedos frios o rímel borrado, noto a destruição em
minha face. Penso em como Nicholas me provocou de uma forma diferente.
Ele abalou a minha quase calma da noite anterior, mas também me distraiu de
Alex, me levou à um lugar desconhecido só com o olhar.
Ou era a bebida. Soa muito idiota quando me lembro do que causou em
meu corpo. Como pode? Nem o conheço.
Mas a eletricidade era real.
E a confusão também é. Em minutos fitando aqueles olhos, as íris azuis
fortes e acinzentadas, senti o que o caos significa e me perdi.
— É tão idiota — conto ao meu reflexo, sabendo que é muito idiota
mesmo. Tudo isso parece tão desnecessário, mas ele se nega a sair da minha
mente.
Nunca mais pedirei cigarros a estranhos.
Por algum motivo Andressa nunca diz não. Então, quando pedi para que
me levasse à biblioteca do Campus, ela aceitou e caminhou comigo por todas
as ruas quentes da Wiston Hill University. Ela me fez tomar café na
lanchonete em que trabalha ao invés do refeitório da universidade. O lugar
me cativou pelo estilo retrô e a imaginei num dos uniformes: vestidinho azul,
avental branco. Parece aqueles restaurantes de beira de estrada, mas é bem
mais sofisticado.
Quando a convenci de que estava alimentada — porque, segundo o seu
pai, bêbados e pessoas de ressaca precisam comer — ela me deixou sair e
concordou em me levar ao grande prédio.
As portas de vidro se abrem e um salão elegante nos recebe. O chão de
porcelanato brilha, as colunas me lembram a ordem Dórica, com os tons de
dourado e as estátuas. Me sinto num museu. E quando atravesso as duas
outras portas, agora internas, me vejo de pé numa sala gigante, com trilhões
de estantes.
— Pode procurar por seus livros — Andressa diz —, eu te espero aqui.
Ela não notou o meu choque. Nunca estive num lugar tão lindo, tão
organizado e gracioso. Eu tinha uma biblioteca em casa, mas parecia um
escritório. Isso aqui é o real paraíso, é gigante, têm dois andares, mesas
espalhadas e, no centro, corredores separados por prateleiras, e essas
separadas por gênero e escritores.
O caminho é longo, noto logo.
Assinto com a cabeça e sem lhe dar uma última olhada, começo a
caminhar pelo local, indignada com o tamanho e com a quantidade de obras
escondidas em seu interior. Me enfio em corredores largos, lendo títulos
antigos de livros quase esquecidos, impressionada com a altura do teto e os
lustres pendurados nele, com o cheiro de folhas novas, com o silêncio.
É realmente um museu de obras antigas e empoeiradas. E é onde penso
em trabalhar por algumas semanas. Eu quero ter algo para fazer, algo meu.
Quando vi a vaga de emprego, me animei, mas só tive vontade suficiente para
visitar o local agora. E me sinto apaixonada.
Retiro Orgulho e Preconceito da estante, pronta para uma releitura, e
caminho ao sofá onde Andressa descansa com Romeu e Julieta em mãos.
— É sério? — pergunto ao me jogar no assento macio.
— Alguém esqueceu aqui. Eu nunca li Shakespeare. — Dá de ombros e
larga o livro sobre a mesa de centro.
— Tudo bem, mas começar por Romeu e Julieta é muito clichê.
Ela ri e leva os dedos aos lábios, tapando-os. Fico feliz por conseguir
diverti-la.
— E Orgulho e Preconceito não é?
— Da próxima vez eu leio Razão e Sensibilidade — brinco, sem ânimo
algum.
À cada minuto me lembro de mais detalhes da noite anterior, é como se
os acontecimentos que fugiram do meu corpo estivessem retornando aos
poucos. E eu me sinto furiosa por não ter conseguido o que queria: os lábios
de Nicholas nos meus.
— O que você tem? — a ruivinha pergunta. Suas mãos se apoiam no
assento, cada uma de um lado do seu corpo, e ela se ajeita para me observar
melhor.
— Eu só estava pensando na noite passada — confesso sem olhar em
seus olhos.
— E o que aconteceu de tão interessante na noite passada? —
Estranhamente persuasiva, indelicada e misteriosa. Ela me questiona como se
já soubesse a resposta.
Fico em silêncio, não quero falar sobre.
— Alice?
— Nada, eu só conheci uma pessoa. Nicholas. Um garoto de cabelos
escuros, jaqueta e olhos azuis. Satisfeita?
Andressa pensa. Vejo-a entrar numa espécie de choque, esperava por
algo, mas não por isso.
— Nicholas Thompson?
Assinto, sem ter certeza. Noto o quão delicioso e errado seu nome soa,
ele desliza pela língua da menina e um arrepio percorre a minha espinha.
— Acho que sim, não trocamos sobrenomes.
— Então, o que trocaram? — Andressa semicerra os olhos e eu faço
uma careta. Me nego a dar atenção ao sarcasmo escondido em sua fala.
— Eu só pedi um cigarro, Andressa!
A ruiva ri do meu tom de voz.
— Tudo bem, é que eu conheço o Nicholas. Ele é muito bonito e — ela
suspira — enfim...
Sorrio de canto com as insinuações da menina. Aparentemente, todos
sabem o quão tentador Nicholas pode ser. Respiro fundo enquanto meu corpo
queima com a lembrança daquele rosto.
03
FALSO ANJO
"Eu só fodo com você às 5:30.
A única hora que eu posso te chamar de minha."
The Weeknd | The Hills
NICHOLAS THOMPSON
Enquanto seus cabelos louros e compridos caem sobre seus ombros, ela
parece um anjo. E ela se veste à minha frente, ao mesmo tempo que aproveito
de um cigarro qualquer.
— O que foi? — Madison questiona, seus olhos cor de mel me fitam
com raiva. Eu sei que ela se odeia pelo que fez.
Trago mais uma vez e a fumaça dança pelo quarto.
— Só estou pensando. — Passo meus olhos por seu corpo, seios, pernas.
Ela é linda demais.
— E chegou à uma conclusão?
Dou de ombros como resposta, mas não tiro meus olhos dela. Madison
caminha pelo cômodo e se ajoelha no fim do colchão. Noto que está tentando
me convencer, ela procura por bons argumentos, por palavras que não
iniciem uma discussão. Ela tenta ser mais doce do que já é.
— Sabe do que estou falando — afirma, jogando algumas mechas louras
para trás do ombro. O sol que entra pela janela as ilumina de uma forma
agradável. — Acho que já está na hora de decidirmos...
Bufo. Ela para.
— Eu não quero voltar — declaro.
Madison e eu estamos teoricamente solteiros, para os mais próximos
isso já ficou óbvio, mas ela insiste em negar para aqueles que perguntam.
Maddy ainda acha que vamos voltar.
Eu me via numa relação que não me parecia certa, afinal, eu não a amo
dessa maneira. Não havia calor, nem desejos. Eu me via em algo incompleto
e essa é a razão de, agora, ela querer saber o que eu decidi sobre nós.
— Eu amo você — confessa, mas já sei disso. Mesmo assim, suas
palavras não têm força suficiente para mudar a minha opinião. Eu sei que a
amo e sempre amei, mas não da forma que deveria, não da forma que ela quis
e quer.
— Madison, a gente confundiu as coisas — insisto em explicar. Me
apoio no colchão e me sento de frente para seu corpo. — Eu te amo sim, mas
não do jeito que você quer.
Ela rola os olhos e suspira. Sua impaciência se torna visível e sua boca
se abre, fecha, abre de novo. Desiste.
— Eu sei — respondo. Consigo ler a sua mente, a menina é previsível.
— Eu sempre cuidei de você — faço-a suspirar mais uma vez —, e sempre
vou cuidar.
— Eu sei que acha que nos aproximamos num momento difícil e que
isso fez a gente pensar que era amor, mas eu não acho.
Claro que não, ela tem certeza de que nosso relacionamento era perfeito.
Entretanto, não era e todo mundo sabia. Diziam que não passava de amizade
e é verdade.
— Eu te amo como amigo. — A gota d'água, Maddy se levanta furiosa e
começa a desfilar pelo quarto. — É sério — completo, rindo da sua irritação.
Eu não quis terminar de vez, queria ter certeza e quando a tive, notei que
não sinto nada ao lado de Madison. Só era cômodo demais.
— Eu te odeio — mente, me fazendo rir. — Sou uma idiota, não devia
ter atendido a sua ligação. Eu sempre cuido de você, te coloco na cama e
quando acordamos juntos, transamos. Se tem tanta certeza, por que me liga
quando está bêbado?
Boa pergunta.
— Vou parar.
— Não vai. Você tem isso, é errado — murmura a última parte e abaixa
a cabeça. Ela não tem coragem de dizer tais coisas enquanto olha em meus
olhos. — Parece seu pai.
Uma fúria se instala em meu peito. Como pode, logo Madison, me
comparar a alguém como ele? Meu pai irresponsável, insensível e
completamente problemático.
— Você nem o conhece direito. — Contenho o calor em meu corpo, a
angústia que me sobe pela garganta. — Só está repetindo as palavras da Polly
— digo mais a mim do que a ela. Seus olhos entristecem.
— Se não me quer, não me ligue depois de beber — diz. — Você
deveria tentar descobrir o que sente de verdade. Se não existisse nada entre
nós, não me ligaria à noite, não dormiria ao meu lado e nem transaria comigo
de manhã.
Mas ainda assim, eu sei que não a amo. Isso não é amor, não é o que ela
quer. É outra coisa, é um desejo vazio.
— Tudo bem. — Meus pés tocam o chão e me vejo sem roupas. O
quarto está uma bagunça, a cama cheira a bebida. — Vou tomar um banho. É
melhor você ir — digo enquanto seus olhos encaram meu corpo. Maddy
disfarça em seguida. — Não quero que se atrase pra aula.
— Você é um idiota. — Nos encontramos e desencontramos. — Te vejo
mais tarde. — Sorri sutilmente.
Ela ainda me ama, o suficiente para me fazer sentir culpado. O suficiente
para perdoar qualquer coisa.
O cheiro doce e forte de Alice ainda toma conta do meu corpo. Alice
sem sobrenome, sem detalhes excessivos. Apenas Alice, na entrada
do Heaven. Ela me pediu um cigarro e penetrou em minha mente. Foi
inesperado. Eu não ia me aproximar, estava satisfeito a observando, passando
meus olhos por sua cintura definida e suas coxas bem desenhadas.
E ela apenas me pediu um cigarro.
Me sento numa das cadeiras do auditório, em formato de teatro grego —
um meio círculo. Se descer todos os degraus, há um palco onde uma
escrivaninha e um quadro branco enorme descansam. Poucos alunos se
enfiam aqui, sendo esse o primeiro dia de aula após o quente verão. A
matéria é literatura, mas sei que Bayard consegue modificar qualquer assunto.
Sinto o calor da atenção indesejada minutos após adentrar a sala. Ergo a
cabeça encontrando alguns curiosos, ouvindo sussurros. Muitos sabem quem
eu sou, outros acabaram de descobrir. A maior parte das pessoas se conhece
em Wiston Hill, afinal, não é uma cidade muito grande.
Lábios são mordidos, rostos ganham cor. Me mantenho quieto, mas faço
questão de retribuir cada olhar indelicado de cada garota que arrisca me
analisar. Não sou tímido, gosto de ver como elas me examinam de cima à
baixo.
Todos, em especial os recém-chegados na cidade, estão curiosos sobre
seus novos colegas, é compreensível.
Sinto uma mão em meu ombro, os dedos frios apertam a minha pele. A
garota loura, um pouco parecida com Maddy, sorri. Ela cruza os braços, se
apoia na cadeira à minha frente e me encara.
— Thompson, que coincidência — diz Christina.
— Chris Vender — sussurro sem animação. A menina não é ruim, mas
gosta de estar no topo, ser venenosa, fazer intrigas e conquistar inimigos. Eu,
pessoalmente, não a detesto. Na verdade, tenho paciência. Ela e Maddy são
amigas há muito tempo.
— Soube que voltou com a Madison.
— Soube errado. Suas fontes estão péssimas, não é? — provoco e ela
faz um biquinho. — Nunca se cansa disso?
— De te encher o saco? — Sorri, olhando em meus olhos. — Não.
Chris não continua o assunto. A loura é, e sempre foi, completamente
presunçosa. Ela me acha um problemático com ego inflado, o que é uma meia
verdade e nós dois sabemos disso.
Vender desce os degraus e encontra um lugar para si, me deixando
sozinho outra vez. De repente, todas as cabeças se viram na direção de uma
pessoa, alguém que acaba de chegar. Os olhos e as palavras se voltam à
ela assim que a porta se fecha.
E eu sinto o cheiro, tão forte quanto da primeira vez, ele domina o meu
corpo. Tudo se torna inesperadamente delicioso, como as cerejas. Sim, eu
logo reconheço, ela cheira a cereja, mas não tenho certeza de que todos
podem notar isso. A garota veste uma blusa preta e uma saia jeans apertada
na cintura. O batom vermelho me deixa perdido em pensamentos
indescritíveis.
Alice. É ela mesmo.
E sem a noite nos rodear, posso analisar cada detalhe com mais
dedicação enquanto ela enrubesce e desce os degraus com calma, ignorando
os comentários, afinal, é uma novata. Alice para por um instante, como se
escolhesse seu lugar. A menina sabe que recebe mais atenção que qualquer
outra pessoa e não parece gostar.
Me viro com rapidez, deixando sua imagem desaparecer da minha
mente, deixando meu coração descansar. Ela me causa euforia.
Alice desfila pelo corredor de degraus, sentando-se do outro lado. Ela é
diferente, tem uma aura chamativa, quem me dera eu fosse o único a olhá-la.
A menina é linda e um pouco quieta, mas não parece ser do tipo petulante,
muito menos acanhado.
De forma alguma consigo tirar meus olhos de seus fios escuros.
Aproveito de cada segundo que tenho para a analisar, até penso em seus
possíveis segredos e desejos. Sua voz ecoa em minha mente, a sua pergunta
retorna — gosta do que vê?
— Bom dia. — Soa pela sala e me afasta dos devaneios. Torno-me à
Bayard, nosso professor. Ele entra com seus óculos de grau e seu suéter nada
apropriado para o clima da cidade. Formal demais, certo demais. Glenn
Bayard gosta de regras, silêncio e bons alunos. Não é fácil o agradar.
Alguns respondem a sua fala, enquanto eu apenas observo as suas
manias. Ajeita tudo sobre a mesa e se certifica de que não se esqueceu de
nada. A seriedade em sua face se espalha, sentimos a tensão, a quietude.
— Sou Bayard, o professor de literatura clássica — relembra. Ele não
gosta de perder tempo, sei disso. Então, inicia sua falação logo após me
encontrar entre seus alunos e acenar com a cabeça. Minha avó e Bayard são
próximos, o conheço bem. — Como pedido no site da universidade, durante
as férias tinham de escrever uma análise sobre alguma obra literária, assim eu
conheceria um pouco dos seus gostos. E uma em particular, devo dizer, me
chamou muito atenção. — O homem agarra uma folha um tanto amassada, a
aproxima do rosto e arruma os óculos.
À minha frente Chris Vender já se ajeita, esperando ouvir seu nome. Ela
está acostumada a ser a melhor. Eu a imagino sorrindo de canto,
maliciosamente, mas só posso ver suas costas, seu corpo enfiado num vestido
cinza e simples.
— Alice Wonders — ele diz. Não evito sorrir. Bayard procura a garota
pela sala enquanto a loura se encolhe, cheia de inveja e raiva.
Todos se olham sem necessidade, a maioria se conhece e há poucos
alunos novos nessa turma, o que significa que aquela menina é a tal Alice
Wonders.
Ela levanta uma das mãos e o professor a analisa. Glenn Bayard fica
boquiaberto, a garota não é uma certinha tímida e encolhida num canto
qualquer — seguindo os estereótipos com os quais está acostumado.
Rio baixinho da reação do homem quando Alice decide falar, o tirando
do choque.
— Eu.
Glenn chacoalha a cabeça e continua a elogiá-la.
— Uma Wonders, certo?
Entendo a curiosidade, eu mesmo fico desacreditado. Muitos conhecem
John e Katherine Wonders, milionários famosos, mas seus filhos raramente
aparecem. Eles são discretos quanto as suas vidas particulares, acredito que
exista uma motivo para isso.
A novata assente com timidez, não parece gostar do sobrenome.
— Nossa — ele sussurra, deixando o clima estranho. Alice se encolhe
pela primeira vez e seus ombros perdem a postura. — Seja bem-vinda.
Sim, seja muitíssimo bem-vinda, Alice Wonders.
04
MEMÓRIA
"Eu tenho partido corações há um bom tempo."
Taylor Swift | Don't Blame Me
NICHOLAS THOMPSON
PROIBIDO
"Diga a elas que esse garoto não foi feito para amar.
Diga a elas que seu coração não pertence a apenas uma."
The Weeknd | Real Life
NICHOLAS THOMPSON
“Às vezes, você não consegue fazer o certo”.
Parece que Hannah pode ler a minha mente. É óbvio a minha
curiosidade sobre Wonders e, ao mesmo tempo, é nítido o erro que estou
prestes a cometer. Sua própria mãe ligou para avisar que a menina é um caos
disfarçado, o que posso esperar disso?
Mas afinal, o que seria o certo? Ela não é boa e eu não sou bom. Queria
poder dizer que meus problemas se resumem a isso, mas tudo começou
quando uma garçonete e bartender conheceu um garoto problemático, certo
de si e teimoso. Os dois se juntaram, contra todas as regras e todas as
vontades, e tiveram três filhos: Wine, Nicholas e Grace Thompson.
Cresci ouvindo as reclamações da minha avó e sabendo que sou a cópia
perfeita de Damon. Atraído pelo que dizem ser errado, sem me importar tanto
com as consequências, sempre conseguindo o que quero. E Wine se parece
com a minha mãe; teimosa, inteligente e livre. Tão livre que fugiu dessa
cidade.
Eu vi muitas coisas desmoronarem por minha causa, então, tenho total
certeza de que devo evitar o caos. Ou seja, Alice Wonders deve ficar longe de
mim.
Em teoria.
Sei que Jack voltará logo, por isso, ajeito um pouco da bagunça que fiz
no meu lado dormitório — nosso quarto é grande o suficiente para nós dois,
com as duas camas, a pequena escrivaninha e o banheiro. Em seguida, me
jogo no colchão me lembrando dos fios louros. Eu nunca quis um
relacionamento, mas Madison me pegou desprevenido, ela precisava de
alguém e aquele foi um ano confuso, nos sentíamos vulneráveis. Eu deixei
que as coisas acontecessem e elas aconteceram de uma forma incontrolável.
Mas não posso continuar a enfiando numa mentira.
— Que merda. — Ouço assim que a porta se abre. Jack entra no quarto
sem me olhar.
O garoto veste uma camiseta de banda e uma calça jeans preta. Parece
completamente acabado. Jack caminha até a cama e se joga sem pensar duas
vezes.
— Boa noite — digo, notando o pôr do sol. Ele não responde. — Afinal,
por onde esteve?
— Por ai — mente. Jack fecha os olhos, mas a adrenalina se espalha
pelo ambiente. Ele está ofegante.
— Hannah já me contou. Pode continuar mentindo se quiser — provoco,
como sempre.
— Omitindo — corrige. — Eu não quero falar sobre. A minha mãe teve
uma crise, só isso.
É. "Só isso”.
— Podia ter me contado. Muita merda aconteceu e sei que a culpa
também foi minha, mas ainda somos amigos — reclamo.
Queria ter a capacidade de ignorar um assunto desses, mas entendo a sua
mãe. Perder uma filha não deve ser fácil, imagino, pois comigo foi o
contrário. Não vejo a minha mãe há anos.
Pumpkin desapareceu.
Mas já sei como agir com o garoto, ele não é muito de insistir, portanto,
acredito que ignorar as minhas palavras lhe pareça ser a melhor opção. E ele
o faz. Jack bufa e mantém o silêncio, nada de mencionar o passado ou se
arrepender pelo mesmo. Não há como voltar atrás.
— Enfim — sussurra, pronto para mudar de assunto —, como foi a
aula?
Parece que ele perdeu o primeiro dia. Não sei se devo descrever a
bagunça em minha mente por causa da novata ou as tentativas e falhas em
relação a Madison.
— Bom.
— Só bom? — continua. Seus olhos agora me encontram, castanhos e
decididos. — Nada de novo?
— Se quer saber sobre Alice Wonders, sim, ela é nova. Está na minha
turma. — Imagino que à essa altura, os boatos sobre os estudantes novos e
ricos tenham se espalhado. A maioria das pessoas daqui ama uma fofoca e
critica quem as faz.
— Eu ouvi um pouco sobre ela. Não sei se posso acreditar no que fiquei
sabendo. — Dá de ombros. Jack conhece bem as línguas venenosas de
algumas garotas, como Chris Vender, que já não suporta a novata.
— Depende de quem te contou. — Rio. — Ela é diferente.
— Imagino. Pelo que escutei por ai, parece ser o tipo de garota que você
gosta. — Nada soa tão verdadeiro na voz de Jack quanto a sua última fala.
Alice parece ter sido desenhada para mim, sob encomenda.
— Cala a boca — respondo enquanto me ajeito sobre a cama macia. —
Quem, exatamente, te contou sobre a Alice?
— A primeira foi Hannah. Elas se conheceram no Heaven.
— Eu a conheci no Heaven — confesso. Meu amigo me olha com
maldade. — Não aconteceu nada entre a gente, cara. Alice só me pediu um
cigarro. — O que é uma mentira, se consideramos os flertes inesperados.
— Sei. — Ri. — Ainda não posso opinar.
— Bom, Bayard a elogiou. Você sabe como ele é.
— Isso é novo. — Suas mãos se apoiam no colchão e o garoto se senta
virado para mim. — Acho que uma novidade cai bem.
Com certeza, principalmente uma igual a Alice Wonders. É possível ver,
sem ter que trocar palavras com a menina ou provar do seu gosto, que a sua
personalidade é forte. Ela me tira do eixo. O que não entendo é, como posso
estar me sentindo assim se nem a conheço.
— Você está mordendo o lábio, Nicholas — diz e, por um momento, me
sinto constrangido, pego fazendo uma coisa que não devia. Jack suspira. —
Está pensando nela, não é? — Sua expressão carregada de malícia.
— Não — minto, mas minha face não me obedece. Eu sorrio ao lembrar
de seus olhos, seios, lábios. — Não exatamente.
— E quanto a Madison?
Bufo. Isso é algo inacabado e eu odeio coisas inacabadas.
— Nós terminamos, mas acontece que a Hannah pediu pra ela me buscar
no Heaven. Não foi de muita ajuda.
— Eu sempre soube que essa merda de relacionamento de vocês não ia
pra frente. — Ele para e pensa. — Faltava algo.
— Eu sei. — Enfio meus dedos entre meus fios castanhos, alisando-os
para trás, enquanto meu colega se põe de pé e tira a camiseta, pronto para ir
ao banheiro. — Era errado, a gente confundiu tudo.
— Pelo menos acabou.
Queria que fosse tão simples, mas, além de sensível, Maddy é insistente.
ESCARLATE
"Agora ele só pensa em mim,
consigo sentir o fogo na minha pele.
Vermelho ardente nos meus lábios."
Taylor Swift | I Did Something Bad
ALICE WONDERS
Sei que prometi parar de beber depois daquele dia, mesmo assim, acordo
de ressaca numa terça-feira. Ainda prometo muito e cumpro pouco.
— Bom dia — a voz masculina diz, docemente. Abro os olhos com
calma, deixando a luz queimá-los. Tento reconhecer o quarto, mas falho. —
Você vai se atrasar, tem aula.
Seu corpo surge, saindo de um banheiro apertado. Ele me encara.
Tommy está sem camisa e enfiado numa calça preta.
— Que merda! — exclamo. Não é possível, eu não me lembro de ter
dormido com ele de novo.
— Pois é, você não é boa em cumprir promessas.
Não foco em sua expressão enquanto caçoa de mim, estou muito
distraída olhando meu corpo coberto apenas por uma calça e sutiã.
— Você é um filho da puta — murmuro com raiva. Ele me levou ao seu
quarto e fez o que eu não queria repetir.
— Ouch. — Tommy faz um biquinho e se senta na beira da cama. — A
gente dormiu junto — ri —, mas não transamos. Você estava bêbada demais
pra qualquer coisa.
— O quê? — Franzo o cenho. Então ele apenas tomou conta de
mim? Impossível, Tommy é completamente malicioso.
— Você bebeu mais depois da nossa conversa e acabou vomitando na
própria camiseta. Isso quando eu já estava te levando pra fraternidade.
Merda, merda, merda.
— E por que não me levou?
— A sua blusa estava horrível e as meninas de lá são venenosas.
Achei que o Red Hell fosse uma boa opção.
— Então, você me trouxe, tirou a minha blusa, me largou na sua cama e
dormiu? Mais nada?
— É, eu não tiraria proveito de você nem de ninguém. Seria errado. —
Ele ri. — Precisa aprender a beber, Alice. E você ficou falando de um tal de
Alex e depois de um tal de Nick. Um deles eu conheço.
— Mentira!
Eu nunca diria nomes enquanto bêbada, nunca deixaria meus
pensamentos impróprios aparecerem.
— É sério, por que falou o nome do Nicholas?
— Por nada. Eu nem me lembro disso.
— Então, quem é Alex? — Ele está decidido, quer uma resposta.
Tommy cruza os braços e posso ver o contorno de seus músculos bem
desenhados.
Retiro a coberta de cima do meu corpo e jogo as pernas para fora da
cama.
— Ugh — gemo baixo, tudo dói. — Ele é meu ex. Não gosto muito de
falar da minha vida particular.
Fecho os olhos, respiro fundo.
— Certo. Quanto a Nicholas?
— Tommy, pelo amor de Deus! Afinal, eu tenho aula, não?
— Sim. E vai vestir o quê? — Ele adora brincar comigo, despejar
palavras que me causam desespero. Eu não sei lidar com algumas situações,
sou dramática e exagerada, e Jackson adora isso.
Olho para meus seios enfiados num sutiã preto, a calça limpa. Quando
volto a fitar o menino, ele nem disfarça, analisa cada parte do meu corpo
enquanto morde o lábio e seus olhos brilham.
— Safado — brinco. — Pode me emprestar uma camiseta?
— Claro — responde, contornando meu pescoço com o olhar e então
voltando sua atenção às minhas íris. — Pode pegar qualquer uma. É melhor
tomar um banho e correr, não quero que se atrase.
Entro na sala sabendo que estou pelo menos vinte minutos atrasada. A
Red Hell fica muito longe do Campus e do prédio principal, onde tenho aulas
de segunda à sexta.
Fecho a grande porta de madeira com hesitação, não quero cabeças se
tornando à mim nem ofensas sendo sussurradas. Quando me enfio no grande
auditório noto que o professor não está. Poucos se importam com meu atraso,
estão distraídos conversando e gastando o tempo livre.
Desço alguns degraus com pressa e me jogo ao lado da única pessoa que
conheço. Ele sorri, ainda olhando a grande lousa à nossa frente.
— Nossa — exclama num tom irritante —, bem atrasada.
— Acordei onde não devia — confesso, encarando o mesmo objeto.
Nick se vira para mim e me examina.
— Notável. Sorte sua, a reitora precisou tirar o professor da sala.
O menino se ajeita, esparramando-se em sua cadeira apertada. Seu braço
encosta no meu — Nicholas parece fazer isso de propósito, talvez ele goste
da sensação — e vejo certo julgamento em sua expressão.
— O que foi? — pergunto. Nick franze o cenho, unindo as sobrancelhas.
— Essa camiseta. E o seu cabelo está cheirando a bebida. — Mesmo
com as críticas idiotas, há desejo em seus olhos. — É terça-feira.
— Eu bebi um pouco ontem. Isso é da sua conta, por acaso?
— Não estou te julgando. — Nick ri.
— Está sim. Eu bebi, passei mal e um amigo me emprestou essa
camiseta.
— Pare de se justificar.
— Eu não gosto de ser julgada — reclamo por entre os dentes. Nick
ainda me fita, ele não tira sua atenção de mim. — E você nem me conhece.
Só porque flertamos na frente de um bar, não significa…
Ele nem espera, Thompson me interrompe com paciência:
— E você não me deve satisfações. Mudando de assunto, quase te beijei
outro dia.
O encaro, abismada.
— Quase — sussurro, tentando o provocar. Eu queria muito que esse
quase não existisse, porque me deixou no meio termo, no morno. Perto e
longe.
— Está tudo bem? — questiona, rindo e aproximando seu braço do meu.
Faço um biquinho enquanto Nicholas encara meus lábios.
Ele também está pensando no quase beijo.
— Tudo ótimo. Ressaca. — O que não justifica meu suor nas mãos e
meus pelos ouriçados. — Só não queria que entendesse errado.
— Você não me deve nada. Como disse, nem me conhece. — Nick dá
de ombros e eu assinto. Não há mais o que dizer, ele consegue me deixar sem
palavras.
Me encolho no assento, deslizando meu corpo, abandonando a postura.
O silêncio ameaça tomar conta, a conversa morreu tão rápido quanto
começou.
— Quer conhecer? — Nicholas nem me olha dessa vez.
Um embrulho surge no meu estômago.
— O quê? — Não escondo a surpresa em minha voz.
— Quer me conhecer?
— O que te faz acreditar que quero te conhecer? — retruco, bancando a
difícil. Não entendo o porquê desse menino se achar tanto. — Você não é
tudo isso.
Nicholas gargalha, tendo de cobrir os lábios.
— Por que não consegue me olhar nos olhos? — Ele me encara, mas me
forço a observar a lousa. — Diga isso me olhando nos olhos.
Impossível. Mentir enquanto encaro suas íris seria o maior desafio de
todos. Nem ao menos tento.
— Não estou falando, por favor tire sua roupa pra mim, Alice — caçoa.
Me torno a ele sentindo o rosto corar. — Só perguntei se quer me conhecer.
A maliciosa aqui é você.
Mordo o lábio.
Sou, e muito.
— Como seria isso?
— Primeiro, é melhor você parar de morder o lábio. — Meus
batimentos aceleram, ele fita minha boca com perversidade. — Segundo, a
reitora vai viajar depois dessa reunião e pensei em passarmos a tarde juntos.
— Achei que não morasse com a sua avó. — Crio coragem para,
rapidamente, encontrar seus olhos.
— Não moro, mas não quero conversar com você no dormitório. Meu
amigo vai pra lá depois da aula. — Sorri. — A mansão me pareceu ser uma
boa ideia.
— Então, você já tinha pensado nisso? — provoco. Ele franze o cenho,
sem entender. — Disse que a mansão pareceu ser uma boa ideia. No passado.
Quando teve essa boa ideia, Nicholas?
— Depois do quase. — Ri. — Aceita?
— E estaremos sozinhos? — Engulo em seco. Meu estômago revira
mais uma vez, pode ser culpa da bebida; mas também pode ser culpa do
quase beijo.
— Tem medo de mim, Alice? — Me faz suspirar. Thompson sorri de
canto, sensualmente, e seu maxilar definido relaxa.
Aperto as minhas coxas por cima da calça jeans. A tensão entre as
minhas pernas é grande, eu sinto os meus músculos se contraindo lá embaixo.
Por algum motivo estranho, eu quero Nicholas Thompson e sei que ele me
quer.
— Não sou tão boa quanto pareço — brinco enquanto o suor escorre
pela minha nuca.
— É, vamos ver.
07
ELE
"Dirijo rápido, vento no meu cabelo.
Te ponho nos limites, porque eu não me importo."
Lana Del Rey | Burning Desire
ALICE WONDERS
INCÊNDIO
"Agora estou sob seu feitiço, preso em uma mentira.
Não deveria ter ficado tão perto do fogo."
Cage The Elephant | Too Late to Say Goodbye
ALICE WONDERS
RED HELL
"Menino, dinheiro na sua boca.
Você está cercado por modelos
abrindo garrafas para você."
Akine | Money in Your Mouth
NICHOLAS THOMPSON
RED HELL, WISTON HILL.
Apoio minhas mãos no balcão, procurando pelo homem. Ele não está,
talvez não trabalhe nessa noite. O Red Hell brilha ao meu redor, suas luzes
neon em tons de vermelho me atacam a vista. Meninas em roupas curtas
dançam em palcos pequenos e outras, que não são pagas, se movimentam no
meio da boate. As pessoas bebem, conversam e flertam intensamente.
— Docinho — uma mulher, talvez cinco anos mais velha e usando um
vestido preto e elegante, diz em minha direção. Eu a conheço como Roxy,
mas nunca perguntei se esse é seu nome verdadeiro. — Posso te servir a
mesma coisa de sempre?
Ela desistiu de tentar me levar pra cama há muito tempo. Em algumas
noites volta a insistir, mas nunca consegue algo a mais. Dessa vez, Roxy
apenas tenta ser simpática, já a vi fora do Red Hell para saber que seu tom
amigável e sensual é real. Ela trata todos assim, homens e mulheres, em
qualquer lugar.
— Na verdade, Roxy, eu quero falar com o Thomas — peço com
gentileza. Ele me conhece bem, sabe que, às vezes, eu escondo algumas
coisas. E nessa noite eu escondo o caos que Alice causou em minha mente.
— Bom, ele não está — continua, o tom leve e doce.
Roxy deve ter uns vinte seis anos, mas ela vive nesse lugar desde os
vinte. A mulher se afasta um pouco, pois outro cliente, um bêbado demais, se
joga sobre o balcão implorando por uma bebida. O Red Hell não pede por
identidade, não se importa com a sua idade, a menos que você seja um dos
adolescentes que causam problemas.
Sou a exceção. Minha mãe trabalhou nesse lugar por meses, como
bartender. Nunca pude realmente ouvir as histórias, Polly fez de tudo para
apagar o passado de Pumpkin e até tentou a transformar numa garota da alta
sociedade. Claro que não funcionou, porque minha mãe sumiu no meio da
noite, quando Grace ainda tinha uns dois anos.
Algo de muito errado deve ter acontecido e eu não estava em casa
naquela noite. Nunca mais a vi, só em fotos que escondo de todos. Sei que
Pumpkin jamais deixaria sua filha ainda bebê para trás e não consegui
descobrir o que aconteceu na mansão Thompson.
É um segredo, nem eu tenho acesso a ele, mas Wine — minha outra
irmã, hoje com vinte anos — tinha suas teorias. Acontece que ela também
desapareceu. Logo em seguida, meu pai decidiu abandonar de vez o resto que
tinha, ele se mudou para a Inglaterra e Polly nos criou.
Me culpei por tudo, mas também o culpei por tudo. Damon nem ao
menos tentou descobrir a verdade. Ele concordou, assentiu e partiu.
— Como eu dizia — continua, voltando à minha frente, separados por
um balcão limpo e de vidro, iluminado por uma luz fraca e alaranjada —,
Thomas não está. Posso te servir enquanto isso.
Conheço Thomas desde pequeno, ele cresceu em Wiston. Seu pai tinha
dinheiro, mas escolheu ficar longe de algumas pessoas. A herança dele fora a
casa noturna e Tommy conhecia Pumpkin, ela o adorava e adorava seu pai,
eram próximos.
— Certo, Roxy. Obrigado. — Sorrio e me sento num banco
desconfortável. — Aceito rum.
— Claro, docinho. — Ela agarra uma garrafa qualquer depois de me
analisar por alguns instantes. A bartender finalmente me serve e, com sua
postura intacta e seu jeito suave, desliza o copo sobre o balcão, derramando
um pouco da bebida. — Eu posso notar, Nicholas, que há algo em sua mente.
O que foi, menino?
Eu rio ao ouvir como se dirige a mim. Não é tão velha, mas me trata de
uma forma diferente. Chega a ser como uma mãe às vezes, para muitos dos
bêbados, compreensiva e ouvinte.
— Você tem o que, vinte e cinco? Não precisa me tratar como um filho,
Roxy — peço. Ela sorri e ajeita os fios avermelhados sobre os ombros.
— Perguntando a idade de uma dama, Nicholas? Que errado —
debocha. — Será nosso segredinho, eu tenho trinta.
Muito errado. Ela ainda é nova, mas não tanto quanto eu pensava.
— E seu nome é Roxy? — Sorrio, levando o copo à boca.
VÍCIO
"Há glitter em seus dedos
e toda vez que está com ela
você está pensando na minha figura.
E agora você está chegando mais perto,
e querido, eu mal te conheço."
Nic Nim | Silver
NICHOLAS THOMPSON
Eu sei, antes mesmo de abrir os olhos, que fiz a mesma coisa de sempre.
Estou numa cama pequena ao lado de Madison Foxx. Então, quando
finalmente encaro o teto branco e sinto sua pele ao meu lado, presa ao suor
resultante do calor californiano, eu tenho certeza, eu não sei fazer o certo.
Hannah estava com toda a razão, principalmente porque ainda penso
em Alice Wonders. Eu penso na novata quando Maddy está ao meu lado e
tenho a consciência de que a loura vai culpá-la por tudo, em especial pela
nossa separação mesmo que, na verdade, eu ainda não tivesse me
aprofundando nas íris azuis dela. Eu fiz uma escolha bem antes de Wonders
chegar em Wiston Hill.
— Droga... — murmuro. Os arrependimentos, ah sim, eles me matam.
Eu tinha prometido, eu disse que ia parar.
Eu não faço ideia, parece que a memória partiu, não sei como deixei a
nossa relação chegar à esse nível. Madison estava certa quando disse que sou
igual ao meu pai e estava certa quando falou do momento em que nos
aproximamos. Ela precisava de alguém e eu precisava de algo, tudo
desmoronava lentamente em Wiston Hill e talvez eu tenha encontrado uma
saída em seus lábios.
Mas nunca a amei, nunca mesmo, não como deveria. Eu gosto dela e me
preocupo, mas fomos criados juntos em caminhos opostos, com gostos
opostos. Maddy é perfeita e sofre com isso, ela sofre tentando não errar. Já
eu, amo um bom caos. Ela me mantém numa estabilidade que agora odeio. A
culpa não é da loura, nunca foi. Sempre fomos amigos, de certa forma, desde
que nos conhecemos numa festa na casa da Polly. E isso é o máximo que
podemos ser.
Contudo, ela ainda fica perdida no meu mundo, ela ainda está apegada a
algo, ela ainda chora por minha causa. É isso que eu faço e é isso que temo
fazer.
— Bom dia — murmura, percebendo que já estou acordado. Não a olho,
não posso. Fico analisando o teto branco, pensando em como consigo ser tão
manipulador, mesmo quando não quero. — Tudo bem?
— Por que fizemos isso, Maddy? — sussurro e levo as mãos ao meu
rosto, cobrindo meus olhos.
Nós dois estamos errando. Eu tento, ela me impede. Ela tenta, eu não a
deixo. Estamos usando um ao outro. Precisamos de um fim, afinal, como já
disse, odeio coisas inacabadas. E Tommy me avisou, preciso ajeitar um caos
antes de me enfiar noutro.
— O quê? — Sai docemente por entre seus lábios enquanto ela se coloca
em cima de mim, descobrindo os meus olhos. — Nick, eu não vou desistir de
você.
Insistência. Ela quer se machucar, só pode.
— Eu tentei deixar claro, Maddy. — A empurro com lentidão e tiro seu
corpo de cima do meu, colocando-o no colchão. Ela se deita e me fita. —
Acabamos.
Evito encarar seus olhos, pois sei que sentirei toda sua angústia.
Madison não gosta de ouvir um não. De qualquer forma, não posso me
prender a isso, não mais.
— Eu não entendo — comenta baixo, confusa e tristonha.
— Isso virou uma dependência emocional, Madison. Não faz bem pra
nenhum de nós, merda — reclamo, sem paciência. — Você sabe que tem que
se cuidar, eu só quero que fique bem. Acabou, Maddy.
— O nosso relacionamento não tem nada a ver com o meu problema.
Eu me calo.
A última coisa que quero fazer é iniciar uma discussão. Ela só precisava
me entender. Madison só precisava aceitar o fim, ela deve aceitar que
acabamos. Eu não quero a machucar.
Mesmo tendo todas as palavras em mente, sabendo exatamente como
explicar a ela, não consigo. A loura tem suas próprias questões para resolver
e não pode depender de mim para isso. Não pode basear a sua estabilidade
em nosso relacionamento, porque ele não existe mais.
A porta se abre e nos surpreende, Maddy se enfia sob os lençóis com
rapidez quando a garota de cabelos azuis entra, acompanhada de Jack. Já me
preparo para todas as frases prontas e olhares carregados de julgamentos.
Ele conversam, riem e, assim que nos encontram, se calam.
— Nicholas — Hannah diz, ela não cora, mas desvia o olhar. Eu estou
sem roupas, coberto apenas pelo lençol branco, assim como Madison. —
Achei que tivesse aula.
— É. Eu tenho — respondo sem timidez, me cobrindo um pouco mais.
Jack não parece tão calmo assim, na verdade está me encarando desde
que entrou, sei que deve estar me xingando em seus pensamentos e tem
razão.
— Madison, você não ia embora? — ele questiona, me examinando.
Olhos nos olhos, apesar da distância.
— Eu fiquei esperando pelo Nick e...
— Nota-se — Hannah a interrompe secamente.
Não sei quem está furioso com quem, mas sei que fiz todos acreditarem
que a minha história com a Foxx havia terminado e agora, ela está sem
roupas ao meu lado.
Completamente irresponsável.
O silêncio toma conta do quarto enquanto Jack joga sua jaqueta jeans
sobre a cama. Hannah ainda evita nos analisar e eu sinto um incômodo agudo
na espinha, um arrepio, porque sei que estou piorando as coisas.
— Madison acho melhor você ir — peço. Ela me encara com incerteza,
quer terminar a conversa que já concluímos muitas vezes. — A gente pode
discutir isso depois, está bem?
A loura concorda. Jack sai antes mesmo de eu pedir e puxa Hannah pela
mão. A porta se fecha depressa.
— Parece que todo mundo têm algo em mente — Maddy diz ao se
levantar. Vejo seu corpo nu, perfeito, pálido e com veias aparentes. Ela se
enfia no vestido azul.
— Eles estão pensando na mesma coisa que eu estou pensando. — Seus
olhos parecem perdidos, a menina não quer encarar as minhas íris. Maddy
apenas se veste e ajeita os fios bagunçados. — Madison, nós terminamos e
não podemos ficar fazendo isso.
Um riso de deboche surge, eu estremeço. Agora ela não parece tão
angelical. A raiva brilha em sua expressão.
— Ontem você mudou de ideia, não? — Me olha finalmente, esperando
por uma resposta.
— Você sabe que é errado.
— Então por que ainda me deixa fazer isso?
— Porque eu sou inconsequente, e você também é responsável. Mas já
chega, Madison, eu não vou mais te procurar pra transar e espero que não me
procure também. — Tento ser gentil, entretanto, as palavras saem de forma
áspera.
— Nunca?
— Você entendeu.
— Isso não resolve muita coisa. Você ainda vai me querer, só estará
longe. — Seu corpo se torna à mim, seus lábios ganham cor e seus dedos não
me tocam, não dessa vez.
— Pode ser, mas vou superar. — Até porque, eu não a quero, eu só
quero alguém.
— Espero que supere, Nicholas.
É a última coisa que ouço, com pouca doçura, então, ela e o cheiro de
pêssego partem. Madison passa pela porta e eu sinto uma certa tristeza. Fui
paciente, tentei ser delicado, mas parece que de nada adiantou. Eu a conheço,
Madison Foxx é insistente demais para aceitar o nosso final e admitir que
nunca deu certo.
Assim que os fios louros somem, o casal reaparece.
— Certo, Nicholas — Jack já me reprova e, atrás dele, encontro as
mechas azuis.
Ele se joga no outro colchão e bufa.
Hannah fecha a porta, tenho certeza de que quer ir embora, ela não gosta
de presenciar as nossas discussões.
— Eu já sei o que vai dizer, Jack.
— Não, não sabe. — O garoto encara as próprias mãos. A sua postura
tensa deixa claro o que está sentindo. — Você me falou que terminaram.
— Eu sei. Terminamos, mas a Madison...
— Nada disso — a menina exclama —, não vai colocar a culpa nela.
Você também quis. — Sorri de nervoso, me encarando sem pudores. Hannah
não se incomoda com a minha quase nudez.
— Eu te liguei e você disse que ia conversar com ela — ele continua.
— E eu tentei, mas as coisas foram acontecendo — respondo, jogando
as pernas para fora, segurando o tecido sobre as minhas partes.
— Foda-se — Jack diz, grosseiramente. — Você é responsável por essa
merda e não me interessa se ela é insistente. Deveria ser mais claro.
— Eu já fui bem claro — rosno, baixo demais.
— Olha — Hannah se intromete, ela sabe quando e como se colocar
entre nós —, você está se machucando e machucando a loura. Sabe disso.
— Ela também sabe, mas parece que não vai desistir tão fácil — explico
fitando suas íris amigáveis.
— E quanto a Alice Wonders? — O menino joga no meio da conversa,
como se isso fosse importante agora, como se eu precisasse de alguém para
me lembrar da sua existência.
Alice ainda é uma desconhecida. Não temos nada.
— O que tem ela? — A garota responde e se senta no colchão macio e
limpo. Hannah cruza as pernas e espera.
— Nada — digo.
— Bom, da última vez em que falamos da novata, Nicholas quase
babou. Eu sei que ele a conhece. — Sempre está certo, Jack sabe dos meus
segredos.
Hannah coloca uma mecha atrás da orelha, me encara e questiona:
— Então?
— Eu não sei — respondo.
Eles querem saber se temos algo e querem saber se amo a Madison.
São muitas perguntas disfarçadas.
— Ele nunca sabe! — Jack se exalta, mas logo respira fundo. — Cara,
isso é ridículo, você precisa encontrar uma resposta. Ninguém merece ficar
preso no meio dos seus problemas, muito menos Alice Wonders.
— Ela não vai ficar. Nem nos conhecemos direito — conto, me
forçando a crer no que sai da minha boca. — Eu não tenho nada com a Alice.
Os dois se olham e fingem acreditar em mim.
Apesar de tudo, Jack está certo, muito certo. Depois do que fizemos na
tarde de ontem, depois de tocar no corpo da Wonders, a última coisa que
quero é a machucar, mas ainda não sei o que realmente desejo ter com a
menina.
Quanto a Madison, já está claro e ela sabe: não há nada.
— Vai se atrasar pra aula — Hannah brinca e agarra uma almofada
qualquer, jogando-a na minha direção.
Bufo. Quero muito ver aqueles olhos azuis e aqueles lábios vermelhos.
PACTO
"Não diga que eu não te avisei.
Todas as boas meninas vão para o inferno."
Billie Eilish | All the good girls go to Hell.
ALICE WONDERS
Onde se encontra toda aquela raiva quando entro nessa sala de aula?
Sumiu tão rápido que nem me lembro dela ter existido. Andressa está certa,
devo enfrentar as coisas, devo o questionar.
Nick não se torna à porta quando a mesma se fecha e, dessa vez, está
cedo demais. Apenas nós dois numa sala grande e quieta, que coincidência
em, senhor destino. Desço cada degrau com paciência, meus batimentos
cardíacos me consomem, posso ouvi-los. Jogo meu corpo ao seu lado, numa
cadeira confortável, e espero.
— Você sumiu — diz baixo. Assim como eu, Nick não consegue se
afastar, mesmo se esforçando.
— Você também — respondo. Não o vi na aula de ontem e no dia
anterior tudo que fiz foi beber e me esconder.
Os dedos de Nicholas brincam com os meus, apoiados no braço da
cadeira, mas ele não me olha.
— Acho que já te perguntei, mas o que quer comigo, Nicholas? E não
diga sexo.
Puxo o braço, evitando o contato que tanto o satisfaz. Seu sorriso
desaparece, sua face congela e ele se torna à mim. Eu encontro seus olhos.
— Certo, essa pergunta é extremamente complicada — confessa, espero
que seja mesmo, complicada e torturante. — Está diferente.
Ele não se refere a minha aparência, Thompson nota que a minha atitude
está diferente. Uma pitada da raiva, que parecia ter desaparecido, ainda vive
em mim.
— Eu descobri que algumas pessoas mentem.
— Muita gente mente, Alice Wonders. — Me faz rir nasalado, chega a
ser irritante. Ele tem respostas erradas para perguntas erradas.
— Não é disso que estou falando — murmuro, tirando meus olhos da
sua face. Eu foco na lousa. Há certa ameaça na cor azul de suas íris, um tom
diferente de desejo.
— Então, do que está falando, Alice?
Volto a olhá-lo.
— Só me diz o que quer comigo — suplico, quase em desespero. O ar
me escapa mais uma vez, eu preciso respirar.
Seu corpo se ajeita, o garoto se afasta do encosto e se vira
completamente para mim, mas sua expressão não muda. É difícil de o ler.
Nick apenas me fita por alguns segundos e eu não me encolho, ainda.
— Eu te quero — confessa num tom quente que me faz desmoronar.
Sinto tudo que tentava evitar.
Não posso me controlar, não, de jeito nenhum. É impossível ao seu lado
e eu não consigo tirar meus olhos dos seus.
— E o que você quer, Wonders? — questiona com frieza. — Me diz. —
Seus dedos encostam na minha bochecha e Nick a acaricia.
Respiro fundo, falhando miseravelmente em encher meus pulmões. Eu
agarro em sua mão e a afasto, não consigo lidar com seu toque. Eu o quero
com toda a minha vontade e não me importo mais com o fato de não entender
isso. Eu realmente não entendo, é planejado pelo destino.
Nicholas não parece certo, mas parece perfeito para mim.
E eu o quero sobre meu corpo, com seus músculos deliciosos e seus
beijos intensos. Eu o quero me penetrando fortemente, me fazendo gemer
alto. Eu. O. Quero.
— Me diga — ordena e aperta a minha mão. Ele quer ouvir, quer saber.
Esse menino é do tipo que tem o que quer quando quer, mas não será
assim comigo. Nunca. Nicholas ainda não me conhece, eu só precisava
entender o poder que tenho sobre ele. Nós dois estamos jogando, provocando.
Não sou mais uma peça qualquer em seu tabuleiro e ele vai descobrir
isso.
— Não — respondo e o menino morde o lábio. — Você não me merece.
— Eu sei.
— E eu não te devo nada.
— Eu também sei disso. — O mesmo tom leve.
Solto seus dedos e o garoto recolhe a mão, encostando novamente na sua
cadeira, se arrumando, afastando os impulsos selvagens que possui.
É só sexo, excitação, calor.
— Você não é perfeita — murmura e respira fundo.
— Eu sei — brinco, fazendo-o rir.
Nick é como uma mistura de sentimentos.
12
SEGREDOS
"Eu vejo seu rosto sempre que eu estou com alguém.
Você não consegue ver que eu te quero?"
The Weeknd | Where You Belong
ALICE WONDERS
Eu sinto um aperto em meu peito, algo de dentro. Sei que ele namora,
pelo menos foi isso que Chris disse, e Madison parecia completamente
apaixonada. Não é certo.
— Ainda tem que me contar o que quer — sussurra assim que o
professor termina a falação e eu, as minhas anotações.
— Já disse que não te devo nada — respondo, me virando para o seu
corpo tenso. Posso ver seu peitoral se movendo lentamente, é como se
tentasse se conter.
— Eu realmente não te entendo. — Sorri, não parece nervoso. Nick
ainda não sabe do que sou capaz, eu consigo irritar a pessoa mais calma,
consigo causar caos em mentes inocentes. — Agora está recuando.
— Eu não tô recuando. — Mordo o lábio e baixo o tom enquanto
algumas pessoas passam por nós, esvaziando a sala. — Gosto de te provocar.
— Você é má — reclama e me entrega um olhar ameaçador.
Me levanto sem paciência e sem estender o assunto. Eu ainda tenho uma
dúvida, uma questão me queimando por dentro. Se ele namora, como pode
ser tão sujo, como tem coragem? Ele está, literalmente, me incendiando com
o olhar, está se entregando de uma forma assustadora e está escondendo
coisas.
Puxo minha mochila e suspiro com raiva. Eu adoro e odeio a sua
presença, cada vez que me lembro do sorriso de Madison, de sua animação,
eu sinto algo irreconhecível. Algo que grita dentro de mim, que me impede
de dar um passo à frente. Me impede de tocá-lo.
É como se Nicholas não pudesse passar de um desejo.
— Espera, Alice, onde vai? — ele pergunta se retirando do assento, me
seguindo pelos degraus que levam à porta de saída.
— Embora — conto com frieza. A minha confusão é estressante.
— Posso te dar uma carona?
Seus dedos quentes tocam em meu braço, mas ele não me puxa, não
aperta a minha pele. Nick recolhe a mão assim que percebe a minha
expressão desanimada. Considero a opção: estar presa atrás de seu corpo,
sentindo a mesma adrenalina do outro dia.
— Acho melhor não, Thompson. Eu moro na mesma fraternidade que a
Madison.
— Certo. — Nick está começando a me entender. Não quero ferir outra
pessoa, uma menina que mal conheço.
— E eu fiquei sabendo que vocês namoram — continuo, ele merece
saber o porquê da minha mudança de atitude e eu preciso tirar isso dos meus
pensamentos. Se não consigo ter raiva desse menino, posso, pelo menos, ser
sincera.
— Não é bem assim...
Suspiro mais uma vez e suas palavras cessam.
— A gente pode conversar sobre isso hoje à noite — digo.
— Hoje à noite? — questiona baixo, voltando à realidade. Ele quer me
explicar coisas que não quero ouvir, não agora. — Então, vai à festa na
fraternidade?
— Talvez.
— Achei que tivesse esquecido, faz tempo que te convidei. — Ele
encara minha boca, analisa o meu pescoço e termina em meus seios. Nick
morde o lábio de uma forma atraente.
— Posso levar alguém? — gaguejo um pouco, não consigo lidar com
suas provocações.
— Esse alguém é um amigo? — Dá um passo à frente e quase cola o seu
corpo ao meu. Ele espera como se essa fosse a pergunta mais importante do
mundo.
Não gosto de perder o controle da situação, nem de tons tentadores
quando já deixei claro o que quero. E nesse momento eu quero distância de
alguém provavelmente comprometido.
— E isso importa? — respondo tomando coragem suficiente para
encarar seus olhos, agora escuros como a noite. O azul deles não é doce,
muito menos brilhante. É quase cinza.
— Na verdade não. — Sai como um sussurro e ele aquece meus lábios
com a sua respiração. Nick é quente, por fora e por dentro. Eu sinto um calor
extremo em minha nuca, um suor incessante.
Nossos olhares se encontram por uma última vez e tenho de erguer a
cabeça para conseguir o examinar. Nicholas está muito perto, mais do que
nos é permitido.
— Então — respiro fundo —, te vejo hoje à noite.
PRIMEIRA VEZ
"E toda vez que penso que os planetas estão alinhados,
você ainda está tão perto, mas ainda tão longe."
Labrinth | Still Don't Know My Name
ALICE WONDERS
Mesmo sem ter bebido muito, me sinto tonta e enjoada enquanto ando
tropeçando pelas ruas de Wiston Hill, segurando lágrimas de raiva. Nicholas
despertou algo em mim que não consigo explicar, me sinto diferente. O pior é
que não somos mais que amigos, mas ainda assim, odiei ver aquele beijo.
Mentiroso de merda. Nicholas me falou minutos antes que não
namorava, ele terminou com a Madison, mas parece que ela não entendeu
isso muito bem ou, quem sabe, ele não tenha sido claro. Eu não consigo dessa
forma, não consigo desejar o seu cheiro e ao mesmo tempo me sentir tão
culpada.
Não quero me envolver em problemas e relacionamentos alheios. Eu
realmente não quero saber dessa merda toda de vai e vem, notável entre os
dois. Não mereço isso.
Já cometi muitos erros, transei com garotos idiotas — coisa de uma
noite, daquelas que você esquece na manhã seguinte — e só arrisquei me
aproximar emocionalmente uma vez, que deu errado, mas nunca senti esse
tipo de arrepio. E Alex apareceu num péssimo momento, eu acreditei que
uma relação com uma pessoa doce como ele me salvaria de todos os pecados,
mas não. Alexander se entregou demais para alguém que mal se importava —
porque, na verdade, não gosto do doce — e acabou na cama da minha antiga
melhor amiga.
Aparentemente, fui feita para os problemáticos, caóticos e cheios de
intensidade. Por isso, caminho pelas ruas cambaleando.
A gente não funciona, essa situação foi uma amostra grátis das próximas
decepções. Nada está ao nosso lado. A cidade; as pessoas; os segredos; eles
são uma bomba daquelas que espalham os seus pedaços. Daquelas que te
fazem sangrar.
Thompson é o típico bad boy que não se compromete, que fica com a ex
e outras várias. E eu sou a que prefere distância de sentimentos. Eu nunca me
entreguei a nada que fizesse meu coração disparar, mas Nicholas parece
necessário. Eu o quero. O vento que me rodeia não é capaz de levar essa
vontade embora. Meus tênis batem no piso e eu sigo pela faixa desenhada na
rua, a que divide o caminho em dois. Nenhum carro passa por aqui, nenhum
barulho me atinge. Coloco alguns fios castanhos atrás das orelhas e respiro
fundo.
Como pode um estranho me fazer sentir tantas coisas de uma só vez?
Posso chamar de raiva, mas talvez seja mágoa.
Não vou admitir isso.
Prefiro a fúria, aquela que consome e destrói.
— Filho da puta — reclamo em voz alta. Em cidades pequenas como
essa, não há pessoas na rua após a meia noite, não há risco de atropelamento
nem de roubos. Ninguém realmente se importa, porque todos se conhecem.
Atravesso, notando a luz vermelha, a música, a tonalidade e os sons. Eu
sei que estou do lado proibido, num lugar isolado. Não planejava vir aqui,
não tinha um caminho a seguir, mas parece que o destino está brincando
comigo desde o começo.
Talvez seja a minha vez de brincar com ele.
Red Hell brilha com a luz neon num letreiro abusado, iluminando uma
menina com chifres que quase me faz soltar um riso falso.
Percebo que Nicholas pode ser a intensidade que eu procuro. Não fui
feita para arrumar a vida dele, a nossa soma é desastrosamente planejada. E
boa. Então, como pôde estragar algo tão perfeito?
Idiota.
E como eu não passo de outra imbecil, devo, com todas as forças, tornar
o problema maior do que precisa ser. Por isso, entro no Red Hell com uma
ideia em mente, e eu vejo os cabelos longos de Thomas enquanto ele se
serve, enche um copo com uma dose generosa de uísque. Eu o fito, ele é meu
alvo. Desfilo entre pequenos palcos redondos onde dançarinas se exibem,
passo por entre cada cliente e cada bartender falsamente simpática. Bato com
as mãos abertas — de forma delicada — sobre o balcão de vidro. Ele me
analisa, dos seios aos olhos.
— Tequila — ordeno. Tommy me julga por segundos, agarra a garrafa,
enche o copinho e me entrega. Eu o viro e peço por mais.
Outra dose. Sei que beber não me ajuda de verdade, sei que cada dose
que para alguns parece normal, apenas aumenta meu vício. Sei que o
embrulho em meu estômago não é só pela ansiedade de ter visto as fotos e o
beijo, é a mais pura abstinência que agora mato aos poucos com álcool.
Eu sei de tudo isso, mas prefiro ignorar a importância desses detalhes.
— Preciso falar com você — minto. Preciso de algo selvagem e
proibido.
— Precisa é? — Ri. Apenas o queimo com o olhar. Tommy entende,
não estou com paciência nem vontade de ouvir sermões.
O menino entrega o copo a bartender de fios avermelhados e cintura
extremamente fina. O sigo até os fundos do Red Hell sem soltar uma palavra,
até que a porta do seu quarto se fecha atrás de nós.
E eu sinto a raiva voltar, me consumir.
— O que foi? — questiona e ajeita os fios lisos.
— Eu odeio algumas pessoas e preciso me distrair — digo antes de
agarrar seu corpo.
Colo nossos lábios no mesmo instante que termino a minha explicação,
mas Tommy não retribui o meu ato. Ele não segura na minha cintura, não me
puxa para perto.
Me afasto com dúvida.
— Eu acho que sei qual é o seu problema. Isso é sobre o post da
Christina? — Me examina e eu rolo os olhos. — Ou Nicholas Thompson?
Esse foi um chute.
Nada sobrevive a curiosidade dos moradores de WH, alguns são bons
em ler as pessoas.
— Sério? — pergunto sem querer uma resposta. Volto a agarrá-lo,
espero que dessa vez ele faça o que quero que faça.
Mas não.
Thomas me empurra com delicadeza, desgrudando nossos corpos. Ele é
racional e está ciente dos riscos.
— Sinceramente, eu não acho certo — diz, rindo e tentando soar
amigável, porém me ofende um pouco. — Não sei o que há entre vocês dois e
não sei o que aconteceu...
— Você pode parar de falar disso? Eu só queria sexo e não uma lição de
moral! — exclamo com ênfase, na verdade, quase grito.
Há tanto para jogar aos ares.
— Alice, eu não vou te ajudar a provocar o Nicholas.
Thomas realmente acha que tudo é sobre o menino rico e tentador? Que
eu quero o afetar? Pelo amor de Deus!
— Provocar o Nicholas? Vai se foder! — reclamo e tento passar por seu
corpo, estico o braço na intenção de agarrar a maçaneta. Tommy cola as
costas na porta e não me deixa alcançar o objeto.
— Você bebeu?
— Não! Por que? Virou meu pai? — protesto, me afastando. Cruzo os
braços como uma criança mimada.
— Eu não vou te deixar sair daqui pra fazer merda em outro lugar.
— Tommy eu...
— Fica quieta! Não sei como as coisas funcionavam em Nova Iorque,
mas em Wiston Hill é melhor se manter na linha. E isso é um conselho.
— Soa como uma ordem... — sussurro. Thomas não se move, não me
deixa partir. Estou presa, sendo forçada a pensar nas minhas atitudes
horríveis e exageradas, além do beijo.
— E se você ficar quietinha aqui e esfriar a cabeça?
— Não preciso disso.
— Para de ser teimosa — insiste.
Não tenho como negar, confesso que meu estômago dói demais
enquanto todos os acontecimentos dos últimos meses — desde Nova Iorque
— reaparecem em minha mente.
Ele sai do quarto e eu me sento na beira da sua cama, deixo os minutos
passarem. Preciso do silêncio. Tento esquecer o que vi e a sensação de ter
Nicholas tão perto e tão longe ao mesmo tempo. É um sentimento novo, não
consigo compreendê-lo.
Era de se esperar, afinal, sou a novata. No que eu estava pensando? Ele
só flertou comigo, não me prometeu coisa alguma, nem sabe quem eu sou.
Os minutos se tornam uma hora completa. Tommy abre a porta e eu
suspiro.
— Nicholas está aqui. Ele veio beber depois de fazer alguma merda na
festa...
Arregalo os olhos, espero que ele não me entregue. A última coisa que
quero é ter de encarar Thompson e ouvir as suas justificativas.
— E ele sabe que você também está aqui — declara por fim, dando de
ombros.
— Thomas! — grito e sou totalmente ignorada.
— Você pode fazer qualquer coisa, Alice, só não pode me envolver nos
seus problemas. É sério.
Bato as mãos no colchão com força quando a porta é aberta e Nick
aparece.
— Eu não acredito — solto com toda a indignação possível. Eles acham
que sou uma criança? Thompson veio me buscar como se fosse meu pai?
Me coloco de pé e os dois me fitam com curiosidade, mas não quero
conversar. Empurro-o pelo peitoral e passo por ele.
— Alice! — grita e eu ignoro.
— Vai se foder!
Os dois me seguem pelo corredor apertado. Estou irritada comigo, com
meus vícios, com o desejo que sinto e com o beijo que vi. Eu queimo e me
afundo em muitos sentimentos.
— Não façam isso dentro do Red Hell! — Tommy pede e eu me viro,
sentindo meus cabelos voando. Me torno aos meninos e respiro fundo.
— Eu não vou perder o meu tempo, pode deixar.
— A gente precisa conversar — Thompson tenta.
— Não. Eu não quero, está bem? — exclamo e continuo meu caminho.
Somos teimosos, os dois, na mesma proporção, com os mesmos
objetivos. Por isso, Nicholas me segue pela boate, por entre bêbados,
dançarinas e todo o resto. Já Tommy só vai atrás, porque tem medo. Ele sabe
que ao nos juntarmos poderemos atrair problemas.
Eu passo pela pequena porta de entrada, indo à rua vazia, num — quase
— beco esquecido.
— É sério, você precisa me ouvir! — Nicholas insiste. — Que merda
veio fazer aqui, afinal?
— E você? — brado, rindo de nervoso. — Avisou a Madison? É melhor,
porque, aparentemente, ela não sabe que vocês não namoram!
Nick contrai os lábios e me fita com fúria, enquanto isso, Tommy
observa. Ele se apoia no batente da entrada e assiste. Continuamos, mesmo
me sentindo uma idiota com toda essa situação.
— Que tal parar de ser tão teimosa e me deixar explicar?
— Que tal parar de se explicar tanto?
— Quer saber, eu não te devo nada, lembra? — declara sem ao menos
pensar no que diz.
— Que bom, porque eu vim aqui me divertir com o seu amiguinho! —
Aponto para Tommy. O mesmo ergue as mãos, como se não soubesse do que
estou falando.
— Alice, é sério? — Nick ri.
— Vai à merda, Thompson. — Ignoro a sua provocação e começo a me
retirar, caminhando pela rua escura, porém ele me segue.
— Você precisa me ouvir, não posso te deixar ir embora. Por favor. Não
quero que fique brava e acho que te devo uma explicação, principalmente
depois...
O interrompo:
— Por que isso importa tanto? — grito me tornando a ele, deixando o
sentimentalismo tomar conta. Estou em chamas.
— Alice, eu sei que...
— Você não sabe de nada! Nem consegue se resolver com a Madison…
— Pelo amor de Deus! — reclama e, ao invés de partir, o empurro com
as duas mãos em seu peitoral.
— Gente, vocês precisam discutir isso depois, agora não parece ser o
melhor momento — Tommy se intromete, já que estamos começando um
incêndio.
É desejo misturado a raiva, uma tensão sexual extremamente forte. Não
queremos discutir, queremos outra coisa.
— Vai fazer o que, Nicholas? — provoco e mordo o lábio.
— É sério. Vocês estão fora de controle — Thomas tenta, mas eu
empurro o menino novamente, fazendo-o rir.
O dono da Red Hell se coloca entre a gente com pressa, nos separando.
Ele percebe o que está acontecendo, não é mais uma briga e sim uma
provocação mútua. Algo delicioso, mas banhado a fúria.
— Teimosa — Thompson diz e se aproxima. Tommy continua criando
uma parede entre nossos corpos, mas isso não me impede de abaixar o seu
braço, para assim poder encarar Nicholas.
— E você é um mentiroso de merda!
Thomas é rápido, ele não tem tanta paciência e me afasta. Nick nem
reage.
— Chega! — Tommy brada enquanto eu cambaleio para trás, me
distanciando um pouco. A dor em meu estômago é forte, a tontura retorna.
Essa noite foi problemática demais.
— É sério, você pode falar com ela depois. — Ouço-o dizer, mas não
consigo entender a resposta de Nicholas. Estou enjoada.
Apoio as mãos na parede externa do Red Hell e abaixo a cabeça. Tudo
gira, por um momento me sinto perder a força.
— Alice! — um dos dois grita.
E pronto: minha visão escurece. Quando me vejo passando mal, não me
importo mais com as mentiras de Nick. Meu estômago se aperta, minha
cabeça lateja. Não há como focar em outra coisa. E duas mãos me agarram
pela cintura, puxam meu corpo e me erguem.
É Thompson, apesar de toda merda que eu disse.
— Eu não vou embora tão fácil — sussurra em meu ouvido quando
encosto a testa em seu peitoral.
14
SERPENTES
"Eu farei tudo que puder
para mantê-la ao meu lado,
só porque eu sei que parece certo..."
Zayn | Good Guy
NICHOLAS THOMPSON
Ela respira fundo enquanto a examino, Alice não parece bem e não
quero dizer que deve estar doente. Eu sei que fodi com a menina e nem foi da
forma que tanto desejo. Tive todas as chances de arrumar as minhas cagadas
antes de me entregar a outro caos.
Mas não.
Eu escolhi esperar e acreditar que Madison havia entendido. Nada é tão
fácil, não quando estou no meio da história, já notei.
Alice apoia a cabeça nas mãos, sentada na beira do colchão de Tommy,
com os olhos fechados. Nenhuma palavra escapa por entre seus lábios. A
enfiamos no corredor esquecido do Red Hell pela porta dos fundos, lhe dei
apoio enquanto seu corpo estava enfraquecido e a escondemos aqui até que
tudo melhorasse. Mas parece que o tempo não passa e ela não diz nada, só
respira fundo. Thomas já tentou dialogar, fazer um acordo e até a
expulsar. Nada.
— Está bem? — pergunto com certa hesitação, há minutos atrás Alice
gritava comigo, me chamava de mentiroso de merda. Não quero a estressar
mais, porém o silêncio não ajuda muito.
— Uhum — murmura, sem erguer o olhar. Wonders continua presa a
mesma posição: cotovelos apoiados nas coxas, coluna levemente inclinada,
dedos entre os fios escuros e as palmas das mãos na testa. Não sei como
consegue. — A minha cabeça 'tá girando, acho que vou vomitar — diz baixo
e finalmente se move.
A menina relaxa os braços e encara o chão. Wonders se levanta com
calma e caminha até o banheiro. Nós a assistimos enquanto encosta a porta e
podemos ouvir o que acontece. Ela coloca tudo pra fora.
Quando volta ao quarto, parece melhor.
— Pode beber isso agora. — Tommy lhe entrega uma garrafinha cheia
d’água.
A música do Red Hell está alta, algo sensual demais para a situação.
Continuo a observando, esperando. Não sei o que dizer ou o que fazer, mas
não vou embora. Com toda certeza ficarei aqui até conseguir consertar tudo.
Eu não sei lidar com a culpa, isso me consome.
— Obrigada — Alice responde e agarra o objeto. Ela ainda não me
fitou, sua atenção está em Tommy, que se mostra um tanto desconfiado.
A menina abre a garrafa e o som do lacre estourando toma conta do
quarto. Nenhuma palavra. Silêncio. Ela engole uma boa quantidade de água
gelada.
— Você não deveria beber tanto em festas — ele diz. — Ela bebeu? —
me pergunta.
— Não sei. — Dou de ombros e, finalmente, os olhos da garota me
encontram.
Wonders me fita com certa culpa, parece ter voltado ao normal, nada de
gritos ou xingamentos. A examino da cabeça aos pés e suspiro. Alice não me
queria por perto e isso me tortura um pouco. Como pude estragar algo que
mal começou com alguém que ainda quero, e muito, conhecer?
— Eu não bebi — responde focada em mim, sem piscar. A menina está
abatida, com ar de quem chorou um pouco. Os lábios ainda estão pintados de
vermelho, porém seus fios se tornaram uma bagunça. De qualquer forma,
continua linda. — Só não estava me sentindo bem.
— Certo. — Thomas insiste em tentar apaziguar os ânimos, entretanto,
estamos calmos até demais. — Não está grávida?
— Tommy, o quê... — Carrego meu tom de surpresa, mas sou
interrompido.
— Não estou grávida.
— Certeza? — ele continua e ri baixo, sei que está desconfortável. Não
entendo o porquê de ter ficado no quarto, eu posso cuidar dela sozinho.
— Eu não tô grávida! — Alice exclama, irritada.
— Tudo bem, só fiquei preocupado.
Preocupação estranha essa, eu nem pensei nisso. Nunca perguntaria tal
coisa a menos que tivesse motivos.
— Por que acha que ela pode estar grávida? — questiono calmamente, o
encarando.
Tommy engole em seco e seu peito se move com dificuldade. Ele respira
fundo.
— A gente transou — Alice revela. Devo parecer chocado, pois uma
satisfação surge em seu rosto. Ela queria me deixar assim, boquiaberto. —
Mas usamos camisinha e eu tomo pílula, não estou grávida. Já faz tempo, foi
quando cheguei, antes de te conhecer.
Me mantenho focado em seus olhos, mesmo distante.
— Não precisa se explicar — devolvo.
Wonders cora, ela sabe que não me importo, afinal, a vida é dela. E
como eu disse, ainda não temos nada. Alice não me deve satisfações. Sinto
uma pontada em meu peito por descobrir que Tommy dormiu com a menina,
algo que quase consegui e com o qual sonho e desejo todas as noites desde
então. Mesmo assim, não precisam se justificar.
Wonders dá de ombros timidamente e bebe mais água. Ela parece
confusa, envergonhada. Eu a fiz recuar.
Noto agora, que não sei o que está acontecendo comigo desde a primeira
vez em que a vi.
— Vocês dois estão bem? — Tommy questiona, sem perceber a nossa
estranha troca de olhares. Ele alterna entre nós, tenta definir que tipo de
relação temos.
Não respondemos. Se estamos bem ou não, depende da Alice.
— Eu preciso conversar com o Nick — diz, sem olhá-lo. Tommy pensa
sobre e não sai. Continua à frente da porta, de pé, nada obediente. — É sério.
— Acho melhor não. Quer dizer, vocês brigaram feio.
— Isso é por causa do desmaio na frente da boate? — Ele ri quando ela
pergunta. Cubro os lábios com os dedos, tentando não soltar uma gargalhada
irritante.
Eu sei o que Thomas teme: ele não quer suor em sua cama nem sangue
em seu chão, e claro que o sangue seria meu.
— Só não quero ter que separar uma discussão dentro da Red Hell.
Vocês nem estão bêbados.
— Nós não vamos destruir o seu quarto — me intrometo.
Os dois me examinam e Alice morde o lábio, sei no que está pensando.
Sorrio ao notar a maldade em sua face, o desejo escondido, e a garota para no
mesmo momento. Ela disfarça.
— Vocês são ridículos — Tommy sussurra e respira fundo. — Está bem
o suficiente pra isso?
Wonders assente, seus olhos brilham, sua cabeça concorda com
movimentos rápidos. Toda sua feição me atiça.
— Eu não preciso ir ao hospital, Thomas. Estou bem.
— Certo. — Ele repensa antes de ceder. — Tentem não destruir o meu
quarto, nem transar na minha cama, por favor.
Wonders rola os olhos e o menino sai com calma. Ele nos entrega uma
expressão desconfiada antes de fechar a porta e podemos ouvir seus passos
pelo corredor. Então, estamos sozinhos.
Antes que Alice volte a me olhar, fito sua clavícula à mostra, os detalhes
de sua pele. Analiso cada contorno. A menina deixa a garrafinha sobre uma
mesa de cabeceira e anda até o banheiro novamente, liga a torneira e lava a
boca.
Eu continuo a examinando.
— O que foi? — questiona ao retornar e ergo o olhar. Wonders me
encara.
— Você me chamou de mentiroso de merda.
— Me desculpe, acho que exagerei — sussurra e ri. — Mas eu vi o
beijo.
— Eu sei.
— E você me disse uma coisa, depois fez exatamente o contrário,
Nicholas.
— E você não me deixou explicar — argumento. A distância entre nós
parece cada vez maior. A poltrona já não está tão confortável, quero o calor
do seu corpo.
— Eu não preciso de explicações.
— Mas ficou brava. — Um sorriso cauteloso me escapa. Tento o conter,
mas vê-la nervosa até que me diverte. Alice retorna à cama.
— Eu só não gosto de me sentir confusa e não quero me envolver, nem
um pouco, com alguém que está preso a outro relacionamento — reclama,
suas mãos ajeitam os fios bagunçados e ela cruza as pernas sobre o colchão.
Seus seios brilham dentro da blusa um tanto apertada e sua cintura parece
mais desenhada que antes. — Quer dizer, a gente quase transou e eu nem
sabia da Madison. Você não precisava ter me contado, mas foi bem chato
descobrir por terceiros.
— Eu fiz merda — concordo num tom áspero. Não mudo a minha
expressão, examino cada centímetro, cada parte do seu corpo.
— Seu amigo disse o mesmo, na verdade, ele falou que você só faz isso.
— Alice ainda soa chateada, ela não ri, não me olha da mesma forma. Suas
íris brilham e seus lábios me chamam, mesmo assim, há algo de diferente.
Encontro sua clavícula mais uma vez, deixando o silêncio tomar conta.
Não tenho respostas, Jack estava certo e agora ela sabe. Ela ouviu. Eu só faço
merda e, pela primeira vez, quero fazer algo de diferente. Não quero iludir,
nem confundir ninguém, nunca quis.
Eu já disse, amo o caos, a calmaria me deixa entediado. Se Alice for um
problema — como Polly acredita —, não dou a mínima. Alice Wonders é o
caos disfarçado de anjo, a tempestade com um pouco de arco-íris. Ela é tudo
que me atrai.
— Por que está me olhando assim? — questiona e suspira quando fito
suas íris. A menina estremece.
— Assim como? — Sorrio de canto, um tanto confuso. Eu a olho
normalmente, pelo menos acredito nisso.
— Eu não sei — franze o cenho —, parece que quer me devorar. Quer
dizer — ri sem jeito enquanto alguns dedos escondem uma mecha atrás da
orelha —, nada, esquece.
A sua explicação não poderia ser pior. Talvez eu saiba do que está
falando, quando a vejo não consigo esconder o que sinto, não consigo fingir
que Wonders não me causa arrepios. Ela me aquece, mesmo estando longe e,
por vezes, me xingando.
— Quem disse que não quero te devorar, Wonders? — Levemente
provocativo e completamente intencional. Gosto de testar seus limites e ela
parece não acreditar no que ouve. Está chocada. — Tem certeza de que está
bem? — Mudo de assunto.
Me levanto com calma e Alice me observa. Talvez tenha medo, quem
sabe não me queira por perto. Mas meu corpo implora por alguma
proximidade, me sento ao seu lado no colchão de Tommy e a mesma me fita,
examina cada atitude antes mesmo de eu as tomar. Ela me lê.
— Posso? — me refiro as minhas explicações. A garota assente. — Eu
terminei com a Madison. — Wonders rola os olhos, cansada desse assunto.
— Tudo bem, você estava certa, talvez eu não tenha sido claro o suficiente.
— Com certeza não foi, Nicholas. — Um biquinho surge e some o mais
rápido possível.
— E eu não queria ser. — Dou de ombros. Explico tudo focado na cor
de seus olhos, observando cada reação, esperando não falar algo de errado. —
Eu não queria acabar com o que a gente tinha, porque ainda podia beber e
acordar na cama dela. Ainda era algo.
— É errado.
— Sim, mas quero ser direto agora. Madison já entendeu, eu não quero
voltar. Não mais.
Alice levanta a cabeça e se torna à mim, pensativa e um pouco receosa.
— Não quero ser seu motivo.
— E você não é — confesso. Não estou me afastando da loura por causa
da novata, eu preciso me desapegar do passado e Madison me liga a ele.
Preciso aceitar que as coisas mudaram, que paredes caíram e que
mentiras nunca serão desfeitas.
— Eu só quero terminar com ela. Preciso disso há muito tempo, talvez
você tenha sido um incentivo. Quem sabe?
— Não sei se posso confiar no que diz.
— Não menti pra você ainda.
— Exatamente — sussurra. — Somos desconhecidos e por isso não
quero confiar em você.
— Então, não quer — repito com ênfase na negativa. Ela se encolhe. —
Não está errada, na verdade, é bem sensato da sua parte.
— Eu sei. — Sorri pela primeira vez. — Vai precisar de muito mais pra
me convencer, Thompson.
— Eu aceito isso. — Ajeito a postura, movo a cabeça esticando o
pescoço. Alguns estalos surgem. A atenção da menina desce por meu corpo,
contorna meus músculos e chega aos meus dedos. — Mas vou ter que fazer o
mesmo, desculpe.
— O quê?
— Também não posso confiar inteiramente em você. Não nos
conhecemos, nunca realmente conversamos — falo. Ela morde o lábio e se
volta ao meu rosto.
— Isso também é sensato da sua parte.
O que havia de diferente partiu. Agora me sinto normal, como se
Wonders nunca tivesse me chamado de mentiroso de merda ou me
empurrado na frente da Red Hell.
Respiro fundo e espero, há perguntas em sua expressão, Alice só está
esperando pelo momento certo.
Mas ela não diz nada.
— Eu não sou bom — confesso baixo. Wonders arqueia a sobrancelha e
me analisa.
— E não sou perfeita, Nick. Me conte sobre as merdas que faz — pede,
se referindo a fala de Jack. Dou uma leve risada e me viro um pouco mais
para seu corpo, ainda de pernas cruzadas e mãos juntas.
— São coisas do passado — digo, entretanto, não vejo satisfação em sua
face. — Nada de interessante.
Não gosto de comentar. Wine e minha mãe estão presentes nessas
memórias, assim como Elle Carter, irmã de Jack. Foram muitos erros, boatos
e segredos jogados ao vento. Coisas que podem destruir até a mais perfeita
utopia, mas Polly não deixou isso acontecer. Ela deu um jeito, ela sempre dá
um jeito.
— Não parece. — Ri.
— Me conte sobre a sua família — ordeno. Era pra soar amigável, mas
não estou acostumado com isso. Limpo a garganta e continuo, notando-a
boquiaberta. Não quero falar de mim. — Tem irmãs?
— Sempre dá ordens assim? — ela questiona com certo sarcasmo. Dou
de ombros. — Tenho duas, Cherry e April. Dezesseis e quatorze anos.
— E Mike? — Me refiro ao seu único irmão, o herdeiro, aquele que
aparece nos eventos. — Eu li o que a Chris escreveu, lembra?
— Ele tem dezessete. É perfeito, inteligente e manipulado demais. — A
última parte sai como uma confissão, ela parece precisar tirar isso de seus
pensamentos. A relação dos dois me fica óbvia, não é boa.
— E seus pais? — Novamente uma ordem, preciso arrumar isso.
— John e Katherine? Não há muito o que dizer, é só ler as notícias —
brinca, mas continuo sério, esperando.
Não quero saber quem são para os outros, quero saber o que Alice acha
deles. Aqui em Wiston Hill conheço todas as famílias da alta sociedade e sei
quando escondem algo completamente errado, mas não conheço o lar de
Alice, nem de onde vem. Isso atiça a minha curiosidade.
Ela respira fundo, rola os olhos e se prepara para continuar contra a
própria vontade.
— Me dou bem com John, ele é legal e compreensivo quando quer. Não
gosta que sujem o nome da família e prefere manter a vida particular em
segredo, por isso não mostra tanto as filhas, nem o filho na verdade. Ele se
importa muito com os negócios. — Bufa. — Essa questão de aparências é
coisa da Katherine e eu, claramente, não gosto disso. — Alice pisca algumas
vezes enquanto mordo a parte interna da bochecha, sentindo o gosto do
sangue em minha língua, aguardando por mais. — Não sou próxima dela e
vice-versa.
— Por quê?
— Nunca fomos como mãe e filha. Ela só gosta do Mike. — Olha as
minhas mãos. — Depois de um tempo isso parou de importar.
Não sei o que dizer, não quero a consolar, Alice não precisa disso.
A minha família nunca passou perto de ser perfeita, se fosse, não teria
sido obrigado a viver com Polly. Cheia de regras e manias, querendo todos os
problemas longe dela, apenas os mais ricos e educados ao seu redor. Nada de
drama nem romances impróprios. Só o planejado.
Percebo que estou em silêncio há alguns minutos, encarando o pequeno
colar que dança em seu pescoço, a serpente quase minúscula enfiada entre
seus seios. Não comento, mas admiro.
— E quanto a sua mãe? — Alice questiona, se inclinando um pouco
para frente, fazendo com que o objeto desgrude de sua pele. — São
próximos?
— Sim, mais ou menos. Éramos. — Confuso. Repenso e recomeço. —
Eu não a vejo há muito tempo.
— O que aconteceu?
— Eu não sei, meus pais só sumiram. — A história toda não vale a pena
e eu não quero contá-la. — São coisas que devem ficar no passado.
Alice assente, sem me forçar. Ela entende como é não querer tocar num
assunto, como é querer deixar as coisas enterradas. Vi sua expressão quando
leu o post de Christina, ela pode dizer que não se importa, mas eu sei.
Wonders não gosta dessa atenção desproporcional.
— Como o que fizemos no seu quarto? — interpela e nossos olhares se
encontram.
— Com certeza não. Isso não é passado pra mim — digo, sentindo a
mesma excitação daquele dia, de quando toquei em sua pele e desci minha
mão por sua barriga até finalmente chegar onde queria.
E ela estava completamente molhada. Não posso me esquecer disso.
Estico um dos braços e agarro o pingente que balança perto de seu
busto, jogando tais pensamentos para longe.
— Uma serpente?
— Eu gosto bastante. — Ri.
— É, eu também — falo, analisando os detalhes de seu pingente, ainda o
segurando.
Nesse momento não estou interessado em serpentes ou colares, eu quero
seus lábios, seu toque. Quero sentir o seu cheiro enquanto ouço seus gemidos.
Tiro minha mão do tecido que cobre a cama e subo com ela por sua coxa, a
apertando. Alice continua me olhando enquanto mordisca o lábio, então,
desce a atenção até meus dedos.
— Por que está tão longe de mim, Alice?
— Eu tô do seu lado.
Posso notar o prazer em sua voz. Agarro sua coxa de vez, acariciando-a.
Ela suspira e fecha os olhos. Odeio o tecido de sua calça, que separa nossas
peles.
— Não é disso que estou falando — confesso.
Alice abre os olhos, sua expressão preenchida por sensualidade me faz
perceber que seu batom está perfeitamente intocado. Ah, eu quero muito tirar
essa cor dos seus lábios. Ela sorri com malícia, inclinando o corpo em minha
direção, subindo as mãos por meu abdômen e agarrando a minha nuca. Sinto
seus dedos entre meus cabelos agora bagunçados e sua respiração em meu
rosto.
Estamos bem perto.
— Eu sei do que está falando, Nicholas — murmura em meus lábios e
puxa alguns fios. Finalmente, ela me beija.
Sinto a temperatura de nossos corpos se unindo, o seu gosto tomando
conta de mim, o seu aroma ao meu redor. É delicioso, nossas línguas se
encontram. Agarro em sua cintura com desejo, aperto a pele de Wonders e ela
se ajeita. Alice se apoia em meus ombros e se senta em meu colo. Ela se
encaixa com perfeição.
Mordisco seu lábio, ah, eu queria muito fazer isso. A garota sorri entre
nossos beijos, satisfeita. Percebo seus dedos desenhando uma trilha em minha
nuca, suas unhas arranhando minhas costas por cima da camiseta e eu sei que
não vou parar. Nunca. Estou fazendo tudo que quero, assim como em meus
sonhos proibidos onde ela insiste em aparecer.
— É verdade — sussurro em seu ouvido —, você não é boa.
Alice ri, relaxando os músculos. Agora não somos completos
desconhecidos e eu a beijo pelo pescoço, mordendo e deixando marcas.
Quero que se lembre disso na manhã seguinte, que sinta que passei por aqui,
porque eu a desejo tanto que não aceito o esquecimento.
Chupo sua pele, provo do seu gosto.
— Nick... — ela geme em meu ouvido, me levando à loucura. Sua voz
inundada em prazer, tão leve, tão gostosa. Eu gosto muito de ouvir Alice
Wonders gemendo meu nome.
O suor começa a escorrer por minha nuca. Wonders não me solta, ela
também me quer perto, muitíssimo perto. Cada vez mais quente. E eu chego
aos seus seios, cacete, a sua pele está morna, deliciosamente doce. A beijo
com calma, não quero a machucar, sei que não tenho autocontrole, sei que
preciso me manter no limite, mas essa menina mexe com um lado meu que eu
ainda não conheço.
— Deliciosa... — murmuro e encontro seus olhos. Seu pingente balança
entre nós, seu quadril se mexe lentamente. Ela rebola. Alice rebola em meu
colo.
Merda...
Eu não consigo me segurar. Eu sei que não consigo, eu sinto uma ereção
se formando. Ela vai acabar comigo e ainda estamos vestidos.
Cacete...
Alice rebola muito bem enquanto sou hipnotizado por suas íris, seus
olhos brilhantes. É algo surreal, com um poder forte, ela me tem em suas
mãos. Eu queimo por dentro, ninguém pode apagar esse fogo. E Alice me
empurra agressivamente contra o colchão, se colocando sobre meu corpo.
Sorrio cheio de maldade.
— Eu não serei boa com você — sussurra.
Sinto o pingente frio e seus fios longos em meu rosto. Grudo em seus
cabelos, acima da nuca, puxando sua cabeça para trás, tomando o controle.
Ela arfa e eu estremeço, a quero agora. O sarcasmo em sua fala soou tão
doce e sujo. Eu gosto do lado impuro de Wonders, gosto de como ela não é
tímida, de como não tem pudores, não comigo, não quando agarro em seu
quadril e mordo seu lábio.
Passo um braço por sua cintura e jogo-a no colchão, me colocando por
cima. Ela ri, quase gargalha, e eu interrompo seus sons com um beijo ardente,
borrando seu batom, estragando sua maquiagem. Nada disso importa. Eu
poderia ter Alice Wonders comigo por dias, meses, anos.
Ela eleva o quadril, tentando nos encaixar, tentando sentir minha ereção.
Estou duro e a culpa é dela. E eu olho Alice Wonders nos olhos.
— Eu te quero muito. — Mas a garota não quer conversar, ela tenta
inverter a posição. Ela tenta me empurrar para ficar por cima, mas não
consegue.
Agarro seus pulsos e prendo seus braços contra o colchão, mantendo
nossos olhares conectados. Ela falha em segurar um gemido abafado e lento.
Sua respiração aquece meu rosto, fecho os olhos, absorvendo-a.
Eu a tenho e posso fazer o que quero, que é saber como é estar dentro de
Alice. Eu quero saber quais outros efeitos ela pode causar em mim. E suas
pernas agarram meu quadril com força, me prendendo, não me deixam partir
nem me afastar.
— Eu disse para não transarem na minha cama.
Sorrio e afrouxo o aperto em seus pulsos. Alice me empurra, sentando-
se no colchão, apoiada nos cotovelos e encontrando Thomas.
— Você não bate na porta? — pergunta, arfando. Ela está excitada, é
óbvio. Sorrio, a observando de soslaio. Wonders parece nervosa.
Começo a entender essa menina. Ela não gosta de ser interrompida, nem
de receber ordens.
Eu rio nasalado, porém me lembro de como Alice odeia meu deboche e
risos em momentos impróprios. Passo alguns dedos sobre meus lábios para
disfarçar meu ato.
— Esse é o meu quarto e eu não bato na porta do meu quarto — Thomas
responde com indignação. — Procurem um Motel, pelo amor de Deus. Vou
tomar banho e espero não ver vocês quando sair.
Wonders rola os olhos e eu me divirto com suas reações. Ela está furiosa
e sexy para caralho. Eu gosto de vê-la nervosa. Não sou tímido, se Thomas
entrou num momento errado, o problema é dele. Eu estava muito bem
tomando o corpo da garota.
Eu não quero que ela seja pura. Não mais. Eu não preciso de consertos e
meninas boazinhas, eu quero todo o fogo que o pecado pode me
proporcionar, porque nada se compara ao calor do corpo de Alice Wonders.
Thomas se enfia no banheiro e tranca a porta, nos deixando para trás. E
eu ainda tenho de lidar com uma ereção.
— Posso te dar uma carona — ofereço, ela me olha e sorri com
maldade. — De moto.
Assente.
— E onde vai me levar, Nick?
— Pra casa, menina.
— Sem graça.
Mordo o lábio e a observo se levantar com desânimo. Alice para à frente
da cama e cruza os braços, seu biquinho vai de fofo à malicioso.
— Eu prometo te recompensar — digo, deitando no colchão que não me
pertence, observando seu corpo escultural.
Ela sorri, satisfeita.
15
TOQUE
"Você escolheu dançar com o diabo, e você teve sorte.
As águas estão ficando frias,
deixe-me nadar no seu oceano."
Chase Atlantic | Swim
NICHOLAS THOMPSON
Eu levei Alice para casa na noite passada, senti suas mãos em meu corpo
enquanto passava em alta velocidade pelas ruas quase esquecidas de Wiston
Hill, e ela me abraçou mais dessa vez. Wonders queria estar comigo, o que
foi bem reconfortante depois de ouvir xingamentos e pensar que tinha
conquistado uma inimiga nessa cidade pequena. Por algum motivo eu quero a
manter por perto, não posso a machucar, nem magoar.
Pela primeira vez gosto da companhia de alguém, de uma forma
divertida, estranha e satisfatória.
Ela me perguntou se eu queria entrar, claro que estava brincando, e seus
olhos fitaram a minha ereção. Eu sei no que pensou, porque Alice mordeu o
lábio de novo. Ela sorriu depois e voltou a encarar meus olhos.
A sua frase ainda não sumiu da minha cabeça:
— Você tem muito autocontrole, Nicholas — sussurrou de uma forma
sensual, antes de se inclinar e me entregar um beijo quente. Antes de
dizer tchau.
Então, ela saiu. Eu tinha parado três casas antes da fraternidade e Alice
passou por todas até subir os degraus que levam direto ao ninho de cobras.
Descobri também que ela ama serpentes, mas Chris Vender não faz
muito o seu tipo. E depois, eu pilotei até o dormitório e me esqueci
completamente da festa em que deveria estar.
Quando me deitei na cama, tudo que vi foi seu rosto.
Jack não está tão amigável nessa manhã. Sinto sua irritação assim que
abro os olhos. Ouço suas reclamações baixas.
— Bom dia? — pergunto. Ele está de calça, bagunçando uma gaveta de
camisetas temáticas que coleciona. O encaro sem entender nada.
— Você viu a minha camiseta do Red Hot, cara? —Jack odeia perder as
coisas.
— Não. E você nem ouve Red Hot Chili Peppers, Jack! — É uma
daquelas bandas que sua irmã, Elle Carter, ouvia.
Uma vez fui à casa dos Carter, grande demais na rua residencial
principal. Eu subi as escadas, passei por uma porta fechada e toda rabiscada,
daí ouvi algo como Nirvana tocando. Ela gostava dessas músicas
independentemente do estilo de Rock. E ela as escutava o dia inteiro.
Mas agora, Elle só vive na memória de quem realmente a conheceu.
Toda vez que penso em seu rosto, em seus cabelos castanhos, em sua pele
pálida, me lembro dela deitada num caixão e isso me faz estremecer no
mesmo momento. Não gosto de voltar à essa época, onde Wine estava
presente e Elle escutava bandas que agora enfeitam as camisetas de Jack.
— Nicholas! — ele chama, me tirando do silêncio irritante, me fazendo
encará-lo e esquecer as faces do passado. — Não viu mesmo?
Faço que não.
Eu o conheço bem, ele se estressa no início e depois se rende, respira
fundo e faz de conta que nunca comprou a tal camiseta. Jack se acostumou a
desistir de algumas coisas.
O menino se joga na cama do outro lado do quarto e me encara.
— Arrumou a cagada que fez?
— Sim — conto, me lembrando do colar de Alice tocando meu rosto
quando ela se colocou por cima de mim.
— E quanto a Alice?
— Estou falando dela. Madison já entendeu bem que terminamos,
especialmente depois de ontem.
Eu lhe empurrei logo em seguida, não queria a machucar, mas o que
ela fez foi inaceitável. Dessa vez, Maddy encheu a cara e me agarrou. Talvez
o universo esteja brincando comigo.
— Tem certeza disso? Ela é insistente e vive negando a realidade — ele
diz tal coisa como se fosse especialista no assunto. Seus olhos baixam e Jack
encara as próprias mãos.
— Achei que a sua mãe fosse psicóloga e não você.
Jogo minhas pernas para fora da cama e me sento de frente para ele,
esperando por mais conversas inúteis. Jack bufa e volta a me fitar, com um
sorriso maldoso no rosto.
— Finalmente a conheci — brinca —, e sim, ela faz muito o seu estilo.
Dou risada. Os boatos correm rápido pelas ruas da cidade e muita gente
já diz ter notado algo entre nós, mas ainda nem começamos. Alice não quer
que eu seja apenas um estranho, ela não gosta da ideia de ter um completo
desconhecido tocando em seu corpo, pelo menos não quando se trata de mim.
Ela não fez muitas perguntas quando transou com Tommy, mesmo
assim evito focar nisso, sei que há uma pitada de inveja no fundo dos meus
pensamentos.
É ridículo.
— Vocês são iguaizinhos — continua, percebendo a minha leve
distração.
— Isso é ruim?
Jack dá de ombros e se levanta.
— Não sei, parece bom. Teoricamente. — Ri baixo, revirando a gaveta.
— Não consegui conversar com ela, parecia distraída, daí o beijo atrapalhou
tudo.
Ele se enfia numa camiseta preta, combinando com a calça, e se volta à
mim.
— Você não faz ideia — sussurro.
— Não mesmo, você saiu logo depois. O que aconteceu? Alice não
parecia muito bem.
— Nada — minto. Jack semicerra os olhos, desconfiado. — A gente
conversou.
— Então não transaram, está bem. — Ele ri.
Bufo baixo e me levanto, sabendo que a ideia de transar com Alice me
tira da calmaria que tento manter. Eu a quero demais e toda vez que chego
perto de tê-la, algo nos interrompe. Estou cansado de brincar com o universo.
Desconhecidos, problemáticos, perfeitos, imperfeitos. Eu só queria saber o
que realmente somos.
— Não transamos ainda — digo, agarrando uma camiseta branca para
cobrir meu corpo.
— Ainda? Quer dizer, nunca?
— A gente mal se conhece, Jack.
— Isso não costuma fazer diferença pra você.
Dou de ombros, não tenho como me explicar, não tenho respostas. Ela
despertou algo incomum em tão pouco tempo, algo que nasceu quando me
pediu um cigarro à frente do Heaven.
— Vocês se conhecem há pouquíssimo tempo, mas isso não os impede
de...
— Eu sei bem disso. — Rio e me torno a ele, seus olhos focam em
minha expressão. — Acredite, eu sei muito bem.
— Não entendo.
— Nem eu, Jack. Eu não faço ideia do que essa garota tem. — Ninguém
faz.
Como pode Alice Wonders, a novata, mimada e teimosa, ter mexido
com a minha cabeça?
Inaceitável, entretanto, delicioso.
— Sabe, eu quero conhecer essa menina, ela deve ter poderes — diz e
noto estar sorrindo igual um idiota, sem razão alguma. O fito com certa
hesitação, não sei se a possível proximidade dos dois é uma boa ideia. Jack
me conhece bem até demais. — Você 'tá parecendo um mascote.
— Vai se foder! Eu não tenho como marcar um encontro.
— Você não tem o telefone dela? — Parece indignado.
Nunca passou pela minha cabeça, porque estava distraído com seu
beijo. Nego, já pensando no que ele pode dizer a garota. Sei que Alice
adoraria conhecê-lo, mas Jack e Hannah têm a mania de contar coisas que
não devem. Eles são um tanto fofoqueiros.
— Acho que deve ficar longe dela — digo e Jack faz que não com o
indicador. — Você já falou que faço merda, acredite, Alice ouviu.
— Mas eu não menti. Ainda bem que ela ouviu.
— É por isso que não vou deixar que a conheça, idiota. — Me enfio no
banheiro com pressa.
— Mas você não tem escolha, Thompson.
O garoto ri mais uma vez, enquanto eu fecho a porta. Está certo, eu não
tenho. Ele a encontrará de uma forma ou de outra, prefiro que seja através de
mim. Quero estar ao lado deles quando virar o assunto, quero poder ouvir as
críticas e elogios.
Quero saber o que Alice pensa.
LEONINA
"Isso é o Paraíso, o que eu realmente quero,
é a inocência perdida."
Lana del Rey | Gods & Monsters
ALICE WONDERS
Segunda-feira, 15 de Agosto.
Eu não sou igual a Nicholas, não consigo contar a ruiva sobre essa nossa
relação, já ele foi sincero com Jack. Eu nunca fui muito de confiar nas
pessoas, porque quando tentava, percebia o quão errado era. Seu coração e
confiança não serão partidos se você não os entregar a alguém.
Nem sempre segui essa regra, entretanto algumas coisas me fizeram
mudar. Nada de sentimentos, beijos românticos ou mãos dadas. Nada de
expectativa. Mas eu quero que Nicholas quebre isso, me sinto vulnerável
perto de seu corpo e ao olhar em suas íris. Eu sinto que posso correr o risco.
Me vejo sozinha ao adentrar a sala de aula, cedo demais, esperançosa
demais.
Quer dizer, quase sozinha.
— Bom dia, novata. — Ouço a voz feminina. Chris Vender me espera
encostada na mesa do professor, aquela que fica sobre o palco. É como se
tivesse planejado esse encontro.
Sorrio falsamente e desço os degraus que dividem o auditório, rolando
os olhos. Não estou com paciência para as frases prontas da bonequinha
perfeita.
— Eu queria conversar — continua. Me jogo numa poltrona qualquer e
espero. A encaro com desinteresse e Chris faz um biquinho antes de me
contar o que realmente quer. Ela me mede com superioridade.
— E eu queria viajar pra Paris. Nem sempre temos o que desejamos —
suspiro enquanto Christina se aproxima com lentidão.
— Percebi que está bem próxima do Nicholas. — Se senta à minha
frente. A garota cruza as pernas e deixa a saia branca, de renda, balançar na
beira da cadeira.
A sua pele parece suave, macia, sem nenhuma mancha ou cicatriz. Nada.
Suas unhas são compridas e delicadas. Christina deve passar muito tempo
cuidando da aparência, tempo esse que poderia ser aplicado na criação de um
caráter.
Não a respondo, apenas espero.
— Isso não é uma boa ideia — prossegue. Rio nasalado, mas Chris
ignora. — A Polly não vai gostar nada e, além disso, tem a Madison, sabe?
— É? — caçoo e balanço a cabeça, afastando uns fios de cabelo do meu
rosto, aqueles que me incomodam.
— É sim. Você não faz o tipo dele, não é inocente e perfeitinha. — Dá
de ombros. — Você parece independente demais. Também não sabe como as
coisas funcionam em Wiston Hill.
Ainda não tenho algo com Nicholas, mas ouvir Chris dizendo tais coisas
me irrita. Aprendi cedo a manter a postura e o tom leve, nem sempre
funciona, porém arrancar alguns fios louros de sua cabeça não irá me ajudar.
— Deixa eu te perguntar — sussurro. Ela se inclina um pouco, se
mostrando interessada. — Esse tipo que você disse é do Nick ou da Polly?
Quer dizer, ele não reclamou ainda.
Sim, eu a provoco e sim, ela percebe. Seu sorriso desaparece. Já entendi
tudo, Nicholas estava com alguém que agradava a sua avó, cheia de regras e
manias provavelmente. E sim, eu sou o oposto do que ela deve admirar.
Nada disso importa. O único corpo que ele quer agora é o meu.
— Sabe que vai se arrepender — ameaça com calma. — Há coisas em
Wiston Hill que você nunca vai entender.
É, eu já notei isso. Muitos segredos e, com certeza, muita mentira.
Coisas que o dinheiro compra e acoberta.
— Vamos ver. Estou disposta a me arriscar — falo e Chris faz uma
careta. A sua postura partiu, dessa vez quem precisa se segurar é ela.
A menina se levanta com rapidez ao ouvir a porta se abrir, não estamos
sozinhas. Ela fita o invasor com cuidado e se retira. Nenhuma palavra é
trocada entre eles e eu nem me viro para ver quem acabou de chegar. Tanto
faz. O tom de Christina me enfureceu, posso fingir que não, mas odeio
quando me tratam dessa maneira, como se eu fosse ingênua.
A porta bate, os passos se iniciam. Sinto uma curiosidade em meu peito
enquanto a pessoa caminha degraus abaixo.
— Bom dia, Wonders — ele diz e eu sorrio. Nick para à minha frente e
me fita. Ergo a cabeça, encontrando seu sorriso malicioso.
— Bom dia — murmuro.
Nicholas está bonito hoje, mais do que nos outros dias. Sua jaqueta de
couro parece nova, seu jeans surrado combina com as botas marrons e sua
camiseta branca está lisa, sem amassados.
Pulo uma cadeira e deixo que se sente ao meu lado.
— Então, quantos anos? — pergunta, olhando a lousa branca. Nicholas
se ajeita um pouco e se volta a mim.
— Pedi para não falar disso.
— Quantos anos? — insiste. Rolo os olhos e suspiro.
— Vinte e um — solto de forma áspera. Ele sorri, parece feliz em
finalmente ter uma resposta, mesmo essa sendo, a meu ver, desinteressante.
— Então, hoje vamos comemorar, certo?
Umedeço os lábios, pensando. Com toda certeza, nós vamos.
— Ah, eu não sei mais. Não parece certo — brinco e ele agarra minha
coxa como reprovação. Mal posso segurar o gemido que me escapa, mais
pela surpresa do que pelo prazer, e Nick me encara com maldade. Fecho os
olhos, aproveitando do calor de seu toque.
Ele sobe a mão lentamente, deslizando os dedos pela minha pele, meu
vestido cinza simples — daqueles casuais — não me ajuda muito. Ah, por
que logo hoje não estou vestindo calças? O tecido me prende na cintura,
destacando meus seios, e se solta ao redor do meu corpo de uma forma leve.
Mas agora ele só serve para facilitar o jogo de Nicholas.
Mordo o lábio, não consigo lidar com suas provocações, ainda mais com
a sala vazia. Estamos, pelo menos, trinta minutos adiantados.
— Vou perguntar mais uma vez, Wonders — sussurra. Seu corpo cola
ao meu, seus lábios se aproximam da minha orelha e o garoto aperta a minha
coxa, correndo com os dedos para baixo do vestido.
Suspiro de prazer e me deixo levar. Que se foda o certo, o que ele faz
comigo é maravilhoso, só consigo imaginar como deve ser tê-lo lá, me
tocando. Eu preciso disso.
— Estamos na sala...
Thompson me interrompe, sabe que não me importo, estou apenas o
irritando, testando seus limites. Nick tem um autocontrole excepcional.
— Quietinha — ordena. — Nós vamos comemorar nessa noite, certo?
— questiona mais uma vez, aquecendo a pele do meu pescoço, descendo com
os lábios por ele.
Os dedos de Nick sobem mais um pouco e chegam à minha virilha, à
beira da minha calcinha.
— Nicholas... — reclamo, ao mesmo tempo, peço. Por favor me toque
logo, droga!
Ele continua jogando comigo, ri nasalado, me observa. Eu entendo o que
está a fazer, quer conhecer meus pontos fracos, quer me deixar desesperada.
Só espero que hoje à noite eu consiga o que tanto desejo. Não posso passar
mais uma madrugada sonhando com sua língua entre as minhas pernas.
Dessa vez ele não tem ereção alguma, já eu sinto a umidade em minha
boceta.
— Responde — manda e eu não obedeço, como sempre. Sorrio cheia de
malícia, esperando que isso o incentive.
Nicholas enfia dois dedos sob a calcinha e os desliza em minha
intimidade. Abro as pernas de forma instintiva e não posso controlar a minha
boca. Os sons, os gemidos baixos, grunhidos. Eu agarro seu braço com força
e enfio minhas unhas nele. Não quero que pare, não quero que me deixe
nesse estado, frágil, completamente excitada.
E mais uma vez, ele me alisa lá embaixo.
— Nós vamos — respondo quase que em desespero. Um sorriso surge
em sua face, fito seus olhos e vejo a satisfação, clara e óbvia, gritando em
suas íris.
— É bom mesmo. — Ele encosta em meu clitóris, o que me causa
arrepios.
Nick retira a mão rapidamente e ri baixinho, me excitando ainda mais.
Meus músculos se contraem, o calor dentro de mim cresce.
— Idiota — reclamo sorrindo e lhe soco no braço.
Eu posso notar a lascívia em seu rosto, todas as coisas que quer fazer
comigo. Eu o quero urgentemente, quero que Nick me foda, isso mesmo,
dessa forma, hoje à noite. Quero seus dedos entre meus fios, puxando-os.
Há selvageria em meus desejos, porque ele me provoca dessa maneira.
— Eu tenho muitos presentes pra você hoje, Wonders — conta, me
fazendo estremecer.
Me balanço na cadeira, deslizo e desmancho a postura. Estou farta,
cansada e ofegante, toda essa tensão quase me destruiu. Queria eu saber
quando será seu aniversário, apenas para me vingar.
Eu quero muito me vingar.
Fito sua calça, examinando seu membro e nada, nenhuma ereção.
Ótimo. Fui a única afetada pelo que acabamos de fazer. Olho seus dedos, os
mesmo que me tocaram, e penso em como seria colocá-los na boca, chupá-
los apenas para ver Nick ficar duro.
Ele se ajeita, apoia o cotovelo na divisão entre nós e se joga um pouco
para o meu lado.
— Espero que fique molhada assim hoje à noite — sussurra.
Safado.
Molho o lábio inferior, imaginando a cena.
Me arrumo mais uma vez, estou desconfortável, só consigo sentir meus
músculos se contraindo, pedindo por ele dentro de mim. Cruzo as pernas,
descruzo, cruzo de novo. Puta que pariu. Ajeito o tecido, ouço a porta se
abrir, vozes, ótimo. Então, alguns alunos entram.
— Talvez deva trocar de calcinha — brinca baixinho e lhe dou outro
soco no braço. Nicholas consegue ser um babaca quando quer.
Thompson ri, mas nesse momento eu queimo de raiva. É bom ele me
recompensar.
Durante toda a aula Thompson me ignorou, ele fingiu que meu corpo
não estava ao seu lado, queimando, pensando em seus lábios. O garoto ouviu
cada palavra de Bayard, cada explicação idiota sobre um trabalho em dupla,
uma releitura de alguma obra clássica.
Nicholas parece extremamente feliz com a novidade. Tenho de admitir
que passar algumas horas sozinha com o menino me será desafiador.
Depois disso, quando fomos dispensados, ele insistiu em me dar uma
carona até a fraternidade, porém neguei. Eu almocei sozinha no Waver's, o
restaurante retrô onde Andressa trabalha, e quando estava caminhando até a
casa, recebi as notificações. Alex se atreveu a mandar uma mensagem assim
como Cherry, minha irmã. Não abri, não estou interessada nesse momento.
Alguns dias antes de eu me mudar, brigamos feio.
Há coisas que são difíceis de esquecer.
Nada disso me faz diferença agora, por isso, abandono o passado no
passado. Subo os degraus da fraternidade notando o céu um tanto escuro. É
estranho, em Wiston Hill a noite chega rápido e o tom azul de verão é
substituído por um quase cinza.
Me enfio na casa vazia — as meninas raramente ficam por aqui —, e
vou ao quarto já conhecido. Andressa, mais uma vez, desenha algo, talvez o
mesmo projeto do outro dia. A observo por alguns segundos antes de atirar a
mochila no chão.
— Vai sair? — pergunta tão baixo que demoro a entender. Ela não me
olha, continua focada e não quero a atrapalhar.
— Sim — lhe digo. Andressa assente, olhos presos no desenho. Então,
ela suspira.
— Fala oi pro Nicholas por mim. — Ouço o sarcasmo em sua voz, o
desafio. Eu não sei como ela sabe, ou o porquê de achar que sabe. Rio
baixinho e tento disfarçar.
A ruiva se vira lentamente e me encara com malícia, seus olhos verdes
brilham e seu sorrisinho de canto lê os meus desejos impuros, afinal, ele me
disse que tem muitos presentes.
— Vocês vão sair, não é? — Nunca imaginei que ela fosse notar, quer
dizer, não há motivos para imaginar que eu vá me encontrar com Thompson.
— Eu sei que vai — continua enquanto a observo.
Me lembro da festa na Tigerx, a ruiva percebeu logo que eu estava o
procurando, que eu estava lá por ele. Talvez eu tenha deixado tudo claro
demais, isso me preocupa. Se Andressa está tão confiante ao me falar essas
coisas, imagine as outras pessoas, os fofoqueiros de Wiston Hill e
pior, Christina Vender.
Ah, mas que ela se foda também.
— Certo — concordo bufando e me jogo na cama. A ruivinha sorri. —
Eu vou sair com Nicholas. Ele disse que preparou uma surpresa.
A satisfação em seus olhos se espalha por sua face, corpo e quarto.
Andressa se levanta num pulo e se senta na outra cama, à minha frente.
Sorrio, é impossível ficar séria ao seu lado, ela tem uma energia boa, algo
cativante.
— Me diz, o que 'tá rolando entre vocês?
Mordo a boca por dentro, pensando. Boa pergunta. Eu não faço ideia, só
sei que ainda posso sentir seu toque em minha coxa e ele ainda me deixa
completamente molhada.
Droga, preciso trocar de calcinha.
— Eu não sei — confesso. Ia tentar ao máximo mantê-la distante da
minha vida pessoal, mas parece impossível. Andressa consegue ler as
pessoas. — Eu não faço ideia, é complicado.
É complicado porque eu quero seu corpo e, ao mesmo tempo, a sua
presença. É um sentimento diferente, o qual tento controlar. É algo impulsivo
e nada racional.
Difícil demais de explicar, prefiro dizer que não sei.
— Certo — ela murmura e me encara —, mas vocês já...
— Não! — exclamo, parece que todos querem saber se transamos ou
não. Eu pude notar essa curiosidade em Jack. Hannah só não me questionou
ainda porque não teve a chance.
Parece que é algo anormal não ter sido levada à cama por Thompson.
— A gente mal se conhece.
Ela rola os olhos e, em seguida, franze o cenho. Ao que tudo indica,
Nicholas é do tipo que não espera muito. Era de se imaginar, postura de bad
boy, jaqueta de couro, cigarros baratos. Eu teria arrancado suas roupas à
frente do Heaven, na primeira vez em que o vi. Não posso julgar.
— Isso faz diferença? — ela pergunta, deixando seu lado inocente pra
trás. — Ele é gostoso...
— Ah eu sei. Eu sei muito bem — conto. Andressa morde o lábio. —
Mas ele terminou com a Madison há pouco tempo e ainda estamos nos
conhecendo.
Mentira. A sua mão já deslizou para baixo da minha calcinha duas vezes
até agora.
— Tudo bem, mesmo assim, isso não parece ser importante. Quer dizer
— a ruiva pensa, não quer ser direta demais, nem insensível —, a menos que
goste dele.
Engasgo. Eu sinto uma tosse forte, batimentos acelerados. Andressa me
fita assustada.
— Você está louca? — questiono com espanto.
Gostar dele? Gostar de um menino que deve ter flertado, ou mais que
isso, com a metade da cidade? Gostar de alguém completamente, como posso
dizer, irritante? Ele consegue fazer o que quer, quando quer, porque basta
uma palavra em seu tom levemente rouco para as meninas tremerem.
É maluquice. Não estou gostando dele.
Andressa rola os olhos mais uma vez. Noto a descrença dançando pelo
quarto, nem eu acredito em minhas palavras, mas elas têm de ser a verdade,
porque não vou me entregar. É como eu disse, nenhum coração se parte se
não for dado a alguém.
Não vou arriscar. Não posso. Eu não conseguiria lidar com a dor de uma
decepção, sei disso, e é preciso ter coragem para gostar realmente de alguém.
Não me imagino vivendo algo assim. Meus pais — e outras pessoas próximas
— me magoaram o suficiente. Por isso, decidi que nenhum estranho fará o
que familiares fizeram.
— Tudo bem. Ele vem te buscar? — pergunta, mudando de assunto. O
clima ficou estranho, sinto minha insegurança me consumindo. Preciso
controlar alguns sentimentos, alguns impulsos.
Eu penso em Thompson mais do que deveria e o acho desejável,
deliciosamente perverso, ao mesmo tempo, doce. Eu gosto de como fala
comigo e preza pela minha liberdade, gosto do seu sorriso malicioso, não por
conta da maldade que esconde e sim, porque é simplesmente lindo.
Eu deveria gostar apenas de seus lábios em meu pescoço e de suas mãos
em minha cintura, mas quando Nicholas me olha nos olhos, quando me beija,
tudo se mistura. Eu me perco em seu calor.
Não. Posso. Fazer. Isso.
— Alice! — Andressa chama, me tirando desses devaneios. Não vou
desistir agora, porque não consigo ficar longe. O cheiro dele, sua postura,
seus músculos. Ah, eu gosto de tudo. — Ele vem?
— Sim, mais tarde — explico. Nicholas me disse que precisava arrumar
algumas coisas, não o questionei, só concordei.
Eu não o desafiaria sabendo que seus dedos estavam próximos da minha
coxa.
Ela assente e volta à escrivaninha, como se não tivesse acabado de me
interrogar. Encosto em minha pele, refazendo o caminho que ele percorreu,
então paro à beira do vestido. Merda, merda, merda. Meus músculos se
contraem, posso sentir eles implorando.
Nick me guia pelo corredor do prédio onde mora, ele abre a porta do
dormitório e me dá a passagem. Está um pouco escuro, a luz da lua ilumina o
local através das cortinas, tudo parece organizado e seu cheiro se espalha pelo
ar. Menta, mais forte que antes.
— Sozinhos? — pergunto, satisfeita. Ouço a porta ser trancada e sei que
a resposta é sim. Nick anda até o colchão e se senta na beira dele. A outra
cama, um tanto bagunçada, deve ser de Jack.
— Você pediu e agora tem, a minha atenção é toda sua. Também
comprei um presente — diz quando me sento ao seu lado.
— Não precisava.
Thompson me ignora, estica o braço e puxa uma caixinha rosa debaixo
do travesseiro. Ele me entrega o pacotinho e, enquanto eu analiso a
embalagem, o menino tira os tênis.
— O que é? — questiono, chacoalhando a caixinha.
Nick sorri de canto e dá de ombros.
Puxo a tampa e meus olhos se perdem na pulseira prateada que descansa
dentro. Em seu centro há um A com pedrinhas brilhantes, Thompson deve ter
encomendado.
— Achei que fosse gostar, é simples e combina com o colar — explica e
sorri. Eu amei, na verdade, é perfeito.
Não gosto de coisas extravagantes, mas Nicholas acertou sem ao menos
saber disso. O menino se inclina para frente e pega a pulseira com delicadeza,
o encaro com animação.
— Posso colocar? — pergunta. Eu assinto, sorrindo igual uma boba. Ele
segura em meu pulso e a fecha ao redor dele. — Perfeito.
— Eu amei — sussurro, sentindo a nossa proximidade.
— Você pode ficar mais confortável — Nick comenta ao analisar meus
pés. — Não imaginei que fosse se arrumar tanto.
Ele não pensa duas vezes antes de agarrar nas tirinhas dos meus saltos e
os tirar, um por um.
— Obrigada — suspiro. — Mesmo.
Agora, ele sorri.
Nicholas se ajeita, encostando-se na cabeceira da cama, já eu fico à sua
frente e cruzo as pernas.
— Gosta do que vê? — brinco. É o que perguntei na primeira vez em
que nos vimos. Ele me analisa da mesma forma, com desejo e maldade.
Queria muito poder ler a sua mente, ver o que realmente quer fazer comigo.
Nicholas ri baixinho. Ainda bem que não se arrumou muito, a camiseta
branca com uma leve abertura, me deixa satisfeita, posso notar seus músculos
por baixo.
— Gosto muito.
Percebo que não ajeitou o cabelo, está um tanto bagunçado, selvagem.
Adoro isso, ainda quero enfiar meus dedos ali.
— Então, Nicholas, o que vamos fazer nessa noite?
— Muitas coisas, Wonders. — Seus olhos descem, analisam a minha
pele, meu pescoço e meus seios. Suspiro e sorrio. Era isso que eu queria, ver
a vontade em suas íris escuras, ver o quão incontrolável seu lado perverso
pode ser.
E Nicholas está mais gostoso hoje, talvez seja por causa da forma que se
comporta. Afinal, ele é o meu presente.
— Gostei do vestido — brinca. Thompson não sobe o olhar, não volta a
fitar meus lábios ou meu rosto.
Quando ele estica a mão, seus dedos se aproximam dos meus seios.
Seguro a respiração, dessa vez não irei gemer baixo. Posso me controlar. Mas
Nick agarra o pingente, próximo ao meu busto.
— Também gosto desse colar — diz. Puxo o ar novamente, me
deixando absorver o seu aroma. — Você é linda.
A ardência se inicia, minhas bochechas queimam. Nicholas percebe, ele
me olha e ri sutilmente.
— O que fez hoje, Alice?
Mordo o lábio e penso, mas nenhuma resposta aparece. O que eu fiz
hoje além de imaginar seu abdome definido e seus dedos entre meus cabelos?
— Você quer mesmo conversar?
Ele franze o cenho, parece insatisfeito com algo.
— É seu aniversário, quero saber o que fez hoje.
Rolo os olhos e tento disfarçar a minha excitação. Não sou boa em
mentir, não quando o assunto é sexual, e nesse momento tudo é sexual
demais. Sua mão percorrendo a minha pele, me eletrizando, suas perguntas
com um fundo indecente. Tudo.
— Em que momento exatamente?
— Não sei. Depois do que fizemos na aula. — Ele quer me deixar
excitada. Nicholas não precisa de beijos ou mordidas em minha orelha, ele só
precisa fazer essas perguntas.
— Quer saber se eu me toquei pensando em você, Thompson? — solto.
Ele ri e analisa meus seios novamente. — Me diz, você já fez isso?
Chego mais perto do seu corpo. Nick congela, não esperava por essa
atitude. Eu engatinho sobre o colchão e me arrasto até ele, me sentando em
seu colo.
— Seria errado dizer que sim?
Sorrio ao ouvir sua resposta. A sensação de estar flertando com Nicholas
é avassaladora, me sinto conectada a alguém tão perverso quando eu. Ele é
deliciosamente malicioso e gostoso.
Faço um biquinho e Nick se torna a mim, estamos sozinhos e próximos
num quarto quase escuro, meu aniversário não poderia estar melhor. Seus
dedos alisam minha bochecha e tiram algumas mechas irritantes da frente.
Agora, ele pode me olhar de perto e o faz. Me admira como se estivesse num
museu.
— Você me deve uma resposta — lembra. Já ele me deve tanta coisa. —
Nunca me disse o que quer comigo, Alice, mas eu respondi. Eu te quero
muito. Então me diga, o que realmente quer comigo?
— Eu não sei — confesso, mentir olhando em suas íris é difícil.
Estremeço no mesmo momento e baixo o olhar timidamente, mas Thompson
ergue a minha cabeça. Ele toca em meu queixo e o empurra para cima, com
gentileza.
— Você nunca olha nos meus olhos. Não de verdade.
Eu tento, mas o ar me escapa. O azul deles me rouba o fôlego, o
equilíbrio e a racionalidade. Eu me prometi que aproveitaria cada segundo ao
lado desse menino, porém parece impossível. Eu queimo intensamente
quando ele me encara dessa forma.
Mordo o lábio presa a ideia de suas mãos em meu corpo, tirando meu
sutiã, arrancando minha calcinha.
— Tenho uma resposta — digo e Nicholas sorri de canto com toda
malícia possível. — Eu também te quero.
Seus olhos brilham.
— Bom saber — sussurra e segura em minha cintura. — Fiquei
pensando em algumas coisas sobre você.
Estremeço no mesmo instante.
— Por quê?
Nick dá de ombros.
— Você é interessante. Me diz, qual a sua comida preferida?
Rolo os olhos, mas não consigo segurar a risada. Ele quer falar sobre
comida e gostos? Nicholas parece se divertir com a minha reação.
— Não sei se tenho uma. E a sua?
O menino me examina, fita as minhas coxas e respira fundo.
— Vamos falar sobre você. Lugar preferido? — continua.
— Eu não sei — penso, me ajeito em seu colo, o encaro —, acho que
Inglaterra.
Ele sorri de canto e seus dedos avançam um pouco, descem para a
minha bunda, apoiando-me.
— Você quer transar agora, não quer? — Me pega de surpresa, assim
como fiz com ele na praia.
Acontece que quase engasgo com a saliva e Nicholas apenas ri. Me sinto
vermelha, tímida, não sei se devo responder. Entendo agora quando ele diz
que não vai me matar, não da maneira que eu imaginava. Ele vai me matar de
vontade, de desejo. Quando me recomponho, Nick parece ter mudado. Há
maldade em sua expressão.
— Não vai me responder? — pergunta sem sorrir. Nego brevemente.
Nicholas se perde em meus seios, ele os observa ao tomar uma decisão.
— Você me prometeu, não gosto de coisas inacabadas — o lembro e, de
repente, Nicholas me aperta. Nossos corpos ficam mais próximos e nossas
respirações se unem.
— Eu disse que ia te recompensar. — O menino passa os dedos por
minhas coxas enquanto nossos lábios se encontram. Há uma falta de controle
em seu toque, certa força. Ele me aperta como se quisesse tomar cada
pedacinho do meu corpo.
— Como vai fazer isso, Thompson? — provoco, sussurrando entre o
beijo.
Cuidadosamente, Nicholas me empurra sobre o colchão e se deita por
cima de mim, é um desejo se tornando realidade. Meus dedos passeiam de
seu peitoral à sua ereção, posso acaricia-la. Ele não está tão contido agora,
não consegue se segurar, não mais.
Quando um caos encontra o outro, nada pode os separar.
Thompson morde meu lábio inferior, fazendo-o arder. É deliciosamente
excitante. Esperamos muito por isso, era pra ter acontecido no Heaven,
quando pedi um cigarro qualquer, mas o destino brinca com nossos corpos e
agora, nós brincamos com o destino.
Estamos perdendo o controle aos poucos. O desejo dança pelo quarto,
nos rodeia.
Ele desce a mão por meu pescoço, com seu toque calmo. As
provocações não acabaram, estou queimando, sem ar. Agarro sua camiseta e
o puxo para mais perto.
— Eu não quero ser bom com você — sussurra e volta a encontrar meu
olhar.
Nick leva seus dedos até a minha virilha, roubando-me um gemido.
— Não quero que seja bom comigo — confesso. Seu sorriso indócil me
tira toda a racionalidade.
— Eu te prometi, Wonders.
Essas palavras me tomam por completo e minha expressão de desejo se
mistura a alívio. Fecho os olhos quando Thompson ergue meu vestido e desce
por meu corpo com seus lábios, se mantendo focado em meus olhos. Ele me
observa, examina, procura por pontos fracos. Levo um indicador à boca,
mordendo-o, tentando me controlar, mas o garoto inicia uma trilha de beijos e
chupões. A parte interna de uma coxa é aquecida por sua língua enquanto a
outra espera. Ele alterna um pouco e sobe mais.
Nick me entrega um olhar impiedoso ao chegar em minha calcinha. Eu
queimo nesse momento, sinto o ardor em todo meu corpo, sinto as chamas
que vivem em suas íris.
Nicholas finalmente me tira dessa agonia, ele gruda na ponta do tecido e
o puxa para baixo. O olho enquanto retira essa pecinha tão insignificante de
roupa, mas o menino não me chupa. Nick volta a me beijar. Noto sua ereção
contra a minha barriga, ele está duro, não faço ideia de como consegue
continuar vestido. Desço alguns dedos por ela, contornando seu membro
volumoso, e o aperto. Nicholas geme em meus lábios.
— Porra, Alice... — diz, sorrindo. Ele abre os olhos e encontra os meus.
Como resposta, o prendo entre os joelhos e não espero, agarro em uma de
suas mãos e faço o que quero, a levo até a minha boceta. O menino sorri ao
notar a minha intenção. Deixo-me deixo levar pelo prazer enquanto meu
coração acelera bombeando sangue para o meu corpo, principalmente minhas
bochechas. Devo estar vermelha agora.
— Não sabia que me queria tanto assim — brinca, notando o quão
molhada estou, alisando meus grandes e pequenos lábios. Já eu, fecho os
olhos. Os sons me escapam, fogem por minha garganta.
Ele para de me provocar e finalmente toca em meu clitóris, Nicholas faz
movimentos circulares que me arrancam suspiros. Sua boca beija meu
pescoço enquanto gemo baixinho e fora de ritmo. Seus dedos são delicados, o
garoto sabe o que está fazendo e ele é bom nisso.
— Nicholas... — murmuro em seu ouvido, pedindo, implorando por
mais. — Por favor.
Thompson desce os dedos que percorriam toda a extensão da minha
intimidade, agora sensível demais, e me penetra com dois deles.
Eu estou no próprio paraíso.
Abraço seu corpo com força, mas o menino se afasta um pouco. Seus
olhos brilham ao verem até onde seu toque pode me levar.
— Eu quero muito te foder, Alice — sussurra, o que me faz revirar os
olhos de vontade. Inclino-me para trás e minha cabeça encosta no colchão,
minhas unhas agarram os lençóis. O vejo se abaixar um pouco entre as
minhas pernas e me apoio novamente nos cotovelos, esperando pelo prazer.
Nick se aproxima, molha os lábios e eu o sinto.
Ele me chupa de uma forma inexplicável. Eu já estava em êxtase, mas
agora, bom, agora eu sei que Nicholas é um pecado. Sua língua me mostra
isso. Rio segurando um gemido, mas não adianta, ele escapa. Nick me chupa
como se eu fosse a melhor coisa que já provou. Ele me toma por completo e
eu estremeço.
— Não para... não para de jeito nenhum... — me escapa.
Fito seus olhos e vejo que Nicholas me devora como disse que queria
fazer. Há pouco ar nesse quarto para nós dois. Inclino a cabeça para trás
quando percebo que estou prestes a ter um orgasmo, meus ombros relaxam,
minha boca solta sons que já nem reconheço e eu gemo ferozmente. Seus
dedos aumentam a velocidade enquanto ele suga o lugar certo, deixando-me
mais molhada que antes. Meus braços perdem a força, me deito por completo
sobre a cama, me contorcendo.
Nicholas já entendeu meus pontos fracos e ele usa disso.
— Nick...
O garoto sorri em minha boceta, minhas mãos buscam por seus fios
bagunçados de cabelo e os agarram. É quando eu chego lá. Preciso que pare,
preciso de ar.
Ele me lambe docemente antes de se afastar, então se levanta, satisfeito,
sorridente e delicioso. Ainda estou presa ao que acabou de acontecer quando
encontro seus olhos.
— Feliz aniversário, princesa — brinca e eu rio movimentando os
ombros. Nick dá um leve beijo na ponta do meu nariz.
— Eu não quero só isso.
— Você já quer mais? — Suas mãos agarram minha cintura. — O que
quer?
— Você, Thompson, eu quero você.
Um sorriso maldoso aparece e eu retribuo. Isso está longe de acabar, até
porque, ainda é meu aniversário.
17
TEMPESTADE
“Podemos chamar isso de amor,
ou chamar isso de nada,
mas você tem o que eu quero, baby,
então me dê algo.”
Black Atlass | Sacrifice
ALICE WONDERS
CAOS
“Você deveria me ver usando uma coroa.
Eu vou mandar nessa cidade de nada.
Veja-me fazê-los se curvar.”
Billie Eilish | You Should See Me in a Crown
ALICE WONDERS
MENTIROSA
“Você não queria estar meio satisfeita.
Me expulse quando você tiver terminado.”
Rainbow Kitten Surprise | Devil Like Me
ALICE WONDERS
Dessa vez não chego cedo. Há pelo menos dez alunos quando entro na
sala de aula, quinze minutos antes do horário. Olho ao redor, Nicholas me
espera como sempre. Ele está sem a jaqueta hoje, veste apenas uma calça
jeans surrada e uma camiseta cinza, que deixa seus músculos aparentes. A
última vez em que o vi foi na manhã de ontem, quando acordei abraçada ao
seu corpo e coberta por um lençol branco. Foi estranhamente bom.
E desde então, tanta coisa aconteceu.
— Bom dia — diz baixinho e sorri quando me sento ao seu lado.
Retribuo o ato e o fito, cruzo as pernas para não o deixar deslizar seus dedos
por minha pele.
— Bom dia Thompson.
— Dormiu bem? Espero que tenha gostado do seu aniversário.
Faço uma careta e rolo os olhos e me viro para a lousa, como sempre,
branca e grande. Nicholas continua me examinando, reparo quando o fito de
soslaio. Ele tem esse sorriso tentador em sua face, como se toda a malícia do
mundo vivesse em seu corpo.
— A Madison acha que te roubei dela — conto.
— O quê?
— Isso mesmo. Ela leu o que a Chris escreveu e acha que eu te roubei
dela! Não sou muito paciente, mandei falar com você.
— Então, por isso, ela me ligou tantas vezes.
— Pode ser — dou de ombros e volto a olhá-lo —, eu disse à ela
que não é possível roubar pessoas de outras.
Nick ri baixinho, abafado, e morde o lábio.
— Eu vou resolver isso também. Isso e as postagens da Christina.
— Ah sim, certo. E eu encontrei o Jayden ontem.
Sua animação desaparece por alguns segundos, ele tenta disfarçar, mas
falha.
— Fui ao Heaven com a Andressa e esse garoto apareceu, se apresentou
— explico.
Nicholas assente, como se estivesse esperando por uma revelação, uma
bomba.
— Hannah me contou que, aparentemente, Christina e Jayden tem um
caso...
Pronto, Nick parece nervoso, inconformado. Acho que toquei num
assunto proibido.
— Não pode falar disso...
— Eu sei. Não é da minha conta.
Seus olhos brilham, Nicholas me admira. Não sou uma menina
fofoqueira, curiosa sim, mas não gosto de espalhar erros alheios. Sei bem
como é fazer merda e tê-la jogada no ventilador.
Independentemente de como a Vender me irrita, ela não merece isso e
eu não a conheço para entender seus motivos. Dou mais uma olhada ao redor
e percebo, a garota não apareceu hoje. Não a vejo desde a discussão com
Madison.
— O que vai fazer hoje? — Ele quebra o silêncio. Me volto à Nicholas e
tento focar apenas em seus olhos, mas ainda posso ouvir a voz de Alex no
fundo da minha mente.
— Eu bem que queria fazer de novo — brinco e ele solta um risinho
divertido. Mordo o lábio analisando sua mandíbula desenhada, sua expressão
carregada de sensualidade. — Mas, infelizmente, tenho algumas coisas pra
resolver.
— Que tipo de coisas?
— Nada demais.
— Eu acho que essas coisas chamam Cherry e Alex.
Travo, pela primeira vez ao lado de Nicholas, eu sinto frio. Meu
estômago congela, minha garganta para de funcionar, quase não consigo
engolir. Como ele sabe?
Os dois não são um grande segredo, mas parece que as fofocas se
espalham rápido por aqui, antes mesmo de você conseguir as absorver.
— A cidade é pequena, Alice. Duas pessoas novas chegaram, não é algo
que dá pra esconder. Ainda mais, quando uma delas chama Cherry Wonders
e vai ao Waver’s pro café da manhã. E eu estava lá com a Hannah.
— Ótimo… — sussurro.
Ele sorri, tentando me fazer respirar, mas acho que estou pálida e,
provavelmente, gelada. Eu nunca imaginei que Alex fosse aparecer do nada,
nem que Nicholas fosse existir na minha vida. E agora, lidar com o passado e
o presente parece impossível. Minha cabeça lateja com a ideia de ter que
resolver meus problemas.
— Eles vieram por causa do meu aniversário — conto, lembrando de
como deixar o ar entrar em meus pulmões. — Era pra ser uma surpresa, eu
acho.
— Você não parece feliz com isso.
— Não estou. São problemas familiares, nada demais.
Eu sei que meu tom de voz é fraco. Eu quero dizer a verdade para
Alexander sem acabar por ofender Cherry, eu o quero longe, mas desejo que
minha irmã volte a falar comigo, como fazia antes de todas as discussões. Ela
errou também, mas não há um certo na nossa história. Todos os Wonders
fizeram merdas.
— Já notei que não quer falar disso.
Sorrio para ele e nossos olhares se encontram. É como se Nicholas
tentasse me acalmar, como se pudesse entender o que estou sentindo, mesmo
sem conhecer a história.
— Ainda vai ao baile comigo? — pergunta.
— Não sei. Acho que mudei de ideia.
— E como posso te convencer a ir?
Sinto o calor retornar, nossos rostos ganham proximidade. A respiração
de Nicholas me aquece enquanto me provoca. Ele adora fazer isso, brincar
comigo.
— Me encontre depois da aula — peço, porém soa como uma ordem.
Ele se inclina mais, quase me beijando, mas apenas morde o lábio ao
fitar meu batom vermelho, o mesmo de sempre, aquele que ele adora.
— Achei que tivesse coisas a resolver.
Nicholas volta a se ajeitar e encosta na cadeira, se afastando um pouco.
Nossos braços se tocam sobre o apoio entre nós.
— Tenho um tempinho. — Agora conheço os seus pontos fracos e posso
atiçá-los com destreza. — Vamos ver.
Nicholas me encara, surpreso com a malícia presente em meu semblante.
Ele sorri, satisfeito, como se eu fosse a melhor coisa que já viu.
O professor entra interrompendo nossos pensamentos e nossa troca de
olhares.
Andressa me perguntou muitas vezes se eu gosto de Thompson e, nesse
momento, consigo a minha resposta. Eu não estou sentindo algo a mais, é só
um prazer imenso, um desejo. Eu o quero incansavelmente, apenas. Nada
além disso.
Finjo não estar preocupada com o que podemos fazer mais tarde e me
torno à frente da sala, focando no homem que começa a falar sobre a matéria.
Nicholas saiu dez minutos antes do fim da aula, se levantou, passou por
mim e foi embora. Não faço ideia do que ele estava pensando, não sei o que
mudou, mas ele partiu.
Continuo ouvindo a falação, me segurando no assento, me forçando a
esperar e então, quando finalmente somos liberados, agarro a bolsa preta que
carrego comigo e vou até a porta, espero alguns outros alunos saírem e deixo
o ambiente. O corredor está quase vazio, toda a iluminação é natural. O
atravesso indo ao bebedouro, que fica ao lado de um pequeno e escuro
corredor. Outras pessoas surgem conversando e rindo, daí somem pelo
grande prédio.
— Conseguiu um tempo? — pergunta, sinto seu aperto em minha
cintura. Me ajeito, tirando o dedo do botão que aciona a água.
Nicholas segura em minha mão, me levando até o outro corredor escuro
e vazio. Sorrio com maldade, ele me coloca contra a parede e gruda seu corpo
ao meu.
— É, talvez — respondo, nossos lábios se tocam com selvageria.
Nicholas estava se segurando, posso sentir a ansiedade, a tensão. Agarro
em seus fios escuros de cabelo, os bagunçando. Nosso beijo é quente, nossas
línguas se conhecem e nossos corpos se conectam. Ele me beija de uma
forma diferente, como se necessitasse disso. Nicholas desperta meus sentidos,
o puxo pela camiseta e deslizo meus dedos por seus músculos, me lembrando
da tatuagem de serpente. A desenho por cima do tecido.
— Você 'tá me provocando — sussurra em meu ouvido.
— Você que começou!
Thompson me encara com suas pupilas dilatadas. Seu dedão acaricia
meu rosto, ele desenha meus lábios, provavelmente avermelhados, e sei que
estou corada, como sempre. Não desvio de seus olhos, continuamos nos
encarando.
— Você é má — diz, afastando seu toque de mim. Ele me analisa.
— Sou pior do que imagina, Thompson, você não viu nada — suspiro.
— Tenho que ir.
— Te vejo depois?
— Quem sabe? — falo e pego a bolsa que caiu no chão. Eu sinto seu
olhar em mim quando me afasto e caminho para longe.
Eu entro em seu quarto com certa hesitação, está tudo muito estranho e
não noto a presença de Nicholas, mesmo assim, o deixo fechar a porta atrás
de mim.
Foi engraçado, passei por alguns garotos bêbados e outros gritando com
um jogo, deitados no grande sofá da sala compartilhada. Eu ri um pouco e
acenei para um deles, que fez o mesmo. Mas agora, estou sozinha com Jack.
Me sento na cama de Nick e espero.
— O Nicholas 'tá no banho — diz e só então ouço o leve barulho do
chuveiro. — Eu queria te perguntar, será que posso te desenhar?
O que? Acho que a dúvida fica visível em minha face. Jack ri um pouco
e se senta em seu colchão, agarrando um daqueles blocos grandes com folhas
grossas de desenho.
— Eu estudo arte. Gosto de desenhar e pintar — explica. — Sei que não
parece.
— Não, não é isso. Eu só fiquei surpresa.
— Relaxa, não vou tentar te roubar do Nicholas, eu já tenho a
minha Hannah.
— Eu não sou do Nicholas.
— Você entendeu. Eu posso?
Assinto com timidez, nunca me pediram isso antes e espero que ele seja
um bom desenhista. Tento não corar, mas saber que Nicholas pode aparecer à
qualquer momento e que Jack está prestes a desenhar cada detalhe meu, me
deixa extremamente nervosa.
— Você precisa ficar parada — pede e eu rio um pouco. Jack me fita
com diversão, seus olhos brilham e ele sorri. — Agora, Wonders.
Já estou sem ar, meu cérebro se convenceu de que não respirar pode
ajudar Jack a focar melhor e assim, não sairei borrada. Mas sei que isso não
faz sentido.
— Vai desmaiar — brinca e eu rio nasalado. — Tudo bem, oito ou
oitenta, Alice. Ou você fica igualzinha uma estátua ou se mexe demais.
Comprimo os lábios, me divertindo com suas reclamações.
— Ai, me desculpe. Não sei fazer isso, não sou modelo.
Ele rola os olhos, tentando ignorar meu humor um tanto irritante. A
seriedade de Jack me diverte. De repente, eu ouço a tranca e a maçaneta. Em
segundos, Nicholas aparece enrolado numa toalha, com o abdome à mostra.
A água escorre por sua pele bronzeada, seus cabelos estão sensualmente
bagunçados.
— Alice? — ele pergunta e se apressa a segurar o pano. Sorrio,
congelada, fitando seu peitoral, e sei que estou boquiaberta. — Alice? —
tenta mais uma vez.
— Isso mesmo, paradinha. Assim mesmo — Jack caçoa.
Balanço a cabeça tirando minha atenção de seu corpo. Percebo que os
dois riem maliciosamente, enquanto esperam.
— Ah, oi. — Pigarreio. — Eu encontrei com o Jack e ele me
trouxe. Acho...
— Acha? — Nicholas questiona, alternando o olhar entre nós.
— O encontro dela com a irmã não foi muito bom e achei que a
desenhar pudesse ajudar.
— Não foi bom como? — A preocupação aparece em sua expressão,
mas ele não se move. Continua de pé no mesmo lugar.
— De zero a dez, zero — Jack responde, ainda rabiscando. Franzo o
cenho com certa irritação.
— Posso responder? — indago. Ele concorda, surpreso com meu tom
áspero. — Foi péssimo mesmo, só isso. E ai o Jack me viu e me trouxe aqui.
Agora está tentando me desenhar...
— Mas ela não para quieta — ele reclama e volta a encarar o papel.
Nicholas ri baixinho, de forma sutil. Volto a olhar apenas para seu
amigo, mas quando o menino retira a toalha e agarra uma cueca, pronto para
cobrir tudo aquilo, eu coro e mordo o lábio. Felizmente Thompson não vê,
está de costas, focado em se vestir logo.
O risinho de Jack ecoa pelo quarto, mesmo assim, Nick não se vira e eu
não sou examinada por olhos curiosos, não dessa vez. Continuo o assistindo,
ele se enfia numa calça de moletom preta e confortável.
Quando Nicholas se torna à mim, ainda sem camiseta, eu tento disfarçar,
mas sei que é impossível. Erubesço igualzinha a Andressa. Preciso parar de a
julgar quando faz isso, porque sei como se sente. É horrível e incontrolável.
— Eu já volto — diz e pega um maço de cigarros, me entregando um
sorriso bobo. Ele sai do quarto em seguida, me deixando com Jack, que ainda
se esforça para fazer um bom trabalho.
PASSADO
“Será que o diabo fica assustado se ela morre
nos sonhos dela? Onde a Terra queima, ela chora,
porque ela não parece nada com você.
Ela é como você?
O que você quer de um diabo como eu?
Eu sou como você?”
Rainbow Kitten Surprise | Devil Like Me
NICHOLAS THOMPSON
O sol queima acima de nós enquanto Quinn ajeita a pequena para irem
embora. Grace construiu uns três castelos de areia com a ajuda de Alice, a
praia vazia nos deu certa liberdade. Eu as assisti e notei que a minha irmã
adorou essa garota, em uma hora as duas não se desgrudaram.
Grace sabe quando eu gosto de alguém, sempre soube. Nunca foi muito
próxima de Madison, mas também, nunca declarou não ser a favor do meu
relacionamento com ela.
Contudo, na primeira vez em que viu Wonders ficou hipnotizada.
— Podemos passear outro dia? — pergunta com animação.
— Não sei, podemos, Alice?
— Claro que sim! — a garota exclama ao se levantar. — Daí, a gente
vai tomar sorvete!
Grace assente com um sorriso no rosto, o que me deixa satisfeito. Ela
parte com Quinn, após se despedirem.
— A pequena te adora — conto e Alice coloca uma mecha teimosa de
cabelo atrás da orelha.
— E eu adorei ela. Grace é muito inteligente.
— Ela é sim. Eu tenho que dizer, fiquei com medo de deixar vocês duas
se conhecerem, ela se apega muito as pessoas, isso nem sempre é bom.
Wonders para de andar e me olha.
— Eu imagino o porquê. Nick, ela me contou sobre Wine. Você tinha
mais uma irmã?
É como um soco no estômago. Não fiquei com elas à todo momento e
perdi partes do assunto.
— Eu tenho.
— Nunca me falou dela.
— Bom, Wine foi embora há muito tempo, não gosto de falar disso.
A menina assente, sendo compreensiva, sei que quando o assunto é
nosso passado, nenhum dos dois realmente gosta de confessar. Eu amo Wine,
mas prefiro não pensar na ideia de que um dia ela existiu, porque hoje não sei
como está ou onde está.
— Tudo bem, então, sem esse tipo de assunto. Quer nadar? — Alice
sorri, mudando o clima da conversa. O brilho em seus olhos me anima e, num
impulso, a agarro pela cintura e a puxo para perto.
— Só se for sem roupas — brinco. Ela abre e fecha a boca, em choque.
— Seu safado. — Alice me empurra de leve, pelos ombros. Mordo o
lábio ao pensar na ideia de seu corpo nu, sua bunda redonda e seus seios
perfeitos. — Mas posso te dar uma amostra.
A menina segura na beira da blusa e a retira, ficando de biquíni. Eu a
observo com certa satisfação em meu rosto, gosto de a ver se despindo. Alice
então, faz o mesmo com o shorts.
— E você, vai ficar de roupas, Thompson? — Me pergunta chegando
perto novamente, me olhando nos olhos.
Tiro a camiseta com calma e a calça em seguida. Os olhos de Wonders
brilham ainda mais e a percebo percorrendo uma trilha, descendo do meu
abdome até à minha cueca, daí, morde o lábio.
— E eu que sou safado, né?
Ela ri. Gosto desse som, da sua animação.
Sinto seus dedos em meu braço, então, Alice me puxa para o mar, me
levando até onde quer, esfriando meu corpo com a água salgada.
Os fios castanhos estão molhados e caídos por suas costas, suas mãos
em meus ombros enquanto as minhas estão em sua cintura, e nós boiamos em
meio ao mar calmo.
— A pergunta do Jack... — começa e eu nego com a cabeça, não quero
conversar sobre isso, essa dúvida. Mas Alice sabe como me convencer, ela
agarra em meu corpo com as pernas, se encaixa em meu colo e eu desço meu
toque à sua bunda.
— Eu não sei como responder aquela pergunta, Alice.
— Olha, Nick, eu gosto de passar o tempo com você e a gente transou
uma vez. — Ri baixinho, das próprias palavras. — Bom, não sei se estamos
juntos ou se isso é uma espécie de amizade colorida.
— Acho que não precisamos definir isso — explico e tiro alguns fios de
seu rosto. — Eu tenho que confessar uma coisa.
Wonders franze o cenho e me encara, esperando por algo sério, grave.
Mas na verdade, só quero tirar alguns sentimentos de dentro de mim.
— Há alguns anos eu me aproximei de uma menina e deu muito errado,
Alice. Muito errado mesmo — revelo, sem nomes nem detalhes. — E eu
gosto de ficar com você, mas algumas coisas me assombram e não é fácil me
livrar delas.
— Eu entendo. Sei que é estranho também, parece tudo acontece rápido
demais em Wiston Hill...
— Sim, acontece. Mas você é diferente, eu já devo ter dito isso. Eu
gosto de você, Wonders, independentemente de sermos estranhos ou não.
Quer dizer, eu gosto disso aqui. — A puxo para mais perto e sinto seus lábios
muito próximos dos meus, ela sorri de canto. — E eu não sei o porquê de
você ter me chamado atenção naquele dia à frente do Heaven, eu não sei o
porquê de eu sentir isso quando estamos perto um do outro, mas eu sei que eu
gosto. E muito.
— Eu não sei o que te dizer de volta, sou ruim nessas coisas, Nick —
gagueja um pouco e tenta se explicar. Alice me diverte, eu rio baixinho de
suas palavras.
— Não precisa dizer nada. Só me beija, está bem?
Nossos lábios se encontram e a junção deles me aquece de uma forma
inexplicável. Seus dedos agarram em minha nuca e eu sinto seu corpo preso
ao meu. É a melhor sensação que já tive e, mesmo sendo difícil de aceitar,
supera os meus medos e dúvidas.
Ela já sabe que algo aconteceu e que foi horrível, não precisa de mais.
— Eu também gosto disso — confessa contra meus lábios, com os olhos
fechados. — E não entendo o porquê.
Eu não tenho razões para estar assim, para a admirar tanto, além de sexo
e beleza. Mas eu sinto, é algo maior que isso. E eu conheço parte desse
sentimento, porque há anos, eu o tive e eu o estraguei.
Ela me beija mais uma vez, para silenciar as suas palavras, e quando nos
separamos, quando nos vemos distantes, o meu reflexo em seus olhos
queima. O caos voltou.
— Você é muito gostoso, sabia? — brinca me fazendo morder o lábio.
Eu sinto sua calcinha nos separando. Faço um esforço para não ficar duro,
Alice me tira do controle.
— É — falo, apertando sua bunda —, acho que posso te dizer o
mesmo, princesa.
A sua risada ecoa, seu sorriso lindo aparece e novamente, nos beijamos
com intensidade.
20.1
REGRAS
“O mundo estava em chamas e ninguém poderia me salvar
além de você. É estranho como o desejo manipula os tolos.
Eu nunca sonhei que conheceria alguém igual a você.
E eu nunca sonhei que perderia alguém como você.
Chris Isaak | Wicked Game
NICHOLAS THOMPSON
Andar com essa garota é como estar ao lado de uma obra de arte. Todos
se viram para olhar enquanto rimos e conversamos.
Em vinte minutos já recebemos olhares maliciosos, invejosos, de
reprovação e aprovação. Sorrisinhos de canto e cochichos misturados à
música clássica. Mas Wonders não parece se incomodar, ela ajeita os cabelos,
joga alguns fios por cima dos ombros e ergue a cabeça. Ela tem um ar de
superioridade perfeito para a ocasião.
A levo para um canto qualquer, longe de alguns curiosos.
— Achei que não gostasse de atenção.
— Aprendi a lidar com ela — sussurra com graça. Seu olhar se prende
em algo atrás de mim e suas mãos se apoiam em meu peitoral. — Contou à
sua avó? Porque ela chegou e está vindo pra cá.
Fecho os olhos enquanto os saltos de Polly se tornam audíveis. Me viro
com calma e a encontro, sorridente, um tanto sem jeito. Alice sorri de canto,
parece hesitar.
— Boa noite — minha avó fala. — Bom, acho que ainda não nos
conhecemos.
— Não mesmo — me intrometo. — Essa é Alice Wonders. Você sabe, a
novata.
Dessa vez, quero provocar as duas. Elas esticam as mãos e se
cumprimentam de forma amigável, chega a ser estranho.
— É um prazer — a menina diz baixinho e se cala em seguida. Achei
que fosse tentar conquistar a Polly, elogiar a decoração, comida, música, mas
não. Ela se limita a educação básica e percebo minha avó esperando por mais.
Um riso se força a escapar, mas o seguro.
— Bom, preciso falar com outros convidados. — Polly sorri com
falsidade. — Se divirtam.
Quando a mulher se afasta, eu foco nas íris brilhantes de Wonders, que
ainda a observam.
— Isso foi bom ou ruim?
— E quem é que sabe? Mas ela esperava por elogios. — Aperto um
lábio contra o outro, tentando não rir.
— Ah — murmura, sem muita preocupação — que pena.
É impossível me conter, rio baixo, abafado e Wonders me examina.
Alice parece confusa, completamente deslocada, ao mesmo tempo, onde
deveria estar.
— O que foi? — Inclina a cabeça para o lado, os olhos brilhando. — Eu
te divirto, não é?
— É, sim. Você é incrível — falo, sorrindo. — Vem, vou te mostrar
algumas pessoas.
Wonders assente, mas não se move. Agarro em sua mão novamente,
coloco-a em meu braço e ela morde o lábio. Isso me deixa fodidamente
excitado. Alice está lindíssima nesse vestido, sempre que posso paro para a
admirar.
— Aquele é Ash. — Aponto com sutileza, enquanto caminhamos pelo
salão. — Pai da Christina. E aquela é Greer, a mãe de Jack.
Ela apenas absorve as informações, se mantendo em silêncio.
— Quinn e Grace — continuo.
— Nick, e seu avô?
— Ah, ele trabalha muito, não vai aparecer tão cedo. Cá entre nós, acho
que ele só foge da Polly.
A menina ri nasalado, cobrindo os lábios e movendo os lábios.
— Mas George gostaria de você. — Solto um riso, a acompanhando.
Vemos Jack, Hannah e uma outra garota, parados ao lado da janela
principal, gigante e coberta por uma cortina longa. Puxo Alice com
delicadeza, indo até eles.
— Conhecidos, finalmente — ela sussurra.
— Não está satisfeita com a minha presença, Wonders? — Paro e
encarando.
— A sua presença me faz querer tirar a roupa, Nicholas.
Travo, observando a malícia crescente em suas íris. Ela sorri de canto e
me examina, fita meu abdome e desce mais um pouco.
— Você precisa de limites, Wonders.
Alice me entrega uma expressão curiosamente excitante, como nunca vi
antes. Estamos em chamas, num paraíso só nosso. Volto a andar e ela me
segue, sabendo dos efeitos que tem sobre mim.
— Ah, o casal — Hannah brinca, recebendo um olhar ardente de
Wonders. Agarro uma taça de vinho, que é equilibrada sobre uma bandeja, o
garçom me cumprimenta com um aceno de cabeça e se retira.
Entrego a bebida a Alice que agradece e não resiste.
— Você está linda — a de cabelos azuis continua, enquanto todos nos
encaramos.
— Você também. — Alice dá um gole na bebida.
— Wonders, essa é Margot, irmã gêmea de Jack — apresento e a garota
sorri com timidez.
Me lembro bem dela, reservada, nunca foi de festas e grandes grupos de
amigos. Na verdade, Margot Carter só era próxima de uma pessoa: Wine
Thompson.
— Você deve ser a novata.
— Alice Wonders — responde num tom amigável.
— É mais bonita do que ouvi dizerem. Estão juntos?
Assim que a questão sai da boca da irmã, Jack se engasga no
champanhe, se lembrando de quando nos perguntou algo parecido.
— Margot, não deveria...
— Ela quer saber se estão juntos na festa, idiota — Hannah corrige e ele
concorda.
Alice segura um riso. Jack achou que a menina estava falando de nosso
relacionamento, algo que a gêmea nunca faria. Ela tem pouco interesse na
vida alheia.
— Estamos sim — Wonders me surpreende ao responder.
— E estudam juntos? — O interrogatório continua. Aproveito para
julgar a roupa da menina, um vestido rosa longo, sem decote, mas aberto nas
costas. Combina com seus olhos castanhos.
Alice apenas assente.
— Margot é dançarina contemporânea — Jack revela, todo orgulhoso.
Ele sempre foi próximo das irmãs e quando uma faleceu acidentalmente, ele
se apegou ainda mais a Margot.
— Ele fala como se fosse meu maior fã — ela responde e encontra o
olhar do garoto.
— Eu sou o seu maior fã.
— Parece mesmo — Alice diz e as duas riem. Finalmente vejo pessoas
gostando da novata e não tentando a afastar. Entretanto, eu nunca esperaria
isso de Margot, ela já sofreu o suficiente, tudo por conta dos boatos que
facilmente se espalham por essa cidade.
Fico de fora da conversa, tentando entender como Alice consegue
guardar chamas em seu corpo, porém por fora, parecer tão calma.
Noto que Hannah, Jack e Margot já iniciaram outro assunto e Wonders
não parece tão interessada. Ela se vira para mim, notando meu olhar fixo e
começa a observar a arquitetura local.
— Esse prédio é lindo — diz e bebe o último gole.
— Você nunca veio aqui?
A menina nega com a cabeça e faz um biquinho.
A música clássica finalmente para, agradando a todos. Algo normal
começa a tocar, baixinho, sem muita ênfase. Percebo ser a música favorita da
minha mãe.
— Nicholas! Ei! — Jack me chama, fazendo-me o encarar, sem muita
reação. — Sua avó autorizou isso? — caçoa. Apenas dou de ombros.
É como se Pumpkin fosse surgir à qualquer momento, sei que Polly está
brincando comigo, me lembrando de quem sou e dos erros que posso
cometer.
Retiro a taça da mão de Alice e a entrego para outro garçom perdido.
— Preciso te mostrar uma coisa — digo, ela concorda e me segue,
ignorando os outros três.
Passamos por muita gente, atravessamos o salão e subimos a escadaria.
Duvido que alguém esteja nos olhando, estão entretidos demais. Muitos já
tiraram as máscaras, eles não se importam mais com as coisas e, em uma hora
de festa, começarão a tocar em assuntos delicados.
— Onde vamos? — questiona.
— Eu vou te mostrar a minha parte preferida do prédio — conto e Alice
ri baixinho.
Todos os corredores estão vazios, as luzes apagadas. Continuamos pelo
segundo andar, apressados, passando por quadros e estátuas caras. Empurro
as duas portas douradas à nossa frente, revelando o grande salão de dança.
Todo escuro, exceto pelo holofote, que ilumina o centro do piso desenhado.
— É maravilhoso — ela diz. — E gigante.
— A minha mãe adorava esse lugar. — Afinal, era dançarina, e dançava
lindamente.
— Eu a entendo — Alice sussurra, andando pela sala, olhando cada
detalhe. A sigo, procurando por seu toque. Seguro em sua cintura com
delicadeza e ela apoia a cabeça em meu peitoral, ainda de costas para mim.
— Eu quero dançar com você — sussurro em seu ouvido.
— Já disse, Thompson. — Se vira e agarra em minhas mãos, dando
passos para trás, se inclinando, me fazendo segurá-la. — Não sei dançar.
— Eu não ligo.
Alice morde o lábio, o que causa uma pequena marca em seu batom.
Aproveito da situação e a puxo, seu corpo se choca contra o meu e nossos
rostos param próximos um do outro.
— Eu realmente não ligo.
A beijo com delicadeza e posso sentir seu sorriso se forçando a aparecer.
Coloco minhas mãos em seu quadril, a fazendo balançar de um lado para o
outro, então, estamos dançando lentamente. O seu vestido se mexe de acordo
com nossos movimentos e ela se apoia em meus ombros, me deixando a
guiar. Nossos olhares se encontram e eu me sinto perdido num paraíso,
perdido na cor de suas íris, no mar que elas carregam. Alice é maravilhosa.
Ela desliza seu toque por meu peitoral e retira meus dedos de sua
cintura, agarrando-os. Seguro numa de suas mãos e a giro. Ela parece mais
animada com a ideia de dançar comigo.
Sorrio enquanto a observo. Ela gira mais uma vez, e outra. Wonders me
encara com maldade, ao mesmo tempo, doçura. Ela agarra no tecido liso que
a cobre, balançando-o junto de seu corpo, e gira mais uma vez, em perfeita
sincronia com o ritmo.
Cada vez mais solta, como se tivesse asas. Ela me disse que não tem
habilidades, não dança ou desenha como outros, mas nesse momento seu
corpo se deixa levar, ela também está perdida em meus olhos. Alice sorri,
apesar de não estar realizando uma coreografia. E sem medir ações, sem
pensar duas vezes, sou atraído por ela. É como um imã. Me vejo entrando em
seu caminho.
Ela desliza, gira mais rápido e mais rápido, sua cabeça se inclina para
trás. Mas a menina se desequilibra e cai em meu colo, com as mãos em meus
ombros e as minhas em sua cintura, sendo forçada a me olhar nos olhos,
sendo forçada a voltar pra mim. O silêncio está ao redor, nenhuma voz, nada
além da música.
Seu sorriso me faz deixar de lado a raiva que me forçava a sentir de
Polly, porque eu sei que colocou essa música para mexer comigo. Acontece
que lembrar de Pumpkin não me fere, e sim, me deixa aliviado. Eu amava a
minha mãe, eu a amo imensamente e nenhuma memória dela pode ser
corrompida.
Alice é a minha resposta, é o que dá outro significado a essa letra, a esse
ritmo que Pumpkin amava. E nossos olhos se encontram como se fôssemos
obrigados a ficar juntos nesse momento.
— O que está fazendo? — questiona, rindo. Alice não está presa a
memórias que podem retornar à qualquer momento.
— Me desculpe, eu não sei — sussurro perto demais de seu rosto.
Consigo arrancar mais risos leves, porém toda expressão é deixada de
lado quando certa seriedade a ataca, enquanto eu me aproximo lentamente,
enquanto eu me preparo para provar do seu gosto mais uma vez. Sinto sua
respiração em meu rosto quando nossos narizes se tocam, e eu fecho os olhos.
Me deixo levar pelo calor de seus lábios. É viciante, eu não quero soltá-
la. Agarro seu rosto com as duas mãos. Seus dedos frios tocam em minha
nuca, ela me puxa para perto e a deixo fazer o que quer, porque enquanto esse
beijo demorado durar, eu estarei bem. Eu quero tudo que ela tem, quero que
soque o meu peito e grite comigo de novo, quero que me faça a calar com um
toque simples em sua pele. Eu quero todo o seu caos.
A tempestade se inicia e eu sinto, porque estou completamente
apaixonado por Alice Wonders.
Quando finalmente nos separamos, percebo que esse foi o beijo mais
real que já tivemos. Eu me deixei sentir tudo pela primeira vez, e não somos
mais estranhos.
— Nick? — Ecoa pelo salão, nos viramos num pulo, encontrando os
olhos castanhos claros de Maddy. — Eu só precisava da verdade. Vocês estão
juntos!
— Maddy... — tento, mas já fui claro com ela.
Alice se afasta do meu corpo no mesmo momento em que a loura sai
correndo, tornando tudo mais dramático. E ela some pelos corredores. Há
algo em mim que exige que eu vá atrás de Madison, mas minhas pernas não
se movem, não agora. Tudo que eu quero está nessa sala.
Wonders parece cabisbaixa, é como se nosso momento especial tivesse
se transformado em algo errado.
— Alice — chamo e ela se afasta ainda mais, me dando as costas,
chegando perto do grande vidro da janela, coberta por uma das cortinas
beges.
— Eu sei que vocês não estão juntos, Nicholas, mas eu não gosto disso...
Eu entendo o que quer dizer, não sei como não piorar a situação. Ela
parece extremamente chateada por Madison, como se tivesse machucado
outra pessoa, mesmo sem ter a intenção.
— Alice escuta — tento e me aproximo mais, segurando em sua cintura,
mas ela retira as minhas mãos, ela se vira e me encara sem ter o mesmo
brilho nos olhos. — Eu conversei com ela várias vezes...
— É melhor você falar com a Madison. Tem um baile e ela 'tá
chorando...
Não posso fazer nada em relação a isso, Madison precisa encarar a
verdade que tentei explicar tantas vezes, e agora, finalmente, ela viu. Ela
entendeu a situação.
Não a amo. Não mesmo.
— Me ouve! — rosno e Alice baixa a cabeça sem vontade alguma. —
Eu já falei com a Madison e não vou atrás dela só por causa desse drama. Ela
já sabe a verdade.
— Eu sei, mas dá pra ver que essa garota gosta de você, Nick, dá pra ver
que ela me culpa e...
— Mas eu gosto de você! — Exclamo sem pensar. Tiro o segredo do
meu peito e a vejo ficar boquiaberta. — Não faz sentido algum, Wonders,
mas eu acho que tô completamente...
— Não fala. Não fala isso! — Implora e tapa meus lábios com os dedos.
— Por favor não fala isso, não faz isso, Nick.
Eu retiro, com calma, seu toque do meu rosto e a encaro.
— Por que não?
— Porque eu não sei se sou capaz de dizer ou sentir o mesmo, 'tá bem?
Eu não consigo fazer isso agora, por favor não fala.
— Tudo bem.
Dói saber que há uma chance dela não sentir isso, de eu estar enganado,
mas nada nesse mundo consegue me afastar do que Wonders se tornou pra
mim. E ela me encara com certo medo, posso ver que não quer me magoar
também.
— Eu não vou atrás da Maddy — respondo e sorrio fracamente,
tentando a animar. Alice não pode quebrar o meu coração só por ter
medo. Eu também tenho medo.
— Por que você faz isso?
— Isso o quê? — Olho em seus olhos, agora mais calmos.
— Comigo. Você mexe comigo. Eu não sei o que fazer com você,
Nicholas.
— Bom — a puxo pela cintura, aproximando nossos corpos e lábios
—, eu sei.
CHUVA
“Você está olhando para um final muito ruim
para uma história muito boa.”
Confetti | Motive
NICHOLAS THOMPSON
Eu não queria a deixar lá, a última coisa que pensei em fazer fora
abandonar Alice Wonders em meio à alta sociedade de Wiston Hill.
Ela não parece ter uma má relação com seu pai e Katherine, sua mãe,
não está presente. Mesmo assim, fui um idiota. Depois de tudo que Andressa
me disse, liguei a moto e saí. Eu tenho um rumo e não é o Red Hell, dessa
vez eu não quero encher a cara, eu desejo enfrentar os meus fantasmas,
porque eles se parecem muito com a realidade. Eu me sinto revivendo um
ciclo, o mesmo que juntou meu pai e Pumpkin, o mesmo que os destruiu e
destruiu Elle Carter.
O mesmo que causou a sua morte.
Eu já disse, é uma sina. Damon se apaixonou por uma funcionária do
Red Hell, uma bolsista, uma garota que nem era daqui. Pumpkin dançava
lindamente e conquistava mais atenção do que devia. Ela era uma novidade,
um caos disfarçado e então, eles se apaixonaram contra todas as regras.
E eles enfrentaram muito.
Depois disso, é como se nada tivesse dado certo. Todo mundo conhece o
amor de Pumpkin e Damon, até mesmo os adolescentes como Andressa
Morgan e Madison Foxx. E também sabem que Polly fez tudo desmoronar,
que quando minha mãe sumiu, meu pai não aguentou. Ele precisou fugir
também.
Todo mundo da alta sociedade sabe da vida alheia, eles guardam os
piores segredos, esperando o momento certo para usá-los. Mas entendem que
é melhor não ter brigas entre os mais ricos, os que controlam esse lugar. Se a
base de Wiston Hill se deixar corromper, significa o fim da utopia.
E é isso que Polly tanto teme.
Foi isso que a assustou quando repeti a mesma merda que Damon fez,
quando me aproximei de Elle Carter, quando na pior noite possível ela saiu
de moto e sofreu um acidente e eu fui o culpado. Sim, é uma sina. Assim
como Damon mudou a vida da minha mãe e a enfiou num mundo falso e
superficial, eu provoquei a morte da garota que amava.
E eu sei de tudo isso. Todos sabem.
Então, parar no meio dessa estrada vazia, onde ela desapareceu, onde ela
caiu da moto que a ensinei a pilotar, onde Elle perdeu a vida, me faz encarar
os fatos.
Eu posso destruir Alice Wonders, porque os Thompson destroem desde
sempre.
— Filha da puta — sussurro ao nada, descendo da Harley-Davidson. A
noite toma conta, tudo parece escuro demais, exceto o céu. Ele brilha num
tom azul, assim como os olhos da novata.
— Nicholas, não precisa ser um erro. Não é um erro. — Ecoa atrás de
mim, na voz de Elle Carter. Me viro lentamente e encontro seus olhos
castanhos.
— Mas eu errei com você.
Assim que as palavras escapam da minha boca, assim que deixo a dor de
ter a perdido se espalhar pelo lugar vazio, eu percebo. Eu estou sim
apaixonado por Alice e eu entendo agora como tudo aconteceu tão rápido. É
por isso que quando a vi senti algo diferente, ela me esperava à frente do
Heaven, que ironia. É a porra do destino brincando comigo, como se fosse
planejado.
Elle Carter me entrega um sorriso e desaparece. Eu não sei o que essas
alucinações significam, às vezes me pergunto o que Pumpkin diria. A minha
mãe era doce e atenta, ela teria um bom conselho, mas ainda estou sozinho
numa estrada fria, recebendo a chuva que começa a cair.
Eu ainda estou sozinho com os meus fantasmas.
Horas se passaram e eu não quis voltar. Ver o rosto de Alice agora não
irá me ajudar. Ela não me entende, porque não sabe o que fiz. Segundo
Andressa, eu deveria contar, deveria deixá-la saber de tudo que em algum
momento possa ser usado para nos afastar, mas não consigo. Ainda não. Ela
não precisa lidar com essas coisas, principalmente quando sua família está na
cidade.
É ridículo o fato de Polly querer a machucar sem motivos. Ela convidou
os Wonders antes de ter certeza de que eu estava com Alice, antes de nos ver
juntos.
Ela já planejava algo.
Wine me disse uma vez que a nossa avó é capaz de tudo, que ela mente
e que odeia sem ter razões para tal. Ela me disse que nossa mãe não sumiu,
não assim, do nada. Wine achava que Polly tinha algo a ver com isso, mas eu
nunca quis ajudá-la a descobrir. Eu não queria e não podia acreditar que a
nossa família chegaria à esse ponto.
O relacionamento de Damon e Pumpkin era perfeito, se não fosse pelas
reclamações diárias da minha avó. Se não fosse por suas tentativas e falhas de
os separar anos antes de eu nascer. E de repente, minha mãe sumiu. Isso cria
teorias.
Mas eu vejo agora, Polly Thompson faz o que tiver que fazer e usa a
desculpa de estar defendendo o seu nome.
E eu sempre achei que se Damon tivesse protegido a minha mãe, as
coisas teriam sido diferentes. Mas ele não estava por perto quando tudo
aconteceu.
Estaciono a moto à frente da mansão, deixando a chuva tomar conta de
tudo. O jardim de rosas que Pumpkin tanto amava está inundado. Subo cada
degrau sabendo exatamente o que perguntar, o que dizer. Ela já deve estar
aqui, nunca fica até o fim da festa, porque tem de tomar seus remédios e
fingir não ter ouvido os comentários negativos em relação a sua pessoa. Sim,
esses existem, mas quando a mulher se aproxima, todos se calam e agem com
falsidade.
É assim que essa cidade funciona.
Abro a porta com certa agressividade e entro, molhando todo o chão.
Quinn corre em minha direção, com desespero em seus olhos.
— Nicholas, ela não pode conversar agora, está com dor...
— Eu não dou a mínima, Quinn. Com licença — peço gentilmente,
antes de esbarrar em seu corpo ao passar por ele.
Quando entro na grande sala, com sofás brancos demais, Polly joga as
pernas para fora de um deles e se senta, fingindo estar indisposta.
— Precisamos conversar!
— Meu Deus! Você está... — ela suspira e arregala os olhos. — Sua
roupa! Nicholas, você destruiu a sua roupa.
— É só água, sabe? Chuva.
— Você estava andando de moto na chuva? Não sabe o quão perigoso...
Rolo os olhos e a interrompo sem utilizar da educação que a mesma
adora.
— John Wonders.
Polly se cala no mesmo momento.
— Quando o convidou?
— Quando descobri que tínhamos uma Wonders estudando aqui. Achei
que seria bom tratá-los bem.
— Ah, claro, então estava sendo receptiva? — caçoo. — Convidou os
pais dela pra quê? Porque eles tem dinheiro, certo?
— Isso também, mas aquela menina precisa entender que eu conheço
seus pais e que ela não pode causar problemas por aqui.
— Engraçado, você já ia fazer isso com ela, não é? Mas ai descobriu que
estamos juntos. Isso te irritou.
Polly faz uma careta.
— Eu achei um absurdo, mas, pelo menos, agora ela sabe.
— Você é ridícula! — exclamo em meio e rio de indignação.
— Como é?
— Isso mesmo. Você acha que Alice é um problema? Advinha só, quem
está estragando Wiston Hill é você, Polly.
Quinn ouve tudo e quando essas palavras me escapam, ela estremece.
Sei que a garota concorda, mas teme perder o emprego e a casa.
— Se retire — Polly lhe diz, secamente. A menina some, ela continua:
— Você é igual ao seu pai, ingrato.
— Ingrato? Ótimo. — Ainda rio, deixando o nervosismo me dominar.
— Aquela menina e você não combinam. Sabe que é um erro!
— Igual a Pumpkin e Damon? — provoco. Ela se encolhe um pouco,
nunca a vi fazer isso. Talvez eu tenha tocado num assunto delicado, num
tópico que a fere.
— Você sabe que sim.
— Tudo bem. Se minha mãe foi um erro, o que fez com ela? — A
encaro e posso ver em suas íris que ela tem medo desse assunto. — Me conta,
Polly.
— Eu não sei do que está falando. A vadia da sua mãe foi embora
durante a noite, ela te deixou, não me culpe por isso! — Seu tom calmo, sem
muita rouquidão, e limpo de qualquer sentimento, me irrita.
Ela fala de Pumpkin como se essa fosse indiferente.
— Eu posso nunca tocar nesse assunto, mas sei que ela não foi embora.
Então, é melhor tomar cuidado com o que faz.
— Isso é uma ameaça, garoto?
— É um aviso. Você acha que essa cidade não pode te destruir também?
Lhe entrego um sorriso debochado. Polly sabe muito bem que até a alta
sociedade era apaixonada pela minha mãe e quando ela sumiu, levantou
suspeitas. Ninguém irá perdoá-la, principalmente Greer Carter, a melhor
amiga de Pumpkin.
Então, cada vez que ela tenta quebrar Alice, está tentando se quebrar.
Polly está se afundando, e sabe disso, porque eu sei disso.
A tempestade já chegou.
22
NICHOLAS THOMPSON
Tiro as luvas de meio dedo das mãos, o suor escorre por minhas costas.
Meus músculos estão cansados, fiz uma hora e meia de treino, é algo
terapêutico. Há anos, quando a notícia sobre eu ter quebrado o nariz de Jack
se espalhou, Pumpkin me disse que socar alguma coisa ajuda no controle de
raiva.
Uma briga idiota, por motivos idiotas. Eu acabei o socando demais, e
isso terminou num hospital. Ainda bem que os Carter e os Thompson são
unidos, apesar de, às vezes, eu desejar que me odeiem.
— Treinando? — Jayden questiona, entrando no vestiário. Assinto sem
o olhar. — Me diz uma coisa, qual é a da novata?
Rolos os olhos, imaginei que pudesse perguntar isso. Jayden não é de
família rica, daquelas que mantém os segredos onde devem ficar. Ele não tem
dramas particulares definidos por seu nome, mas tem seus próprios
problemas.
— Ela é bonita, simpática. Vi vocês dois no baile. Engraçado, o baile.
— Ri. — Toda vez que vou àquela festa, todo ano, odeio um pouco mais
Wiston Hill.
Eu também sinto isso, parece que à cada festa, cada almoço, cada
reunião, percebemos ainda mais o quão podre esse lugar pode ser.
— O nome dela é Alice — digo. Ele assente enquanto tira a camiseta.
Jayden não treina boxe, mas se exercita. Ele faz parte do time de basquete da
Universidade, um dos melhores jogadores e sempre se destacou por isso. —
E ela é de Nova Iorque.
Ele ri, sei que não está interessado nesses detalhes.
— Tudo bem, mas o que você tem com a novata? Foi algo de uma noite,
como sempre? — pergunta. Seus olhos castanhos me analisam, eles esperam
pela verdade.
— Pra ser sincero, eu não sei o que tenho com ela.
— E quanto a Madison?
— Terminamos.
Ele franze o cenho e faz uma careta. O caso dele com Christina não
acabou, sei bem que deve ter ouvido muitos comentários sobre Alice e eu,
mas o bom de Jayden é sempre esperar para descobrir. Ele não confia em
boatos. De alguma forma, esse garoto ama Chris Vender e mesmo com ela
estando noiva de Mateo, continua sendo o amante.
Parece errado, mas Jayden ainda acredita que um dia ela largará tudo por
ele. Um dia Chris vai notar que não precisa ser o que é.
— E acredito que Polly não esteja feliz com isso — afirma. Seus dedos
destrancam um armário e o garoto começa a arrumar algumas coisas. — Eu
vi a cara dela na festa ontem. Não parecia feliz, mas não sei se é por Alice ou
por ter eu e minha mãe no baile. Sabe, não somos ricos.
— Eu poderia dizer que tudo isso é mentira, mas não é.
Jogo as luvas no banco onde estou sentado. Suspiro ao pensar nas ideias
que se passam pela cabeça da minha avó, na raiva que ela guarda. Nós temos
o mesmo problema, porém Polly desconta nos outros tudo que sente.
— Sua avó odeia intrusos. Ela não gosta de gente nova no mundinho
dela e, sinceramente, não quero fazer parte dele.
Acabo não controlando a risada nasalada, ela me escapa. Me levanto e
ando na direção de Jayden, que espera por uma explicação.
— Mas você já faz parte dele. E vai continuar fazendo, tudo isso por
causa da Christina — conto, baixo suficiente para não ecoar no ambiente
vazio.
Ninguém escapa, se você se enfia nessa parte da sociedade de WH, não
pode fugir dela. Nunca.
23
TARDE DEMAIS
“Não há volta, não há para onde correr,
nenhum lugar para se esconder.
É tarde demais para dizer adeus.”
Cage The Elephant | Too Late to Say Goodbye
NICHOLAS THOMPSON
Assim que entramos os dois se levantam. John parece mais animado que
Katherine, que sorri falsa e forçadamente. Posso ver sua expressão que não
queria estar aqui.
— Que bom que vieram — John diz, sorridente. Já nos conhecemos,
mas aparentemente, ele espera que Alice me apresente de novo.
— Esses são Nicholas e Andressa. Amigos meus — explica e todos nos
sentamos. Sorrio como cumprimento, enquanto Katherine me analisa e
expressa um sorriso de satisfação. Me sinto julgado e percebo sua falta de
equilíbrio enquanto se ajeita na cadeira.
— É bom conhecer os amigos da minha filha — John começa, erguendo
um dos dedos para chamar o garçom. O garoto novo e um tanto tímido se
aproxima, entregando-nos alguns cardápios.
— É bom poder conhecer vocês — Andressa responde num tom leve e
agradável. Ela sabe como satisfazer algumas pessoas específicas, daquelas
ricas e à espera de boas maneiras, porque Andressa foi criada assim. —
Gostei do terno, meu pai tem um igualzinho.
Seguro um riso irritante que me coça a garganta e finjo ler o menu,
mesmo já sabendo tudo que está escrito nele.
John parece contente, seus olhos brilham com o elogio e ele começa a
ler o cardápio, desviando das íris verdes quase inocentes.
— O seu pai gosta de ternos e roupas caras? — brinca e solta um riso
natural, algo simpático e amigável. A ruiva retribui e então, responde com
calma.
— Mark gosta, mas Conor nem tanto, ele prefere quadros e pinturas —
revela, deixando as bochechas corarem, como se esperasse pelas frases
clichês, mas John sorri e deita o livrinho preto sobre a mesa. Seu olhar mostra
encantamento.
— Seus pais são Conor e Mark? Adoráveis, os conheci ontem à noite!
Me falaram que estuda arquitetura, um bom curso.
E a ruiva se encolhe, feliz e animada. Pronto. Ela o conquistou, mas eu
ainda estou em silêncio, sem saber exatamente o que fazer aqui.
Katherine e Alice se comunicam de uma forma diferente, as duas se
olham como se quisessem se devorar, destruir. A mãe dela semicerra os olhos
e sorri de canto, levando a taça cheia de vinho aos lábios.
— Concordo com meu marido, é muito bom conhecer os amigos da
Alice. Melhor ainda é saber que ela tem amigos por aqui — diz, secamente.
Posso notar que o gole da bebida a faz relaxar.
— Pois é, mãe — responde e arqueia a sobrancelha. Sinto o sabor no
ar, o veneno flutuando. É notável o clima pesado, Katherine e Alice se
encaram com raiva.
— Me diga, Nicholas, você é neto da Polly Thompson? — A mulher se
torna à mim e bebe mais um pouco.
— Sim, eu sou. Fiquei sabendo que conhecem a minha avó — lhe conto,
estou superinteressado em descobrir se isso aconteceu apenas por causa da
mudança de Alice para a nossa cidade.
— John conhece melhor que eu — o homem ri com as palavras da
esposa, como se concordasse e discordasse ao mesmo tempo —, sabe,
negócios.
— Sim, eu entendo.
Não, não entendo. Ele é dono de uma rede de hotéis caros e Katherine é
editora chefe de uma revista de moda. Os dois não tem o que fazer em
Wiston Hill, a menos que queiram transformar isso aqui numa pequena Nova
Iorque.
O garçom se aproxima assim que a conversa morre um pouco. Todos
pedimos, Andressa e John querem a mesma coisa. Ela conseguiu conquistar
um deles, mas Katherine é uma muralha. Ela não é fácil.
Na verdade, por mais que Alice nunca vá admitir, as duas se parecem
em partes. Na teimosia principalmente, porque Katy — como John a chama
— demorou para escolher um prato principal e negou todos que ele sugeriu.
— Fico feliz em saber que Alice tem amigos bons como vocês — ela
diz, terminando com a bebida cara.
A menina suspira ao meu lado e noto por baixo da mesa, que enfia as
unhas na própria coxa.
— Sim, mãe, eles são incríveis. — Força um sorriso, algo me faz sentir
que a frase de Katy foi uma introdução para uma crítica. Conheço a mulher
pelas poucas palavras da novata e não gostei muito do que ouvi.
— Sim, eles são — as duas mantêm contato visual —, eles sempre são.
— Katy sorri para mim e analisa Andressa com certa doçura, então, baixa o
olhar. — A problemática é você, filha.
Não consigo acreditar no que ouvi, como poderia alguém dizer isso da
própria filha, na frente dos outros, num almoço que deveria ser calmo? Mas
não há remorso em seus olhos, há satisfação. Katherine encara Alice como se
tivesse acabado de fazer uma jogada de xadrez bem planejada.
Me sinto mal, o silêncio consome cada um de nós e percebo, a menina
não quer responder. Alice queima em raiva e provável vergonha, porque John
não a defendeu, na verdade, fingiu estar lendo o cardápio, fingiu que nada
aconteceu. É como se tal frase nunca tivesse saído da boca de sua esposa e
Andressa morde o lábio inferior com força, tentando descobrir o que fazer.
Eu entendo, agora entendo o que quis dizer quando me pediu para vir.
Katherine e Polly são iguais, é impossível de as satisfazer, não importa o que
seja, elas encontram um defeito. O dom das duas é analisar, profunda e
dolorosamente, até encontrar algo para criticar com um senso de humor
duvidoso e palavras afiadas. John me parece do tipo de pessoa fácil de se
conquistar, ele se agrada com pouco, não é exigente, assim como Alice. Se
sua filha gosta de alguém, o homem automaticamente gosta da pessoa. É
nítido, sua postura não é daquelas superprotetoras e extremamente rígidas.
Enquanto isso, Katherine, por algum motivo, escolhe ferir a própria filha.
Cada vez mais o silêncio se torna ensurdecedor, me sinto enfurecido,
principalmente quando Alice suspira e retira as unhas da coxa, deixando
marcas aparentes.
— Há muitas opções boas de vinho nesse cardápio — John diz, nos
deixando ainda mais incomodados. Eu, particularmente, esperava por uma
posição dele, mas parece que disfarçar e ignorar é a sua escolha.
Mesmo assim, eu não suporto esse tipo de atitude. Não suporto pessoas
como Polly Thompson, porque conheço a dor e destruição que podem causar.
Apesar de tudo, minha avó me ensinou uma coisa muito útil, ela sempre disse
que para chamar alguém de idiota, não é necessário usar essa palavra. Basta
graça, educação e uma boa frase.
— Na verdade — quebro o silêncio, Alice me encara com surpresa —,
Senhora Wonders, acho sua filha incrível.
As bochechas da novata erubescem, talvez ela desaprove essa atitude,
talvez esteja acostumada demais com a omissão do pai, mas não sou igual a
John. O que sinto por ela também não tem nada a ver com o que fiz, na
verdade, Polly e Pumpkin concordavam numa coisa, as duas diziam que sou
intrometido. E sou mesmo, quando percebo que há algo de muito errado
acontecendo.
— Que bom que pensa assim — diz, estarrecida e um tanto nervosa com
a minha resposta.
Posso notar que Andressa segura um sorriso, ela aperta ainda mais os
dentes contra o lábio inferior.
— E eu concordo, Alice é incrível — John responde. Ele só precisava de
uma brecha.
— Sim, e muito inteligente também — continuo, agora com a intenção
de ver as bochechas da garota queimarem. É um tanto divertido. Katherine se
contorce na cadeira, ela não pode discutir com aqueles que gostam da sua
filha, pois somos a maioria.
— Espero que esse pensamento não mude tão cedo. — Quase rola os
olhos ao dizer, me entregando um certo ar de superioridade, como se
soubesse bem mais do que está a falar.
Entendo, todos guardamos segredos e eu sei que Alice tem os dela, mas
não justifica. Nada justifica.
— Tudo bem — a garota diz, colocando as mãos sobre a mesa enquanto
esperamos pela comida. — Podemos parar de falar sobre mim?
John sorri, eu me sinto aquecido por ter calado Katherine.
— Sabia que Cherry veio me visitar?
O homem ajeita a postura e pigarreia.
— Na verdade, não...
— Eu sabia — Katy o interrompe. — Ela estava com saudades.
— Você deixou a menina viajar sozinha? — John arregala os olhos,
encarando a esposa.
— Ela veio com Alex.
— Uma ótima escolha — Alice enfatiza —, mamãe. Ótima mesmo.
— Quer mesmo discutir isso aqui? — Katherine parece fria, como se
toda a bebida e todo o calor não aquecessem seu corpo. Ela ajeita os fios
louros recém tingidos e espera por uma resposta. Mais uma vez, John se cala.
— Me diga, Senhor Wonders... — Andressa começa, tomando uma
atitude.
— John, por favor.
— Claro, John. Me diga, o que te trouxe à Wiston Hill além de
negócios?
— Bom — ele sorri, feliz em poder mudar de assunto e também
animado por ter se tornado o centro das atenções —, a cidade, a fama dela. E
também a minha filha.
Enquanto as vozes da ruiva e de John tomam conta, Alice baixa o olhar,
se sentindo ameaçada por sua mãe, sentada à sua frente. Me apoio levemente
sobre a mesa, encaro-a e a mesma me encontra por alguns segundos,
enquanto Katy se distrai pedindo por outra garrafa de vinho.
— Está tudo bem? — pergunto, sussurrando. A garota sorri de canto,
falsamente.
— Tô bem mais que acostumada.
Bufo com sua resposta, imagino como era em sua casa. Ela me disse que
não se dá bem com a mãe, queria entender os motivos e sei que Katherine vai
dizer que a culpa é de Alice, mas hoje, quem atacou primeiro foi ela.
Um vinho branco é servido, eu recuso a bebida e quando o garçom se
inclina para encher a taça de Alice, Katy agarra seu braço com delicadeza, o
impedindo. John não repara, está muito distraído rindo dos assuntos que
Andressa consegue construir.
— Não, obrigada — a mulher diz com sutileza. O homem assente e se
afasta. Percebo que Alice rola os olhos, insatisfeita. — Não deve beber. Sabe
disso.
— Agora vai tomar conta de mim? — As duas continuam com o tom
leve, deixando que apenas eu ouça a discussão, por estar próximo demais.
— Você sabe que não pode beber, Alice. Aliás, tem se mantido sóbria,
certo? — Não há preocupação em sua voz, Katherine está tentando tocar num
ponto fraco.
— Eu posso te dizer o mesmo mãe, mas já vi que não está sóbria. —
Força os lábios num sorriso maldoso e então, se calam, encarando uma a
outra.
O silêncio retorna e deixa tudo ainda mais pesado. É como se um
segredo tivesse lhe escapado, Alice tem problemas com bebidas, mas sua mãe
também, o que é visível.
— Está tudo bem? — John pergunta ao notar que a filha agarra na beira
da mesa com força, se forçando a ficar na cadeira. Ele continua ali, esperando
pela resposta, enquanto as duas tentam definir se vão ou não se atacar.
— Tudo ótimo — Katy responde com animação e ergue a taça, pronta
para beber. Alice suspira e se solta na cadeira, encostando e tentando relaxar,
mas eu vejo seus olhos vermelhos antes da sua cabeça se virar para a janela,
me impedindo de a encarar.
Não posso dizer que foi o melhor almoço que já tive, mas depois de
certo tempo, os ataques de Katherine cessaram. John desenvolveu uma
conversa até que divertida, e Andressa conseguiu o que queria: conquistar um
dos dois, acalmar os ânimos e continuar assuntos que pareciam morrer
lentamente durante a tarde.
John a adorou.
Quando acabamos, a ruiva caminha com o homem até o balcão, onde há
sobremesas, uma prateleira com bebidas e um caixa. Pode-se pagar direto da
mesa, mas eles preferiram andar. Por fim, ficamos apenas eu, mãe e filha.
— Bom, foi uma tarde maravilhosa — Katy puxa outro assunto, usando
de um tom calmo e falso.
Alice nem lhe dá a chance de começar, a mulher não cansa, nunca, não
mesmo. Há algo em sua personalidade para além de teimosia, ela gosta de
machucar, gosta de deixar as pessoas envergonhadas.
Mais um detalhe que me lembra Polly.
— Foi ótima mesmo, eu já volto. — Alice se levanta com calma. Não
consigo a responder, ela se afasta aos poucos, nem ao menos me olha.
A observo entrar num corredor iluminado, que leva aos banheiros. Isso
me lembra o baile, quando fez a mesma coisa, quando precisou ficar sozinha,
quando, com certeza, chorou num canto qualquer.
Retiro meus olhos da portinha que acabara de se fechar e encontro as íris
azuis escuras de Katherine me analisando. Seu sorriso chega a ser assustador,
reparo agora que sua pele é muitíssimo clara, deixando que as veias apareçam
e isso faz com que suas sobrancelhas se destaquem, por serem mais escuras.
— Nicholas, gosta da minha filha?
Engasgo ao rir baixo, um tanto constrangido. Se eu gosto de Alice
Wonders? Bom, todos sabem a resposta, mas ela não me deixa a falar em alto
e bom som.
Não consigo segurar o riso, então, apenas espero.
— Eu sei que gosta. Todo mundo gosta no começo, mas não deveria, ela
tem problemas.
Suspiro antes de qualquer coisa. O jogo de Katy é sujo, ela esperou que
sua filha se afastasse, ela esperou por uma brecha, um momento certo.
Pigarreio antes de soltar a melhor resposta que consigo formular.
— Todos temos problemas — falo, fitando a garrafa de vinho quase
vazia. A mulher ajeita alguns fios sobre o ombro e respira fundo.
— A minha filha — enfatiza, então, volta ao tom normal e suave —, tem
muitos problemas com os quais você pode não conseguir lidar. Acredite,
Alice é uma tempestade. Às vezes, é melhor evitar esse tipo de coisa, tenho
certeza de que alguém como você me entende.
Alguém como eu? Ele se refere ao dinheiro ou família? Katherine está
falando do que exatamente?
Me inclino sobre a mesa, apertando um lábio contra o outro, e ela espera
por algo que possa a deixar feliz. Mas não.
— Senhora Wonders, eu amo uma boa tempestade.
A mulher semicerra os olhos, ela encontra meu sorriso provocativo e faz
um biquinho. Me ajeito na cadeira e o silêncio nos consome, mas não desvio
o olhar, continuo fitando suas íris.
— Vai se arrepender.
— Duvido muito.
E duvido mesmo. Não há chances.
Avisto Alice que se aproxima aos poucos, nos analisando. Ela para ao
lado da mesa e suspira.
— Tudo bem por aqui? — questiona, seu tom está diferente,
desanimado, fraco, rouco.
— Tudo ótimo — digo, imitando Katy.
Tudo muitíssimo bem.
DOR
“Eu sou um fogo perigoso,
um veneno acinzentado.”
WILDES | Bare
ALICE WONDERS
É impossível dormir.
A cidadezinha parece mais quente a cada dia, e assim, o sono não chega.
Queria que essa fosse a minha única preocupação, mas infelizmente, Nicholas
ainda está em meus pensamentos. Eu decidi ser só sua amiga, como se isso
fosse resolver algo. Dentro de mim sinto que merecemos esse tempo, sem ir
rápido demais, sem pressa, porque tudo estava estranho de certa forma.
Eu sei que Katherine teria me destruído se Nicholas não estivesse por lá,
porque John não criou coragem, mesmo me vendo partir, mesmo me
perdendo aos poucos, meu pai não consegue defender a própria filha de sua
esposa instável. Eu sempre fui, e sempre serei, uma tempestade horrível aos
olhos de Katy.
A ruivinha se vira na cama algumas vezes, noto que está incomodada
com o calor excessivo. Me levanto com calma e tento abrir a janela, mas
como sempre, está emperrada.
— Não consegue dormir, Alice? — ela pergunta al abraçar o travesseiro
e me assusta. Murmuro um não e Andressa volta ao seu sono.
Não quero a incomodar, ao mesmo tempo, não quero ficar sentada a
observando por horas. As palavras de Nick ainda brilham em minha
memória, me sinto uma adolescente daquelas apaixonadas, mas não
estou. Apaixonada não, de jeito nenhum.
Contudo, Nicholas me chamou de incrível. Qualquer um poderia ter
feito isso, mas ninguém soaria como ele.
"Acho sua filha incrível”.
Eu gosto de Nicholas de uma forma que nunca imaginei gostar de
alguém, ele me conquistou de primeira quando vi seus olhos, seu corpo à
frente do Heaven, quando tentei desviar o olhar, quando flertamos. Bom,
Nick tem esse dom, ele deixa as garotas tontas e por vezes escolhe usar disso.
Mas foi diferente. Ele é diferente. E agora, mesmo quando há muita
gente ao nosso redor, mesmo quando há segredos e mentiras, nada me chama
mais atenção que suas íris azuis e seu sorriso malicioso. Nada me deixa mais
confusa e mais confortável. Não temos porquê nos apaixonarmos, mas
algumas coisas não se explicam.
Saio pelos corredores da grande casa, evitando fazer qualquer barulho.
Não quero uma das amigas superficiais de Chris reclamando, ou até mesmo,
ela me encarando com seus olhos cheios de veneno e sua língua afiada. Não
estou no clima para desviar de mais comentários negativos.
Paro à frente da porta do quarto que Maddy divide com Christina,
notando que uma delas não está presente, uma das camas está arrumada
demais e a luz do banheiro está acesa, iluminando o cômodo. Eu posso ouvir,
alguma menina está muito mal, tossindo como se estivesse colocando tudo
para fora. Suspiro e entro, sabendo que se for a Chris, vai me expulsar no
mesmo instante.
Mas nada disso acontece, na verdade o que vejo me deixa estarrecida.
Madison está apoiada na privada, mas logo se levanta e começa a tentar abrir
um pote amarelo de remédios com as mãos trêmulas.
— Madison! — chamo, sai um tanto abafado por entre meus lábios. A
loura ergue a cabeça, os olhos arregalados, lábios sem cor.
— O que faz aqui? — questiona com pouca força. Chego um tanto mais
perto, mas a garota recua. Ela se encolhe.
— Eu te ouvi. Não acredito que está fazendo o que acho que...
— Não é da sua conta. Eu tô bem.
— O que você está fazendo pode te deixar muito doente, sabia disso? E
pra que são esses remédios?
Vejo algumas lágrimas escorrendo por seus olhos castanhos claros e
como resposta, faço um biquinho. Eu não sei o que dizer, tenho problemas,
não sei resolver os dos outros.
Puxo o potinho de sua mão e leio o que diz. É para ansiedade, reconheço
logo. A loura se afasta e se senta sobre a tampa da privada. Ela encara os
próprios dedos.
— Eu não acho que esteja bem. Já falou com alguém sobre isso? — Me
apoio na pia e a observo, Maddy está pálida, fraca.
— Já. Eu costumava ir à psicóloga, mas parei por um tempo. Eu tô bem,
Alice, me deixa.
Me abaixo na frente da loura e encontro seus olhos castanhos.
— Você não pode se forçar a vomitar e depois se encher desses
comprimidos. Não é assim que funciona.
— Eu não… olha, faz tempo que isso não acontece — sussurra. — Foi
uma vez, está bem? Uma recaída, não vai rolar de novo.
Suspiro, porque sei que está mentindo, eu mesma já disse essas coisas
várias vezes. Inclusive, fiz isso com Nicholas. Eu menti pra ele sobre as
bebidas, quando me questionou.
— Eu amo ele, Alice. E você? O que quer com o Nick? — Enfim, toca
no assunto.
A pré-existência de um problema é óbvia. Ela me culpa por coisas que
não posso controlar, e se compara a mim em detalhes nada importantes. O
que eu sinto por ele não tem nada a ver com o que ele sente por ela.
São coisas diferentes.
— Se for transformar isso — me levanto — numa discussão sobre um
garoto, vou embora.
— Não vou. Acho que ele já foi claro o suficiente e eu vi vocês no baile.
Os dois me disseram que não estavam juntos, eu só queria saber a verdade.
— Não estamos exatamente juntos. — Deixo o pote sobre a pia e me
afasto. — É complicado.
Quando começo a caminhar até a porta ouço sua súplica. Madison me
olha com desespero.
— Não conta pra ele! Por favor, não conta pra ninguém — implora,
chorando.
Me abaixo um pouco, para agarrar em seus braços, forçando-a a me
encarar. A loura está abatida, completamente perdida entre o agora e o antes,
entre erros e desculpas.
— Você não pode mais fazer isso — digo, quase ordenando que pare. —
Madison, você está doente, precisa de ajuda.
— Foi só uma vez — mente de novo, gaguejando.
— Duvido muito. Acredite, eu reconheço um problema quando o vejo e
você precisa parar de sofrer pelo Nicholas, independentemente dele estar
comigo ou não. Garota, você só está se machucando.
— Você não entende, Alice...
— Não mesmo. Como pode alguém como você, Madison Foxx, sofrer
assim por um cara que não te quer da mesma forma?
Um sorriso sutil surge em seu rosto. Nesse momento, tudo que quero é
que essa menina pare de acreditar em tudo que Chris diz.
Não somos inimigas.
— Eu espero muito que não me odeie sem motivos — peço, soltando
seus braços frios. Ela abaixa a cabeça e encara o chão limpíssimo. Seus fios
estão presos num rabo de cavalo frouxo demais, seu pijama se resume a uma
blusa larga e branca. — Eu queria poder te ajudar…
— Só não conte a ninguém.
— Não vou. Eu não sou a sua amiga — preciso provocar. Tenho certeza
de que Chris usaria disso para a machucar. Foi assim que atingiu Andressa,
não? Fotos espalhadas pela cidade, nos celulares de todos os adolescentes.
Assinto sem muita vontade, sabendo que em algum momento, Nicholas
irá descobrir. Já notei que se preocupa com a menina.
SEUS MOTIVOS
“Você disse que não havia nada no mundo
que pudesse deter isso,
eu tive um mau pressentimento.
As pessoas começaram a falar, nos avaliando,
eu sabia que não havia ninguém no mundo
que pudesse aceitar isso.”
Taylor Swift | Dancing With Our Hand Tied
ALICE WONDERS
Uma semana depois.
Passou tão rápido, queria poder dizer que nem notei. Mas noto, a cada
momento eu percebo um pouco mais. Uma semana, parece que pulamos,
bom, que pulei, de uma segunda à outra, de um extremo à outro.
Parece que tudo estava tão quente e harmonioso, então, a chuva veio —
literalmente, porque choveu bastante nessa semana.
Com tudo isso eu quero dizer que ele sumiu.
Nick desapareceu. Não é uma metáfora, muito menos uma piada. A
última coisa que fizemos juntos foi terminar o trabalho e o enviar para o
professor. Daí, por algum motivo indecifrável — o qual ele pode até tentar
me explicar depois, quando eu fingir não estar magoada — ele sumiu.
Nick não falou mais comigo, não assistiu a aulas e nem apareceu à
frente da fraternidade num momento inoportuno. E não é fácil de admitir
agora, numa outra segunda-feira, que espero muito vê-lo, já que sinto falta de
seu cheiro. Eu sinto falta de Nicholas Thompson e não é algo doentio, como
Madison faz parecer. É algo profundo, como se estivesse tudo bem até que
uma pontada em meu peito me lembre da sua ausência. É momentâneo, ruim,
mas consigo me acostumar.
A questão é, não quero me acostumar.
— Vai se atrasar — Andressa diz, saindo do banheiro já vestida. Sua
blusa verde, com mangas compridas, e sua calça preta combinam
perfeitamente. A fito em silêncio, sei que estou sem ânimo.
Não é porque ele sumiu, e sim porque eu não conheço seus motivos.
Não houve um tchau, nem um até breve. Ele só desapareceu, como se nunca
tivesse existido, e é estranho como ninguém comenta sobre. Ninguém
pergunta. Talvez seja mesmo criação da minha mente, ou quem sabe, todos
conheçam a razão por trás da sua partida para sabe-se lá onde. Eles não
questionam, pois não precisam.
— Alice Wonders, vai se atrasar — ela reclama de novo, se sentando em
sua cama. Andressa se inclina para frente, noto de soslaio, mas continuo
encarando minhas mãos.
Não entendo. Ele é um idiota mesmo ou eu que fiz algo de errado?
— Eu ouvi da primeira vez — sussurro baixinho. A ruiva suspira, me
deixando desconfortável. — Já vou.
Mentira. Estou de pijamas ainda, faltando minutos para a minha aula.
Não chegaria há tempo nem se corresse.
— Tudo bem, pode me contar agora mesmo o que está acontecendo!
Vamos!
— Vai dizer que não reparou que Nicholas sumiu? Ele só desapareceu.
— Ele não desapareceu, só está... ausente.
— E pode me dizer que merda isso significa?
Nossos olhos se encontram, ela faz um biquinho tentando se calar, sei
que Andressa deve ter suas teorias. Ela parece conhecer bem Nicholas, não
sei porquê nem como, mas conhece.
— Você tá toda desanimada por causa de um garoto? — provoca. —
Quer dizer...
— Eu entendi o que quis dizer e não. Só queria uma explicação, ele
sumiu do nada. Isso não vai me fazer sentar num canto e chorar, Andressa,
mas eu fico me perguntando, o que será que aconteceu?
— E isso importa?
Rolo os olhos, cansada de seus sermões.
— 'Tá preocupada com ele ou acha que fez algo de errado? — ela
continua.
Nego lentamente, é uma boa pergunta na verdade, mas não posso
respondê-la agora. Andressa nota meu silêncio. Queria conseguir me entender
primeiro, não temos um relacionamento, não somos um casal, e eu continuo
aqui, cabisbaixa e pensativa.
É óbvio que não vou conseguir entrar naquela sala hoje, nem para saber
se Nicholas decidiu aparecer. E eu sei que meu professor já me enviou um e-
mail por causa das minhas faltas, mas prefiro ficar andando pela fraternidade,
descobrindo partes que antes pareciam desinteressantes. Por exemplo, nunca
entrei na piscina e nem joguei xadrez na sala principal, onde também há um
piano.
É tudo muito clássico e chique, até mesmo a pequena biblioteca e o
escritório da diretora, a qual nunca vem aqui.
Leio cada título de cada livro, procurando por aqueles que ainda não
conheço.
— Podemos conversar? — Soa pela sala, me assustando. Num pulo me
viro para encontrar a pessoa, toda encolhida. Não estou sozinha, afinal.
— Maddy, claro. Sobre? — começo com certa hesitação.
Ela abre a boca, pensativa, a fecha novamente e entra na sala.
— Sobre o que viu, há uma semana — explica. Eu não me esqueci e
também sei bem o nome daquilo. Ela me pediu para não contar e eu não
contei, carreguei esse peso na consciência por alguns dias.
Madison precisa de ajuda, ela precisa de tratamento, auxílio psicológico.
Duvido muito que tenha sido a primeira vez e juntando os fatos — e sua
aparência exageradamente perfeita — sei que passa por isso há um tempo.
Mantenho o silêncio, espero.
— Eu queria agradecer por não contar ao Nick, na verdade, por não
contar a ninguém — diz, arrumando alguns fios atrás da orelha. Madison
morde o lábio inferior e continua: — Sei que te falei muitas besteiras, parei
pra pensar e realmente, você estava certa. É que as pessoas fofocam demais,
eu fico confusa.
Ela parece confusa, dá pra ver em seus olhos. Maddy está perdida.
— Você quer dizer que a Christina fofoca demais, não? Eu sei que são
amigas, mas não deveria comprar as intrigas dela. Eu nem te conheço,
Madison, e você quase me odeia.
— Não odeio! — exclama. — Eu só achei que o Nick tivesse me
trocado. Olha, me desculpa. Ele já não me queria há muito tempo, era óbvio,
mas foi mais fácil negar.
— Tudo bem, mas você não precisa disso. Não precisa dele e nem de
ninguém. Para de correr atrás, sabe? Amor-próprio e essas coisas…
Seu sorriso aparece, mas há sarcasmo nele, não é verdadeiro, carrega
certa tristeza.
— É fácil falar.
— Não é, acredite, Madison. Mas você precisa entender que, às vezes,
agradar algumas pessoas pode te destruir.
— Entendo o que quer dizer, Alice. De verdade. Mas meus pais, meus
professores, todo mundo espera algo...
— E o que você espera?
Se cala, engolindo em seco. Boa pergunta, não? O que ela espera de si
própria, afinal?
Não sou a melhor para dar conselhos, tudo que tento fazer é continuar
viva, é não beber demais ao ponto de fazer algo que me destrua. Eu vivo
focada nisso, apenas, o que não é lá grande coisa. Eu tenho meus problemas,
tão sérios quanto os de Madison.
— Eu só vim te agradecer.
É claro que ela não tem argumentos ou desculpas. Continuar esse
assunto lhe é impossível. Maddy se vira, pronta pra sair.
— Espera, não deveria estar na aula? — questiono. Seu risinho ecoa, ela
me encara com doçura.
— Você também. — Dá de ombros. — Eu não estava me sentindo bem,
só isso.
— Certo. Bom, quando quiser conversar sobre você sabe o que, estou
aqui. E sei ser imparcial.
Seus olhos rolam, mas seu sorriso não desaparece. Mesmo escondendo a
dor, Madison continua ali, fingindo animação. É como se precisasse agradar a
todos, mesmo quando não há ninguém presente.
— Aliás, vai à reunião da fraternidade hoje?
Nego, sem nem saber do que está falando. A loura volta ao escritório e
se aproxima lentamente.
— As meninas — doze, contando comigo, para ser exata —, vão se
reunir. Vamos decidir algumas coisas, festas, líderes. É divertido.
— Pra quem? — pergunto. Claramente o pior lugar para eu estar e,
ah, Chris Vender. — Só se for pra você e pra Vender, parecem gostar dessas
coisas.
Sei que pego pesado muitas vezes, mas Maddy precisa entender que sua
amiga não é a pessoa mais agradável que conheço.
— Olha, eu também não gosto tanto assim e sei que você e a Christina
não se dão bem, mas você mora aqui, Alice.
— Sim, é uma casa — explico, passando os olhos pelo teto chique e
pelos móveis caros, ao mesmo tempo, fazendo uma careta. — E eu precisava
morar em algum lugar.
— Dormitórios? Você tinha essa opção, mas escolheu entrar numa casa
cheia de garotas do jeitinho que diz odiar. Por que escolheu a fraternidade?
Para fingir ser superior a nós?
É, eu não tenho uma resposta também. Achei que uma fraternidade,
irmandade, ou seja lá como chamam, fosse uma boa opção. Fui aceita de
primeira, não exigiram muito, o sobrenome ajuda. Wonders me leva à muitos
lugares.
— Que horas será? — pergunto, tentando me enturmar e admitindo que
estou sendo uma babaca. Maddy sorri de canto e, em seguida, finge não ter
feito isso.
— No fim das aulas, à noite. A gente vai escolher o tema da próxima
festa. Avisa a Andressa. E, Alice, obrigada mais uma vez.
— Fica tranquila. Aliás, preciso te perguntar, tem visto o Nicholas?
— Por incrível que pareça, não.
Ah, claro, a separação, o coração partido, o drama. Ela também
desapareceu por um tempo, enquanto me culpava, então agora, tenta fingir
que ele não existe. A loura deixa a sala e eu fico pensativa. Onde esse menino
se enfiou? O que pode ter feito?
O que eu fiz? — questiono e logo me arrependo, afinal de contas, o
mundo não gira ao meu redor.
EU ERREI
“Verifique meu pulso pela segunda vez.
Tomei demais, não quero morrer.
Não sei se posso ficar sozinho de novo.”
The Weeknd | Alone Again
ALICE WONDERS
Eu errei.
Eu errei pela milésima vez e agora sinto, eu sinto minha cabeça girar,
porque depois de doses de tequila, ainda me lembro de todos os meus
problemas, aqueles que tornam a dor em meu estômago tão insignificante. Eu
errei, porque não sei fazer o certo.
É mil vezes mais fácil encarar as coisas com um copo de bebida. É tudo
fácil demais, e por segundos parece bom demais, então divertido, e depois
começa a ficar triste, bate um desespero. Essa é a parte que mais odeio
quando bebo, porque sei que depois de toda a euforia, vou enfrentar um
momento de culpa, até que meus órgãos me forcem a colocar tudo para fora,
até que a dor de cabeça me devore na manhã seguinte.
E eu quase chorei quando me senti cair de novo, era uma mistura de
culpa e julgamento. Eu ainda sinto o peso de tudo, dos meus antigos erros e
dos futuros. Eu sinto o peso desse lugar. Wiston Hill é destrutiva.
Depois do segundo copo, Nicholas me parecia uma ilusão, algo que
nunca aconteceu de verdade. Comecei a duvidar da minha sanidade e
comecei a rir porque sabia que talvez, fosse apenas uma criação minha. Ele
sumiu há dias, parece tanto tempo.
E depois de cinco doses, eu entendi que não há concerto para pessoas
como eu. A minha mãe, por exemplo, nunca conseguiu ficar sóbria, nunca
conseguiu ser mãe. E eu não consigo ser alguém minimamente decente. Tudo
isso me ataca de repente, então lembro que ainda é manhã e já estou
no Heaven Bar.
Eu fico aqui por mais algumas horas, vejo a troca de funcionários, faço
uma pausa e recomeço.
Uma. Duas. Três. Quatro. E pronto, tudo gira e estamos numa onda de
emoções sem sentido.
Sei que beber não é a resposta e amanhã começo com o processo de
arrependimento, quando prometo não encher a cara de novo. Sei disso. Mas
hoje preciso de mais um dose.
Cinco. E Hannah já tenta me fazer ir embora.
Seis. E ela se nega a me servir.
— Alice, você não está bem — diz baixinho, perto de mim, se
inclinando sobre o balcão. — Precisa parar.
— Eu não quero parar!
— Eu não vou te servir. Mal consegue ficar sentada, o que aconteceu?
Nego, sem muito controle sobre minhas ações. Apoio os cotovelos no
balcão e coloco o rosto entre os braços, sentindo meu estômago implorar.
Hannah continua à minha frente, me analisando. Ela parece realmente
preocupada.
— Não pode fazer isso com si própria.
— Eu posso sim. — Sorrio. — Ninguém liga, nem eu... a minha mãe
disse que sou um problema, sabia? E a Polly Thompson também. Engraçado,
né?
A menina nega, arrancando um celular do bolso e a vejo ligar para
alguém. Não presto muita atenção em suas palavras, estou ocupada xingando
Nicholas.
Aquele filha da puta, idiota. Ele disse que gosta de mim, ele disse que
está... bem, eu não o deixei terminar, mas ele disse e agora sumiu da minha
vida. Nick só desapareceu. E que se foda se estou sendo uma babaca, se estou
fazendo o mesmo que Maddy, porque eu não me importo. Que se foda tudo
isso, se nos conhecemos há muito tempo, ou há pouco, se o que sentimos são
impulsos ou coisas reais, que se foda. Eu o vi uma vez, à frente do Heaven, e
algo inexplicável me atacou. Foi ali que isso surgiu e eu achei que só quisesse
sexo, mas agora, tudo parece mais forte que aquele calor de excitação.
E ele sumiu.
Eu quero lidar com os meus erros, com a minha ansiedade, mas não
tenho coragem. É bem mais fácil beber.
Depois de alguns minutos, sinto duas mãos em minha cintura, tentando
me colocar de pé. Quando ergo a cabeça encontro Jack com os olhos
completamente abertos, exalando preocupação.
— Está bem? — pergunta e eu nego.
— Precisa a levar, alguma coisa aconteceu. — Ouço Hannah dizer. Não
respondo, estou fora de mim.
Jack consegue me erguer e me colocar junto de seu corpo. Fecho os
olhos, por experiência sei que assim não vomitarei pelo caminho.
Ele me arrasta pelo bar com delicadeza, e me coloca no banco da frente
do seu carro que cheira a chiclete. Sinto o tecido em minhas pernas. Minha
cabeça gira, meu corpo está todo mole.
Então, ouço a chave virar.
— Vai me contar o que aconteceu? — ele questiona enquanto tento
segurar tudo em meu estômago. Seria horrível vomitar em seu carro.
Murmuro um não, sem abrir os olhos.
Me encosto no banco, ergo a cabeça e respiro fundo enquanto partimos.
Os minutos passam como anos, lentamente. Não arrisco olhar pela
janela nem conversar com Jack. Fico quieta, tentando lidar com a dor e com a
culpa. Beber não me ajudou, fiquei mais irritada, mais magoada e mais
ansiosa. No fundo eu sei que não tem a ver comigo, ele precisa de tempo. É
só isso.
E não consigo acreditar que enchi a cara por causa de um garoto e de sua
avó, que me odeia.
— Para o carro! — imploro, batendo no braço de Jack, mantendo os
olhos fechados. — Para o carro.
Ouço as rodas, o freio. Ele encosta e assim que abro a porta, coloco tudo
para fora, menos a vontade de socar a minha própria cara. Depois de muitas
doses me bate a raiva. Eu fico furiosa porque não me controlei, porque
quebrei uma regra, por ainda estar me destruindo. Tenho total consciência
disso e enquanto alguns chamam de frescura e excesso, eu sei que não é bem
assim.
Eu não bebo porque sou uma adolescente revoltada, igual minha tia
disse uma vez, numa reunião familiar.
Eu bebo porque sinto necessidade. É algo angustiante. E nada me ajuda
a superar a ideia de que o álcool pode resolver tudo. No fim, ele nunca
resolve, e eu continuo com vontade de ingerir mais.
Só mais uma dose.
Acordo e me arrependo no mesmo minuto. Noto pelo teto e pelo cheiro
de cigarros que não estou em casa. Levo a mão à testa e cubro os olhos,
tentando me lembrar de algo. Nada. A noite anterior, bom, a tarde toda, não
me passa de um borrão. Passei o dia num bar e isso só me aconteceu uma
vez, quando tive um surto qualquer e acabei no hospital.
Momentos como esse necessitam de atenção, e eu preciso aceitar que
tenho um problema, tratável, mas ainda assim, prejudicial.
Negar é mais fácil, concordo com Madison. A dor não some quando
negamos, mas durante horas parece não existir, até que temos quedas como a
do dia anterior.
— Está viva. — Ouço ao meu lado e me viro com pressa, notando que
estou no dormitório.
— Não achei que estaria — confesso e vejo Jack concordar. — O que
aconteceu?
— Isso quem tem que me dizer é você, Alice. Bebeu demais ontem,
quando Hannah chegou ao bar você já estava lá, e quando fui te buscar, quase
te levei ao hospital.
— Ainda bem que não fez isso — sussurro. — Eu tô bem. Obrigada
mesmo, de verdade. Não vomitei no seu carro, certo?
Ele nega, sem rir. Não parece que estou o divertindo hoje. A
preocupação é visível em seus olhos.
— Vai me contar? — Arqueia a sobrancelha, esperando com seriedade.
— Eu tenho um problema, Jack. Na verdade, tenho muitos.
Volto a encarar o teto, ainda com o peso sobre mim, a dor de ter feito
essa merda. Se não fosse esse garoto, eu não sei o que teria acontecido.
— Digamos que sou alcoólatra — confesso sem vontade.
— Como assim?
— Já fui à reuniões do AA e já fui internada numa clínica. Nada
funcionou, como pôde ver ontem. — Parece fácil contar tudo isso, mas dói.
— Você não deveria beber.
— Eu sei. — O encaro. — Por favor, não me dê um sermão.
— Acho que você já faz isso sozinha.
Suspiro. Sim, eu mesma me julgo, não preciso ouvir meus pensamentos
em sua voz.
— Eu fico ansiosa e ai bebo, então, depois de beber fico mais ansiosa e
não paro. É um ciclo, não tem como fugir.
— Não tem como ou você não quer?
Dou de ombros.
Talvez eu não queira, talvez eu seja igualzinha a minha mãe em algumas
coisas, arrumo desculpas idiotas para que possa continuar errando. Talvez por
isso, eu a deteste tanto.
Não gosto de me parecer com Katherine, a única diferença entre nós é
que eu admito ter um problema.
— O que teria feito se eu não tivesse ido te buscar no bar? — pergunta,
sentado na beira de sua cama, me analisando e esperando por uma resposta
razoável.
— Eu teria andado até em casa. — Passo os dedos quentes entre os fios
embaraçados de meu cabelo, tentando me lembrar de qualquer coisa sobre a
tarde anterior, depois de Polly me mandar ficar longe de Nick.
— Teria andado? E acha que ia conseguir chegar, Alice? Isso é sério. Ia
só andar pelas ruas à noite esperando chegar bem na fraternidade?
Me apoio nos cotovelos, pedi para não receber sermões, mas sei que não
posso exigir muita coisa. Ele cuidou de mim sem eu pedir e se Jack não
estivesse lá, alguma merda poderia ter acontecido.
— Eu não sei, Jack — suspiro, me sentando enquanto sinto a dor em
cada músculo. A ressaca me ataca com força, não vou levantar dessa cama
tão cedo.
— Não sabe — sussurra. — Você bebe demais e nem tem noção dos
riscos. Tem gente podre no mundo todo, Alice. E se algo acontecesse com
você?
— Tudo bem, você está certo! Me desculpe. Eu sei disso, está bem?
O garoto bufa, encontrando meus olhos. Respiro fundo e prossigo:
— Eu sei de tudo isso, sei que podem tirar vantagem de mim e sei que
posso acabar me matando sozinha pelas ruas, mas eu ia ficar bem.
— Não, não ia. E se algo tivesse acontecido nem se lembraria hoje de
manhã, porque não se lembra, não é?
Dou de ombros, me sentindo mal com tudo que fiz. Eu não estava limpa,
completamente sóbria, mas estava me controlando.
— Algo já aconteceu? — ele pergunta.
— Não. Nunca. — Me refiro a algo ruim após eu ter bebido.
Nunca tiraram proveito de mim, eu sempre cheguei em casa inteira,
entretanto, nem tão bem.
— O que aconteceu pra você beber daquele jeito?
— Nada demais — minto. Apesar de tudo, não quero conquistar
inimigos para Polly. Já sei que ninguém gosta dela de verdade e Nicholas a
ama, mesmo conhecendo seu veneno. Não quero uma confusão. — Eu só
estou numa semana ruim.
Ele se levanta e agarra uma camiseta. Jack retira a que veste e se enfia
na outra, como se eu não estivesse presente. Noto que, embora seja menor
que Nicholas, o menino tem o corpo bem definido.
— Onde vai? — questiono, ele parece apressado.
— Falar com o Nick, tentar convencer ele a voltar.
Ah, claro, e eu estava certa. Polly mentiu. Óbvio. Nick nunca viajou, ele
está naquela casa e Jack sabe.
— Não pode fazer isso!
— Você quase se matou de beber ontem, Alice! — exclama e me olha
como se eu fosse a pessoa mais confusa que existe na terra. Jack parece
preocupado e sei que só quer ajudar.
Mas as melhores intenções geram caos.
— Não pode contar. Nick vai achar que a culpa disso tudo é dele. Não
pode!
— E não é? — O menino se senta novamente na beira do colchão, agora
mais perto da porta, e espera. Talvez queira um bom motivo para não sair e ir
até a mansão dos Thompson.
— Não. Esse problema é meu, Nick não tem culpa, Jack. Eu estou assim
desde que meus pais foram embora de Wiston Hill. É sério, se você contar,
ele vai se culpar e não vai voltar tão cedo.
— Eu entendo e você tem toda a razão, mas todo esse exagero do
Nicholas só existe porque ele se preocupa.
— Sim. E Nick só precisa de um motivo para se afastar de mim, não dê
isso a ele — suspiro. — Por favor.
— Você realmente gosta do Nicholas, não é? — Há doçura em sua voz,
esse menino é mais compreensivo que qualquer outra pessoa.
— Eu não sei, Jack. Eu não sei o que sinto, não sou boa com isso. Mas
não quero que ele fique se culpando por coisas que não tem como consertar.
— Eu não vou contar isso a ele, mas vou falar com ele, Alice. Algumas
coisas aconteceram, nada a ver com vocês dois, por isso Nick está afastado.
— E o que aconteceu? — questiono, soa como uma súplica, estou
desesperada para saber o que de tão ruim ou importante o fez sumir.
— Ele mesmo vai te contar. Acredite.
Bom, eu espero que Nick esteja bem emocionalmente. Depois de revelar
tudo aquilo sobre seu passado, ele me pareceu bem abatido. Eu fico pensando
em como deve ser difícil perder alguém que ama, seja um amigo ou algo a
mais. Imagine nunca poder ver o sorriso da pessoa, nunca mais ouvir a voz
dela, sentir o cheiro, e com o tempo as memórias vão embora. Depois de
anos, deve parecer um borrão, algo inventado, como se nunca tivesse
acontecido. Mas está lá, aquela parte dolorosa de seu passado.
Eu sei como é ter esse tipo de memória, mesmo que ela não envolva a
perda de alguém próximo.
Naquela tarde eu vi nos olhos dele que Elle ainda está presente e não
posso, nem quero, competir com isso. Ele a mantém por perto, seja com seu
medo, sua mágoa, raiva, culpa… Nick não a deixa partir.
Esse é o seu real problema, dentre tantos outros.
— Alice — Jack chama, me fazendo erguer a cabeça para o encontrar
novamente. Noto que está de pé à minha frente. Ele se senta ao meu lado,
suspira, e começa: — Nick e Elle eram muito próximos, mas preciso dizer, há
algo de diferente dessa vez. Entre você e ele. — Sorrio de canto, não sei
como reagir, não gosto que nos comparem, ela obviamente tem parte do
coração dele até hoje e isso não é da minha conta. — Bom, a minha irmã era
do contra. Se minha mãe a mandasse usar um vestido, ela usava calça jeans.
Essa vontade de se rebelar contra tudo a matou, não Nicholas.
Acho que o menino nota pela minha expressão que estou um tanto
confusa com tudo. Talvez eu não tivesse notado nessa semana o que agora
me parece evidente. Me dói, porque sei que Nick não a superou, ele não
consegue seguir em frente. E isso me machuca, porque mesmo negando,
mesmo o conhecendo há tão pouco tempo, mesmo sendo apenas um meio
estranho agora, eu gosto muito desse garoto. Eu gosto de Nicholas Thompson
de tal forma que consigo ser só sua amiga, para não estragar tudo.
Eu consigo não ser egoísta pela primeira vez, porque sei de todos os
nossos fantasmas e sei que se tentarmos algo agora, iremos destruir tudo de
bom que temos. Nós merecemos tempo e merecemos uma chance para nos
recuperarmos. Só mais uma.
E também sei que tenho muito medo de arriscar. Eu não consigo me
entregar, ainda não.
— Senta falta dela, não é? — pergunto, procurando pela mão de Jack, a
agarro com delicadeza e ele aperta meus dedos.
— Todos os dias. Eu sempre acho que Elle vai entrar por aquela porta.
— Ele parece pensativo, um pouco preocupado. — Na verdade, a minha irmã
nunca quis fazer faculdade. Isso gerou muitas brigas também — sorri,
segurando as lágrimas —, e eu sei que ela só queria irritar a todos. Isso a
divertia.
— Mesmo assim, você e Nicholas ainda são melhores amigos...
— Sim, nós somos, apesar de tudo. E pra isso tivemos que superar muita
coisa, eu pelo menos tive.
Concordo, sem realmente querer continuar falando sobre isso. Acho que
ninguém gosta de relembrar. Jack solta meus dedos, deixando minha pele
esfriar, e eu ainda sinto as dores por conta da ressaca. Essas superam tudo.
Elas me destroem, porque me lembram de quem sou de verdade.
Aos olhos de Katherine, sou um problema, e de tanto ouvir isso saindo
por entre seus lábios, aos meus olhos, me tornei a mesma coisa.
E eu tenho que me resolver, porque ninguém pode fazer isso por mim,
nem meus pais, nem Nicholas e muito menos as súplicas de Cherry.
Eu tenho que decidir e eu tenho que tomar uma atitude. Por isso, é tão
difícil.
MOMENTOS SOMBRIOS
"Acordando, cinco e meia.
Sangue no travesseiro e um olho machucado.
Bebi demais, você sabe como eu sou,
mas você devia ter visto o outro cara."
The Weeknd & Ed Sheeran | Dark Times
ALICE WONDERS
O primeiro dia no trabalho novo deveria ser bom ou, pelo menos,
animador, mas servir bebidas no Red Hell me parece um desafio. Eu não
posso tomar um gole sequer e isso está definido.
— Novata! — Thomas se aproxima de mim, atrás do balcão limpo e de
vidro. A casa acabou de abrir. — Animada?
— Nossa, super! — minto e ele nota. Não sou boa com sarcasmo.
— Gostei da roupa — brinca, me analisando.
Tommy se apoia sobre o balcão e sorri de canto. O meu vestido preto
colado e minha meia arrastão parecem adequados à situação. O batom
vermelho já me é um costume.
— Nick sabe que está trabalhando aqui?
— E isso faz diferença?
— Nenhuma — fala. — Mas ele vem ao Red Hell com frequência, será
pego de surpresa.
— Que se foda.
— Tudo bem — Tommy senta no pequeno banco, ajeita o cabelo e
suspira —, o que aconteceu?
— Ah, você não soube? Ele desapareceu por uma semana e agora...
— Como assim, ele desapareceu? — Thomas une as sobrancelhas, uma
marca aparece em sua testa e ele cruza os braços. — Nicholas esteve no Red
Hell, até brigou por aqui.
— Eu quis dizer que ele desapareceu para mim — explico, baixando a
cabeça. — A mãe dele morreu, então, acho que...
— Pumpkin está morta? Espera, me conta isso direito! — exige.
— A Polly entregou um atestado de óbito para o Nicholas. Parece que a
mãe dele morreu de overdose. Não sei…
Tommy ri, o que me é estranho. Ele achou engraçado?
— O que foi?
— Nada. Nada. Só, deixa pra lá. Te vejo depois — diz, se afastando.
Não entendi muito bem, mas não posso me meter em todas as coisas
estranhas dessa cidade.
Passo horas de pé, sem beber, apenas servindo. As meninas dançam em
palcos pequenos, as luzes piscam e brilham. O vermelho domina. E eu o vi
entrar aqui há pelo menos cinco minutos, mas ele não me viu. Nick nem
notou a minha presença, na verdade, ele só se sentou à uma mesa distante,
longe de tudo e todos.
Roxy se prepara para andar até Thompson, quando me ofereço.
— Pode deixar comigo — digo, ela ergue as mãos e se afasta.
Com passos lentos, me aproximo de onde está. Vejo suas mãos estão
juntas, apoiadas na mesa. Os hematomas brilham em sua pele quando as
luzes passam por ele.
Nicholas sabe que onde quer que esteja, se torna o centro de tudo. Todos
— principalmente as garotas — o olham. Ele tem uma atitude que combina
com a culpa que carrega. Acho que antes de Elle, ele era completamente
diferente e agora, tem a chance de voltar a ser real, sem esse passado o
perturbando.
Mas parece que escolher entre seguir em frente e culpar os outros — os
verdadeiros responsáveis — é mais complicado do que parece.
Paro ao seu lado e o pego fitando as minhas pernas.
— O que posso te servir, Thompson? — questiono. O garoto arqueia a
sobrancelha, reconhecendo a minha voz, e me olha. Há surpresa e choque em
sua face, mas ah, seu sorrisinho malicioso retorna.
A cidade é pequena e não será tão fácil ficar longe de mim. Essa é a sua
última chance.
28
IMPUROS
"Você é uma arma carregada,
não há para onde correr.
Ninguém pode me salvar,
o estrago está feito."
Bon Jovi | You Give Love a Bad Name
ALICE WONDERS
TODAS AS RESPOSTAS
"Mas isso é novo pra mim, isso é novo pra você.
Inicialmente, eu não queria me apaixonar,
ter a minha atenção era tudo pra você.
Então não se aproveite,
não deixe meu coração quebrado."
Khalid | Location
NICHOLAS THOMPSON
Solto suas mãos de minha cintura, sabendo que poderíamos andar por ai
em minha moto para sempre. Alice me abraça enquanto eu piloto, e não de
uma forma que a deixe segura, ela me aperta como se eu fosse fugir.
A menina desce primeiro e retira o capacete enquanto faço o mesmo.
— Onde estamos? — pergunta, sorrindo.
— Bom, essa praia é mais isolada.
— Eu não trouxe roupas para nadar.
Mordo o lábio me lembrando da sua imagem no mar, seu corpo coberto
por um biquíni que mal escondia seus detalhes. Ela, com os cabelos soltos e
rindo.
— Não vamos nadar, Wonders. Vamos só conversar.
— Conversar?
— Pare de fazer perguntas.
Ela gargalha, me animando.
— Antes, precisa ser sincero. Não está triste quanto a sua mãe?
Bufo ao ouvir a pergunta e ajeito meu cabelo.
— Estou sim, mas não há nada que eu possa fazer agora, não é? Ela era
a minha mãe e eu a amo, só me resta lembrar disso.
— E vocês farão um funeral, algo do tipo?
— Vamos enterrá-la no domingo. Será uma cerimônia rápida.
— Quer que eu vá com você?
— Com toda certeza.
Noto um leve sorriso, algo que demonstra satisfação. Eu não vou a
esconder, não mais. Ela vai comigo, porque se Pumpkin estivesse aqui, eu já
teria as apresentado. Com toda certeza gostariam uma da outra.
Pego em sua mão, a levando até uma parte mais silenciosa da praia,
perto das pedras, longe do mar, onde o sol não queima tanto e ninguém pode
nos encontrar. Nos sentamos na areia, em silêncio.
— Eu gosto daqui — conto. Alice só me observa, como se estivesse a
admirar algo. — É silencioso. É bom. E depois de ontem, depois de tudo isso,
eu preciso tomar uma decisão e você também.
— Eu sei, Nick.
— E eu não vou usar mais desculpas. Quando eu te conheci eu
sabia, você era diferente. Você é. E eu não queria me apaixonar, Alice.
— Nicholas, cala a boca! — exclama, rolando os olhos. Engasgo em
minhas próprias palavras, me sentindo incomodado. — Você sempre fala
muito, agora é a minha vez.
— Sua vez? — Rio, um tanto confuso.
— Sim. Minha vez de dizer que eu não queria gostar de você e eu não
quero, mas é impossível. E eu não gosto dessa sensação.
Suspiro. Ela nunca gostou de verdade, nunca amou. Alice nunca se
permitiu ficar sem palavras só porque o que sentia era grande demais para ser
descrito.
— Eu não quero ser uma idiota e não quero que você quebre meu
coração. E eu sei que vou correr esse risco.
— Vai sim — completo e vejo-a fazer um biquinho. — Não significa
que vai acontecer. Acha que não temo o mesmo?
— Mas você e essa coisa se dão bem. Você gosta desse sentimento,
Nick!
— Não, Alice. — Estico o braço e aliso sua pele macia, sua face
perfeita. — Eu gosto de você.
— Eu disse que é a minha vez! De qualquer forma, não conseguimos
nos afastar e eu te odeio um pouco por isso.
Rio da forma como rosna ao falar tais coisas.
— Acredite, eu também te odeio um pouco por isso. Tentei me
afastar, eu juro.
— Eu notei. — Morde o lábio.
Ela é meu paraíso mais caótico.
— Eu quero dizer que, posso não ter uma resposta exata para todas as
suas perguntas, Nicholas Thompson, mas te quero. E te quero muito mais que
como amigo.
— Isso já é suficiente, Alice Wonders.
Aperto sua cintura com vontade, quero ter o máximo que puder dessa
garota. A empurro contra a parede, fazendo um gemido leve lhe escapar e
sorrio quando sinto-a suspirar em meus lábios. A porta está trancada, o hotel
vazio, e mal posso esperar para bagunçar a cama perfeitamente arrumada.
Suas mãos quentes grudam em minha camiseta, me puxando, enquanto
nos beijamos intensamente. Nossas línguas se encontram com mais desejo
que antes, parece que admitir o que sentimos mudou tudo.
Alice me pega de surpresa quando me empurra com força, me fazendo
tomar certa distância. A olho pensando em devorá-la, em arrancar seu vestido
de uma só vez, e ela parece selvagem com os cabelos bagunçados.
Perfeitamente perversa e deliciosamente impura.
Eu já sei que transar com essa menina é bem mais que maravilhoso,
porém vê-la me querendo satisfaz o meu ego de certa forma.
— Viemos à essa praia porque queria me trazer à esse hotel, não? —
Morde o lábio. Tento me aproximar, mas ela me afasta mais uma vez. —
Primeiro a verdade.
— Eu queria passar um tempo com você — respondo, estico o braço e a
puxo pela cintura —, sozinhos. E sim, eu sabia do hotel.
Sua respiração aquece a minha face, Alice Wonders me esquenta. Sinto
seu toque, seus dedos deslizando por meus braços, desenhando meus
músculos, e então agarram meu cabelo.
— Você vale muito a pena — sussurro.
— Então me mostra!
Nem sorrio, não consigo. Sua luxúria me pega despreparado e suas mãos
me soltam. Alice recua, por um minuto acho que vai desistir, mas não. Ela
agarra na barra do vestido, o erguendo, e fica apenas de calcinha e sutiã.
Renda, como sempre, tudo vermelho demais. A última coisa que noto é o
tecido que antes a cobria, caindo no chão.
Meus batimentos aceleram, minha nuca gela.
Ela confunde meus sentidos.
Me atiro em sua direção, a encontrando com um beijo violento, ouço seu
corpo bater contra a parede mais uma vez. Ela geme, baixinho, de forma
sensual. Sinto seus dedos em minha jaqueta, Alice a retira com calma, em
seguida, a minha camiseta. Ela a puxa ferozmente.
— Você é muito gostoso — sussurra e lambe o lábio inferior. Seus olhos
brilham, cheios de malícia, e faço o mesmo.
Ah, eu a quero, agora e sempre.
— Achei que isso estivesse indo rápido demais — digo, provocando-a.
Alice rola os olhos, insatisfeita.
— É, pode ser. Mas está bom desse jeito!
Outro beijo ardente, lábios adocicados, pensamentos complexos,
vontades à flor da pele. Wonders agarra em meu pescoço e eu desço,
apertando sua pele, então, belisco sua bunda.
Ela ri. Meu som favorito se tornou sua risada. A ergo, pegando-a no
colo. A menina se encaixa perfeitamente em meu corpo, suas pernas se
prendem a mim, suas unhas arranham minhas costas. Não demoro a levá-la
até a cama.
Alice une as sobrancelhas em dúvida, ela me analisa de cima à baixo,
enquanto retiro a calça.
— O que vai fazer comigo, Thompson?
— Vai descobrir — respondo. Me coloco entre suas pernas e puxo os
fios de cabelo abaixo de sua nuca, aqueles mais sensíveis, a fazendo soltar
um som que deixa a minha ereção mais aparente.
Alice não precisa de muito para me deixar duro.
Ela sorri de canto, sem ter uma mínima noção das coisas que quero fazer
com seu corpo. Ela nem imagina como quero ouvi-la gemer meu nome, em
alto e bom som, enquanto suas pernas tremem. Eu quero ouvir seu último
suspiro e deixá-la sem forças. A menina encontra meus olhos e percebo, ela
quer tudo isso também.
Se dependesse de Wonders, destruiríamos esse quarto. Ela confia em
mim, sabe que posso levá-la ao caos que tanto adora.
Beijo seus seios, sem retirar o sutiã, e antes que a menina comece a
implorar, a puxo pelas pernas, trazendo-a mais à frente, me abaixando entre
elas. Começo com provocações e Alice me observa fazer cada coisa. Um
beijo na parte interna de sua coxa resulta num suspiro leve. Então, a mordo
sem muita gentileza, trilhando essa sua parte, subindo cada vez mais, e em
sua virilha deposito um beijo molhado. Alice inclina a cabeça para trás e
fecha os olhos, esperando pelo prazer.
— Ei — chamo. Suas íris azuis me fitam com curiosidade, grudo em sua
calcinha, colocando-a de lado, vendo sua intimidade tomada por excitação.
— Não feche os olhos — ordeno. Ela faz um biquinho.
Começo a beijando, suavemente, sentindo seu gosto. Alice é doce.
— Nicholas — sussurra, implorando por mais. Implorando por
intensidade. Começo a chupá-la com vontade e eu amo fazer isso. Eu poderia
aproveitar do sabor de Alice Wonders por dias. Ela é incrivelmente deliciosa
e vê-la se perdendo em prazer é a melhor coisa no mundo.
A observo enquanto toco-a com a língua em seu ponto fraco. A menina
deita na cama, agarrando os lençóis. A ouço gemer baixo, ela tenta controlar
os sons que a escapam enquanto brinco com seu clitóris.
A melhor parte de chupar Alice Wonders é a ouvir rindo de forma
maliciosa, e quando isso acontece eu sei que ela está chegando ao paraíso.
Ela está perto.
— Não para — diz, arfando. Sinto seu toque em meus cabelos e ela os
puxa. Como reprovação, agarro em seus pulsos, parando-a. Eu quero realizar
tudo no meu tempo, quero a desesperar, quero a fazer gemer, pedindo por
mais, e então, quero dar a ela o que tanto deseja.
Movimento a língua com mais intensidade, os sons se espalham pelo
quarto, a menina geme sem poder se calar.
— Nick, por favor — pede, mas eu não vou parar. Eu quero que ela goze
para mim, eu quero sentir todo o seu prazer, eu a quero tanto que é
impossível descrever. Suas pernas começam a se fechar, me apertando entre
elas, solto seus pulsos e agarro em suas coxas mais uma vez, a impedindo de
me parar.
Alice geme cada vez mais alto, suas mãos apertam o lençol. Sorrio
contra sua intimidade, já sensível demais, e ela me retribui. Suas pernas
tremem e eu a sinto gozar, mas não paro.
— Nick! — exclama enquanto seu corpo é tomado por contrações. Suas
pernas relaxam e ela tenta me afastar, um tanto impaciente. — Por favor. —
Ri e eu continuo. Quero que ela ultrapasse o limite, sei que estou a destruindo
de uma forma maravilhosa.
Alice agarra em meus cabelos e me empurra com agressividade, me
fazendo rir. Me afasto, obedecendo. Posso a ver ofegante e a menina se apoia
nos cotovelos, encontrando meus olhos.
— Você é maldoso — diz e faz um biquinho nada inocente.
— Tem certeza disso? — brinco, me debruçando em cima de seu corpo,
me encaixando entre suas pernas trêmulas, e Wonders deita no colchão,
sorrindo.
Seus olhos brilham enquanto me aproximo para a beijar. Alice me deixa
tomar seu corpo, sem me empurrar, sem querer ter o controle. Ela me deixa
fazer o que quero.
Pego do bolso da calça uma camisinha, eu sabia que faríamos isso hoje.
A menina senta na beira do colchão e puxa o pacotinho dos meus dedos.
— Eu faço isso, Thompson — sussurra. Sua língua aquece o fim do meu
abdômen, acima da barra da cueca cinza, então, me beija suavemente.
Alice retira a única coisa que ainda me cobre, então, sem desviar a
atenção dos meus olhos, me chupa brevemente, desenhando meu pau com
seus selinhos. Ela me faz arfar. Alice o coloca na boca com gentileza,
sabendo que odeio coisas lentas demais, ela quer me ver perder a paciência,
porque sabe que não sou bom nisso.
Autocontrole não me é um talento.
Wonders me chupa do começo ao fim. Ela faz movimentos de vai e vem
como se tivéssemos todo o tempo do mundo, como se nada pudesse nos
parar.
Agarro em seus cabelos, afastando sua cabeça, tirando meu pau de sua
boca, e ela me olha, satisfeita.
— Para de brincar comigo — ordeno.
— Ou vai fazer o quê? — questiona. Respiro fundo, me segurando para
não a foder com toda a vontade que guardo. Essa garota não sabe com o que
está brincando.
Eu posso a destruir de outras formas e não temo fazer isso. Não mesmo.
A empurro sobre a cama e quando suas costas atingem o colchão, a puxo
pelas pernas para mais perto. Arranco a camisinha de sua mão e abro o
pacotinho, não demoro a vesti-la, tudo parece acontecer rápido demais
quando estou excitado e ansioso.
Wonders ri, daquele jeitinho que adoro ouvir.
Sem muita espera a penetro. Ela geme alto e fecha os olhos quando me
sente. Alice é tão quente e apertada. Ah, eu gosto muito disso.
Ela ainda está geme baixinho, mesmo sem eu estar me movendo.
— Nunca mais brinque comigo — sussurro em seu ouvido antes de
começar os movimentos. Dessa vez, não quero ir devagar, não quero começar
com calma. Eu a quero agora, porque ela me provocou, e ela me provoca
todos os dias.
Em momentos como esse, eu tenho a vingança mais deliciosa.
Entro e saio da menina com agressividade e sinto seu quadril se erguer,
ela quer mais, apesar de já estar tendo muito. Alice finca as unhas em meus
braços, o que deixará marcas fortes.
Me movo com mais dedicação a cada reação de seu corpo. Eu já transei
muitas vezes por aqui, mas com ela é diferente.
A menina sorri quando a penetro com mais força e sinto seus arranhões
desenharem uma trilha até as minhas costas, enquanto se contorce sob mim.
Alice abre os olhos e encontra os meus.
— Você vai me fazer... — fala, enquanto suspira — ...de novo.
Rio ouvindo sua declaração. Alice morde o lábio, mas não para de me
olhar e há algo além de malícia em suas íris. A beijo, intensamente, e
diminuo a velocidade de meus movimentos.
— Ugh — ouço a murmurar e um gemidinho de reclamação a escapa.
Mordo seu lábio carnudo, puxando-o.
— Geme pra mim — ordeno.
— Mais forte — pede em desespero. Agora os arranhões doem um
pouco. — Me fode mais forte.
Eu só queria a ouvir implorar. Isso é delicioso, ela é tão teimosa e certa,
tão irritante e incrível. Saio de seu corpo, sem aguentar os machucados que
causa em minha pele. Agarro em seu braço e a viro de costas para mim, Alice
ri. Porra, eu adoro a sua risada maldosa.
Alice apoia as mãos no colchão e sua barriga continua contra o lençol.
Deito sobre seu corpo, sentindo o calor de sua pele, vendo a tatuagem em
suas costas, a serpente que sobe por sua espinha.
— Para de brincar comigo, Thompson — diz. Agarro em seu pescoço,
sem o apertar, e a penetro mais uma vez, ouvindo todos os sons que saem por
entre seus lábios.
Começo a me movimentar com força novamente e agora, ela encosta a
face no lençol branco, mordendo-o. Ah, sim, eu adoro ver o que causo em seu
corpo.
— Eu adoro foder você, Wonders — sussurro, também gemendo, sem
conseguir me segurar. Ela não me responde com risadas dessa vez, na
verdade, seus gemidos aumentam de volume, Alice vai gozar mais uma vez.
— Droga — soa como se reclamasse, mas na verdade, está gostando. E
ela gosta muito. Mordo sua orelha e noto seu sorriso, Alice está no paraíso e
posso dizer que estamos lá juntos. Ela me leva à loucura.
Fecho os olhos, me deixando tomar pelo prazer, gemendo baixo em seu
ouvido. Seus sons são altos, não ficaria surpreso se alguém batesse à porta.
Alice goza intensamente e eu continuo. A sensação é maravilhosa, cada
vez melhor.
— Droga, Thompson — sussurra, reclamando e querendo mais. Seu riso
volta e, ao mesmo tempo, eu atinjo o orgasmo, caindo sobre seu corpo, sem
conseguir manter a força.
Meus braços tremem, minha cabeça lateja. Fecho os olhos e respiro
fundo, ouvindo-a fazer o mesmo.
— Nick — chama, a respondo com um murmúrio e ela começa a
sussurrar — eu gosto mais de você assim — brinca, se referindo a minha falta
de controle. — E eu gosto muito de você.
Beijo sua bochecha, considerando que talvez, tais falas sejam o efeito de
dois orgasmos e um corpo cansado. Mas eu sei que ela gosta de mim e isso
pode até soar egocêntrico, mas Alice não consegue esconder muito bem.
1991
"Tento encontrar razões para nos separar,
mas não está funcionando porque você é perfeita.
E sei que você vale a pena, eu não posso ir embora."
The Weeknd | Die For You
NICHOLAS THOMPSON
Ela ficou curiosa com a minha ligação e como sempre, insistiu até que
eu lhe contasse sobre o almoço. Eu disse que ia a levar para conhecer alguém,
mas surpresas não funcionam com Wonders.
Ela me pressionou tanto que revelei logo, e no fim, ri da sua reação.
Alice entrou em choque — notei por telefone —, gaguejou e riu. Ela não
acreditou que eu quero a apresentar ao meu pai, ainda mais agora que
estamos juntos, não oficialmente, mas estamos. Então, ficou um pouco
nervosa.
Paro com a moto à frente da fraternidade e a vejo surgir alguns minutos
depois, usando um vestido marrom e tênis.
— Acha que vestido é bom em motos? — pergunto, caçoando.
— Eu me esqueci completamente disso — responde e enrubesce, parada
ao meu lado. — E não vou trocar de roupa.
— Não precisa, está linda.
Alice ainda não se acostumou com meus elogios, ela trava, sem saber o
que dizer.
— Está sempre linda — continuo provocando, tentando a fazer ficar
extremamente vermelha.
Um silêncio estranho nos ataca, então, ela suspira.
— Acha uma boa ideia me apresentar ao seu pai?
— Você me apresentou aos seus.
— É diferente.
— Não, Alice, não é. Acredite. Damon é simpático, completamente
diferente de Polly, mas eu e ele não nos damos bem.
Seu sorrisinho surge, mas ela ainda parece ansiosa com tudo isso.
— E acha que ele vai gostar de mim?
Ah sim, eu rio da sua pergunta, rio com vontade. Alice me encara sem
saber o motivo.
— Isso importa?
Dá de ombros, como se agradar meu pai fosse algo bom. Ele gosta de
qualquer pessoa que não implique com as suas escolhas.
Saio de cima da moto, pego um capacete e me preparo para colocá-lo na
garota.
— Vai me tratar igual criança? — Ela põe as mãos na cintura e faz um
biquinho.
— Você parece uma às vezes — um ugh lhe escapa, o que me diverte.
— Fique quieta.
Assim que a vejo pronta, subimos na moto. Alice agarra em meu corpo,
como de costume, e por alguns segundos me deixo aproveitar do seu toque
cheio de confiança. Ela me aperta, não porque tem medo, e sim porque gosta
disso. Sorrio uma última vez antes de sair.
— Não me mate — pede, baixinho. Isso também virou um hábito.
— Nunca.
SOB A TERRA
"Nunca tive a chance para dizer um último adeus.
Eu tenho que seguir em frente, mas dói tentar."
Sasha Sloan | Dancing With Your Ghost
NICHOLAS THOMPSON
A Red Hell parece bem mais silenciosa agora, como se de dia sua alma
dormisse. Não há luzes coloridas, mulheres dançando, nem bêbados
irritantes.
Entramos enquanto Thomas leva Madison, já acordada, à sua cama. Eu e
Alice paramos no balcão de bebidas, onde ela agora trabalha. A menina se
coloca atrás dele e me encara como se eu fosse um cliente.
— Rum? — pergunta. Sorrio sem vontade e coloco os braços sobre o
vidro.
— Depende, vai beber?
Alice rola os olhos, ela nem se preocupa em me responder, sabe do que
estou falando, sabe que sou chato quanto a isso. Do que adianta estar
apaixonado por alguém e fazer de tudo para não machucar essa pessoa,
quando ela mesma está se matando e tem consciência disso?
Não é justo, não quando ela me cobra o mesmo.
— Você vê os problemas dos outros, você viu o de Madison, mas não
consegue ver o próprio?
— Eu vejo o meu, Nicholas, vejo ele todos os dias. Não acho que seja
uma boa ideia falar disso agora — reclama.
— Eu acho. Aceito o rum, mas e você, vai beber?
Ela comprime os lábios, pensativa. Vejo sua mandíbula, a tensão que
coloca nela. Alice está com raiva.
— Se está brava, me fale.
— Eu não tô brava! — exclama.
Não posso discutir agora. Eu quero que seja sincera comigo e quero que
seja sincera com si própria. Alice merece mais que se culpar por conta das
palavras da mãe, assim como acha que eu mereço mais, que não devo me
culpar por Elle e Wine.
— Não gosto de falar sobre isso, Nick. Eu só queria ignorar essa parte
da minha vida.
— Você quer ignorar uma parte da sua vida ou um problema?
Nossos olhares se encontram e ela parece cabisbaixa. Não gosto de a
ferir, não gosto de deixá-la em pedaços por dentro, mas preciso. Dói menos
que imaginá-la em pedaços de verdade, doente e se matando aos poucos.
Wonders se cala e se afasta do balcão, se afasta de mim.
— Ela está brava — Tommy conta, caminhando pelo corredor agora
iluminado. — Mas não consegue levantar e precisa comer. Vou sair e
comprar algo, ela está muito fraca.
— Tudo bem — Wonders sussurra, segurando as lágrimas, mas não
consegue, algumas escapam e ela se apressa em secá-las.
— Está tudo bem mesmo? — Tommy me olha e depois se volta à ela.
Concordamos, mas o garoto suspeita de algo. De qualquer forma, Madison é
o seu foco agora. Thomas dá de ombros e sai, nos deixando.
O silêncio é irritante, sei que ela está levando em consideração tudo que
eu disse.
— Alice — chamo, mas a menina me ignora —, eu só quero cuidar de
você e quero que se cuide também.
— Você não faz ideia do quanto eu tento.
— Anjo, você trabalha numa casa noturna, vai ter de enfrentar isso todos
os dias. Se quiser me servir rum, tudo bem, mas não vai beber.
Ela finalmente chora, com vontade. Alice deixa a culpa sair através de
suas lágrimas.
— Eu vou parar.
— Não sinto que posso acreditar em você — confesso e ela me encara.
É frustrante.
— Eu vou parar, Nick. Vou ficar sóbria.
— Deveria procurar por um médico, um psicólogo.
— Se as coisas piorarem, eu procuro — diz, secando seu rosto —, mas
eu prefiro tentar sozinha.
— Sozinha não. Eu estou aqui, princesa — ela ri, me deixando mais
calmo — e prometo que vou te ajudar.
A conversa com Madison foi uma das mais reconfortantes que tive nos
últimos dias. Eu sei que a feri, e muito, mas agora esse peso não está mais em
minhas costas.
Ela entende e eu entendo. Enfim, a sensação é boa.
Entro no salão da Red Hell, ainda vazia e iluminada pela luz do sol —
invadindo por janelas grandes o suficiente — que desaparece entre nuvens de
chuva. Tommy me encara com certo nervosismo enquanto Alice rola os
olhos. Devo ter chegado num momento ruim.
— Por que não me contaram antes? — ele exclama, batendo as mãos no
vidro do balcão.
— Eu preciso te lembrar de que não faço ideia sobre o que estão falando
— reclamo, enquanto Alice nega incansavelmente. Ela está chocada com a
reação do garoto.
— Ela bebe! Alice é alcoólatra!
— Eu contei e agora ele está surtando — a menina explica, em seguida,
se levanta e anda até uma das mesas, se afastando de nós.
É complicado. Ela trabalha na parte do bar onde há tudo que não pode
consumir e sei que Wonders não dá a mínima. Ela quer beber.
— Olha, Thomas — me aproximo dele, falando baixo —, ela me disse
que não vai mais beber.
— E você acreditou? Acreditou numa alcoólatra? Tem quantos
neurônios ai, Nicholas? — ele grita, completamente fora de si. — Ela não
consegue se controlar, acha que só porque te prometeu, vai ficar sóbria?
— Ah, vai se foder, Thomas. — Ecoa na voz da menina.
— Você trabalha na minha boate!
Não sei se devo me intrometer, os dois parecem bem nervosos. Madison
surge atrás de mim, ela franze o cenho em confusão, assustada com os gritos
e xingamentos.
— Eu disse que não vou beber! — Alice se aproxima novamente,
encarando Tommy, chegando bem perto.
— Eu duvido muito, mas se eu te pegar tomando qualquer coisa que não
seja água, estará demitida.
— O que você tem a ver com eu beber ou não?
— Eu não quero ver ninguém se matando, garota. Se quer acabar com si
própria, faça isso longe de mim. Eu já vi o quanto bebe numa noite.
— Virou meu pai agora? — ela provoca.
— Já chega! — grito. Há uma tensão excessiva na sala, tomando conta
de tudo e todos. — Vocês parecem crianças. Tommy está certo, Alic, você
não vai beber, nem aqui, nem no Heaven.
— Agora todo mundo quer mandar em mim?
— Alice! — exclamo. — A escolha é sua, mas não pode me obrigar a te
assistir fazendo isso. Não pode me pedir para ficar por perto e, ao mesmo
tempo, se matar aos poucos.
A vejo suspirar e então, ela se senta num banco. Wonders considera as
minhas palavras.
— Isso serve para vocês duas — o menino diz. Thomas pega as chaves
do carro e sai, sem olhar para trás.
Tommy não gosta de discussões, eu nunca o vi se estressar assim. Isso
significa que se importa, mais do que achei que pudesse. Eu sei que ele e
Alice são próximos, nem tanto, mas de certa forma viraram amigos. Agora,
não entendo como e quando ele se aproximou de Madison.
O silêncio nos devora assim que o garoto parte, deixando tudo mais
estranho. Apesar de toda a dor, só consigo pensar na confusão que esse dia se
tornou.
Maddy está corada e forte, mesmo que por dentro esteja em pedaços.
Mas Alice, ah, ela sabe como esconder seus cacos.
— Eu acho que esse dia já está péssimo — sussurro, me apoiando no
balcão. As duas se olham e depois se tornam à mim.
— Esqueci de dizer, mas sinto muito. — Madison solta tais palavras
com certa culpa em seu tom de voz. Ela sempre disse que minha a mãe era a
errada da história, mesmo sendo manipulada por Polly para que concordasse
com isso. Foxx é uma marionete, mas quando está distante daqueles
mentirosos, consegue ver a verdade.
Nada é tão fácil, e assim como Wonders não consegue superar muitas
coisas que evita me contar, Maddy não consegue se afastar da ideia de ser
perfeita.
Ela só quer agradar, mesmo que isso a desagrade.
Suspiro, deixando que suas palavras sumam.
— Preciso buscar minha moto e prometi que ficaria em casa nesse final
de semana. Tenho que voltar para a mansão — minto, eu não tenho, mas
quero paz e silêncio. Polly não vai falar comigo tão cedo, Damon está
sofrendo sem demonstrar e Grace precisa de alguém que não seja a própria
babá.
— Eu posso ir com você, depois fico na fraternidade — Wonders diz,
encostando em meu ombro e me aquecendo com seu calor, chegando mais
perto. — Terá que andar um pouco para chegar ao cemitério e posso te fazer
companhia.
Rio com suas palavras. Ela sempre me anima. Eu já disse, Alice
Wonders é diferente.
— E quanto a você? — Olho para a loura, encolhida num canto
qualquer.
— Eu espero — gagueja. — Vou tentar acalmar o Thomas e peço para
que ele me leve até a fraternidade.
Assinto, sabendo que é mentira. Há algo nos olhos dela, não consigo ler
o que é, mas Maddy só quer ficar.
— Tudo bem então — Wonders responde.
Nós saímos juntos, quietos, e caminhamos assim até não podermos mais
ver a Red Hell, até nos afundarmos no frio que ataca Wiston Hill, enquanto o
céu escurece ainda mais.
— Eu preciso perguntar, você conhece uma Brenda? — ela começa,
andando ao meu lado enquanto seu vestido balança com o vento.
— Sim, minha prima.
— E ela mora na fraternidade?
— Como? — A encaro com surpresa, não falo com Brenda há dias e
mesmo durante o funeral não nos comunicamos. Ela prefere ficar bem longe
da Polly.
— Brenda. Ela está na casa, a conheci outro dia. Bonita.
— Sim, linda e sem noção. Mas, eu até gosto do jeito dela.
Alice ri, andando sobre a beira da calçada, brincando de se equilibrar.
— O jeito dela — repete. — Eu vi as roupas, o cabelo. Ela é bem...
— Independente. Brenda nunca se importou muito com a opinião alheia.
Ela não dá a mínima. Também já dormiu com metade dos garotos do
Campus, principalmente os piores.
— A sua avó aprova isso?
Paro de andar, mas Wonders não nota. Ela dá mais alguns passos e então
percebe. Se vira com calma e as sobrancelhas unidas.
— Ela não fala com a Polly.
— Nunca?
— Só para discutir. A mãe da Brenda foi embora, ela deixou a família
para trás e se casou com um homem nem tão rico.
— A sua família toda é rebelde assim? — pergunta, rindo.
— Mais ou menos. Grace ainda é pequena demais para isso.
— Ah, com certeza não é. Ela me obrigou a ir na festa de aniversário.
Continuo andando e a encontro, passo meu braço por sua cintura e a
ergo colocando-a no chão à minha frente. Alice sorri. Suas mãos se apoiam
em meus ombros e posso ver seus olhos brilhando apenas para mim.
— Eu sei que odeia falar sobre isso, mas, preciso ter certeza. Posso
confiar em você?
Ela rola os olhos e tenta se afastar, no entanto, a seguro com as mãos em
seu quadril.
— Pra ser sincera, não. Não pode, de jeito nenhum. Eu sei que sou uma
boa mentirosa e o que você disse na Red Hell é verdade, não é justo. Mas não
é fácil, Nicholas. Só posso prometer que vou tentar.
— Isso é bom.
— É, parece bom — sorri forçadamente.
AMOR?
"Sim, eu tenho sentido de tudo, do ódio ao amor,
do amor à luxúria, da luxúria à verdade.
E acho que foi assim que eu te conheci,
então eu te abraço apertado
para te ajudar a se entregar."
Ed Sheeran | Kiss Me
ALICE WONDERS
Acordo com o sol entrando pelo vão da cortina. Não está tão calor nessa
manhã, o que explica a coberta sobre meu corpo ainda sem roupas. Pisco
algumas vezes, me acostumando com o ambiente nem tão iluminado. Posso
ouvir vozes pela casa, a de Grace principalmente.
Nicholas não está ao meu lado.
Jogo as pernas para fora da cama e logo percebo, sobre o baú onde ele
deixa alguns livros, há uma blusa marrom de mangas compridas e uma calça
legging preta. Sorrio, ainda confusa, e me visto com rapidez.
Depois de minutos no banheiro, me ajeitando e acordando de verdade,
saio do quarto. A cada passo pelos corredores da casa, eu ouço mais
nitidamente as conversas.
Desço o último degrau e me viro em direção à cozinha, me sentindo ser
devorada pela cor branca dos móveis e paredes. Quinn prepara algo sobre o
balcão, enquanto Grace e o pai conversam, sentados à mesa ao lado da janela.
— Bom dia! — Damon diz com animação. — Espero que tenha
dormido bem. Estamos comendo panquecas.
— Senta aqui — Grace chama e obedeço, exibindo um sorriso.
— Bom dia — respondo baixinho, enquanto Quinn coloca um prato,
cheio de panquecas, à minha frente. — Eu dormi bem, mas não encontrei o
seu filho.
Damon ri.
— Nicholas está no jardim dos fundos, se você descer pela escadaria e
passar pelo gazebo, chega numa quadra. Antes coma algo. Você também,
Quinn, coma algo.
A menina sorri com timidez e se senta ao lado do homem. Entendo os
motivos por trás da raiva de Nick, mas eu — particularmente — não tenho
problemas em relação a seu pai.
Como alguns pedaços de panqueca notando que Grace não para de me
olhar.
— Quer falar algo? — questiono rindo. Ela comprime os lábios antes de
responder.
— Você namora com o meu irmão?
— Não. — Rio mais ainda, um pouco sem jeito. — Não exatamente.
— Como assim?
Percebo que todos querem uma resposta, estão curiosos.
— Nós estamos nos conhecendo.
— Mas você gosta dele?
Os olhos da menina brilham tanto que vejo a verdade neles. Eu vejo a
simplicidade por trás de algo que me nego a aceitar.
— Eu gosto sim, Grace.
Ela apenas sorri, como se já soubesse, só precisava de uma confirmação.
Todos os Thompson tem essa característica, eles cuidam. Ela cuida do irmão,
apesar de ter cinco anos, Damon cuida do que parece importante aos olhos do
filho e Nick, cuida de mais pessoas do que consegue. Ele se culpa por coisas,
ele se preocupa com Madison, comigo, com todos.
Não é justo. Eu prometi que ficaria longe de bebidas e percebo que devo
fazer isso, primeiro por mim e depois, porque eu gosto dele e não quero o
destruir. Já fizeram isso com Thompson em excesso.
Continuo comendo e ninguém prolonga o assunto, me sinto confortável
aqui. Eles me deixam confortável.
— Me desculpe por ontem, a minha mãe tem a necessidade de ser
inconveniente.
— Tudo bem, afinal a casa é dela.
— Não, não está tudo bem. Não aceite isso, Alice. — Seu tom muda. —
Polly sabe ser cruel. Não a deixe.
— Já ouvi isso antes — conto, Damon assente.
— Certo. Ele te avisou. — Parece mais tranquilo, se ajeita na cadeira e
suspira. — Meu filho não trazia garotas para essa casa, nunca, nem mesmo a
Foxx. Polly tinha de a convidar para vir aqui, você entende?
— Não muito — sussurro, encontrando os olhos azuis e escuros do
homem.
— Você, Alice, vai contra tudo que ele já fez. E acredite, eu sei como
meu filho se sente.
— Senhor Thompson...
— Só Damon, por favor — pede. Coro no mesmo momento. —
Entenda, não estou querendo me intrometer, mas eu consigo ver. Nicholas
estava feliz hoje de manhã, ele te trouxe aqui, desafiou a avó. Isso não é
pouco.
Damon só quer ter certeza de que não teremos o mesmo final que ele e
Pumpkin. Afinal, o homem acabou de dizer que entende como o filho se
sente.
Quando termino de comer, Grace já está na sala onde fica a televisão,
vendo desenhos, e Quinn continua comigo, limpando a cozinha. Damon disse
que precisava trabalhar e se trancou no escritório.
Noto uma calmaria anormal dentro de mim. Pela primeira vez, nenhum
impulso me controla, nenhuma angústia me devora.
Ajudo a menina a terminar de arrumar e saio com pressa, seguindo o
caminho descrito pelo homem. Quando chego perto do gazebo vejo Nick e
Jayden jogando basquete, ouço a bola batendo no chão algumas vezes.
— Bom dia! — grito, me aproximando. Os dois param e Thompson abre
um sorriso ao me ver.
— Alice Wonders, na casa do Nick? Quando vão se assumir? — Jayden
ri, segurando a bola. — É sério.
Nick lhe entrega um soco no braço enquanto entro na quadra.
— Um dia, quem sabe? — brinco.
— Eu espero. Nicholas Thompson assumindo um namoro real seria
inédito.
— Cara, cala a boca! — Thompson responde. Ele ri e eu faço o mesmo,
Nick ficou nervoso, um tanto intimidado.
— Não me contou que joga basquete e nem que Jayden estaria aqui.
— Na verdade — o menino se intromete —, eu vim quando soube que a
Polly não estaria. Decidimos matar aula hoje. No ensino médio ela vivia
viajando e a gente jogava juntos, mas agora, Nicholas está terrível.
— Ah, então você é ruim? — provoco, Nicholas me queima com o
olhar, mas morde o lábio. — Deve ser melhor no boxe então.
— Melhor que o Jayden? Com certeza — caçoa.
— Pode parar! Vamos — Jayden diz, o puxando para continuar o jogo.
Nicholas é alguém que me traz calmaria, apesar da tempestade ao nosso
redor. Ele me força a ser eu mesma, sem mágoas ou traumas, sem medo.
Mesmo assim, me apaixonar por ele significa correr riscos, não sei se estou
pronta para deixar meu coração com alguém.
Ao meu ver, a paixão é algo para os corajosos.
Eles continuam jogando, provocando um ao outro enquanto algumas
cestas são feitas. Não entendo nada sobre esse esporte, mas assistir Nicholas
me deixa satisfeita, ele está feliz apesar de tudo que aconteceu nessa semana.
— Se você soubesse o quanto gosto de você. — Me pego sussurrando,
enquanto o admiro.
Ele é tudo que eu poderia ter, é a coisa mais inesperada que me
aconteceu. Meu reflexo me diz todos os dias: Alice Wonders conheceu
alguém na frente de um bar e está com essa pessoa até hoje? Bobagem.
É, nem eu acreditaria, mas eu sabia, eu disse que havia algo de diferente
em seus olhos.
— Ei, Alice! — Jayden chama. — Vem jogar.
— Ah, não, não, não — nego, enquanto Thompson se aproxima e me
puxa para o meio da quadra. Solto alguns risos e ele me coloca sobre seu
ombro, me obrigando. — Eu não sei jogar! — exclamo sem fôlego, as risadas
me fogem.
— É simples. — Nick me põe no chão. — Vamos fazer algumas cestas
ali, daí, ganhamos.
— Quem disse que vamos ganhar? — Coloco as mãos na cintura.
— É, quem disse? — Jayden continua.
— Vamos, você confia em mim, não é? — Seus olhos brilham. Assinto,
mas sei que sou horrível em alguns esportes.
Depois de minutos correndo e rindo pela quadra, vejo Nick roubar a bola
de Jayden. Num movimento rápido ele a passa para mim e, em seguida, me
pega no colo e me ergue para a cesta.
Pontuamos.
— Olha, isso não é justo — Jayden reclama enquanto volto ao chão.
— Não lembro de estabelecermos regras — provoco.
Ele assente com um olhar desafiador. Continuamos e Nick faz outra
cesta, agora sozinho. Corro para seus braços e o garoto me agarra pela
cintura, me entregando um beijo.
— Eu disse que a gente ia ganhar — brinca.
— Quer saber — Jayden se aproxima, alternando o olhar entre nós —,
vocês são um bom time.
— É, nós somos — falo, vendo a dúvida misturada a euforia nos olhos
de Thompson.
Talvez eu esteja aceitando a ideia de que nós somos bons juntos.
Nicholas se afasta e vai na direção de sua garrafa d'água, me deixando
sozinha com Jayden.
— Posso te perguntar uma coisa? — O encaro e percebo seu olhar de
curiosidade. O menino assente com as mãos na cintura. — Você e Christina,
tem certeza disso?
— Certeza de quê exatamente? — Ele me olha como se não entendesse
onde quero chegar. — Certeza de que a amo ou o contrário?
— Certeza de que ela gosta de você. Certeza de que vale a pena.
— Eu tenho sim. — Sorri. Achei que fosse ficar furioso ao me ouvir
falando disso, mas Jayden é compreensivo. Ele sabe que tenho motivos para
perguntar tal coisa. — E você, novata, tem certeza disso?
O garoto aponta com a cabeça para Nicholas, mostrando do que está
falando.
— Até agora, sim.
— Até agora? O que, não sabe se gosta dele? — Ri, como se eu fosse
engraçada, como se a minha dúvida fosse a mais idiota possível.
— Longa história — sussurro.
Nicholas se aproxima aos poucos, ouvindo nossa conversa.
— Bom, eu vou embora antes da festa começar — Jayden diz.
— É só mais tarde — Thompson responde, passando a mão por minha
cintura, apertando-a.
— Não estou falando dessa festa. — A malícia em sua voz é óbvia. Os
olhos do garoto passam por meu corpo, encontrando os dedos de Nick. —
Vejo vocês depois.
— Vai à festa na fraternidade? Sexta-feira — questiono.
— Não seria uma boa ideia.
É a última coisa que o garoto diz antes de sumir de vez pelo jardim de
rosas.
— Jogou bem. — Thompson me puxa, subo minhas mãos para seus
ombros e me coloco nas pontas dos pés.
— Jogamos. Eu e você.
Sinto seus dedos quentes em minha bochecha, fecho os olhos, sendo
tomada por seu toque.
— Sim, jogamos, Alice — sussurra contra meus lábios, então, me beija
com calma.
Fugir da casa foi rápido e fácil, cada um sozinho e com sutileza, e então
estávamos nas ruas de Wiston Hill, com pressa, rindo e falando alto demais.
Era um sonho, como se nada nos afetasse, como se fôssemos adolescentes
normais que gostam de sair à noite.
Como se ninguém nem nada fosse nos cobrar na manhã seguinte, nem
mesmo nossas consciências.
Hannah abre a porta com pressa e a música alta nos consome, assim
como o cheiro doce de morango. A boate parece mais animada hoje, ou quem
sabe, eu esteja. As luzes vermelhas piscam como sempre e as dançarinas se
movem com calma. Os espelhos nos cantos superiores refletem toda a
lascívia presente e Tommy nos encara confuso, de trás do balcão.
— Alice Wonders, não deveria trabalhar? — questiona quando me
aproximo junto do grupo.
— Uma folga? — Thomas semicerra os olhos, pensando. — Por favor!
— Tudo bem. Eu só quero saber quem vai pagar a conta de todos vocês.
— Põe na minha. — Nick se apoia no balcão. — Como sempre.
— E como sempre, você nem paga a sua. Se depender de vocês, eu vou
à falência.
Rio de seu nervosismo, mas Tommy é um dos caras mais legais que
conheci por aqui. Ele é livre e um tanto debochado.
— Depois a gente vê isso — Hannah reclama. — Rum! — ordena.
— Mas, quantos? — Roxy, a outra bartender, se enfia na conversa.
Vejo Jack nos contar com o dedo indicador e reajo antes que ele
termine.
— Eu não vou beber — explico.
— Então, seis — diz.
— Cinco. Também não vou — Nick revela. Sorrio de canto, feliz por ter
seu apoio, mas me sinto incomodada. Sei que ele gosta de beber e sei que por
mim, não vai fazer isso.
— Não precisa — sussurro em seu ouvido.
— Precisa sim, eu não quero. — Seus dedos fortes apertam a minha
cintura e ele me puxa para um lado mais distante, deixando todos para trás,
todos longe de nós. — Eu não preciso, tenho algo bem melhor comigo.
Mordo o lábio, porém Nick não me deixa continuar, ele me beija com
intensidade e nossas línguas se encontram. Nossos corpos esquentam e sinto
o calor em minha nuca, os arrepios em minhas pernas e braços, a vontade.
— Podemos dançar — sussurro contra seus lábios.
— Achei que não dançasse.
— Mudei de ideia — brinco, o levando para o meio da pista vermelha de
dança, onde qualquer um, bêbado o suficiente, se acha o melhor dançarino do
mundo. Mas não nós dois. Nick e eu estamos sóbrios e ele se lembrará do que
eu fizer agora.
Suas mãos na minha cintura parecem tomar firmeza, ele me aperta cada
vez mais. Apoio as minhas em seus ombros, deixando que me guie,
deixando-o controlar meus movimentos, e balançamos juntos, colados.
Olhos nos olhos.
Me afasto um pouco, enquanto Nick me analisa com cuidado, ele nota
cada detalhe do meu corpo. O vestido dança ao meu redor, eu rebolo de
forma sutil. Thompson me assiste, próximo o suficiente. Nós pegamos fogo.
Giro, deixando a música tomar conta. Me movo com leveza, no ritmo certo, e
sei disso. Quando disse que não sabia dançar, não estava sendo sincera.
Nick gosta de ver meu corpo se movendo para ele.
Me deixo ficar de costas para o menino, mexendo o quadril, o
desafiando.
— Você está me destruindo. — Ouço-o sussurrar em meu ouvido, ele
agarra em minha cintura e eu encosto a cabeça em seu peitoral. Nick me
aperta como se quisesse mais. Continuo enquanto ele me sente. — É sério,
Alice.
— Você sempre diz isso, mas eu nunca te destruo de verdade — conto,
me tornando à ele. — Você nunca me deixar chegar lá.
— O que, quer me destruir agora? — Há malícia em seu sorriso bobo, o
percebo arfar quando desço minha mão por seu peitoral, ainda que por cima
de sua camiseta preta.
— Eu sempre quis te destruir, Thompson, mas não de uma forma ruim,
pode acreditar.
— E quer fazer isso agora?
Abaixo meu toque lentamente, porém a música para. E eu também, bem
acima de sua ereção.
— Não. Podemos deixar para depois — brinco. Nick ri animado com a
ideia. Ele me puxa para perto e me entrega um beijo quente.
— Já chega, casal. — Ouço, é Andressa. — Acho que nós podemos
curtir sozinhas agora — explica, me afastando de Thompson. Ela e Hannah,
juntas, são indestrutíveis. Maddy e Margot nos esperam num canto
iluminado, longe de bêbados e dançarinas, mas sob holofotes avermelhados.
— Desculpa — peço, já distante dele, que ri, me deixando partir.
As meninas dançam juntas — e me obrigam a fazer o mesmo, apesar
dos olhares nada discretos —, de qualquer forma, só consigo focar em Nick
enquanto conversa com Thomas e Jack. Nos encontramos algumas vezes e eu
faço questão de sorrir de canto em sua direção.
Uma hora dento da Red Hell não parece suficiente. Me sento numa
poltrona vazia com Madison e respiro fundo. Nunca me senti tão cansada,
talvez porque nunca tenha dançado tanto em festas ou lugares como esse.
Estava ocupada bebendo e hoje vejo isso, apesar da ansiedade ainda estar na
ponta da minha língua. A vontade ainda me consome.
— Eu e Tommy. — Ela começa, sem eu ter perguntado.
— Você e Tommy — repito.
— Nós, bem, eu não sei — termina.
— Ah, não, de confusos já basta Nicholas e eu. Thomas não tirou os
olhos de você a noite toda, Madison. Pode explicar!
— A gente dormiu juntos.
— 'Tá bem — murmuro.
— Ele me ajudou, me fez notar que talvez, Chris não seja uma boa
amiga e também cuidou de mim. Eu não sei, só aconteceu. É errado?
— Não! Não tem nada de errado nisso, a menos que você não tenha
gostado...
— Eu gostei, mesmo. E não foi só uma vez — revela, me deixando
chocada. — Quer dizer, não é algo sério, mas eu gosto de passar o tempo
com ele.
— O que importa é que você gosta e está feliz. Isso é bom, Maddy.
— Certo — ela sussurra e se deita em meu ombro.
— Você sabe que eu transei com ele quando cheguei em Wiston Hill,
não? Prefiro que descubra agora e por mim.
— Relaxa, Alice. Eu sei, ele me disse.
— Que bom, isso é bom.
— Thomas é sincero — explica e percebo que está sorrindo. — Nick
também, caso queira saber.
— Ele não é, mas valeu mesmo assim.
— Ele não mente pra você. — Ela encontra meus olhos.
— Não, ele omite. Mas tudo bem, eu sei lidar com o jeito do Nicholas.
— Que bom, porque ninguém mais sabe.
SEM ARCO-ÍRIS
"Então, por que você tem que atiçar o meu problema?"
Bishop Briggs | Tempt My Trouble
ALICE WONDERS
Quando entro novamente na Red Hell posso sentir minha garganta seca
e sei que água não me ajudará. Os olhos de Tommy me encontram de longe,
enquanto caminho por entre os palcos, no meio de clientes distraídos demais.
Ele parece notar que há algo de errado, ou talvez, seja apenas coisa da minha
cabeça.
Thomas desvia o olhar, então, sinto um alivio momentâneo. Quando
chego perto do balcão não consigo voltar ao trabalho. Eu preciso sair daqui.
Decido ir ao banheiro, aquele onde me encontrei com Nicholas uma vez.
Alexander pode me destruir e eu sei disso.
Tranco a porta, estou trêmula, suando, pálida. É como uma crise de
abstinência. É como uma necessidade. Demoraria mais alguns dias para que
isso me atacasse, mas basta algo dar errado, basta a ansiedade retornar, que
me vejo caindo. E sem ar.
Eu preciso de uma bebida.
Eu preciso de qualquer bebida que seja, agora mesmo.
Mas não posso, não agora. Eu prometi a Nick, eu me prometi, eu
prometi que não precisava mais disso. Eu disse e repeti. Eu enfatizei. E eu
sabia que não seria fácil.
Jogo um pouco de água fria no rosto, tentando afastar o sentimento,
tentando me fazer não sentir nada. Eu quero ficar dormente, quero ficar
anestesiada. Meu coração acelera e me lembro das palavras de Alex. Tenho
certeza de que Polly o chamou, sei que ela deve ter ouvido sobre a visita
inesperada, sobre o relacionamento desastroso.
A única maneira de destruir algo novo é com outra novidade.
E eu ainda preciso de uma porra de uma bebida.
Me olho no espelho e tento me controlar, tento respirar fundo, mas
parece que o ar está sumindo, parece que vou cair. Minhas pernas ficam
bambas, o suor frio escorre por minha nuca.
Foda-se.
Saio pelos corredores mal iluminados decidida a acabar com essa tensão,
com essa dor aguda, mesmo sabendo que ela só causará mais danos. Mesmo
sabendo que estou tomando a decisão errada. Atrás do balcão, Roxy parece
distraída e Tommy já sumiu. As outras meninas andam pela casa, se
misturam a clientes e dançarinas.
Agarro uma garrafa de rum e a puxo da prateleira, sem chamar atenção.
Que merda, que merda, que merda. Meu consciente grita comigo, me
pede para parar, ordena para que eu me controle. Mesmo assim, o suor ainda
escorre por minha nuca. Eu sei, estou me destruindo aos poucos. Eu não me
julgo enquanto ando até a sala onde guardei a minha bolsa e escapo pela
porta dos fundos.
Eu calo todas as vozes da minha mente ao caminhar pelas ruas de
Wiston Hill. Agora, só me resta a escuridão.
Estou quase apagando quando ouço algumas batidas à porta, o chão frio
queima minha bochecha. Ergo a cabeça, notando ainda estar no banheiro,
ainda estar presa a todo esse pesadelo e pior, completamente bêbada, tomada
pelas escolhas erradas.
— Alice? — A voz é familiar. Nicholas bate mais algumas vezes. —
Alice abre a porta, por favor. — Posso notar a preocupação e o nervosismo
em seu tom.
— Ela está ai há minutos, eu não sei o que aconteceu. — Ouço Andressa
dizer, mas me sinto distante. A dor se tornou física. Me encolho no chão.
Vejo tudo borrado, estou sem foco, sem nada. Apenas perdida.
— Alice! — ele pede mais uma vez e eu quero responder, mas não
consigo.
— Alice, abre a porta — Andressa tenta. Me ouço grunhir um pouco,
então, começo a chorar mais uma vez, sem emitir som algum.
Fecho os olhos com força e me deixo ser consumida pela dor no
estômago. Meu corpo parece querer desligar, minha cabeça gira.
Eles falam algo do lado de fora, ouço seus passos e suas vozes. Me ergo
com dificuldade, mas meu braço não me obedece, não consigo agarrar a
tranca. Volto a atingir o chão e acabo batendo a cabeça na parede.
Um zumbido surge em meus ouvidos.
De repente, um estrondo me faz olhar para a porta agora
aberta. Thompson a arrombou.
— Alice — Nick sussurra, entrando. — O que aconteceu?
Não posso responder, não consigo, a bebida e a queda me afetaram. Eu
deixo as lágrimas me dominarem.
— Me conta. — Ele se abaixa ao meu lado, segurando em meus ombros,
implorando por uma resposta.
— Eu não consegui, me desculpe — peço. — Eu juro que tentei, eu não
consegui. — Vejo a confusão em seus olhos, então, ele encontra a garrafa no
chão, ao meu lado. Nicholas bufa, mas não me repreende, o que não entendo.
Ele me abraça com força, muita força.
— Está tudo bem. — Ouço-o sussurrar em meu ouvido, enquanto sinto
seu cheiro.
Eu não queria contar a Nick que Alex está na cidade, que meu ex sabe
coisas sobre mim que ninguém deveria. Coisas que não são segredos em
Nova Iorque. Pior que tudo isso é contar que Polly Thompson o trouxe para
Wiston Hill por um motivo. Alexander morava com o pai e a madrasta no
Texas, se mudou depois da formatura, e não veio para cá pelas notas ou pela
chance de estudar em um lugar bom. Seu pai deixou claro, não pagaria uma
Universidade como essa para um aluno nada dedicado e com notas fracas.
Uma bolsa, com certeza. Porém deve haver alguma condição, alguma
coisa por trás.
Me sento num dos bancos na frente do prédio principal, deixando o sol
esquentar a minha pele. Nick disse que me encontrará mais tarde. Assim que
a aula terminou, ele se despediu e prometeu que não irá interrogar a Polly, só
então me vi livre de seu olhar curioso. Ele quer saber o que me afetou tanto.
Apoio as mãos na mesa e deixo meus pensamentos voltarem com calma.
Respiro fundo, cravando as unhas na madeira.
— Alice. — Soa baixinho, ao meu lado. Me viro e vejo Jack me
observando com certa preocupação. — Aconteceu de novo?
Mordo o lábio para conter a minha raiva, Nick não precisava ter
contado, ele não precisava ter espalhado a minha vergonha. Não preciso, e
nem quero, uma babá.
— Espero que isso não chegue nos ouvidos da Hannah...
Ele suspira e se senta à minha frente.
— Não vai, acredite. Namoramos, mas essa sua questão não tem a ver
com a gente. Só me conta.
— Nicholas te mandou bancar a babá? Ou te pediu para me interrogar
sobre ontem?
Jack ri e nega brevemente.
— Nada disso. Ele só me pediu para ver se você está bem, nós três
sabemos que você não conta algumas coisas pro Nick.
— Ele não precisa saber de tudo.
Jack não insiste, ele balança a cabeça em concordância, mas não fala
algo sequer. Noto sua roupa, a regata e a calça preta rasgada nos joelhos.
Seus olhos castanhos brilham com a luz do sol e ele encara as pessoas que
andam pelo Campus, deixando o silêncio tomar conta por alguns segundos.
— Aluno novo — diz, apontando com a cabeça para a pessoa já
conhecida. Alex caminha pela calçada entre árvores baixas, mas não me vê.
Jack me encara mais uma vez, ainda esperando.
— Eu costumava gostar de ter privacidade — reclamo. — Alex. Esse é o
nome dele e só vou te contar isso.
— Você não quer me contar só isso.
Bufo, pronta para me levantar. Apoio as mãos na mesa e me inclino para
frente num impulso, mas o garoto segura em meus dedos, quase ordenando
para que eu me sente.
— Alice.
— Jack — revido, nervosa. — Por favor.
— Eu juro que se me contar vai se sentir melhor.
É uma opção, não consigo lidar com mais culpa, minha cabeça dói de
pensar em todas as consequências e tudo que ainda pode acontecer.
— Ele era meu namorado. — Me sento novamente, sem vontade
alguma. Arriscar me parece ser a melhor coisa agora. Então, arrisco confiar.
— E ele é um idiota.
— Se viram ontem e discutiram?
Rio nasalado, debochando da ideia que aparece na mente de Jack. Não
discutimos, ele literalmente me ameaçou.
— Olha, é uma longa história. Namorei com Alex, acabei encontrando
ele e a minha amiga juntos na cama. — Jack tenta falar algo, mas volta a
fechar a boca. — Depois disso, ele se forçou a acreditar que tinha me
magoado, mas não aconteceu. Então, me perseguia por ai, tentando se
desculpar. Quando finalmente consegui me afastar de toda essa merda —
noto meu tom de voz alterado —, ele veio morar aqui.
— E o que isso tem a ver com Polly Thompson?
— Alex não tinha notas boas, não era um aluno exemplar, mas ele
recebeu uma ligação e se mudou para Wiston Hill. Estranho, não?
Jack pensa, considera a minha ideia e, por isso, começo a suar. Se essa
versão que crio em minha mente é considerável, só posso esperar pela
tempestade que Chris acredita estar à caminho.
34
ESQUELETOS NO ARMÁRIO
"Não importa com o que você tente disfarçar sua casa.
Nós sabemos o que acontece dentro dela."
Melanie Martinez | Sippy Cup
NICHOLAS THOMPSON
Meu braço dói e meu corpo pede por um intervalo, mas continuo
socando o saco de pancadas como se ele fosse a fonte de todos os problemas.
Não os meus, nem os da minha família. Como se ele fosse os problemas da
Alice, aquilo que a machuca, que a destrói.
Eu preciso me desfazer da raiva, porque ela me consome. Ela sempre me
consumiu. Wonders não é a única escondendo esqueletos no armário.
Meus dedos imploram, não uso luvas dessa vez, apenas um tecido
enrolado em minhas mãos. Não preciso de proteção, eu quero sentir o
impacto.
Fiquei extremamente preocupado quando a vi no chão do banheiro e
encontrei a garrafa ao seu lado. Ela me disse que havia batido a cabeça, sua
mão apertava o lugar com força. E Alice não demorou muito para apagar
depois de voltar ao quarto.
Continuo a treinar, com movimentos nem tão planejados, usando de toda
raiva que durante anos aprendi a controlar.
— Não acha que está pegando pesado? — Ouço a voz, porém tenho
certeza de que a academia está vazia. Ninguém treina em horários como esse,
especialmente quando o sol queima do lado de fora.
Respiro fundo ao parar, me sinto ofegante.
Encontro os olhos castanhos me encarando como se tivéssemos total
intimidade. A menina analisa meu peitoral, depois volta a fitar meus olhos.
Examino seus detalhes, os cabelos soltos e cacheados, a pele negra, as
sobrancelhas bem desenhadas. Não a conheço.
— Sou Juliet Rhodes.
— Nicholas. — Ando pela sala e agarro uma toalha, seco meu rosto com
ela enquanto o silêncio se torna irritante.
Juliet ainda me olha da mesma forma que todas as garotas me olham,
porém esse não é um bom momento, além disso, estamos sozinhos. Antes
esse não me era um problema, eu adoraria ter tais olhos presos à mim,
adoraria me divertir com qualquer uma que fosse, mas agora, Alice Wonders
é a única que vejo sempre que fecho os olhos.
— É nova? — questiono, fazendo-a balançar a cabeça para se desapegar
do que quer que estivesse imaginando. A garota assente. Desço meus olhos
por seu corpo, vejo o macacão jeans e o top preto por baixo dele.
— Acabei de me mudar. Fiquei sabendo que essa academia é de graça,
faz parte do pacote? — Seu dedo indicador aponta para mim, me desenhando
de cima à baixo, noto o deboche em sua voz.
— Não sei se ainda está falando da academia — brinco e Juliet ri. Eu me
esforço para não deixar minhas palavras soarem como um flerte, mas sei que
falho. — Sim, os estudantes podem treinar aqui de graça.
— E ela está vazia? — Franze o cenho dando um passo à frente.
— Muitos estudantes têm academias em casa — caçoo. — Você luta
boxe?
— Não exatamente. Sou corredora, sabe, velocista. Mas, às vezes, me
exercito em lugares fechados.
Por algum motivo as palavras de Juliet saem com uma sensualidade
estranha. Ela não é direta, entretanto, posso notar o que sente e o que deseja
em sua voz. As expressões faciais da menina acabam a entregando, o que me
ajuda a fugir de suas cantadas.
— Temos um ótimo time de corrida. Talvez possa fazer parte. — Visto a
camiseta, incomodado com seu olhar vidrado em meu peitoral.
— Pode ser. E você?
Quase engasgo quando ela me pergunta isso. Eu sei que não quer falar
sobre esportes, mas prefiro acreditar que estou sendo malicioso. Digo a mim
que nem a conheço — e minha consciência sabe que isso não funcionou com
Alice.
— Eu luto boxe. — O óbvio. — E preciso ir.
A novata sorri uma última vez, como se não precisasse dizer tchau,
como se soubesse que vai me encontrar em breve. Sigo meu caminho, a
deixando à vontade.
Quando chego em minha moto, o telefone toca. Damon. Atendo sem
animação alguma, notei que ele e Alice se deram bem, o que me deixa
satisfeito, porém a história muda quando se trata de nós dois sozinhos.
— Nicholas, está tudo bem?
— Há algum motivo por trás dessa pergunta? —
Ele bufa.
— A sua avó insistiu para que eu ligasse, disse que sabia que se fosse
ela, você não atenderia.
— Pelo menos a Polly tem noção de algumas coisas.
Damon ri baixinho, para que eu não ouça.
— Ela vai dar um jantar hoje. Parece que vamos convidar os alunos
novos, esses que acabaram de se mudar.
— Polly vai fazer um jantar para os alunos novos? Não me lembro de ter
feito isso para Alice. Esses são especiais? — Penso em Juliet, seu corpo
atlético e seu olhar misterioso.
— Olha, eu não faço a menor ideia, Nick, mas venha, por favor. Pode
trazer a Alice se quiser.
— Não acho uma boa ideia. Mas eu vou.
Nos despedimos rapidamente, então desligo. Wonders deixou claro que
Polly fez algo, ela não me contou o quê, nem quis falar sobre. Talvez acredite
que ao deixar passar estará me protegendo da raiva que posso sentir.
Quando será que ela vai entender? Nada fica escondido para sempre em
Wiston Hill.
Entro no Heaven Bar sem vontade alguma de beber, mas preciso respirar
um pouco e, por incrível que pareça, só faço isso em lugares assim. Hannah
logo me vê e acena com a cabeça, me chamando.
— Ficou sabendo? Alunos novos. Parece que esse ano será...
— Caótico — a interrompo.
— Alice foi só o começo. Essa cidade, ela é oito ou oitenta.
— Qual a sua teoria agora?
Hannah sorri de canto, coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Quando algum caos acontece por aqui, ele atrai mais e mais. É como
uma bola de neve, rolando ladeira abaixo. Daí, ela atinge alguma coisa. Todo
mundo fica em choque ou luto, se recupera e voltamos ao início. Calmaria,
novidade, caos. Bola de neve.
— Só porque foi assim na época da Elle e Wine, não significa que...
— Para de mentir. — Rimos juntos. — Até outro dia você tinha medo
do que poderia acontecer. Sabe que é verdade, Nicholas.
Concordo e bebo.
— Pode ser. E os Thompson sempre estão envolvidos.
— Um brinde a isso. — Hannah enche um copo e brinda sozinha.
Tecnicamente, ela não pode beber enquanto trabalha, mas ninguém se
importa.
Continuo quieto quando a garota vai até uma das mesas, levar cervejas
para dois clientes. Fico pensando em Alice chorando, sentada no chão do
banheiro. Fico pensando em como ela pediu desculpas.
Não sei como a ajudar, mas quero. Eu quero muito.
A porta se abre e vejo uma loura conhecida entrando. Chris está dentro
de um vestidinho vermelho e se aproxima de mim assim que me vê.
— Nicholas, bebendo à essa hora? — pergunta. Eu rolo os olhos. — Já
conheceu os novatos?
Seu sorriso parece falso, planejado.
— Devem ser bem importantes, já que todos não param de falar deles.
— Ah, são ricos — brinca e ajeita um fio do meu cabelo, me fazendo
recuar. — E a Polly os chamou para estudar aqui, sabe?
Ah sim, Alice estava certa, Polly fez algo e agora começo a entender. Só
me falta descobrir a relação entre ela e os novatos.
— Chamou, é? E sabe o porquê?
A garota dá de ombros. Nos encaramos de uma forma estranha por
alguns segundos e percebo quando ela se afasta e muda de expressão, como
se estivesse desconfortável.
Entendo sua reação quando vejo Mateo saindo do banheiro e indo até
ela. O menino anda pelo Heaven como se fosse alguém especial. Na verdade,
ninguém gosta dele, a fama que conseguiu durante o colégio foi a pior
possível. Se eu era o problemático que dormia com todas as garotas e
quebrava corações, Mateo era o idiota, um babaca que adorava brigas e
confusões.
Ele agarra Chris pela cintura e me encara friamente.
— Thompson, falando com a minha namorada?
— Não era noiva? — provoco. Ele cerra o punho e sorri de canto.
— Continua sendo um imbecil. Um imbecil que se acha mais do que é.
Rio de sua fala idiota.
— E você continua sendo um filho da puta — digo e me viro para ele,
posso ver a tensão em sua mandíbula. — Precisava ir atrás da Alice?
Há deboche misturado a superioridade em sua face. Eu sei quem ele é de
verdade, todos sabem, porém nada se compara ao que Christina Vender sabe.
Ela, forçada a ficar com esse idiota, forçada por si própria, por seu orgulho e
desejo de agradar os pais.
Acho que todos nós temos esse problema em Wiston Hill, a perfeição.
Ela não é boa, ela não existe e a busca por essa, machuca. A perfeição faz
Maddy se ferir, a perfeição faz Chris se submeter a situações como essa, a
perfeição faz Andressa se esconder depois da maior vergonha da sua vida.
A perfeição que nunca alcançaremos. Wiston é dividida entre os que a
buscam e os que não a desejam.
Tudo isso, porque se tem medo de errar e desagradar. Se tem medo de
quebrar um padrão, um estereótipo enfiado em nossas mentes desde crianças,
uma história criada por uma falsa utopia e sua alta sociedade, que sempre
gostou, e sempre vai gostar, de se destacar, dessa vez, através de seus
filhos imperfeitamente perfeitos e quebrados.
E isso me faz lembrar de que todos nós sofremos com as consequências
das mentiras que vivemos.
— Mateo, do que ele está falando? — Chris se intromete depois de notar
o silêncio estranho. Ela está claramente confusa.
— Nada.
— Nada? Conte a ela sobre como falou com Alice.
Posso notar que Vender cora no mesmo instante, um tanto chocada. Ela
tenta se afastar do menino, mas ele a segura, ele a puxa de volta a deixando
sem jeito.
— Vamos — ordena e praticamente a arrasta para fora do bar.
Eu nunca gostei de Mateo Price, um dos motivos é como ele trata as
garotas ao seu redor e o outro, é como ele trata Christina, especificamente. Eu
sei que ela finge gostar dele.
Se tudo isso fosse real, Jayden não estaria na história.
Ando até a minha cama, ainda no dormitório, e quando me jogo no
colchão não posso evitar esfregar o machucado em meu ombro, causado por
uma queda boba de moto, enquanto tentava sair do Heaven Bar.
Encaro Jack, porém ele não me olha. Está sentado na cama, desenhando
algo.
— Alice... — tento, sei que eles conversaram.
— Não me pergunte, não vou contar — diz, sem erguer o olhar.
— Eu só preciso saber se ela está bem, Jack. Por favor — imploro.
Agarro na barra da camiseta e a retiro, irritado com o silêncio do menino.
Quando jogo o tecido no chão, volto a encará-lo. — Jack!
— Não, Nicholas! — exclama. Ele está sério e finalmente solta o lápis.
Jack me fita como se eu fosse o culpado. — Ela não está bem e ela precisa de
ajuda, mas não posso simplesmente te contar. A vida não é minha.
— Alice não vai me contar — comento baixo.
— Já tentou perguntar?
Nego. Eu sei que ela mudaria de assunto, que ela não me deixaria
descobrir o que minha avó realmente fez.
— Só fala com ela e — ele suspira — cuida desse braço.
Então, me dou conta de que não foi um ferimento idiota, eu consegui
ralar do ombro para baixo, esfolando minha pele. Quando o olho, sinto a dor
que até segundos atrás estava dormente.
— Merda — murmuro, levando a mão para cima do machucado,
tentando fazê-lo parar de sangrar. — Eu tenho que sair hoje, que merda! —
Me permito gritar.
— Você caiu da moto — Jack diz e, por um momento, penso em socar a
sua cara. É o óbvio. — Você nunca cai, a menos que esteja desconcentrado.
Aconteceu alguma coisa?
Rio nasalado, debochando da sua pergunta. Ando até o banheiro, me
segurando para não quebrar qualquer objeto que seja. Não vou o responder.
"Aconteceu alguma coisa?"
A resposta deveria ser tão clara quanto meu machucado é, quanto a
tristeza da Alice é. Ou seja, essa questão é desnecessária, aconteceram muitas
coisas.
— Nicholas! — Jack exige uma resposta, mas me distraio jogando água
fria sobre a pele rasgada. Noto ter ralado o braço e antebraço, porém, o
ombro ainda é a pior parte. Ele arde e não para de sangrar. — Nicholas! —
exclama.
— O que foi? — grito, saindo do banheiro. — Quer saber o que
aconteceu? Tudo! Alice, minha mãe, minha avó! Tudo, Jack!
Ele suspira. Meu braço arde tanto que fica difícil respirar, a dor é
enorme, mas acredito que ela não seja apenas por conta do ferimento. É como
uma somatização.
— Eu sempre esqueço que a sua mãe morreu — diz. Sua frase me faz
estremecer. Todos esquecem, foi rápido, passageiro e então, Pumpkin estava
enterrada. Ninguém se lembra de detalhes, até porque ela havia sumido há
anos. A sua morte foi apenas um final para essa história idiota.
— Tenho que jantar com a minha avó hoje.
— Algo especial? Alunos novos, por exemplo?
Assinto. Todos sabem quando alguém “importante” chega à Wiston Hill,
todos comentam. Foi assim com Alice, mas dessa vez parece algo ruim —
particularmente falando — e a Polly está animada com isso.
Me calo e me sento na cama, tentando imaginar o que ela planeja.
— Eu não posso te contar tudo, mas um desses alunos conhece a Alice
— meu amigo revela, se coloca de pé e me encara. — E ele é parte do
motivo.
Respiro fundo. Juliet não deve estar envolvida, ela parecia mais
interessada em meu abdome, mas não por ter más intenções.
— São dois alunos e a minha avó vai fazer um jantar para eles.
— Me diz, quando a Polly fez um jantar para alunos novos antes,
Nicholas? Há algo de muito errado nisso, entende?
— Eu sei, Jack. Pensei nessa merda o dia todo.
— Já conheceu algum deles? — O garoto se senta na cama à minha
frente e me encara, séria e friamente.
— Juliet Rhodes. Ela é simpática.
— O outro chama Alex, conhece? — Encontro seus olhos. Sim, eu sei
quem ele é.
— Cherry Wonders veio à Wiston Hill com um tal de Alexander. Isso
faz um tempo.
— É esse mesmo. — Fico boquiaberto, então, ele é a tal novidade que
fez Alice se perder em tristeza e desespero, que a fez, por algum motivo,
voltar a beber. Me lembro de ter me contado sobre esse relacionamento e
como ele era ruim, mas não sei o que realmente aconteceu entre os dois. —
Parece que Alex vai estudar aqui.
Não tenho o que dizer, tudo que mais quero é chegar naquele jantar e
descobrir o que Polly esconde. Pode ser algo inocente, talvez tenham o
aceitado pelas boas notas, mas sei que nada simplesmente acontece em
Wiston Hill.
PERGUNTE!
"Se eu dissesse que te amei,
diga-me, o que você diria?"
The Neighbourhood | The Beach
NICHOLAS THOMPSON
Juliet começa a falar quando nota que não vou puxar conversa, não vou
pedir pela verdade.
— Esse lugar é sempre tão quieto?
— Às vezes — digo, sem ânimo algum.
Ela arqueia a sobrancelha e acelera o passo, me passando. Juliet se vira
para mim e começa a andar de costas, há um sorriso estranho em sua face.
— Alex e Alice namoravam.
— Já sei disso — conto e seguro em seus braços, temendo que caia.
— Ele disse para o pai que ia viajar até Nova Iorque há um tempo,
acontece que eu sei a verdade. Alex veio para Wiston Hill, não foi? — Não
respondo, mas noto ainda estar segurando em seus braços. — E ele ama a
Alice de uma forma estranha. Só falava dela e só pensava nela.
— Alice me contou sobre os dois.
— Ah, que bom. Enfim, eu nunca a conheci, sou do Texas e minha mãe
nunca viajou até Nova Iorque. Conheci Alex há alguns meses, quando foi
morar com o pai. Ele é irritante e imbecil quando quer, e nem precisa se
esforçar muito.
— Eu preciso te perguntar, Juliet, por que vieram para cá?
Ela se solta de mim e ajeita o cabelo. Então, um suspiro leve surge.
— Me pergunto a mesma coisa. De repente, recebemos uma ligação
oferecendo bolsas para Wiston Hill. Duas bolsas. Não podíamos recusar, não
é? Alex com certeza não poderia.
Agora eu entendo. Eles foram chamados por alguém e depois de ter sido
criado nessa cidade, eu sei que nada acontece por acaso. Não foram apenas
bolsas, foram oportunidades. E para Alex não é apenas a chance de estudar na
tão famosa Wiston Hill University.
— Agora, quanto a você e Alice, namoram? — Aquele tom sensual
retorna e Juliet não sabe ser sutil.
— Não.
— Então, está solteiro? — Rio junto dela.
— Também não.
Juliet franze o cenho, entretanto, não questiona. Eu não sei explicar e
fico satisfeito por ela não querer explicações longas, iguais as que eu quero
sobre seu meio-irmão.
VOCÊ DISSE...
"Silêncio, não se preocupe,
porque estou trazendo uma máscara.
Sim, todo mundo tem um disfarce."
K. Flay | The President Has a Sex Tape
ALICE WONDERS
O DESASTRE PERFEITO
"Porque eles vão te perseguir até a escuridão.
Sim e eles vão perseguir você até você cair.
E eles vão te perseguir até o seu interior.
Até que você não possa mais rastejar."
KALEO | Way Down We Go
ALICE WONDERS
Nick demora para sair do quarto, enquanto isso, sinto meus pulmões
queimarem quando respiro. Adrenalina. Me encosto numa das paredes
extremamente brancas do segundo andar da casa de Polly e baixo a cabeça.
Eu não acredito que joguei o mesmo jogo que ela, que a respondi à
altura sem precisar ser rude ou mandá-la ao inferno.
A luz alaranjada do entardecer entra por uma das grandes janelas,
iluminando o corredor. Respiro fundo, ouvindo a porta se fechar.
— O que foi aquilo? — ele me pergunta e não posso evitar sorrir ao
olhar em suas íris.
— Ela não vai jogar comigo. — É tudo que consigo dizer. Nick parece
animado. Ele sorri e assente, me analisando. — Alex está certo, eu não sou
boa.
— O que quer dizer?
— O que você ouviu, mas não da forma que ele acha. Eu não sou trouxa,
já chega.
Assim que termino a minha declaração, me sentindo mais certa do que
nunca, suas mãos seguram em minha cintura. Nicholas se aproxima com
rapidez e me pressiona contra a parede.
— Eu não quero que seja boa, confesso que gosto de quando é sincera e
um tanto cruel.
— Que bom. Eu posso ser muito, muito cruel. — Nossos lábios se
encontram e seu beijo quente me consome.
Nós não somos bons e disso todos sabem, estamos cansados de correr
contra os comentários, contra as regras. Basta jogar o jogo. Ser boazinha não
me ajuda em nada.
AINDA
"Estávamos muito perto das estrelas,
nunca conheci alguém como você,
alguém caindo tão forte."
The Neighbourhood | Reflections
ALICE WONDERS
Adentro meu quarto com pressa e dou de cara com Hannah e Andressa,
as duas me encaram como se eu fosse um fantasma, uma surpresa, algo
inesperado.
— Eu moro aqui também — digo, notando os olhares estranhos. — No
caso, quem não mora aqui é você. — Aponto para a menina de cabelos azuis
e ela semicerra os olhos, fazendo um biquinho.
— A gente estava falando de você — a ruiva confessa.
— Sobre mim? O que foi dessa vez? — As ignoro um pouco, jogando a
mochila sobre a cama e deixando os fios molhados se soltarem do coque.
— Você e Nicholas, certo? — Hannah brinca. — Quando vão se
assumir? É sério, já está óbvia essa relação, Alice.
A encaro com certa seriedade.
— Você veio até aqui me perguntar sobre o meu relacionamento com o
Nicholas?
Seus olhos brilham, cheios de malícia.
— Não, eu vim ajudar com a festa, mas as meninas da fraternidade são
rápidas. Já arrumaram tudo... Acabei encontrando a ruiva e começamos a
conversar.
— Conversar sobre mim?
— Exatamente.
— É ótimo saber que vocês não tem vidas. Sério, vamos falar sobre você
e Jack! — Rio e Hannah rola os olhos.
— Só estamos curiosas. Vocês dois parecem bem próximos, mas não te
ouço falando dele. Quer dizer, não mais — Andressa explica.
— Você estava bem ausente. Nós dois estamos juntos, como
exatamente, eu não sei, mas juntos.
— Namoram? — Hannah se joga na minha cama e me fita.
— Não. Não namoramos.
— Então o quê? — Andressa questiona.
— Nós estamos juntos, eu já disse. E ele — um suspiro me escapa —
disse que me ama.
— Nicholas Thompson disse que te ama? — Hannah parece chocada, o
que me faz apenas assentir, sentindo minhas bochechas queimarem. — Isso
aconteceu mesmo? Não consegue perceber?
Dou de ombros, mentindo. Elas se entreolham, então, me olham.
Eu consigo perceber que o amo, mas não posso contar ainda. Bem, não
quero contar.
— E vocês só estão juntos, mesmo depois disso? — A ruiva continua,
usando um tom mais doce, diferente de Hannah. Balanço a cabeça em
concordância. — Certo. Interessante.
— Interessante? — Hannah ri.
— Olha, a vida é minha, vocês podem parar de comentar sobre ela como
se fosse uma série ou um livro que acompanham? Nós estamos juntos, Polly
Thompson me odeia e Chris Vender deve estar planejando uma vingança
agora mesmo. Essa é a temporada mais atual da minha vida.
— Bom, daria um ótimo roteiro — Andressa solta, me obrigando a rolar
os olhos.
Me arrasto até o banheiro e fecho a porta com força, mas ainda posso
ouvir Hannah Lewis dizer:
— Não vai escapar, Wonders, temos uma festa!
Um sorriso surge em meu rosto. Elas me irritam, mas, em tão pouco
tempo, se tornaram extremamente importantes para mim.
O QUE QUEREMOS
"Quando eu puser meus lábios em você,
sentirá arrepios subirem e descerem
por sua espinha por mim.
Farei você chorar por mim,
quando eu puser meus lábios em você.
Ouvirei sua voz ecoando
durante toda a noite para mim."
Maroon 5 | Lips on You
NICHOLAS THOMPSON
A música já ecoa pelas ruas de Wiston Hill. A festa ganha da última que
tivemos na Tigerx, quando as aulas começaram. Ela ganha, porque todas as
cores neon, roupas, luzes e pessoas, parecem mais animadas. Mas talvez eu
só ache isso porque Alice Wonders está comigo.
Apenas comigo.
E ela dança lentamente à minha frente enquanto aproveito da minha
bebida. Ela dança com Andressa, mas sabe que meus olhos estão presos em
sua cintura e quadril. Presos em como ela é completa e irresistivelmente
linda. Alice não evita me olhar, ela não tenta disfarçar. Está dançando para
mim e, depois de uma hora de festa, posso dizer que mesmo sem bebidas —
ela me disse uma vez que precisava de álcool para dançar bem — é ótima no
que faz. Me sinto melhor ainda por saber que a menina está sóbria.
Nossos olhos se encontram algumas vezes e vejo seus lábios se
movendo, falando algo que não entendo, enquanto Tommy e Jack continuam
conversando ao meu lado, sem notarem a minha ausência.
Ela repete a mesma frase pela terceira vez, eu percebo. Alice
sussurrou: “me siga”.
Entro na cozinha com uma garrafa quase vazia de cerveja em mãos. A
curiosidade me consome, me devora. Dou mais alguns passos e noto Alice
Wonders nas pontas dos pés, tentando pegar alguma coisa num dos armários.
— Quer ajuda? — brinco, segurando uma risada. Antes que ela possa se
virar, miro em sua bunda perfeitamente encaixada na saia e em suas coxas
bem desenhadas.
Deliciosa.
— Agradeço se puder parar de rir de mim — reclama num tom doce. A
menina se vira e encontra meus olhos. — Algum idiota colocou os copos lá.
— Aponta com a cabeça.
Eu abandono a garrafa sobre o balcão e sigo até ela.
— Me chamou aqui por causa de um copo?
— Não exatamente. — Um sorrisinho malicioso surge em sua face.
Abro uma das portinhas, que antes Wonders tentava alcançar, e pego um
dos copos vermelhos de plástico.
— Vou beber refrigerante — diz, se justificando.
— Eu não esperava que fosse morrer de sede. Sei que não vai beber.
Alice sorri, caminha até a geladeira, procura por um garrafa de
refrigerante e se serve.
— Você dança bem.
— Não viu nada — conta, me deixando mais curioso.
— Então, me chamou aqui pra me provocar e pedir um copo? — Me
aproximo novamente da menina, parando ao seu lado. — Tentador.
— Tentador.
Alice agarra em minha camiseta e me puxa, colocando-me contra seu
corpo. Ela se apoia na ilha de mármore e fita meus olhos. Há perversão nas
íris azuis dela, há vontade. Então, a beijo com ímpeto, porque eu a desejo
tanto que não consigo me conter. Quando nosso lábios se encontram é como
se nossos corpos queimassem, é diferente.
Na primeira vez em que beijei Alice Wonders, quando a levei à mansão
Thompson e a joguei na minha cama, quando achei estar vivendo só mais
uma aventura, mais uma coisa com uma garota, nosso beijos eram suaves,
ainda assim, fortes.
Agora são deliciosamente ferozes, como se nossas almas se esbarrassem.
E quando nos separamos há tremor, há confusão, porque somos bons juntos.
— Sabia que isso pode ser errado? — questiono, apertando sua cintura
nua. — Isso entre a gente pode ser completamente errado.
— Se for, quebraremos mais uma regra — ela conta e morde o lábio. —
E eu quero quebrar muitas regras com você, Nicholas.
A tensão é óbvia, a urgência mais ainda. Eu a quero. Talvez esse não
seja o momento certo, no meio da festa, aleatoriamente, mas é agora e no
agora, eu a quero.
— Eu te amo — conto contra seus lábios e mordo-os com dedicação.
Alice geme baixinho, me levando à loucura.
— Ei, vocês dois! — A voz surge, nos afastando. É a Madison. — Eu
não queria interromper, mas interrompendo, vamos jogar verdade ou desafio.
Topam?
— Pode ser — Wonders soa animada. Tenho de concordar, quando na
verdade queria agarrar em sua cintura, colocá-la sobre o balcão e devorá-la
aos poucos.
Numa das salas mais quietas alguns já estão sentados em círculo. Nele
encontro Andressa, Tommy, Jack, Christina, Mateo, Hannah e Brenda —
minha prima. Juliet já chegou e apenas observa.
— Vem! — Alice chama, sentando-se. Me sinto nervoso quando meus
olhos topam com os de Mateo.
Todos estamos juntos para o bem ou para o mal e esse jogo pode acabar
sendo divertido ou bem doloroso.
As primeiras rodadas são interessantes e rimos um pouco. Christina não
parece tentada a acabar com a brincadeira, ela está fingindo gostar da festa,
de Alice e de mim. Ela está usando da situação, atuando. E Chris Vender
sempre atuou bem.
— Alice, sua vez — Hannah diz. — Verdade ou desafio?
— Desafio — Alice responde com ênfase.
— Ah, então — ela esperava por verdade —, beije o Nicholas.
— Esse é o desafio mais fácil — Jack brinca.
Em menos de segundos as suas mãos estão em minha camiseta, ela se
ajoelha sobre o tapete branco, se inclina e me beija. Alice sorri contra meus
lábios e posso jurar que demoramos muito mais do que parece. Sinto seus
dedos suaves em minha mandíbula, descendo por meu pescoço.
Estamos na frente de todo mundo — lembro, para controlar o meu pau.
— Já chega, casal — Andressa pede e me afasto, agradecido por não ter
uma ereção aparente agora.
— Sua vez! — Alice aponta para mim. — Verdade ou desafio?
— Desafio.
— Tira a camiseta.
— Você quer que eu tire a camiseta?
Era pra ser um jogo divertido, mas verdade ou desafio nunca fica apenas
na diversão.
Depois do primeiro beijo, tudo desanda.
— Todo mundo quer que você tire a camiseta — é a ruiva quem
sussurra e algumas das meninas concordam.
— Bom, com todo mundo ela quer dizer as meninas, porque eu,
sinceramente, não quero te ver sem camiseta — diz Jack, fazendo Thomas
dar risada.
Assim que agarro na beira do tecido e o retiro, os olhos de todas
encontram meu abdome e me sinto um tanto desconfortável, faz certo tempo
que isso não acontece. Mas quando Andressa pisca algumas vezes, desviando
o olhar, tenho de admitir, é divertido.
— De nada — Alice sussurra para elas.
Talvez todos estejam bêbados demais quando a vez volta para Alice. E
talvez todos fiquem nervosos demais ao notarem que Christina deve fazer a
pergunta. As risadas param no mesmo momento e esperamos.
— Verdade ou desafio? — Chris questiona num tom ameaçador. Eu sei
que não pode ser tão ruim, ela nunca desafiaria Alice a fazer algo com Mateo,
porque queimaria de ciúmes.
Ela não chegaria a esse ponto. Nunca.
Mas Mateo Price não parece acreditar nisso, há um sorriso de canto
estranho em sua face. Ele quer que ela o mande fazer algo.
— Desafio — Alice diz sem hesitar.
Muitos selinhos foram dados, Andressa me beijou, Jack me beijou,
Hannah beijou a Madison. Tudo sem malícia, sem desejos ocultos. Apenas
um jogo. Ninguém foi forçado a nada, nem a provar coisa alguma, mas para
Chris Vender se tornou uma chance. Uma vingança.
Jack me fita, percebendo meu nervosismo.
— Sete minutos no céu — ela revela. — Com o Thomas.
Suspiro no mesmo instante. É ruim, mas não tão ruim.
— Chris... — Maddy tenta e é interrompida.
— Naquele armário. — Aponta para duas portas brancas onde capas de
chuva e casacos são guardados. — Aceita?
— Isso é bem desnecessário — ouço Madison sussurrar.
Nós dois sabemos o que Chris está tentando fazer. Maddy e eu
namorávamos e agora, Vender quer desfazer os casais, quer destruir nós dois
com um desafio idiota. Mas eu conheço bem o Tommy e a Alice, sei que
também entendem esse joguinho.
O silêncio toma conta por instantes.
— Ali? — Wonders aponta e Vender assente. — Está bem.
— Parece divertido — Tommy concorda. Eu e Madison rimos baixinho,
ninguém caiu no truque da menina e ela sabe.
Ela está vendo.
— Enquanto isso, o jogo continua — Chris diz assim que Alice fecha a
porta.
Tenho de confessar, uma pontada irritante cresce em meu peito,
contudo, sei que é apenas raiva das atitudes de Christina Vender, dos jogos
dela. Eu odeio esse tipo de coisa.
E cinco minutos se passam lentamente enquanto outras perguntas são
feitas, verdades são reveladas e beijos são dados. Juliet parece bem no meio
de tudo, apesar de ser nova e não entender a malícia por trás de algumas
frases prontas.
— Vou pegar uma cerveja. — Agarro minha camiseta e saio, indo à
cozinha, sabendo que Alice e Tommy ainda estão naquele armário, sabendo
que Vender me olha cheia esperança.
Ela quer que eu me irrite, ela quer me atingir.
Alguns dos que jogavam devem ter desistido durante o tempo que passei
na cozinha. Verdade ou desafio é um jogo divertido, porém rápido. Ninguém
tem tantas ideias e nem todos querem se beijar.
Fica repetitivo — e é isso que Hannah me diz ao arrancar a cerveja da
minha mão quando volto ao que sobrou do círculo, me ajeitando no sofá,
acompanhado de Jayden.
— Você veio! — Alice exclama apontando para ele e se senta no braço
do sofá, ao meu lado. Abraço sua cintura, a apoiando, e rio de sua reação. —
Eu sabia que viria.
— Você é teimosa e persistente — Jayden diz e brinda sozinho. — Mas
estava certa.
Posso ver, no outro canto da sala, que Chris nos olha com fúria e
curiosidade. Ela não o convidou, certamente acreditava que o garoto fosse
ficar longe o suficiente da festa, mas todas as residentes podem chamar
pessoas. E Wonders é uma delas.
Por isso, Jayden está com a gente, conversando com Alice e despertando
ainda mais a raiva da Vender.
— Bom, até agora está divertido — Maddy opina e se aperta ao lado de
Tommy, na poltrona à nossa frente.
As luzes neon ficam apenas na sala de entrada, onde há música e
bêbados, além dos corredores e andar de cima. Na sala do piano decidiram
manter o tom normal, onde agora conversamos esquecendo completamente
do tema da festa. Todos estão animados, parece que a semana, apesar de
agitada, foi boa.
— Sabe o que eu vi? — Jayden interrompe algumas risadas. — Um
aparelho de karaokê na sala. Era pra ser parte da festa?
— Ah, era sim, mas as pessoas precisam ficar bêbadas pra começarem a
cantar — Wonders explica, gerando alguns risos.
— Ah, que pena. Eu ia me arriscar, mas estou sóbrio demais pra fazer
esse tipo de coisa.
— Na verdade — sinto meus dedos apertarem o quadril de Alice que
desce o olhar, me encontrando —, você está me devendo.
— Devendo? — questiona.
— Sim. Me disse que sabe cantar, mas nunca cantou. Eu queria ouvir...
— Ah, você tem que fazer isso! — Thomas se envolve e Maddy
concorda.
— Não, de jeito nenhum. Não vou cantar na frente de todo mundo!
— Mas você disse que sabe cantar — provoco. — Ou não sabe?
— Eu sei! — Seus olhos me incendeiam. — Mas quando eu fazia essas
coisas, costumava estar bêbada. E não estou bebendo, portanto, sem cantoria.
— Não, não, não. Você tem que cantar comigo! — Jayden ordena e se
levanta num pulo. — Será divertido, podemos fazer uma competição.
Ele disse as palavras certas, ela gosta de ser desafiada.
— Eu vou ganhar — Alice fala com mais certeza do que deveria. —
Vamos fazer assim, se eu cantar bem, você me ensina a andar de moto. —
Seu indicador aponta para mim e nego brevemente, fechando os olhos, mas
rindo. — Ah, sim!
— É uma boa! — Jayden diz. — Vamos, eu deixo o Nick escolher a
música. Um dueto!
— Eu quero ver isso — Jack continua.
— Não, eu não concordei com os termos. — Todos já estão de pé, mas
insisto. Não sei se consigo deixar Alice subir numa moto quando ainda me
lembro de Elle.
— Você não precisa concordar — Wonders sussurra. A olho com certo
desânimo e fico feliz por ter uma conexão com a garota, que me entende no
mesmo momento. Não posso arriscar. — Sem termos então. Vou cantar sem
termos.
Abro um sorriso, satisfeito. Não gosto de condições como essa, a qual
não conseguiria tornar verdade. Pelo menos não agora.
Jayden sobe no pequeno palco e estica a mão para ajudar Wonders que,
com um impulso, se coloca ao lado dele. Me deixaram escolher a música e
enquanto preparam o microfone, meu olhar se encontra com o da garota.
— Não acredito que vou fazer isso — sussurra, me fazendo rir. Me
apoio numa das paredes, esperando. A tela pequena ao lado dos dois é ligada,
onde a letra já aparece. Noto-a respirar fundo, o nervosismo em seus olhos é
nítido. Alice disse que não queria cantar na frente de todos, parece que a
minha princesa é realmente tímida.
Bom, nem tão tímida.
Quando a batida de Rock And Roll All Nite do Kiss, toma conta, percebo
que ela conhece bem a letra. Espero ansiosamente para ouvir a sua voz, dou
um gole na cerveja e Jack se encosta ao meu lado. Um risinho surge na face
de Alice e ela começa.
Puta que pariu — penso.
A voz da menina é perfeita, forte e impactante o suficiente. Se eu tivesse
a conhecido assim, enquanto canta, com certeza teria me apaixonado de
primeira. Me sinto hipnotizado.
Quando o refrão chega, Jayden continua. Ele sempre cantou bem, mas
não tão bem quanto Alice.
— Ela canta bem pra caralho — Jack solta, rindo e animado.
— Notei — digo, gaguejando. Tenho de confessar que estou um tanto
surpreso.
Não consigo parar de admirá-la, Wonders é incrível e não faz ideia
disso. A sua voz ecoa pela sala e apesar de muitos estarem assistindo,
cantando junto ou apenas chocados, me sinto preso a seus olhos azuis —
aqueles que agora encaram Jayden —, e eu só consigo pensar numa coisa:
porra, eu amo essa garota.
Quando estamos sozinhos, sinto que podemos ser tudo. Um caos, uma
tempestade ou a perfeição. Podemos e somos. E quando estamos em salas
grandes, lotadas e em meio à luzes neon, eu sinto.
Sinto que Alice Wonders é o meu paraíso particular, meu caos
necessário.
Ela é tudo que quero e escolhi querer.
Então, enquanto dançamos — com seu corpo colado ao meu —,
enquanto rimos entre pessoas que agora se tornaram nossos amigos mais
próximos, nos divertimos e deixamos o calor tomar conta, nada passa por
nossas mentes.
Ah, e está quente, muito quente em pleno outono.
E mesmo assim, enquanto a noite se desenrola, regras são quebradas e
segredos são escondidos, enquanto vinganças são planejadas e mentiras
mantidas, algo muito ruim pode estar acontecendo.
Ou melhor, algo muito ruim acontece.
Enquanto sorrimos, uma parte do nosso mundo desmorona e nem
fazemos ideia disso.
Ainda.
37.1
PURA MALDADE
"Mentiras são difíceis de disfarçar,
deixe-me lutar sem ficar maluco com isso.
Largue seus péssimos julgamentos.
Quem disse que eles fazem parte de nossas vidas?
Você é dono do dinheiro.
Você controla a testemunha."
Duran Duran | Notorious
NICHOLAS THOMPSON
PEQUENA E MENTIROSA
"Eles dizem que a vida é um carrossel
girando velozmente, você tem que saber domá-la.
O mundo está cheio de Reis e Rainhas
que cegam os seus olhos e roubam os seus sonhos.
É o Céu e o Inferno, oh pois é."
Black Sabbath | Heaven and Hell
ALICE WONDERS
Nicholas precisou sair um pouco, sei que ele ainda está enjoado e que
não quer pensar sobre o que aconteceu. Por mais que tudo em mim
grite não, acabei ficando dentro do quarto com Polly Thompson. Sozinha.
Eu peço para que ela não abra os olhos, para que espere até alguém
voltar, mas como sempre, não adianta. E a mulher começa a tentar dizer algo
enquanto acorda lentamente.
— Damon — sussurra. Polly até parece inofensiva deitada nessa cama
de hospital, sem saber o que lhe aconteceu.
— Ele saiu — respondo com insegurança. No mesmo momento a cabeça
dela se vira na minha direção e Polly abre os olhos com uma surpresa que me
deixa sem fôlego. — Como está se sentindo?
— O que você está fazendo aqui? — Não respondo. — Onde está meu
neto? O que você está fazendo aqui, garota?
Respiro fundo. Ela me odeia, isso não é uma novidade.
— O seu neto precisou tomar um ar e eu estou aqui, porque não quis te
deixar sozinha.
Polly ri baixinho.
— Claro que não quis, mas eu prefiro ficar sozinha.
— Tudo bem, então acho que posso sair — digo, me levanto da poltrona
e começo a andar até a porta.
— Espere. Já que estamos aqui, finalmente à sós, podemos conversar
sobre algumas coisas.
Ah não. Puta que pariu, ela é venenosa até no hospital. Polly me encara
como se eu fosse o jantar, pronta para me caçar, devorar e destruir. Paro ao
lado da sua cama, olhando em seus olhos.
— Você e meu neto...
— Não acho que seja da sua conta.
— Namoram? — Polly arqueia uma das sobrancelhas. Rio baixinho,
indignada, tendo de cobrir os lábios com as costas da mão.
— Não. Não exatamente — respondo com firmeza.
— Isso é bom. Vocês não deveriam fazer isso, não devem ficar juntos —
suspira. — Eu sei que você me entende, Wonders. Eu me preocupo com o
Nicholas, quero o melhor para ele, sempre.
— Jura? — pergunto com sarcasmo.
— Sim, eu juro. — Um sorriso forçado aparece em seu rosto. — A
última coisa que quero é que meu neto se envolva num relacionamento igual
ao dos pais. Pumpkin e Damon, dois jovens irresponsáveis.
— Me desculpe, Polly, mas duvido que queira o melhor para o seu neto.
— Eu sei que duvida. Eu te conheço, menina, sei que causa problemas,
sei sobre a sua família. Não sou burra. Meu neto não pode ficar com você,
espero que reflita sobre isso. Espero que entenda. Eu o amo, já você, Alice
Wonders, o que pode oferecer a Nick?
Pisco algumas vezes, sem saber o que responder. Ela duvida dos meus
sentimentos, Polly Thompson acha que estou usando Nicholas para me
divertir, que sou um problema ou que gosto de causar problemas.
— Eu não tenho a intenção de...
— Ninguém tem a intenção, não é? Mas sempre acontece. Vocês dois
não foram feitos para ficarem juntos, por mais que ache isso, por mais que
pareça isso. Nicholas já tinha tudo quando você surgiu.
— Sabe o que eu acho, Polly? — Ela me fita com curiosidade. — Que
está tão presa a essa amargura que nem se preocupou com seu próprio estado
quando acordou, não quis saber sobre o que aconteceu. Está tão afundada
nessas mentiras que se perdeu da realidade, e na realidade você está deitada
numa cama de hospital. Mas acho que prefere discutir a minha relação com
seu neto do que saber sobre a sua saúde. É patético e triste.
— Cala a boca, garota. — Seu tom muda no mesmo instante, me
fazendo sorrir. Eu gosto da sinceridade. — Você não faz ideia de quem eu
sou, te aceitei na minha Universidade por um motivo apenas, notas boas e o
nome Wonders. Mas saiba que não vou lidar com uma novata destruindo a
minha cidade e, muito menos, a minha família.
— O seu medo é perder a coroa. Todo esse controle, essa
superficialidade, você gosta...
— Não está em Nova Iorque, senhorita, saiba disso.
— Muita gente me falou a mesma coisa, mas percebi que a podridão
vive em qualquer lugar, não é, Polly? Ou podemos começar a falar de
Pumpkin Thompson?
Seus olhos encontram os meus e sua pele fica pálida. Nenhuma outra
palavra sai por entre seus lábios. Polly sabe do que estou falando, da teoria de
Thomas, da ideia de que algo a mais aconteceu com Pumpkin. Se sua própria
neta, Wine, acreditava nisso antes de fugir, quem sou eu para duvidar?
— É melhor não falar sobre o que não sabe.
— Melhor pra você ou pra mim? — Não posso evitar esticar os lábios
num sorriso ao perceber seu nervosismo. — É bom descansar, Polly, sua
queda foi feia.
A mulher se controla e vira a cabeça, encarando o teto. Eu não dou a
mínima, tento me importar por Nicholas, por dentro estou morrendo de
vontade de continuar a discussão.
Assim que o silêncio retorna, Thompson aparece. A porta se abre com
calma, o garoto entra, encontra os olhos da avó e depois os meus.
— Está tudo bem? — pergunta. O clima estranho é óbvio, mas não
contarei que discutimos e duvido que Polly o fará.
— Tudo ótimo — minto. — Sua avó acabou de acordar.
Ele anda até o lado da cama, examinando-a.
— Você está bem? Como se sente?
A senhora abre um sorriso que até parece doce, mas sei que é o mais
falso que já vi. Polly está queimando de raiva, sei que me detesta, que não me
queria no quarto, que preferia acordar sozinha, até porque, ela está sempre
sozinha.
— Eu me sinto bem, só um pouco de dor nas costas. O que aconteceu?
— Você precisa descansar, depois falamos disso. — Apesar de
preocupado, Nicholas não soa amigável, ele não segura a mão dela e nem
sorri toda hora. Eu sei que a ama, mas não consegue esquecer das atitudes de
sua avó.
Ele não consegue fingir.
— Eu acabei de descansar, Nicholas. Acabei de acordar. — A mulher se
mexe um pouco e, provavelmente por isso, nota algo de estranho. Ela tenta se
sentar e não consegue. — O que aconteceu? Me deram remédios?
Entendo a sua pergunta, ela quer saber o porquê de não conseguir mexer
as pernas.
— Deram alguns pra dor — Nick responde.
— E o que aconteceu? — Parece mesmo que ela se esqueceu, a
confusão fica visível em seus olhos.
— Você caiu, Polly. Caiu da escada.
A mulher franze o cenho, duvidando. Polly suspira e recomeça.
— Eu não consigo mexer as minhas pernas — diz.
Nesse momento eu reparo que preciso sair, preciso ficar fora do quarto.
Por mais que a deteste, não posso continuar ouvindo suas palavras agora. Não
posso ficar para ver o que vai acontecer quando descobrir sobre a fratura na
coluna. Não quero ouvir seu ódio, que se espalhará pelo ambiente.
Primeiro, Polly Thompson sentirá raiva, e depois, dor.
— Antes que vocês conversem, preciso ir — digo baixinho. Apenas
Nick me olha. — É melhor eu deixar vocês sozinhos.
Caminho até a porta, a abro e saio, esperando que ele não me siga.
Porém, Thompson o faz e agarra em meu braço com delicadeza.
— O que foi? — pergunta num tom de real preocupação.
— Nada. Está tudo bem, mas nós dois sabemos o quanto a sua avó não
gosta de mim. Prefiro ir embora.
— Não precisa. Sabe que não precisa.
— Na verdade, Nick, eu preciso sim. — Sorrio fracamente. — Mas vou
ficar bem, relaxa. Eu te vejo depois, é melhor passar um tempo com a sua
avó.
— Você parece estranha, estava assim quando entrei no quarto.
Aconteceu algo entre vocês?
— Não, nada disso — minto mais uma vez, me acostumando com a
ideia. Nada aconteceu. — Acho que preciso de tempo, você precisa de tempo
e ela precisa saber a verdade. Esse é o momento certo pra eu voltar à
fraternidade.
— Alice você...
— Te vejo amanhã. — Lhe entrego um beijo na bochecha.
Polly Thompson não aprova meu relacionamento com Nick, isso é
óbvio, mas até onde iria para conseguir o que quer?
O que faria?
FIM
"Você continua sonhando e tramando algo obscuro.
Sim, você continua.
Você é venenosa e eu sei que isso é verdade.
Todos os meus amigos acham que você é viciosa,
e eles dizem que você é suspeita."
Two Feet | I Feel Like I’m Drowning
CHRISTINA VENDER
Não acredito nas palavras que Madison me diz. Ela chamou Alice,
Hannah e Brenda de fodas. Ela as admira e as prefere.
— O quê? — questiono com ênfase enquanto minha cabeça lateja.
— Elas são fodas pra caralho, porque não fingem ser uma mentira, elas
não tem medo. E quando têm, fazem algo sobre.
— A sua amiga Wonders não é tão perfeita assim, Maddy.
— Eu já disse que ninguém é perfeito. Essa é uma ideia que você criou
na sua cabeça.
Por anos Maddy foi a única em quem confiei de verdade, mesmo
Andressa, que me era próxima, nunca chegou tão perto dos meus
machucados. Mas como todos sabem, duas pessoas não guardam segredos.
Uma sempre contará algo e Madison Foxx sabe de muitas coisas, ela conhece
os meus medos.
Ela não me vê como a Christina Venenosa Vender, e sim como a Chris.
Quando saio do quarto dou de cara com Alice Wonders. Ela parece
chocada com a discussão que acabou de ouvir, a segunda entre Maddy e eu.
Sei que Alice notou minhas lágrimas, mas, com certeza, irá fingir que não o
fez.
A minha face ainda arde por conta de seu tapa, não posso a encarar
agora.
Eu tento ao máximo parecer bem na frente de todos enquanto caminho
pela fraternidade, até chegar aos fundos onde há uma piscina e um jardim.
Estou ofegante, mesmo andando numa velocidade normal. Os pensamentos
me consomem e as palavras de Madison me machucam.
Paro de andar quando chego à um dos bancos de madeira num lugar
isolado. Apesar do calor, a maioria das pessoas está dentro da casa.
Fecho os olhos e limpo a mente.
— Eu não acredito. — Não acredito que Alice conseguiu mudar tantas
coisas sem ter que fazer algo sequer. Apenas a sua presença, seu sorriso, fez
tudo sair do eixo.
— Não acredita em quê? — Quando abro os olhos novamente, encontro
Jayden me analisando. — Está tudo bem? Te vi saindo...
— O que veio fazer aqui? — pergunto, sendo direta. — Na festa.
— Alice me convidou.
Claro que convidou!
— E você achou que seria uma boa ideia? Ela te convidou e você
aceitou, simples assim? E quanto a nós?
Jayden parece estressado, como se guardasse trilhões de segredos. Ele
olha ao redor, respira fundo e me encara.
— Não há nós nessa festa. Você é a única tocando nesse assunto.
— Não deveria ficar no mesmo lugar que eu. Mateo sabe que
namoramos, ele sabe que...
— O que, Christina? Ele sabe o que todo mundo sabe? Ele sabe que
ainda te amo?
Suspiro. Não posso ouvir isso, não agora.
— A sua presença aqui pode causar problemas...
— Duvido. Acho que você sempre usou essa desculpa comigo, porque
tem medo de ser a Christina Vender na minha frente.
Franzo o cenho e rio, tomada por descrença. Do que ele está falando?
— Você se divide, Chris. É uma pessoa diferente em cada ocasião e não
queria ser cruel na minha frente, não é?
— Não é isso...
— Eu ia ficar em casa, perder uma festa boa só porque você queria. Não
me parece justo, toda essa relação não me parece justa.
Encontro seus olhos e vejo que Jayden está sério demais, o que me causa
arrepios. Rio de nervoso, sentindo uma veia pulsar em meu pescoço.
— Isso é culpa dela, só pode ser! — exclamo, ele nega. — Alice. Ela te
chamou, ela te convenceu...
— Alice só foi educada. Ela está com o Nick e ele é meu amigo. Não
entendo essa sua implicância, a menina não fez nada de ruim.
Dessa vez, eu gargalho.
— Você precisa parar, Christina.
— Está defendendo ela? Sabia que Alice me bateu? 'Tá vendo essa
marca? — Aponto para a minha bochecha, esperando que ainda esteja
vermelha — Foi ela!
— Não pode ser. — Jayden balança a cabeça.
Me levanto num pulo e me coloco à sua frente.
— Então, pergunte pro seu amigo, ele estava lá. Não é justo, depois de
tudo que tenho que fazer...
— Não! Tudo que você se força a fazer — ele me interrompe.
— Está dizendo que a culpa é minha?
— Não, Christina! — Jayden bufa e eu deixo as lágrimas escorrerem. —
A culpa não é sua, mas se você realmente quiser, pode sair dessa situação.
Você tem todo apoio do mundo aqui, até mesmo do Nick, mas vive se
convencendo de que não...
— É mentira. E eu não tenho como fugir, isso decepcionaria o meu pai.
Jayden já brigou feio com Mateo por minha causa, ele não gosta quando
o garoto me toca, mas tive que convencê-lo de que sei me cuidar. Entretanto,
não sei.
Só sei mentir. É um dom dos Vender.
— Eu não vim aqui para brigar. Estava me divertindo até...
Agora, eu o interrompo:
— Cantando karaokê com ela? Claro, que estava se divertindo.
Jayden suspira uma última vez. Sua paciência se esgotou e ele apenas
passa por mim, não me olha, não tenta novamente.
Ele parte sem emitir um som sequer.
A manhã não demora a chegar. Abro os olhos como se tivesse saído do
pior sono possível. Me sento sobre a cama e encaro a janela.
Sol, mas frio.
No fundo me sinto mais cansada do que nunca. Eu demoro um pouco
para voltar à realidade, conseguir sair da cama e me arrumar. Só então,
quando termino, noto que estou acordada. Noto que Wonders realmente me
deu um tapa na noite passada, um tapa que já doeu o suficiente, mas na frente
de Nick e da notava, doeu mais.
Um tapa que não achei que pudesse levar. Eu a tentei, a provoquei para
ver se o faria, entretanto, não imaginei que fosse chegar à esse ponto.
Eu sei que estava a tirando do sério de propósito. Foi apenas uma
consequência, mas acontece que a ação dela também irá gerar consequências.
Ação e reação.
Não consigo controlar a raiva que sinto. As marcas dos dedos de Mateo
ficaram em minha pele, o tom de sua voz ficou em minha memória. Eu tenho
medo dele e todos sabem.
Mas tenho ainda mais medo do meu pai.
Alice Wonders causou isso, ela convidou o Jayden.
Eu choro baixo enquanto encaro a tela do computador.
— É culpa dela — sussurro e aperto o enter.
39
CONSCIÊNCIA
"Todas as imagens foram banhadas em preto,
tatuando tudo.
Todo o amor tornou-se prejudicial,
transformou meu mundo em escuridão.
Tatuou tudo que vejo.
Tudo o que sou, tudo o que serei."
Pearl Jam | Black
ALICE WONDERS
Enquanto dobro cada peça de roupa — das poucas que tirei das malas
—, Andressa me observa. Ela fica encostada no batente e Maddy me ajuda.
— O que vai fazer?
— Arranjar um lugar pra ficar — digo com a voz rouca.
— Que tipo de lugar? — A ruiva continua.
— Andressa, eu não sei! — exclamo, paro e fecho os olhos para não
chorar.
Eu não faço a menor ideia do que fazer.
— Alice, vai ficar tudo bem! — Maddy me abraça, eu sinto seu toque,
seus braços ao meu redor. — Isso que aconteceu está no passado, a Christina
só quer te atingir.
— Você sabe melhor do que ninguém, vocês duas sabem. Isso ainda me
machuca por motivos que não consigo explicar.
As meninas ficam em silêncio. Andressa passou por isso com as fotos
que Chris espalhou e Maddy sabe como é ter um segredo que te deixa
envergonhado.
Abro os olhos novamente.
— Ler aquilo me lembrou da pior parte da minha vida. — Eu não quero
chorar, entretanto, parece impossível controlar a minha voz e as lágrimas.
— Você tem a gente agora, Alice. Não importa o que ela postou, eu sei
que te machuca, mas vai ficar tudo bem — a ruiva fala, usando de seu tom
doce. Ela caminha até o meu lado e também me abraça. — Pode ficar na
minha casa, tenho certeza de que meus pais não vão se incomodar. Eles
gostaram de você.
— É uma oferta e tanto, mas não posso...
— Por favor — Andressa insiste. — Vem comigo.
— Com você? — Maddy questiona.
— Se a Christina pretende expulsar as pessoas com segredos que ela
acha serem horríveis, eu vou sair. Não quero ficar aqui, essa casa é tóxica.
— E eu? Também não quero ficar por aqui. — A loura soa um tanto
desesperada. A amizade dela com a Vender está em crise e eu sei disso.
— Gente, eu não quero que vocês deixem a fraternidade por mim.
— Quem disse que é por você? — Andy rola os olhos e sorri. — É por
mim. Esse lugar se tornou um ninho de cobras.
— Ele sempre foi. — Maddy ri. — Vou falar com o Tommy, talvez ele
me deixe ficar na Red Hell por um tempo.
— Não é cedo demais para morarem juntos? — questiono brincando.
Ela sorri.
— Eu não gosto de esperar — Madison diz isso secando algumas
lágrimas que me escapam. — Agora, vamos arrumar essas coisas e te levar
até a casa da Andressa. Vou pedir pro Thomas nos dar uma carona.
— Ótimo! — a ruiva exclama.
Andressa prometeu que faria um almoço e é isso que ela faz enquanto
leio Alice no País das Maravilhas, sentada na cama de hóspedes. O livro
preferido do meu pai que sempre amou a história da garota que se perde num
mundo fantástico.
Então, ele me deu o nome Alice.
Nunca entendi o que o livro quer dizer, o que é a verdade e o que é
loucura, mas agora, a única distração que consigo encontrar é entre as
páginas deste clássico.
Ouço a campainha tocar. Estamos sozinhas, ainda não conheci a irmã da
Andressa e os pais dela trabalham hoje. Me levanto da cama com certa
curiosidade crescendo em mim e quando chego à beira da escada, noto a voz
familiar.
— ...por favor, Andressa, eu sei que ela está aqui — Nicholas implora.
— Eu preciso ter certeza.
— Nick, ela precisa de tempo e espaço. Alice está bem.
— Eu a conheço, ruiva, ela não está bem coisa nenhuma. Eu já sei de
tudo...
Quando essa última parte chega à mim, corro de volta para o quarto.
Meu estômago se aperta, minha cabeça lateja e só então a ficha cai.
Todos sabem de tudo.
Andressa não deixou o Nicholas me ver, ela disse que era melhor ele
esperar, que eu falaria com ele na segunda-feira durante a aula. E é claro que
não vou. Eu quero me afastar do caos que Christina causou em minha mente.
Andressa acaba dormindo cedo, às oito horas já está na cama. O silêncio
toma conta da residência, estamos a sós.
Me levanto sabendo que não pegarei no sono e coloco uma roupa
simples: blusa preta de mangas compridas e uma saia jeans. Meus cabelos
estão soltos e um tanto arrumados.
É assim que saio escondida para ir à Red Hell. Ela está fechada hoje,
mas Tommy sempre foi bom com conselhos e não me importo se vai me
julgar, preciso de colo e, apesar da ruiva ser boa nisso, não aguento mais
escutar que tudo vai ficar bem.
Entro pela porta dos fundos e caminho até a parte principal da boate.
Thomas está sozinho, bebendo e olhando para o nada. O assusto quando
apareço.
— Alice? O que 'tá fazendo aqui?
— A casa da Andressa é muito silenciosa às oito e meia da noite.
Ele ri baixinho e esconde a garrafa na prateleira, então, limpa o copo.
— Precisa conversar?
— Sim.
Me sento à sua frente, minhas mãos tocam no balcão frio e não consigo
olhar em seus olhos.
— Tudo aquilo é importante pra você, não é?
— Eu queria deixar pra trás, apagar da minha memória. Foi horrível,
Tommy, você não tem noção. Quando eu saí do hospital, depois do coma...
— Essa é a pior parte — ele suspira. — Eu não sabia que tinha ficado
em coma.
— Foi um coma induzido. Quando eu saí do hospital meus pais já
tinham dado um jeito em tudo, nas aulas que perdi, nas fofocas e nas
perguntas.
— E quanto ao garoto? A Chris não falou muito sobre ele. — Tommy
apoia os cotovelos no balcão e se inclina pra frente, chegando mais perto.
— Ele foi embora de Nova Iorque, nunca mais conversamos.
— E vocês se gostavam?
O olhar de Thomas é forte, ele me encara, olhos nos olhos.
— Todas essas coisas não passam de um borrão — confesso. Cheguei a
gostar de Matthew, mas amar? Não. Amar não. Eu confiei e ele me
decepcionou.
Depois que bati naquela árvore, tudo virou um borrão horrível e
enjoativo.
Tommy fica em silêncio, esperando que eu diga mais alguma coisa,
afinal, o procurei para conversar.
— Eu sei que foi um acidente e sei que fui culpada, sei que estava
bêbada, que sou alcoólatra, que não devia ter feito aquilo. Acredite, eu sei de
tudo isso — suspiro e finalmente ergo a cabeça. Thomas parece confuso, ele
nunca me viu assim antes. O pânico transparece, pela primeira vez Tommy
não sabe o que fazer. Ele apenas me analisa.
As lágrimas começam a cair, molhando minhas bochechas. Minha voz
se torna trêmula e mal consigo continuar.
— Eu sei de tudo isso, Tommy. Todo mundo fica me dizendo que essas
coisas estão no passado, mas não é verdade! — Soluço. — Eu acordo todos
os dias e penso em como tenho que parar de beber. Quando, finalmente,
consigo chegar em algum lugar, a Christina faz isso.
— Alice, eu não posso dizer que tudo vai ficar bem. Não posso dizer
nada, mas você é forte, já enfrentou esse passado...
— Você não percebe? — quase grito em meio ao choro. — Eu nunca
enfrentei essa merda! Meus pais limparam a minha sujeira, depois
esconderam tudo debaixo do tapete. Me acostumei a ignorar a verdade, mas
agora todos sabem. Eu fui obrigada a olhar pro erro que cometi, estou com
vergonha e com medo de nunca mudar. Eu estou...
Me calo, não sei mais o que sinto. Tudo que disse é real, o que
aconteceu me afeta, porque me mostra o quão grande meu problema é. O fato
de eu ter ignorado tudo isso me deixa mais magoada ainda.
— Acho que precisamos começar pelo básico, se você quer sair dessa
situação, precisa parar de chamar de problema. — O fito, sem entender. —
Foi o que a psicóloga da Madison disse. Ela tem bulimia e você é alcoólatra.
Diga alcoolismo, pare de esconder o que é.
Mordo a bochecha por dentro, ele está certo, mas a palavra parece forte
demais, clara demais.
— Eu só queria entender.
— Entender o quê?
— O porquê da Christina me odiar tanto. — Outro choro começa. —
Nunca fiz nada contra ela, tudo bem, eu dei um tapa na cara dela ontem, mas
desde que cheguei a Vender não me deixa em paz. Eu queria entender — bato
com as duas mãos no balcão, tentando me segurar — o porquê dela fazer isso
comigo.
Tommy não fala, ele fica quieto, esperando.
— Ela gosta de me magoar, é isso? Ela teve a capacidade de ir atrás do
Alex pra descobrir essas coisas. Não é possível que não tenha notado o quão
importante essa história é pra mim...
— A Christina não te odeia, Alice. — Assim que ouço suas palavras, eu
suspiro.
Estou cansada, minha garganta dói, minha cabeça lateja e todo o resto
parece dormente.
— Ela tem inveja. — Rio nasalado. — É sério, Wonders. Ela inveja
quem você é e o que você tem. Chris Vender é cruel e fria, mas só por fora.
Ela também tem medos e segredos. Sei que não justifica, mas a Vender não te
odeia.
— Isso é pior. — Baixo a cabeça. — Se ela me odiasse, teria uma
justificativa. Chris só me machuca pra alimentar o próprio ego e eu não
entendo, mesmo.
— Eu sei, mas sou daqui, pode confiar em mim. Eu cresci no meio
dessas pessoas, Alice. Olha pra mim. — Obedeço. — A Christina foi criada
pra ser perfeita.
— Parece que todo mundo aqui foi, isso é ridículo!
— Eu sei e você sabe, mas essa ideia foi enfiada na cabeça de cada um
desde pequeno e alguns arriscaram fugir das regras idiotas, mas ela não. A
Christina vive num inferno e não mostra isso pra ninguém. Ela quer ser
perfeita.
Balanço a cabeça, não consigo acreditar que alguém possa fazer essas
coisas só para ficar no topo. Não posso acreditar nisso.
— Talvez eu não devesse ter vindo para Wiston Hill. Acho que ela está
certa, eu não combino com esse lugar...
— Alice...
O interrompo.
— Era pra eu ter morrido naquele acidente. Quando acordei do coma
semanas depois, todos ficaram surpresos. Eu me machuquei muito. Talvez eu
devesse ter morrido.
— Não fala isso! — Tommy grita. — Sei que não é muito, mas se
tivesse morrido nunca teria conhecido Nick e eu nunca teria te conhecido. —
Encontro os olhos de Thomas, que estão cheios de lágrimas, assim como os
meus. — Você é uma das garotas mais incríveis que já conheci, é engraçada,
linda e divertida. Por sua causa tive coragem de falar com a Madison.
— Minha causa?
— Eu não podia falar pro Nicholas acabar tudo com a loura, só porque,
talvez, eu estivesse gostando dela. Daí, ele se apaixonou por você.
Rio baixo ao descobrir isso.
— Eu achava que a Madison não era pra mim. Ela é uma Foxx, linda e
inteligente.
— Não imaginei que logo você tivesse medo de falar com uma garota.
— Não era medo. Eu não sigo a maior parte das regras, mas mexer com
Polly Thompson e a família perfeita dela não me parecia ser uma boa ideia,
mesmo gostando da Madison.
Assinto e noto que parei de chorar. Meu corpo reclama, minhas mãos
tremem, mas consegui desabar em algum lugar.
E eu confio em Tommy.
Estamos deitados lado a lado na cama de casal que ele tem em seu
quarto da Red Hell. Encaramos o teto, mantendo o silêncio. Nenhum de nós
quer dormir ou falar.
— Não conta pro Nick que estou aqui. Ele descobriu que eu estou com a
Andressa e apareceu por lá.
— Precisar falar com ele, Alice. O garoto 'tá preocupado.
Me dói saber que Nick deve estar pensando nessa situação toda, mas me
sinto cansada. Não quero tocar no assunto, não quero olhar em seus olhos
azuis.
Horas se passam e ainda estamos acordados. O relógio marca cinco e
meia. Madrugada. Faz frio. Me viro na cama para analisar Tommy, que no
mesmo momento agarra o celular e lê uma mensagem.
— Droga — sussurra. — Preciso ir até a fraternidade.
— Às cinco da manhã?
— Parece que a Christina notou que a loura quer sair da fraternidade,
elas discutiram. Droga!
— É melhor você ir.
— Não quer uma carona até a casa da Andressa?
— Não, não — suspiro. — A ruiva deve estar dormindo e a casa dela
fica um pouco longe. Deixei um bilhete na cama. Ela vai ficar bem.
— Certo. Tenta dormir um pouco, eu volto logo!
Assinto e Thomas sai com pressa.
NUNCA MAIS
"Você está me enfrentando,
assombrando meu coração.
Estou no fim do mundo contigo."
JPOLND | The End
ALICE WONDERS
Tommy mais uma vez me leva até a casa da Andressa, os pais dela não
voltaram, ainda estão em Aurora Hill. Thomas não me olha, mas faz questão
de dizer uma última coisa.
— Posso estar furioso, mas sei que é difícil e que precisa de ajuda.
Todos nós sabemos, Alice, e todos nós fazemos merdas. O Nicholas está
confuso, mas também entende isso. Apesar de tudo, não está sozinha.
Não digo muito, só concordo. Eles estão furiosos, porque estão
preocupados. Hannah inventou uma desculpa para se afastar e Jack foi atrás
de Nick. Sei que Maddy e Andressa se forçam a ficar, sei que as duas
também estão apreensivas e irritadas.
Me contaram que Andressa viu meu bilhete e foi até a Red Hell, ela me
encontrou e chamou a ambulância. Eu perdi pouco sangue, mas havia
desmaiado. A ruiva viu as bebidas, em seguida, Tommy chegou junto de
Maddy.
Mais um acidente, mais uma merda de segredo e uma merda de fofoca.
— Vou pra Red Hell com o Tommy, se precisar pode me chamar —
Madison diz antes de sorrir.
— Vou tentar deixar vocês em paz. — A minha amargura é contagiosa,
ela fecha o rosto, assente e sai.
Depois de entrarmos, Andressa me coloca na cama e me cobre. Ela não
puxa assunto.
— Andressa — chamo quando ela caminha até a porta —, me desculpe.
— Você pode pedir desculpa e pode errar de novo. Tudo bem — nossos
olhares se encontram —, mas é difícil me preocupar com você, Alice.
— Acha que eu não sei disso?
— Não faço ideia. — Ela dá de ombros. — Mas ainda estou aqui.
— Acho que você é a única que restou — sussurro e ela sorri.
A ruiva não continua, apenas se vira e parte.
40
PENA
"Não é sua culpa eu estragar tudo,
não é sua culpa que eu não sou o que você precisa.
Querido, anjos como você
não podem voar para o inferno comigo.
Eu sou tudo o que eles disseram que eu seria."
Miley Cyrus | Angels Like You
ALICE WONDERS
Dessa vez quem não atendeu meus telefonemas foi Nicholas. Ele tem
me evitado, mas sei que todos nós precisamos colocar as ideias no lugar.
Muita coisa mudou em pouquíssimo tempo, menos tempo do que eu
esperava, até porque, nunca imaginei que fosse me apaixonar por ele.
Andressa me prendeu na casa dos pais por três semanas, o atestado
justificou algumas das minhas faltas nas aulas que não me interessam mais.
Nada me interessa mais.
E eu não saí, porque sei que seria errado. Ela tem tentado tomar conta de
mim, mesmo sem trocarmos uma palavra. É como estar sozinha numa casa
lotada, é como ter de enfrentar as consequências do meu erro, embora queira
me esconder debaixo da cama.
Nos últimos dias tentei me convencer de que sou errada para Nick e de
que ele é errado para mim, mas é mentira, sei disso. O que temos, ou
tínhamos, era bom e real. Eu só queria poder voltar no tempo, queria ter
coragem para dizer que o amo. Queria ter feito isso antes.
Porque agora não sobrou muita coisa.
Olho para a passagem que seguro entre meus dedos, o destino não me
agrada, a data muito menos. O que importa é que em alguns dias estarei fora
de Wiston Hill.
Eu preciso compensar pelo caos que causei. Acho que alguns não se
incomodaram tanto, como Maddy e Tommy, mas outros sentiram o peso das
minhas atitudes. Eu sei que Chris Vender nunca foi simpática, agradável ou
boa comigo e sei que ela tem os motivos mais fúteis do mundo para isso, mas
nunca quis chegar ao seu nível, nunca quis bater nela — apesar de todas as
provocações.
Quando Nick me perguntou se eu estava me vingando e eu disse que
não, menti. Eu percebo agora que menti. Estava bêbada e machucada, mas eu
tinha noção do peso das minhas palavras, eu sabia que Mateo me odiaria e a
odiaria junto. Eu sabia que a farsa dela acabaria, que fofocas seriam
espalhadas. Talvez, no fim, sejamos todos iguais, completamente fodidos e
quebrados. Talvez a tempestade que causei tenha se juntado a de Chris
Vender.
E eu noto tudo isso enquanto vejo minhas malas prontas, enquanto me
preparo para sair dessa casa depois de semanas. Não faço ideia de como os
outros estão, ninguém veio me visitar e isso se deve a falta de respostas. Não
tenho respondido as mensagens, é melhor que fiquem longe.
Madison saiu da fraternidade e agora está se tratando. Isso é suficiente,
ela não precisa de mim, muito menos Tommy, Jack, Hannah ou Juliet.
Ninguém precisa.
As coisas são assim, elas vêm e vão, ajudam e destroem. Eu fui assim e
Nicholas também. Sei disso agora.
Por estar sozinha comigo mesma há algum tempo, por ter encarado meu
reflexo e meus erros, decidi mudar. Decidi que preciso de ajuda, mas isso tem
que acontecer longe daqui. Eu não quero mais beber, não quero ser essa Alice
que sofre por coisas que não pode controlar.
Eu preciso me ajudar.
Minhas pernas doem e minha mente está cansada. Meu corpo não
colabora mais comigo.
Não contei a verdade a Nicholas, não revelei o que realmente aconteceu
na Red Hell. Todos ainda acham que eu desmaiei de tanto beber e isso é
suficiente, não quero ser a protagonista de outro drama.
Quando chego no parque da cidade, vejo algumas crianças correndo e
uma delas me reconhece. Grace corre na minha direção, me chamando.
— Alice! — ela exclama e me abraça. Retribuo o gesto, há muitos dias
não recebo um abraço forte. Me sinto quase chorar. — Estava com saudades!
— Eu também, pequena.
— O Nick está ali! — Grace aponta sem discrição alguma.
Encontro os olhos de Thompson, que me observa de longe. Ao seu lado,
Polly me queima com o olhar. Ela ainda está numa cadeira de rodas.
Vejo-a dizer algo, mas não me importa.
Não mais.
— Eu sei, Grace, mas hoje eu preciso resolver algumas coisas, está
bem?
— Não vai falar com o Nick? — Ela faz um biquinho.
— Não — sussurro, segurando o choro. Eu queria, mas nós dois nos
machucamos muito. — Eu preciso ir.
A menina parece insatisfeita, Grace concorda sem ânimo algum e volta
correndo para o irmão. Nick me olha uma última vez e eu faço o mesmo com
ele.
Talvez eu crie coragem para dizer adeus, ou até breve.
O jantar foi estranho, Conor e Mark voltaram para casa e parecem mais
preocupados comigo. Precisei avisar que vou embora antes que eles
tentassem me expulsar de uma forma educada. Não quero ser um peso.
Andressa me olhou de canto de olho quando eu disse que sairei da casa
deles, ela não entendeu. Então, depois da janta, a ruiva faz questão de parar
no quarto de hóspedes.
— Não vai assistir as aulas? — questiona e me analisa, parada na
entrada do cômodo.
— Eu tranquei o curso.
— O que? Seu pai sabe disso? — É um bom argumento, mas John sabe
de tudo, ele sempre soube por mensagens e ligações.
Ainda confio em meu pai.
— Sabe sim. Tive que contar, porque vou pra casa, Andressa.
— Como assim?
— Não posso morar com você, não há vagas no dormitório e a
fraternidade não é uma opção. Preciso me tratar e me afastar de tudo isso.
— Com tudo isso, quer dizer nós? — Ela não parece brava.
— Olha, eu fiz coisas erradas e sei que você ficou sabendo. Falei com a
Christina hoje. — A ruiva entra e se senta na cama, a sua curiosidade é
notável. — Me sinto mais culpada ainda.
— Mas não precisa ir embora.
— Se eu quiser melhorar, se quiser me livrar de todo esse peso e esse
passado, esses erros, preciso sim. É como um recomeço.
— Mas pretende voltar? — Algumas lágrimas aparecem em seus olhos.
— Não sei. Quem é que sabe?
De repente nos encontramos em silêncio, nós duas queremos chorar. Eu
preciso de tempo, desde que cheguei à Wiston Hill vivi os melhores
momentos da minha vida, entretanto, encarei muito veneno e muita raiva que
não era direcionada apenas à mim. Tentei me manter de pé e finalmente notei
que não vou conseguir.
Não vou conseguir, porque preciso me acertar com meus problemas e
fantasmas, assim como Nick se esforçou para se resolver com os dele quando
cheguei.
Suspiro enquanto Andressa morde o lábio, segurando as lágrimas.
Talvez eu possa resolver uma última coisa, não será da forma mais adequada
e tenho certeza de que Nick perderá o controle, mas ver os hematomas no
rosto da Chris me deixou furiosa.
— Preciso te contar algo. Nick não pode saber disto agora, ninguém
pode, está bem? Depois que eu for embora, faça o que achar melhor com este
quase segredo.
Ela assente, mantendo-se quieta. Então, eu conto sobre o que aconteceu
na Red Hell, sobre Mateo, o assédio, o empurrão e o machucado. Depois,
comento sobre Chris Vender.
Andressa fica chocada.
— Não pode esconder uma coisa dessas, não depois do que ele fez com
a Chris! É agressão.
— Andressa, você prometeu. Vamos ser realistas, a Chris nunca
confirmaria e eu estava bêbada. Todo mundo acha que caí porque...
— Eu sei, eu também achava. — Ela engole o choro.
— É, mas não foi bem isso que aconteceu e eu ia contar tudo no
hospital, mas parecia que vocês já tinham uma boa versão. Ninguém queria
me ouvir, eu estava cansada.
— Me desculpe. — Ouço-a sussurrar.
— Por? Andressa, você me trouxe pra sua casa, me deixou ficar aqui
depois de tudo. Você foi uma amiga de verdade, não importa o que pensou
quando...
— Importa sim! Era pra eu ter te escutado, mas me afastei. Não foi
justo.
— Não importa mais, de verdade.
E quando termino de dizer isso, ela me abraça com força, me arrancando
o fôlego.
É tarde quando ouço as vozes na casa, estou quase pegando no sono,
mas, de repente, as luzes do corredor são acesas.
— Alice, acorda! — Leah, irmã mais nova da Andressa, soa
desesperada.
A ruiva surge em seguida.
— A academia está pegando fogo. Temos que ir para o hospital agora, o
Jayden estava lá dentro!
Meu coração acelera. Eu achei que minhas últimas horas em Wiston Hill
seriam tomadas por calmaria, mas não.
É como uma bola de neve. Caos e mais caos.
Me levanto num pulo e me junto a elas. Mark nos leva até o hospital e
somos as primeiras a chegar. Nenhum dos nossos amigos está presente ainda,
o que é bom, já que a maior parte deles me odeia agora e eu não gostaria de
ver o Nicholas.
Abro a porta do quarto onde colocaram Jayden e entro com calma. Ele
me observa sem dizer uma palavra.
— Está tudo bem?
— Sim, mas não por sua causa — solta com toda grosseira do mundo.
— Foi o Mateo, sabia? Anos atrás ele colocou fogo num dos prédios da
Universidade e agora, na academia.
— Me desculpa, de verdade Jayden, eu...
— Você o quê, Alice? Sente muito? A Chris pode ter sido horrível com
você, eu li a notícia, mas apagar fogo com fogo...
— Eu não tive a intenção.
— Claro que não. — Ele ri. — O que você quer, afinal? Ser perdoada?
Tudo bem, eu te perdoo, entendo a sua raiva.
— Eu não imaginei que o Mateo...
— Não era da sua conta! — exclama.
— A minha vida também não era da conta da Christina! — grito. — Não
foi certo, eu sei, mas todos estão me tratando como a única errada. A atitude
dela também teve consequências! O que fiz gerou reações mais visíveis, mas
a Chris continua errada. Não quero me defender, não estou mais nem menos
certa, mas não é possível que agora eu tenha me tornado um monstro.
Jayden suspira. Pela primeira vez, desde que entrei no quarto, ele me
olha com compreensão.
— Eu sei — diz. — O pai dela não me queria junto da filha, desconfio
que seja porque sou negro e não faço parte da alta sociedade. — Sua risada é
de indignação. — Isso me incomodou sim, no começo. Agora eu estou no
meio de pessoas como você, tenho uma bolsa de estudos na universidade e
sou capitão do time. As coisas mudaram, mas aos olhos do Ash Vender, eu
continuo sendo um garoto pobre que não tem o direito de se apaixonar pela
filha dele.
— Isso é besteira, Jayden. Vocês dois merecem ser...
— Eu também sei disso e eu sabia antes de quase morrer num incêndio,
antes de virar um alvo pra raiva de um garoto nojento e mimado — ele
suspira. — Vocês todos tem seus problemas, Wonders, mas o que o dinheiro
não faz? Você estuda aqui, porque tem um sobrenome importante. Bateu o
carro enquanto dirigia bêbada e nem foi presa por isso, seu pai ajeitou tudo.
A Christina, Madison, Nicholas, Andressa, todos vocês. Mas nenhum
consegue tirar um tempo e olhar para os próprios erros e para as escolhas de
merda que fazem. É ridículo. Nenhuma quantia consegue tirar essa dor de
vocês, essa falsidade, essas mentiras. Na verdade, chega a ser triste. Vale a
pena?
— Não, e eu sei. Pode acreditar que eu sei de tudo isso.
— Que bom.
Jayden não continua falando, o que me mostra que o assunto morreu.
Quando volto para o corredor, Andressa entende meu olhar. Preciso sair
daqui, preciso esquecer de tudo.
Ele está certo. Nenhuma quantia, grande ou pequena, consegue nos
afastar de quem somos de verdade.
41
CUSTO
"Então, nós mentimos para sermos perdoados,
venderíamos qualquer coisa
só para comprar o que não somos.
A qualquer custo.
Nós matamos o nosso caminho para o céu."
Michl | Kill Our Way To Heaven
NICHOLAS THOMPSON
Bato a porta do meu quarto no dormitório quando entro. Jack está com
Hannah e assim, não preciso responder perguntas. Ando até o banheiro e lavo
os dedos com água fria. Eles doem, há cortes leves e o sangue escorre
lentamente.
Ainda sinto raiva, ela não é fácil. Mateo deve estar com dor agora,
mesmo assim, meu peito queima. Talvez seja minha culpa, me sinto um
idiota pelo que fiz com Alice e por não ter me desculpado.
Então, ouço a porta do quarto se abrir. Os passos ecoam.
— Jack? — pergunto.
Nenhuma resposta.
Não acendi as luzes, me encontro no completo escuro até ela aparecer à
porta do banheiro. Alice me analisa e acende a luz, fazendo meus olhos
arderem.
— Acho que não me pareço com o Jack. — Um alívio percorre meu
corpo, esfrio no mesmo momento. É ela em meu quarto. Eu precisava disso.
Desligo a torneira e rio baixo, apenas para mim. Só eu entendo o que
estou sentindo.
— Não mesmo — sussurro. — É mais bonita que ele.
Alice entra no cômodo e agarra a minha mão, examinando os
machucados.
— Quem acabou com o nariz quebrado dessa vez? — Sua voz está
baixa, calma.
— Mateo Price — conto. A garota ergue o olhar, encontrando meus
olhos.
Alice Wonders é perfeita.
— Eu vim pedir desculpas — diz.
— Não — respondo com aspereza e praticamente fujo dela. Me solto de
seus dedos e volto para o quarto. Alice me segue com hesitação. — Eu devo
pedir desculpas.
Não posso olhar em seus olhos quando digo isso, porque dói. Fui um
idiota, a machuquei.
— Nicholas eu...
— Sei que você não fez por mal quando contou a Mateo e sei que estava
magoada com o que a Chris postou, por isso bebeu.
Ela fica em silêncio, me sento na beira da cama e a analiso antes de
prosseguir. Sua cabeça está abaixada e os braços, cruzados.
— Eu fui um babaca, Alice, te deixei sozinha. Me desculpe. Não queria
ter feito isso e só me dei conta...
— Depois — ela completa, eu concordo. — E precisamos conversar. —
Alice se senta na cama de Jack e cruza as pernas. Respiro fundo, mantenho
meu silêncio. Ainda estou aprendendo a lidar com o medo de perdê-la por
conta dos meus erros.
É um tanto egoísta pensar na dor de viver sem Wonders, mas é tudo que
tenho. Medo. Eu sei que ainda não acabou, Alice só caiu e bateu a cabeça,
mas penso no acidente de Nova Iorque, penso em Mateo, penso em minha
mãe. Tantas coisas podem acontecer.
Assim, eu espero. Precisamos mesmo conversar.
— Como você está? — pergunto.
— Eu vou embora. — Alice solta de uma vez, me deixando confuso. —
Vou pra Nova Iorque.
— O quê?
— Eu preciso ir, Nick. — As lágrimas em seus olhos são visíveis. —
Depois de tudo isso descobri que meus pais estão se separando, então, vou
morar com John e minhas irmãs.
— Espera, o que disse? — Não prestei atenção numa palavra sequer,
apenas na parte de ir embora.
— Katherine foi embora e...
— Não, Alice, sobre você ir embora! — exclamo, a calando.
— Eu preciso ir. Nós temos muitas coisas pra superar.
Suspiro, tentando extrair algo de suas palavras. Ela vai embora por
minha causa ou por conta de seu próprio passado?
Um frio em meu estômago me deixa em silêncio. Eu devo mesmo ter a
machucado, todos devem. Alice passou por tantas coisas em poucos dias,
num lugar que não conhece direito, com pessoas que se aproximaram muito e
se afastaram rapidamente. Ela sofreu com as mentiras, as brigas e a falsidade
dos outros.
E eu fugi quando poderia ter a ajudado.
— Tudo isso me destruiu. Mentiras, boatos, veneno. Muita coisa
aconteceu e eu não posso mais ficar, preciso resolver os meus problemas e só
me dei conta quando a Chris postou aquela notícia.
— Alice, depois de tudo eu só quero que fique. Eu te quero aqui comigo,
sei que fui um idiota, mas...
Ela suspira.
— Eu não posso mais, Nick, não agora. Quando li sobre o acidente notei
que não superei coisa alguma, eu só fingi que não tinha acontecido e me fiz
esquecer. Mas é real, foi real e foi um erro. Eu preciso de tempo.
A entendo completamente. Eu nunca fingi que as coisas com Elle,
Pumpkin e Wine não haviam acontecido, mas decidi me apegar a elas. Eu não
queria superar e não queria arriscar, até que Alice me convenceu de que eu
precisava seguir em frente.
No caso dela, Wonders nunca seguiu em frente. Ela mentiu para si
mesma por anos, então, foi obrigada a encarar a verdade.
O silêncio nos consome, mas nossos olhares continuam conectados.
— Alice, eu tenho muito medo de te perder. Não tinha notado isso até
você dizer que vai embora.
Wonders sorri fracamente.
— Talvez eu não devesse estar na frente do Heaven naquele dia. Teria
sido muito mais fácil.
— Está dizendo que se arrepende?
Ela nega com calma e se levanta. Alice anda até um canto do quarto,
pensando, e fica de costas para mim.
— Não vai me convencer a ficar.
Bufo. Eu preciso convencê-la, eu preciso que fique comigo. Ela é tudo
que eu quero. Wonders trouxe a verdade e mudou as pessoas sem realmente
tentar. Alice só precisou ser ela mesma, sem teatros, sem superficialidade.
Será que não percebe que todo o caos foi necessário? Há muita coisa
para resolver ainda, mas preciso dela comigo. Eu só preciso dela.
Eu a quero ao meu lado.
Me sinto um tanto egoísta também, porque sei o quanto Wonders precisa
de tempo, sei que quer se entender com o passado, com seus erros, com seus
medos. Mas o frio me consome. E se eu nunca mais voltar a ver seu sorriso?
E se eu nunca mais puder a abraçar fortemente? Até mesmo suas lágrimas me
farão falta.
Ninguém sabe o que pode acontecer. Em poucos dias um caos pode se
instalar, devorar e partir, sem que ninguém esperasse por ele.
A vida é um carrossel idiota. Uma montanha-russa, às vezes.
E se ela vai, quando volta? Afinal, ela volta?
— Alice — me levanto, ando até seu corpo e agarro em sua cintura —,
eu te amo.
— Não vai me convencer — diz baixinho. Essa menina sempre foi
teimosa demais.
— Eu te amo muito.
Não me sinto errado por a querer tanto. Polly Thompson e Chris Vender
não podem mais me controlar. Todo o caos, todas as lágrimas e todos os
problemas valeram a pena, porque ela vale a pena.
— Eu também te amo — me surpreende. Nunca a ouvi dizer isso antes,
apenas imaginei. Sua voz sai cheia de certeza e ela se vira para mim. — Eu te
amo, Nicholas. Te amo há muito tempo e eu confesso que não queria sentir
isso, no começo eu não queria me apaixonar por você. Acontece que é
impossível, porque eu te quero. Eu gosto das mínimas coisas, eu gosto do seu
sorriso e da sua impaciência, gosto da sua voz, do seu calor, da sua
intensidade. Eu te amo mais do que deveria e isso é muito.
Suas mãos encostam em meus braços, Alice encara meus músculos e
não meus olhos. A garota está chorando e eu estou confuso.
Ela disse que me ama.
Eu preciso beijá-la, preciso, desesperadamente, convencê-la a ficar. Me
aproximo do seu corpo, prendendo-o contra a parede, e Alice sorri.
— Me desculpe, mas eu vou embora — sussurra perto dos meus lábios.
Mesmo sabendo que talvez ela realmente decida partir, a beijo com
intensidade. Eu a amo como nunca imaginei ser possível amar alguém. Posso
estar repetindo a mesma loucura de Damon e Pumpkin, mas agora entendo.
Não é errado e nem difícil como disseram que seria. O amor não é difícil, ele
exige coisas, exige atitudes e exige paciência, mas é bom.
Não é simples, mas é incrivelmente forte.
Eu amo Alice Wonders e ela me ama. Agora eu sei disso, com toda
certeza.
— Fique — sussurro, separando nossos lábios. Ela só me entrega um
sorriso curto e um olhar melancólico, como se tentasse decorar cada detalhe
do meu rosto.
— Eu te amo, Nicholas.
O sexo não foi só sexo, eu a tinha comigo e tentei ao máximo não pensar
no fato de que Alice ia embora. Eu senti seu calor, sua calma. Estávamos
diferentes. Então, quando Alice pegou no sono apertada contra meu peito, eu
tive certeza de que não podia a perder, não posso a perder.
Mas também notei ser necessário.
Quando acordei ela já não estava comigo. Alice deixou um colar ao meu
lado, sobre o travesseiro. A serpente que eu tanto adoro.
Ninguém sabe o que vai acontecer depois, mas eu tenho certeza de que
para a ter de volta, preciso a deixar ir. Alice necessita de tempo e eu devo isso
a ela.
Não posso interferir.
E se ela voltar, quando voltar, estarei aqui. E continuarei a amando.
42
DEPOIS
"Haverá felicidade depois de você,
mas houve felicidade por sua causa também.
Ambas as coisas podem ser verdadeiras.
Existe felicidade em nossa história."
Taylor Swift | Happiness
NICHOLAS THOMPSON
AGORA
"Eu ainda quero você,
mas não pelo seu lado ruim,
não pela sua vida assombrada.
Só por você."
Foxes | Devil Side
NICHOLAS THOMPSON
FALTA
"Oh você está me derrubando,
assombrando meus sonhos.
Eu gostaria de acabar com o mundo com você."
JPOLND | The End
NICHOLAS THOMPSON
A aula terminou rápido. Eu estava presente dessa vez, anotei tudo, ouvi
cada palavra. Me mantive focado como nunca antes e Chris, às vezes, se
virava para trás, me examinando.
Ela me pediu para ser cruel, mas tem medo de eu partir e a abandonar.
Não farei isso, apesar de tudo, ela não merece. Quando saímos da sala, Chris
me parou no corredor e disse que passará a tarde na biblioteca, o que me foi
uma ótima notícia, visto que vou sair com Juliet.
Algumas aulas em Wiston Hill parecem ser mais longas que outras e
esse é o caso da novata. Me sento nos degraus à frente do prédio, esperando-
a, e nada. Apenas demora e silêncio.
Agarro o maço de cigarros, pronto para voltar a fumar, quando ouço o
celular tocar em meu bolso.
O mesmo nome de antes. Alice Wonders.
— April? — suspiro ao atender.
— Ai que bom, você se lembra de mim — brinca, me fazendo rir
baixinho. Eu preciso a conhecer pessoalmente, a menina tem o mesmo senso
de humor e respostas afiadas da irmã. — Gostei de conversar com você,
Nicholas.
— Nick — corrijo de novo. — Só Nick.
— Certo, só Nick. Gostei de conversar com você.
— Alguém já te disse que você é a mais irritante das Wonders? — Rio
mais uma vez.
Já, toda hora. Alice aprendeu tudo comigo. — April soa ofegante. — Eu
queria conversar de novo, também tenho um recado da minha irmã.
— E só lembrou disso agora? — provoco.
— Pode calar a boca? Preciso terminar de contar o que ela pediu. Eu
tinha aula, não posso usar meu celular na sala — respira fundo —, meu
professor me mataria.
— Você não pode usar o celular na escola?
— Dependendo da aula, não posso nem respirar.
— É notável, está ofegante — brinco e a garota fica brava. Parece muito
com a Alice.
— Eu estava na aula de ginástica! Olha, a Alice disse que vai te mandar
um presente e ela pediu pra você usar, por favor.
— Um presente? Usar?
— A ligação falhou, por um acaso?
E novamente, solto uma risada. Eu jurava que ninguém poderia vencer
Alice no quesito irritante e engraçada, mas estava errado.
— Deixa eu te perguntar, tem um motivo pra Alice ter deixado o celular
com você e ter te pedido pra falar comigo?
— Eu sou a preferida dela, claro. Você vai usar o presente? — pergunta
e, finalmente, para de arfar.
— Acho que vou, não tenho ideia do que é.
— Bom, quando descobrir, me conte. Tenho que ir.
April não espera por um tchau, ela apenas desliga. Fico boquiaberto por
segundos que parecem não ter fim, não sinto que acabei de falar com uma
menina de quatorze anos, ela é esperta demais e tem as respostas certas para
os momentos errados.
Encontro Juliet ao meu lado e guardo o celular no bolso.
— Demorou — digo.
— Isso dá câncer, vai te matar. — Ela aponta para o maço.
— Sabe, essas coisas estão escritas na caixa, não precisa me contar.
A menina rola os olhos e me assiste levantar.
— Está pronta?
Ela assente com animação.
Cada vez que acelero, Juliet agarra mais em minha cintura. Ela me
aperta com agressividade e desespero, temendo cair. Me divirto no começo,
mas quando noto seu nervosismo, opto por parar perto da praia. Estávamos
quase chegando no Heaven, mas acho que ela precisa respirar.
Estaciono e espero. Juliet parece ter travado.
— Está tudo bem? — pergunto num tom doce, nem todos se divertem
em motos. Me lembro da primeira vez em que andei com Alice, de seu
sorriso animador, sua respiração lenta, de como ela adorou a adrenalina.
Juliet não me responde. Desço o olhar e encontro seus dedos unidos,
apertando meu corpo, agarrando em minha cintura.
— Sabe, é muito emocionante, mas muito assustador. — Ouço-a
sussurrar e acabo rindo. Ela me solta com calma. — Não posso opinar ainda.
— Tudo bem, nem todo mundo gosta. Prefere ir andando ao Heaven?
Não ouço sua resposta, ela parece quieta demais para alguém que adora
flertar com estranhos. Retiro o capacete e me afasto, saindo da Harley-
Davidson.
— Podemos ir andando — enfatizo, encontrando seus olhos castanhos e
lábios carnudos. — Se quiser.
— Não seria justo, você tem uma moto. Acho que posso aguentar até lá.
— Rola os olhos.
— Não vou te forçar a fazer algo que não quer, Juliet. Podemos andar —
repito. A garota sorri levemente e assente, aproveitando para analisar meu
abdome e peitoral cobertos pela camiseta.
Depois de alguns segundos, nos ajeitamos e eu me coloco ao lado da
moto. Juliet anda comigo até o bar e eu arrasto a Harley pelas ruas.
— Sente falta da Alice? — É a primeira coisa que pergunta, para
quebrar o silêncio. — Quer dizer, vocês eram bem próximos.
— Sinto sim — suspiro, tudo que quero é mudar de assunto. Sei que a
garota está bem, mas não posso comentar sobre, a saudade me consome.
Há sentimentos que não consigo controlar.
— O que estava acontecendo entre vocês, afinal? Pareciam um casal,
mas me disseram que...
— Quem te disse? — questiono tentando soar amigável.
— Tommy, o seu amigo. Ele me disse que você e Alice não
namoravam...
— Não, a gente não namora, mas estamos juntos. Ou estávamos.
— E como isso funcionava? — Juliet está animada, ela faz perguntas
como se fosse uma criança curiosa. Acelero o passo e, ao seu lado, atravesso
a rua.
Nós dois paramos no estacionamento do Heaven Bar.
— Só funcionava, não sei explicar. — Deixo a moto numa das vagas e
examino a garota.
— Isso nunca funcionou pra mim — conta e suspira. Parece que mais
alguém tem segredos.
Dessa vez, opto por não ser curioso.
Todos nós tivemos nossas vidas colocadas de cabeça para baixo, tudo
porque alguém queria espalhar fofocas e mentiras. Juliet Rhodes merece ter
espaço e o direito de esconder coisas dos outros, mesmo que seja a única com
esse direito em Wiston Hill.
Aceno com a cabeça, a chamando para o bar. Juntos entramos no lugar
vazio, onde Hannah já está trabalhando. Assim que a porta se fecha, a
baixinha de cabelos azuis me encara e abre um sorriso.
— Finalmente alguém que eu gosto — brinca. Pisco para ela e então, a
mesma nota Juliet ao meu lado. — Ora ora, parece que a novata veio
conhecer o bar.
— Hannah, certo? — a menina pergunta e se joga num dos bancos.
— Sim, e você é Juliet Rhodes. Te vi na festa da fraternidade. É a Irmã
do Alex...
— Ele não é meu irmão, nossos pais se casaram — corrige no mesmo
instante.
Aparentemente, a menina não gosta de ser chamada de irmã do
Alexander. Juliet insiste em afirmar que não são da mesma família, não de
verdade.
— Certo. — Hannah sorri. — E o que vai querer?
— Uma cerveja — responde.
— Rum? — A bartender me fita e eu confirmo, me colocando ao lado de
Juliet. — Claro.
Hannah pega duas garrafas, uma é para a novata e a outra está cheia da
minha bebida preferida. Ela me serve com calma, desliza o copo pelo vidro
do balcão e me encara.
— Fiquei sabendo que a irmã da Alice te ligou.
— O seu namorado nunca vai aprender a guardar segredos, não é?
Hannah rola os olhos.
— Não temos segredos, Nicholas. Alice está bem?
— Sim.
— De verdade? — A baixinha parece preocupada e não duvidosa. —
Ela está sem beber mesmo?
— Reabilitação — sussurro.
— O quê? — Juliet indaga e nos encara. Troco alguns olhares com
Hannah antes de continuar.
— Ela escolheu isso, Alice quer ficar sóbria.
As duas se calam, o momento perfeito para mudar de assunto.
— Vão à minha festa? — Soo áspero, é estranho chamar de minha
festa quando na verdade, não gosto de festas de aniversário, só gosto da data.
— Claro, acha que vou perder isso?
— Que festa? — Juliet pergunta em seguida.
— Meu aniversário está chegando, vão fazer uma festa na casa do Jack.
A novata sorri esperando que alguém a convide, mas não o faço. Essa
parte fica para os organizadores de tudo, ou seja, Jack, Hannah e Madison.
— Me passa seu número, está convidada. Eu te mando o endereço e
hora. — Hannah diz.
As duas continuam conversando e me esquecem por alguns segundos.
Nenhuma palavra me chama atenção, isso porque estou perdido, encarando a
mesma pessoa desde que a encontrei isolada num canto qualquer.
Alexander está jogado num banco, segurando uma garrafa vazia e
olhando para o nada. Eu não havia notado sua presença, mas ele está aqui, se
embriagando.
O menino parece completamente quebrado.
— Eu já volto — digo, me afastando das garotas. Sei que elas notam até
onde estou andando, mas não me param.
Me coloco ao lado da mesa e espero, é como testar meus limites. Eu
quero quebrar a cara dele. Há apenas quatro pessoas no Heaven hoje,
ninguém vai reclamar, e Juliet parece desejar que eu faça isso.
Alex fica parado, olhando para a mesa limpa. Ele não me encara.
— Beber não vai te ajudar — solto.
— Eu não quero ajuda. — Então, ele ainda está vivo. O menino pisca
algumas vezes e mantém a postura. — Quero beber.
— Deve ter um bom motivo pra isso, não?
A minha vontade é de bater em sua mandíbula com um soco perfeito,
mas não posso. Sei que não posso. Entretanto, se Alex me der um motivo...
— Você veio aqui jogar na minha cara? Me contar que ficou com ela...
— Não fiquei — sussurro. Alexander ergue a cabeça, sorri fracamente e
encontra meus olhos.
— Viu só? Alice não gosta de ninguém, só dela mesma.
— Você pergunta se fiquei com ela como se Wonders fosse um objeto.
— Para com esse papinho. Ela te deixou, não foi? Alice te abandonou
igual fez comigo, igual fez com...
— Eu não quero saber, mesmo. É melhor você só beber e calar a boca,
Alex. — Eu desisto, não preciso de muito para perder a paciência.
Me viro, pronto para partir. Juliet e Hannah nos assistem, há muito
silêncio ao redor, nossas vozes são as únicas que ecoam pelo bar.
— Sério? Vai falar só isso? — Ouço-o berrar. Paro, de costas para o
menino, e respiro fundo. — Eu achei que ela gostasse de você de verdade e
confesso que fiquei com inveja, mas — ele ri — ela te deixou.
Tento ao máximo, me esforço, me lembro da terapia, mas nada funciona,
não agora, não com ele ofendendo Alice enquanto eu sei que a garota foi
embora por outros motivos. Me viro num impulso e o agarro pela camiseta.
Alex parece satisfeito, ele queria isso.
— Nick! — Hannah brada.
O coloco contra o jukebox, me inclino para chegar perto do seu rosto,
quero que ouça cada palavra que vou lhe dizer. Quero que me entenda.
Eu não preciso socá-lo, Alex já está quebrado.
— O seu problema — digo, ele presta atenção —, é achar que a ama.
— Eu a amo — sussurra.
— Não, não ama. Você a machucou, sabia que ao contar aquele segredo
ia acabar com ela, se a amasse não teria feito isso. Você ficou a perseguindo e
insistindo.
— Eu só queria ela de volta — Alex ainda fala baixo, enquanto me sinto
quase berrando.
— E quando não conseguiu, decidiu a magoar? Isso não é amor, é
egoísmo. Você é um egoísta, o que está sentindo agora é culpa. — Eu
finalmente o solto. — Isso ai é culpa, você sabe que machucou a Alice, você
sabe o que fez.
— Eu não queria...
— Queria sim! Queria! — exclamo. — E conseguiu. Então, pode beber
até cair nesse chão, pode se fazer de vítima e chorar, mas eu não vou te bater.
Eu não vou tocar em você, porque é isso que quer.
Alexander desliza, encostado no jukebox, e atinge o chão. Ele abaixa a
cabeça e deixa algumas lágrimas escorrerem.
— Você merece sentir culpa — digo.
É verdade. É a mais pura verdade. Todos merecemos.
E ele sabia de algo que podia acabar com a Alice e usou disso por puro
egoísmo. Ele a queria e quando não teve, a destruiu. Isso é ridículo, coisa de
gente mimada e egocêntrica, algo que odeio.
Respiro fundo, deixo o sal que dança no ar tocar a minha língua. Tudo
parece calmo e certo na praia vazia. Penso em Alice e no que deve estar
fazendo.
— Isso foi... — A voz de Juliet ecoa.
— Idiotice. Eu não devia ter falado com ele.
— Não, Nick, tudo que disse é verdade e Alex precisava saber disso. Por
um momento achei que fosse bater nele...
— Eu ia bater nele — a interrompo. — Mas nem isso Alexander merece.
— Certo. — Ela caminha e para ao meu lado. — Você diz que está bem,
mas não parece.
Essas palavras me deixam mais quieto. É verdade, apesar de saber que
Wonders está se tratando, o peso de tudo que aconteceu nos últimos dias está
sobre meus ombros. Eu a amo, de verdade, de uma forma inexplicável. E eu
tenho medo, muito medo do que pode acontecer daqui pra frente.
Eu a quero de volta, bem e melhor, mas a quero.
Tudo que dissemos em nossa última noite juntos ecoa em minha mente.
Eu achei — por breves segundos — que tinha a convencido, mas Wonders
sumiu.
Na manhã seguinte, ela já havia partido.
Isso ainda dói. O impacto de acordar e não a encontrar, o silêncio, o
cheiro espalhado pelo ar, a falta de sua voz. Tudo me deixa perdido, porque
não tenho a certeza de que a verei novamente.
Não tenho mais certeza alguma. Ela pode optar por ficar longe, apesar
do que sentimos.
— Ela te ama? — Juliet questiona, roubando meu ar. — Alice te ama?
— Seria mais sensato perguntar se eu a amo — respondo
grosseiramente, sem a fitar.
— Isso já está bem mais que óbvio. Mas e Alice? Ela te ama?
Um silêncio surge. Devo dizer que sim? Devo dizer que não sei? As
duas respostas me deixariam em dúvida, afinal, será que ela ainda me ama?
— Ela me disse que sim uma vez — confesso e encontro os olhos
castanhos de Juliet —, mas as coisas podem mudar.
— Podem? Eu não acho que vão. Ela te ama tanto quanto você a ama,
Nick.
— Isso não significa que ela vai voltar.
— Talvez não precise, talvez você vá até ela. As coisas mudam.
Suspiro. É uma boa teoria.
— Pode demorar, Nicholas, mas tenho certeza de que Alice não te culpa,
não tanto quanto você mesmo se culpa. Isso sim é idiotice.
Só há uma certeza, eu a amo tanto quanto ela disse me amar. E isso não
muda tão fácil.
44
TEMPO
"Você pode se esconder, mas não pode correr.
Não, você não pode recuperar o dano que causou
com medo do que você pode se tornar."
Sam Tinnesz | Man or a Monster
NICHOLAS THOMPSON
Ouço o som do celular do Tommy, ele toca uma, duas, três vezes e
então, o garoto o agarra antes que eu possa perguntar quem é. Novamente,
Thomas se afasta de mim ao atender, ele caminha até outro quarto da casa de
Polly Thompson.
— Segredos? — Jack pergunta. Assinto, me esforçando para ouvir uma
palavra sequer, mas não consigo.
Amanhã é meu aniversário e hoje estamos todos juntos no meu quarto
da mansão Thompson, conversando.
— Acha que é algo sério? — o menino continua.
— Eu não faço ideia. — Jack me entrega o cigarro que fumava e eu
termino. Trago e volto a falar: — Mas Tommy não quer que eu saiba.
— Posso perguntar se quiser.
— Acha mesmo que ele vai te contar? Thomas não é idiota, ele sabe que
você vai abrir a boca.
Jack faz um careta e me encara. Estou de pé à grande janela, observando
o jardim, já ele está sentado na minha cama, todo jogado no colchão macio.
— Eu sei guardar segredos — diz, me fazendo rir baixo. Ele não sabe.
— Obrigado pela piada, estava precisando.
Um certo silêncio surge e nos ignoramos por um tempo.
April não me ligou mais, há dias que tenho esperado por alguma
informação e nada. Tenho certeza de que as coisas não mudaram e Alice
ainda está bem, o que me incomoda agora é saber que Christina não foi
convidada para o meu aniversário.
— Fez o que pedi? — pergunto para Jack, ele franze o cenho enquanto
trago por uma última vez. — Sobre a festa.
— O que exatamente? — Ele nem considerou o meu único desejo.
— Convidar Chris Vender.
— Não — conta. — Eu nem levei essa ideia à Hannah.
— É o meu aniversário, você ainda sabe disso, não? Eu posso escolher
meus convidados...
— Convide você mesmo, Nicholas. — Há seriedade em sua voz. —
Olha, eu também acho sacanagem deixar ela de fora das coisas, a tratar mal,
mas não posso tomar essa decisão. Não sabendo que Madison e Andressa
estarão lá.
— Até onde eu sei, elas não odeiam a Chris — murmuro, entretanto, ele
ouve.
— Até onde você sabe. — Jack bufa e se ajeita.
— Ela fez merda, eu sei disso.
Dou de ombros, eu não a deixarei sozinha. Seria péssimo, ela também
tem de superar algumas coisas.
— Não acha que ela ficou boa do dia pra noite, certo? — Nossos olhares
se encontram.
— Pelo contrário. Não posso exigir que Chris mude e vire outra pessoa,
ela é assim. Mas acho que notou por si própria, que não precisa ser tão
horrível.
— Eu espero que isso seja verdade, Thompson. — Não, Jack não espera.
Ele tem total certeza de que Chris ainda é a mesma.
Fico quieto, desejando que ele mude de assunto, esperando que Tommy
volte, mas na verdade quem aparece é Quinn. Ela para à porta, nos fita por
segundos e engole em seco.
— Sim? — Tento soar doce, a menina sempre foi tímida e fica sem jeito
quando há muita gente ao redor, principalmente quando essas pessoas são eu,
Jack e Thomas.
— A sua avó ligou, está voltando da fisioterapia. Vão buscar a Grace na
casa da amiga e...
A voz suave dela é interrompida pela voz grossa e rouca de Thomas,
parado atrás da garota.
— Acho melhor eu ir embora então — diz, fazendo Quinn pular de
susto. Ela cora, se vira e sorri, toda sem jeito. — Oi — ele termina.
Jack ri baixo e vira o rosto, para que a menina não note. Fico em
silêncio, segurando a risada. A garota é um tanto engraçada, me sinto mal por
vê-la agir assim quando estamos por perto, mas de certa forma, me divirto.
— Obrigado, Quinn — sussurro deixando-a em paz. Ela parte com
pressa.
— Ela é sempre assim? — Tommy questiona, entrando no cômodo. —
Eu estudei com ela, mas não me lembro...
— Ela só é tímida. Às vezes conversamos — faz tempo que não me
sento para fazer isso.
Quinn trabalha para nós há anos, desde adolescente. Ela começou cedo.
A menina é linda e extremamente inteligente, gosta de crianças e filmes de
comédia romântica, tem dois gatos, mora com o irmão mais velho e o pai. A
cor favorita dela é roxo. Descobri tudo isso em tardes aleatórias, quando ela
criou coragem para me olhar e abrir a boca.
— Bom, vou embora com o Thomas. Não quero ver a sua avó.
— Por que? Ela não te odeia — conto, os dois riem mais uma vez.
— Obrigado por me lembrar — Tommy sussurra.
Jack se ergue num pulo e me dá um tchau. Os garotos conhecem o
caminho até a porta e seguem por ele. Logo me vejo sozinho num grande
quarto, olhando para a tela do celular e para o colar de serpente, pendurado na
cabeceira da minha cama.
O melhor presente seria ver seu sorriso novamente, com toda certeza.
Desde o acidente, minha avó tem se preocupado muito com a ideia de
voltar a andar. Ela vai à fisioterapia com frequência, nunca falta, e Damon a
acompanha. Eles deixam Grace com Quinn, com amigas, ou no colégio, e
seguem até o hospital.
Algumas coisas mudaram mesmo, meu pai não quis ir embora de novo,
nem quando meu avô o chamou para uma viagem, ou quando Polly o
questionou sobre a sua volta. Damon está gostando de Wiston Hill, de ficar
com a família. Às vezes conversamos e não sinto mais a mesma raiva, mas
tudo isso foi depois da partida de Alice.
Eu finalmente compreendi como ele se sentia quando Pumpkin sumiu,
quando sua vida virou um inferno. Ele começou a odiar a cidade e todos
daqui, porque se lembrava dela. Claro que, Damon tinha filhos para criar e
simplesmente os abandonou também, mas não posso odiá-lo por sentir essa
dor.
De certa forma, eu o entendo.
— Oi! — alguém exclama à porta e já sei que é Grace Thompson. Largo
o celular e a encontro. A menina está de calça jeans e camiseta branca, ela
cresceu alguns centímetros. Seus cabelos estão soltos e um sorriso animador
aparece em sua face.
Antes que eu possa responder, Grace pula na minha cama.
— Oi — digo e a acompanho, me jogando no colchão. — Se divertiu na
casa da sua amiga?
Ela engatinha e se deita ao meu lado.
— Sim. — Poucas palavras.
Grace não é de falar pouco, ela gosta de fazer perguntas que nem sempre
sei responder, gosta de comentar sobre as coisas, contar sobre seu dia. E ela
adora uma fofoca. Mas hoje, a menina parece quieta demais. Minha irmã se
deita em meu peito, deixando-me abraçá-la, então, suspira.
— O que foi? — Não consigo me segurar, quero saber.
— Amanhã é seu aniversário. — Fico quieto. — Alice vem?
Como explicar para alguém de seis anos que Wonders está numa clínica
de reabilitação, que ela está se tratando e ficando melhor? Como contar a ela
tudo que aconteceu?
— Não, ela não vem — sussurro e beijo-lhe no topo da cabeça.
— Vocês brigaram?
— Não, a gente não brigou. Ela só está longe, sabe? Está resolvendo
algumas coisas.
— Igual a mamãe.
Congelo ao ouvir tal fala. Grace era muito nova, um bebê ainda, quando
Pumpkin desapareceu. Ela não se lembra, porque não tem como se lembrar,
mas sabe que nossa mãe existe.
Ela é esperta e ouve coisas pelos corredores da mansão, mais coisas que
eu. A menina sabe bem mais do que deveria.
— Grace, a mamãe morreu — lembro e meu peito dói.
— Mas antes ela sumiu — a pequena se põe de joelhos e me encara —,
igual a Alice.
Não, não foi igual. Minha mãe desapareceu, eu não sabia onde ela
estava, não tive notícias até descobrir que havia morrido. É diferente, tem de
ser diferente.
— Não, pequena. — Uma mecha de seu cabelo me incomoda, a coloco
atrás da orelha antes de continuar. — Alice precisa de tempo. Ela não sumiu
pra sempre, está bem?
Grace assente, ainda desanimada.
— Naquele dia, no parque — suspira —, ela falou comigo, mas não quis
falar com você.
Eu sei, me lembro bem de Alice me olhando com tristeza, como se
quisesse conversar, mas eu estava bravo com tudo e todos. Ela não se
aproximou, na verdade, falou com a minha irmã e partiu.
Doeu. Muito.
— Vocês brigaram? — repete, me trazendo de volta ao presente.
— Não, Grace, a gente não brigou. Estamos bem, eu prometo.
A menina faz um biquinho, acho que não confia em mim. Então, ela se
deita novamente em meu peito, deixando o silêncio tomar conta.
Meu corpo dói, talvez seja por estar tão parado, não tenho treinado
ultimamente.
Encho um copo com água gelada enquanto olho para o jardim através da
grande janela da cozinha. Já é fim de tarde. Fico imaginando como seria meu
aniversário se Alice e Pumpkin estivessem aqui. As palavras de Grace me
consomem, “ela sumiu igual a nossa mãe”.
— Pensando em algo? — Ecoa pelo cômodo. Damon está parado à porta
de entrada, encostado no batente e com os braços cruzados. — Viu Grace por
ai?
— Ela está dormindo no meu quarto, parecia cansada. Deve ter se
divertido na casa da amiga.
Desligo a torneira, me viro e bebo o líquido, procurando me refrescar.
— As amigas dela deviam vir aqui também. — Meu pai caminha até a
ilha de mármore e apoia os braços nela.
— Acho que terá de convencer a Polly antes. Afinal, como ela está?
— Fale com ela. Sei que está com raiva, Nick, mas precisa falar com a
sua avó. — Suspiro ao ouvir tais coisas. — Essa casa é grande o suficiente,
mas quer mesmo ficar fugindo?
— Eu não tenho muito o que dizer.
— É claro que tem. — Sai como um murmúrio. Me pergunto se Damon
está falando comigo ou com ele mesmo, afinal, nós dois escondemos
sentimentos. — Está pensando na Alice? — Muda de assunto.
— Na maior parte do tempo, talvez.
— Você gosta mesmo dela, não é? — Afirmo, quieto. — E Alice voltou
para Nova Iorque?
— É o que parece. Eu faria a mesma coisa se fosse ela, esse lugar
consegue destruir as pessoas.
— Pessoas destroem pessoas — corrige. — Lugares não.
Pode ser. Nós nos destruímos todos os dias.
— Amanhã é seu aniversário, vai fazer uma festa?
Nego rapidamente e largo o copo sobre a pia. Não quero uma tarde
familiar, não com Polly aqui.
— Jack, Madison e Hannah estão fazendo uma festa surpresa.
— Se você sabe, não é surpresa. — Ri baixinho e eu o acompanho.
— Não gosto muito de surpresas. Será na mansão dos Carter, com
poucos convidados. Nada muito sério.
Damon assente e não continua o assunto, ele parece pensativo, como se
uma forte nostalgia tivesse o atacado.
— Eu fico pensando na sua mãe — diz. Quase engasgo ao ouvir isso. —
Ela adoraria estar aqui, sabe? E Wine...
— Já chega, pai — ordeno.
O homem me olha com admiração, talvez chocado por eu ter,
finalmente, o chamado de pai.
— Eu não quero pensar em como seria se elas estivessem aqui. As duas
não estão aqui.
Damon assente. Não gosto muito desse tipo de sentimento, da dúvida.
Será que gostariam de ter conhecido a Alice? Será que fariam parte da festa
surpresa? São perguntas que não têm respostas.
— Vou passar a manhã em casa, saio à noite pra festa — digo, deixando
a cozinha.
— E quando vai falar com a sua avó?
Não respondo, porque não tenho o que dizer. Não quero falar com a
Polly, não quero a acusar de coisas que para mim, são culpa dela. Não quero
ouvir seus motivos e nem me sentir mal por ela estar numa cadeira de rodas.
Polly Thompson sabe me fazer sentir culpado e prefiro ficar longe desse
sentimento por enquanto.
45
DE VOLTA
"Porque eu estou de volta à estrada
e estou batendo no porta-voz,
ninguém vai me pegar em outra armadilha.
Então olhe para mim agora,
eu estou apenas dando o troco,
não tente brincar com sua sorte,
apenas saia do meu caminho."
AC/DC | Back in Black
NICHOLAS THOMPSON
Já estou suando quando ele faz a última cesta. Não aguento mais
correr pela quadra, meu corpo implora por um descanso. Observo a bola
quicar algumas vezes e apoio as mãos nos joelhos, inclinando-me para frente.
Estou ofegante.
— Precisa voltar a jogar. — Jayden ri. — Está tudo bem?
— Tudo ótimo, só desacostumei.
— Dá pra ver.
Andamos juntos até um dos bancos do jardim e nos sentamos. Preciso de
tempo, ar fresco, água.
— Tenho que perguntar...
— Alice está bem — conto, o interrompendo. — Não tenho falado com
ela, mas sei que está bem.
— Como?
— Longa história. Wonders voltou pra Nova Iorque.
— Acho que peguei pesado com ela, sabe? — Não, não sei. Arqueio a
sobrancelha e o encaro. — Alice foi me ver no hospital, depois do incêndio.
Eu falei algumas verdades, mas acho que...
— Todo mundo pegou pesado, Jayden. Ela não foi embora só por isso.
O garoto assente, mantendo-se quieto. Alice foi embora porque não
conseguia mais lidar com si própria, não foi apenas nossa culpa.
— Fiquei sabendo da festa.
— E você vai?
Ele ri e nega brevemente.
— Na verdade, isso aqui é um tchau, Nick. Eu vou embora de Wiston
Hill hoje à noite.
— O quê? — exclamo e me coloco de pé. — Como assim?
— Consegui uma bolsa em outra universidade. Eu vou embora hoje, mas
a minha família vai ficar. Acho que preciso de mudanças.
Não posso dizer que está errado, na verdade, Jayden passou por muita
coisa, desde o colégio esteve preso numa espécie de jogo da Christina, esteve
preso a sentimentos que não sabia se eram reais. E ele descobriu da pior
forma que não eram.
Eles não se amam mais. Necessidade não é amor, eu sei bem disso.
— Já falou com a Chris? — Arrisco perguntar. Ele balança a cabeça,
afirmando.
— Foi difícil falar com ela de novo, mas sim.
— E vocês não sentem nada um pelo outro?
— Não mais. Acho que no colégio era diferente, a gente tinha alguma
coisa, mas com o Mateo e todo esse teatro, a perdemos. Eu já a amei um dia,
depois se tornou necessidade.
— Ela precisava de alguém que não fosse o Mateo, alguém que fosse
real.
— Ela não precisava de mim — conclui fazendo um arrepio me atacar.
Congelo no mesmo instante.
Era assim com Madison, nós dois precisávamos de alguém e por isso
nos enganávamos. A gente nunca se amou, não da forma certa, não o
suficiente para namorarmos. E então, Alice apareceu para mim e Thomas
para ela.
Me pergunto o que mudou. Talvez eu não precise de Wonders, eu a
quero. É diferente.
— Acha que pode dizer a Alice que sinto muito? — Jayden pergunta e
se levanta.
— Acho.
— Então, feliz aniversário, Nicholas. — Um sorriso curto surge em sua
face. — Espero que ela volte, de verdade.
Suas palavras me são como um soco no estômago. Jayden sempre me foi
um amigo próximo, apesar de todas as coisas que já aconteceram ao nosso
redor. Me sinto péssimo ao saber que ele vai embora.
— Eu também — sussurro, o abraçando.
Parece que muita coisa mudou, mais do que eu esperava.
Eu escovo os dentes — sem camisa, usando apenas uma calça jeans
surrada — enquanto Grace pula na minha cama como se nunca se cansasse.
Ela está mais animada que eu.
— Me deixa ir à festa, deixa, deixa, deixa! — pede. Do banheiro eu
apenas nego com a cabeça.
Lavo a boca e me apoio no batente, olhando-a. A menina faz um
biquinho, para de pular e cruza os braços.
— Não é uma festa pra sua idade, pequena.
— Mas eu quero cantar parabéns — insiste, ainda de pé no colchão.
— Vamos fazer assim, amanhã a gente compra um bolo e canta
parabéns, pode ser?
— Pode.
— Então, já chega de pular nessa cama. — Ando até ela. Grace se joga
nos meus braços e ri baixinho. — Está ficando pesada.
— Mentira! — reclama. — Você já vai?
— Sim, só preciso terminar de me vestir.
Quando coloco a garota no chão, ela me abraça sem pensar duas vezes.
Estou acostumado com isso, Grace gosta de demonstrar afeto, ela não se
parece com nosso pai. Pumpkin era assim, doce, sentimental e sensível.
A camiseta preta está jogada numa cadeira no canto do quarto, a agarro e
visto-a com calma. No andar de baixo Quinn chama por Grace e a menininha
parte, correndo pela mansão. Assim que seus passos param de soar pelo
andar, ouço meu celular tocar.
Atendo sem olhar quem é.
— Oi — digo.
— Nick?
Minhas pernas tremem no mesmo momento. É ela. Fico em silêncio,
talvez esteja em choque. Me sinto respirar pesado.
É ela.
— Por favor, fala alguma coisa. — Alice ri baixinho.
— É você.
Não consigo pensar em outras palavras, meu cérebro não funciona.
Alice está me ligando pela primeira vez em dias.
— Sim, sou eu e — suspira — feliz aniversário.
Quero agradecer, quero dizer que a amo, quero chorar. Qualquer coisa,
preciso fazer qualquer coisa que seja, dizer qualquer coisa, mas não consigo.
— Eu queria ter ligado antes, mas não podia.
— Não importa — murmuro. — É você.
Sinto meu corpo perder a força, sento-me sobre a beira do colchão.
— Não me diga que está em choque. — Ela ri baixinho. — Eu precisava
te ligar, precisava dizer que não me esqueci do seu aniversário.
— Você está bem?
— Por incrível que pareça, sim. Estou ficando bem. E você?
— Bom — respiro fundo, tentando me recuperar da surpresa —, as
coisas mudaram um pouco por aqui.
— Isso é ruim?
— Não, de jeito nenhum.
Não temos assunto, estamos presos a saudade e memórias. Por
enquanto, ouvir a sua voz é suficiente, mas gostaria de sentir seu cheiro, seu
toque. E Alice sabe disso.
— Vai fazer uma festa?
— Jack vai fazer uma na casa dele. Alice, eu senti sua falta.
Ela não responde. Wonders fica em silêncio por um minuto, então,
recomeça.
— Bom, é seu aniversário. Eu prometi que me vingaria hoje, lembra?
Lembro sim, de quando dormimos juntos pela primeira vez.
— Não poderia esquecer.
— Terá que ficar pra depois então. — Rimos juntos. — Nick, essa é a
minha primeira ligação desde que cheguei na clínica. Eu tô me esforçando.
A sua voz é suave, como se estivesse quase chorando.
— Eu sei que está. Fico feliz. — Um riso surge do outro lado. — Falei
com a April e preciso saber, por que deixou o celular com ela?
— Eu sabia que você ia gostar dela, April se parece comigo e é um tanto
sarcástica. Se deram bem?
— Posso dizer que sim. Ela parece ser bem esperta também.
— E é. Me diz, como estão as coisas com Maddy, Andressa, Chris e os
outros?
— Todos estão bem. Escuta, Alice, a ruiva me contou sobre o que
aconteceu na Red Hell, sobre...
— Não quero falar disso, não agora — me interrompe. — Prefiro saber
de você, não tenho muito tempo.
— Eu sinto muito.
— Não tem porquê sentir, Nick. Eu precisava de um choque de
realidade e a culpa não foi sua. Sabe, eu queria te dar um presente
pessoalmente, mas não vou conseguir.
— Pode me contar o que é?
— Não, ainda não. Você vai descobrir.
Rolo os olhos com a sua resposta, quase me esqueci do quão teimosa
Alice Wonders consegue ser. Ela sabe me atiçar e me deixar inquieto.
— Me conta o que está fazendo agora.
— Falando com você — suspira. — E talvez eu esteja mordendo o lábio.
Rio alto com a última parte. Eu adorava vê-la mordendo o lábio.
— Não me diga uma coisa dessas, Alice — brinco. — Sinto sua falta.
Eu te amo, sabe disso, não?
— Eu sei, Nick. Tenho que ir, mas feliz aniversário.
— Tudo bem — sussurro.
— Também sinto sua falta.
É tudo que ouço antes dela desligar.
Alice deixou claro que não queria falar sobre sentimentos e nem do
passado. Um lado meu acredita que ela não queria ouvir o quanto sinto falta
dela, o quanto a desejo.
E ela não disse que me ama.
De qualquer forma, escutar sua voz e, acima de tudo sua risada, me
animou. A garota parece bem e sei que está. Isso me é suficiente.
Quando ando de moto pelas ruas de Wiston Hill, só consigo pensar nas
mãos de Wonders me agarrando, segurando em minha camiseta. Só consigo
me lembrar da sensação de tê-la comigo, fazendo algo que gosto.
Alice também começou a lutar boxe e eu adorava vê-la treinando. Ela
é magnífica e não faz ideia disso.
— Feliz aniversário! — Jack grita ao abrir a porta, ele segura um copo
cheio de cerveja e me puxa para dentro. Na casa há poucas pessoas, todas
conhecidas.
É óbvio que começaram sem mim. O garoto já está um tanto bêbado.
— Achei que fossem esperar pelo aniversariante — reclamo, roubando a
bebida.
— Bom, o aniversariante costuma se atrasar sempre! — Hannah brinca e
me dá um abraço.
Madison, Andressa, Juliet, Brenda, Margot — a irmã gêmea de Jack —,
e Chris, me esperam na grande sala de estar. Entro com o casal e todos gritam
surpresa, mesmo sem realmente ser uma. Não consigo segurar a risada.
— Eu convidei a Chris — Hannah sussurra em meu ouvido. — Achei
que fosse gostar.
Ela está certa, eu queria que a loura viesse. Não me sentiria bem com ela
sendo excluída.
Cada garota insiste em me dar um abraço apertado, me sinto sem ar logo
após o primeiro.
— Não sei se queria me ver aqui — Brenda diz baixo. Não conversamos
mais após a minha briga com Mateo.
— Você é da minha família, claro que queria.
Ela sorri sutilmente.
Em seguida, Chris se aproxima, pronta para não me abraçar. Ela não
gosta de demonstrações de afeto e, para todos os efeitos, não somos amigos.
Nunca fomos. Christina sempre me provocou, desde o colégio, e não acredito
que vá parar agora.
— Olha, obrigada por me convidar — diz, sem me tocar.
— Achei que a Hannah tivesse feito isso.
Os olhos dela se enchem de lágrimas.
— Sei que foi você quem pediu, Nick.
Assinto, a puxando para meu peito contra a sua vontade. Chris não me
empurra e nem me evita, ela me abraça suavemente e algumas lágrimas
escorrem de seus olhos.
Vender sabe que não a deixarei sozinha, não mesmo.
— Certo, agora falta o idiota do seu namorado — Hannah brinca,
apontando para Maddy.
— Verdade, cadê o Tommy?
Me sento numa poltrona da grande sala e fito cada convidado. Eu e Jack
somos os únicos homens.
— Ele disse que já volta — Maddy conta.
— Já volta, então, ele esteve aqui?
— Sim, trouxe as meninas e saiu — Margot termina. — Ele parecia
estranho, sei lá.
Todos franzem o cenho e a encaram. Como resposta, a dançarina dá de
ombros e se joga sentada no braço do sofá.
— É verdade, ele está estranho — constato. — Escondendo algo.
— Não gente, ele não... — Madison tenta.
— Está sim! — Jack exclama. — Todo de segredinhos, falando com
alguém por telefone.
— Ah, para, Jack! — A loura continua.
Percebo Chris rindo num canto, ela nunca teve isso, amigos discutindo
por coisas bobas. Parece estar gostando, apesar de ainda não se encaixar.
— Certo! — Andressa, finalmente, abre a boca. — Podemos discutir
isso quando ele chegar, agora precisamos beber.
— Exatamente! — Hannah concorda.
Faz mais de uma hora de festa e Tommy ainda não apareceu. Madison,
obviamente, não conseguiu esconder a ansiedade. Ela fica com o celular na
mão, se distrai facilmente e liga para ele às vezes.
— Tommy vai aparecer — sussurro em seu ouvido, andando até a
grande geladeira de duas portas dos Carter. — Ele só está sendo o Tommy.
— É, pode ser.
A loura parece preocupada.
— Madison — puxo uma garrafa de cerveja e a coloco sobre o balcão
—, não deixe as piadas do Jack te afetarem.
— Não é isso, Nick. Na verdade, acho que vocês estão certos, Thomas
está estranho.
— Estranho tipo?
Ela apoia as duas mãos na ilha preta de mármore e me encara.
— As ligações. É verdade, outro dia ele acordou do nada com o som do
telefone, quando atendeu, saiu do quarto. Não me deixou ouvir.
— E?
— Eu perguntei quem era, ele disse ninguém. Tommy ficou uns dez
minutos conversando com ninguém?
Dou de ombros, não quero alimentar as teorias da Madison, mas sei que
está certa. Há algo de errado por aqui.
— Deixa isso pra lá, está bem? Que tal se a gente começar com o
parabéns?
— Nick, você odeia parabéns — ela me lembra.
— Não hoje!
Depois de juntarmos todos na cozinha, Andressa acende cada vela e
apaga as luzes. Eles cantam parabéns com animação e eu rio de nervoso.
Consigo me divertir, apesar de não gostar desse momento.
Enfim, chega a hora de apagar as velas. Me inclino para frente e
assopro. Antes que a chama desapareça, Margot me lembra:
— Um pedido, Nick!
Ah claro, um pedido. Faço o primeiro que aparece em minha mente sem
pensar muito sobre e, então, apago as velas de primeira. Juliet acende as luzes
e, no mesmo momento, como se fosse um fantasma, a menina surge.
E ela para na entrada da cozinha, sorrindo de canto.
Há algo em seu olhar que diz: estou de volta.
46
VINHO
"Espero que um de vocês volte
para me lembrar de quem eu era,
quando eu for desaparecendo..."
Zendaya & Labrinth | All For Us
NICHOLAS THOMPSON
Ela reapareceu.
— Feliz aniversário — diz, sorrindo levemente.
O silêncio tomou conta da cozinha, ninguém sabe o que fazer, o que
dizer ou como reagir. Todos estão em choque, encarando-a como se fosse um
fantasma. De certa forma, ela é.
Um fantasma do passado.
A primeira a emitir qualquer som que seja é Margot, mas soa como uma
espécie de murmúrio, como se falasse com si própria. Pisco algumas vezes,
para tentar acordar. Jack cai sentado numa das cadeiras, analisando a menina
de cima à baixo.
— Desculpa pela demora — Thomas está parado atrás da garota. Ele
cruza os braços e baixa a cabeça.
Agora entendo seu aviso há dias atrás. Algo estava prestes a acontecer e,
talvez, eu o odiasse por isso. Não estamos confortáveis, exceto por Juliet que
parece realmente confusa.
— Wine? — Madison sussurra. A ficha caiu para ela e, em seguida, cai
para o resto de nós.
Wine Thompson — minha irmã — está na cozinha, à nossa frente. É
real, nada de sonhos ou alucinações.
Após anos, ela voltou.
— Achei que seria uma boa aparecer agora.
— E eu não — Thomas murmureja.
Não tenho como reagir, não tenho palavras. Eu senti falta dela todos os
dias, eu e Wine éramos próximos demais. Vê-la hoje, com vinte anos e
completamente diferente, me causa arrepios.
— Onde esteve? — Margot pergunta, olhando em seus olhos.
Wine parece sem jeito, ninguém para de a encarar. Estamos surpresos e
se ela soubesse da metade das coisas que aconteceram nos últimos dias,
entenderia. Meu coração parece que vai explodir e minha respiração fica
pesada. Me vejo atravessar a cozinha com passos largos e certa pressa. Ela
me olha, confusa, mas então, eu a abraço fortemente. Não acredito que
estamos na mesma sala! Depois de três anos, Wine voltou.
Minhas lágrimas escapam contra a minha vontade, há raiva e tristeza em
mim. Não era para ela ter partido, Wine é minha família, sempre foi e eu a
deixei sumir. Desaparecer.
Por anos ignorei sua existência, por anos fingi não sentir sua falta, mas
eu sei o quanto doeu. Pumpkin e em seguida, ela. Eu me senti sozinho e sem
nada, além do mais, Grace ainda era um bebê e Damon havia se mudado.
— Eu não acredito — sussurro, a apertando contra meu corpo. — Por
onde esteve? Por que voltou?
Me afasto da menina, seguro seu rosto com as duas mãos e o analiso.
Está diferente, ela cresceu, não é mais a garotinha de dezessete anos, aquela
de cabelo castanho claro e olhos brilhantes. Aquela que adorava começar uma
discussão com Polly Thompson.
Wine pintou os fios de preto, estão muito escuros, mas suas sardas ainda
brilham em sua face. Os olhos azuis se iluminam quando encontram os meus.
— Também senti saudade — conta, sussurrando. — Feliz aniversário!
A puxo novamente, abraçando-a. Eu não poderia ter ganhado um
presente melhor.
ANTES E DEPOIS
"E se no final você quer tanto perdoar,
mas você não pode esquecer."
Cold War Kids & Bishop Briggs | So Tied Up
NICHOLAS THOMPSON
Me sinto acordando com ressaca, meu corpo dói por completo, minha
cabeça está explodindo. Não bebi tanto na tarde de ontem, na verdade, a festa
acabou assim que Wine apareceu e quando me lembro disso, meu estômago
se contrai. De repente, todos esses anos que passamos longe um do outro
parecem irreais.
Meu quarto está mais silencioso e calmo hoje. Na cozinha abro a
geladeira e pego o suco de laranja, me sirvo lentamente enquanto alguns raios
de sol começam a atravessar as janelas da mansão. Eu pretendia voltar para o
dormitório, mas depois de ontem preferi ficar por aqui, não quero que a
minha irmã suma de novo.
— Bom dia — a voz sussurra. Ergo a cabeça e a encontro à minha
frente, com os cabelos presos num rabo de cavalo frouxo, o corpo encaixado
numa camiseta preta e numa calça de moletom. — Não achei que fosse
acordar nessa casa de novo.
Dou um sorriso singelo e tomo um gole da bebida gelada.
— Dormiu bem? — pergunto. Wine sorri e caminha até a ilha de
mármore.
— Depois de ouvir cada história que a Grace tinha pra contar, acabei
pegando no sono.
Ah, eu imagino, a pequena adora falar e não se cansa disso.
— Sei bem como é — digo. — E o que achou?
— Bom, a Grace contou muita coisa sobre você, Polly, nosso pai e
Alice.
De repente meu sorriso volta, claro, Alice me ligou ontem e eu estava
quase me esquecendo disso. Ouvi a sua voz e pude ter certeza de que está
bem, certeza de que ainda há a possibilidade de volta.
— Parece que a Grace também gosta dessa menina.
— É, ela gosta sim. Alice é incrível — declaro. O olhar de Wine muda,
como se não esperasse ouvir isso. — Conseguiu conversar com a Polly?
— Felizmente, não. — Ela sorri e rouba meu copo. — Pra ser sincera,
não quero nem tentar, Nick. Acho que não tenho toda essa paciência e
falsidade.
— A nossa avó vai agir como se estivesse feliz por você ter voltado.
— Claro. Tenho certeza de que ela não mudou durante todos esses
anos...
Nós dois rimos. A gente conhece bem a nossa família, sabemos dos
pontos negativos e positivos. Polly tem passado muito tempo sozinha e
depois de ontem, deve estar queimando de raiva, afinal, elas tinham um
acordo: Wine poderia ser livre e fazer o que quisesse, se fosse embora.
— Fiquei sabendo que você não tem falado com ela — me lembra,
mostrando um biquinho. — Damon me contou, aliás, ele parece diferente.
— Ele está diferente. E não, não tô falando com a Polly.
— Vai me contar o porquê?
— Pelo óbvio, Wine. Você mesma me disse que o Tommy te contou
tudo que aconteceu nos últimos meses.
Nossos olhares se encontram.
— Agora você também acha que ela é manipuladora, não? — Um
sorriso maldoso e de canto aparece. Me sinto envergonhado.
Há anos nós dois discutimos, porque eu não queria acreditar que a minha
avó podia, e ainda pode, ser alguém horrível. Eu não queria acreditar que ela
estava feliz com o sumiço de Pumpkin e que, talvez, tivesse algo a ver com a
história.
Eu não queria, contudo, eu sempre soube.
— Ela sempre consegue o que quer — explico.
— E essa é a quase definição de manipuladora, mas acho que deve falar
com ela, de verdade.
— Ah, tudo bem. — Rio de nervoso. — Agora você acha que tudo pode
ser resolvido numa conversa? Que eu posso me sentar na frente dela e fingir
que não sei o que fez e o que tentou fazer? Sabe, eu fiquei aqui por anos,
obedecendo ordens...
Wine me interrompe:
— Você nunca obedeceu a ordens, Nick. Você sempre gostou de irritar a
Polly e fazer o que bem desejava, não adianta usar a desculpa de que ficou
preso com ela por anos, você nunca foi o neto perfeito.
Engulo em seco. Eu nunca fui o neto maravilhoso que Polly Thompson
tanto queria, na verdade, fiz tudo que eu desejava da forma que achava ser
certo e, assim, ela reclamava e gritava.
Sempre funcionou dessa forma, mas às vezes, me esforcei para manter a
harmonia e o silêncio na mansão.
— Ela passou de todos os limites, Wine. Todos.
— Quais limites, Nick? Os seus? Porque pra Polly eles nunca existiram.
Você só está cansado...
— Pode ser, mas ficarei distante pelo tempo que puder. Aliás, pretendo
voltar para o dormitório.
Minha irmã aperta os lábios um contra o outro, enquanto analisa a
situação.
— Hoje?
Assinto sem animação, pego o copo agora vazio e me viro de costas para
ela, lavando o objeto na grande pia.
— Vou ter que ficar sozinha aqui?
— Você sempre gostou de ficar sozinha — comento, ainda sem a olhar.
— E precisa resolver as suas coisas, não?
— Que coisas? Parece que tudo mudou.
Percebo o desânimo na voz de Wine e me torno a ela, pronto para tentar
descobrir o que tanto esconde. Seria errado manter segredos, ainda mais
depois desse retorno inesperado. Eu aceitei bem o fato de que Tommy sabia
de tudo, isso não significa que outras novidades serão bem-vindas.
Minha mente está cansada.
— Margot é uma delas — relembro e noto seu rolar de olhos. — Você
sabe que ela ainda gosta de você, Wine. E muito.
Um sorrisinho malicioso surge em meu rosto, eu sei que a minha irmã
também gosta da garota e, para ser sincero, Wine e eu nunca tivemos esse
tipo de conversa sobre relacionamentos e sentimentos.
Tudo que sei é, ela e Margot tinham algo que acabou tão rápido quanto
começou.
— Afinal, vocês namoravam ou não? — Sou direto. A dançarina e irmã
de Jack é linda, inteligente e tímida, além de que combina perfeitamente com
Wine Thompson, a teimosa e rebelde.
Ela suspira e não me olha nos olhos, encara as próprias mãos apoiadas
no balcão de mármore.
— Prefiro não falar sobre isso agora.
— Você não sabe a resposta? — insisto, me aproximando mais. Ela
ergue a cabeça e encontra meu olhar.
— Você quer falar sobre Alice Wonders? Acho que não. O mesmo serve
pra mim.
Engulo em seco.
— Tudo bem, desde que resolva as coisas. Acredite, Wine, tentar fingir
que o passado não aconteceu é doloroso e inútil, afinal, ele aconteceu.
Ela força um sorriso de concordância.
— Acredite, eu tentei — confesso.
Eu tentei muito e sei que ela também. Talvez todos os moradores de
Wiston Hill tenham tentado.
Entro no quarto que eu ainda divido com Jack. Hannah está dormindo
calmamente e, por sorte, vestida. Ouço o chuveiro ligado e percebo que a
porta do banheiro está fechada.
Meus passos são calmos, caminho até a cama onde antes eu dormia com
Alice e coloco o pingente de serpente em minha mesa de cabeceira. Evito o
encarar por muito tempo, todas as vezes em que o observo, me pego
pensando no dia em que o vi pela primeira vez.
Era noite de festa na Tigerx. Era tarde também. Alice estava brava
comigo, tão brava que chegava a ser divertido, e ela viu Madison me agarrar
no meio da grande sala da fraternidade. Ela correu e fugiu para o Red Hell. E
agora eu penso nisso e sorrio feito bobo. Eu sorrio, parado de pé em meu
quarto, segurando uma correntinha simples, eu sorrio pensando em seus
xingamentos que logo viraram beijos.
Mentiroso de merda — ela disse, depois comentou que eu a olhava
como se quisesse devorá-la, o que era um tanto real, mas na época eu não
sabia que estava fascinado por cada detalhe da garota.
Talvez essa seja a verdade, a gente nem se conhecia direito e foi isso que
nos aproximou. Ela era uma novidade que logo se tornou a minha coisa
favorita. Eu me apaixonei por Alice em pouquíssimo tempo e duvidamos
desse sentimento no começo, porque era forte, confuso, estranho e parecia
errado.
Apenas detalhes.
Agora eu sei que não preciso de anos para amar alguém, não há regras
para esse sentimento. Eu a amo, porque como um desconhecido, vi a verdade
que os mais próximos não viam. Alice fez o mesmo comigo e com todos os
outros de Wiston Hill.
— Sorrindo sem motivo? — Hannah pergunta, me encarando enquanto
se ajeita na cama.
— Mais ou menos. — Deixo de lado a serpente e as memórias que me
consomem. — Eu estava pensando na Alice.
— Em que momento, exatamente? — Ela sorri.
— Em quase todos.
— Nick, eu preciso perguntar, por que não vai atrás dela?
— Quando Alice foi embora, deixou claro que precisava de espaço. Ela
precisa ficar sozinha por um tempo, sabe? Eu respeito isso.
— Mas você sente falta dela, não?
— Sim, só que ir atrás da Alice só iria me ajudar, me fazer bem. Quando
ela quiser me ver de novo, vai dizer.
— Certo. — A menina joga as pernas para fora da cama. — E a sua
irmã? Como é ter Wine de volta?
Pisco algumas vezes, me lembrando disso. Ainda não me acostumei com
a ideia de tê-la na mansão e na minha vida de novo. Foram anos sozinho, me
apegando a ideia de nunca mais a ver.
— Confuso, não é? — Ecoa pelo quarto antes que eu possa responder.
Jack nos encara, enfiado numa camiseta preta e numa calça jeans. Seus olhos
me observam com cuidado, como se estivesse preocupado.
— Bastante. Eu nunca achei que Wine fosse voltar, nunca mesmo.
— É, a Margot também não. Sabe se as duas vão resolver as coisas?
— Não faço ideia.
Jack suspira e se senta ao lado de Hannah, ele sabe o quanto Margot
esperou mais do que todos os outros, o quanto ela chorou quando a minha
irmã desapareceu sem dizer tchau.
— Eu pedi pra ela falar com a Margot, mas não posso me meter nisso.
— Eu só acho que, quando Wine foi embora ela deixou muitas coisas
inacabadas e agora tem que as resolver.
Eu fico quieto, pois Jack tem razão. Wine simplesmente desapareceu,
sem adeus, sem explicações. Ela fugiu de questões que eu não conhecia, ela
abandonou tudo e todos por causa de um acordo com a Polly.
— Pretende voltar para o dormitório? — Hannah continua a conversa.
— Sim, eu já avisei a minha irmã. Não consigo mais ficar naquela
mansão e estava pensando em trancar o curso — confesso por último.
— Trancar? Como assim e por quê? — ela questiona, chocada.
Sinceramente, eu esperava que todos fossem concordar comigo.
Rio baixinho e encontro os olhos de Jack, que me julgam sem sutileza.
— Hannah, eu quase não assisti as aulas, estava muito distraído...
— É, com a Alice. — O garoto ri.
Dou de ombros e aguardo outra reação.
— Honestamente, Nick, eu não costumo me importar com isso, mas e
quanto a Polly? Ela vai ficar furiosa — Hannah explica.
Sim, Polly Thompson odiará a minha decisão, estarei alimentando a
raiva dela. Me coloco de pé, os fito por uma última vez e chego à uma
conclusão.
— Se depender de mim, ela ainda vai ficar muito furiosa.
Hannah parece chocada e Jack não esperava por menos, não depois de
tudo que aconteceu. Posso ver em seus olhos que gosta disso, ele já me viu
assim antes, anos atrás, quando o mundo pegou fogo.
Quando eu não me importava.
Começo a andar em direção à saída, quando a voz de Jack comenta:
— Só espero que não se arrependa dessa vez.
Os arrepios me consomem.
Eu também espero. Não quero mais essa culpa e esse medo de fazer algo
errado, algo que possa causar um caos imenso. Me sinto assim desde que
descobri que Mateo estava indo embora, desde o momento em que soquei a
sua cara.
Pego na maçaneta e abro a porta, absorvendo cada palavra de Jack.
— Nick, isso chegou pra você. — Hannah chama uma última vez. —
Quase me esqueci.
Me viro e avisto um envelope branco em sua mão. O agarro com pouca
paciência e saio, tentando focar nas minhas próximas decisões.
Eu quero respostas.
Polly Thompson não construiu essa falsa utopia com honestidade e
família. Ela colocou cada prédio sobre uma mentira, ela fez cada acordo em
sigilo. Ela enterrou coisas, pessoas e verdades que agora, eu quero para mim,
nem que eu tenha que desenterrar cada corpo ou derrubar cada construção.
Quando Wine foi embora ela estava furiosa, nós discutimos muito e eu
sei que hoje minha irmã espera que eu acredite em suas teorias, porque ela
voltou no momento certo. Se ela tivesse aparecido antes da Alice, nada teria
mudado.
Quero saber porquê Pumpkin sumiu no meio da noite, quero saber como
ela conseguiu manter meu pai longe, quero saber como Polly controla tudo e
todos. Não vou questionar a morte da minha mãe, isso doeria demais, seria
cruel, mas preciso saber o que aconteceu antes disso.
Se a minha avó fez um acordo com a própria neta para que essa sumisse,
o que fez com Pumpkin, que não suportava? O que ela faria com Alice?
Por mais que seja horrível pensar nas possibilidades e pintar Polly como
a vilã, sei que pode ser real. Sei que ela sabe ser cruel, não cruel como Chris
Vender — que apesar de tudo, sofria com as próprias ações.
E eu neguei as coisas por muito tempo. Eu fechei os olhos, me forcei a
não superar a morte da Elle, me forcei a continuar num relacionamento
superficial com a Madison. Todos nós ficamos atuando e isso acabou no
momento em que encontrei os olhos de Alice Wonders, no momento em que
ela me perguntou se eu gostava do que via e tudo que consegui pensar foi
“com certeza”.
Naquele momento as coisas mudaram. E, infelizmente, para aqueles que
gostam de drama, não pretendo ficar sofrendo. Não mais. Já basta de teatro,
mentiras e manipulações.
Se eu puder, deixarei Wiston Hill inteira queimar, deixarei o fogo tomar
conta de tudo, porque ainda tenho Alice e, apesar da distância, esse
sentimento nunca pareceu tão real.
48
ESTOU PARANOICO?
"Quem está batendo à sua porta?
Você tem muito a responder por.
Quem está dormindo em sua cama?"
Adam Jones | You Can Run
NICHOLAS THOMPSON
Chris Vender não parou de ligar até eu atender. Foram no total cinco
ligações enquanto eu treinava na academia que Damon construiu na própria
mansão, isso quando tinha uns dezoito anos.
Polly não está presente, como sempre, estamos nos evitando. Ela foi à
fisioterapia e Grace ficou com Wine e Quinn.
— Pode vir agora? — Chris pergunta com impaciência, mas parece um
pouco triste. — Eu realmente preciso de ajuda.
Bufo baixo, não quero que ela ouça. Sei que desde a volta da minha
irmã, estou um tanto estressado. A única coisa que me acalma é a ideia de ter
uma família de novo — ou pela primeira vez, para ser sincero — e Alice.
Chris decidiu sair da fraternidade, assim como Andressa e Madison. Ela
quer voltar à casa do pai até conseguir um lugar para morar sozinha, um lugar
onde possa resolver sua própria vida, sem influências ou regras.
— Só vou tomar um banho.
Ela suspira do outro lado e murmura algo como obrigada.
QUEIME
"Começando um incêndio,
porque tudo que você realmente queria
era só ver o mundo queimar.
Então, veja-o queimar."
Klergy & Valeria Broussard | The Beggining of The End
NICHOLAS THOMPSON
Já passa das dez da noite e eu, como sempre, estou enfiado na Red Hell.
Não contei o quanto bebi e nem quero saber, mas depois de trancar o curso e
passar a tarde ignorando as teorias que me surgiam, preferi encher a cara.
Não aguento mais pensar em Alice e não posso ficar me lembrando do
passado, até porque, não terei respostas. Seria como tortura.
— Não acha melhor ir pra casa? — Roxy, a bartender, pergunta.
— Eu sempre bebi por aqui, Roxy — lembro-a de meses atrás, antes de
Wonders. — Eu tô bem.
Não é uma mentira, ainda não me sinto tonto e nem enjoado.
Conseguirei passar dessa noite, provavelmente.
— Bom, o Thomas que mandou perguntar.
— Fala pro seu chefe me deixar em paz — exclamo, sabendo que ele
pode ouvir.
Madison também é bartender agora e passa cada minuto me observando
com cuidado, esperando que eu faça algo de errado. Mas tudo que quero é
rum, doses e doses de rum. Só isso.
Sinto que mais uma hora se passa e minha mente fica vazia pela
primeira vez. Eu posso entender a Alice agora, beber não ajuda, não resolve
os problemas, mas ilude bem.
Dessa vez, quem se preocupa é a loirinha.
— Nem pergunta — ordeno quando ela se aproxima, apoiando os
cotovelos no balcão de vidro.
— Nick, você já bebeu demais. Está tudo bem?
Rio levemente, sem motivo.
— Por incrível que pareça, sim. Às vezes eu sinto culpa por algumas
coisas, mas está tudo bem.
Eu precisava tirar isso do meu peito. Madison fica surpresa.
— Eu fiz a Alice se sentir mal, abandonada e triste. Eu deixei a minha
mãe e irmã desaparecerem e nunca questionei isso. Quer dizer, agora Wine
volta e vamos agir como se nada...
— Não tem porquê ficar se culpando. Ela voltou, ponto! — Thomas se
intromete. — Para de pensar nessa merda de passado e em relação a Alice, se
resolva com ela. Beber não vai te ajudar, Wonders já provou isso.
— Ah, eu sei.
— Olha, todo mundo fez alguma merda e sobre a sua irmã, foi escolha
dela ir embora, Nick — Maddy tenta.
— Assim como é sua escolha encher a cara — Tommy termina. — Já
chega disso, chega desse melodrama. Vai pra casa!
Antes que eu possa argumentar, ele sai, deixando-me sozinho com a
loura. Thomas nunca teve paciência para crises emocionais e, honestamente,
eu também não.
Talvez esse seja o problema, nesse momento nem eu me aguento.
— É melhor ir embora antes que ele te arraste pra fora — ela diz,
sorrindo de canto.
— É melhor mesmo — concordo e entrego-lhe um sorriso.
Madison sempre foi paciente.
Me levanto com calma e quando tenho a certeza de que consigo andar,
caminho pela boate tentando lidar comigo mesmo. Eu odeio a culpa, o
sentimentalismo e crises como essa. Tudo que quero é me controlar, afinal,
essa merda toda não importa mais.
Todo esse drama é passado.
Do lado de fora da boate encontro a minha Harley-Davidson, consciente
de que estou bêbado demais para pilotar. Apenas me sento sobre ela e espero.
— Você não vai pilotar essa merda. — A voz soa pela rua vazia.
Thomas me fita como se esperasse por isso. — Eu te levo para o dormitório,
Nicholas.
Rolo os olhos, bufo e me arrasto até o carro dele.
ME ARRASTANDO DE VOLTA
"Talvez eu esteja muito ocupado sendo seu
para me apaixonar por outra pessoa.
Agora pensei bem sobre isso,
me arrastando de volta para você."
Arctic Monkeys | Do I Wanna Know?
NICHOLAS THOMPSON
Assim que abro os olhos, não me sinto cansado. Pela primeira vez em
dias consegui dormir de verdade, consegui afastar a minha mente de todas as
merdas que têm acontecido.
Não me lembro muito do que fiz ontem, nem de como entrei no
dormitório, mas sei que encontrei duas passagens de avião num envelope,
esse que chegou há poucos dias para mim.
Beber não ajudou, a dor de cabeça da ressaca começa a aparecer e a
boca seca se junta a ela. Olho ao redor, Jack já acordou e está sentado à
escrivaninha, mexendo num notebook. Meus olhos ardem por causa da luz
que adentra pela janela ao meu lado.
— Bom dia — murmuro, fazendo-o me olhar brevemente.
— Até que enfim, acordou. Eu já estava pesquisando por primeiros
socorros.
Rio pouco com a sua piada, minha cabeça lateja quando falo ou me
movimento. Sento-me na cama e penso, me lembro de descer do carro do
Tommy, encontrar a carta... e depois disso? Como entrei na casa?
— Você chegou cansado ontem — conta, percebendo a minha distração.
— E bêbado.
— É, eu sei. Você se lembra de como eu...
Sou interrompido, Jack nem espera eu terminar a pergunta.
— Bom, você chegou segurando um envelope, jogou ele aqui e depois
se jogou na cama. Parecia exausto, te deixei dormir.
É notável, já que ainda estou com as roupas de ontem. Sei que fiquei
surpreso e sem reação ao encontrar o presente da Alice, mas eu precisava
descansar longe da mansão e de Polly Thompson.
Apesar da ressaca, funcionou.
— O que era no envelope? — ele pergunta.
— O presente da Alice.
Jack finalmente se vira pra mim e me fita, cheio de curiosidade.
— Presente? E o que é?
Sorrio, notando seu tipo estranho de animação. Eu nunca imaginei que
Wonders fosse me mandar isso, mas eu tinha certeza de que quando ela
quisesse me ver de novo, me contaria.
E eu esperei.
Alice sabe que nunca saí da Califórnia, ela sabe que conhecer Nova
Iorque — além de a encontrar novamente — seria algo grande para mim. Até
a minha irmã mais nova, Wine, já conheceu outros lugares. Sempre vivi na
bolha que Polly criou, apesar de todo dinheiro e oportunidades.
Para ser sincero, não pensei que, dessa vez, eu realmente fosse até ela.
Quando Juliet me disse que isso poderia acontecer, achei improvável, mas
como nunca antes, as coisas mudaram.
Eu não tenho como recusar esse presente.
Jack parece aflito, aguardando uma resposta.
— Nicholas, me conta!
— Ela me mandou passagens.
— De avião? Alice te mandou passagens de avião?
— Pra Nova Iorque, sim.
O menino ri, pensa e, então, gagueja ao perguntar.
— E você vai?
Dessa vez, eu sorrio. Quero muito ir, quero a ver mais uma vez e quero
sair de Wiston Hill, mas não me preparei para isso.
— Eu pretendo — digo. — Ainda não me acostumei com a ideia.
— Cara, você nunca saiu do estado! Quer dizer, ela te deu o melhor
presente possível...
— Ficar fora desse lugar por uns dias?
— Isso também! — Ele parece feliz, Jack sabe que preciso dessa
distância, desse tempo, sabe que talvez possa me fazer bem. — Você tem que
ir, Thompson.
— Eu sei.
— É Nova Iorque!
— Eu também sei disso. — Rio, me levantando com dificuldade.
Me levo até a escrivaninha onde o envelope descansa e o pego
novamente, agora leio cada detalhe.
— Qual o dia da viagem? Quanto tempo tem pra arrumar as coisas?
— Dois dias, hoje e amanhã.
— É suficiente. E são duas passagens. — Os olhos de Jack brilham.
Um silêncio aparece e nos encaramos por instantes.
— Cara, quer ir comigo?
— Eu iria, mas estamos em semana de provas. Você não sabe disso,
porque não prestava atenção nas aulas.
Ah sim, claro, as aulas. Eu tranquei o curso, já que perdi tudo de
importante e me distraí demais nesses meses.
— É melhor arranjar um acompanhante logo! Você tem várias opções,
na verdade.
Eu sei e Wonders também sabe. Ela me deu a chance de levar alguém
específico, alguém que também precise de tempo ou alguém que possa gostar
de vê-la.
Nesse momento, a única certeza que tenho — e a única coisa que não
faz a minha cabeça doer — é que irei vê-la novamente.
Quando entro no Heaven Bar, onde Jack me obrigou a ir, todos estão
reunidos, bebendo e rindo, exceto por Hannah que trabalha.
— O que está acontecendo? — pergunto a menina de cabelos azuis, que
dá de ombros. Me apoio no balcão e analiso o grupo risonho sentado à uma
mesa isolada.
— Estão comemorando algo.
— O quê?
Ela ri.
— Como vou saber? Eu tenho que trabalhar!
Tento ignorar o mau humor da Hannah e me levo até eles, que notam a
minha aproximação.
— Finalmente! — Thomas vocifera, sorrindo.
Ainda não faço ideia do que se trata, mas todos estão presentes. Juliet,
Andressa, Chris, Maddy, Tommy, Jack, Margot, Brenda e até mesmo Wine.
— Isso é uma festinha particular ou o quê? — Me jogo num lugar
desocupado.
— É seu aniversário. Quer dizer, acho que interrompi a última festa,
então decidi fazer isso — Wine conta com animação e noto como ela e
Margot estão juntas.
Parece que tudo voltou ao quase normal.
— Sabe que não precisava.
— Claro que precisava, me deu um motivo pra beber! — Jack exclama.
Eles parecem realmente animados e tenho que admitir, gostei da ideia.
Além do mais, fico feliz por terem chamado a Chris.
A noite passa lentamente e consigo me distrair bastante com conversas,
bebidas e risadas. Momentos assim são difíceis de esquecer, mesmo durante
uma tempestade.
DECISÕES
"Esta é a vida real e você tem vivido o ficcional.
Eu não quero ferir seu coração, querido,
mas se eu tiver que cortá-lo, sei que vou."
Bishop Briggs | Pray (Empty Gun)
NICHOLAS THOMPSON
O sofá está bem quente e com todas as cobertas que Wine fez questão de
colocar sobre meu corpo, começo a sentir calor. Descobri que Polly não está,
fez uma viagem urgente para acompanhar o meu avô em alguns negócios.
Sorte a minha.
E acho que, na verdade, minha avó está fugindo de tudo que aconteceu
na sua cidade. Não a culpo por isso e prefiro que não esteja aqui nesse
momento.
Madison me observa com preocupação, ela ainda cuida de mim como
quando namorávamos. Tommy assiste um filme na grande televisão e Wine
prepara uma sopa com a ajuda de Margot. Parece que tenho várias babás,
nem Grace recebe tanta atenção.
— Por que fez isso? — Hannah pergunta.
— Não sei, tente deduzir — falo.
Jack e ela estão sentados no chão, me observando.
— A gente tentou convencer ele a não pular, mas não deu certo.
— Você não é um negociador — me lembra.
— Da próxima vez, eu vou pedir pro cara esperar até um chegar. Daí,
ele pula — caçoo e Thomas ri.
— Da próxima vez? Você faria isso de novo se precisasse? — Madison
parece chocada.
— Eu nem tive tempo pra escolher fazer isso, Maddy, só aconteceu.
Agora, já chega desse interrogatório!
— É real. Nicholas Thompson nunca muda — Hannah suspira ao dizer.
— Errado se salvo o cara, errado se não salvo. Vocês podem se decidir?
Todos me olham ao ouvirem tal coisa. Acho que qualquer decisão seria
considerada idiota e completamente irresponsável, por isso não pensei para
agir. Não podia considerar os prós e contras, não dava tempo.
— Sabe — agora as cabeças se viram para Tommy —, ele só precisa de
rum e pronto, vai ficar bem.
— Sério? — Maddy o encara.
— Sério. Nicholas não é uma criança, estão cuidando dele como se fosse
um garotinho que caiu no parquinho e ralou o joelho.
— Obrigado — enfatizo.
— A gente está cuidando dele como se fosse uma pessoa normal que
pulou de um penhasco, numa água fria, pra salvar um imbecil — Madison
reage.
Não acredito que vamos começar uma discussão.
— A primeira briga de vocês não será por minha causa. E Tommy está
certo — falo, jogo as pernas para fora do sofá e retiro algumas das cobertas.
— Eu não preciso de toda essa atenção.
— Não precisa mesmo. Achei que todo mundo soubesse o quão idiota o
Nicholas é. Por que da indignação? — Chris diz e ri ao entrar na sala.
— Ela tem razão — Tommy sussurra.
— Eu tô bem, sobrevivi e Alex sobreviveu. Pronto. Agora, vocês podem
ir pra casa. Eu não estou mais congelando e, sim, sou um idiota.
— Tem certeza? — Jack pergunta.
— Absoluta.
— Tudo bem, então.
Hannah e ele se levantam, assim como Tommy, mas esse precisa
convencer Madison a ir embora. Logo os quatro saem, deixando apenas
Christina.
— Acho que posso ficar um pouco, não? Acabei de chegar. — A loura
caminha pela sala até onde estou. Concordo e lhe dou espaço para que se
sente no sofá. — Consegui o emprego na biblioteca.
— Isso é ótimo!
— Daí, eu recebi a notícia de que você pulou de um penhasco pra salvar
o ex da Wonders.
— Daria uma fofoca e tanto, por que não faz um post?
— Não tenho mais uma conta, Nick. Eu excluí. Me diz, por que fez
isso?
— Porque ele ia morrer, era óbvio.
— E você o salvou, mesmo depois de...
— Eu não deixaria aquele imbecil morrer, mesmo o odiando. Ainda
quero socar a cara dele. Alex acha que ama a Alice e eu sei que não é
verdade.
Ela dá de ombros.
— Falando nela, está ansioso?
— Pra viagem?
— Isso. — Chris joga alguns fios para trás do ombro. — E pra ver a
Wonders.
Sorrio sem motivo, só de imaginar.
— Estou sim, mas acho que não vou comentar sobre esse acidente.
— Quase acidente. Era uma tragédia anunciada.
— Anunciada pra quem?
— Pra quem quisesse ver — ela conta. — Alex ficou bem perdido
depois de tudo que aconteceu. Ele se sente culpado, errado e certo, tudo ao
mesmo tempo. Acho que doeu ver o que ele também causou. Eu o entendo
um pouco.
— Não vai pular de um penhasco, certo? — franzo o cenho e a menina
ri. — Se for, me avise antes.
— Não gosto de água fria.
Dessa vez, eu rio. Chris parece mais simpática e menos odiosa, gosto
disso.
— Vai ficar bem? — pergunto e a loura abre um sorriso.
— Provavelmente. Não é o fim do mundo certo?
— Não, ainda não.
— Então, acho que consigo superar. Marquei uma consulta com a
psicóloga, como você disse.
— Fico muito feliz com isso!
— Espero que Alice também supere tudo. Quando falar com ela, por
favor, diga que sinto muito.
— Tudo bem.
Christina me entrega um último sorriso antes de se levantar e se despedir
rapidamente. Então, ela sai como os outros.
Wine conseguiu fazer uma sopa deliciosa, o que me deixou intrigado.
Quando a pirralha foi embora de casa não sabia nem fritar um ovo. Ela e
Margot sumiram pela mansão em seguida, depois de eu afirmar umas três
vezes que estou bem.
Sozinho e na cozinha, tomo a terceira dose de rum, tentando me aquecer
mais. Uma bebida não vai me matar, não depois de tudo que aconteceu hoje.
— Nick! — Ouço a voz doce e a reconheço de primeira. Andressa entra
na casa com pressa e passa pelas portas da cozinha da mesma forma. Ela me
abraça com força. — O que aconteceu? Você está bem?
A aperto de volta.
— Sim, eu estou bem, ruiva. Mesmo.
— Benjamin me contou, ele também ficou preocupado. — Digamos
que, apesar de não sermos amigos agora, fomos um dia, e Ben sabe disso. Ele
se lembra. — Tem certeza de que está bem?
Afirmo, balançando a cabeça. Agarro o copo que descansa sobre a ilha
de mármore e bebo mais um pouco. Andressa se aproxima e analisa o líquido.
— Álcool?
— Rum — corrijo.
— Deve estar bem mesmo. Me diz, no que estava pensando?
— Em nada, absolutamente nada.
É verdade, eu não pensei, apenas agi.
— Não vou te repreender — sussurra.
— Obrigado, acho que muita gente já me lembrou de que eu podia ter
morrido. Como se eu não soubesse...
— Imagino. Alex está bem?
— Infelizmente e felizmente, sim. Ainda quero socar a cara dele.
— E quem não quer?
Dou risada no mesmo momento, Andressa nunca foi do tipo agressiva,
mas vê-la assim é um tanto fofo e divertido.
— Bom, eu meio que fiz isso — confesso. A menina arregala os olhos,
mas seus lábios se esticam. — Tive que socar ele pra poder sair do mar, Alex
não parava quieto.
— O lado positivo é que pode usar a desculpa de estar salvando a vida
dele.
É claro, tudo tem seus dois lados. Eu matei a vontade de agredir Alex
enquanto, ironicamente, salvava a vida dele.
— Acho que morrer seria muito fácil, sabe? Encarar a verdade é mais
complicado e ele tem que encarar as merdas que fez. Ele tem que entender
que a Alice não gosta dele.
— Por isso não o deixou morrer?
— Talvez. Quem é que sabe? Mas, com certeza, não foi por eu ser uma
pessoa extremamente boa. Um lado meu queria largar aquele babaca no mar e
ir embora.
— Ainda bem que esse lado não ganhou.
Concordo e bebo o resto do rum.
— Eu vim aqui saber se tem certeza de que quer que eu vá com você.
— Alice mandou duas passagens de ida pra Nova Iorque, Andressa, e eu
te escolhi. Você vai comigo.
— Certo. Acha que ela quer me ver?
— Claro que sim. Ela gosta de você, sabe disso.
A menina sorri fracamente e apoia os cotovelos na ilha.
— Viajamos amanhã, tem ideia de onde vamos ficar? — questiona.
— Ainda não, mas tenho quase certeza de que a Wonders planejou tudo.
Eu vou esperar.
— Tudo bem.
Eu não faço ideia de como April Wonders é. A garota disse que estaria
no aeroporto nos esperando.
— Ela disse onde... — Andressa começa.
— Não. Ela só disse que estaria aqui.
Talvez as irmãs se pareçam um pouco, talvez haja uma semelhança para
me guiar.
— Tudo bem, eu não faço ideia de como ela é — confesso.
— Mas eu sei como o pai da Alice é — Andressa diz e aponta. John
Wonders está sentado num banco ao lado da sua provável filha. Acontece que
April não é parecida com a irmã, ela é loura e bem baixinha.
Caminhamos até os Wonders, mas antes de eu os chamar, a garota me vê
e abre um sorriso.
— Então, você é o Nicholas Thompson? — com rapidez, questiona.
Afirmo e sorrio de volta. — Agora entendo a minha irmã.
Andressa segura o riso e eu tento ao máximo não fazer o mesmo que ela.
Apenas dou uma piscadinha para a loura que faz um biquinho.
— April, por favor — John pede e se levanta. Ele suspira e nos recebe
com simpatia. — É muito bom vê-los novamente. Nicholas e Andressa,
certo?
O cumprimento com um aperto de mão e a ruivinha o abraça.
— Alice me contou sobre vocês. Todos vocês — April revela. A garota
se levanta e para ao lado do pai, ela sorri para Andressa, mas seus olhos
continuam me analisando com dedicação.
— Fico muito feliz em recebê-los na minha casa, Alice gosta de vocês.
E tenho que dizer, muito obrigado. Parece que cuidaram dela.
— Ela é muito importante pra mim, John — conto. O homem suspira,
aliviado, e assente.
— E você é muito importante pra ela, pelo que parece — ele diz. Fico
sem palavras, não pensei que Alice fosse contar ao pai sobre mim. —
Vamos?
Nós concordamos e caminhamos juntos até o estacionamento.
ALICE WONDERS
Nicholas caminha ao meu lado pelo grande jardim da clínica. Ainda não
conversamos desde que ele chegou, a sala de visitas estava cheia e decidi o
trazer até a fonte que fica atrás do prédio. As folhas secas enfeitam o lugar
tomado pela cor laranja.
— Muitas coisas mudaram — ele diz, finalmente. Eu senti falta da sua
voz. — Sabe? Em Wiston Hill.
— Isso é ruim? — Aperto a sua mão.
— Não exatamente, algumas mudanças foram inesperadas.
— Me conta — sussurro e o encaro, notando que Nick me analisa com
cautela, como se estivesse procurando por detalhes diferentes.
— Primeiro, preciso te pedir desculpas. Eu cansei de ficar carregando
aquele peso, Alice, eu me culpava por muita coisa.
— Eu sei e te falei isso antes, se lembra?
Nick sorri de canto como resposta.
Nos sentamos num banco de madeira, eu cruzo as pernas sobre ele e
Thompson faz questão de ficar bem perto de mim. Senti falta disso, dessas
conversas e trocas de olhares, da proximidade entre a gente. Nick sempre me
entendeu, desde o primeiro momento. É como se conseguíssemos ler a mente
um do outro, por isso, noto que está escondendo algo.
— O que aconteceu por lá?
Thompson me encara, olhos nos olhos, e suspira.
— Quer mesmo falar disso?
— Quero — afirmo com certeza.
— Jayden e Brenda foram embora. — Essa parece ser a parte mais
simples. — Mateo também.
— O que aconteceu com ele depois que eu saí? — Preciso desviar o
olhar, encarar Nicholas enquanto me lembro desse dia é horrivelmente
doloroso.
— Bom, já que ele obviamente colocou fogo na academia, mas ninguém
conseguiu provar, minha avó fez um acordo com o pai dele. Mateo não pode
voltar pra cidade e a reconstrução do prédio fica por conta dos Price.
Aquele merda merecia muito mais, não entrar em Wiston Hill é pouco,
gastar dinheiro que ele obviamente tem, não é nada.
— Eu fiquei com raiva dele, Alice, quando descobri sobre o Red Hell.
— Por isso falei pra Andressa te contar depois de eu ir embora. Eu sabia
que você ia perder a cabeça, Nick.
Ele encara o jardim à nossa frente e sorri de canto, com maldade.
— Que bom que quebrei a cara dele antes de descobrir essa parte da
história — diz, voltando a me olhar.
Quando fui me despedir, ele já havia brigado com Mateo e ainda nem
sabia da verdade, por isso não contei, por isso deixei para depois. Nicholas já
estava com raiva.
— Foi suficiente. Agora acabou. — Sorrio, lembrando de tudo que
aconteceu. — E quanto a Christina?
— Outro motivo pra eu querer arrebentar o Mateo — ele suspira e eu
rolo os olhos. — Eu não quis deixar ela sozinha, acho que a Chris está
melhor, sabe? Tentando, pelo menos.
— Ela também fez bastante merda, mas não quero que fique sozinha.
Pra ser sincera, a Christina fez o que achava ser certo e se machucou com
isso. Não justifica, mas é suficiente.
— Eu sei. Ela pediu desculpas, Alice.
Penso um pouco, algumas pessoas não mudam com tanta facilidade e eu
sempre soube que o problema da Vender era a noção de certo e errado que
tinha, a vontade de ser perfeita num lugar imperfeito.
— Eu já a desculpei há muito tempo — sussurro.
— Ela saiu da fraternidade, voltou pra casa do pai até arranjar um lugar
e conseguiu uma vaga na biblioteca. Mas o relacionamento dela com o
Jayden acabou...
É bom saber que Chris Vender finalmente acordou.
— É, as coisas mudaram. E quanto a gente?
Nick olha em meus olhos, sem sorrisos, sem beijos. Ele apenas me olha
com calma, delicadeza, e não me responde.
— Acha que as coisas mudaram, Nicholas?
Ele suspira, me fazendo abaixar a cabeça.
— Eu não sei — sussurra.
— Eu ainda te amo, sabe disso, não? — Todo o ar desaparece quando
digo tal coisa, meus pulmões queimam. — Te amo há bastante tempo,
Thompson, eu só precisava te contar. — O encaro. — E isso não mudou, não
pra mim.
O menino sorri e seus olhos brilham.
— Eu estive pensando em algumas coisas, sabe? Por exemplo, você quer
ser mãe? Nunca falamos sobre isso...
Nick se cala e ri com timidez.
— Você não está...
— Planejando? Não. — Ele me examina. — Eu só quero saber, porque
consigo me imaginar passando anos com você.
— Bom — preciso desviar o olhar novamente —, sim. Eu quero. E
você, quer ter filhos?
Um breve silêncio surge enquanto alguns pássaros passam voando acima
de nós, enfeitando o céu azul de outono.
— Eu nunca planejei conhecer uma garota e me apaixonar, acho que se
você não tivesse aparecido, essas ideias nem passariam pela minha cabeça.
Quando penso em família, bom, eu criei Grace sozinho, claro que com a
ajuda da Quinn e sob as ordens da Polly, mas eu era o único presente.
Nicholas fica extremamente fofo quando fala da irmã e eu gosto de vê-lo
assim, mas dessa vez, a sensação que tenho é de que há algo por trás. Algo
que ele não me contou e sabe que não posso descobrir sozinha, estou muito
longe de Wiston Hill.
— Isso interfere na sua decisão?
— Não sei se seria um bom pai, Alice — ele diz de uma só vez.
— Não é por causa do seu pai, certo? Aquele clichê, meu pai foi ausente
e por isso não quero ter filhos?
— Não. — Ri alto. — Não é por isso, eu só não sei se devo...
— Já chega de pensar no que deve fazer, me diz o que quer fazer.
Nicholas se vira e encara o grande jardim. Ele se inclina para frente no
banco e apoia os cotovelos nos joelhos.
— Eu teria filhos com você — sussurra e noto suas bochechas corarem
pela primeira vez.
Mesmo sem ser em alto e bom som, eu sei que ele considera essa opção
e eu não preciso de certeza agora, afinal, somos novos e estamos lidando com
muito.
— Isso é suficiente — conto, fazendo-o me olhar.
— Eu teria uma família com você, Alice.
Agora, eu rio e fico sem jeito.
— Certo — Nicholas muda de assunto —, seu pai quer ter certeza de
que você vai ficar bem se for embora da clínica hoje.
— Vou ficar bem, eu prometo.
— Não acha arriscado? — Os olhos azuis do menino me queimam,
esperando por uma resposta sincera.
— Mais ou menos. Eu tenho você e a minha família. Preciso ir pra casa,
Nick, sei que não posso beber de novo, conheço os riscos e as
consequências.
Thompson agarra a minha mão com força e examina cada detalhe do
meu rosto, se aproximando de mim. Parece que tirei um peso das costas ao
dizer a verdade, não estou fingindo como Katherine, não estou tentando
agradar a todos.
Eu quero mesmo melhorar.
— Eu sempre estarei aqui, Alice.
Meu peito se aquece quando ouço suas palavras. Nicholas parece feliz e
orgulhoso, o que me deixa satisfeita comigo mesma. Eu mudei primeiro por
mim, mas é bom saber que essa decisão afeta quem eu amo de uma forma
positiva.
— Acho que com tudo isso, precisamos resolver outra coisa. — Mordo
o lábio. — O que somos?
— Amigos? — Ele mesmo ri. — Posso te apresentar como Alice
Wonders, a minha namorada, se quiser.
— Não, ainda não — suspiro. — As coisas mudaram, certo? —
Nicholas franze o cenho. — Eu não sou mais a Alice bêbada na frente do
Heaven. Não sou mais aquela pessoa que preferia beber a encarar os meus
problemas...
— Você não entende mesmo, Wonders? — me interrompe. Faço um
biquinho involuntário. — Você sempre foi forte, incrível e linda. Talvez
esteja descobrindo isso agora, mas eu sei desde o começo. Não me apaixonei
por você porque estava bêbada e tinha problemas pessoais, eu me apaixonei
por quem você é, seu sorriso, sua forma de agir.
Eu odeio me encolher, mas Nicholas me causa arrepios quando me diz
coisas assim. Não consigo controlar as reações do meu corpo, a cor das
minhas bochechas.
— E é bom saber que ainda te faço corar — ele provoca.
— Espero que ainda faça outras coisas.
Nick ri um pouco antes de toda aquela malícia tomar conta das suas íris
azuis.
— Eu acho que podemos nos conhecer de novo — diz, mudando de
assunto.
April Wonders parece mais baixa que antes, mas se eu fizer essa piada
com certeza irei irritá-la. A menina se levanta num pulo e me abraça com
força quando entro na sala da mansão, acompanhada por Nicholas e
Andressa.
— Demoraram — minha irmã reclama e me solta. — Ah, sim, ele é
muito bonito.
Agora Nick sabe que o elogiei para ela, ótimo.
— April, sério? — pergunto, sussurrando.
— Bom saber que falaram de mim — Nick caçoa, parado ao meu lado.
— Ele já tem o ego inflado, aí você fala essas coisas...
April segura uma risada no mesmo momento em que Nick e eu trocamos
um olhar. Noto que a malícia de antes cresceu. Ele me encara com vontade,
apesar de um sorrisinho estar presente.
— Cadê o nosso pai? — Tento desconectar nossos olhares e me volto à
baixinha.
— Precisou ir até o escritório, ele disse que volta para o jantar.
— Cherry? — Minha outra irmã também não está presente, o que não
me é uma surpresa. Ela gosta de bancar a rebelde da família.
— Estudando na casa de amigos, fugindo. — A loura dá de ombros. —
Como é que eu vou saber?
— Tudo bem — Andressa se intromete, indo até April. — Podemos
deixar a Alice e o Nicholas sozinhos um pouco, certo?
A baixinha me analisa com maldade, me fazendo rolar os olhos.
— A gente pode sair para tomar café. — April Wonders sussurra.
— Café em Nova Iorque? Perfeito!
Andressa puxa a minha irmã pelo braço, com delicadeza, e elas passam
por nós disfarçando as risadas. As duas desaparecem sem dizer tchau.
Me viro e encontro Nick, sei que ele quer o mesmo que eu.
— Acho que deixei claro demais — fala.
— Como assim?
Uno as sobrancelhas em dúvida, cruzo os braços e desço minha atenção
por seu peitoral.
— Eu posso ter pedido pra Andressa sair com a sua irmã.
— Você pode ter pedido? — Ele ri da minha reação. Eu não duvido
mais de Thompson. — Tudo bem, Nicholas. Eu me lembro de ter conhecido
a sua mansão, então, o que quer ver na minha?
O olhar dele me queima e Nick dá dois passos à frente, ficando
extremamente próximo de mim, me fazendo erguer a cabeça para encará-lo.
— Eu já conheci a maior parte ontem, quando cheguei, mas que tal a
cozinha?
— Gosta de cozinhas? — brinco.
Nick aproxima nossos rostos, ele me puxa para perto com as duas mãos
em minha cintura e quase cola nossos lábios.
— Gosto do que dá pra fazer nelas — sussurra.
Eu mordo o lábio, é automático. Isso o atiça ainda mais. Thompson
fecha os olhos, se controlando, tentando não me agarrar nessa sala. Eu posso
ver tudo, sei que quer tirar as minhas roupas.
— Vem comigo — digo e o puxo pela mão até a escada que leva ao
segundo andar. — Acho que não conheceu o meu quarto.
O garoto me segue em silêncio, subindo os degraus, depois virando o
corredor e, finalmente, chegando ao último quarto — o meu. Entro andando
de costas e um arrepio frio percorre a minha espinha quando Nick me encara
com as íris azuis escuras. Eu gosto disso. Meu coração acelera ao ouvir a
porta se fechar.
O menino se apressa até mim, me arrancando arfadas leves, e me vira de
costas para ele. Os lábios de Thompson logo aquecem meu pescoço com um
beijo delicado.
— Seu quarto é lindo — diz.
— Você tem certeza? Nem o olhou direito.
Sua boca está perto da minha orelha, Nicholas faz questão de mordê-la
antes de responder.
— Já vi o suficiente.
As mãos dele agarram na beira da minha blusa verde e a arrancam com
destreza. Assim que o tecido sai e é atirado ao chão, me coloco de frente para
Nick.
Eu preciso vê-lo.
— Você é linda — sussurra e me beija intensamente. O calor dos nossos
corpos se une, nossas peles estão muitíssimo quentes.
— Me mostra o quanto sentiu minha falta — peço perto da sua orelha,
acordando cada pelo no corpo do garoto.
Nicholas morde meu pescoço com desejo, me fazendo gemer baixo. Ele
desce até a minha clavícula, seu lábio inferior desenha cada centímetro da
minha pele e Nick tem calma, muita calma.
Eu sinto à vontade entre as minhas pernas, o quero agora, minha
intimidade não consegue lidar com as provocações de Thompson. Meus
dedos puxam seus fios de cabelo, mas minha cabeça se inclina para trás,
aproveitando cada beijo. Em meus seios, ele deposita chupões delicados que
não deixarão marcas.
É delicioso.
Nicholas me empurra lentamente até a cama e morde minha mandíbula,
meu queixo.
— Eu senti muito a sua falta — diz.
Tiro meus tênis com rapidez, sem ajuda das mãos. Ainda estou presa as
íris que agora me analisam. Nick me coloca sobre o colchão e fica por cima,
suas mãos ágeis retiram meu sutiã.
— Apressado — brinco quando a peça preta de roupa sai e ele a atira ao
nosso lado.
— Quer que eu vá mais devagar?
— Nunca.
— Ótimo.
Thompson não espera, ele beija meus seios com vontade. Enquanto
chupa um, seus dedos brincam com o mamilo do outro. Eu não consigo mais
controlar meu corpo, tudo que faço é gemer baixinho e tentar não me
contorcer de prazer.
Nick não demora muito, ele desce contornando com beijos os músculos
da minha barriga, me fazendo morder o lábio inferior para não gemer alto
quando abocanha minha cintura. Inclino o quadril e o deixo retirar minha
calça e calcinha de uma só vez. Quanto termina, o menino tira a própria
camiseta e, sem hesitar, se abaixa e beija minhas coxas.
— Nicholas... — gemo baixinho, agarrando em seu cabelo, puxando
seus fios. Ele gosta disso, gosta de me ver assim, eu sei.
Thompson mordisca cada parte da minha pele, beija, chupa. Ele me
conhece bem, sabe como fazer. O garoto sobe, trilhando com o lábio inferior
a parte interna de uma das minhas coxas, chegando à virilha.
— Você é deliciosa — diz, antes de me beijar novamente.
— Já me... — Quase não termino de responder, Nick beija meu clitóris
apenas para me provocar, tentando me fazer pedir por mais. Eu suspiro
intensamente. — ...disse isso.
Quando o olho, aquele sorrisinho irritante e malicioso está em sua face,
me deixando com raiva e vontade, calor e frio. Esse garoto é um idiota
egocêntrico.
Nick começa a me chupar, eu sinto sua língua brincando com minha
intimidade, me fazendo ficar mais molhada. Suas mãos agarram em meu
quadril e nossos olhos continuam conectados. Eu o assisto fazer o que quer,
mas ver como Nicholas adora me ter, como ele adora beijar meu corpo e
principalmente lá embaixo, é mais excitante ainda. Eu não consigo ficar
parada, meu corpo se contorce e meus sons aumentam de volume.
O calor é forte, as sensações, mais ainda.
— Não para... — me pego sussurrando e me sento, mantendo-me
inclinada para trás, com uma mão apoiada no colchão e a outra puxando seus
cabelos.
E ele sorri.
— Para de dar risada — gemo baixinho, o observando. Meus olhos
reviram de prazer, minha respiração fica pesada, meus gemidos tomam conta
do quarto e estou completamente molhada.
Thompson não para de me chupar, ele sabe como gosto que faça. Eu
murmuro seu nome e começo a arfar com intensidade. O garoto me penetra
com dois dedos, ele brinca comigo, me atiça. Nicholas me toca nos lugares
certos.
— Eu quero que goze nos meus dedos, Alice.
Suas palavras são como uma ordem. Meus músculos se contraem, mas o
clímax ainda não chega. Meus pensamentos estão perdidos numa onda
incontrolável de prazer.
— Nick — me escapa, alto o suficiente para que ele saiba que meu
orgasmo está próximo.
Eu ainda sinto seus beijos quentes, seus chupões em meu clitóris,
quando chego lá. Minha cabeça se inclina para trás e meus braços perdem a
força. Eu me deito no colchão e tudo que posso fazer além de sentir cada
pequena parte do orgasmo, é rir.
Agora, meus dedos agarram no lençol e Nick sobe por meu corpo.
Quando abro os olhos, ele está me analisando com um sorriso malicioso no
rosto.
— O que foi? — pergunto, arfando.
— Eu adoro como você ri — Nick me beija rapidamente — quando
chega lá — sussurra a última parte contra meus lábios.
Meus dedos descem por seu peitoral enquanto ele me beija, abrem sua
calça, se enfiam dentro dela e apertam seu membro sobre a cueca. Nick geme
baixo contra a minha boca, mas um riso o escapa.
— É, eu também gosto de como você ri — digo e ele me encara, mas
não pego leve. Eu aperto seu membro com delicadeza novamente, fazendo
Thompson gemer contra a própria vontade.
Eu poderia dizer que esqueci o quão gostoso ele é, mas seria uma
mentira. Eu nunca me esqueceria de seu abdome definido, de seus músculos,
suas veias aparentes em seus braços e mãos. E claro, do seu tamanho perfeito
— não estou falando da altura, apesar dessa também ser agradável.
Eu sou boa em tomar o controle da situação, talvez Nick ainda não saiba
disso. Rapidamente o envolvo entre minhas pernas e, num impulso, mudo a
posição, me colocando por cima. Posso ver o choque misturado a desejo em
seu rosto, quando apoio as mãos em seu peitoral e deixo meus cabelos caírem
sobre a sua face.
— As coisas mudaram — sussurro.
Quem agora trilha cada parte do seu corpo com beijos, sou eu. E adoro
isso. Nicholas ri entre gemidos, ele se diverte. Beijo seu peitoral, mas em seu
abdome deixo marcas leves dos meus dentes. E Nick se contorce sob mim.
Os olhos de Thompson me acompanham, o garoto me assiste. Me sento,
agarro em sua calça e a retiro com calma, junto da cueca. A puxo deixando-o
nu. Nicholas morde o lábio, mas não fala comigo. Ele espera.
Nossos olhares se encontram e, como sempre, Nick não se contém, ele
se senta e tenta me agarrar, mas minhas mãos o empurram de volta para o
colchão.
É excitante fazer o que quero com ele.
Thompson rola os olhos, mas obedece. Meus dedos quentes tocam em
seu membro, apertando-o sem muita força. No mesmo instante, Nick segura
um gemido.
— Não vai conseguir ficar em silêncio por muito tempo — provoco-o.
Ele sorri e se esforça para que nenhum som escape. — Não é justo. Você me
faz gemer alto, eu posso fazer o mesmo...
— Claro — arrisca dizer e, assim que o faz, eu me inclino e coloco seu
membro em minha boca. Nick suspira sem poder se controlar. — Porra,
Alice.
Eu sei que ele gosta disso. Continuo com os movimentos de vai e vem, o
chupo com vontade e faço questão de olhar em seus olhos enquanto o faço.
Nicholas geme mais a cada minuto, ele desistiu do silêncio.
— Alice... — fico sem fôlego quando o ouço murmurar meu nome.
Nick não consegue esperar mais, ele se senta, me puxa pelos braços e
me coloca em seu colo. Antes mesmo de perguntar sobre a camisinha, me
inclino e abro a gaveta da mesa de cabeceira.
Ele ri ao ver o pacotinho e o agarra. Nicholas a veste e quando termina,
eu o empurro de volta ao colchão.
— Achei que era pra eu te mostrar o quanto senti a sua falta — diz,
rindo.
— Mudei de ideia.
Me ajeito e coloco seu pau dentro de mim com calma, gemendo
enquanto o faço. Há tempos não transamos e meus músculos se contraem,
pedindo por isso. Thompson está tão fundo e apertado que mal consigo
manter o silêncio, a sensação é arrebatadora.
Nick agarra em minha cintura, a aperta, e começa a arfar. Eu rebolo com
lentidão, com as mãos apoiadas em seu peitoral. Me movo aos poucos,
mexendo o quadril, sentindo-o e o levando à loucura.
Ele sorri e me observa, nós dois estamos gemendo baixinho, rindo entre
os sons. Nicholas entra e sai do meu corpo sem muita força. Me inclino para
frente, eu quero mais, o quero com intensidade. Meus movimentos aceleram,
minha cintura se mexe com mais dedicação, minhas unhas cravam em sua
pele. Nick geme e suas mãos apertam minha bunda.
— Geme pra mim — ordeno e ele ri, mordendo o lábio. Nick me assiste
como se eu fosse a melhor coisa no universo.
Me ajeito em seu colo e continuo, não quero parar, não quero que acabe.
Eu gosto de fazer milhares de coisas com Nicholas, mas confesso que adoro
transar com ele.
Jogo meus cabelos de lado e Nick agarra em meus seios. Seguro uma de
suas mãos e a desço por meu corpo, alisando minha barriga, e fazendo-o tocar
em meu clitóris.
Ele sabe o que desejo. Não precisamos dizer nada.
Nick me acaricia com movimentos circulares enquanto continuo
movendo o quadril. Eu sinto outro orgasmo se aproximando, meus músculos
se contraem, meus braços perdem a força, o suor escorre por minha nuca,
meus gemidos aumentam, minha respiração falha e o toque de Nicholas me
leva ao limite.
Assim que seu dedo se afasta do meu clítoris, eu gozo e caio por cima
de seu corpo, aproximando nossos lábios. Os olhos dele brilham e se
encontram com os meus. Nick coloca uma mecha de cabelo atrás da minha
orelha, então, me beija.
Eu percebo-o me abraçar, e agora, Thompson toma o controle. Ele move
o quadril com força, me penetrando antes mesmo do meu orgasmo passar.
— Nicholas... — sussurro, sentindo-o entrar fortemente em mim. O
menino me beija e me cala, mas não consigo o acompanhar, eu só consigo
gemer e fechar os olhos, me entregando ao prazer. — Não para, não para,
não para — peço contra seus lábios, minha voz parece fraca.
Nick me aperta mais e continua com os movimentos, eu sinto o calor
aumentar em meu sexo. Thompson me fode com força, de uma forma
deliciosa.
— Eu não vou parar — grunhe e me beija.
Assim que nossos lábios se tocam, Nicholas suspira e o orgasmo nos
atinge. Meus músculos não me respondem, não consigo me mover, apenas
tremer e arfar. Seu peitoral sobe e desce com a sua respiração pesada e sinto
cada movimento contra meus seios.
— É, você realmente sentiu a minha falta — digo, olhando em seus
olhos. Eu o beijo na bochecha e Nicholas sorri.
Deitada em seu peito, percebo que estou extremamente cansada, mas
não quero dormir. Quero sentir seu toque, enquanto acaricia meus cabelos.
Quero o calor da sua pele.
— Eu te amo — sussurro de olhos fechados e ouço Nicholas suspirar.
— Eu te amo muito, Alice.
— Nick — ele murmura como resposta —, você está escondendo
alguma coisa de mim. Eu sei.
— Pode fingir que não sabe?
Nego.
— Me conta.
— Algumas coisas mudaram demais. Wine apareceu.
Abro os olhos abruptamente. Não posso ter ouvido certo, Wine, a irmã
dele, voltou? Me apoio em seu peito e levanto a cabeça para poder o olhar
enquanto explica isso, para entender direito.
— A sua irmã? Wine?
— Sim. — Nick me encara como se essa fosse a coisa mais simples de
se compreender. Pelo que sei, a garota sumiu por anos. — Ela apareceu no
meu aniversário.
— Como assim? Eu...
— Eu ia te contar depois. — Thompson se senta na cama e respira fundo
antes de continuar. — Ela não fugiu, Polly fez um acordo com Wine. Se a
minha irmã parasse de causar problemas, ela poderia ser emancipada e ir
embora para viver a própria vida, mas eu não podia saber da verdade.
— Isso é bem baixo da sua avó... — solto sem pensar.
— Eu já não sei se a Polly tem limites. Wine é a neta dela e passou
todos esses anos em Nevada com a irmã do Tommy.
— Aquele idiota sabia onde ela estava? Por que não te contou?
Nick ri e concorda.
— Porque ele não queria e não podia.
— Então, durante todos esses anos, Wine estava bem?
Nicholas assente e ri mais uma vez da minha indignação.
— Eu fiquei confuso no começo, mas agora parece normal. Parece que
ela nunca foi embora.
— E Margot? — Me lembro de terem me contado sobre o
relacionamento das duas.
— Elas estão se resolvendo. Depois do incêndio tudo foi adiado,
inclusive as apresentações de dança. Wine vai na apresentação da Margot.
Nick parece feliz com a volta da irmã, eles eram próximos e sei que
Wine foi embora em um péssimo momento.
— Quer me contar mais alguma coisa? — pergunto e ele desvia o olhar.
— Eu tô tentando esquecer, mas acho que não vou conseguir. É sobre a
minha mãe.
— O que tem ela?
— Depois de ouvir o que a minha irmã me contou sobre esse acordo
com a Polly, fiquei me perguntando até onde a minha avó iria. O que
aconteceu com a minha mãe antes dela morrer? E eu encontrei o atestado de
óbito...
— Você disse que tinha visto esse documento antes.
Eu quero ficar quieta e ouvir, mas minha mente acelera tentando
acompanhar todos os últimos acontecimentos.
— Eu vi, mas a Polly foi esperta. Primeiro me disse que Pumpkin tinha
morrido, depois me mostrou o papel. Eu não prestei atenção, mas agora eu sei
que aquilo é um documento falso.
Arqueio a sobrancelha, sem entender.
— Quase não está preenchido, Alice. A Polly está escondendo alguma
coisa.
— Eu não quero te deixar paranoico, mas já passou pela sua cabeça que
a sua mãe pode estar viva?
Nicholas se cala e me fita com certo choque.
Eu tenho a minha resposta, ele nunca pensou nisso ou, talvez, tenha se
forçado a não pensar.
— O caixão estava fechado e o documento é falso. Ela desapareceu no
meio da noite? Eu não tô dizendo que a Pumpkin está viva, mas...
— Quando pensou nisso? — ele pergunta.
— Não sei, passou pela minha cabeça algumas vezes, mas não quis dar
atenção. Você estava sofrendo com tudo, eu achei que tocar no assunto fosse
te machucar.
Nick assente e respira fundo, colocando as ideias no lugar.
— Prefiro deixar essas coisas de lado por uns dias — conta e me puxa
para perto. — Quero aproveitar o tempo que tenho com você, Alice.
É, eu também prefiro, afinal, ele vai embora em algum momento.
51
CEREJAS
"Você nunca estará sozinha,
de agora em diante,
mesmo que você pense em desistir
eu não vou deixá-la cair.
Quando toda a esperança se for,
sei que você pode continuar.
Nós vamos sobreviver a esse mundo."
Nickelback | Never Gonna Be Alone
ALICE WONDERS
MOMENTOS
"Segredos que tenho mantido em meu coração
são mais difíceis de esconder do que eu pensei.
Talvez eu só queira ser seu.
Eu quero ser seu."
Arctic Monkeys | I Wanna Be Yours
ALICE WONDERS
Foi fácil mandar Melissa, a jardineira, embora. Ela não fez muitas
perguntas. Estamos sozinhos, Nicholas e eu. Meu pai decidiu voltar ao
escritório e Andressa mandou uma mensagem, está na Broadway com a
April.
Thompson agarra a minha cintura com as duas mãos, uma de cada lado,
e me coloca sobre o balcão da cozinha enquanto nossos lábios se tocam com
intensidade. Nosso beijo representa tudo que queríamos ter feito na noite em
que nos conhecemos. Na noite em que ele entrou no Heaven e eu fui para
casa.
Thompson arranca a minha blusa de uma só vez e a joga no chão. Seus
beijos trilham meu pescoço, minha clavícula. Ele me morde levemente, me
esquenta.
— Não acha que a garota que veio ver vai ficar com ciúmes? — brinco.
Seus olhos encontram os meus e Nick sorri.
— Eu acho que não.
— Que bom. — Mordo o lábio, provocando-o. Nicholas agarra em
minha nuca enquanto analisa meus olhos. Estamos conectados.
Eu o puxo pela camiseta e o beijo novamente, não consigo olhar em suas
íris por muito tempo, elas me atiçam, estão cheias de malícia. Com as duas
mãos, retiro o tecido que cobre seu peitoral, deixando-me alisar sua pele com
as pontas dos dedos. Nick já tenta abrir a minha calça, ele está com certa
pressa hoje.
— Eu faço isso — falo, me levantando. O menino me assiste desabotoar
e deslizar a tal peça de roupa por minhas pernas, ficando apenas de calcinha e
sutiã pretos.
— Você é linda — diz, fitando meus seios.
— Eu sei — afirmo e ele ri.
Nicholas abre a calça enquanto me examina. Estamos cheios de vontade,
não queremos calmaria nem pausas. Ele se aproxima de mim com lentidão,
me encostando na ilha da cozinha, sua mão desliza pela minha barriga e
avança para dentro da minha calcinha ao mesmo tempo em que colamos
nossos lábios.
Eu suspiro sentindo seu toque quente. Nick primeiro vê o quão molhada
estou, contornando meus grandes lábios, e depois, toca em meu clítoris, me
fazendo agarrar em seu braço.
Nosso beijo para, prefiro olhar em seus olhos e sei que Thompson gosta
de me assistir. A sensação se intensifica, o prazer toma conta do meu corpo.
E continuamos nos olhando.
— Eu te quero, Thompson — sussurro e o puxo pela nuca.
Ele me responde, me penetra com dois dedos, sabendo que não é errado.
Desde o começo vacilamos achando que isso era um erro, mas não. Isso é
bom, nós dois somos perfeitamente imperfeitos e gostamos disso.
Seus dedos param e o garoto retira a mão de dentro da minha calcinha.
Nick agarra em minha cintura e afasta seus lábios dos meus, contudo, nossas
testas continuam coladas e nossos olhos fechados. Respiramos o mesmo ar
quente.
— Alice, namora comigo — ele sussurra, me fazendo encará-lo. Nossos
olhares se encontram, mas eu não respondo. — Namora comigo, amor?
— Acabamos de nos conhecer — brinco. Ele ri e me beija.
— É, eu sei, mas acho que já te amo.
Seguro o rosto de Nicholas entre as minhas mãos, analisando cada
detalhe da sua face, e vejo a confusão em seu olhar. Ele realmente acha que
há a possibilidade de eu dizer não?
— Namoro — digo, arfando levemente. Nick sorri no mesmo instante e
me puxa para perto.
Eu quero isso há bastante tempo, mas só agora encontramos o momento
certo.
Ele beija meu pescoço e eu me viro de costas para seu corpo, Nick não
demora para descer a minha calcinha. Apesar de termos tempo, nos queremos
muito.
Seus lábios continuam tocando a minha pele. Uma pausa breve surge,
percebo-o retirar algo do bolso. O pacotinho brilha entre seus dedos e
Thompson o abre com destreza, vestindo a camisinha em seguida.
EM CASA
"Bem, estou vivo.
Seu sangue está bombeando por essas veias.
Eu vou te pegar de surpresa,
estou voltando para pegar a rédea."
Toulouse | No Running From Me
NICHOLAS THOMPSON
O laranja no céu de Wiston Hill me lembra que agora namoro com Alice
Wonders.
Estar de volta em casa depois de três dias fora, é estranho. As horas de
voo passaram rapidamente, Andressa ficou animada ao descobrir que somos
um casal — como ela mesma diz.
Eu gosto de estar com Wonders e me afastar dela, voltar para o outro
lado do país, não me agrada, mas sei que preciso resolver algumas coisas.
Nós dois acordamos cedo hoje, conversamos e nos despedimos.
Ela mencionou as teorias sobre Pumpkin, não falou para eu esquecer
disso. Alice apenas me pediu para ter cuidado.
Andressa optou por ficar na Red Hell com a loura, então Tommy me
apressou, ele quer me deixar na mansão logo.
Seus dedos giram a chave enquanto o silêncio nos devora dentro do
carro.
— Ela precisa de você — conta com certa melancolia. Eu o olho,
confuso. — Vocês tem essa amizade que nunca vou entender, Nicholas. A
Madison precisa de você.
— Tommy ela...
— Está comigo — me interrompe. — Nós namoramos, eu sei, mas o
que ela sente por você também é forte e não posso competir com isso.
— Não precisa. Nós somos amigos há muito tempo, eu fui o primeiro
pra quem ela contou tudo que escondia. Ela também precisa de você.
Thomas assente.
— Eu sei, mas é diferente — conclui.
Entendo bem o que quer dizer, eu sentia isso em relação a Alice, ela
sempre pedia ajuda a Tommy e nunca vou entender o porquê, ela também
precisava dele.
É diferente, porque Madison e eu nos conhecemos profundamente,
conhecemos as mentiras um do outro, porque vivemos juntos por muito
tempo como amigos e amantes. Nós fingimos juntos. Eu a vi chorar milhares
de vezes e ela me viu queimar de raiva. Isso não significa que nos amamos da
mesma forma que Tommy a ama ou que Alice me ama. Só estamos
acostumados a cuidar um do outro e isso não acabará tão cedo.
O caminho até a mansão não é longo, mas parece que Thomas está
fazendo de tudo para demorar. Ele dirige com lerdeza apesar das ruas vazias.
O silêncio me irrita um pouco, além da velocidade do carro, e eu não tenho
no que pensar. Minha mente está quieta depois de encontrar a Alice, estou
calmo.
— Me diz, depois da minha viagem e exceto pela Madison, tudo ficou
bem por aqui?
Thomas ri baixinho antes de me responder.
— A sua avó não está na cidade, se quer saber. Então sim, tudo ficou
ótimo.
— Como sabe sobre a Polly? — O fito com seriedade. Tommy dá de
ombros.
— A sua irmã tem o costume de me contar tudo, diferente de você.
— Justo. Você tem o costume de esconder coisas e pessoas — relembro
e Thomas engole em seco.
Eu não reclamaria disso, não quero iniciar uma discussão, mas ele
escondeu a minha irmã por anos. Thomas sabe da maior parte dos segredos
de Wiston Hill, entretanto, não os revela. Enquanto isso, ninguém conhece os
segredos dele.
— Quer falar sobre?
— Pra quê? — Desvio o olhar, já estamos no quintal da mansão
Thompson.
Ele não insiste, não tenta me deixar com raiva. Eu poderia odiá-lo por
ter mantido esse segredo longe de mim, por me ver sufocar durante anos. Eu
me culpava enquanto Thomas Jackson sabia a verdade.
O garoto estaciona longe dos degraus que levam à porta de entrada. Ele
para e espera.
— Quer que eu desça? — sussurra e, por um momento, penso que está
falando sozinho. — Posso ir embora.
— Do que está falando, Tommy? Você pode descer se quiser — caçoo,
porém a sua expressão ainda é séria.
— Às vezes eu preciso mentir pra você, Thompson. — Franzo o cenho,
sem entender. — Agora desce.
Nunca me senti tão confuso, ele estava conversando normalmente e de
repente ficou frio, sério e me expulsou do seu veículo. Há algo de errado, eu
sei, eu sinto.
Obedeço a ordem de Thomas e me coloco de pé perto do jardim. O
garoto faz o mesmo, anda até o porta-malas e o abre, retirando a minha
bagagem.
— Pode ir, eu levo pra você.
— Não precisa. — Rio de nervoso e vou até Tommy. — Eu posso levar
a minha própria mala.
— Nicholas, para de ser teimoso! — reclama e dá um passo para trás.
— É sério Tommy, o que está acontecendo? — Ele me olha nos olhos e
bufa.
Thomas está mais estranho que o normal e eu sei que esconde algo, ele
não é tão bom em mentir, apenas em omitir. Seus olhos desviam dos meus e
fitam a grande mansão.
— Você vai descobrir em alguns segundos.
— O que? Por que...
É tudo que consigo questionar antes de me virar e avistar Wine no topo
da escadaria, ao lado de alguém que me parece ser Pumpkin Thompson.
MENTIRAS E PECADOS
"Você pode desfazer esse sorriso forçado,
eu sei onde você esteve.
Isso tudo tem sido um amontoado de mentiras."
Phil Collins | In The Air Tonight
NICHOLAS THOMPSON
Contar a ela tudo que aconteceu não foi tão complicado. Eu comecei
pelas coisas mais importantes e Wine me ajudou, já que sempre acompanhou
Wiston Hill, apesar da distância. Comecei por Elle Carter e o acidente, contei
sobre a mãe dela, Greer Carter, a melhor amiga da minha mãe.
Depois, pulei todos os anos e parti para Alice Wonders. Eu queria que
ela soubesse da menina e narrei cada parte importante, terminando na viagem
para Nova Iorque. Contei sobre todos os problemas e todas as respostas.
— Vocês estão namorando? — Wine exclama ao ouvir essa parte. — Eu
realmente preciso conhecer a Alice.
É, nem eu imaginava que isso pudesse acontecer. Estou namorando de
verdade, com alguém que amo.
— E você gosta dela? — Pumpkin questiona.
— Mais do que posso explicar. Ela é incrível.
Minha mãe sorri com doçura e aperta a minha mão. Sei que para
Pumpkin basta eu estar feliz, mas elas gostariam uma da outra, Alice se daria
bem com a minha mãe.
De repente, é como se nada tivesse mudado, como se todo o tempo e a
distância nunca tivessem existido. Isso dura pouco, porque ouço a porta da
frente se abrir e a risada da Grace ecoar pelos corredores.
Ninguém pode se preparar para isso, ninguém espera por algo assim.
Damon aparece com a menina ao seu lado, ele está rindo,
completamente distraído. Quando dizem que me pareço com meu pai eu sei
que é verdade e, por isso, tenho total certeza de que ele irá surtar.
O homem primeiro encontra Wine, em seguida eu, e quando seus olhos
se conectam com os da minha mãe, o silêncio nos devora. Nunca vi as íris
azuis de Damon Thompson se tornarem escuras como a noite. Ele se cala,
fica pálido e suas mãos tremem sutilmente.
— Pumpkin? — sussurra sem acreditar no que está vendo. Minha mãe
não responde, ela também conhece Damon.
Em poucos segundos ele sobe as escadas com pressa, posso ver a raiva
em sua postura. Me levanto num pulo e o sigo, Damon está tão furioso
quanto eu fiquei. Wine agarra Grace e a leva para a cozinha, já Pumpkin me
segue.
— Damon! — ela chama, mas ele está focado. A ira o tomou.
Meu pai abre a porta do escritório da Polly enquanto ainda estou
distante, na beira da escada. Tão logo ele entra no tal cômodo, posso ouvir
objetos sendo atirados. Minha mãe e eu seguimos até a sala e da porta o vejo
revirar tudo. Damon está destruindo as coisas da Polly, ele quebra os vasos,
as gavetas, atira papéis ao alto, derruba as cadeiras. O barulho é alto e me
preocupo com Grace, ela nunca conheceu esse lado do nosso pai.
Mas eu o entendo.
— Pai, precisa parar. — Avanço para dentro do escritório. Damon
continua, ele grita. — Pai!
O homem me ignora completamente, apenas berra e derruba as coisas
das prateleiras. Em segundos não sobra nada.
— Damon! — Pumpkin exclama, fazendo-o parar. Ela passa na minha
frente, se enfia na sala e percebo a calmaria que domina meu pai quando ele
encontra os olhos da minha mãe.
Os dois parecem conectados, me pergunto se é assim que fico quando
vejo Alice. Pumpkin caminha até Damon, que apenas a analisa,
desacreditado.
— Foi ela, não foi? — ele pergunta, segurando o choro. Minha mãe
assente, ela sabe que meu pai se refere a Polly.
Sua própria mãe mentiu e o manipulou dessa maneira.
— Você precisa se acalmar ou vai assustar a Grace — explico. Damon
assente e respira fundo, deixando Pumpkin o abraçar. Ela examina cada
detalhe do seu rosto, cada mudança.
— Tudo bem. Tudo bem — murmura. — Eu só... eu...
— Eu sei, pai.
Damon agarra na cintura da minha mãe e a afasta com delicadeza. Ele a
analisa, segura seu rosto entre duas mãos e parece admirado.
— Você está viva!
— Eu nunca te deixaria, amor — Pumpkin diz.
Percebo então que os dois precisam de tempo, precisam conversar e
entender tudo que aconteceu, já eu preciso respirar fundo, bem longe de toda
essa bagunça.
Wine consegue acalmar Grace e a distrair o suficiente. O silêncio na
mansão toma conta enquanto esperamos, sei que Damon e Pumpkin têm
muito o que conversar. Minha cabeça está explodindo, imagino a dele. Se eu
fosse forçado a acreditar na morte da Alice Wonders por anos, também
quebraria todo aquele escritório.
A única coisa que quero ver agora é a reação da minha avó.
Me apoio na ilha da cozinha e espero, respirando cada vez mais fundo.
Sei que Polly ficará muito mais que surpresa, o seu mundo irá desmoronar de
vez, já que todos os seus feitos estão sendo descobertos. Ela deixou Mateo
escapar, ela sumiu com a minha mãe e minha irmã. O que mais Polly
Thompson fez durante esses últimos anos, ou melhor, meses?
— Nick — Wine sussurra, entrando na cozinha —, ela dormiu no sofá
— se refere a Grace.
Como vamos explicar para a garota que nunca conheceu a mãe e foi no
enterro dela, que tudo não passava de uma mentira cruel?
Apenas assinto e me mantenho em silêncio. Minha irmã me analisa por
alguns segundos, ela sabe que ainda estou furioso.
— Me perdoe por tudo isso, por favor — Wine pede com doçura.
— Perdoar?
— Pelas mentiras e segredos, por favor.
A única resposta que tenho é um suspiro, afinal, foram muitas mentiras e
segredos. Foram anos perdidos e vivendo na casa da minha inimiga.
Polly Thompson não me ama. Isso não é amor.
— Você me perdoa? — ela insiste e faz um biquinho involuntário.
— Você fez o que achou certo e, pra ser sincero, era certo. Polly teria
acabado com tudo isso se descobrisse. A culpa é dela.
Minha irmã concorda. Wine nunca tentaria controlar a minha fúria, seria
inútil.
De repente, o celular toca em meu bolso. O pego com pressa e leio o
nome Alice na tela.
— Precisa atender — Wine afirma e se retira.
— Alice — sussurro. Ouço a sua risada de satisfação e sinto meu peito
se acalmar. — Tudo bem?
— Claro! É que você não me avisou que tinha chegado em Wiston Hill,
eu fiquei esperando. Lembra, combinamos?
Suspiro, é verdade. Eu prometi que ligaria assim que chegasse no
dormitório, acontece que meu caminho mudou e muito.
— Me desculpe. Não, o avião não caiu — tento, entretanto soo áspero.
— O que aconteceu, Nick? — Ela sempre nota. Alice parece ter mudado
também, assim que percebeu meu tom de voz.
Por onde devo começar? Pelas mentiras da minha avó ou pela volta da
Pumpkin? Que parte é mais importante?
— Bom, é difícil de explicar...
— Só me fala — ela pede com doçura e paciência.
— Acontece que você estava certa. — Um silêncio surge. — Pumpkin
não morreu, na verdade, ela estava na mansão quando cheguei.
— O quê? — exclama de tal forma que me faz lembrar da sensação que
tive ao ver a minha mãe novamente.
Eu congelei.
— Pumpkin nunca fugiu, Polly fez tudo. Ela mentiu, como sempre.
— Me explica isso direito, Nicholas!
Eu não demoro muito para contar tudo a Alice, começo pela parte certa,
o dia da briga. A discussão entre Polly e Pumpkin. Eu narro cada detalhe que
acabei de descobrir e faço questão de mostrar o quão puto estou, afinal, eu
chorei por um caixão vazio.
Quando terminamos, Wonders parece mais chocada que eu, ela fica sem
palavras e tenta mudar de assunto algumas vezes. A conversa acaba rápido,
nos despedimos enquanto a preocupação cresce em sua voz.
Alice sabe que há muito acontecendo por aqui.
Wine planejou tudo da forma certa. Ela esperou pelo momento mais
adequado, me deixou viajar por alguns dias e se aproveitou da ausência da
Polly. Tudo se encaixou da melhor maneira possível.
Ontem nós choramos e afundamos em raiva, mágoa e revelações. Hoje,
esperamos por minha avó na sala da mansão, ela voltará para casa com meu
avô e mal posso esperar para ver a sua reação.
Wine e Pumpkin estão de volta.
ANOS
"Tenho a sensação de que meu corpo é pertencido,
a sensação de que meu corpo não é meu."
K. Flay | The President Has a Sex Tape
NICHOLAS THOMPSON
Pumpkin parece mais calma, finalmente em casa. Ela examina tudo pela
janela do carro, olha cada detalhe das ruas de Wiston Hill.
— Está tudo bem? — pergunto baixinho. Ela sorri e me fita. — Deve ser
estranho voltar depois de todos esses anos.
— Deve ser estranho me ver voltar — conta, mas nego. Eu queria que
ela voltasse e acreditava que essa era uma ideia impossível. — Eu perdi muita
coisa da sua vida.
— Nem tanto, mãe — brinco. — Você perdeu a Alice, isso é verdade.
— Alice. Sim. Você foi até Nova Iorque...
— E eu iria de novo. Gosto muito dela. — Claro que não consigo olhar
para minha mãe enquanto digo isso, foco na estrada e tento não parecer um
bobo.
Pumpkin sorri de canto e suspira, sei que está cansada. Muita coisa
aconteceu de uma só vez.
— Eu espero que a relação de vocês seja melhor que a minha com seu
pai. — O que? O relacionamento dos dois era ótimo. Franzo o cenho e a
encaro. — A gente sempre deu certo, mas muita coisa atrapalhou, Nick.
Ah sim, e todas foram culpa da Polly.
— Você merece ser feliz, mãe. Sei que perdeu muitos anos, mas agora
voltou e meu pai ainda te ama.
Pumpkin enrubesce enquanto um sorrisinho tímido aparece em seu
rosto, eu me lembro disso, ela fazia com frequência.
— Eu sei. E você também merece.
Um silêncio surge, nós dois não sabemos o que dizer. Nos conhecemos
bem e mal ao mesmo tempo.
— Estava pensando em levar a Grace numa terapeuta infantil, sabe?
— Acho bom, muitas coisas aconteceram. E você também deveria falar
com alguém.
— É, eu sei... Enfim, hoje vou levá-la à aula de balé — conta.
— Isso é bom. E a Grace dança muito bem.
— Ah, eu sinto falta disso. Dançar.
Minha mãe era incrível, a melhor da turma. Claro que não chegou a
trabalhar com isso, mas nunca parou de praticar. Grace tem os mesmos
gostos que Pumpkin.
— Você ainda pode dançar, mãe. O teatro está sempre aberto.
— Talvez eu volte a fazer isso.
56
MISERICÓRDIA
"Eu sou um nome que você vai lembrar,
sou mais do que apenas uma emoção.
Eu serei o maior de todos os tempos. Cuidado.
Eu sou uma força que você vai temer."
The Score | Glory
NICHOLAS THOMPSON
O suor já escorre por minha nuca. Meu corpo está cansado, mas a mente
pede por mais. Continuo socando o saco de pancadas sem piedade. Ir para
Nova Iorque ajudou, mas nada se compara a socar alguma coisa, essa que
poderia muito bem ser a cara de Alexander por exemplo. Claro que prefiro
evitar confusões agora.
Eu decidi treinar logo pela manhã, quando acordei. Ainda estou me
acostumando com a ideia de ter Pumpkin fazendo panquecas e Grace a
ajudando. Wine e Margot parecem ter voltado, já que não se desgrudam. E
Damon está sorrindo, pela primeira vez em anos.
Isso tudo é bom, mas me faz pensar em uma coisa: Alice ainda está
longe e, apesar do nosso reencontro, eu sinto sua falta. As ligações não
matam a vontade de tocar em seu corpo ou dormir ao seu lado.
Não é a mesma coisa.
Por isso, eu tento focar em outras atividades, como andar de moto, jogar
sinuca, socar sacos de pancada e arranjar um emprego.
Faz uma semana que Pumpkin voltou e agora todos sabem. Todos
mesmo. E eu prometi a mim e a Jack que quando chegasse de Nova Iorque
iria arranjar um lugar para trabalhar, claro que demorei mais para isso, já que
o passado decidiu retornar comigo.
Joe, o dono do Heaven, não hesitou. Ele me deu o emprego de primeira.
Sempre fui um cliente muito presente e o conheço há anos. Joe sorriu e
cruzou os braços, ele é um homem grande, musculoso e com uma barba
gigante. Eu fiz o mesmo e esperei, até que ele dissesse sim com a sua voz
rouca.
Trabalho três vezes por semana no Heaven Bar, junto de Hannah. Eu
fiquei satisfeito e feliz, porque, pela primeira vez, tenho algo meu. Jack tinha
razão, eu dependia da Polly, por isso ela fazia de tudo e não precisava se
explicar.
Alice se animou quando ouviu a novidade e eu fiz questão de me
aproveitar do assunto para perguntar sobre a sua volta. Não tive resposta.
Ainda me atormento com a questão, e se Wonders não voltar?
Jack não está mais hesitante quanto a Chris. Ele sabe que ela está se
esforçando, tentando deixar todo aquele veneno e falsidade de lado.
O garoto se enfia numa camiseta enquanto eu espero, sentado na cama.
Precisei passar no dormitório para me trocar e, com isso, descobri que ele
também vai à mansão Vender.
— Sabe, faz tempo que não entro naquele lugar — conta, com um pouco
de animação na voz. — Não sei se me sinto à vontade com isso, mas vamos
ver.
— Não é uma armadilha, Jack. — Rimos juntos. — Chris não está
planejando matar todo mundo.
— Se ela estivesse, você não saberia. — Ele se encosta na cômoda e me
encara. — Tem falado com a Alice?
— Às vezes, por telefone. Ela está aproveitando o tempo com a
família...
— E você com a sua — Jack sussurra de uma forma áspera. Não
entendo de primeira o que ele quer dizer, mas então me lembro, pra ele não é
tão fácil. Elle Carter morreu de verdade.
Apesar de Greer, sua mãe, estar feliz com a volta de Pumpkin, apesar de
Margot e Wine estarem namorando de novo, algumas coisas não mudam.
Essa dor que ele sente pela falta da irmã não vai embora.
— Quer falar sobre isso? — pergunto sem olhar em seus olhos.
— Não. Só vamos logo pra essa festa, cara.
Jack caminha até a porta, pronto para sair, porém eu sei que se deixar
esse momento passar, não terei outra chance. Nós evitamos falar disso por
muito tempo, deixamos os fantasmas no passado, mas tudo nos destruiu. E
continua destruindo. Precisamos resolver os problemas que fingimos não
existir.
— Jack, senta ai — ordeno. Ele para, de costas para mim, bufa e, então,
me obedece.
— Eu não preciso dessa conversa, Nick.
— Tem certeza? Você sempre me diz que preciso resolver os meus
problemas, mas acho que nós dois precisamos...
— Resolver o nosso problema? — Ele ri de nervoso e me olha nos
olhos. — Minha irmã não vai voltar depois dessa conversa, ela não vai
aparecer em Wiston Hill. Elle estava no caixão, não foi uma mentira.
Toda a dor retorna com mais intensidade. A dor de quando descobrimos
sobre o acidente, a dor da espera por uma boa notícia, a dor de vê-la ligada a
aparelhos no hospital.
— Ela não vai voltar — conto, como se não soubéssemos. Como se uma
esperança ainda pairasse no ar. — Elleanor morreu. Ela morreu, Jack, e eu
sinto muito.
— É, você sempre sentiu muito, Nicholas.
O garoto guarda uma raiva, ele a reprime e, nesse momento, eu lhe dou a
chance de soltá-la.
— Eu sei que errei muitas vezes — tento.
— Todo mundo errou, você não mandou a minha irmã subir naquela
moto. Isso foi escolha dela, mas...
— Eu poderia ter feito algo, certo? Ter a impedido, não sei.
Ele concorda.
— Eu também poderia ter feito algo.
A surpresa me ataca. Jack se culpa pela morte da irmã, ele deve ter seus
motivos e agora eu entendo, ele não me odeia. Jack tem raiva de si próprio.
— Como assim?
— Ela gostava de você, mas era minha irmã. Se eu estivesse lá, quer
dizer, eu não estava presente, Nicholas. Não a ajudei, não conversei...
— Jack, você não tem culpa alguma. Também não mandou a Elle subir
naquela moto!
— Se nenhum de nós dois tem culpa, então... — ele suspira, cansado
desse assunto.
— Talvez não haja um culpado. Eu demorei muito pra superar tudo isso,
mas ainda dói.
Jack me olha como se passasse pelo mesmo.
— Você superou, Nicholas. Eu não sei se consigo, não completamente.
— Consegue. Ela era a sua irmã e não precisa se esquecer disso, você
amava a Elle. Eu sei e ela sabia, mas não adianta viver com essa aflição.
Ele ri nasalado e baixa a cabeça, concordando.
— Eu vivia falando isso pra você.
— E estava certo. Jack, essa culpa que a gente sente não vai trazer a
Elleanor de volta.
Um silêncio confortável surge, nós dois absorvemos o que contamos. Eu
acreditava que Jack me culpava por tudo e estou chocado com a verdade.
— Não é o fim do mundo, certo? — ele pergunta com calma.
— É doloroso, mas não é o fim. Tudo que aconteceu nos últimos meses
prova isso.
— Parece que as coisas estão voltando ao normal.
— Não, normal não, estão melhorando.
Meu amigo sorri de canto e assente. Apesar de todas as perdas, nós
temos muito, ganhamos muito e melhoramos muito. O tempo passou e, agora,
alguns fantasmas podem desaparecer. Eu ainda sinto falta de Elle, ainda
penso nela, mas sem ter um peso nas costas. E Jack precisa fazer o mesmo.
— Alice vai voltar? — Mudando de assunto. Sei que se preocupa com a
menina, os dois se aproximaram bastante.
— Eu não sei.
— Espero que ela volte. — Jack sorri. Precisamos focar no agora, o
antes já nos machucou o suficiente. — Espero de verdade.
É, eu também.
A mansão dos Vender continua a mesma: gigante, parecendo um
castelo, e com um grande jardim ao redor. Estaciono a moto à frente da
entrada assim como Jack. O carro de Tommy já está aqui, o que significa que
alguns dos poucos convidados já chegaram.
— Pronto para entrar no covil? — Jack brinca, me fazendo rir. Chris
pode estar diferente, mas a sua família ainda é a mesma.
— Você não consegue se controlar, não é? — Ele dá de ombros.
Subimos os degraus de tijolos e chegamos à entrada.
— Tem algum código ou a gente só bate na porta?
— Jack, precisa parar ou vai soltar uma dessas piadas de covil na frente
da Christina — sussurro, segurando o riso.
A mansão é escura, em tons de marrom e bege, todas as luzes são
amarelas e deixam o jardim ainda mais sombrio. A casa fica um tanto longe
da praia e é isolada, seria um cenário perfeito pra um terror dos anos oitenta,
as festas de Halloween dos Vender sempre foram ótimas por isso.
Toco a campainha e espero. Ouço os passos contra o piso de madeira
ecoando do lado de dentro, de repente, a porta se abre. Chris Vender está
enfiada numa numa blusa branca e numa saia jeans azul e curta, os seus fios
estão presos num rabo de cavalo.
— Vocês vieram — ela exclama com animação. — Entrem.
O garoto o faz depois de mim, ele parece desconfiado, mesmo sem ter
motivos para tal. Eu sei que Chris Vender consegue ser ruim — de certa
forma —, mas não como Chris Hargensen em Carrie. Não tomaremos um
banho de sangue de porco.
— A sua casa é escura — ele comenta. As cores não combinam com a
região, por aqui os tons de decoração são próprios do calor, ou seja, claros. A
mansão dos Vender não se adequa.
De qualquer forma, é linda e sofisticada, além de ser chamativa.
— Eu sei, meu pai gosta desse tipo de coisa. Apesar da praia e do calor,
moramos no meio das árvores e faz frio — Christina explica, nos guiando
pelos corredores.
Finalmente chegamos ao cômodo principal, onde recebem visitas. Há
dois sofás brancos, quadros nas paredes, estantes e um piano, tudo muito
arrumado e confortável.
— Nossa, demoraram — Hannah diz ao entramos na sala. Em seguida,
ela vai até Jack e os dois se beijam.
— Achei que teria mais gente — falo.
— Bom, preciso falar com vocês, por isso fiz essa reuniãozinha. E
chegaram bem na hora.
— Falar sobre o quê? — Margot pergunta, sentada ao lado de Wine no
sofá, bebendo alguma coisa que não reconheço num copo vermelho de
plástico.
— Sobre mim — solta, sem notar o quão estranha essa resposta é. Todos
a encaramos com certa dúvida. — Eu quero falar sobre tudo que fiz pra
vocês.
— Não tem necessidade — Andressa reage no mesmo momento e se
levanta de uma poltrona. Ela está séria, como nunca antes.
— Tem sim. Eu preciso resolver isso — Chris tenta.
— Mas eu não preciso! — A ruiva fica nervosa, ela larga o copo e parte
com pressa por um dos corredores da casa, fazendo Madison a seguir.
Eu sei que alguns de nós sofreram mais que outros nas mãos da
Christina. Sei que muitos precisam jogar a verdade na cara dela, mas eu já fiz
a minha parte, já me resolvi com a menina.
— Olha, eu não quero brigar. — Vender quebra o breve silêncio que
surgiu após a reação da ruiva. — Eu só quero pedir desculpas e precisava de
todos vocês juntos.
— Eu acho que não deu muito certo — Hannah caçoa e Jack a repreende
com o olhar.
Chris está segurando o choro, ela se joga num sofá desocupado e respira
fundo. Deve ser difícil encarar o que fez e, pior ainda, encarar quem foi
afetado por suas ações.
— Você pode tentar — Tommy diz, parado do outro lado da sala. —
Tenta.
— Eu só queria pedir desculpas por tudo. Para o Nicholas, por ter sido
uma idiota, por ter tentando te separar da Alice. E para o Jack, por causa das
coisas que falei pra irmã dele. Hannah, eu também fui uma idiota com você.
Wine e Margot, eu não tinha o direito de me meter na vida das duas. Me
desculpem por tudo isso. Eu sei que errei muito e nenhuma palavra pode
mudar o
passado, nada pode. Mas eu espero que possam, ao menos, tentar me suportar
daqui pra frente. — Algumas lágrimas escorrem por suas bochechas.
— Conseguiu — Tommy responde.
— Ainda não acabei, me desculpe por ser uma babaca com você. Maddy
é minha amiga e está feliz, eu devia ter respeitado isso. E você é legal.
Thomas assente, mantendo o silêncio.
— Acho que eu também fui uma idiota, mas essas coisas estão no
passado. — Hannah é a primeira a declarar.
— Você fez o que fez, Vender, mas estamos bem agora — Jack conta.
— Ele está certo — Wine termina. — A gente só precisa se conhecer de
novo, sem toda aquela falsidade que você carregava.
Chris ri baixinho e se deixa chorar. Faço questão de me sentar ao seu
lado, ela parece aliviada, mas não o suficiente.
— Não será tão fácil assim, não comigo. — Andressa volta. Seus olhos
verdes estão irritados, vermelhos, e ela cruza os braços. — O que vai dizer?
Chris a encara sem ter palavras.
— Eu quero ouvir! — a ruiva ordena. — E acho que todo mundo tem
que ouvir, já que todos nessa sala viram aquelas fotos.
É verdade, todos viram. Eu as recebi no meu celular antes da aula, eu
notei a vergonha no rosto da Andressa e me sinto culpado por ter invadido a
sua privacidade, mesmo que sem querer. Eu tento tirar aquilo da minha
memória, mas não é fácil.
— Eu não sei o que te dizer — Christina sussurra enquanto chora. —
Me desculpe, eu não tenho o que dizer.
Andressa está fria, não demonstra muita emoção. Seus olhos encontram
os de Vender e ela sorri de nervoso.
— Porque nada que você disser vai apagar o que fez!
— Andressa, eu sei disso! Eu sei disso, eu juro, e o que fiz é um crime.
Eu não posso me desculpar pelo que fiz, eu te destruí, te humilhei e isso é
imperdoável.
— Que bom que sabe.
— Eu sei, eu sei disso, mas eu não consigo continuar assim, não consigo
ficar no mesmo cômodo que você sem que olhe na minha cara, sem que fale
comigo!
— Você era minha amiga, Christina.
Todos assistem a discussão sem intervir. Elas precisam desse momento,
nós precisamos.
— Eu sei.
— Se sabe de tudo, por que fez o que fez?
O silêncio predomina. Nenhuma das duas continua e o clima começa a
ficar estranho. Vender não tem uma resposta, obviamente. Ela não sabe por
que fez aquilo e esse é o real problema.
— Eu fui impulsiva, sempre fui assim — a loura recomeça. — Eu fazia
coisas ruins, mas passei de todos os limites com você. Eu traí a sua confiança.
— E isso é o que mais dói — Andressa revela. — Nós brigamos por sua
causa, porque eu queria te ajudar, e você decidiu armar pra mim ao invés de
conversar...
A dúvida surge no rosto de alguns, por um momento se perguntam sobre
o que estavam discutindo naquele dia, contudo, eu sei. Chris me contou,
porque apesar de me detestar, eu era o único disposto a ouvi-la. A ruiva
queria a afastar dos comprimidos que encontrou em seu quarto.
— Eu nunca pensei desse jeito, Andressa, eu não tinha essa capacidade.
Eu só agi.
— E agora consegue ver o que fez? — A ruiva ri baixinho. — Como eu
posso acreditar em você de novo? Não tem um dia em que eu não ande pelo
Campus pensando que todos estão rindo de mim ou se lembrando das, fotos e
isso não vai embora com um pedido de desculpas.
Christina se levanta e fica de frente para Andressa.
— Eu não posso arrumar isso e, sim, agora eu vejo o que fiz. Eu tô
tentando e entendo se não puder me perdoar. Entendo, porque você não pode
se esquecer do que aconteceu, mas eu só estou te pedindo pra tentar, por
favor!
— E você vai tentar também? — A ruiva morde o lábio, segurando o
choro.
— Olha, Andy — Madison se intromete —, acho que ela já está
tentando. Eu sei que não é suficiente, mas é um grande começo.
— Não precisamos voltar a ser melhores amigas, mas por favor,
Andressa, não me odeie pra sempre!
Chris desmorona com seu último pedido, o que me abala um pouco.
Fico divido entre a abraçar e deixar que tudo continue da forma que está, mas
quando menos espero, a ruiva puxa a loura pelos braços e a aperta contra seu
corpo.
Parece que elas, finalmente, tiveram a conversa, assim como Jack e eu.
Quando se separam, Chris seca as próprias lágrimas e olha para Madison.
— Me desculpe por não te apoiar. Eu sabia que você precisava de ajuda
e não dei atenção. Não fui uma amiga de verdade, Maddy. E me desculpe por
te colocar contra a Alice.
— Tudo bem, isso não importa mais — a pequena sussurra.
De repente, o peso dos erros do passado some e o ar se torna limpo pela
primeira vez.
Entro com calma na casa, as luzes apagadas indicam que todos estão
dormindo e não quero os acordar agora, ainda mais com esse cheiro de
bebidas e cigarros preso a minha roupa.
Subo cada degrau e viro no corredor. A mansão está silenciosa, como
sempre. Me enfio no meu quarto, encosto a porta, acendo a luz, jogo a
jaqueta de couro no chão e me sento na beira da cama. A chuva começa a cair
do lado de fora e junto dela, meu celular toca. O retiro do bolso e me
surpreendo ao ver que Wonders está me ligando por vídeo.
Não penso duas vezes antes de atender.
— Boa noite. — Alice diz, toda animada.
— Boa noite, amor. Me ligando por vídeo?
— Por que nunca fizemos isso antes? Quer dizer, a minha irmã, que é
bem mais jovem — ouço a risada de April ao fundo —, me deu essa ideia
depois de rir de mim.
A loura e baixinha se joga no colchão, ao lado de Alice.
— Eu achei que seria legal e é bem mais confortável pra vocês —
comenta. — Oi Nick.
— Oi April. Foi uma ótima ideia. — Pisco para ela, que cora igual a
irmã normalmente faz. Me ajeito sobre a cama, pronto para saber do dia de
Wonders. — Como estão as coisas?
Alice suspira ao me ouvir.
— Bem, até agora. E por aí?
— Estranhas. Alex foi embora, ele vai morar no Texas com o pai.
— Que bom — sussurra. Noto que April começa a mexer no próprio
celular e tira sua atenção de nós.
— Eu acabei de voltar da casa da Chris, ela fez uma reunião.
— Sério? Pra quê?
— Pedir desculpas. — A surpresa aparece no rosto de Wonders. — E
conseguiu.
— Falando da Christina, como ela está, sabe, depois que Jayden foi
embora?
— Bem, pelo que parece. Ela está superando tudo isso.
Paro de encarar seus olhos e me permito analisar a sua blusinha de alças,
toda branca, e seus seios apertados dentro dela. Eu sinto muitas coisas por
Wonders, desde amor à desejo, e nós dois sabemos disso.
Mordo o lábio disfarçadamente, mas ela nota e ri baixinho.
— Nicholas, seu safado! — Desvio o olhar e ela muda de assunto. — Eu
preciso perguntar, como você sabia desse relacionamento dos dois?
— Não era um grande segredo — caçoo. — Conheci o Jayden no
colégio, eu gostava de praticar basquete, sabe?
— Você era do time?
Rio um pouco e nego.
— Não passei nem perto de ser, mas o Jayden queria entrar e treinava
nas horas vagas. Acontece que o pai dele adorava, então, o criou pra isso.
— Bom, deu certo. Ele joga bem — Alice lembra.
— Sim. O pai do Jayden foi pra outro estado depois do divórcio, era
policial, e morreu quando ele tinha uns dez anos.
— Entendo. — Wonders não está me olhando, ela analisa o próprio
quarto enquanto pensa na história que conto. — Como a Chris entra nisso?
— A gente se encontrava na quadra, eu chegava atrasado por vários
motivos e via os dois conversando. Depois, ela começou a assistir os jogos.
Eles foram se aproximando.
— Ah, sim — Alice sussurra e um silêncio surge antes dela mudar de
tópico. — Eu sinto sua falta, Nick.
— Eu também, princesa. Eu não ia perguntar, mas você pretende voltar?
— Ainda não tenho uma resposta — sussurra. Fica claro que não quer
tocar no assunto. — Isso não é uma negativa.
— Que bom. Todo mundo sente sua falta por aqui.
Um sorriso fraco aparece em seu rosto.
Eu tenho certeza de que se Alice não voltar, eu me mudo para Nova
Iorque. Minha família está bem e eu não pretendo viver grudado a ela para
sempre. Quero ter a minha vida e, principalmente, quero que seja ao lado de
Alice Wonders.
— Me conte sobre o seu dia — peço.
— Está bem frio por aqui, então, a gente assistiu alguns filmes. Eu
ganhei da April e do meu pai no pôquer, claro.
— Parece muito bom, agora falta ganhar de mim.
— Quer mesmo se arriscar, Nicholas?
Mordo o lábio.
— Ah, com certeza. Você vai ter que tirar toda a sua roupa.
— Strip pôquer, sério?
Assinto, notando que as minhas pupilas dilatam quando fito seus seios
novamente. Alice me analisa, nós dois estamos nadando em malícia. Ela cora,
mas morde o lábio, me provocando.
— Wonders...
— Minha irmã está aqui do lado, Thompson — relembra com uma voz
baixa e, no mesmo instante, Pumpkin bate na minha porta e entra com calma.
Meu corpo esfria rapidamente.
— É, eu tenho alguém aqui também — conto, deixando-a confusa. —
Preciso te apresentar uma pessoa.
Chamo minha mãe, que obedece com tranquilidade. Ela se senta ao meu
lado na cama e percebo que Alice fica sem palavras.Wonders quieta é algo
que nunca vi antes. Ela sempre tem uma resposta.
— Essa é a minha mãe — digo e Pumpkin sorri, também tímida.
— Ah — ela gagueja. — Oi, é um prazer finalmente te conhecer,
mesmo que seja por vídeo.
— Te digo o mesmo, Alice. Então, você é a namorada do meu filho?
As bochechas da menina coram de tal forma que me pego segurando um
riso. Alice morde o lábio e tenta responder, mas a sua voz não sai, então, ela
assente.
— Ele fala muito de você.
— Ele também me falou de você — conta. — Nick sentiu muito a sua
falta.
Pumpkin sorri.
— Eu imagino. Fico feliz por ele ter te encontrado. — É, eu também
fico feliz por isso, por decidir beber naquela noite e ficar à frente do Heaven.
— Vou deixar vocês conversarem — minha mãe diz, se retirando.
— Não, não. Por favor, não precisa ir. Eu vou dormir agora.
Nunca imaginei que Wonders fosse tímida e também sei que ela quer me
deixar passar um tempo com a minha mãe.
Viro o celular para mim, a fim de me despedir.
— Eu falo com você amanhã? — pergunto.
— Sim, claro. Antes me diga, a Maddy está bem?
— Ela teve alguns problemas, mas está melhorando. Madison é forte,
vai conseguir.
— Eu sei que vai — Wonders suspira. — Boa noite, amor.
— Boa noite, princesa.
Alice me entrega um sorriso doce antes de desligar. Eu fico preso a
memória do que acabou de acontecer. Ela é linda, completamente engraçada
e divertida, eu gosto de conversar com Wonders, gosto de ver suas bochechas
corarem, de perguntar sobre o seu dia.
E gosto ainda mais da sua presença.
— Ela é linda — minha mãe fala, me tirando dos devaneios. Pumpkin se
senta ao meu lado novamente. — Dá pra ver o quanto gosta da Alice.
— Acho que algumas pessoas notaram antes de mim.
Ela ri.
— E como foi a sua noite?
— Boa. Fui numa festa e quero dormir em casa hoje.
— Isso é ótimo. E, Nick, seu pai me contou que você decidiu estudar
literatura.
— Sim, eu estudava, mas tranquei o curso por um tempo. Volto depois
dos bailes.
— Eu fiquei feliz com isso, sempre me perguntei o que ia escolher.
— Você me incentivava a ler, mãe.
Pumpkin sorri com animação e suspira em seguida. Minha mãe não
continua o assunto, ela se levanta, indicando a sua saída.
— Bom, eu vou dormir. — A mulher ajeita os fios louros e me examina
por uma última vez. — Vê se toma um banho e descansa, posso sentir o
cheiro de bebida. Boa noite, filho.
Ela me disse boa noite, depois de anos.
— Boa noite, mãe. — Quase engasgo nas palavras, afinal, ainda não me
acostumei.
Pumpkin me deixa sozinho para pensar no sorriso de Alice, em suas
bochechas vermelhas e, infelizmente, me lembrar das palavras de Alexander.
57
OLÁ
“Quinze centímetros de salto,
ela entrou na boate
como se não fosse problema de ninguém.
Minha nossa, ela assassinou todo mundo
e eu fui sua testemunha.”
Beyoncé & The Weeknd | 6 Inch
NICHOLAS THOMPSON
Uma semana depois.
Voltar ao Heaven não me parecia uma boa opção, além disso, não está
tão tarde para levar Alice à mansão. Dormir com ela em meu quarto será mais
confortável que dormir na cama do dormitório, até porque, acho que Jack e
Hannah passarão a noite por lá.
Abro a porta da casa e deixo que Wonders entre primeiro. Ela já está
nervosa, é visível. Seu corpo para no hall e a menina se encosta numa parede
enquanto vozes ecoam pelos corredores.
— Acha que é uma boa ideia? — me pergunta e faz um biquinho. —
Nick, eu nunca namorei assim. Quero conhecer a sua mãe e a sua irmã, mas
estou nervosa.
— Isso é visível, mas você vai se sair bem, amor.
Alice pensa um pouco enquanto lhe dou um selinho. Quando separamos
nossos corpos, a menina assente. Eu vou na frente, mas antes de chegarmos à
sala, uma voz nos chama no salão[SGS1] de festas, onde o piano fica. É
George, meu avô. Me viro e o encontro numa poltrona, lendo um jornal, e
decido ir até o homem. Wonders me segue em silêncio, segurando em minha
mão.
— Ah, Alice — ele reage com animação ao encontrá-la ao meu lado —,
que bom te ver.
— Te digo o mesmo, Senhor Thompson.
— George, por favor.
A garota enrubesce no mesmo instante. Faço questão de olhar em seus
olhos, para que saiba que está tudo bem.
— Estão namorando? — outra voz questiona. Nos viramos num pulo,
pegos de surpresa. Polly está em outra poltrona, com um livro em mãos.
Alice abre a boca, mas não responde. Seu toque ganha força, ela aperta a
minha mão.
— Estamos sim — conto. Decido ignorar a Polly e me torno ao meu
avô.
— Isso é ótimo! Alice é uma garota muito linda, Nicholas. Tem sorte —
George nos interrompe.
As bochechas da princesa ficam vermelhas, como se todo seu sangue se
unisse nelas. Wonders sorri de canto, coloca uma mecha atrás da orelha e não
hesita em responder.
— Se continuar falando assim, vou ficar sem jeito — ela brinca e
também ignora a presença da minha avó.
— Bom, então vai ficar sem jeito. — Os dois dão risadas.
George sempre foi descontraído, o completo oposto da esposa. Sei que
por esse motivo e outros, o casamento dos dois acabou há anos, assim como
sei que ele quer o divórcio.
— Seus pais estão na cozinha — conta.
— Ah sim, quero que Alice conheça a minha mãe.
— Então, vou deixar vocês em paz. — Meu avô pisca para nós e volta a
ler o jornal.
Caminhamos juntos para fora do lugar, passamos pela grande sala de
estar e quando vemos a luz da cozinha, Wonders aperta a minha mão. Eu
sinto o suor em sua pele, sei que ela fica ansiosa em situações como essa,
então, paro antes mesmo de entrar no cômodo.
— Precisa se acalmar — sussurro. — Alice, eu não quero te forçar a
nada.
— Eu já te disse, só estou ansiosa, juro que vou ficar bem.
— Certo. — Nossos olhares se encontram. — Não conhecia essa sua
timidez.
— É, às vezes ela aparece — brinca.
— Podemos entrar naquela cozinha?
Ela fecha os olhos, respira fundo e assente.
— Com certeza.
Beijo-a na testa e seguro em sua mão. Wonders volta a andar ao meu
lado e entramos no cômodo onde a minha família está reunida.
— Alice! — Grace é a primeira a reagir. Ela pula do banquinho e corre
na direção da menina, que se abaixa pronta para receber a pequena. — Você
voltou!
— Sim, voltei! Fiquei com saudades!
— Eu também — minha irmã sussurra.
Grace demora a soltar Wonders e quando o faz, me apresso a falar algo,
já que o silêncio ameaça surgir.
— Essa é Alice Wonders, a minha namorada. — Minha voz falha um
pouco, talvez eu também esteja nervoso.
— Oi, é muito bom conhecer vocês duas — ela diz, o que me faz rir
baixinho.
— Então, você é a Alice? — Pumpkin sai de trás do balcão e caminha
até a garota. Minha mãe faz questão de a abraçar com delicadeza, notando o
seu nervosismo.
Tento não me intrometer na interação delas, mas Wine me encara com
malícia. Seus olhos encontram os meus e a menina faz um biquinho.
— É, meu irmão tinha razão. Bonita. E finalmente te conheci!
— Obrigada. — Alice ri, sem jeito.
— Vão jantar com a gente, certo? — é Pumpkin quem pergunta.
— Na verdade, mãe, ela vai dormir aqui. A convidei pra passar um
tempo na mansão até decidir onde ficar.
— Perfeito!
Eu sabia que seria fácil. Pumpkin sempre foi simpática, mesmo quando
não gostava das pessoas. Ela faz questão de tratar Alice bem e, sutilmente,
respeitar o nervosismo da menina. Eu entendo o lado de Wonders, conhecer a
minha família é algo complicado — considerando o histórico dos Thompson.
De qualquer forma, parece que todos gostaram dela. Alice ajuda Grace a
arrumar a mesa, ela e minha irmã conversam sobre várias coisas, como Nova
Iorque e neve.
Quando tudo fica pronto, nos sentamos e jantamos. Chega a ser
divertido. Há certo alívio em meu peito, afinal, Alice está bem, assim como
todos os outros com quem me importo.
Acordo mais cedo do que planejava, Alice dorme ao meu lado, enfiada
em minha camiseta e sob edredons pesados. Faz frio nessa manhã.
Me levanto com lentidão, o quarto está escuro, a única luz que tenho é
aquela que invade o ambiente através do tecido da cortina. Não quero acordar
Wonders, ela deve estar cansada da viagem e de outras coisas.
Quando transamos não vamos com calma e, sinceramente, essa é a
melhor parte. Em contrapartida, cansamos em excesso e dormir juntos
também é maravilhoso.
Visto a minha calça e saio do quarto sem fazer barulho. Encosto a porta,
caminho pelos corredores da mansão — agradecendo pelo silêncio —, e me
levo à cozinha. Por incrível que pareça, Pumpkin já está acordada, assim
como Wine, que deve ter acabado de sair da cama.
— Nicholas, deveria colocar uma camiseta. Está frio — minha mãe
começa.
— Eu tô bem.
— É, a Alice aquece ele. Deve ter aquecido a noite toda. — Wine não se
contém.
— Ainda bem que você sabe — provoco e ela ri.
— Já chega vocês dois. Estão com fome?
— O Nicholas deve estar com muita.
Bufo com as palavras da minha irmã, ela desconhece limites e sempre
gostou de me tirar do sério. Parece que voltamos ao ensino médio.
— Você não cresce, Wine?
A garota me mostra a língua.
— Eu durmo de frente para o seu quarto, babaca, dá pra ouvir algumas
coisas.
— Te digo o mesmo.
Ela cruza os braços e faz um careta.
— Já chega, Nicholas e Wine. Parece que vocês ainda tem uns quinze
anos.
— É, ela parece ter quinze mesmo — continuo e minha mãe me entrega
um olhar furioso, me silenciando.
Não posso esconder que gosto desses momentos, eles não aconteciam há
anos. Eu senti falta de brigar com Wine e ouvir as reprovações da minha mãe.
Senti falta de acordar cedo e encontrá-las na cozinha.
— Adorei a Alice. — Pumpkin muda o assunto. — Ela é bonita,
inteligente, divertida e gosta muito de você.
— Essa última parte mostra que ela não é tão inteligente assim. — Wine
não para.
— Olha, você... — Nem termino.
— Eu tô brincando, Nicholas, também gostei da Alice.
Suspiro no mesmo momento, eu sabia que a minha mãe ia gostar dela,
mas Wine Thompson é do contra. Ela tem o costume de me irritar e fiquei
com medo do que poderia dizer.
— Alice toca piano — Pumpkin lembra. — Isso significa que você —
ela se apoia no balcão — pode aprender a tocar piano.
— É, Alice está me devendo algumas aulas.
Minha mãe sorri.
A ficha finalmente cai, eu sempre pensei que as duas fosses gostar uma
da outra e gostaram. Eu sempre quis que elas se conhecessem e se
conheceram.
O destino brincou com nós dois de formas inexplicáveis e só posso
agradecer a ele por isso.
58
DESTINO
"Porque você é a razão pela qual eu acredito no destino.
Você é o meu paraíso e farei qualquer coisa
para ser seu amor ou ser seu sacrifício,
porque eu te amo até o infinito."
James Young | Infinity
ALICE WONDERS
FINAIS FELIZES
"Amor, estou dançando no escuro,
com você entre meus braços,
descalços na grama,
ouvindo nossa música favorita."
Ed Sheeran | Perfect
ALICE WONDERS
Nicholas não gostou muito da minha ideia, ele queria continuar no sofá
onde é seguro e quente, mas minha mente turbulenta quis tentar outras coisas.
— Você me disse que superou o passado, que não se culpa mais. Então,
me ensine a andar de moto! — ordeno, sem paciência.
O garoto bufa como sempre. Ele sabe que sou teimosa, não desisto fácil.
Se negar, ficaremos aqui, na rua e no frio, pelo resto da tarde.
— É perigoso, Alice.
— Então, vamos fazer assim, você nunca mais vai pilotar.
— Tudo bem — diz em tom de reclamação. Não sei quando Nicholas
aprendeu a ser paciente comigo, mas está se saindo melhor do que eu
imaginava.
Eu sempre venço pelo cansaço, era uma criança bem chata.
— A rua está vazia e pretendo ir em linha reta. Não precisa se
preocupar.
Nick se aproxima de mim, que cruzo os braços, e olha em meus olhos.
Tenho de erguer a cabeça para encontrar suas íris e ele suspira, sem vontade
alguma de realizar meu pedido.
— Você gosta de trocas, certo? — pergunta. Dou de ombros como
resposta. — Então, se eu te ensinar a andar de moto, me ensina a tocar piano?
— Não posso te ensinar piano numa tarde. — Acabo dando risada.
— Eu te digo o mesmo, Wonders! — ele exclama e ri de nervoso. —
Não posso te ensinar a andar de moto numa tarde.
— É claro que pode, eu aprendo rápido.
— Ah, e eu não? — Nicholas cruza os braços, como eu, e faz uma
careta.
— Quer mesmo discutir? — Nossos olhos não se desencontram. —
Agora, é sério?
— Quer saber? Quero sim. Vamos discutir, porque você é teimosa!
— E você não é? — Percebo que nossas vozes estão aumentando de
volume. Nick começa a andar, me fazendo dar passos para trás até atingir
uma parede.
— Você consegue tirar qualquer um do sério. Eu não vou te ensinar a
andar de moto — reclama.
— Alguém já te mandou à merda hoje?
De repente, ele ri. Thompson agarra meus pulsos e me surpreende com
um beijo quente. Não consigo ficar brava por muito tempo.
— Você é teimosa, não menti — sussurra contra meus lábios.
— E você gosta disso. Mas é sério — meus braços se colocam em torno
de seu pescoço e eu fico nas pontas dos pés —, me ensina.
— Não quero que se machuque.
— Por isso — um selinho —, você vai me ensinar.
Como eu disse antes, vencido pelo cansaço. Eu sempre ganho, é
impressionante e bem satisfatório. Seguro um sorriso quando ele concorda e
anda até a moto.
— Tudo bem, vamos.
Nicholas me ajuda a colocar o capacete e a subir na Harley, depois, me
mostra tudo que preciso saber sobre acelerar e frear. Ele me explica a mesma
coisa umas três vezes até que eu reclamo da sua insistência.
— Já entendi — digo e o mesmo bufa, criando coragem para me deixar
tentar. — Precisa relaxar, meu Deus.
— Alice Wonders numa moto, me diz onde isso pode me ajudar a
relaxar.
Rolo os olhos, sei que faço algumas loucuras, como pedir para que pule
de um penhasco comigo, mas não irei pilotar na direção de uma árvore e não
pretendo acabar no hospital.
— Posso tentar?
Ele fecha os olhos, respira fundo e assente.
— Como se eu pudesse te impedir.
Finalmente me preparo e começo. Até que parece fácil, consigo sair com
a moto e seguir em linha reta pela rua, mas evito acelerar muito, não quero
dar um motivo para Nicholas desistir. Por incrível que pareça, eu não caio.
Me sinto mais livre que nunca, é maravilhoso, entendo porquê Thompson
gosta tanto disso. Eu mesma me surpreendo quando faço a volta, como se já
soubesse pilotar há um tempo.
— Conseguiu — Nick comenta com certo choque. — Foi bem.
— Eu disse que ia dar certo. Quero tentar de novo, em outro lugar —
explico enquanto retiro o capacete.
— Você acabou de aprender, Wonders, não vou te deixar sair por aí
pilotando.
— Você pode vir comigo. Não sou uma criança andando de bicicleta,
Wiston Hill nem tem trânsito!
Nicholas ri nasalado e nega.
— Se você cair, eu vou junto.
— Ah, então você tem medo de eu te derrubar?
Faço um biquinho provocante que Nick logo nota. O garoto suspira e
ajeita os cabelos daquela forma que adoro, colocando-os para trás.
— De madrugada, pode ser? As ruas estarão vazias, posso continuar te
ensinando e você pode ir aonde quiser, menos pra estrada.
— Como assim, eu posso ir?
— Sim, Alice. — Nicholas encontra meus olhos. — Você vai numa
moto e eu noutra.
— Ah, você está brincando comigo! Vai mesmo me deixar pilotar
sozinha?
Nick ri da minha reação, fico superanimada com isso, desde que o
conheci penso em aprender a andar de moto, em sair por aí como ele faz.
— Você consegue — fala por último.
Por um segundo sinto meu coração acelerar. Thompson acredita em
mim, ele sabe que, apesar de correr certo risco, posso aprender. Nicholas sabe
que consigo e não está me impedindo.
Eu entendo que ele ainda tem seus medos, ainda se lembra do que
aconteceu com Elle, mas o fato de não estar me impedindo e sim, me
ajudando a fazer algo que quero, já me diz muita coisa sobre Nick.
Ele me encara como se tocar piano fosse a coisa mais difícil do mundo.
— Andar de moto não é tão complicado assim — brinca. — Acho que
você poderia começar por algo que não seja Beethoven.
— Sonata ao Luar não é tão complicado — conto.
Estamos sentados no mesmo banquinho, de frente para o instrumento, e
Nicholas parece bem confuso com tudo que mostrei.
— Alice, é Beethoven. Eu nunca toquei piano!
— Tudo bem, eu não sirvo pra ser professora, desculpe. — Rio um
pouco. — Mas pode aprender o começo.
— Posso tentar, se você me mostrar de novo. — Nossos olhos se
encontram e Nick sorri de canto. — Eu gosto de te ver tocando, por isso pedi
pra aprender.
Droga, as minhas bochechas queimam, estou corando.
— Era só ter me pedido pra tocar piano.
— Então, por favor. — Ele aponta com a cabeça.
Volto a tocar Moonlight Sonata do começo, tentando focar apenas nas
teclas, sem dar atenção aos seus olhos que me observam com cautela. Isso
não dura muito, eu começo a sorrir e acabo parando, já que o olhar de
Thompson me queima.
Ele morde o lábio e eu o encaro.
— Não vai aprender a tocar piano, vai? Só queria me ver?
Nicholas afirma.
— Ainda bem que sabe — diz baixinho.
— Pelo menos eu aprendi a andar de moto.
— É, pelo menos.
ARCO-ÍRIS
"O amor não é aleatório,
nós somos escolhidos."
James Young | Infinity
ALICE WONDERS
Dois dias depois.
Nicholas sorri contra meus lábios antes de sair de cima de mim. Todo
meu corpo treme, como sempre, e o suor escorre por minha pele.
— Não se cansa disso? — pergunto quando ele se deita ao meu lado,
olhando para o teto.
— Você se cansa?
— De jeito nenhum. — Rimos. — Você é muito convencido, mas tenho
que admitir, ninguém nunca me fodeu assim.
— Imagino — brinca e rolo os olhos. — E eu nunca fodi ninguém
assim.
Passo a língua entre os lábios, satisfeita. Nicholas conhece o meu corpo,
eu não preciso dizer o que quero, ele sabe onde me tocar e como me fazer
gozar intensamente.
— As coisas estão dando certo, não é?
— Parece que sim, amor. — Nick me olha e sorri. Me viro para ele e me
deito em seu peitoral, sentindo seu cheiro de menta e seus músculos.
— Acha que a sua avó sentirá falta da Quinn?
— Ela vai fingir indiferença, mesmo odiando a notícia.
— E acha que ela está bem com tudo isso?
Sinto Nicholas alisando meus cabelos enquanto conversamos, ele
mantém um breve silêncio e move seus dedos para a minha face, acariciando-
a.
— Sinceramente, não — responde com firmeza. — Mas ela prefere ficar
longe de todo mundo do que pedir desculpas.
Ergo a cabeça e encontro seus olhos azuis, preciso saber se vai mentir
para mim.
— Se ela pedisse, você aceitaria?
Nick pensa e suspira.
— Não.
No instante em que ouço a sua reposta, sinto certo frio, mas quando
penso em tudo que ela fez, consigo entender o lado de Nicholas. Não é tão
fácil perdoar e Polly Thompson fez muita merda.
— Amanhã eu tenho consulta com a mãe do Jack — relembro. — Você
me leva?
— E se você pilotar a moto? — Seus olhos brilham ao me perguntar.
— Não, eu prefiro quando você faz isso.
— Então eu te levo. E que tal treinarmos boxe depois?
— Perfeito.
Me inclino e beijo Nicholas como se essa fosse a última vez, mas sei que
é apenas o começo.
INVERNO
"Somos só eu e você.
Eles não podem ver o que eu vejo em você,
porque eu acredito em você.
Você é a única que eu escolho."
The Weeknd | As You Are
NICHOLAS THOMPSON
Uma semana depois. Baile de inverno.
FIM
EM BREVE
AS LOST AS YOU ARE
Toda história tem um começo, se Nicholas e Alice são o final, Pumpkin
e Damon são o início.
Agora estamos em Wiston Hill, 1991, quando a menina loura chegou na
cidade e o bad boy mais irritante de todos acabou a conhecendo.
NOTAS FINAIS
Espero que tenham gostado do livro! Venho aqui lembrar que se não
conseguiu encontrar uma moral para a história, leve essa em consideração:
todos têm segredos e todos lidam com algo em particular. A perfeição não
existe, portanto, usar dos pontos fracos alheios para manipulação ou piada,
não é legal. Talvez você também precise de ajuda.
E se você passa por algo como a Alice, saiba que há grupos de apoio,
terapia e alcoólicos anônimos. Procure ajuda, não fique acreditando no “só
mais uma dose.” Alcoolismo é algo sério, como qualquer outro vício, e
precisa de tratamento. Caso esteja na mesma situação que a Madison,
também procure ajuda, a bulimia é um transtorno alimentar grave que pode
ser fatal e eu sei que não é fácil encarar o tratamento, mas não adie! A sua
saúde é importante, por mais clichê que isso possa soar.
Falando da Christina, sabemos que Mateo saiu impune e isso é
revoltante, no cenário do livro vemos que o dinheiro dele foi de grande ajuda
para que não arcasse com as consequências de seus atos.
Abuso, seja psicológico ou físico, é crime. Não deixe isso passar.
Denuncie!
Agora só me resta agradecer novamente e dizer até breve. Nos vemos
em 1991.
AGRADECIMENTOS
Meu obrigada especial a todas as leitoras e leitores do Wattpad, que
acompanharam essa obra desde o início, comentando, se emocionando e
passando raiva. Vocês tornaram isso tudo ainda mais especial para mim.
E obrigada a vocês, leitores que chegaram até aqui, fico feliz por terem
dado uma chance ao meu livro e espero que tenham gostado.
Andressa (a ruiva), obrigada por me deixar usar seu nome e a cor do seu
cabelo para criar uma personagem que tem pouquíssimo a ver com você —
roubei seu gosto por leitura e sua paixão por romances também. Obrigada por
aguentar toda a falação sobre esse livro e por aturar meus surtos.
Obrigada, mãe e pai.
Eu amo vocês. Todos vocês.
E também amo esse casal, Alice e Nick. Obrigada, por me deixarem
criar o romance dos dois. Acho que também tenho que agradecer a mim, pela
paciência.
A todos que um dia me apoiaram, obrigada de coração.
Enfim, não esqueçam de avaliar o livro, porque isso me ajuda bastante.
E me sigam no Instagram, para receberem novidades e outros lançamentos!
Com todo amor,
Samantha Birdie.
[SGS1]volta