As Wicked As You Are - Samantha Birdie

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Copyright © 2021 de SAMANTHA BIRDIE.

Todos os direitos reservados.

Esta obra ou qualquer parte dela não pode ser reproduzida ou


distribuída sem a autorização prévia do autor. (Lei 9.610/98).
Todo conteúdo deste livro é produto da imaginação do autor,
sejam os personagens e seus nomes, cidades e situações, sendo
assim uma ficção. Qualquer semelhança com a realidade é pura
coincidência.

EDITORAÇÃO E CRIAÇÃO DA CAPA


Danieli Tavares (@dark.editorial)

DESENHO DO CASAL
Andresa Rios (@artin_chaos)

AS WICKED AS YOU ARE, SÉRIE AS YOU ARE – LIVRO I [recurso


digital] / Samantha Birdie – 1. Ed; 2021.
NOTA DA AUTORA E AVISOS
Oi, gente! Vocês podem me chamar de Sam, Samantha ou Birdie. Sejam
bem-vindos!
Antes de tudo, devo destacar que AS WICKED AS YOU ARE (Tão
Perverso Quanto Você) é um livro do gênero new adult e aborda temas
como alcoolismo, bulimia, relacionamento abusivo — não há cenas de
estupro —, uso de drogas e ansiedade. Além disso, contém linguagem
sexual explícita, sexo e violência. É recomendado para maiores de
dezoito (+18). Nada foi romantizado ou feito com a intenção de ofender
alguém, as atitudes e falas dos meus personagens (com as quais nem sempre
concordo) fazem parte de uma construção de enredo.
Se você espera um lado mais dark ou até mesmo tóxico dos meus bad
boys, como Nicholas Thompson, saiba que não vai encontrar isso por aqui.
Ele tem a atitude, o estilo e a jaqueta de couro, apenas.
Há seis anos eu estava no ensino médio e escrevi a primeira versão deste
livro durante o intervalo, daí reescrevi e apaguei milhares de vezes. Perto de
terminar a faculdade decidi sentar e trabalhar no tal roteiro guardado.
Acontece que esse tal roteiro era e ainda é muito importante para mim,
deixou de ser algo que eu criei por diversão na biblioteca do colégio,
contando tudo para a minha amiga, e passou a ser uma parte significativa da
minha vida. Este universo, personagens e enredo têm, e sempre terão, um
lugar especial no meu coração.
Eu digo que crio personagens caóticos, o que é verdade, e acredito que
todos temos nosso próprio caos. Nem sempre isso é algo ruim. Enfim, espero
que se apaixonem tanto quanto eu. Desejo-lhes uma boa leitura.
Todo amor,
Samantha Birdie.
SUMÁRIO
NOTA DA AUTORA E AVISOS
SUMÁRIO
PLAYLIST E REDES SOCIAIS
GUIA DE FAMÍLIAS
PRÓLOGO
01
02
03
04
05
06
07
08
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30
31
32
33
34
34.1
35
35.1
36
37
37.1
37.2
38
39
39.1
40
41
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42.1
43
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49.1
49.2
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EPÍLOGO
EM BREVE
NOTAS FINAIS
AGRADECIMENTOS
PLAYLIST E REDES SOCIAIS
Acesse a playlist do livro aqui.
Acesse a playlist do Red Hell (casa noturna) aqui.

REDES SOCIAIS
INSTAGRAM | WATTPAD | EMAIL
GUIA DE FAMÍLIAS
OS THOMPSON
Polly Thompson e George Thompson
Charlotte Thompson | Kellan Thompson | Damon Thompson
Pumpkin Heather Thompson
Nicholas Thompson | Wine Thompson | Grace Thompson

OS WONDERS
John Wonders e Katherine Wonders
Alice Wonders | Mike Wonders | Cherry Wonders | April Wonders

OS BAKER
Charlotte Thompson Baker e Sebastian Baker
Brenda Baker

OS VENDER
Martha Vender e Ash Vender
Christina Vender

OS CARTER
Greer Everlyn Carter e Caleb Carter
Jack Carter | Margot Carter | Elleanor Carter

OS MORGAN
Mark Morgan e Conor Morgan
Andressa Morgan | Leah Morgan

OS PRICE
Dalton Price e Linda Price (falecida)
Mateo Price

OS FOXX
Sarah Foxx e Austin Foxx
Addison Foxx | Madison Foxx
OS LEWIS
James Lewis e Rachel Lewis
Peter Lewis | Hannah Lewis | Madeleine Lewis

OS JACKSON
Henry Jackson e Tatum Jackson (falecidos)
Thomas Jackson | Sophy Jackson

OUTROS PERSONAGENS
Jayden Harris
Benjamin Willi
Alexander Chelton
Juliet Rhodes
Àqueles que amam jaquetas de couro, bad boys apaixonados, garotas
decididas, cigarros baratos e lábios adocicados. Aos amantes de romances
intensos e, principalmente, do caos. Eu dedico tudo isso à vocês. Eu dedico
cada pedacinho deste caótico universo à vocês.
Você, Nicholas Thompson, era tudo que eu queria.
E eu era seu paraíso mais caótico.
— Alice Wonders
PRÓLOGO
ALICE WONDERS

Todos os dias, quando a luz forte do sol entra pela janela do meu quarto,
quando sinto o cheiro de cigarros baratos e bebidas caras, eu sei que não
estou em casa. Eu sei que estou num quase inferno.
Já me disseram muitas e muitas vezes, me avisaram que o bonito é
tentador e pecaminoso. Me disseram muitas vezes que basta se deixar levar
pela tentação e pronto, o caos está feito. Me mandaram resistir, mas
esqueceram de mencionar que Wiston Hill, uma cidade chamada de utopia,
seria pior que qualquer outro lugar. Seria quente da forma errada.
Ninguém me avisou que olhos azuis podem ser misteriosos e ninguém me
avisou que eles guardam os maiores prazeres de todos.
Sim, os seus olhos azuis. Eu realmente não queria gostar de você. Nunca
pensei em me apaixonar e o meu tipo de prazer era outro, completamente
diferente, mas tão errado quanto o seu. Eu tinha problemas e segredos, como
todos os outros, um caos escondido no fundo da minha alma e dos meus
pensamentos.
E você também era assim.
Você, Nicholas Thompson era o caos disfarçado de perfeição. Você era o
proibido.
Ao seu lado descobri que quebrar regras pode ser delicioso e descobri que
mentiras podem ser perigosas.
Não, eu não gosto e nunca gostei da ideia de me apaixonar, mas acabou
sendo muito mais intenso. Você é muito mais intenso que qualquer outra
coisa e eu deveria saber, porque seus olhos azuis brilhavam de uma forma
diferente na primeira vez em que os vi.
E eu odeio o fato de ter te deixado entrar assim, odeio a sua malícia e a
sua persistência. Odeio os seus lábios quentes e as suas mordidas. E também
odeio os seus abraços confortáveis e seu sorriso maravilhosamente
provocativo.
Eu senti, e ainda sinto, o caos se aproximando, o incêndio começando,
porque ainda sinto sua respiração pesada em meu pescoço. Você ama segurar
na minha cintura, você ama me ver na ponta dos pés para acompanhar a sua
falação.
Você ama o que, teoricamente, não pode ter e o conquista mesmo assim.
Você me conquista cada vez mais.
Quem sabe, o inferno consiga ser doce. Talvez eu adore toda essa merda e
talvez, por isso, as paredes estejam desmoronando.
Então, eu deixo o fogo tomar conta de tudo.
01

HEAVEN
"O paraíso só deixa que alguns entrem nele.
É tarde demais para eu escolher isso."
The Weeknd | Real Life

ALICE WONDERS

Todas as luzes neon ao meu redor só servem para deixar a minha


mente ainda mais confusa, ainda mais perdida em raiva e sentimentos
reprimidos demais para que eu possa nomeá-los.
Eu odeio Alex. O odeio com toda a força que nesse momento se esvai do
meu corpo, eu o odeio tanto que o uso como desculpa para me embriagar
num bar qualquer com malditas luzes neon. Todos ao meu redor se afundam
em conversas e sorrisos. Heaven brilha nesse exato momento, no letreiro
azulado do lado de fora.
E eu queria poder esquecer que Alex existe.
Ele está errado e eu também, por isso sinto uma pitada de alívio por ter o
magoado.
— Mais uma — peço, deslizando o pequeno copo pelo balcão e fitando
a menina de cabelos azuis na altura dos ombros. Ela sorri levemente, sendo
quase impossível de se notar, e enche com pressa o pequeno objeto.
— Noite difícil? — pergunta elevando o tom de voz, pois a música já
toma conta do local.
Penso um pouco, sorrindo de canto. Chega a ser cômico o quão aparente
meu humor é, e sempre foi. Todo mundo consegue me ler rapidamente.
— Talvez — respondo a provocando com algo que odeio, respostas que
não levam à lugar algum. Rio com certa maldade e viro o copinho de uma só
vez.
Tequila, quente e forte.
A menina me observa como se eu fosse a coisa mais interessante ao seu
redor. Ergo o olhar e lá está ela com os lábios avermelhados e os fios
bagunçados.
— Sou Hannah — diz. Na verdade, não dou a mínima para quem ela é,
não agora, não quando sei que Alex pode me ligar de novo e acabar de vez
com a minha noite.
— Alice — respondo com total desânimo, contudo, a garota não parece
querer desistir. Ela apoia uma das mãos no balcão à minha frente enquanto
seu corpo é iluminado pela luz azul da prateleira de bebidas. Suas unhas são
curtas, seu esmalte preto descasca de uma forma elegante. As tatuagens, que
enfeitam sua clavícula e ombros, brilham num bronzeado típico de uma
californiana.
Hannah enche meu copo sem que eu peça.
— Parece que vai precisar — explica com maldade. Talvez eu realmente
esteja mal. Preciso conferir isso, preciso saber se todos me julgam.
Eu odeio ser lida e, apesar de ser curiosa, odeio a curiosidade alheia.
— Obrigada. — Comprimo os lábios. Estou bêbada demais para lembrar
do caminho de casa, estou bêbada demais para saber como e porquê cheguei
ao Heaven, o tal bar.
Mesmo depois de tentar se aproximar, mesmo com as minhas negativas,
ela continua a me fitar enquanto eu olho ao redor, procurando por um canto
silencioso, por um espaço onde eu possa surtar e xingar Alex em voz alta.
— Não é sempre assim. — Ri do meu desconforto. — Quer dizer, as
pessoas gostam de beber e temos um aniversariante hoje, por isso estamos
lotados.
— Ah — suspiro lidando com o arrependimento, meu quarto na
fraternidade estaria mais silencioso. Eu adoro festas, mas, nesse momento,
tenho uma consciência pesada e um perseguidor insistente.
O telefone toca em meu bolso, porém não o atendo. Não agora. E
finalmente, Hannah se afasta, me libertando de seus pensamentos e de sua
voz doce.
Eu passei o verão bebendo tequila e rum. Passei cada dia quente num
bar diferente, numa festa idiota e, até mesmo, dormi com um cara aleatório.
Fui tudo que não sou de verdade, tentei de todas as formas me libertar da
fúria reprimida que sinto pelas últimas palavras de Alex.
E mesmo assim, pareço estar queimando de raiva.
Odeio o fato de ele ter me traído com Ruby, odeio me lembrar de que
acreditei, por anos, que ela poderia ser minha melhor amiga. E ela foi, por
segundos que a favoreceram. Eu não amava Alex de verdade, era algo
passageiro e com data de validade, entretanto, não gosto de ser usada. E eles
traíram a minha confiança. Então, ele pode continuar ligando a noite toda,
pode implorar por perdão e depois gritar ao ouvir um não. Eu odeio o que ele
tentou fazer comigo. Alexander tentou quebrar o meu coração da pior
maneira possível.
Largo o copinho frágil sobre o balcão e me levanto apressadamente —
me arrependo em seguida, pois a tontura me domina. Apoio as mãos nos
bancos desocupados, me guiando até um corredor vazio e sem luzes irritantes
ou bartenders curiosos.
Me enfio num banheiro apertado, acendo a luz azul neon e ajeito minha
saia de couro preta. Passo meus dedos trêmulos por entre os fios embaraçados
de meus cabelos e fito meu reflexo. Nesse momento, como em todos os
outros momentos depois de me embriagar, eu me arrependo de coisas que
nem me lembro de ter feito. É um momento de dor e de culpa, quando
prometo que nunca mais tocarei num copo de bebida.
Cacete, mais uma promessa que não vou cumprir, mesmo sabendo que
preciso aprender a lidar com meus problemas e, assim, parar de beber.
Me encosto no papel de parede e me pego rindo da minha própria
situação, além do fato de que nada combina nesse bar. Neon na parte
principal, veludo nos corredores, jukebox, karaokê e sinuca. Muito aleatório.
E eu meio que gosto disso.
Alex ainda me liga, ainda quer se desculpar. É inexplicavelmente
cômico ele querer pedir desculpas porque acha que quebrou o meu coração.
Idiota. Como pode acreditar que tinha esse poder?
E eu, enquanto isso, não tento nem um pouco mudar de verdade como
prometi a minha irmã mais nova antes de fugir de Nova Iorque. Ela me pediu
para ficar viva, isso significa sóbria e estável, mas é difícil lidar com as
minhas promessas.
Agarro o pequeno aparelho que não para de vibrar, cessando a minha
crise de risos. Quando leio o nome penso em xingamentos, mas desligo
ignorando a fúria. Ela não me serve agora. Assim que termino, abro a porta,
pronta para voltar ao bar.
— Você? — Ecoa pelo corredor, certa surpresa me devora e eu ergo o
olhar instintivamente.
— Não é possível — exclamo, examinando seu rosto, me certificando de
que é ele parado à minha frente, um pouco distante. Mordo o lábio, as
memórias dançam em minha mente. — Esse lugar é muito pequeno.
— Com certeza, Alice — diz e sorri em seguida.
— Você se lembra do meu nome, que bom — brinco, caminhando até o
garoto. Uma camiseta branca cobre seu corpo, seus cabelos longos dançam
no ar e seus olhos castanhos me fitam com vontade. O suor escorre por seu
pescoço. Há certo calor, mas não entre nós, disso eu tenho certeza.
Thomas e eu não somos íntimos, apesar de termos sido por uma noite.
Nos conhecemos numa festa qualquer de alguém qualquer e ele me ofereceu
uma bebida.
— O que faz aqui? — pergunto seriamente, sem expressar
contentamento. Não imaginei que fosse o encontrar mais uma vez.
— É meu aniversário.
— Então, por sua culpa — aponto para o teto do bar —, essas luzes neon
estão brilhando.
Thomas assente e me devolve:
— O que faz aqui?
— O que as pessoas fazem em bares — revelo.
— Você só tem vinte anos — sussurra e molha os lábios, me analisando.
— E uma identidade falsa, mas ninguém a pediu por aqui. — Sorrio
maliciosamente. — E a gente não vai transar de novo. — Seus olhos grudam
em meus seios enfiados numa blusa branca.
— Não esperava que fôssemos.
— Ótimo — respondo perto de seu rosto e saio com calma, esbarrando
em seu ombro.
Thomas sabe que sou a definição de confusão, ele vê em minha voz, em
meus lábios. Eu me lembro dele ter me dito isso naquela festa, logo após me
chamar de irresistível, quando seu corpo se juntava ao meu.
Fugi na manhã seguinte e não esperava ser encontrada.

Meus fios escuros dançam com o vento frio. Sinto a brisa, o cheiro do
mar carregado no ar. Me encosto na parede externa do bar, onde a noite reina
e o silêncio conforta. Olho o céu, tão escuro quanto meus pensamentos.
Eu não sou uma Wonders, não por aqui, não longe de meus pais e de
suas empresas. Eu estou livre, pela primeira vez em anos. E eu amo a
sensação de liberdade. Eu amo o livre arbítrio, a possibilidade, o poder de
errar.
Minha irmã Cherry dizia que eu estou me destruindo mentalmente, mas
tenho motivos para isso. Eu tenho um passado conturbado. Mesmo assim,
fico feliz em observar as estrelas depois de doses de tequila.
Percorro o estacionamento com os olhos, a rua vazia, a praia do outro
lado, a areia. Observo as árvores. Então, sinto o calor. Não é início de verão,
não está realmente quente.
Encostado na mesma parede que eu, distante, ele me observa. Ele me
analisa da cabeça aos pés enquanto aproveita de um cigarro. Ele passa seus
olhos azuis por todo meu corpo, quase que me desafiando. Há pecado em
suas íris, há perversão em sua face. Eu sinto. Eu sei.
E ele continua a me olhar, sem medo, sem recuo. Seus dedos brincam
com o cigarro aceso, seus fios escuros são bagunçados pelo vento. Seu
maxilar tensiona enquanto o mesmo me provoca. É como fitar a
personificação de um paraíso. Tentador.
O garoto sorri com malícia quando nos encontramos, separados por uma
porta de bar, à passos um do outro. Quietos e, ao mesmo tempo, barulhentos.
Eu sei, porque a minha mente grita ao absorver sua figura.
Desejo.
Suspiro ao vê-lo tirar sua atenção de mim. Minhas pernas enfraquecem,
mas logo voltam ao normal. O calor me domina, o impulso toma conta do
meu corpo. Temo encontrar suas íris mais uma vez, a sensação que elas me
provocaram foi devastadora. Ele me examinou por segundos que pareceram
horas e eu senti o peso do seu olhar.
De soslaio vejo o movimento de seu corpo. O menino ri baixinho
olhando para o chão, joga a bituca fora e anda até a porta — próxima demais
de mim.
— Tem outro cigarro? — questiono analisando a praia, sem lhe dar a
atenção que merece. E merece muito.
Não ouço a resposta, na verdade, ele não fala comigo. O garoto se
coloca à minha frente, me forçando a encará-lo, me forçando a lidar com os
arrepios. Do bolso da sua calça surrada e preta, ele retira um maço.
— Obrigada — falo antes que me entregue o que pedi. Um sorriso sutil
aparece em seu rosto, mas some em seguida, me deixando incerta. Foi apenas
uma impressão ou ele realmente gostou de me ouvir agradecer?
O garoto estica a caixinha para mim, deixando-me escolher um dos
cigarros. O faço com rapidez, mas acabo por sentir sua pele quente em minha
mão. Extremamente quente. Por impulso ou por vontade, ergo o olhar e
encontro suas íris azuis escuras, elas já me observam e estremeço quando me
dou conta.
— Nunca te vi por aqui. — As primeiras palavras que o ouço dizer. Sua
voz é rouca, seu maxilar é perfeitamente desenhado e me controlo para não
passar meus dedos em sua pele.
— Com certeza não — respondo e levo o cigarro à boca. De repente, o
ainda desconhecido agarra um isqueiro e o acende.
Suas mãos ficam próximas do meu rosto, nossos olhos se conectam e,
por alguns segundos, penso em quais outras sensações ele conseguiria me
causar, além dos arrepios e calor.
— Sou nova — confesso. Ele sorri. — Gosta do que vê? — questiono,
provocando-o.
O garoto ri, mas seu olhar me devora. Ele molha os lábios. Sinto que
pode me atacar à qualquer momento, como um animal selvagem faria.
Suspiro.
Ele não responde a minha pergunta.
— Sou Nicholas.
Me deixo analisar seu abdômen perfeitamente coberto por uma camiseta
preta. Seus músculos, mesmo assim, continuam notáveis.
— Alice — respondo.
Ele não se cansa de me queimar com suas íris misteriosas, Nicholas
aproveita bem do que vê.
— Espero te encontrar novamente — sussurra e volta à porta do bar.
— Você não respondeu a minha pergunta. — Insisto, fitando-o, tentando
fazê-lo estremecer assim como fez comigo. Nicholas me olha sem muita
paciência.
Mordo o lábio. Ele é perfeito.
Seu corpo se move lentamente, sinto sua pele na minha e Nicholas me
coloca contra a parede. Ergo a cabeça, ele é alto e eu estou sem saída.
— Talvez. — Merda de resposta que não esclarece coisa alguma. — E
você, Alice?
Tento sorrir de canto, tento me desapegar da prisão que são suas íris,
mas o menino possui certo poder sobre meu corpo. Começo a arfar contra a
minha vontade, o ar entre nós é quente.
— Gosto cada vez mais — respondo sem a timidez que, às vezes, me
ataca.
Nicholas sorri com maldade, analisando cada traço da minha face. Era
pra ser só um flerte de bar, mas por algum motivo a sua pele me aquece de
uma maneira estranha.
Deliciosa, mas estranha.
— Certo — murmura e por um segundo penso em colar nossos lábios,
porém meus músculos ainda não me respondem.
Ele me examina por uma última vez e sai, sem interrupções. Tento lidar
com a minha garganta seca e os impulsos entre as minhas pernas quando
Nicholas parte, me deixando afundar em tentação.
Heaven, o bar, está cheio de desejos proibidos.
02

TENTADORES
"Ontem à noite, você estava ao meu lado.
Espaço e tempo, eu quero me perder em seus olhos."
Zayn | Tonight

ALICE WONDERS

Afasto a coberta com calma, sentindo o suor escorrer pela minha testa.
Como se já não bastasse a ressaca, o som estridente do despertador me irrita.
— Andressa! — grunho, mantendo os olhos fechados. O travesseiro em
meu rosto abafa o som, mas ainda não é suficiente. Preciso de silêncio.
— Você poderia se levantar. — Suave e doce, soa pelo quarto enquanto
ouço seus passos vagarosos. — Bom dia — diz e, finalmente, desliga o
aparelho.
Abro os olhos com lentidão, para ter certeza de que a claridade que entra
pela janela não me fará gritar de dor, mas não sinto nada. Estou teoricamente
bem. Se descartar os sonhos baseados em memórias da noite anterior — o
cheiro de menta preso ao corpo de Nicholas —, estou bem.
— Que horas são? — questiono, observando seus cabelos ruivos e
longos, seu corpo enfiado num vestido preto e florido. Sua cintura é bem
definida e sua pele, cheia de sardas. Andressa joga alguns fios para trás dos
ombros e se senta na beira de sua cama.
Ela é extremamente linda, cada detalhe é gracioso. Na primeira vez em
que a vi me senti hipnotizada por seus traços. Seus olhos verdes brilham com
a luz que entra no quarto.
— Mais de dez.
Eu ainda fico chocada com o tom doce de todo seu corpo, com a
simpatia grátis. Ela é muito amigável. Andressa não parece só mais uma
garota rica e mimada, como as outras da fraternidade em que moramos.
Me sento, sentindo a cabeça latejar. Fecho os olhos novamente. Eu
nunca mais irei beber.
— Cacete — murmuro, levando a mão à cabeça. Andressa ri baixo, com
discrição.
— É, imagino, você voltou mal ontem.
Não me incomodo com a sua reação, não enquanto tento me lembrar do
que aconteceu depois dos cigarros e flertes inesperados. Eu entrei no bar,
continuei bebendo, mas não me recordo de andar até a fraternidade e me
jogar na cama bagunçada.
— E eu voltei sozinha? — questiono com certa preocupação. A noite
anterior não passa de um borrão irritante, mas ainda me lembro do quão
desejável Nicholas era.
Abro os olhos e encontro seu sorriso malicioso que não combina com
suas íris brilhantes e inocentes. Ela não me responde.
— O que foi? — Soa um tanto ríspido. A ruiva suspira com calma,
porém tal sentimento não habita meu corpo. Estou nervosa.
— A sua pergunta é do tipo que me leva à fazer outras perguntas —
explica. — Por exemplo, se você tinha motivos para voltar acompanhada.
Rolo os olhos ao notar o tom cômico que descansa em sua voz.
Andressa, apesar de ser um amor, é extremamente curiosa. No meu primeiro
dia em Wiston Hill, ela me questionou sobre família, amigos, namorados e
todo o resto. Me senti tonta com as suas perguntas.
— Esquece. — Deixo-a desanimada. — Eu não me lembro, não
exatamente.
A minha explicação parece boa, eu realmente não faço ideia. Então, ela
me deixa em paz, mas não tira a atenção da minha face. Continua me
observando com certa cautela. Me apoio na mesa de cabeceira e me coloco de
pé com muita dificuldade, tudo ainda gira.
— Você está aqui há meio verão — começa — e eu te vi beber muitas
vezes. Parece um costume.
— Eu sei, mas eu vou parar — minto, é o que todo viciado diz. É uma
frase mais clichê que "não estou bêbada" depois de ingerir oito doses de
tequila. Sorrio com sutileza, sabendo que algumas coisas não mudam, mas
Andressa parece preocupada.
— Onde foi ontem? — Há curiosidade em sua voz, como sempre.
— Ao Heaven Bar — respondo me levando ao banheiro, fugindo da
conversa irritante. Quando ela tenta cuidar de mim me lembra a minha mãe,
que sempre fingiu preocupação, mas nunca realmente se importou.
E eu odeio me lembrar de Katherine.
— Fica perto, na praia — conta como se eu não soubesse. — Deve ter
voltado sozinha, já que o Campus fica logo atrás. — A sua incerteza só me
deixa mais enjoada.
— Pode ser — concordo e, mesmo assim, ela não desiste. Entro no
banheiro com pressa, mas a ruiva me segue.
— Devia ir mais devagar. — A menina examina meu corpo, fazendo
uma pausa irritante. Seu ombro encosta no batente. — Não está em Nova
Iorque.
Disso eu tenho certeza.
— Vou pensar sobre. — Meus dedos percorrem a madeira da porta e a
seguro firmemente, pronta para a fechar. Preciso ficar sozinha, preciso jogar
água fria em meu rosto.
Há algo que temo mais nesse momento: a cidade planejada de Wiston
Hill — dividida em três partes, a residencial, o centro e o Campus — não é
tão grande, na verdade, é minúscula. E por ter um tamanho tão pequeno eu
sei que com sorte, ou o contrário, irei esbarrar no corpo de Nicholas
novamente e serei tomada por seu cheiro de menta.
— Hoje é o último dia de férias — comento quando percebo o silêncio
estranho e os olhares, estamos nos encarando há muito tempo. — Amanhã é
segunda e começo a estudar, então, não voltarei bêbada. Pode ficar
despreocupada.
Andressa bufa. É verdade, amanhã eu começo o meu curso enquanto ela
entra num novo semestre, com sorte saiu de casa mais cedo do que eu
consegui. Tive alguns atrasos escolares que me fizeram me formar um tanto
depois do esperado.
— Ótimo — responde docemente.
Assim que fecho a porta posso tomar um tempo para me observar no
espelho. Limpo com os dedos frios o rímel borrado, noto a destruição em
minha face. Penso em como Nicholas me provocou de uma forma diferente.
Ele abalou a minha quase calma da noite anterior, mas também me distraiu de
Alex, me levou à um lugar desconhecido só com o olhar.
Ou era a bebida. Soa muito idiota quando me lembro do que causou em
meu corpo. Como pode? Nem o conheço.
Mas a eletricidade era real.
E a confusão também é. Em minutos fitando aqueles olhos, as íris azuis
fortes e acinzentadas, senti o que o caos significa e me perdi.
— É tão idiota — conto ao meu reflexo, sabendo que é muito idiota
mesmo. Tudo isso parece tão desnecessário, mas ele se nega a sair da minha
mente.
Nunca mais pedirei cigarros a estranhos.

Por algum motivo Andressa nunca diz não. Então, quando pedi para que
me levasse à biblioteca do Campus, ela aceitou e caminhou comigo por todas
as ruas quentes da Wiston Hill University. Ela me fez tomar café na
lanchonete em que trabalha ao invés do refeitório da universidade. O lugar
me cativou pelo estilo retrô e a imaginei num dos uniformes: vestidinho azul,
avental branco. Parece aqueles restaurantes de beira de estrada, mas é bem
mais sofisticado.
Quando a convenci de que estava alimentada — porque, segundo o seu
pai, bêbados e pessoas de ressaca precisam comer — ela me deixou sair e
concordou em me levar ao grande prédio.
As portas de vidro se abrem e um salão elegante nos recebe. O chão de
porcelanato brilha, as colunas me lembram a ordem Dórica, com os tons de
dourado e as estátuas. Me sinto num museu. E quando atravesso as duas
outras portas, agora internas, me vejo de pé numa sala gigante, com trilhões
de estantes.
— Pode procurar por seus livros — Andressa diz —, eu te espero aqui.
Ela não notou o meu choque. Nunca estive num lugar tão lindo, tão
organizado e gracioso. Eu tinha uma biblioteca em casa, mas parecia um
escritório. Isso aqui é o real paraíso, é gigante, têm dois andares, mesas
espalhadas e, no centro, corredores separados por prateleiras, e essas
separadas por gênero e escritores.
O caminho é longo, noto logo.
Assinto com a cabeça e sem lhe dar uma última olhada, começo a
caminhar pelo local, indignada com o tamanho e com a quantidade de obras
escondidas em seu interior. Me enfio em corredores largos, lendo títulos
antigos de livros quase esquecidos, impressionada com a altura do teto e os
lustres pendurados nele, com o cheiro de folhas novas, com o silêncio.
É realmente um museu de obras antigas e empoeiradas. E é onde penso
em trabalhar por algumas semanas. Eu quero ter algo para fazer, algo meu.
Quando vi a vaga de emprego, me animei, mas só tive vontade suficiente para
visitar o local agora. E me sinto apaixonada.
Retiro Orgulho e Preconceito da estante, pronta para uma releitura, e
caminho ao sofá onde Andressa descansa com Romeu e Julieta em mãos.
— É sério? — pergunto ao me jogar no assento macio.
— Alguém esqueceu aqui. Eu nunca li Shakespeare. — Dá de ombros e
larga o livro sobre a mesa de centro.
— Tudo bem, mas começar por Romeu e Julieta é muito clichê.
Ela ri e leva os dedos aos lábios, tapando-os. Fico feliz por conseguir
diverti-la.
— E Orgulho e Preconceito não é?
— Da próxima vez eu leio Razão e Sensibilidade — brinco, sem ânimo
algum.
À cada minuto me lembro de mais detalhes da noite anterior, é como se
os acontecimentos que fugiram do meu corpo estivessem retornando aos
poucos. E eu me sinto furiosa por não ter conseguido o que queria: os lábios
de Nicholas nos meus.
— O que você tem? — a ruivinha pergunta. Suas mãos se apoiam no
assento, cada uma de um lado do seu corpo, e ela se ajeita para me observar
melhor.
— Eu só estava pensando na noite passada — confesso sem olhar em
seus olhos.
— E o que aconteceu de tão interessante na noite passada? —
Estranhamente persuasiva, indelicada e misteriosa. Ela me questiona como se
já soubesse a resposta.
Fico em silêncio, não quero falar sobre.
— Alice?
— Nada, eu só conheci uma pessoa. Nicholas. Um garoto de cabelos
escuros, jaqueta e olhos azuis. Satisfeita?
Andressa pensa. Vejo-a entrar numa espécie de choque, esperava por
algo, mas não por isso.
— Nicholas Thompson?
Assinto, sem ter certeza. Noto o quão delicioso e errado seu nome soa,
ele desliza pela língua da menina e um arrepio percorre a minha espinha.
— Acho que sim, não trocamos sobrenomes.
— Então, o que trocaram? — Andressa semicerra os olhos e eu faço
uma careta. Me nego a dar atenção ao sarcasmo escondido em sua fala.
— Eu só pedi um cigarro, Andressa!
A ruiva ri do meu tom de voz.
— Tudo bem, é que eu conheço o Nicholas. Ele é muito bonito e — ela
suspira — enfim...
Sorrio de canto com as insinuações da menina. Aparentemente, todos
sabem o quão tentador Nicholas pode ser. Respiro fundo enquanto meu corpo
queima com a lembrança daquele rosto.
03

FALSO ANJO
"Eu só fodo com você às 5:30.
A única hora que eu posso te chamar de minha."
The Weeknd | The Hills

NICHOLAS THOMPSON

Enquanto seus cabelos louros e compridos caem sobre seus ombros, ela
parece um anjo. E ela se veste à minha frente, ao mesmo tempo que aproveito
de um cigarro qualquer.
— O que foi? — Madison questiona, seus olhos cor de mel me fitam
com raiva. Eu sei que ela se odeia pelo que fez.
Trago mais uma vez e a fumaça dança pelo quarto.
— Só estou pensando. — Passo meus olhos por seu corpo, seios, pernas.
Ela é linda demais.
— E chegou à uma conclusão?
Dou de ombros como resposta, mas não tiro meus olhos dela. Madison
caminha pelo cômodo e se ajoelha no fim do colchão. Noto que está tentando
me convencer, ela procura por bons argumentos, por palavras que não
iniciem uma discussão. Ela tenta ser mais doce do que já é.
— Sabe do que estou falando — afirma, jogando algumas mechas louras
para trás do ombro. O sol que entra pela janela as ilumina de uma forma
agradável. — Acho que já está na hora de decidirmos...
Bufo. Ela para.
— Eu não quero voltar — declaro.
Madison e eu estamos teoricamente solteiros, para os mais próximos
isso já ficou óbvio, mas ela insiste em negar para aqueles que perguntam.
Maddy ainda acha que vamos voltar.
Eu me via numa relação que não me parecia certa, afinal, eu não a amo
dessa maneira. Não havia calor, nem desejos. Eu me via em algo incompleto
e essa é a razão de, agora, ela querer saber o que eu decidi sobre nós.
— Eu amo você — confessa, mas já sei disso. Mesmo assim, suas
palavras não têm força suficiente para mudar a minha opinião. Eu sei que a
amo e sempre amei, mas não da forma que deveria, não da forma que ela quis
e quer.
— Madison, a gente confundiu as coisas — insisto em explicar. Me
apoio no colchão e me sento de frente para seu corpo. — Eu te amo sim, mas
não do jeito que você quer.
Ela rola os olhos e suspira. Sua impaciência se torna visível e sua boca
se abre, fecha, abre de novo. Desiste.
— Eu sei — respondo. Consigo ler a sua mente, a menina é previsível.
— Eu sempre cuidei de você — faço-a suspirar mais uma vez —, e sempre
vou cuidar.
— Eu sei que acha que nos aproximamos num momento difícil e que
isso fez a gente pensar que era amor, mas eu não acho.
Claro que não, ela tem certeza de que nosso relacionamento era perfeito.
Entretanto, não era e todo mundo sabia. Diziam que não passava de amizade
e é verdade.
— Eu te amo como amigo. — A gota d'água, Maddy se levanta furiosa e
começa a desfilar pelo quarto. — É sério — completo, rindo da sua irritação.
Eu não quis terminar de vez, queria ter certeza e quando a tive, notei que
não sinto nada ao lado de Madison. Só era cômodo demais.
— Eu te odeio — mente, me fazendo rir. — Sou uma idiota, não devia
ter atendido a sua ligação. Eu sempre cuido de você, te coloco na cama e
quando acordamos juntos, transamos. Se tem tanta certeza, por que me liga
quando está bêbado?
Boa pergunta.
— Vou parar.
— Não vai. Você tem isso, é errado — murmura a última parte e abaixa
a cabeça. Ela não tem coragem de dizer tais coisas enquanto olha em meus
olhos. — Parece seu pai.
Uma fúria se instala em meu peito. Como pode, logo Madison, me
comparar a alguém como ele? Meu pai irresponsável, insensível e
completamente problemático.
— Você nem o conhece direito. — Contenho o calor em meu corpo, a
angústia que me sobe pela garganta. — Só está repetindo as palavras da Polly
— digo mais a mim do que a ela. Seus olhos entristecem.
— Se não me quer, não me ligue depois de beber — diz. — Você
deveria tentar descobrir o que sente de verdade. Se não existisse nada entre
nós, não me ligaria à noite, não dormiria ao meu lado e nem transaria comigo
de manhã.
Mas ainda assim, eu sei que não a amo. Isso não é amor, não é o que ela
quer. É outra coisa, é um desejo vazio.
— Tudo bem. — Meus pés tocam o chão e me vejo sem roupas. O
quarto está uma bagunça, a cama cheira a bebida. — Vou tomar um banho. É
melhor você ir — digo enquanto seus olhos encaram meu corpo. Maddy
disfarça em seguida. — Não quero que se atrase pra aula.
— Você é um idiota. — Nos encontramos e desencontramos. — Te vejo
mais tarde. — Sorri sutilmente.
Ela ainda me ama, o suficiente para me fazer sentir culpado. O suficiente
para perdoar qualquer coisa.

O cheiro doce e forte de Alice ainda toma conta do meu corpo. Alice
sem sobrenome, sem detalhes excessivos. Apenas Alice, na entrada
do Heaven. Ela me pediu um cigarro e penetrou em minha mente. Foi
inesperado. Eu não ia me aproximar, estava satisfeito a observando, passando
meus olhos por sua cintura definida e suas coxas bem desenhadas.
E ela apenas me pediu um cigarro.
Me sento numa das cadeiras do auditório, em formato de teatro grego —
um meio círculo. Se descer todos os degraus, há um palco onde uma
escrivaninha e um quadro branco enorme descansam. Poucos alunos se
enfiam aqui, sendo esse o primeiro dia de aula após o quente verão. A
matéria é literatura, mas sei que Bayard consegue modificar qualquer assunto.
Sinto o calor da atenção indesejada minutos após adentrar a sala. Ergo a
cabeça encontrando alguns curiosos, ouvindo sussurros. Muitos sabem quem
eu sou, outros acabaram de descobrir. A maior parte das pessoas se conhece
em Wiston Hill, afinal, não é uma cidade muito grande.
Lábios são mordidos, rostos ganham cor. Me mantenho quieto, mas faço
questão de retribuir cada olhar indelicado de cada garota que arrisca me
analisar. Não sou tímido, gosto de ver como elas me examinam de cima à
baixo.
Todos, em especial os recém-chegados na cidade, estão curiosos sobre
seus novos colegas, é compreensível.
Sinto uma mão em meu ombro, os dedos frios apertam a minha pele. A
garota loura, um pouco parecida com Maddy, sorri. Ela cruza os braços, se
apoia na cadeira à minha frente e me encara.
— Thompson, que coincidência — diz Christina.
— Chris Vender — sussurro sem animação. A menina não é ruim, mas
gosta de estar no topo, ser venenosa, fazer intrigas e conquistar inimigos. Eu,
pessoalmente, não a detesto. Na verdade, tenho paciência. Ela e Maddy são
amigas há muito tempo.
— Soube que voltou com a Madison.
— Soube errado. Suas fontes estão péssimas, não é? — provoco e ela
faz um biquinho. — Nunca se cansa disso?
— De te encher o saco? — Sorri, olhando em meus olhos. — Não.
Chris não continua o assunto. A loura é, e sempre foi, completamente
presunçosa. Ela me acha um problemático com ego inflado, o que é uma meia
verdade e nós dois sabemos disso.
Vender desce os degraus e encontra um lugar para si, me deixando
sozinho outra vez. De repente, todas as cabeças se viram na direção de uma
pessoa, alguém que acaba de chegar. Os olhos e as palavras se voltam à
ela assim que a porta se fecha.
E eu sinto o cheiro, tão forte quanto da primeira vez, ele domina o meu
corpo. Tudo se torna inesperadamente delicioso, como as cerejas. Sim, eu
logo reconheço, ela cheira a cereja, mas não tenho certeza de que todos
podem notar isso. A garota veste uma blusa preta e uma saia jeans apertada
na cintura. O batom vermelho me deixa perdido em pensamentos
indescritíveis.
Alice. É ela mesmo.
E sem a noite nos rodear, posso analisar cada detalhe com mais
dedicação enquanto ela enrubesce e desce os degraus com calma, ignorando
os comentários, afinal, é uma novata. Alice para por um instante, como se
escolhesse seu lugar. A menina sabe que recebe mais atenção que qualquer
outra pessoa e não parece gostar.
Me viro com rapidez, deixando sua imagem desaparecer da minha
mente, deixando meu coração descansar. Ela me causa euforia.
Alice desfila pelo corredor de degraus, sentando-se do outro lado. Ela é
diferente, tem uma aura chamativa, quem me dera eu fosse o único a olhá-la.
A menina é linda e um pouco quieta, mas não parece ser do tipo petulante,
muito menos acanhado.
De forma alguma consigo tirar meus olhos de seus fios escuros.
Aproveito de cada segundo que tenho para a analisar, até penso em seus
possíveis segredos e desejos. Sua voz ecoa em minha mente, a sua pergunta
retorna — gosta do que vê?
— Bom dia. — Soa pela sala e me afasta dos devaneios. Torno-me à
Bayard, nosso professor. Ele entra com seus óculos de grau e seu suéter nada
apropriado para o clima da cidade. Formal demais, certo demais. Glenn
Bayard gosta de regras, silêncio e bons alunos. Não é fácil o agradar.
Alguns respondem a sua fala, enquanto eu apenas observo as suas
manias. Ajeita tudo sobre a mesa e se certifica de que não se esqueceu de
nada. A seriedade em sua face se espalha, sentimos a tensão, a quietude.
— Sou Bayard, o professor de literatura clássica — relembra. Ele não
gosta de perder tempo, sei disso. Então, inicia sua falação logo após me
encontrar entre seus alunos e acenar com a cabeça. Minha avó e Bayard são
próximos, o conheço bem. — Como pedido no site da universidade, durante
as férias tinham de escrever uma análise sobre alguma obra literária, assim eu
conheceria um pouco dos seus gostos. E uma em particular, devo dizer, me
chamou muito atenção. — O homem agarra uma folha um tanto amassada, a
aproxima do rosto e arruma os óculos.
À minha frente Chris Vender já se ajeita, esperando ouvir seu nome. Ela
está acostumada a ser a melhor. Eu a imagino sorrindo de canto,
maliciosamente, mas só posso ver suas costas, seu corpo enfiado num vestido
cinza e simples.
— Alice Wonders — ele diz. Não evito sorrir. Bayard procura a garota
pela sala enquanto a loura se encolhe, cheia de inveja e raiva.
Todos se olham sem necessidade, a maioria se conhece e há poucos
alunos novos nessa turma, o que significa que aquela menina é a tal Alice
Wonders.
Ela levanta uma das mãos e o professor a analisa. Glenn Bayard fica
boquiaberto, a garota não é uma certinha tímida e encolhida num canto
qualquer — seguindo os estereótipos com os quais está acostumado.
Rio baixinho da reação do homem quando Alice decide falar, o tirando
do choque.
— Eu.
Glenn chacoalha a cabeça e continua a elogiá-la.
— Uma Wonders, certo?
Entendo a curiosidade, eu mesmo fico desacreditado. Muitos conhecem
John e Katherine Wonders, milionários famosos, mas seus filhos raramente
aparecem. Eles são discretos quanto as suas vidas particulares, acredito que
exista uma motivo para isso.
A novata assente com timidez, não parece gostar do sobrenome.
— Nossa — ele sussurra, deixando o clima estranho. Alice se encolhe
pela primeira vez e seus ombros perdem a postura. — Seja bem-vinda.
Sim, seja muitíssimo bem-vinda, Alice Wonders.
04

MEMÓRIA
"Eu tenho partido corações há um bom tempo."
Taylor Swift | Don't Blame Me

NICHOLAS THOMPSON

Parece que os elogios de Bayard ajudaram a novata a conquistar


inimigos. É visível a fúria de Christina que, à cada cinco minutos contados,
encara e examina Alice.
É culpa da sua superioridade desnecessária.
E quando Bayard finalmente nos libera, a loura demora a se retirar,
diferente da novata que se apressa. Ela não me vê, mas seu corpo desfila pela
sala até a porta. Sua pergunta ainda reina em meus pensamentos, Alice queria
saber se eu gostava do que via, à frente do Heaven, nadando em flertes
perversos.
Me levanto com calma, Chris me fita enquanto abandono a sala, mas
não me dirige a palavra. Mantemos certa distância, já que temos um passado
conturbado.
Alice está de pé, do outro lado do corredor, encostada contra uma
parede. A menina lê algo que não me parece tão interessante quanto seus
lábios avermelhados.
— Alice Wonders — chamo num tom provocativo. Ela ergue o olhar e
me encontra, seus olhos azuis são intensos como o mar, me sinto afundando
em suas íris quando a menina sorri. Atravesso o corredor e me aproximo.
— Você. — Pouca animação, talvez não se lembre muito. — Nicholas,
não?
Estico os lábios com certa simpatia. Ela contém algo a mais, algo que
me é estranho. Estou curioso, quero descobrir quem essa menina realmente é.
— Que bom que se lembra. — Assim que tais palavras me escapam, sua
feição se torna séria. Eu sei que ela havia bebido muito e talvez, por isso,
tenha agido de uma forma tão sensual. Mas também sei que o álcool pode
causar esquecimento.
Já eu não me esqueci do seu corpo esculpido por mãos talentosas e da
sua voz doce e tentadora.
— Quer dizer que estudamos a mesma coisa? — continua.
— Sorte a sua. — Não me contenho. — E minha também.
A examino da cabeça aos pés, desenhando-a com os olhos.
— Ainda não sei seu nome — reclama, me fazendo voltar a olhar em
suas íris. — Você sabe que sou uma Wonders.
— Certo. Sou Nicholas Thompson.
Não acredito em coincidências, se essa menina estuda a mesma coisa
que eu, significa que o destino adora uma brincadeira voluptuosa.
— Sabe que se tornou a preferida do Bayard, não? Apesar de tudo isso.
— Desço o olhar, apontando para exatamente tudo que me atrai. Ela ri, com
sutileza.
— Não me importo muito. — Dá de ombros e, com esse gesto, o cheiro
volta a me atacar. Cereja, forte como um soco na cara. — Thompson, como
esses Thompson?
Alice estica um dos braços, me entregando um folheto sobre Wiston
Hill. Assinto sem animação ou orgulho e retiro o papel de sua mão, sei que
ele contém apenas mentiras e desejos de uma utopia. Nada por aqui é
perfeito.
— Por que está lendo essa propaganda falsa? — reclamo sem querer ser
rude, mas algo me diz que Alice Wonders não merece as mentiras dessa
cidadezinha de merda.
— Bom, parece que a sua família manda nas coisas por aqui — provoca.
— Então, se é falsa, a culpa é de vocês.
Me resta rir. Ela sabe como usar das palavras, sua língua é afiada.
— Infelizmente.
— Tudo bem então, Thompson...
— Nick — corrijo e a novata engole em seco.
Cada detalhe da sua face me hipnotiza. Sua pele é branca, sem o tom de
bronzeado como nas garotas daqui, ela se destaca com a luz do sol que entra
pelas poucas janelas ao redor. O vermelho lhe cai bem. Quero tocar em seus
fios escuros e puxá-los. Eu preciso deslizar meus dedos por seus lábios,
limpando-os. Entretanto, não posso, então fico parado, apenas imaginando.
Eu quero o seu corpo. É um desejo qualquer e poderia ser em relação a
outra menina, mas Alice Wonders apareceu. Ela e o sobrenome famoso.
— Certo, Nick — refaz —, isso vai soar idiota, mas não me lembro
muito de como cheguei em casa naquela noite.
Mordo o lábio, ela acha que pode ter dormido comigo, mas se
lembraria se tivesse. E não, eu nunca a tocaria sabendo que estava bêbada.
Ajeito meus fios e espero, acredito que Alice queira uma resposta.
— Pode me contar? — exige grosseiramente e seu sorriso desaparece.
— É sério, eu só me lembro dos cigarros, seu nome e...
A menina se cala como se estivesse prestes a revelar algo, como se fosse
me contar seus desejos mais profundos. Nossos olhares se encontram e, pela
primeira vez, não me sinto afundar ao ver a cor de suas íris. Eu me sinto
encarando o caos.
— O que quer saber? — tento. Não quero dizer que não transamos, mas
não posso mentir.
— Você já me entendeu — Alice suspira. — Me lembro de detalhes,
mas quero ter certeza de que a gente não... transou. Quer dizer, não estou te
acusando de tirar proveito de mim, mas também não estou dizendo que queria
ter transado com você... — Suas palavras saem confusas, eu gosto. Me divirto
com a situação.
A fito com um sorriso incontrolável, solto uma gargalhada leve. Ela
para, me analisa, faz um biquinho.
— Alice eu... — Mal posso terminar, uma voz forte e assertiva soa pelo
corredor.
— Nicholas! — Nós dois nos tornamos à dona do tom autoritário. Polly
me olha com reprovação. — Precisamos conversar.
Evito bufar ou fazer qualquer coisa que a mulher considere falta de
educação. Me controlo e sinto uma raiva dentro do meu peito, eu não quero
deixar Alice, na verdade, quero tocar em cada parte do seu corpo, descobrir o
que a excita. E estava gostando da conversa.
— Faltou ler uma coisa no panfleto — conto a ela, enquanto a senhora
em roupas brancas demais me espera. Os olhos da novata se voltam à mim.
— Polly Thompson é a minha avó e a reitora disso aqui — sussurro e parto
sem ouvir sua resposta.
Me mantenho em silêncio e acompanho a mulher até a sala com paredes
de vidro e poltronas brancas.
— Poderia se vestir melhor — reclama assim que abre a porta. Com a
mão faz um sinal para que eu entre e sorri sutilmente. Fito seus sapatos
novos, sua postura perfeita e noto seu humor falso. Ela não está contente
nessa manhã.
Me enfio no ambiente hostil me sentindo respirar pesado, as pontas dos
meus dedos apertam as palmas das minhas mãos. Fico de pé, esperando pela
nova crítica dela, de cabelos platinados presos num coque, a reitora.
— Sente — ordena indo à sua poltrona, mas não o faço, não
imediatamente. A observo rodear a mesa de vidro, batendo os saltos no chão.
— Eu gosto de me vestir assim, obrigado — conto antes de revirar os
olhos. Polly odeia jaquetas de couro e calças desgastadas, porque se lembra
do meu pai e de todos os problemas que ele causou.
Seu semblante se torna sério, seus olhos me analisam com desdém.
Talvez se pergunte onde errou.
— A sua teimosia me é impressionante. — Respira fundo, já que
considera bufar desrespeitoso. — Te vi conversando com Alice Wonders.
Não consegue se segurar, não é? A menina mal chegou.
Se esse for o assunto, me nego a continuar nessa sala. Com certeza ela
arranjará um motivo para me manter distante da garota — como se eu já não
tivesse muitos me consumindo —, então, pedirá gentilmente para que eu
fique na linha.
— Sim, achei que seria educado dar as boas-vindas — minto, até porque
há outras novatas, as quais ignorei, e puxo a cadeira. — Ou fiz errado?
Minha avó sempre reconhece o humor em minha voz, mesmo quando eu
tento o esconder, e ela sabe que eu não estou sério, não o suficiente. Polly
gosta de regras, gravatas e uniformes. Ela gosta da ordem, dos bailes chiques
e da vizinhança planejada para que ninguém a atormente. Ela é uma das
criadoras de Wiston Hill, uma das organizadoras de eventos. Sempre em
roupas beges, rosas ou brancas, nada muito escuro nem muito chamativo.
Sempre adequada.
— Sobre essa menina — começa, apoiando um dos cotovelos sobre a
mesa de vidro, movimentando a mão enquanto explica suas razões e
inclinando as pernas para o lado —, acho bom querer dar as boas-vindas a
ela, desde que seja da maneira certa.
Noto o encarar da minha avó, como se soubesse das minhas intenções.
— Alice vem de Nova Iorque, o que é bom...
— Mas? — me atrevo. Seus olhos encontram os meus e juro que
escurecem por segundos, depois, o tom azul esverdeado retorna. — Acredito
que tenha um mas.
— Ela é rica e bem-criada, mas Katherine Wonders me ligou assim que
a aceitei por aqui. Me disse que Alice pode ser — pausa, nenhuma palavra
soaria certa e adequada, mas alguma não soará agressiva — um problema.
Me pergunto qual será o motivo por trás dos avisos.
— Ela ligou pra te contar isso? — Quase dou risada, no entanto, Polly
mantém a conversa no mesmo tom, do começo ao fim.
— Ela entende como as coisas funcionam. Achei ótimo ter me avisado
sobre sua filha. — Agarra uma caneta qualquer. — Fique longe dela, você já
consegue confusões suficientes sozinho.
Bufo finalmente, e claro que esse ato a estressa.
— Já sabe, Nicholas! Não quero aquelas coisas acontecendo de novo.
Você tem problemas igual ao seu pai, bebe e faz besteira, dorme com várias
meninas. Já passou da hora de parar. Você é teimoso!
Aos dezessete anos fiz parte de uma das maiores crises que Wiston já
presenciou, tudo por culpa das mentiras, dos segredos e das regras idiotas.
Mesmo assim, errei tanto quanto os outros, e ela joga na minha cara, me
lembra disso sempre que pode.
Não gosto de ouvir, mas sei que sou como Damon, com a mesma
personalidade, os mesmos gostos e a mesma mania: andar de moto.
Me calo, não quero discutir. Seria inútil. Meus dedos batem nos braços
da cadeira num ritmo irritante e impaciente. Analiso a sala por alguns
minutos, as fotos, os livros, a estante. Tudo muito claro e limpo.
O silêncio aparece.
— Quer saber o que eu acho toda vez que entro na sua sala e vejo a foto
da minha irmã na sua parede, como se nada tivesse acontecido? Ou quando
olho a foto de Elle no mural do colégio? — questiono sem encará-la. Polly já
sabe do que estou falando, nunca escondi minhas opiniões e isso nunca a
agradou.
Sua caneta para de escrever e se mantém presa entre dois dedos.
— Já falamos disso, são memórias. — Nem ao menos ergue o olhar.
Minha avó é especialista em manter a respiração calma e a voz leve.
— Acho que estamos nos forçando a viver uma mentira, fingindo que
nada aconteceu e que somos perfeitos. E acho que você tem medo de tudo se
repetir — falo e ela bufa. Pela primeira vez, Polly Thompson bufa. — É por
isso que tem aversão a Alice Wonders.
Nunca percebi uma verdade tão clara. Ela teme que a novidade traga o
caos e, como sempre, há razões para isso.
— Essa conversa já acabou. — Me faz rir da sua não argumentação. A
caneta finalmente cai sobre a mesa. — Afinal de contas, como está a
Madison?
— Quer saber da Madison ou do meu relacionamento com ela?
— Os dois. — Um fio irritante escapa do coque, o encaro.
— Ela está bem e o nosso relacionamento não existe mais.
— Isso é inaceitável.
Polly já planejava nosso casamento. Madison Foxx, filha de um
cirurgião e uma ótima dançarina de balé, que há três anos parou de dançar em
Paris e começou a trabalhar numa Universidade bem longe daqui.
— Isso não é muito da sua conta — digo e como ela odeia grosserias,
solta um rosnado.
— Você está cometendo um erro, o mesmo que seu pai cometeu.
Polly tinha que tocar no assunto: Pumpkin, a minha mãe. Ela a odiou
por anos até que a mesma desapareceu.
— E isso também parece ser problema meu — devolvo, me levantando
com pressa e sabendo que tal discussão é inútil. Polly é tão teimosa quanto
eu.
Minha avó me observa fugir. Agarro na maçaneta, pronto para me
libertar da situação irritante. Desejo profundamente não ter de lidar com a
mulher por um bom tempo.
— Espero que essa menina nova não seja um problema — murmura
enquanto saio.
E eu espero que ela seja o pior deles.

Abandonei a minha moto no estacionamento do Heaven. Não me lembro


de ter deixado o bar, de ter ligado para Maddy, nem de ter sido colocado na
cama. Só sei que quando acordei de ressaca ao seu lado, não evitei transar
com ela.
Não demoro a encontrar a Harley onde eu mesmo a larguei. Poderia ter
buscado antes, mas após encher a cara, despertei em meu quarto bagunçado,
com a loura em minha cama. E na noite de domingo fiz a mesma coisa.
— Nicholas. — Ouço. Hannah está me observando de pé à entrada do
Heaven. Me torno a ela com calma. — Apareceu.
— Esqueci a minha moto aqui — explico. Seus olhos analisam o veículo
e se voltam a mim.
— Estava bêbado demais, eu liguei pra Madison do seu celular. Ela veio
te buscar.
Travo. Encontrei a culpada. Eu estava bem e me afastando, deixando a
menina em paz, porém, numa recaída inesperada, acordei sentindo sua pele
na minha e precisei do seu toque.
— Por que fez isso?
— Porque Jack estava ocupado e eu estava trabalhando. Só sobrou uma
opção. — Dá de ombros. Seu descontentamento é visível, ela também não
gosta de se meter em meus problemas.
— O que Jack estava fazendo? — Sei que ele me ajudaria em qualquer
situação, posso contar com meu amigo, mas o mesmo nem sempre conta
comigo. Não mais. Não depois de perder uma de suas irmãs há alguns anos.
E eu tinha, e tenho, muito a ver com a história.
— A mãe dele estava mal — confessa, como se estivesse contando um
segredo. Jack não gosta de tocar no assunto, fico sabendo de tudo através de
Hannah, mas sua mãe, Greer Carter, ainda sofre por todas as coisas que
aconteceram. — Ele teve que ir pra casa.
Não quero pensar em Jack ou em nosso passado. Segredos desse tipo
ficam enterrados sob o solo dessa cidade, por isso, mudo o foco.
— Da próxima vez, me deixe cair bêbado no chão do bar — peço e um
sorriso agradável surge em seu rosto. Hannah assente sem realmente
concordar.
— Quer mesmo se afastar da Madison, não? Eu sempre soube que vocês
não combinavam.
A garota é sincera, ela não gostava do meu relacionamento e nem da
dependência emocional que me conectava a Maddy. Também não gosta das
amigas da loura, como Chris Vender.
— Eu sei de tudo isso e sei que, talvez, não tenha sido feito pra me
envolver com alguém — revelo sem sentimentalismo. Conheço meus
problemas, posso ser igual ao meu pai. Vi o caos que ele criou e temo fazer o
mesmo.
A garota baixa e magra se aproxima do meu corpo, colada ao meu
abdômen. Hannah me conhece melhor que qualquer outra pessoa, perdendo
apenas para Jack.
Ela ergue o olhar e suspira.
— Algo me diz que vai mudar de ideia. É um pressentimento. Às vezes,
você não consegue fazer o certo.
05

PROIBIDO
"Diga a elas que esse garoto não foi feito para amar.
Diga a elas que seu coração não pertence a apenas uma."
The Weeknd | Real Life

NICHOLAS THOMPSON
“Às vezes, você não consegue fazer o certo”.
Parece que Hannah pode ler a minha mente. É óbvio a minha
curiosidade sobre Wonders e, ao mesmo tempo, é nítido o erro que estou
prestes a cometer. Sua própria mãe ligou para avisar que a menina é um caos
disfarçado, o que posso esperar disso?
Mas afinal, o que seria o certo? Ela não é boa e eu não sou bom. Queria
poder dizer que meus problemas se resumem a isso, mas tudo começou
quando uma garçonete e bartender conheceu um garoto problemático, certo
de si e teimoso. Os dois se juntaram, contra todas as regras e todas as
vontades, e tiveram três filhos: Wine, Nicholas e Grace Thompson.
Cresci ouvindo as reclamações da minha avó e sabendo que sou a cópia
perfeita de Damon. Atraído pelo que dizem ser errado, sem me importar tanto
com as consequências, sempre conseguindo o que quero. E Wine se parece
com a minha mãe; teimosa, inteligente e livre. Tão livre que fugiu dessa
cidade.
Eu vi muitas coisas desmoronarem por minha causa, então, tenho total
certeza de que devo evitar o caos. Ou seja, Alice Wonders deve ficar longe de
mim.
Em teoria.
Sei que Jack voltará logo, por isso, ajeito um pouco da bagunça que fiz
no meu lado dormitório — nosso quarto é grande o suficiente para nós dois,
com as duas camas, a pequena escrivaninha e o banheiro. Em seguida, me
jogo no colchão me lembrando dos fios louros. Eu nunca quis um
relacionamento, mas Madison me pegou desprevenido, ela precisava de
alguém e aquele foi um ano confuso, nos sentíamos vulneráveis. Eu deixei
que as coisas acontecessem e elas aconteceram de uma forma incontrolável.
Mas não posso continuar a enfiando numa mentira.
— Que merda. — Ouço assim que a porta se abre. Jack entra no quarto
sem me olhar.
O garoto veste uma camiseta de banda e uma calça jeans preta. Parece
completamente acabado. Jack caminha até a cama e se joga sem pensar duas
vezes.
— Boa noite — digo, notando o pôr do sol. Ele não responde. — Afinal,
por onde esteve?
— Por ai — mente. Jack fecha os olhos, mas a adrenalina se espalha
pelo ambiente. Ele está ofegante.
— Hannah já me contou. Pode continuar mentindo se quiser — provoco,
como sempre.
— Omitindo — corrige. — Eu não quero falar sobre. A minha mãe teve
uma crise, só isso.
É. "Só isso”.
— Podia ter me contado. Muita merda aconteceu e sei que a culpa
também foi minha, mas ainda somos amigos — reclamo.
Queria ter a capacidade de ignorar um assunto desses, mas entendo a sua
mãe. Perder uma filha não deve ser fácil, imagino, pois comigo foi o
contrário. Não vejo a minha mãe há anos.
Pumpkin desapareceu.
Mas já sei como agir com o garoto, ele não é muito de insistir, portanto,
acredito que ignorar as minhas palavras lhe pareça ser a melhor opção. E ele
o faz. Jack bufa e mantém o silêncio, nada de mencionar o passado ou se
arrepender pelo mesmo. Não há como voltar atrás.
— Enfim — sussurra, pronto para mudar de assunto —, como foi a
aula?
Parece que ele perdeu o primeiro dia. Não sei se devo descrever a
bagunça em minha mente por causa da novata ou as tentativas e falhas em
relação a Madison.
— Bom.
— Só bom? — continua. Seus olhos agora me encontram, castanhos e
decididos. — Nada de novo?
— Se quer saber sobre Alice Wonders, sim, ela é nova. Está na minha
turma. — Imagino que à essa altura, os boatos sobre os estudantes novos e
ricos tenham se espalhado. A maioria das pessoas daqui ama uma fofoca e
critica quem as faz.
— Eu ouvi um pouco sobre ela. Não sei se posso acreditar no que fiquei
sabendo. — Dá de ombros. Jack conhece bem as línguas venenosas de
algumas garotas, como Chris Vender, que já não suporta a novata.
— Depende de quem te contou. — Rio. — Ela é diferente.
— Imagino. Pelo que escutei por ai, parece ser o tipo de garota que você
gosta. — Nada soa tão verdadeiro na voz de Jack quanto a sua última fala.
Alice parece ter sido desenhada para mim, sob encomenda.
— Cala a boca — respondo enquanto me ajeito sobre a cama macia. —
Quem, exatamente, te contou sobre a Alice?
— A primeira foi Hannah. Elas se conheceram no Heaven.
— Eu a conheci no Heaven — confesso. Meu amigo me olha com
maldade. — Não aconteceu nada entre a gente, cara. Alice só me pediu um
cigarro. — O que é uma mentira, se consideramos os flertes inesperados.
— Sei. — Ri. — Ainda não posso opinar.
— Bom, Bayard a elogiou. Você sabe como ele é.
— Isso é novo. — Suas mãos se apoiam no colchão e o garoto se senta
virado para mim. — Acho que uma novidade cai bem.
Com certeza, principalmente uma igual a Alice Wonders. É possível ver,
sem ter que trocar palavras com a menina ou provar do seu gosto, que a sua
personalidade é forte. Ela me tira do eixo. O que não entendo é, como posso
estar me sentindo assim se nem a conheço.
— Você está mordendo o lábio, Nicholas — diz e, por um momento, me
sinto constrangido, pego fazendo uma coisa que não devia. Jack suspira. —
Está pensando nela, não é? — Sua expressão carregada de malícia.
— Não — minto, mas minha face não me obedece. Eu sorrio ao lembrar
de seus olhos, seios, lábios. — Não exatamente.
— E quanto a Madison?
Bufo. Isso é algo inacabado e eu odeio coisas inacabadas.
— Nós terminamos, mas acontece que a Hannah pediu pra ela me buscar
no Heaven. Não foi de muita ajuda.
— Eu sempre soube que essa merda de relacionamento de vocês não ia
pra frente. — Ele para e pensa. — Faltava algo.
— Eu sei. — Enfio meus dedos entre meus fios castanhos, alisando-os
para trás, enquanto meu colega se põe de pé e tira a camiseta, pronto para ir
ao banheiro. — Era errado, a gente confundiu tudo.
— Pelo menos acabou.
Queria que fosse tão simples, mas, além de sensível, Maddy é insistente.

Quando algumas coisas param de se encaixar, como um quebra-cabeças


mal resolvido, andar de moto pelas ruas de Wiston Hill é uma boa opção. E
eu faço isso com frequência. A biblioteca não fica longe, então, pego o
caminho mais longo para aproveitar da noite. Acelero e sinto o vento em meu
rosto, sinto o abraço de Pumpkin antes dela desaparecer. Eu me lembro de
uma época teoricamente calma, de uma cidade sem segredos.
Talvez seja tudo uma invenção. Wiston Hill nunca foi perfeita.
Depois de minutos sentindo a brisa, me levo à frente da biblioteca. A
escuridão toma conta do céu e os postes de luz se acendem automaticamente.
Ao entrar, ando até uma mesa de madeira, isolada no fim do estabelecimento.
Poucas pessoas ainda estão no lugar, distraídas com trabalhos universitários e
livros antigos.
Me jogo num sofá qualquer, notando certos olhos que me fitam. Chris se
mantém distante, mas não deixa de me observar. Ela sempre tentou algo e
nunca conseguiu o que queria, acho que ainda pensa nisso, em todas suas
tentativas e todas as minhas negativas. Se outro garoto não tivesse aparecido,
Christina ainda insistiria, ela não está acostumada a perder.
A encaro de volta, fazendo-a estremecer. Seus olhos retornam ao livro e
deixam a paz dominar meu corpo. Aproveito do silêncio por alguns segundos.
— Parece que você tem muita sorte. — Um ar quente aquece a minha
nuca, eu pulo de susto. Me viro agressivamente. — Nicholas Thompson.
Alice Wonders gosta de brincar com o perigo. Ela se apoia pelas mãos
no encosto do sofá, seus olhos brilham em minha direção e não consigo
evitar, deixo-me analisar seu corpo. Seus seios dentro de uma blusa preta, sua
calça jeans pouco apertada e sua jaqueta azul. Os cabelos parecem úmidos e
estão soltos.
Sorrio, é bom encontrar alguém tão raro quanto ela. Algo me mandou
vir a biblioteca, talvez seja a merda do destino. Cada vez mais próximo da
novata.
— Está me seguindo? — brinco, voltando a encarar suas íris profundas.
— Posso te perguntar o mesmo. — Seus lábios não estão com batom,
vejo a cor rosada e natural deles, me distraio imaginando como seria mordê-
los, como seria descer por seu corpo. Chega a ser desesperador.
— Ei — chama, me tirando dos devaneios perversos. Fito seus olhos
pela segunda vez. — Eu estava procurando por algum livro interessante.
— Então, eu devo ter sorte — digo. Um sorriso pequeno e maldoso
enfeita seu rosto. — Ainda não tivemos a chance de conversar — minto.
Quero muito poder observá-la por mais tempo, apenas isso.
A novata contorna o sofá com calma e se senta ao meu lado, com os pés
apoiados na beira da mesinha de centro.
— Você nunca me respondeu, me deve essa — diz. Penso um pouco,
não sei do que está falando. — O que aconteceu no Heaven?
Solto um som irritante, uma risada debochada. Ela ainda quer ter certeza
de que não dormimos juntos.
— Você é insistente — sussurro fazendo-a dar de ombros, girando o
corpo em minha direção. — Nós não transamos.
Alice suspira de forma delicada, parece estar chateada com o que ouviu.
Eu, com certeza, estou chateado por não poder dizer o contrário.
— Ah — bufa. — Que pena.
Puta que pariu.
— Eu gostaria de me lembrar se acontecesse. — Sorri, me desafiando.
Minha respiração fica pesada, eu sei, eu sinto. Eu a quero. A encaro com um
pouco de choque, estou certo de que um sorriso ladino nasce em meu rosto.
— Não significa que vai acontecer.
Provocante.
Errada.
— Tudo bem — murmuro, rindo baixo, e desço o olhar. Fito sua mão,
seus dedos apoiados no sofá.
Não posso falar nem agir nesse momento, sei que alguns pensamentos
escapam quando tentamos nos controlar. E ela tira tudo de mim, até a noção
de certo ou errado. De qualquer forma, ainda vejo o caos em suas íris.
— Então, Thompson — morde o lábio —, como é mandar nesse lugar?
Alice se vira, apoia o cotovelo no encosto e a cabeça em sua mão, o
joelho toca em minha perna. Seu decote é chamativo demais, eu já me afundo
em perversidades sem ele. E a menina espera por uma resposta.
— Eu não mando — confesso. — Como era mandar em Nova Iorque?
Alice nega.
— Vamos falar de você. — Língua afiada. — Parece que os Thompson
são importantes por aqui, me conte um pouco.
— Quer saber se tenho dinheiro? — provoco e um sorriso agradável
surge.
— Te garanto que isso não me interessa.
— Certo, os Thompson mandam aqui. E os Vender, os Foxx, os Carter.
Wiston Hill foi construída com o conceito de utopia e essas são algumas das
principais famílias, ou seja, as mais ricas.
Seus ombros relaxam. Alice aparenta ter se acostumado com a minha
presença, entretanto, eu ainda não me acostumei com o aroma de cereja que
atiça o meu apetite.
— É basicamente isso — explico, já que anseia por mais. — Eu não
mando aqui.
— Mas poderia — brinca. Seus olhos examinam meu abdômen
escondido por uma camiseta preta. — Percebi que as pessoas gostam de te
encarar.
— Pois é, posso te dizer o mesmo, Alice Wonders. E gostam de falar de
você. — Nossos olhos se encontram, ela se cala.
Alice brinca com uma mecha pequena de cabelo, suas íris brilham mais
que o normal. Há uma conexão inexplicável, algo que tento destruir, mas é
resistente e faz meu coração acelerar.
— E você gosta? — devolve.
Também não me acostumei com as suas perguntas inesperadas. Desde a
primeira vez ela tenta me tirar do eixo, me fazer dizer o que sinto enquanto
seu aroma entra em meus pulmões. E ela é boa nisso, mas não parece querer
uma resposta. Alice faz o que faz apenas para me afetar.
Seu corpo se levanta rapidamente e seus fios são jogados para trás dos
ombros. Ela se prepara para sair sem despedidas, sem outras perguntas, e eu a
observo com atenção. Não quero que vá embora.
— Aceita andar por aí comigo ou ainda está procurando por um livro?
Alice sorri, pensando sobre.
— Eu estava de saída. Acho que aceito.
Me levanto com animação e caminhamos em silêncio. À cada passo eu a
analiso mais. A novata é linda, mesmo, e seus cabelos compridos e escuros
combinam com seus olhos azuis e intensos. Alice finge não notar que a
observo, mas um sorrisinho está presente e continua assim até chegarmos ao
lado de fora.
— Agora me deve outra resposta — brinca, descendo a escadaria. Alice
se encosta no corrimão e me encara. Paro à sua frente, um pouco distante.
Estamos sozinhos, nenhuma voz nos interrompe, já é noite e poucas luzes
iluminam o redor da biblioteca.
— Quer saber se gosto de te olhar ou de falar sobre você?
— Hum — faz um biquinho —, os dois.
Rio baixo, dou um passo à frente e a vejo corar.
— Acho que prefiro te olhar. — Outro passo. Estamos roubando o ar um
do outro. — Mas confesso que...
— Cuidado com o que vai dizer, Thompson. — Morde o lábio, me
provocando.
Alice fica tensa. Toco em seu queixo e ergo sua cabeça, aproximando
nossos rostos. Sinto seus cílios em minha bochecha, sua pele macia, nossos
narizes se encostando. Com a outra mão agarro em sua cintura ao mesmo
tempo que ela se apoia em meus ombros.
— Vou tomar cuidado — sussurro e aperto seu quadril, fazendo-a gemer
baixinho.
Contudo, prefiro esperar até poder tê-la por completo, se ela ainda
desejar, claro. Não gosto de interrupções e se começarmos algo agora, não
conseguirei ou poderei parar. Wonders é tentadora, provocativa e
extrovertida, não me sinto atraído apenas por seu corpo, seu jeito me fascina.
A menina relaxa, sorri contra meus lábios e nós não nos beijamos. Dou
um passo para trás e olho em seus olhos. Alice é linda, extremamente linda.
— Eu não sei se era pra eu... — começo. Não sei se ela queria o beijo
tanto quanto eu.
— Era — me corta. — Mas tudo bem.
Nós dois estamos ofegantes, cheios de vontade. Mordo o lábio, me
contendo e ignorando a pulsação crescente em meu pau.
— Preciso ir embora — conta.
Quando Wonders se move para longe de mim, seguro em seu braço com
delicadeza, a puxo e coloco contra o corrimão novamente. É involuntário. A
garota suspira e me olha com maldade. Me seguro para não me aproximar
tanto.
— Gosta de festas? — pergunto. Alice rola os olhos, insatisfeita. —
Sexta-feira, na fraternidade Tigerx.
Um biquinho surge e eu fico sem uma confirmação. Me afasto dela,
dando uma última olhada. A novata me analisa e sai sem me responder.
Eu espero que o destino, ou o que quer que esteja nos conectando, a faça
aparecer na sexta-feira. Eu espero ver seus lábios avermelhados e seus olhos
brilhantes. Espero poder chegar tão perto de seu corpo mais uma vez.
Me coloco sobre a moto, pronto para voltar ao meu quarto, deixando
mais um dia para trás.
— Nick! — Ecoa pela rua. Me viro lentamente e encontro Chris
descendo cada degrau da escadaria da biblioteca. — Espera.
Reviro os olhos.
— Christina Vender — murmuro —, o que foi?
— Eu fiquei confusa com o que vi. — Ri, mas a maldade toma conta de
sua voz. — Aquela não era a novata?
Bufo enquanto seu corpo se aproxima. Ela para perto demais, sua pele
queima na minha, seus olhos encontram os meus.
— Quer saber sobre Alice Wonders? Fale com ela — solto com
rouquidão. Não gosto das suas palavras carregadas de inveja.
— Eu já a conheço. Ela mora na fraternidade.
Isso me é uma surpresa, Alice divide o lar com pessoas incrivelmente
falsas então. A fraternidade feminina é cheia de rostos perfeitos, mas as
aparências enganam.
— E a Madison também — continua. Sei bem onde quer chegar. Todas
elas moram na mesma casa.
— Meu relacionamento com a Maddy acabou.
— Bom, não acho que vão ficar assim por muito tempo. — Seu dedo
indicador toca em meu maxilar, desenhando-o. — Ela gosta muito de você.
— Isso não é da sua conta, Chris. E sobre a novata, bom, também não é!
— Dou risada de uma forma tentadora. Vender sabe que não a temo.
— Tudo bem, Nicholas, faça como quiser. Só me conte a reação da
Polly depois. — Estica os lábios falsamente. Ela se afasta, sem mais frases
prontas.
— Me conte a reação do Mateo depois — devolvo.
Chris rola os olhos e caminha para longe, voltando ao prédio grande e
iluminado. Eu entendi bem o que ela quis dizer, Polly não me quer perto da
Alice, pois já sabe quais tipos de problema ela pode causar — ou eu posso
causar.
E também sei que Christina acorda na cama de Jayden enquanto diz a
Mateo que está ocupada.
Todos temos segredos.
06

ESCARLATE
"Agora ele só pensa em mim,
consigo sentir o fogo na minha pele.
Vermelho ardente nos meus lábios."
Taylor Swift | I Did Something Bad

ALICE WONDERS

Digamos que provocar sempre foi a minha atividade preferida, mas


provocar Nicholas é mil vezes melhor. É estupidez, eu nem o conheço e sei
disso, mas Nicholas Thompson parece ter algo escondido, ele é bem mais que
um garoto metido a bad boy. Ele é bem mais que a eletricidade que sobe por
minha espinha toda vez em que ouço sua respiração pesada. Nick encara
meus lábios como se quisesse algo, ele fita meu corpo com vontade. Por
algum motivo não consigo o tirar dos meus pensamentos, mesmo quando
estou prestes a beber numa segunda-feira.
Abro a porta do Heaven notando que o movimento diminuiu. Da última
vez em que estive nesse bar, mal conseguia me mexer sem esbarrar em
alguém, mas agora, poucas pessoas ocupam o lugar — algumas bêbadas
demais para me incomodarem. Menos ele. Thomas é o único sentado ao
balcão, conversando com a menina de cabelos azuis. O observo antes de me
aproximar, me lembrando da noite que passamos juntos no seu quarto
particular do Red Hell.
— Por acaso você mora aqui? — pergunto quando seus olhos me
encontram, a conversa deles morre no mesmo instante. Thomas sorri
levemente e me examina dos pés à cabeça.
— Alice Wonders, bebendo numa segunda-feira? — brinca. A baixinha
de cabelos azuis, Hannah, nos assiste com atenção.
— E você, Thomas Jackson? — retruco.
— Mas eu não uso identidades falsas, aliás — se volta à bartender —,
não deveria servir essa menina. Ela só tem vinte anos.
— Vai à merda, Thomas! — exclamo.
Idiota. Eu nunca lhe dei tal liberdade, mas parece que gosta de brincar
com os outros. O conheço pouco e já aprendi a lidar com a sua personalidade,
passamos uma noite juntos depois de muita conversa irritante. Ele é irritante,
o que me agrada de certa forma.
Faço uma careta e Hannah ri alto.
— Eu sei que ela não tem vinte e um — revela. — Mas não vou impedir
a menina de beber. — Seus olhos me encontram de soslaio e lhe entrego um
sorriso de agradecimento. O certo seria me impedir, até porque, tenho
problemas com álcool, mas ninguém por aqui sabe disso. — Vocês parecem
íntimos, se conhecem?
— Não exatamente... — tento, porém o garoto é imprevisível.
— Sim e muito. Somos bem íntimos.
Merda...
Por que eu tenho de dormir com pessoas tão babacas e sarcásticas como
Thomas Jackson? Me parece um carma, algo para me fazer repensar minhas
atitudes.
— Nos conhecemos no Red Hell — explico, mas Hannah já entendeu
o que rolou entre nós. Ela morde o lábio com maldade e se volta aos olhos
castanhos de Thomas.
— Então eu não posso deixar a Alice beber, mas você pode? No Red
Hell, é sério? — Se apoia no balcão, inclinando-se na direção do menino.
— A boate é minha. — Ele dá de ombros e bebe um pouco do que me
parece ser rum.
— O Red Hell é seu? — mais uma vez me intrometo, sentindo que fui
deixada de lado. — Eu não sabia disso. Se tem sua própria boate, por que
bebe no Heaven?
— Gosto da companhia — caçoa e seu olhar passa por meu corpo. —
Eu pago a bebida da Wonders hoje. Tequila? — Me encara.
— Ah sim, claro. — Rolo os olhos.
Hannah se afasta um pouco para procurar pela garrafa escondida entre
várias outras, enquanto isso, me ajeito num banquinho e aproveito do tom
provocativo que paira entre nós.
— O que está achando de Wiston Hill, forasteira?
— Só conheci a praia, o Heaven e o Red Hell até agora. Então, estou
gostando. — E claro, Nicholas Thompson. Acho que estou adorando.
— Falando nisso, você leva jeito pra coisa — ele diz quando Hannah me
entrega o copo. O levo à boca, viro de uma vez.
— Que coisa? Beber?
— Não, Alice. Dançar.
Os dois me olham com curiosidade. Ele se refere à noite em que nos
conhecemos, quando dancei na frente de desconhecidos. Ninguém realmente
me deu atenção, por ser uma casa noturna, mas Tommy observou cada
movimento. Foi assim que acabei em sua cama.
— Eu não vou dançar na sua boate, não curto ficar rebolando pra
homens estranhos.
Rolo os olhos e eles riem da minha indignação. Eu? Dança sensual? De
jeito nenhum, só faço isso para alguns sortudos.
— Eu pensei em te colocar lá como bartender, mas se quiser dançar... —
zomba. Thomas me faz sentir como se eu fosse a pessoa mais inocente do
mundo, nova e ingênua.
— Acho que vou trabalhar na biblioteca, mas obrigada — recuso
secamente.
— O Red Hell é uma boa opção — a menina diz. Claro que ficou do
lado dele. — Deveria considerar.
— Vou pensar sobre, está bem?
Jackson assente com paciência. O silêncio começa a tomar conta do
lugar, estamos pensativos demais, cada um com seus desejos ocultos. E é
notável o som do celular tocando. A bartender o retira do bolso e encara a
tela.
— Meu namorado. Eu já volto — ela sussurra enquanto anda até um
canto qualquer.
Ao ficarmos sozinhos, as íris castanhas brilham em minha direção.
Thomas não fita meus seios, dessa vez ele analisa meus lábios.
— Como foi seu primeiro dia de aula? Quero saber como é ser a novata
nessa cidade de merda.
— Uma merda — brinco e lhe entrego um sorriso rápido e falso. — Pelo
que parece todos conhecem meus pais, mas não sabem que eles têm filhos.
Quer dizer, sabem, mas nunca se interessaram por nós. Então, cada vez que
eu falo Wonders, as pessoas ficam boquiabertas.
— Eu não me importo.
— Sério? — Bufo. Jackson dá de ombros, como se o meu passado e a
minha família não fossem importantes.
— É só um nome, temos muitos desses por aqui. Agora me diz, como
conseguiu a identidade falsa?
— Eu tenho dinheiro, conheço pessoas. E você, quantos anos tem?
Tommy ri, se vira para mim, apoia o cotovelo no balcão e suspira.
— Vinte e sete.
— Você não é tão velho assim — caçoo. — Estuda na Wiston?
Enquanto espero pela resposta, olho por cima do ombro. Hannah ainda
fala com o namorado.
— Não. De jeito nenhum. E a conversa é particular.
— O quê? — Me volto a ele. Tommy aponta para a menina com a
cabeça. — Eu não estou...
— Sim, está, mas a conversa deles é particular. Se acostume com isso
em Wiston Hill — aconselha. — Como era em Nova Iorque?
— Legal, eu acho. — Não entendo o porquê das perguntas idiotas,
Thomas não se importa, não de verdade. Nem nos conhecemos. — Minha
mãe é falsa, meu pai é ausente, minhas irmãs são divertidas e problemáticas.
— Iguais a você? — pergunta com reprovação. Assinto e roubo sua
bebida, mas ele não me para. — Os Wonders parecem perfeitos demais.
Quase engasgo com o rum.
— Sim, são. — Lambo os lábios, limpando-os do álcool. —
Perfeitamente imperfeitos.
Tommy não desgruda seus olhos de mim, é como se estivesse
esperando ou querendo algo. Sua perna balança de ansiedade, a olho,
incomodada, e mudo o foco da conversa.
— Eu conheci uma pessoa — confesso. — Thompson.
— Nicholas Thompson? Neto da Polly?
Assinto sentindo o calor em minha nuca, me lembrando do quase beijo.
— Essa mulher, ela é o diabo.
— Sério? Me conte mais. — Estico os lábios, caçoando da sua fala.
Ele não gosta que eu ouça conversas alheias, entretanto, está prestes a me
contar segredos alheios.
— Os Thompson são complicados, mas eu não vou te contar nada
sobre as merdas que aconteceram nessa cidade. Todos têm alguma coisa pra
esconder.
— Então, Nicholas Thompson esconde algo? — tento.
— Não vai conseguir, Alice. — Bufa. — A história é complicada.
— Pode me contar, adoro esse tipo de história.
— Não, não posso. Ela não é minha.
— Então, me conte a sua — peço e sorrio de canto. Ele se ajeita, olha
ao redor e se decide.
— Eu sou o dono da Red Hell, meus pais morreram, tenho uma irmã
mais nova que estuda em outro estado, gosto de beber rum e odeio essa
cidade.
— Sincero.
— Sua vez.
— Eu moro numa fraternidade, minha família é difícil e acho que
algumas pessoas daqui não vão gostar de mim.
Thomas assente e pensa mais um pouco.
— Não vão. A Polly Thompson me odeia, por exemplo — diz.
Estremeço ao ouvir o sobrenome. — Ela odeia a boate, tentou negociar várias
vezes. Polly queria comprar o Red Hell e acabar com ele, mas não conseguiu.
— Ela acha vulgar?
— Ela acha que a boate estragou o filho perfeito.
— Como assim? — Mordo o lábio, quero muito saber sobre o passado
de Nicholas, quero entender o mistério por trás de suas íris azuis.
— Boa tentativa.
Do jeito que ele fala, parece um segredo daqueles. Chega a ser
tentador. Eu gosto do suspense em sua voz.
— Afinal — une as sobrancelhas com certa dúvida —, de onde se
conhecem?
— Universidade — digo pausadamente. Era pra ser óbvio. — Temos
algumas aulas juntos.
— E você está incrivelmente curiosa sobre ele, não?
— Não — respondo com urgência.
— Que bom, porque não acho que a Polly vai gostar muito do seu
estilo. E ela não é boa.
— Eu sou grandinha, sei me cuidar.
Thomas rola os olhos, talvez eu transpareça meus interesses, meus
desejos. Eu consegui provocar Nicholas, mas isso também me afetou de uma
forma muito pior. Eu quero saber como é encarar as suas íris enquanto suas
mãos agarram meu corpo, sem interrupções. Quero conhecer o gosto de seus
lábios.
Me deixo mergulhar em pensamentos maliciosos e o silêncio toma
conta do lugar. Tommy se vira para o balcão, ele também tem no que pensar.
Suspiro ao me lembrar daquele abdômen aparente sob a camiseta preta e
das mãos com veias ressaltadas.

Sei que prometi parar de beber depois daquele dia, mesmo assim, acordo
de ressaca numa terça-feira. Ainda prometo muito e cumpro pouco.
— Bom dia — a voz masculina diz, docemente. Abro os olhos com
calma, deixando a luz queimá-los. Tento reconhecer o quarto, mas falho. —
Você vai se atrasar, tem aula.
Seu corpo surge, saindo de um banheiro apertado. Ele me encara.
Tommy está sem camisa e enfiado numa calça preta.
— Que merda! — exclamo. Não é possível, eu não me lembro de ter
dormido com ele de novo.
— Pois é, você não é boa em cumprir promessas.
Não foco em sua expressão enquanto caçoa de mim, estou muito
distraída olhando meu corpo coberto apenas por uma calça e sutiã.
— Você é um filho da puta — murmuro com raiva. Ele me levou ao seu
quarto e fez o que eu não queria repetir.
— Ouch. — Tommy faz um biquinho e se senta na beira da cama. — A
gente dormiu junto — ri —, mas não transamos. Você estava bêbada demais
pra qualquer coisa.
— O quê? — Franzo o cenho. Então ele apenas tomou conta de
mim? Impossível, Tommy é completamente malicioso.
— Você bebeu mais depois da nossa conversa e acabou vomitando na
própria camiseta. Isso quando eu já estava te levando pra fraternidade.
Merda, merda, merda.
— E por que não me levou?
— A sua blusa estava horrível e as meninas de lá são venenosas.
Achei que o Red Hell fosse uma boa opção.
— Então, você me trouxe, tirou a minha blusa, me largou na sua cama e
dormiu? Mais nada?
— É, eu não tiraria proveito de você nem de ninguém. Seria errado. —
Ele ri. — Precisa aprender a beber, Alice. E você ficou falando de um tal de
Alex e depois de um tal de Nick. Um deles eu conheço.
— Mentira!
Eu nunca diria nomes enquanto bêbada, nunca deixaria meus
pensamentos impróprios aparecerem.
— É sério, por que falou o nome do Nicholas?
— Por nada. Eu nem me lembro disso.
— Então, quem é Alex? — Ele está decidido, quer uma resposta.
Tommy cruza os braços e posso ver o contorno de seus músculos bem
desenhados.
Retiro a coberta de cima do meu corpo e jogo as pernas para fora da
cama.
— Ugh — gemo baixo, tudo dói. — Ele é meu ex. Não gosto muito de
falar da minha vida particular.
Fecho os olhos, respiro fundo.
— Certo. Quanto a Nicholas?
— Tommy, pelo amor de Deus! Afinal, eu tenho aula, não?
— Sim. E vai vestir o quê? — Ele adora brincar comigo, despejar
palavras que me causam desespero. Eu não sei lidar com algumas situações,
sou dramática e exagerada, e Jackson adora isso.
Olho para meus seios enfiados num sutiã preto, a calça limpa. Quando
volto a fitar o menino, ele nem disfarça, analisa cada parte do meu corpo
enquanto morde o lábio e seus olhos brilham.
— Safado — brinco. — Pode me emprestar uma camiseta?
— Claro — responde, contornando meu pescoço com o olhar e então
voltando sua atenção às minhas íris. — Pode pegar qualquer uma. É melhor
tomar um banho e correr, não quero que se atrase.

Entro na sala sabendo que estou pelo menos vinte minutos atrasada. A
Red Hell fica muito longe do Campus e do prédio principal, onde tenho aulas
de segunda à sexta.
Fecho a grande porta de madeira com hesitação, não quero cabeças se
tornando à mim nem ofensas sendo sussurradas. Quando me enfio no grande
auditório noto que o professor não está. Poucos se importam com meu atraso,
estão distraídos conversando e gastando o tempo livre.
Desço alguns degraus com pressa e me jogo ao lado da única pessoa que
conheço. Ele sorri, ainda olhando a grande lousa à nossa frente.
— Nossa — exclama num tom irritante —, bem atrasada.
— Acordei onde não devia — confesso, encarando o mesmo objeto.
Nick se vira para mim e me examina.
— Notável. Sorte sua, a reitora precisou tirar o professor da sala.
O menino se ajeita, esparramando-se em sua cadeira apertada. Seu braço
encosta no meu — Nicholas parece fazer isso de propósito, talvez ele goste
da sensação — e vejo certo julgamento em sua expressão.
— O que foi? — pergunto. Nick franze o cenho, unindo as sobrancelhas.
— Essa camiseta. E o seu cabelo está cheirando a bebida. — Mesmo
com as críticas idiotas, há desejo em seus olhos. — É terça-feira.
— Eu bebi um pouco ontem. Isso é da sua conta, por acaso?
— Não estou te julgando. — Nick ri.
— Está sim. Eu bebi, passei mal e um amigo me emprestou essa
camiseta.
— Pare de se justificar.
— Eu não gosto de ser julgada — reclamo por entre os dentes. Nick
ainda me fita, ele não tira sua atenção de mim. — E você nem me conhece.
Só porque flertamos na frente de um bar, não significa…
Ele nem espera, Thompson me interrompe com paciência:
— E você não me deve satisfações. Mudando de assunto, quase te beijei
outro dia.
O encaro, abismada.
— Quase — sussurro, tentando o provocar. Eu queria muito que esse
quase não existisse, porque me deixou no meio termo, no morno. Perto e
longe.
— Está tudo bem? — questiona, rindo e aproximando seu braço do meu.
Faço um biquinho enquanto Nicholas encara meus lábios.
Ele também está pensando no quase beijo.
— Tudo ótimo. Ressaca. — O que não justifica meu suor nas mãos e
meus pelos ouriçados. — Só não queria que entendesse errado.
— Você não me deve nada. Como disse, nem me conhece. — Nick dá
de ombros e eu assinto. Não há mais o que dizer, ele consegue me deixar sem
palavras.
Me encolho no assento, deslizando meu corpo, abandonando a postura.
O silêncio ameaça tomar conta, a conversa morreu tão rápido quanto
começou.
— Quer conhecer? — Nicholas nem me olha dessa vez.
Um embrulho surge no meu estômago.
— O quê? — Não escondo a surpresa em minha voz.
— Quer me conhecer?
— O que te faz acreditar que quero te conhecer? — retruco, bancando a
difícil. Não entendo o porquê desse menino se achar tanto. — Você não é
tudo isso.
Nicholas gargalha, tendo de cobrir os lábios.
— Por que não consegue me olhar nos olhos? — Ele me encara, mas me
forço a observar a lousa. — Diga isso me olhando nos olhos.
Impossível. Mentir enquanto encaro suas íris seria o maior desafio de
todos. Nem ao menos tento.
— Não estou falando, por favor tire sua roupa pra mim, Alice — caçoa.
Me torno a ele sentindo o rosto corar. — Só perguntei se quer me conhecer.
A maliciosa aqui é você.
Mordo o lábio.
Sou, e muito.
— Como seria isso?
— Primeiro, é melhor você parar de morder o lábio. — Meus
batimentos aceleram, ele fita minha boca com perversidade. — Segundo, a
reitora vai viajar depois dessa reunião e pensei em passarmos a tarde juntos.
— Achei que não morasse com a sua avó. — Crio coragem para,
rapidamente, encontrar seus olhos.
— Não moro, mas não quero conversar com você no dormitório. Meu
amigo vai pra lá depois da aula. — Sorri. — A mansão me pareceu ser uma
boa ideia.
— Então, você já tinha pensado nisso? — provoco. Ele franze o cenho,
sem entender. — Disse que a mansão pareceu ser uma boa ideia. No passado.
Quando teve essa boa ideia, Nicholas?
— Depois do quase. — Ri. — Aceita?
— E estaremos sozinhos? — Engulo em seco. Meu estômago revira
mais uma vez, pode ser culpa da bebida; mas também pode ser culpa do
quase beijo.
— Tem medo de mim, Alice? — Me faz suspirar. Thompson sorri de
canto, sensualmente, e seu maxilar definido relaxa.
Aperto as minhas coxas por cima da calça jeans. A tensão entre as
minhas pernas é grande, eu sinto os meus músculos se contraindo lá embaixo.
Por algum motivo estranho, eu quero Nicholas Thompson e sei que ele me
quer.
— Não sou tão boa quanto pareço — brinco enquanto o suor escorre
pela minha nuca.
— É, vamos ver.
07

ELE
"Dirijo rápido, vento no meu cabelo.
Te ponho nos limites, porque eu não me importo."
Lana Del Rey | Burning Desire

ALICE WONDERS

Seria completamente errado se eu aceitasse ficar sozinha com ele.


As horas de aula passam rapidamente, não ouço uma palavra sequer.
Sou consumida pelo calor de seu corpo ao meu lado e pelas encaradas de
Chris Vender, que não parece muito feliz ao me ver.
Depois de me sentir queimar por minutos intermináveis, mergulho numa
onda de desejo incontrolável. Eu quero Nicholas Thompson, mas me nego a
aceitar isso. Tão rápido, tão fácil. É estranho. Ele não me conhece e vice-
versa, podemos transar, mas não aceito sentir esse calor desconhecido quando
estamos no mesmo ambiente.
— Você ainda não disse sim — sussurra enquanto o professor, de no
máximo trinta anos, explica sobre língua inglesa.
Nick me tortura com a sua voz rouca, chega a ser irritante. Queria ter
força para lhe socar a cara, só por vingança.
— Alice — chama. Me viro lentamente e encontro seus olhos. Nicholas
não diz nada, apenas fita meus lábios. Posso sentir sua respiração em meu
rosto, a eletricidade percorrendo minhas veias.
— O quê?
— Viu como é ruim ser provocada com perguntas tentadoras? —
sussurra, se aproximando um pouco mais. Suspiro, baixinho e abafado. —
Você já fez isso comigo algumas vezes.
— Então gosta de se vingar? — brinco, me forçando a admirar a cor de
seus olhos.
Nick analisa o meu corpo, mas, dessa vez, não há um decote. A camiseta
verde é larga o suficiente.
— Gosto. Mas gosto mais de te olhar.
— Nossa, muito apropriado pra uma sala de aula. — Rio, porém me
contenho em seguida. Claus ainda fala sobre escrita criativa e argumentação.
— A gente não se conhece.
— Ainda. — Dá de ombros. — Não me disse se quer passar a tarde
comigo.
— Eu nunca sei se seus convites são verdadeiros.
— São — molha os lábios —, mas você tem que responder.
— Não seria certo, você pode ser um assassino em série. Nunca se sabe.
— Então, diga não. — Volta a encarar o professor, que anda de um lado
para o outro, espalhando seu devaneio literário pela sala. — É simples.
Não, não é. Eu quero muito ficar sozinha com ele. Quero seu toque e seu
beijo, sua intensidade. Eu quero conhecer seus pensamentos, saber de seus
segredos, de seus gostos e tudo mais. Quero deixar Nicholas fazer o que
quiser comigo, mas ao mesmo tempo que esse desejo me ataca, percebo o
quão errado seria.
Quero entender porquê nunca senti tal choque ao apenas olhar nas íris de
alguém. Nunca senti tal calor em minha nuca. Há algo de diferente comigo ou
com ele, um de nós está causando isso e não sei lidar com a sensação.
Portanto, não é simples.
— Por hoje acabamos — Claus declara. — Percebi que algumas pessoas
estavam desatentas. — Nos fita, mas seu sorriso de canto não mostra
irritação. Ele não está bravo, talvez tenha notado o tom da nossa conversa. —
Espero que não aconteça novamente.
Coro sem querer, minhas bochechas queimam como se o fogo as
consumisse. Me viro, tentando me livrar da reprovação do meu professor,
mas tudo piora quando encontro Chris Vender, apoiada em sua mesa, me
olhando com raiva. Há fúria em seus olhos e maldade em sua postura. Ela me
examina, faz uma careta e se torna à Claus.
— Ainda não — diz, focada. — A aula não acabou, faltam vinte
minutos.
Nick ri ao meu lado, encarando a caneta que descansa entre seus dedos.
— Eu terei uma reunião importante com a reitora e como ela irá viajar,
deve ser feita agora — o professor argumenta pacientemente, lidando com a
teimosia de Christina. — Então, vou liberar vocês mais cedo.
— Você já teve uma reunião com a reitora — devolve. Fico boquiaberta
e olho para Nicholas, ele parece acostumado com a situação. O garoto ri
baixinho e eu o acompanho.
— Quer me dizer alguma coisa, senhorita Vender? — Claus cruza os
braços e a fita com bravura. Ele não a teme. Ela não pode dizer o que quer só
porque tem dinheiro, não na aula desse professor aparentemente.
Todos os alunos esperam por uma resposta, o auditório está quieto o
suficiente para ouvirmos as respirações uns dos outros. A menina loura e
magra nega com a cabeça e eu tapo a boca, evitando que o som leve da minha
risada escape.
— Ótimo — o homem termina.
Noto de soslaio que Nicholas se aproveita da situação, ele me observa
admirando o meu deboche. Tudo que eu queria era ter força suficiente para o
ignorar.
Me viro novamente para a menina, Chris parece bem incomodada, há
certa vergonha em sua expressão. Ela não gostou do que Claus a fez passar,
foi tratada como uma aluna e não como uma Vender.
— Precisa responder.
— Não é uma boa ideia — solto, ainda observando a garota.
— Tudo bem. — O desânimo toma conta e parece que a sua rouquidão
partiu. Nick não esperava por isso, tenho certeza.
— Eu não disse que não vou.
Me torno ao menino que, agora, está confuso. Ele une as sobrancelhas,
abre e fecha a boca.
— Você não é o único que sabe provocar. — Dou de ombros
observando seu sorriso surgir.
Seria completamente errado, mas eu não conseguiria negar. Quero estar
com Nicholas por razões que não entendo, ainda.

Andamos juntos, porém distantes, pelo corredor longo e iluminado.


Rostos se viram em nossa direção, me pergunto se estão curiosos sobre nós
ou sobre o fato de estarmos juntos.
— Eu preciso trocar de roupa — reclamo baixinho, atravessando a
entrada. Nicholas segura em meu braço e me para no topo da escadaria.
Queimamos sob o sol californiano.
— Quantas desculpas você ainda vai inventar? — pergunta, com seus
dedos alisando minha pele. Encaro sua mão forte, engulo em seco. — Você
precisa se decidir sobre as coisas, Wonders. No que está pensando? — Seus
olhos me observam, Nick exala curiosidade.
— Em como eu não te conheço.
— Isso parece ter muita importância pra você.
— Não exatamente. — Coloco uma mecha atrás da orelha assim que um
vento refrescante nos atinge. Estremeço, o calor partiu, mas as íris azuis ainda
me queimam. — Vamos?
— Você é extremamente imprevisível, Alice.
Não entendo se é um elogio ou uma ofensa, mas Nicholas morde o lábio.
Acho que ele gosta disso, deve adorar me ver afundando em indecisão.
Nunca realmente me importei com fazer o certo, mas a energia entre nós é
indescritível. Nick consegue me tirar do eixo, ele me desestabiliza.
O menino se afasta e desce alguns degraus, me deixando para trás. Fico
observando seu corpo definido, seus músculos nem tão exagerados, seu
maxilar tentador. Ah, eu amo um maxilar desenhado.
O sigo, instintivamente. Mal posso esperar para estar sozinha com
Thompson. Penso no quase beijo, suas mãos em meu corpo, sua pele próxima
da minha, o silêncio ao redor do prédio da biblioteca. Tudo. E só serviu para
me excitar ainda mais.
Nick agarra um capacete e se vira para mim.
— Você tem uma moto? — Rio. Gosto desse estilo, da sua jaqueta de
couro, de seu cabelo desajeitado.
É um tanto James Dean.
— Com certeza tenho. — Sorri sem maldade pela primeira vez. —
Vamos?
Então eu terei que me sentar atrás dele e agarrar em seu corpo? Terei
que confiar em Nicholas por alguns minutos enquanto o calor toma conta de
mim?
— Eu nunca andei de moto. — Faço um biquinho.
— Há uma primeira vez pra tudo. — Sim, com certeza há. Posso notar o
caos que esse menino guarda e sei que tenho o meu próprio. Talvez Tommy
esteja certo, talvez não devamos unir nossos problemas. — Confia em mim?
— Não tenho uma base pra poder te responder.
Ele ri.
Sem pensar mais nas consequências, coloco o capacete e o deixo me
ajudar. Thompson o ajeita com delicadeza, sem retirar os olhos dos meus.
Quando fico pronta, ele se arruma, sobe na moto e espera.
— É melhor não me matar, Nicholas Thompson — digo, pois sei dos
riscos.
— Eu não te mataria. Não assim, Wonders.
Mordo o lábio, ainda bem que ele não pode ver. Me enfio atrás do
menino e, com toda a força, agarro em sua camiseta. Um medo sobe por
minha espinha, um frio toma conta da minha garganta. Sinto sua pele;
entretanto, não a aperto.
— Ai, Alice — suspira. Suas mãos soltam do guidão e agarram as
minhas. — É melhor segurar firme.
Dou uma gargalhada leve quando Nick as puxa, me colando às suas
costas, me fazendo abraçá-lo. Toco em cada desenho, cada músculo do seu
abdômen. É delicioso.
— Pode deixar — brinco. O garoto me encontra por cima do ombro e
rola os olhos. Ele sabe que estou adorando, mas também sabe que sou
teimosa.
Sem que eu possa respirar fundo e me preparar, ele liga a moto e sai
com rapidez, me fazendo congelar. É incrivelmente assustador. Eu sinto o
vento, o ar quente batendo em meu corpo enquanto vamos contra ele. Sinto
seu peito se movendo sob meus dedos, seu coração acelerado. Thompson
gosta de adrenalina, ele adora o perigo.
Nick não me dá atenção, não enquanto seu foco é a direção, então posso
aproveitar desse momento, posso sentir o seu cheiro, tocar sutilmente em sua
pele. Eu me desencosto das suas costas, tomo coragem para olhar a paisagem,
as ruas, as casas, as cores e pessoas. Passamos rapidamente por elas, mal
absorvo seus detalhes. É delicioso, libertador. O vento em nossos corpos, o
sol brilhando no céu, a falta de trânsito, o silêncio ao redor.
Apenas nós dois.
Seu corpo próximo ao meu.
E eu confio. Sim, eu confio em Nicholas. Eu sinto que posso o fazer. Sei
que ele também confia em mim apesar de todos os comentários que
provavelmente ouviu.
Sorrio sem querer, meu corpo está em êxtase. O calor me toma por
completo, me queima, percorre meus dedos, minhas veias, meus braços, meu
pescoço. Eu o noto em todas as partes. O abraço mais forte, só para ter mais
disso.
Aproveito cada minuto.
E agora entendo a sensação de ter Nicholas ao meu lado. Ele é o fogo, o
caos e a liberdade.
Ele é tudo que sempre procurei.
08

INCÊNDIO
"Agora estou sob seu feitiço, preso em uma mentira.
Não deveria ter ficado tão perto do fogo."
Cage The Elephant | Too Late to Say Goodbye

ALICE WONDERS

Respiro fundo. Meu peito quase explode.


— Chegamos — diz. Tudo se move em câmera lenta e nada se compara
a adrenalina que ainda percorre as minhas veias. Retiro o capacete com as
mãos trêmulas. — Sobreviveu. Como se sente?
— Isso foi incrível — respondo, sorrindo. Eu sempre fiz coisas
impensadas, mas nunca me senti assim, livre e real. Ele analisa minha leve
tremedeira e parece preocupado por um instante.
— Está bem? — Seus dedos tocam os meus.
— Estou ótima — suspiro.
Nicholas me encara com um sorriso bobo em sua face. Ele entende o
que eu estou sentindo, o garoto gosta disso, de um pouco de caos e
batimentos acelerados. Thompson gosta de andar de moto e parece satisfeito
por eu ter adorado tanto.
O menino se vira, pronto para caminhar até a grande escadaria da
mansão — que é enorme, toda branca e com janelas demais.
Não estamos mais próximos e, agora, eu não o sigo sem antes hesitar um
pouco. Desde crianças aprendemos a não falar com estranhos, com certeza ir
à casa deles quebra essa regra. E se ele realmente for alguém perigoso? Não
estou com vontade alguma de aparecer nos jornais como uma garota
desaparecida.
— Espera — peço, erguendo o olhar. Nicholas já está no primeiro
degrau. Ele se vira, suspira e me encara.
— O que foi? — Seu sorriso desaparece, mas seus olhos brilham.
— Por que me trouxe pra sua casa? Você também não me conhece, nos
encontramos umas duas vezes. — Me aproximo lentamente, o suficiente para
sentir a temperatura de seu corpo.
— Achei que seria legal, você é a novata e eu estou sendo receptivo. —
Morde o lábio e sorri, ah, essa malícia toda ainda vai me fazer perder a
cabeça. Sei bem que tipo de recepção me espera.
Rolo os olhos, dou dois passos à frente e colo nossos corpos.
— Receptivo? Sozinhos, na sua casa? — Dessa vez não quero o
provocar, quero uma resposta, mas parece que nunca consigo parar. É um
instinto, preciso o enlouquecer.
— Bom, eu achei que não gostaria de conhecer a Polly.
Me deixo examinar o lugar. Um belo jardim, uma fonte chique daquelas
de parques, bancos de madeira perto das rosas. O cheiro de terra é forte,
talvez Polly Thompson adore paisagismo. A mansão é o destaque, linda e
chamativa. Não há um defeito sequer, nada quebrado, estragado ou sujo.
A própria perfeição.
Faço um biquinho contra a minha vontade, ainda encarando as flores ao
nosso redor. Nick é mais alto, por isso, levanto a cabeça para encontrar seus
olhos. Sua respiração aquece a minha face.
— Só espero não ser enterrada nesse jardim. Seria clichê demais —
brinco e o faço gargalhar pela primeira vez. Nick tenta se controlar, mas não
consegue. Quem sabe eu realmente tenha a habilidade de o divertir.
Seus dentes são perfeitos, seus olhos lacrimejam e uma veia em seu
pescoço ressalta. Seus cabelos castanhos e escuros estão desajeitados. Um fio
escapa e Nick o arruma, ainda sorrindo. Me sinto hipnotizada por cada gesto,
cada detalhe.
— Eu não te enterraria nesse jardim. — Fica sério novamente. Ele não
me enterraria no jardim? Franzo o cenho, sem entender. — Eu não vou te
matar, Alice.
Suspiro. Sei que se a sua intenção for essa, ele vai negar até finalmente
conseguir o que quer. Eu descobrirei da pior maneira possível. De qualquer
forma, estou quebrando todas as regras impostas à mim antes de entrar num
avião em Nova Iorque, prestes a me mudar. Katherine me mandou ficar na
linha, John me pediu para não causar problemas e minhas irmãs imploraram
para que eu ficasse viva.
Promessas e promessas. Não sou boa nesses assuntos.
Eu subo os degraus seguindo seu corpo, observando os detalhes de seus
gestos e molhando os lábios. Nicholas me faz sentir como a presa, ao mesmo
tempo predadora. Eu o sigo, porque sei que posso fazer o que quiser com ele.
E ele pode fazer o que quiser comigo.

Não há muito o que olhar, na verdade, o espaço é limpo demais, quase


queima os meus olhos. A luz, que entra pelo vitral acima da porta, reflete, e
minhas íris sensíveis reclamam.
A casa é gigante e pouco decorada. No salão principal, na parede oposta
à de entrada, há uma grande porta de vidro que leva aos fundos. Duas salas, a
de estar à direita e a biblioteca à esquerda — onde um piano descansa ao lado
de uma mesa de xadrez.
Os sofás são da cor das paredes, brancos, limpos e aparentemente novos.
A lareira não deve ser usada, não faz tanto frio em Wiston, mas é uma peça
que combina com o lugar. Enfeites de vidro, delicados demais, descansam
nas estantes. Um lustre belíssimo balança acima da escadaria interna. Não há
fotos de família, nenhuma memória. Não há vida na casa. Caminho
absorvendo cada detalhe e as sensações que esses me causam. Gosto de calor,
vida, e nada disso pode ser encontrado nesse lugar.
Paro quando meus pés batem no primeiro degrau.
— Nossa! — exclamo com certo choque. Controlo meu tom de voz e me
viro. Nicholas me observa, ele não consegue conter a sua expressão, sabe que
estou odiando cada coisinha enfiada aqui. — Branca demais, não?
Ele se desencosta da parede e caminha em minha direção, com seus
olhos nos meus.
— A Polly não gosta de quebrar padrões — sussurra quando nossos
corpos se encontram. Nick me toca no braço esquerdo e sobe com calma até
meu ombro.
— Deveria me mostrar a casa — digo, segurando a respiração. Como é
possível? Apenas um toque e pronto, me perco em pensamentos impuros.
— O que quer conhecer? — pergunta e se afasta, ele sabe que estou
perdendo o foco. É estranho, num minuto eu incendeio e noutro, congelo. A
distância entre nós muda tudo.
Mordo o lábio enquanto o garoto insiste em fitar a minha boca. Nick
rola os olhos.
— Que tal a cozinha? — Tudo que desejo nesse momento é que ele
arranque a minha roupa e me coloque sobre o balcão.
Devaneios, perversão.
— A cozinha? — Ri. — Claro.
Nicholas entra na sala, passa pelos sofás e prateleiras, então uma porta
dupla é aberta. Pronto. A cozinha. Nela há um grande balcão e uma ilha
maior ainda, mais armários que o necessário e uma pequena mesinha ao lado
de uma janela com vista para o jardim. É só mais uma parte chique da
mansão.
— Gostei.
— Você gosta de cozinhas? — Ele me fita. Entro no cômodo, paro ao
seu lado e vejo a tensão em seu maxilar.
— Bom, eu sabia que você esperava me ouvir dizer seu quarto, mas não
sou tão fácil assim, Thompson. — Sorrio com maldade. Nick parece chocado,
eu sei bem o que se passa pela sua mente. Ele é tão errado quanto eu.
— Tudo bem, e quer ver o meu quarto? — insiste, sem esconder suas
pretensões. — Ou prefere ir ao jardim?
Sei que está brincando e eu devo parecer má agora, atiçando seu lado
ruim; contudo, não pretendo parar tão cedo.
— Hum — penso. — O jardim.
— Wonders, você está brincando comigo.
— Com toda certeza, estou. — E dessa vez quem morde o lábio é ele,
perdido em toda a minha provocação. Nicholas se contém, para não me
agarrar agora mesmo, e respira fundo.
— Vem comigo — diz, sem ânimo.
Hesito, faço um biquinho e enfio as mãos nos bolsos traseiros da calça.
A minha postura muda, me sinto bem ao ter seus olhos percorrendo cada
detalhe escondido pelo tecido verde que Tommy me emprestou.
Nick não entende a minha personalidade, quem me dera eu fosse fácil de
compreender.
— Estou brincando. — Assim que revelo ele trava. Sorrio de canto,
deixando minha maldade dançar ao seu redor.
Sei que estou bagunçando sua cabeça, mas algo me diz que Nicholas
merece. Ele sempre tem tudo que deseja, é óbvio.
Mas eu não sou tudo.
— Eu não te entendo — reclama.
— Eu também não te entendo, mas se quiser me levar ao seu quarto,
tudo bem.
O menino ri, ainda pensativo. Deve estar se perguntando se vale a pena
todo esse esforço, todo esse tesão reprimido, todo esse calor excessivo. Ele
sente, sei que sente. Mas o autocontrole, ah, isso é extremamente útil. E nós o
usamos.
Quando finalmente se decide, me leva escada acima em silêncio. Nossas
vozes da consciência, respirações e batimentos cardíacos são os únicos sons
que ouvimos. Nada além disso.
Nas paredes ao lado dos degraus, bem no alto, há fotos de família. Elas
não são chamativas nem animadas, parecem planejadas demais. O estilo me
lembra uma família real: fotógrafos contratados, poses ensaiadas. Pelo menos
os Wonders não faziam isso, não fingiam uma harmonia ridícula. Minha mãe
tentou, uma vez, mas percebeu que não valia a pena todo o estresse e as
roupas caras apenas para uma foto. Ela desistiu logo em seguida e começou a
fingir que não tem filhos, bom, na verdade filhas, já que Mike é o seu
preferido.
— Então, esse é o segundo andar — explica. Chacoalho a cabeça
ignorando a minha memória, os pensamentos que me levam de volta à Nova
Iorque.
Nada mudou, é como o primeiro andar, com as mesmas cores,
iluminação e carência de decoração. Há dois corredores, um à esquerda e
outro à direita. O primeiro leva à um cômodo enquanto o outro é cheio de
portas.
— Meu quarto fica pra cá. — Nick começa a andar e eu continuo o
seguindo. Thompson repousa a mão sobre a maçaneta de uma das portas e
não me olha ao girá-la.
Quando entro no quarto, após Nick me dar a passagem, reparo na
mudança de ambiente. As paredes são cinzas e a cama é grande. Em sua
estante há muitos livros, logo os reconheço, já li mais da metade. A
escrivaninha está completamente bagunçada; a janela, aberta. As cortinas
longas e beges se arrastam no carpete.
Assim que me coloco no centro do cômodo, ouço a porta fechar.
— Nicholas — murmuro, mas não tenho ideia do que dizer. Quero o
repreender. Realmente acha que estando sozinho comigo vai me convencer?
Me torno à ele, lentamente. Seus olhos me queimam de uma forma
diferente, não estão brilhantes, estão escuros e quentes. Na mandíbula vejo
toda a tensão que Thompson agora esconde. Nick contrai os lábios, enquanto
observo o desejo em suas íris.
Sim, ele pode me convencer e eu admito isso a mim mesma. Os meus
músculos se contraem e eu sinto o desejo lá embaixo. Eu o quero entre as
minhas pernas, eu o quero dentro de mim, só porque ele consegue ser
perfeitamente tentador. Desenhado à mão e colocado em meu caminho.
É a teoria do caos, o tal do efeito borboleta, me atingindo.
— Alice — sussurra. Seu corpo se move aquecendo o ar, tornando tudo
ao nosso redor impuro e indiferente.
Seus livros caros, a decoração, a casa nada convidativa, não importam.
Não quando me vejo prestes a ser consumida por seu fogo. Nada nesse
mundo seria capaz de apagar a chama que agora inicia pequenos incêndios
por cada canto desse quarto.
Eu posso sentir, antes de seus dedos me tocarem, a falta de ar. Suspiro e
meus pulmões ardem. Nicholas agarra na minha cintura com força e não tira
os olhos dos meus. Eu sei que a maior regra de todas está prestes a ser
quebrada, sei que ele pode ser um problema disfarçado de presente. Ele é
tudo aquilo que eu deveria evitar, ao mesmo tempo, tudo que sempre
procurei.
Ele me faz sentir uma dúvida enorme, como pode alguém que mal
conheço ter tanto poder sobre mim? E quando sua respiração se une a minha,
seu rosto se aproxima do meu, essas questões não passam disso, questões.
Nada importantes. Não tenho forças para me preocupar com elas, porque
Nicholas Thompson me incendeia. Ele retira o poder dos meus músculos, ele
me toma com um deslizar do seu indicador por meu braço.
Ele desenha em mim, com a ponta do dedo.
— O que quer fazer agora? — pergunto, apoiando minhas mãos em seu
abdome, decidindo se devo afastá-lo ou não. E ele ainda me olha nos olhos.
Nicholas prevê a minha reação, ele sabe que a minha mente confusa
pode escolher por empurrá-lo. Ele ergue os braços com cautela e segura-me
pelos pulsos, fixando as palmas das minhas mãos em seu peitoral.
— Pare com essas perguntas — rosna. Mordo o lábio, sorrindo
levemente. Ah sim, ele pode me convencer. O encaro cheia de vontades,
usando da inocência que não conheço. — E pode parar de morder o lábio,
Alice.
Nicholas me puxa com firmeza, está disposto a conseguir o que quer e
eu estou disposta a deixá-lo, apesar de adorar a minha teimosia. Com um
sorriso maldoso em minha face, tento me afastar dele, que me segura e
mantém minhas mãos em seu corpo, sobre a camiseta. Eu queria poder
desenhar os músculos de seu peitoral sem nada para me atrapalhar.
O garoto sobe seu toque até o meu rosto e afasta meus cabelos, Nicholas
contorna meus lábios com a ponta dos dedos, ele se provoca sozinho. Sabe
que quanto mais quiser, melhor será.
Fecho os olhos, aproveitando do ar quente e agarro em sua camiseta. Ele
não vai fugir, não pode desistir, não agora. Talvez estejamos pensando o
mesmo, Nick também não me deixará sair desse quarto.
Chega de hesitação.
Ele cola sua mão em meu pescoço e me puxa, me agarra com vontade
fazendo seus lábios tocarem os meus. O beijo é forte, intenso e conhecido.
Talvez tenhamos sido feitos um para o outro. O completo caos. Eu sinto a
eletricidade, a sua língua na minha, os seus apertos em minha pele. Seus
dedos agarram meus fios acima da nuca e ele os puxa sem calma, sem
romantismo.
Deslizo as palmas das mãos por seu corpo, Thompson é delicioso. Meus
dedos desobedientes encontram o botão da sua calça e se esforçam para abri-
la. Arfo, meu coração pode explodir, meus batimentos estão acelerados.
Nick não me impede, não me afasta. Ele quer que eu tenha o controle e
quer me controlar. Ele quer toda a confusão que podemos causar. Desço os
dedos mais um pouco e sinto sua ereção crescente. Sorrio em seus lábios e ele
suspira. Não posso me conter, ah, não agora. Aperto seu membro com
delicadeza, fazendo suas íris escurecerem.
Puta que pariu... é melhor do que eu pensava.
Nicholas agarra mais fios, tornando a mecha de cabelo maior, e os puxa
com força. Minha cabeça se inclina para trás, eu sinto o ardor. Sua boca
encosta em minha clavícula e sobe, pela lateral do meu pescoço. Ele mordisca
o lóbulo da minha orelha.
— Ah — acabo gemendo sem querer e mordo meu lábio, não posso
soltar mais sons assim. Não posso me entregar tão facilmente. Largo sua
calça, entendendo o recado.
Ele não quer que eu o toque ali, ainda não.
Nick me toma por completo. Seus lábios desenham uma trilha em meu
pescoço e minhas mãos relaxam, subindo ao seu rosto, agarrando seus fios
bagunçados. Ele larga a mecha do meu cabelo e desliza a mesma mão pela
minha espinha, me segurando, me aproximando.
E ele sussurra em meu ouvido.
— Você é deliciosa. — Daí, aperta a minha bunda. Thompson sabe que
a camiseta não é minha, sabe que acordei no lugar errado. Ele sabe disso, de
tudo isso, e eu me sinto incrivelmente imprópria ao seu lado.
Nicholas me empurra para sua cama macia, gosto dessa reação, caio
sentada na beira do colchão e ergo o olhar. Céus, ele parece mais delicioso
ainda. Thompson agarra a barra da própria camiseta e a tira. Sorrio de canto,
admirando a visão que tenho, cada detalhe, cacete, é perfeito. Sim, chega a
ser intimidador.
Me arrasto pelos cotovelos, levando-me ao centro da cama. Nicholas se
apoia no colchão e engatinha até mim, colocando o seu corpo sobre o meu.
Seus músculos, seu abdome, seu peitoral, tudo sobre mim. Ele encara as
minhas íris que provavelmente brilham.
Eu adoro uma boa obra de arte sexual.
E o menino respira fundo.
— Vai desistir? — questiono. Nick sorri e relaxa os bíceps, mas o
maxilar ainda está tenso. As veias em seus braços brilham, verdes e
aparentes.
Seus dedos fortes voltam a encostar em minha pele, Thompson enfia sua
mão sob a minha camiseta e desenha uma linha em minha barriga,
contornando meu umbigo. Por um momento ele agarra a beira da minha calça
jeans, mas nota meu sorriso ansioso, então sobe, lenta e deliciosamente.
Deixo a minha cabeça descansar, encosto-a na cama, sem olhar para o que o
garoto faz.
Nicholas não está calmo e paciente agora, ele aperta um dos meus seios
com firmeza, ainda por cima do sutiã. Me contorço. Nossas bocas se
encontram novamente.
Depois de conseguir o que desejo, estarei livre dos encantos de
Thompson, com toda certeza.
— Eu te quero, Alice — diz enquanto admira meus olhos e encosta seus
lábios na minha orelha. Mais uma mordida. Aquele calor e aquela maldade
que eu via em suas íris, se tornam encantadores.
Sei que não estou no controle, não mais. Ele tirou isso de mim quando
fechou a porta do seu quarto, quando me examinou dos pés à cabeça. E agora
eu me contorço sob seu corpo musculoso e perfeitamente construído.
Seus beijos voltam aos meus lábios e tão rápido quanto se despiu, faz o
mesmo comigo. Nicholas arranca a minha camiseta e eu o ajudo. Nada de
empecilhos. Nada de provocações irritantes. Meus cabelos se bagunçam
quando o tecido passa por eles e Thompson coloca uma mecha atrás da minha
orelha, por impulso. Ele toma um tempo para apenas admirar os meus seios,
enfiados numa peça apertada, quase pulando dela. Seus olhos brilham, eu
vejo todas as suas vontades. Nós dois desejamos o mesmo, procuramos pelo
prazer e vamos conseguir. Esse menino não têm o poder de me levar ao céu,
o seu paraíso é diferente, é vermelho e está em chamas.
Nicholas gosta do que vê, admira cada traço, cada parte e, então, volta a
me tomar, colocando-se sobre mim, beijando meu pescoço. O aperto entre as
minhas pernas e elevo o quadril, procurando por mais contato, mais
eletricidade. Eu quero sentir a sua ereção, eu quero sentir o que ele não pode
controlar. Finco minhas unhas em sua pele, arranhando suas costas, é
deliciosamente enlouquecedor. Thompson geme com rouquidão. Me sinto
satisfeita em saber que posso levá-lo para fora dos limites, o deixar duro,
necessitado.
Nicholas desliza seus dedos por entre meus seios e observa cada reação.
Seu toque percorre a minha barriga, dança ao redor do meu umbigo e sua
mão se enfia entre a minha calça e calcinha.
Me contorço ao ter seus dedos quentes percorrendo o meu clítoris, me
tirando o ar.
Ele sorri maliciosamente ao notar o quão molhada já estou, o quanto
realmente o quero, de uma maneira que não posso esconder. A humidade
entre as minhas pernas é real e incontrolável, não mando nessa parte do meu
corpo. E quando estou prestes a entrar num lugar proibido, a explodir em
tentação, uma voz suave ecoa pela casa, tão doce e inocente que faz a feição
do garoto mudar.
As chamas em seus olhos se apagam instantaneamente. Me sinto
irritada, contudo, me controlo.
— Droga — murmura e retira sua mão da minha intimidade. Seguro o
riso, é um tanto cômico. Dessa vez o mesmo destino que nos uniu, nos
interrompe.
— O que foi? — pergunto com meu sorriso carregado de luxúria.
— É a minha irmã mais nova. — E ela o chama pelos corredores, sua
voz infantil percorre a casa. Nicholas pula da cama e se veste
apressadamente. — É melhor colocar a camiseta, ela só tem cinco anos. —
Não está furioso, mas posso ver a sua ereção óbvia e a sua pele avermelhada.
Ele queria muito terminar o que começamos.
Logo o tecido de sua camiseta cobre o que apenas eu sei que causei. Ele
segue o meu olhar fixo em sua calça e rola os olhos.
— Alice! — chama, se ajeitando.
— Tudo bem — concordo, sorrindo. Agarro a camiseta verde e me enfio
nela. — Pelo menos vou conhecer outra Thompson.
— E essa é bem melhor que a Polly, pode ter certeza. — Os mesmos
dedos que antes percorriam os meios seios agora abrem a porta. Me preparo,
não sei se a menininha vai gostar de mim, não sei se ela vai ficar confusa.
Geralmente me dou bem com crianças e por algum motivo quero me dar
bem com essa.
— Grace! — ele chama e posso ouvir os passos rápidos. Me aproximo
da entrada do quarto e a vejo.
Alguns fios de cabelo estão presos por um laço branco, mas o resto
dança sobre seus ombros e são longos demais para uma garotinha, mas
combinam com seu rosto. O vestido é da mesma cor que suas íris, azul. Ela é
extremamente linda, um pequeno anjo. Seu corpo miúdo e baixo pula nos
braços de Nick e ele a ergue. As mãozinhas se apoiam nos ombros do garoto
e percebo a felicidade dos dois.
— Eu vi a sua moto — ela conta. Travo, suas íris são iguais as do irmão,
profundas, mas ao contrário das dele, são cheias de charme e pureza. — Oi
— diz, me encontrando. Seu sorriso amigável me desmonta.
— Oi — respondo suavemente.
— Essa é Alice — Nick apresenta. — E essa é Grace.
Sorrio mais uma vez. É nítido o amor que o menino sente pela garotinha,
eu posso ver o carinho e a amizade. É fofo, na verdade. A forma como ele
fala e me olha, mostra que quer a proteger do mundo.
Nos analisamos sem muita falação. A pequena desperta um lado bom e
calmo dele.
— Vocês namoram? — Grace quebra o silêncio e eu coro. Merda. Eu
coro no mesmo instante em que a pergunta começa a ecoar em meus
pensamentos.
— Não exatamente — Nicholas responde, me examinando. Engulo em
seco. — Alice é nova na cidade. Somos amigos.
— E ela estava no seu quarto? — Grace ri. Talvez conheça bem o irmão
e, talvez, saiba demais para uma criança de cinco anos.
— Sim, porque eu estava mostrando a casa — ele corrige, gaguejando
um pouco, envergonhado. — Não é Alice?
— Sim, seu irmão é muito receptivo — caçoo, mas Grace não se
importa, a menina ainda é nova para notar a maldade em nossos tons de voz.
Ela continua sorrindo e sendo simpática.
Nick a coloca no chão e ela ergue a cabeça, encontrando meus olhos. O
dom de observar os outros está no sangue.
— Bonita — diz, balançando dentro do vestido.
Rio baixo, com timidez. Crianças costumam ser sinceras, estou
lisonjeada.
— Muito — seu irmão concorda docemente, num suspiro, me
surpreendendo.
Fito-o com confusão, entretanto, me sinto explodir internamente. Ele me
admira, não há escuridão em seus olhos, não dessa vez, não enquanto Grace
nos acompanha.
Uma quietude surge. É constrangedor, mas nossos olhares conversam.
Achei que ao beijá-lo pela primeira vez me livraria do seu poder, da sua
temperatura. Mas não. Me sinto presa a Nicholas, sem forças e sem vontade
de escapar. Não bastou um beijo e um toque, eu ainda tenho sentimentos
desconhecidos dentro de mim e os temo de certa forma. Eles me fazem
considerar um final triste, porque não nos conhecemos e não somos perfeitos,
temos nossos problemas, é visível.
Então, fico séria e ele nota.
Merda de silêncio que nos faz pensar em coisas desnecessárias em
momentos inoportunos.
— Grace, vamos nos atrasar para o piquenique. — Ecoa pela casa. Uma
mulher chama a garotinha, não posso vê-la, mas sei que espera no primeiro
andar. E essa voz basta para nos tirar do transe. A minha consciência se cala,
me volto à Grace.
— Piquenique? — pergunto, tentando matar a estranheza que dominou o
clima. O ar foge de meus pulmões como se fôssemos inimigos e eu sinto meu
coração apertado.
Droga. Nada disso serviu para me satisfazer. Agora tudo que sei é que
quero mais, o quero completamente, e isso me irrita.
— Sim, no parque — responde, ainda dançando dentro vestido. Seu
corpo balança de um lado para o outro.
— É melhor ir ou vai se atrasar, eu volto outro dia pra conversarmos —
Nicholas explica e Grace faz um biquinho, daí, assente sem teimosia. Nunca
conheci uma criança tão obediente.
Ela sai correndo até a escadaria, mas para antes de pisar no primeiro
degrau.
— Tchau, Alice! — exclama e assim que eu sorrio em sua direção, a
menininha desaparece.
Quando volto a olhar Nicholas, ele já me observa, mas dessa vez sem
desejos impróprios. O que estávamos fazendo antes da pequena aparecer fora
apagado de nossas memórias. Há algo de diferente em seus olhos e ele sorri.
— Ela é esperta. Afinal, somos o quê? — pergunto seriamente.
— Acho que podemos nos considerar amigos.
— Amigos — concordo, mas com certeza essa não é a palavra
adequada.
Nick se aproxima, pronto para corrigir o que disse, pronto para deixar de
ser só um amigo, mas o contenho. Apoio as duas mãos em seu peitoral e o
impeço de grudar seu corpo ao meu.
— Eu preciso de ar — confesso. Meus pulmões estão prestes a explodir,
eu estou queimando de uma forma inexplicável. Nicholas não tem noção da
confusão que se passa em minha mente, e é tudo por sua causa. Ele conseguiu
me fazer mergulhar em caos, logo eu, que já acreditava estar acostumada com
a sensação.
— Isso é bom ou ruim? — pergunta enquanto retira minhas mãos do seu
peitoral.
— Eu não sei.
E realmente não faço ideia. A racionalidade se misturou a sensibilidade.
Eu não consigo colocar as ideias no lugar, não quando o cheiro de menta se
espalha ao nosso redor, não quando suas íris escurecem repentinamente.
O que estou fazendo, afinal? Sendo uma irresponsável, como sempre?
Repetindo os mesmos erros do passado?
— Você não pode ter tudo que quer, quando quer, Thompson — conto,
sem sorrir novamente. Ele percebe a minha mudança de humor.
— E por que não? — Me pressiona contra a parede. O fito sem saber a
resposta, porém sei que há uma.
Estou certa de que nesse momento preciso de ar. É a única coisa que
importa.
— Te vejo amanhã, Nicholas — sussurro em seus lábios e não o deixo
me beijar. Não dessa vez. O afasto com delicadeza e me retiro com pressa.
Eu vou andar e sentir o calor, mas não o de seu corpo. Eu vou percorrer
as ruas isoladas e silenciosas até conseguir uma resposta para a minha
personalidade irritante e para as suas perguntas confusas.
Eu vou entender o que realmente quero, mesmo sabendo que o quero.

Vejo a fraternidade à minha frente e eu sei que o meu pulmão se


recuperou do choque. O céu cinza parece ter acompanhado o meu humor,
parece ter mudado assim como nós dois. Da água ao vinho, ou o contrário.
Perdemos o nosso sabor, por minha causa, por conta dos meus fantasmas,
paranoias e vozes internas. Elas gritaram e me avisaram, errado, seria
completamente errado continuar.
Abro a porta sabendo que tal lugar não é tão melhor que a mansão dos
Thompson. Chris Vender mora aqui e ela me odeia. Entro sem pensar muito
em suas críticas e em sua inveja aparente. Na verdade, não consigo acreditar
que alguém tenha inveja de mim, se ao menos soubesse quem realmente sou
ela estaria aliviada. Mas Chris não conhece o meu passado nem o meu
presente. Ela vê o que a deixo ver e não gosta dessa versão.
— Olha quem chegou. — Tinha que ser, a mesma, a única que assombra
as minhas manhãs. Christina sorri quando me torno à ela e dou alguns passos
em direção à sala onde está.
— Não achei que se preocupasse tanto comigo — provoco e seus olhos
perdem o encanto, me examinam com desdém.
A sua amiga nos observa confusa, sem entender a discussão entrelinhas.
Me forço a lembrar de seu nome, loura, animada, amigável e falsamente
sorridente.
— O que está acontecendo? — Toma coragem para perguntar. Madison!
Sim, esse é o seu nome. Ela me olha e depois faz o mesmo com a Vender.
— Está bonita, onde vai? — Mudo de assunto. Madison está enfiada
num vestido azul claro e saltos brilham em seus pés. É demais para um dia de
semana comum.
— Encontrar meu namorado! — exclama e, em seguida, uma buzina soa
do lado de fora. — Tenho que ir, meu táxi chegou. Volto mais tarde.
Nem dizemos tchau, a loura sai toda saltitante. Assim que me vejo
sozinha com o veneno de Christina, volto a caminhar até meu quarto para
encontrar a doçura de Andressa.
— Alice, não quer saber quem é o namorado dela? — questiona, me
fazendo suspirar de tédio. Me volto à Vender, sem paciência.
Estou exausta.
— Por que isso importa? Nem somos amigas...
— Porque o nome dele é Nicholas Thompson — solta e sorri com
maldade.
Ela sabe, ela nos viu. E agora ela estraga tudo que Nick me causou.
Uma namorada.
Congelo no mesmo instante, sinto a minha temperatura cair. Meu
estômago revira intensamente. Ela disse o mesmo nome que percorre os meus
pensamentos noturnos, ela disse Nicholas Thompson.
Eu sabia que havia algo de errado, algo nos separando. Algo que
mandou eu me afastar, como um anjinho sentado em meu ombro, sussurrando
conselhos em meu ouvido.
09

RED HELL
"Menino, dinheiro na sua boca.
Você está cercado por modelos
abrindo garrafas para você."
Akine | Money in Your Mouth

NICHOLAS THOMPSON
RED HELL, WISTON HILL.

Apoio minhas mãos no balcão, procurando pelo homem. Ele não está,
talvez não trabalhe nessa noite. O Red Hell brilha ao meu redor, suas luzes
neon em tons de vermelho me atacam a vista. Meninas em roupas curtas
dançam em palcos pequenos e outras, que não são pagas, se movimentam no
meio da boate. As pessoas bebem, conversam e flertam intensamente.
— Docinho — uma mulher, talvez cinco anos mais velha e usando um
vestido preto e elegante, diz em minha direção. Eu a conheço como Roxy,
mas nunca perguntei se esse é seu nome verdadeiro. — Posso te servir a
mesma coisa de sempre?
Ela desistiu de tentar me levar pra cama há muito tempo. Em algumas
noites volta a insistir, mas nunca consegue algo a mais. Dessa vez, Roxy
apenas tenta ser simpática, já a vi fora do Red Hell para saber que seu tom
amigável e sensual é real. Ela trata todos assim, homens e mulheres, em
qualquer lugar.
— Na verdade, Roxy, eu quero falar com o Thomas — peço com
gentileza. Ele me conhece bem, sabe que, às vezes, eu escondo algumas
coisas. E nessa noite eu escondo o caos que Alice causou em minha mente.
— Bom, ele não está — continua, o tom leve e doce.
Roxy deve ter uns vinte seis anos, mas ela vive nesse lugar desde os
vinte. A mulher se afasta um pouco, pois outro cliente, um bêbado demais, se
joga sobre o balcão implorando por uma bebida. O Red Hell não pede por
identidade, não se importa com a sua idade, a menos que você seja um dos
adolescentes que causam problemas.
Sou a exceção. Minha mãe trabalhou nesse lugar por meses, como
bartender. Nunca pude realmente ouvir as histórias, Polly fez de tudo para
apagar o passado de Pumpkin e até tentou a transformar numa garota da alta
sociedade. Claro que não funcionou, porque minha mãe sumiu no meio da
noite, quando Grace ainda tinha uns dois anos.
Algo de muito errado deve ter acontecido e eu não estava em casa
naquela noite. Nunca mais a vi, só em fotos que escondo de todos. Sei que
Pumpkin jamais deixaria sua filha ainda bebê para trás e não consegui
descobrir o que aconteceu na mansão Thompson.
É um segredo, nem eu tenho acesso a ele, mas Wine — minha outra
irmã, hoje com vinte anos — tinha suas teorias. Acontece que ela também
desapareceu. Logo em seguida, meu pai decidiu abandonar de vez o resto que
tinha, ele se mudou para a Inglaterra e Polly nos criou.
Me culpei por tudo, mas também o culpei por tudo. Damon nem ao
menos tentou descobrir a verdade. Ele concordou, assentiu e partiu.
— Como eu dizia — continua, voltando à minha frente, separados por
um balcão limpo e de vidro, iluminado por uma luz fraca e alaranjada —,
Thomas não está. Posso te servir enquanto isso.
Conheço Thomas desde pequeno, ele cresceu em Wiston. Seu pai tinha
dinheiro, mas escolheu ficar longe de algumas pessoas. A herança dele fora a
casa noturna e Tommy conhecia Pumpkin, ela o adorava e adorava seu pai,
eram próximos.
— Certo, Roxy. Obrigado. — Sorrio e me sento num banco
desconfortável. — Aceito rum.
— Claro, docinho. — Ela agarra uma garrafa qualquer depois de me
analisar por alguns instantes. A bartender finalmente me serve e, com sua
postura intacta e seu jeito suave, desliza o copo sobre o balcão, derramando
um pouco da bebida. — Eu posso notar, Nicholas, que há algo em sua mente.
O que foi, menino?
Eu rio ao ouvir como se dirige a mim. Não é tão velha, mas me trata de
uma forma diferente. Chega a ser como uma mãe às vezes, para muitos dos
bêbados, compreensiva e ouvinte.
— Você tem o que, vinte e cinco? Não precisa me tratar como um filho,
Roxy — peço. Ela sorri e ajeita os fios avermelhados sobre os ombros.
— Perguntando a idade de uma dama, Nicholas? Que errado —
debocha. — Será nosso segredinho, eu tenho trinta.
Muito errado. Ela ainda é nova, mas não tanto quanto eu pensava.
— E seu nome é Roxy? — Sorrio, levando o copo à boca.

A mulher cruza os braços, faz — e desfaz em seguida — um biquinho


atraente. Ela é muito bonita, sua pele é cheia de sardas e seus lábios não usam
batom, eles brilham sem cor alguma. A sua cintura é definida e fina, a
fazendo parecer uma boneca, com o corpo superficialmente perfeito.
Eu acho diferente. Todos temos algo que nos torna diferentes e
chamativos de uma maneira própria e nela, com certeza, é a cintura.
— Docinho, você quer saber demais. Isso eu não vou responder. —
Nega com a cabeça e volta a se apoiar no balcão. Seus olhos encontram os
meus, mas a mulher mantém um distância agradável. — O que tem em
mente?
— Quem eu tenho em mente soaria melhor — confesso.
A mesma lei de Las Vegas se aplica a casa noturna de Wiston, o que
acontece na Red Hell, fica na Red Hell. Ninguém espalha os segredos soltos
aqui, mas Thomas Jackson conhece todos eles.
— Uma garota fez isso com você? — Pela forma que ela enfatiza a
frase, sinto que pareço horrível, ou Roxy é realmente boa em ler as pessoas.
— Isso me soa como um ofensa.
— Você não sabe mesmo, não é? — Franzo o cenho, confuso. — Até o
pior demônio tem uma garota para o domar. — Roxy sorri de uma maneira
maliciosa, como se entendesse bem do que está falando. — E essa também
pode quebrar seu coração, bom, ela pode fazer o que quiser com ele.
E sim, essa é Alice Wonders, mas não estou pronto para admitir. Ela
pode fazer o que quiser comigo e descobri isso nessa tarde, quando suas mãos
grudaram em meu corpo enquanto eu pilotava a moto e depois, quando seus
dedos apertaram a minha pele, deixando marcas.
Ela apareceu com seu sorriso bobo e seus lábios vermelhos, não
precisou de muito, era como se tivéssemos sido feitos um para o outro.
É estranho e bom.
— Você pode estar certa mais uma vez, Roxy — respondo, entregando-
lhe um olhar que claramente a faz estremecer.
— Não me encare assim garoto. Eu sei que você entende o poder que
tem — morde o lábio —, mas já tentei muitas vezes te levar pra cama e nunca
consegui.
Eu rio com sutileza. Roxy é o tipo de pessoa sem pudores, ela é
extremamente sincera e paciente.
— Você é um doce, menina.
— Você também, docinho. — A mulher nos serve uma dose maior de
rum e me acompanha. Viramos as bebidas juntos. — Agora me diz, essa
menina tem nome?
Balanço a cabeça enquanto o álcool queima a minha garganta.
— Ainda não quero falar sobre ela.
— Tudo bem, não se acostumou com a ideia de ter alguém controlando
seus pensamentos. — De novo ela me lê. Tiro os olhos dos seus e foco na
prateleira com luzes neon atrás de seu corpo, toda de madeira, cheia de
bebidas fortes. — É bom que essa garota saiba como usar esse dom,
Nicholas.
— Eu também acho — sussurro baixo, tornando minhas palavras
impossíveis de serem ouvidas. Roxy percebe o meu devaneio, leio cada nome
de cada marca de uísque apenas para tirar Alice da minha mente.
Com o fim da conversa, a mulher se afasta.
Alice Wonders é diferente, quero muito tentar entender o seu jeito
peculiar, mesmo tendo de quebrar regras importantes. Por algum motivo, eu
me sinto cometendo um erro delicioso cada vez que penso em seus lábios,
cada vez que lembro do seu corpo. É como se eu soubesse desde o início que
não podemos, mas vamos. Eu vejo isso quando mergulho em suas íris
brilhantes.
— Nicholas Thompson. — Soa atrás de mim. Me viro com calma e
encontro Thomas Jackson se aproximando. Ele se apoia no balcão ao meu
lado e me fita com curiosidade. — O que foi?
— Eu não posso beber no Red Hell? — brinco e tomo um gole.
— Pode, claro que pode. Mas pela sua cara, sei que há algo de errado.
— Não há... — minto e sorrio, fingindo não estar pensando naquela
menina. Tommy suspira e me observa com cautela.
— Alice Wonders, não? — Quase engasgo com o rum, mas disfarço
bem. — Eu a conheço e fiquei sabendo que ela te conhece.
O olho com confusão, Thomas sorri de canto. Ele têm respostas em sua
expressão, ele sabe de coisas.
— Você a conhece?
— Posso dizer que sim — fala, sem me olhar. Seu corpo se inclina sobre
o balcão e seus olhos fitam as bebidas que enfeitam as prateleiras. — Você
conhece a maior parte das meninas dessa cidade e nenhuma te deixou com
essa cara. Nunca. Só podia ser a novata.
— Que cara? Você me pegou de surpresa — brinco.
— Se eu tivesse mencionado qualquer outra garota, não teria sido uma
surpresa. — Dessa vez, ele ri.
Pigarreio, tentando disfarçar o que sinto. Não gosto de ser transparente,
nem que os outros me leiam.
— E como você a conheceu? — pergunto com certa indiferença, mesmo
estando muito interessado. Quero mudar de assunto, mas não consigo.
— Ela já veio no Red Hell e a vi no Heaven.
— Vocês conversaram? — O encaro, preciso saber das coisas que ele
sabe. Ela contou algo a Tommy? Quem é Alice Wonders quando não estou a
olhando?
— Sim, bastante. — Thomas bufa baixo e se vira para mim, sentando-se
num banco. — Ela é complicada.
— Me conte uma novidade.
— Então, você realmente a conhece. — Ri.
— Não o suficiente. — O resto da bebida não me chama mais atenção,
porém não sei se conseguirei terminar essa conversa sóbrio. Engulo o álcool
sem pensar duas vezes. — Porque ela é complicada.
— E você também é.
— Eu sei disso — rosno por entre os dentes. Todos sabem disso. — Mas
não estou falando desse tipo de problema. Ela é diferente, não sei explicar.
Thomas me encara, parece indignado. Eu entendo, nunca comentei isso
sobre uma garota, nem mesmo Madison com quem namorei por muito tempo,
entre idas e vindas, términos e brigas.
— Diferente como? — Seus olhos castanhos me analisam e julgam.
Limpo a garganta e evito o olhar de volta.
— Eu não sei, mas quero descobrir. Quero muito. Eu só não consigo
controlar a minha curiosidade, não dessa vez.
O menino ri, caçoando. Devo parecer exagerado. Mal conheço Alice e
nem tenho motivos para querer me aproximar. Eu sei que, talvez, esteja
prestes a cometer um erro, igual a todos os homens da minha família — isso,
na visão da Polly, claro — e a menina não merece todas as merdas que a
esperam em Wiston Hill. Mesmo assim, Alice ainda é a única coisa em que
penso desde o quase beijo.
— Você sabe que não vou te mandar ficar longe dela.
É impossível evitar sorrir ao ouvir essas palavras. Apesar de tudo que
passamos, Tommy ainda é o único que não dá a mínima para as vontades
de Polly Thompson.
— Eu sei disso — murmuro e Roxy se aproxima segurando uma garrafa,
ela enche o copo do garoto com calma, nos olhando com curiosidade. A
mulher ouviu o nome Alice Wonders e seu sorrisinho cínico esconde algo.
— Parece bem melhor, docinho — diz, alternando o olhar entre nós. —
Espero que essa Alice te mereça.
Pisco para ela, que se cala no mesmo momento. Roxy se afasta enquanto
Thomas a queima com o olhar. As luzes vermelhas nos rodeiam, a música
está mais alta que antes, bêbados já se divertem na boate, mexendo seus
corpos. Me viro no assento, apoiando as costas no balcão e fitando-os. A Red
Hell é completamente deliciosa, um lugar incrível. Eu realmente gosto de
estar sentado num banco qualquer, olhando pessoas aleatórias e imaginando
as palavras de Polly. Ela odiaria me ver aqui.
Thomas não estica o assunto, não fala o nome dela. Apenas mantém o
silêncio agradável, sem palavras de conforto, sem reprovações. Eu posso lidar
com o desejo chamado Alice Wonders sozinho.
Ainda me lembro de enfiar a mão em sua calça, de sentir seu clitóris, sua
pele lisa, o quão molhada estava. Alice me quer.
Quando penso em perguntar a ele sobre como se conheceram, o telefone
toca, vibrando no bolso da minha jaqueta, me tirando dos devaneios
perversos. Agarro o celular e atendo ao ler o nome na tela.
— O que foi? — questiono de cara. Eu já o conheço, sei que algo de
errado está acontecendo. Jack suspira, posso ouvir.
— Nicholas eu odeio os problemas que você causa — reclama. — Eu
tentei mandar a Maddy embora, mas ela não desiste. Ela quer ver o namorado
dela.
Eu disse, insistente.
— Que porra... — murmuro enquanto Tommy me encara com
curiosidade. — Eu não sou mais o namorado dela.
— Isso não me interessa — diz baixo. — Eu preciso sair, não posso
deixar essa menina aqui no nosso quarto.
— O que a Maddy quer? — Eu sabia que terminar com a loura seria
impossível.
— Não sei, mas 'tá enfiada num vestido bonito. Ela quer você, Nicholas,
e eu quero sair.
Rio baixinho, o desespero de Jack é notável. Ele vai se encontrar com a
Hannah e não consegue esperar um pouco, não quando precisa ver a menina
de cabelos azuis.
— Eu estou indo, Jack.
— Só vem logo.
Não tenho ideia do que dizer a Maddy.
Quando aperto em desligar, sabendo que Jack está se controlando para
não jogar algumas verdades na cara da loura, encontro os olhos escuros de
Thomas. Ele me julga em seus pensamentos.
— Ela gosta de você.
— Ela não entende que terminamos — sussurro. — E não entende que
não a amo.
— E ela já conhece a novata?
Madison não faz ideia, nem imagina que enquanto tenta me
reconquistar, já estou mergulhando em olhos azuis e misteriosos. Ela não
pode saber, não deve saber. Não agora.
— É melhor arrumar essa bagunça antes de entrar em outra, Nick.
Assinto. Eu entendo o que quer dizer, odeio coisas inacabadas. Mesmo
assim, me sinto enfiado numa confusão infinita.

Quando entro no quarto sinto o cheiro forte de pêssego. Nada além


disso. É como se o aroma de Madison tivesse tomado conta da minha mente e
Jack não está aqui para me ajudar. Ele não ficou, não esperou, mesmo
sabendo que eu preciso de alguém para me dizer o que é certo e errado.
Seus olhos cor de mel me encontram e um sorriso lindo surge em sua
face pálida.
— Eu estava te esperando.
— Não lembro de termos combinado um... — Nem termino, Maddy se
levanta e anda na minha direção, me sufocando com o cheiro doce, me
extraindo suspiros. Tento segurar a respiração, não consigo. Meu estômago
revira algumas vezes e quando as suas mãos se apoiam em meu abdome, eu
sinto a cabeça girar.
— Não combinamos, mas quis fazer uma surpresa. — Seus dedos frios
agarram na minha camiseta, seus lábios rosados e brilhantes se aproximam.
Maddy gosta disso, ela sabe que sempre volto para os seus braços,
mesmo dizendo que não a amo.
— Maddy, nós já conversamos!
— Não! — Seu dedo indicador toca em meus lábios, tapando-os. —
Você conversou sobre isso.
Dou risada enquanto seguro em seu pulso, tirando sua mão de perto do
meu rosto, tentando a fazer cair em si e tentando me fazer ter bom senso.
— Isso nem faz sentido — reclamo e mordo o lábio. Ela é linda,
cheirosa e perfeita.
Ninguém entenderia, mas o que temos é complicado. Eu gosto da sua
pele macia e da sua pseudo inocência, mas Madison não é tão angelical
assim, não quando faz o que quer. E agora ela me faz a querer. Isso piora as
coisas, porque no fim das contas vou escolher ficar por vontade própria.
— Faz sim, vem comigo. — Agarra a ponta dos meus dedos e me
arrasta até a cama. Eu me sento. Maddy se coloca entre as minhas pernas e
desce lentamente a alça do vestido, deixando todo seu corpo à mostra.
O tecido desliza, passa pela sua cintura, quadril, e cai no chão. A analiso
da cabeça aos pés. Seus seios redondos e mamilos rosados me chamam. A
loura me empurra e rasteja para cima de mim, sinto o colchão macio atrás da
minha cabeça, seus fios de cabelo irritam meu rosto. Madison se apoia em
meus ombros enquanto junta nossos lábios.
Eu a quero. Droga. Eu ainda a quero.
E dessa vez eu sei, preciso encontrar um fim para muitas coisas.
10

VÍCIO
"Há glitter em seus dedos
e toda vez que está com ela
você está pensando na minha figura.
E agora você está chegando mais perto,
e querido, eu mal te conheço."
Nic Nim | Silver

NICHOLAS THOMPSON

Eu sei, antes mesmo de abrir os olhos, que fiz a mesma coisa de sempre.
Estou numa cama pequena ao lado de Madison Foxx. Então, quando
finalmente encaro o teto branco e sinto sua pele ao meu lado, presa ao suor
resultante do calor californiano, eu tenho certeza, eu não sei fazer o certo.
Hannah estava com toda a razão, principalmente porque ainda penso
em Alice Wonders. Eu penso na novata quando Maddy está ao meu lado e
tenho a consciência de que a loura vai culpá-la por tudo, em especial pela
nossa separação mesmo que, na verdade, eu ainda não tivesse me
aprofundando nas íris azuis dela. Eu fiz uma escolha bem antes de Wonders
chegar em Wiston Hill.
— Droga... — murmuro. Os arrependimentos, ah sim, eles me matam.
Eu tinha prometido, eu disse que ia parar.
Eu não faço ideia, parece que a memória partiu, não sei como deixei a
nossa relação chegar à esse nível. Madison estava certa quando disse que sou
igual ao meu pai e estava certa quando falou do momento em que nos
aproximamos. Ela precisava de alguém e eu precisava de algo, tudo
desmoronava lentamente em Wiston Hill e talvez eu tenha encontrado uma
saída em seus lábios.
Mas nunca a amei, nunca mesmo, não como deveria. Eu gosto dela e me
preocupo, mas fomos criados juntos em caminhos opostos, com gostos
opostos. Maddy é perfeita e sofre com isso, ela sofre tentando não errar. Já
eu, amo um bom caos. Ela me mantém numa estabilidade que agora odeio. A
culpa não é da loura, nunca foi. Sempre fomos amigos, de certa forma, desde
que nos conhecemos numa festa na casa da Polly. E isso é o máximo que
podemos ser.
Contudo, ela ainda fica perdida no meu mundo, ela ainda está apegada a
algo, ela ainda chora por minha causa. É isso que eu faço e é isso que temo
fazer.
— Bom dia — murmura, percebendo que já estou acordado. Não a olho,
não posso. Fico analisando o teto branco, pensando em como consigo ser tão
manipulador, mesmo quando não quero. — Tudo bem?
— Por que fizemos isso, Maddy? — sussurro e levo as mãos ao meu
rosto, cobrindo meus olhos.
Nós dois estamos errando. Eu tento, ela me impede. Ela tenta, eu não a
deixo. Estamos usando um ao outro. Precisamos de um fim, afinal, como já
disse, odeio coisas inacabadas. E Tommy me avisou, preciso ajeitar um caos
antes de me enfiar noutro.
— O quê? — Sai docemente por entre seus lábios enquanto ela se coloca
em cima de mim, descobrindo os meus olhos. — Nick, eu não vou desistir de
você.
Insistência. Ela quer se machucar, só pode.
— Eu tentei deixar claro, Maddy. — A empurro com lentidão e tiro seu
corpo de cima do meu, colocando-o no colchão. Ela se deita e me fita. —
Acabamos.
Evito encarar seus olhos, pois sei que sentirei toda sua angústia.
Madison não gosta de ouvir um não. De qualquer forma, não posso me
prender a isso, não mais.
— Eu não entendo — comenta baixo, confusa e tristonha.
— Isso virou uma dependência emocional, Madison. Não faz bem pra
nenhum de nós, merda — reclamo, sem paciência. — Você sabe que tem que
se cuidar, eu só quero que fique bem. Acabou, Maddy.
— O nosso relacionamento não tem nada a ver com o meu problema.
Eu me calo.
A última coisa que quero fazer é iniciar uma discussão. Ela só precisava
me entender. Madison só precisava aceitar o fim, ela deve aceitar que
acabamos. Eu não quero a machucar.
Mesmo tendo todas as palavras em mente, sabendo exatamente como
explicar a ela, não consigo. A loura tem suas próprias questões para resolver
e não pode depender de mim para isso. Não pode basear a sua estabilidade
em nosso relacionamento, porque ele não existe mais.
A porta se abre e nos surpreende, Maddy se enfia sob os lençóis com
rapidez quando a garota de cabelos azuis entra, acompanhada de Jack. Já me
preparo para todas as frases prontas e olhares carregados de julgamentos.
Ele conversam, riem e, assim que nos encontram, se calam.
— Nicholas — Hannah diz, ela não cora, mas desvia o olhar. Eu estou
sem roupas, coberto apenas pelo lençol branco, assim como Madison. —
Achei que tivesse aula.
— É. Eu tenho — respondo sem timidez, me cobrindo um pouco mais.
Jack não parece tão calmo assim, na verdade está me encarando desde
que entrou, sei que deve estar me xingando em seus pensamentos e tem
razão.
— Madison, você não ia embora? — ele questiona, me examinando.
Olhos nos olhos, apesar da distância.
— Eu fiquei esperando pelo Nick e...
— Nota-se — Hannah a interrompe secamente.
Não sei quem está furioso com quem, mas sei que fiz todos acreditarem
que a minha história com a Foxx havia terminado e agora, ela está sem
roupas ao meu lado.
Completamente irresponsável.
O silêncio toma conta do quarto enquanto Jack joga sua jaqueta jeans
sobre a cama. Hannah ainda evita nos analisar e eu sinto um incômodo agudo
na espinha, um arrepio, porque sei que estou piorando as coisas.
— Madison acho melhor você ir — peço. Ela me encara com incerteza,
quer terminar a conversa que já concluímos muitas vezes. — A gente pode
discutir isso depois, está bem?
A loura concorda. Jack sai antes mesmo de eu pedir e puxa Hannah pela
mão. A porta se fecha depressa.
— Parece que todo mundo têm algo em mente — Maddy diz ao se
levantar. Vejo seu corpo nu, perfeito, pálido e com veias aparentes. Ela se
enfia no vestido azul.
— Eles estão pensando na mesma coisa que eu estou pensando. — Seus
olhos parecem perdidos, a menina não quer encarar as minhas íris. Maddy
apenas se veste e ajeita os fios bagunçados. — Madison, nós terminamos e
não podemos ficar fazendo isso.
Um riso de deboche surge, eu estremeço. Agora ela não parece tão
angelical. A raiva brilha em sua expressão.
— Ontem você mudou de ideia, não? — Me olha finalmente, esperando
por uma resposta.
— Você sabe que é errado.
— Então por que ainda me deixa fazer isso?
— Porque eu sou inconsequente, e você também é responsável. Mas já
chega, Madison, eu não vou mais te procurar pra transar e espero que não me
procure também. — Tento ser gentil, entretanto, as palavras saem de forma
áspera.
— Nunca?
— Você entendeu.
— Isso não resolve muita coisa. Você ainda vai me querer, só estará
longe. — Seu corpo se torna à mim, seus lábios ganham cor e seus dedos não
me tocam, não dessa vez.
— Pode ser, mas vou superar. — Até porque, eu não a quero, eu só
quero alguém.
— Espero que supere, Nicholas.
É a última coisa que ouço, com pouca doçura, então, ela e o cheiro de
pêssego partem. Madison passa pela porta e eu sinto uma certa tristeza. Fui
paciente, tentei ser delicado, mas parece que de nada adiantou. Eu a conheço,
Madison Foxx é insistente demais para aceitar o nosso final e admitir que
nunca deu certo.
Assim que os fios louros somem, o casal reaparece.
— Certo, Nicholas — Jack já me reprova e, atrás dele, encontro as
mechas azuis.
Ele se joga no outro colchão e bufa.
Hannah fecha a porta, tenho certeza de que quer ir embora, ela não gosta
de presenciar as nossas discussões.
— Eu já sei o que vai dizer, Jack.
— Não, não sabe. — O garoto encara as próprias mãos. A sua postura
tensa deixa claro o que está sentindo. — Você me falou que terminaram.
— Eu sei. Terminamos, mas a Madison...
— Nada disso — a menina exclama —, não vai colocar a culpa nela.
Você também quis. — Sorri de nervoso, me encarando sem pudores. Hannah
não se incomoda com a minha quase nudez.
— Eu te liguei e você disse que ia conversar com ela — ele continua.
— E eu tentei, mas as coisas foram acontecendo — respondo, jogando
as pernas para fora, segurando o tecido sobre as minhas partes.
— Foda-se — Jack diz, grosseiramente. — Você é responsável por essa
merda e não me interessa se ela é insistente. Deveria ser mais claro.
— Eu já fui bem claro — rosno, baixo demais.
— Olha — Hannah se intromete, ela sabe quando e como se colocar
entre nós —, você está se machucando e machucando a loura. Sabe disso.
— Ela também sabe, mas parece que não vai desistir tão fácil — explico
fitando suas íris amigáveis.
— E quanto a Alice Wonders? — O menino joga no meio da conversa,
como se isso fosse importante agora, como se eu precisasse de alguém para
me lembrar da sua existência.
Alice ainda é uma desconhecida. Não temos nada.
— O que tem ela? — A garota responde e se senta no colchão macio e
limpo. Hannah cruza as pernas e espera.
— Nada — digo.
— Bom, da última vez em que falamos da novata, Nicholas quase
babou. Eu sei que ele a conhece. — Sempre está certo, Jack sabe dos meus
segredos.
Hannah coloca uma mecha atrás da orelha, me encara e questiona:
— Então?
— Eu não sei — respondo.
Eles querem saber se temos algo e querem saber se amo a Madison.
São muitas perguntas disfarçadas.
— Ele nunca sabe! — Jack se exalta, mas logo respira fundo. — Cara,
isso é ridículo, você precisa encontrar uma resposta. Ninguém merece ficar
preso no meio dos seus problemas, muito menos Alice Wonders.
— Ela não vai ficar. Nem nos conhecemos direito — conto, me
forçando a crer no que sai da minha boca. — Eu não tenho nada com a Alice.
Os dois se olham e fingem acreditar em mim.
Apesar de tudo, Jack está certo, muito certo. Depois do que fizemos na
tarde de ontem, depois de tocar no corpo da Wonders, a última coisa que
quero é a machucar, mas ainda não sei o que realmente desejo ter com a
menina.
Quanto a Madison, já está claro e ela sabe: não há nada.
— Vai se atrasar pra aula — Hannah brinca e agarra uma almofada
qualquer, jogando-a na minha direção.
Bufo. Quero muito ver aqueles olhos azuis e aqueles lábios vermelhos.

Eu entro na sala alguns minutos antes do professor. Quando a porta se


fecha atrás de mim, a primeira coisa que faço é procurar pelos fios escuros e
corpo escultural, mas não a encontro. Talvez esteja atrasada, talvez esteja
acordando num lugar errado.
De qualquer forma, eu não me importo com seus erros e noites perdidas,
eu só quero poder a analisar durante horas intermináveis, eu quero a tocar.
Descobri que observar a garota pode ser uma atividade deliciosa,
principalmente quando ela não nota.
Mas Alice não aparece, mesmo depois do professor iniciar a falação.
Chris Vender me fita como se estivesse no seu melhor dia. Quem sabe,
ela tenha algo a ver com isso tudo, com esse sumiço. Há uma curiosidade
crescente em mim, fico pensando no que pode ter acontecido, até considero
sair da sala e procurar pela menina, mas me controlo. Wonders é
imprevisível, ela é livre e eu não me atreveria a tirar isso dela. Alice não é,
nem nunca será, minha.
Depois de muito tempo, depois de sorrisos maliciosos de Christina em
minha direção e depois de todo o silêncio, eu noto: ela não vem. Alice
Wonders não aparecerá nessa manhã. Eu preciso do seu aroma e das suas
respostas irônicas, a sua presença me diverte e aquece de tal forma que não
sei lidar. Mas ela não sabe disso.
Talvez nem eu saiba, não realmente.

Quando saio do prédio, já cansado de tanto pensar em seu toque e seus


lábios, percebo o que está acontecendo comigo. Essa é a primeira vez que
começo a analisar a verdade, eu estou completamente domado. Isso me irrita
de certa forma, me faz sentir fraco. Eu a quero muito e nem a conheço, e eu
penso em sua pele toda vez que fecho os olhos. Talvez seja só um desejo,
quem sabe?
Alice me cativou, já entendo bem esse efeito, está na minha história, na
minha família. É terrivelmente bom, mesmo assim, não quero ver seus olhos
sempre que me deitar para dormir.
Eu não posso.
Tento deixar essas coisas de lado pelo menos por uma noite, por um fim
de tarde, mas toda vez em que vejo o céu azul, cada vez mais escuro, me
lembro das suas mãos em meu corpo enquanto aquela moto andava pelas ruas
dessa cidade de merda.
E o Red Hell já brilha à minha frente. Mais uma noite de fraquezas,
bebidas e mulheres bonitas. Abro a porta conhecendo o caminho, as pessoas e
as luzes. Tudo me é familiar. E por mais um fim de tarde estou enfiado numa
boate, sozinho, tentando me livrar de velhos hábitos para assim poder me
enfiar em novos.
— De novo? — Thomas questiona, posicionado atrás do balcão, como
de costume. Dessa vez não vejo Roxy, ela não está presente para me tirar da
minha angústia. — Precisa parar.
Bufo e apoio as mãos sobre a plataforma de vidro, me sentando num
banco pequeno.
— Eu só preciso de um tempo — reclamo, como de costume. — Sem
conversas.
— Claro — Tommy me conhece bem, então se afasta. É por isto que
venho ao Red Hell: a paz, a falta de perguntas, nenhum olhar em minha
direção.
Nada vai limpar todos os erros que cometi hoje e antes. Eu dormi com a
Madison quando prometi desaparecer da sua vida e provavelmente farei o
mesmo amanhã, acordarei em sua cama.
Ela não merece tudo isso. E eu também não.
Viro uma, duas, três doses seguidas, sem pausas, sem vozes da
consciência. Eu quero me perder em pensamentos incontroláveis, ao mesmo
tempo, quero esquecer tudo. Eu quero a apagar do meu corpo. Devo ficar
longe da Wonders, mas não consigo. É impossível.
Alice, com toda a sua malícia, não sabe com o que está lidando. Eu não
sou bom, nunca fui, e agora muitos fingem não se lembrar disso; entretanto,
todos sabem. Wiston Hill não deixa os segredos enterrados por muito tempo,
sorte da novata ter abandonado os dela em Nova Iorque.
Sei que estou sendo egocêntrico e egoísta, outras características minhas,
então, viro mais uma dose enquanto a mão suave toca em meu ombro.
— Eu estava te observando — diz, docemente. Me torno ao seu corpo e
a analiso. Uma menina desconhecida, negra de pele clara, num vestido
chique, com cabelos escuros e cacheados. Seus olhos me examinam,
procuram por algo.
— Bom saber — sussurro. — E no que estava pensando?
— Ah, em muitas coisas. — Ela sorri. A garota não me é familiar, ela
não mora na cidade. — Você é daqui? — questiona, se apoiando no balcão,
deixando seu corpo bem próximo ao meu.
— Talvez, e você?
— Não. — Um biquinho surge, mas ela o desfaz rapidamente.
— Afinal, forasteira, o que quer comigo? — Mordo o lábio. Eu sei o que
eu quero, apesar de ainda estar hipnotizado por Wonders.
— Posso te mostrar, se deixar.
Com certeza pode, e eu a deixo, porque como Hannah disse: eu não sei
fazer o certo.

Acordar logo nessa cama me parece completamente diferente. Não faço


isso há meses. Mesmo assim, a mansão Thompson não mudou muito e o meu
quarto ainda é o mesmo.
Jogo as pernas para fora da cama enquanto a minha cabeça queima. A
boca seca é a consequência das minhas escolhas. Ressaca. Apenas uma calça
preta cobre o meu corpo e eu ainda sinto em meu abdômen o toque forte da
desconhecida. Eu sei que tirei as suas roupas, contudo, não me lembro de
coisa alguma.
— Bom dia. — Ecoa pelo quarto. Grace está de pé à porta, segurando
uma pelúcia velha e vestindo um pijama rosa. Seus olhos brilham.
— Bom dia, amor — respondo, fingindo plenitude. Tudo gira dentro de
mim, em minha mente. Mais uma vez agi por impulso.
O único ponto positivo é não ter acordado ao lado de Madison. Essa
promessa eu mantive.
— Seu amigo 'tá lá embaixo — explica com certa curiosidade. Grace é
nova demais para qualquer coisa, mas ela tem o jeitinho da nossa mãe. É
esperta.
— Que amigo? — Seu corpo começa a dançar, balançando de um lado
para outro. Ela faz isso quando está animada e fez isso para Alice.
Talvez tenhamos o mesmo gosto.
— Tommy — diz separadamente, como se fosse óbvio.
Me levanto com pressa, se Polly o ver terei de ouvir sermões
desnecessários. Ela não gosta dele. Então, passo pela garota, deixando-a
sozinha, e caminho descalço até a escadaria.
— Nick! — Grace chama antes que eu possa descer o primeiro degrau.
A fito. — Vai passar o dia comigo?
Eu não gosto do que fizeram com a minha irmã, ela é inocente nessa
história e fica muito sozinha. Seu pai fugiu, sua mãe desapareceu e sua avó
odeia crianças, ou seja, vive rodeada de babás e pessoas que não a conhecem,
não de verdade.
— Claro! — Perderei a aula, a chance de ver aqueles lábios
avermelhados, mas eu faço e sempre farei de tudo por Grace.
Ela é a única que ainda tenho de verdade.
Seu sorriso aparece tão rápido quanto a minha concordância. Assim que
percebo sua animação, a deixo, indo encontrar Tommy.
Ele me espera com um semblante sério, sentado no sofá novo de Polly
Thompson, bebendo um chá gelado. É bem a cara dele, gosta de provocar,
porque sabe que está num território proibido. Quinn, a menina que cuida da
pequena, está de pé ao seu lado, esperando por mais pedidos.
— Certo, o que está fazendo aqui? — questiono em sua direção e um
sorriso maldoso surge. Quinn se encolhe ao notar meu peitoral descoberto.
— Precisava descobrir se sobreviveu a noite passada. — Coloca o copo
sobre a mesa de madeira. Se a minha avó ver isso, irá matá-lo. Móveis caros
e copos úmidos não combinam. — Aliás, que suco maravilhoso — sussurra
para Quinn, que enrubesce.
— Por favor, Quinn, pode sair? — peço, tentando ser educado.
Ela assente e sai rapidamente.
— Essa garota estudou comigo — Thomas revela ao se colocar de pé.
— Que bom, interrompi o reencontro. Afinal, o que está fazendo aqui?
— Nos encaramos e posso ver a impaciência nos olhos do menino.
— Bom, você encheu a cara ontem e eu tentei te impedir de pegar a
moto, mas claro que a sua teimosia...
— Espera! — Rio um pouco, com descrença. — Eu pilotei até aqui?
— Sim, depois de transar com aquela menina no banheiro do Red Hell.
Eu te falei pra não fazer isso, mas desde quando você ouve conselhos? —
Thomas rola os olhos e coloca as mãos na cintura.
Eu não me lembro disso. Sei que consegui o que queria com a
desconhecida e que cheguei à essa mansão de uma forma bem errada, mas
não me recordo.
— Eu não faço ideia do está acontecendo com você, mas ontem ficou
óbvio que há algo de errado. Quer dizer, você costumava fazer algumas
merdas e é um sucesso — ri — entre as garotas, mas está estranho. Bebe
tanto, ao ponto de não se lembrar? — Bufa.
— Acho que isso tudo foi por causa dela. Da novata — reclamo. Eu
tentei a apagar e, claramente, não consegui.
— Já te falei pra resolver os seus problemas — diz, então passa por
mim, esbarrando em meu ombro com agressividade. — E você precisa parar
de beber.
Rio alto, ele não é bom em conselhos que não segue. A diferença é que
Tommy sempre se lembra do que faz.
Eu estou completamente perdido num caos que desconheço, num caos
que acabou de chegar à Wiston, num caos que tem nome e sobrenome. Alice
deveria vir com um aviso, ela pode causar sérios problemas de controle
emocional.
O que há de errado comigo? Droga! É só uma garota bonita, irônica,
engraçada e maliciosa. Além de inteligente e um tanto tímida. Eu, mal, a,
conheço. E mesmo assim, essa menina queima as minhas veias como nunca
queimaram antes. Estou fascinado pela novata.
— Bom dia, Nicholas — Thomas sussurra antes de sair e bater a porta,
antes de me deixar sozinho com o mesmo pensamento de sempre.
“Não brinque com o fogo” teria sido um bom aviso, uma boa prévia.
Agora eu queimo. Já sei o sabor de seus lábios e preciso de mais.
Chacoalho a cabeça, notando a luz forte que entra na sala branca de
Polly.
— Nicholas — Quinn gagueja ao voltar para cômodo. Seus olhos não
me encontram, ela não consegue me encarar. — Posso te servir algo?
— Pode olhar pra mim? — peço com gentileza e a mesma o faz com
rapidez. Afinal, é uma ordem. Sua pele cora de novo, seu olhar se perde em
meu peitoral.
Se tenho esse poder sobre tantas meninas, por que Alice parece
conseguir escapar dele? Eu a deixo sem ar, mas não o suficiente.
— Me desculpe.
— Por?
— Eu... — Quinn não consegue estruturar uma resposta, ela não
consegue pensar. — Quer dizer, eu não deveria...
— Tudo bem, Quinn — digo e um suspiro de alívio sai por entre seus
lábios. — Vou passar o dia com a Grace, avise a Polly, por favor, caso ela
esteja em casa.
Assente e sai tão rápido que mal posso analisar o que fiz com ela. Isso
não é certo, eu sei, mas é melhor do que beber e dirigir, é melhor do que me
julgar na frente do espelho, é melhor do que me comparar ao meu pai.
Agora a menina, provavelmente, se apoia no balcão da cozinha e tenta
se lembrar de como respirar.

Grace gira dentro de um vestido rosa, daqueles simples. Seus cabelos


dançam ao vento e seu cheiro se junta com o do jardim ao nosso redor.
Apenas observo. O gazebo fica longe da casa e duvido que Polly tentará se
juntar a nós, na verdade, ela faz o oposto. Então, foco em minha irmã.
— Nick! — ela exclama, animada, e dá um pulinho. A encaro com
calma e um sorriso sutil no rosto. — Onde está a Alice?
Até mesmo Grace Thompson gostou dela. Deve ser um carma.
— Eu não sei.
— Mas são amigos. — As pequenas mãos grudam em sua cintura e ela
me julga. Um biquinho fofo demais surge. Grace não gosta de ser tratada
como criança, apesar de ser uma. — Você não sabe onde a sua amiga está?
— Na verdade, eu não faço ideia.
— E ela é legal?
— Eu não sei, Grace.
A postura teimosa da menina desaparece e ela se senta no mesmo banco
em que estou. A conversa ainda não acabou.
— Ela é bonita.
— Eu sei. — Sorrio, é verdade. Alice é linda.
Encaro os pequenos olhos azuis, pronto para encerrar a falação.
— E ela é sua namorada?
— Amiga — corrijo rapidamente.
— Entendi. — Grace pensa em silêncio, observa o que está ao nosso
redor e franze o cenho. — E a Wine não vai voltar?
Sou pego de surpresa, não esperava por isso.
— A nossa irmã foi embora, eu não sei se ela vai voltar, Grace.
Esse assunto não. Eu odeio tocar em seu nome, odeio me lembrar dos
erros que cometemos, todos nós. A pequena nem a conheceu, mas sabe da
sua existência.
Ela sabe de muitas coisas.
— A Polly disse que ela não vai voltar. — Meu estômago esquenta junto
do meu peito. É raiva, eu sei. — E esvaziou o quarto dela.
— O quê?
— Ela colocou tudo no porão. — Grace dá de ombros, sabendo que não
devia me contar isso. Alguém a avisou, mas, aparentemente, os Thompson
quebram regras desde a infância.
A conversa morre no mesmo momento. Polly sempre faz a mesma
merda, uma semana depois do desaparecimento da minha mãe ela enfiou tudo
em caixas e guardou no porão. Agora é a vez de Wine. Eu sei que gosta disso,
a minha avó tem uma facilidade estranha para esquecer aqueles que nunca a
agregaram em nada.
Mesmo assim, se trata da sua neta.
É como se o caos tivesse voltado à Wiston Hill.
11

PACTO
"Não diga que eu não te avisei.
Todas as boas meninas vão para o inferno."
Billie Eilish | All the good girls go to Hell.

ALICE WONDERS

Me enfio numa camiseta preta e me preparo para encontrar com o


menino. Eu fugi dele por um dia inteiro, eu fugi da verdade que Chris Vender
me contou. Nicholas Thompson namora e, apesar de ser uma pessoa
completamente fodida, não sou do tipo que se torna a amante. Eu o odeio
com toda a minha força, ele mentiu e eu detesto mentiras como essa.
— Finalmente — Andressa caçoa, me observando. Ela já está vestida e
arrumada. Seus olhos verdes fitam meu rosto inexpressivo nessa sexta-feira.
— Você vai sair! — diz, quando a devolvo o olhar.
— Eu sempre saio.
— Anteontem ficou trancada aqui, nem foi pra aula. E ontem você foi,
mas não saiu do quarto depois. Quer dizer, até parece que está se escondendo.
Ela é muito esperta, Andressa é a melhor pessoa que conheci até agora,
sincera, amigável e nunca julga os outros. Mesmo assim, sua curiosidade me
irrita, ela exagera nesse aspecto.
— Não estou.
— Tudo bem, mas parece. Você chegou tarde outro dia e estava
furiosa...
— Andressa, vamos esquecer isso, está bem?
Eu poderia lhe dar toda a minha atenção, mas nesse momento estou
concentrada no zíper da minha calça, que resiste e não fecha. É como se nada
desse certo. Quando penso em Thompson fico extremamente nervosa.
— Sabe que pode me contar as coisas, não? A gente mal se conhece,
mas você é obrigada a conviver comigo, então...
— Está bem! — exclamo, desistindo do que fazia. Bato as mãos nas
minhas coxas e a encaro. A ruiva se cala no mesmo instante. — Eu conheci
um cara.
— Isso é bom — sussurra, contendo um sorriso.
— Não, não é. Eu quero muito entender o porquê de não parar de pensar
nele, principalmente depois de descobrir que ele namora.
Sua boca abre e fecha, nenhum som sai. Nada. Andressa entendeu o que
quero dizer, pois somos opostos. Ela é animada, romântica e comprometida.
Descobri na noite de ontem, quando Benjamin bateu à nossa porta apenas
para vê-la e a ruiva sorriu de orelha à orelha. Enquanto isso acontecia, eu
estava jogada numa cama quente demais, fingindo ler um romance qualquer.
Estava tentando o apagar da minha memória.
É impossível me afastar de Nicholas.
E Andressa já entendeu tudo. Eu estou me afundando em desejos
caóticos e promessas vazias que ainda nem foram feitas. Eu não posso gostar
dele, não de verdade. Seria estupidez. Eu nem conheço esse menino, nos
vimos pouquíssimas vezes!
O destino está brincando comigo, só pode, e a minha mente não me
ajuda muito.
Então hoje, quando compreendo meus motivos e entendo que terei de
ignorá-los — eu disse, é impossível me afastar de Thompson —, os confesso
para a única pessoa em quem confio.
— Certo, bom — ela suspira, ainda escolhendo a resposta apropriada —,
o meu pai dizia que é melhor encarar os problemas de frente. — Sai em tom
de pergunta, Andressa não sabe o que falar.
Meus olhos me entregam, se qualquer um os fitar por muito tempo
poderá ver as chamas neles. Eu queimo internamente.
— Péssima resposta — digo e ela ri. Valeu a tentativa. — Vamos, não
quero te atrasar.
— O zíper — me lembra. Respiro fundo, qualquer mínima coisa pode
me tirar do sério hoje, porque eu nunca senti isso. Eu me desconheço. — Eu
te ajudo.
A ruiva se coloca de pé e se aproxima com calma. Seus dedos frios
grudam na minha calça, ela puxa o objeto e o fecha.
— Obrigada — sussurro assim que termina. Andressa ergue o olhar e
me encontra, ela enrubesce e suas sardas se tornam mais aparentes.
— De nada. — A ruiva se afasta com pressa, sorrindo. Andamos juntas
e a garota gira a maçaneta.
— O que é isso? — Aponto para o envelope dourado que descansa sobre
o carpete, à frente da nossa porta.
— É um convite — conta e o agarra com as pontas dos dedos. — Um
baile.
Ela já sabe do que se trata, então, me entrega o papel. O rasgo com
delicadeza, arrancando um cartão com letras lindíssimas de dentro. Um baile
de apresentação para os novatos. Sexta-feira, semana que vem. Parece chique
demais, com vinho e vestidos caros, além disso, é de máscaras.
— Será legal — Andressa diz antes de eu conseguir encontrar uma
reação apropriada para o bilhete. — Todo ano eles fazem isso, só precisa de
um vestido e uma máscara.
— Eu não sei se vou nessa festa.
Seu sorriso desaparece.
— Alice, você tem que ir.
— Não, não tenho. — Rio, provocando-a. Jogo o envelope sobre a
escrivaninha e espero. Ela não sai do caminho. — É coisa da alta sociedade.
— Você é da alta sociedade — lembra. — Aceita logo ou muda de
sobrenome.
Rolo os olhos, eu tenho alguém para substituir April, a minha irmã. Elas
são iguaizinhas, as mesmas frases e reclamações.
— Vou pensar sobre — minto. Na verdade, vou ignorar e desviar desse
assunto até ela esquecer ou desistir.

Onde se encontra toda aquela raiva quando entro nessa sala de aula?
Sumiu tão rápido que nem me lembro dela ter existido. Andressa está certa,
devo enfrentar as coisas, devo o questionar.
Nick não se torna à porta quando a mesma se fecha e, dessa vez, está
cedo demais. Apenas nós dois numa sala grande e quieta, que coincidência
em, senhor destino. Desço cada degrau com paciência, meus batimentos
cardíacos me consomem, posso ouvi-los. Jogo meu corpo ao seu lado, numa
cadeira confortável, e espero.
— Você sumiu — diz baixo. Assim como eu, Nick não consegue se
afastar, mesmo se esforçando.
— Você também — respondo. Não o vi na aula de ontem e no dia
anterior tudo que fiz foi beber e me esconder.
Os dedos de Nicholas brincam com os meus, apoiados no braço da
cadeira, mas ele não me olha.
— Acho que já te perguntei, mas o que quer comigo, Nicholas? E não
diga sexo.
Puxo o braço, evitando o contato que tanto o satisfaz. Seu sorriso
desaparece, sua face congela e ele se torna à mim. Eu encontro seus olhos.
— Certo, essa pergunta é extremamente complicada — confessa, espero
que seja mesmo, complicada e torturante. — Está diferente.
Ele não se refere a minha aparência, Thompson nota que a minha atitude
está diferente. Uma pitada da raiva, que parecia ter desaparecido, ainda vive
em mim.
— Eu descobri que algumas pessoas mentem.
— Muita gente mente, Alice Wonders. — Me faz rir nasalado, chega a
ser irritante. Ele tem respostas erradas para perguntas erradas.
— Não é disso que estou falando — murmuro, tirando meus olhos da
sua face. Eu foco na lousa. Há certa ameaça na cor azul de suas íris, um tom
diferente de desejo.
— Então, do que está falando, Alice?
Volto a olhá-lo.
— Só me diz o que quer comigo — suplico, quase em desespero. O ar
me escapa mais uma vez, eu preciso respirar.
Seu corpo se ajeita, o garoto se afasta do encosto e se vira
completamente para mim, mas sua expressão não muda. É difícil de o ler.
Nick apenas me fita por alguns segundos e eu não me encolho, ainda.
— Eu te quero — confessa num tom quente que me faz desmoronar.
Sinto tudo que tentava evitar.
Não posso me controlar, não, de jeito nenhum. É impossível ao seu lado
e eu não consigo tirar meus olhos dos seus.
— E o que você quer, Wonders? — questiona com frieza. — Me diz. —
Seus dedos encostam na minha bochecha e Nick a acaricia.
Respiro fundo, falhando miseravelmente em encher meus pulmões. Eu
agarro em sua mão e a afasto, não consigo lidar com seu toque. Eu o quero
com toda a minha vontade e não me importo mais com o fato de não entender
isso. Eu realmente não entendo, é planejado pelo destino.
Nicholas não parece certo, mas parece perfeito para mim.
E eu o quero sobre meu corpo, com seus músculos deliciosos e seus
beijos intensos. Eu o quero me penetrando fortemente, me fazendo gemer
alto. Eu. O. Quero.
— Me diga — ordena e aperta a minha mão. Ele quer ouvir, quer saber.
Esse menino é do tipo que tem o que quer quando quer, mas não será
assim comigo. Nunca. Nicholas ainda não me conhece, eu só precisava
entender o poder que tenho sobre ele. Nós dois estamos jogando, provocando.
Não sou mais uma peça qualquer em seu tabuleiro e ele vai descobrir
isso.
— Não — respondo e o menino morde o lábio. — Você não me merece.
— Eu sei.
— E eu não te devo nada.
— Eu também sei disso. — O mesmo tom leve.
Solto seus dedos e o garoto recolhe a mão, encostando novamente na sua
cadeira, se arrumando, afastando os impulsos selvagens que possui.
É só sexo, excitação, calor.
— Você não é perfeita — murmura e respira fundo.
— Eu sei — brinco, fazendo-o rir.
Nick é como uma mistura de sentimentos.
12

SEGREDOS
"Eu vejo seu rosto sempre que eu estou com alguém.
Você não consegue ver que eu te quero?"
The Weeknd | Where You Belong

ALICE WONDERS

Eu sinto um aperto em meu peito, algo de dentro. Sei que ele namora,
pelo menos foi isso que Chris disse, e Madison parecia completamente
apaixonada. Não é certo.
— Ainda tem que me contar o que quer — sussurra assim que o
professor termina a falação e eu, as minhas anotações.
— Já disse que não te devo nada — respondo, me virando para o seu
corpo tenso. Posso ver seu peitoral se movendo lentamente, é como se
tentasse se conter.
— Eu realmente não te entendo. — Sorri, não parece nervoso. Nick
ainda não sabe do que sou capaz, eu consigo irritar a pessoa mais calma,
consigo causar caos em mentes inocentes. — Agora está recuando.
— Eu não tô recuando. — Mordo o lábio e baixo o tom enquanto
algumas pessoas passam por nós, esvaziando a sala. — Gosto de te provocar.
— Você é má — reclama e me entrega um olhar ameaçador.
Me levanto sem paciência e sem estender o assunto. Eu ainda tenho uma
dúvida, uma questão me queimando por dentro. Se ele namora, como pode
ser tão sujo, como tem coragem? Ele está, literalmente, me incendiando com
o olhar, está se entregando de uma forma assustadora e está escondendo
coisas.
Puxo minha mochila e suspiro com raiva. Eu adoro e odeio a sua
presença, cada vez que me lembro do sorriso de Madison, de sua animação,
eu sinto algo irreconhecível. Algo que grita dentro de mim, que me impede
de dar um passo à frente. Me impede de tocá-lo.
É como se Nicholas não pudesse passar de um desejo.
— Espera, Alice, onde vai? — ele pergunta se retirando do assento, me
seguindo pelos degraus que levam à porta de saída.
— Embora — conto com frieza. A minha confusão é estressante.
— Posso te dar uma carona?
Seus dedos quentes tocam em meu braço, mas ele não me puxa, não
aperta a minha pele. Nick recolhe a mão assim que percebe a minha
expressão desanimada. Considero a opção: estar presa atrás de seu corpo,
sentindo a mesma adrenalina do outro dia.
— Acho melhor não, Thompson. Eu moro na mesma fraternidade que a
Madison.
— Certo. — Nick está começando a me entender. Não quero ferir outra
pessoa, uma menina que mal conheço.
— E eu fiquei sabendo que vocês namoram — continuo, ele merece
saber o porquê da minha mudança de atitude e eu preciso tirar isso dos meus
pensamentos. Se não consigo ter raiva desse menino, posso, pelo menos, ser
sincera.
— Não é bem assim...
Suspiro mais uma vez e suas palavras cessam.
— A gente pode conversar sobre isso hoje à noite — digo.
— Hoje à noite? — questiona baixo, voltando à realidade. Ele quer me
explicar coisas que não quero ouvir, não agora. — Então, vai à festa na
fraternidade?
— Talvez.
— Achei que tivesse esquecido, faz tempo que te convidei. — Ele
encara minha boca, analisa o meu pescoço e termina em meus seios. Nick
morde o lábio de uma forma atraente.
— Posso levar alguém? — gaguejo um pouco, não consigo lidar com
suas provocações.
— Esse alguém é um amigo? — Dá um passo à frente e quase cola o seu
corpo ao meu. Ele espera como se essa fosse a pergunta mais importante do
mundo.
Não gosto de perder o controle da situação, nem de tons tentadores
quando já deixei claro o que quero. E nesse momento eu quero distância de
alguém provavelmente comprometido.
— E isso importa? — respondo tomando coragem suficiente para
encarar seus olhos, agora escuros como a noite. O azul deles não é doce,
muito menos brilhante. É quase cinza.
— Na verdade não. — Sai como um sussurro e ele aquece meus lábios
com a sua respiração. Nick é quente, por fora e por dentro. Eu sinto um calor
extremo em minha nuca, um suor incessante.
Nossos olhares se encontram por uma última vez e tenho de erguer a
cabeça para conseguir o examinar. Nicholas está muito perto, mais do que
nos é permitido.
— Então — respiro fundo —, te vejo hoje à noite.

A primeira coisa que faço ao entrar no quarto é atirar a mochila sobre a


cama. Eu nem olho ao redor, não quero saber de conversas sobre o nosso dia.
— Oi pra você também — Andressa diz, tentando me tirar do sério. Pela
primeira vez a minha mente está livre de qualquer preocupação. Nicholas já
sabe o que sinto, ele já me entende, e agora eu posso respirar sem ter um peso
sobre o meu peito. Se ele namora, sabe que está cometendo um erro e eu não
vou participar disso.
Ando até o banheiro, estou enjoada, minha cabeça dói. Preciso me
alimentar melhor e parar de beber. Apoio minhas mãos na pia e respiro
fundo, até que alguém pigarreia atrás de mim, me tirando do silêncio
confortável. É a ruiva.
— Andressa! Nem te vi — solto, cheia de ironia. Não a encaro, quando
cheguei ela desenhava algum projeto para o curso, já que estuda arquitetura,
mas agora aparenta estar indignada com o meu mau humor.
Passo pela garota e me jogo sobre o colchão macio, encosto a cabeça
nos travesseiros amontoados. O teto parece mais branco que antes, ou, talvez,
eu só esteja mais calma.
— Você nunca sai? — questiono. Percebo de soslaio que Andressa volta
à escrivaninha e se senta, desenhando novamente.
— Depende. Do que está falando?
Me apoio nos cotovelos e a encaro, seus cabelos ruivos —
completamente soltos — a cintura bem definida, as coxas grossas. Um
vestido marrom a cobre.
— De diversão.
— Quer dizer beber no Heaven e dançar no Red Hell? Não obrigada. —
Ela não me olha. A ruiva diz tais coisas como se fosse superior. Eu noto algo
de errado no seu tom, ela não é desse tipo, Andressa não julga.
— Tudo bem, e que tal festas no Campus?
— Alice, vá direto ao ponto! — pede. A menina se vira lentamente
sobre a cadeira e me examina.
— Você vai à uma festa comigo hoje.
Os lábios da ruiva se esticam, segurando um riso. Andressa franze o
cenho e encara as próprias mãos.
— Não acho uma boa ideia — murmura. Não aceito um não como
resposta, eu preciso que ela vá comigo, não quero chegar lá sozinha.
— Por que? Prefere passar a noite de sexta-feira enfiada aqui? — brinco,
não consigo evitar rir. Ela me olha novamente com certa melancolia.
Andressa não gostou da minha resposta, não vê graça nas minhas piadas. Ela
tem um motivo.
De repente, o silêncio toma conta daquela forma estranha e
constrangedora.
— Não sei se posso perguntar, mas tem uma razão pra isso? — Me
sento, nossos olhares se cruzam e a ruiva se volta ao desenho que fazia.
— Não. Na verdade, eu só não gosto dessas coisas. — Andressa não
sabe mentir, há algo de errado, tenho completa certeza. — Mas onde será a
festa?
— Na fraternidade Tigerx. Eu acho que você tem que ir comigo, quer
dizer, vai ser legal — tento, entretanto, nada muda. O tom da conversa ainda
é o mesmo.
Me levanto bufando. Andressa me ignora com vontade, mal sabe ela que
sou insistente. Paro ao seu lado e a fito com dedicação.
— Vamos, Andressa! Você precisa se divertir, sair um pouco, beber...
— Tudo bem, Alice — concorda. Fico surpresa, não vejo vontade nela.
Talvez só queira evitar uma discussão. É mais fácil dizer sim e se calar.
— Certo, que tal chamar o Benjamin? Ele é o seu namorado.
A menina tem que se animar, de alguma forma e em algum momento.
— O Ben, provavelmente, já sabe dessa festa. — Ergue o olhar, as íris
verdes brilham. Pela primeira vez ela sorri, com sutileza, mas já é algo.
Assinto e volto à cama.
— Então, como você ficou sabendo? — Andressa pergunta, girando o
corpo no mesmo instante. Ela apoia as mãos no encosto da cadeira branca e
me encontra.
— Nicholas Thompson — respondo. Não posso revelar mais coisas.
— Ele te convidou? — Ri nasalado de forma maliciosa.
Eu abro e fecho a boca, chocada. Andressa guarda um lado safado, isso
sim é surpreendente. Ou talvez, Thompson tenha esse dom, ele atiça a parte
mais perversa das pessoas. Nick sabe como conquistar alguém e fico furiosa
ao pensar nisso, não costumava ser tão fácil chamar a minha atenção.
Nicholas Thompson tem uma habilidade inexplicável, ele consegue
controlar tudo e todos. Ele consegue ser desejável e misterioso.
Misterioso de uma forma irritante.
— Ele é um pecado. — A mordida no lábio surge.
— E você namora — brinco. Ela está mais para
Andressa Safada Morgan.
— E ele também, eu acho — revela. Sinto meu peito queimar.
Eu sei que Nick me prometeu respostas, embora não me deva nada.
Estou disposta a esperar, mas quando todos dizem o mesmo, se torna difícil
de acreditar no que quer que esteja pronto para me contar.
— Era dele que estava falando? A tal pessoa que você conheceu? —
continua. Não respondo, só me esforço para mudar o foco.
— Ele namora com a Madison Foxx? — Finjo desinteresse.
Andressa concorda com um balançar de cabeça.
— A melhor amiga da Christina Vender. — Dá de ombros. — Não que
isso seja importante, pelo menos não pra Chris.
— O que quer dizer? — A encaro.
— Ela não tem amigos. Não de verdade. Ela usa as pessoas.
Já entendi que a Christina não me suporta sem ter motivos para isso,
então seria bom saber com o que estou mexendo. A resposta da ruivinha não
me foi de grande ajuda.
— Como sabe tanto sobre ela? — tento extrair mais, porém a menina
volta a me ignorar.
Dessa vez percebo que não devo forçá-la, há algo em sua expressão e
em sua voz que pede por silêncio. Ela não quer continuar essa conversa.
E a cada novo assunto eu noto, as pessoas desse lugar guardam mais
segredos do que parece.
Foi difícil finalmente convencer Andressa de que ela está linda. Foram
três vestidos e uma calça com uma blusa vermelha. No fim, se enfiou na
primeira roupa que provou: um vestido preto com um decote. Algo simples
comparado aos saltos que vestiu.
Depois de ver sua pele em contraste com a cor do tecido e seus olhos
verdes brilhantes, um pouco mais animados, consegui me arrumar. Um top
laranja, uma mom jeans e tênis antigos. Tudo isso e o batom vermelho.
A maior parte dos estudantes está enfiada na mansão mais barulhenta da
vizinhança. O cheiro de maconha se espalha pelo ar, carros chiques e motos
estão estacionados do outro lado da rua. Não foi difícil achar a fraternidade
cheia de garotos musculosos. A música já ecoa pelo lugar e as luzes fazem
com que a casa se torne o centro de tudo.
— Chegamos — Andressa anuncia quando pisamos no primeiro degrau,
empurrando outros convidados.
Na sala eu vejo, no quase escuro, a bandeira pendurada na parede
principal, com o nome em letras gigantes: TIGERX. No sofá uma garota se
exibe enquanto beija um menino qualquer.
— Só mais uma festa na TX[i] — a ruivinha brinca e me entrega um
olhar de deboche. Talvez eu pareça chocada, mesmo não tendo motivos. Já
conheço lugares como esse, pessoas como essas. Nova Iorque não era muito
diferente.
— Eu preciso de uma bebida — sussurro. Sei que beber é a pior coisa
que posso fazer, mas não penso muito nisso. Ignoro ao máximo a minha
consciência e meus vícios.
A ruiva me arrasta pelos corredores como se conhecesse a casa toda.
Caminho ao seu lado em silêncio, apenas me apegando aos detalhes e,
disfarçadamente, procurando por ele. Precisamos ter aquela conversa.
Diferente do resto dos cômodos, a cozinha está iluminada e vazia. Um
menino, com o abdômen exposto e a pele suada, dorme com a cabeça sobre a
mesa. Seus dedos ainda seguram uma garrafa de cerveja cheia.
— Bêbados — ela diz baixo e ri. Andressa adora falar sozinha, notei em
nossa primeira tarde juntas. Ela conversou com o espelho por minutos para
decidir se cortava ou não o cabelo. No final, decidiu deixá-lo crescer mais.
Abro a geladeira de duas portas e vejo que não há comida ou sucos, só
álcool e garrafas d’água. Agarro duas cervejas e deslizo uma sobre o balcão.
— Me diz uma coisa — ela começa, sinto que vai fazer uma pergunta
daquelas indesejáveis —, você e o Nicholas...
— Não! — exclamo, sem saber o que pretendia questionar; todavia,
imagino. — A gente estuda juntos, só isso. Esqueça aquilo que eu disse mais
cedo.
— Okay. Daí, ele te convidou pra festa? — continua, sem muita ênfase
ou malicia, apenas curiosidade.
— Sim, isso é estranho? — Espero que não seja. A última coisa que
desejo é estar mentindo sobre o que já fiz com menino e, ainda assim, não ser
convincente.
— O Nick não é muito dessas coisas. Ele não se apega, quer dizer, ele
sai com muitas garotas, mas não as convida pra festas, nem encontros. Elas
vão por vontade própria.
— Tudo bem. — Nada bem. Primeiro, como ela sabe de tanta coisa? E
segundo, por que ele me convidou? — Mas o Nicholas fez isso dessa vez e
não estamos saindo.
— Vou acreditar em você. — Semicerra os olhos, desconfiada.
Ninguém acreditaria em mim, sou uma péssima mentirosa, as minhas
bochechas me entregam. Tento a ignorar, fingir desentendimento, mas não
sou boa nisso também. Apenas me encolho um pouco, é horrível saber que
estou me dedurando assim. Apoio os cotovelos sobre o balcão de mármore,
daqueles caros, e olho ao redor. Nada do Thompson.
— Para — ela diz. — Você está procurando por ele.
— Não estou. — Rio nasalado. Nada de sinceridade nessa noite. Viro a
bebida, deixando o álcool queimar a minha garganta, o gosto amargo tomar
conta da minha boca.
Andressa, apesar de estar se divertindo ao me provocar, parece assustada
e insegura. À todo momento se encolhe e olha ao redor.
— Você veio. — Ecoa pelo cômodo. Me viro no mesmo momento e
encontro as mechas azuis. Hannah, a bartender do Heaven. — O Nicholas te
convidou?
Sorrio levemente. A ruiva alterna o olhar entre nós, mantendo a tensão
em seus ombros.
— Como adivinhou?
— Eu conheço bem aqueles olhos azuis. — Me examina da cabeça aos
pés. — E ele quer conhecer os seus. — Ri. Suas mãos agarram o puxador da
geladeira e a garota a abre, procurando por alguma bebida.
Estremeço um pouco, indignada. Me sinto boquiaberta. Eu também
quero conhecer os dele, e quero continuar o que começamos em seu quarto.
Era pra ser só uma transa, uma diversão, algo feroz e gostoso, mas acabamos
aqui.
— Então, você mentiu? — Andressa soa chocada. Não é possível que
tenha acreditado em mim.
Ingenuidade.
— Não. — Sorrio, tomada por malícia. Eu amo pensar no calor dele, na
maldade que guarda num corpo tão perfeito, no beijo e no quase beijo, em
seus dedos me tocando...
— Vocês duas se conhecem? — Hannah para ao meu lado e se
intromete. A ruiva cora no mesmo momento. — Achei que não fosse te ver
de novo — diz para Andressa que se encolhe, procurando por uma forma de
fugir.
— O que foi? — tento, mas o segredo parece pesado, daqueles que todos
precisam fingir esquecer. Os olhos verdes se enchem de lágrimas.
— Eu vou — suspira — procurar pelo Benjamin.
— Boa ideia — Hannah concorda, deixando tudo ainda mais
desconfortável. — E eu vou procurar o Jack. Boa sorte, novata. — A
baixinha sorri antes de me abandonar com dúvidas e perguntas inadequadas.
Assim que fico sozinha sinto o frio tomar conta. Há uma ansiedade
crescente em meu corpo e ela é incontrolável. Eu quero explicar as coisas e,
ao mesmo tempo, quero beijar seus lábios. Nicholas não me merece. Não
mesmo. Toda essa confusão interna por um garoto tão egocêntrico.
Ugh.
Além disso, me sinto um tanto enjoada hoje, minha cabeça dói e meu
estômago revira. Quando fecho os olhos, tentando me concentrar nas batidas
do meu coração, tentando o forçar a funcionar de forma adequada, ouço a voz
rouca e familiar.
— Boa noite, Alice — diz. Seus dedos quentes encostam em meus
ombros, entregando-me arrepios, me fazendo estremecer.
— Finalmente — reclamo e me deixo encarar a cozinha. Eu sinto o seu
corpo atrás de mim, a sua respiração em meu pescoço. — Precisamos
conversar.
— Precisamos — sussurra perto demais da minha orelha. O ar que sai de
sua boca me queima, tremo ao sentir a temperatura. Com toda a coragem me
viro, encontrando seus olhos. — Hannah me disse que te viu na cozinha. —
Ri, mas eu suspiro. Quero a verdade.
— Você namora?
— Você é direta. — Ele foca em meus lábios.
— Me responde.
— É uma longa história e...
Não penso duas vezes antes de o interromper. Estou dando uma
chance a ele, deixando que se explique, e o garoto só consegue pensar em
meu beijo.
— Eu tenho tempo — falo.
— Tudo bem, Wonders. — Nick bufa, mas tenta ser paciente.
Eu quero respostas, satisfações. Ele tocou em meu corpo e nem
mencionou uma namorada.
Nicholas se prepara, pensa, e eu o deixo. Estamos perto demais,
conectados, seu peitoral grudado ao meu corpo. Me inclino um pouco para
trás, tentando me afastar, mas o balcão me impede. Apoio as duas mãos na
pedra enquanto Nicholas ameaça iniciar uma explicação.
Ele abre a boca e o celular vibra.
Droga...
— É sério? — reclamo quando seus dedos agarram o aparelho. Ele me
ignora, talvez eu o deixe nervoso. Thompson foca no que lê, algo que ainda
desconheço. — O que foi?
— Parece que você é a novidade da semana...
Mas quê?
Puxo o celular da sua mão e encaro a tela, uma postagem numa rede
social da Universidade, daquelas criadas por alunos fofoqueiros. É um meio
de espalhar mentiras e boatos. E lá estou eu, o tema.
“Vocês já viram Alice, a tal novata, filha do casal Wonders de Nova
Iorque? Todo mundo está falando da sua beleza e do dinheiro da sua família,
mas eu só consigo pensar: por que as três filhas deles não aparecer tanto,
nem mesmo em festas e eventos? Meu pai já encontrou John Wonders
durante alguns jantares de um conhecido em comum, depois de reuniões de
negócios em NY, mas só viu Katherine — a esposa — e Mike, o garoto que
pretende herdar as empresas. Então, fiquei curiosa.”
Meu peito queima no mesmo instante, como pode alguém ser tão
venenoso? Nick me olha, esperando por um surto.
— Perfeito... — murmuro, sem dar muito crédito a quem desejou me
atacar. Na verdade, a questão levantada é muito boa: por que as meninas
Wonders não aparecerem tanto?
Talvez a gente não goste de toda essa fama e exposição. Ou, talvez,
tenhamos problemas pessoais demais.
— Isso é ironia? — Ele ainda me examina com preocupação.
— Sabe quem escreveu isso?
— Todo mundo sabe. Olha a foto, é a conta da Christina.
— Christina Vender? — questiono, sentindo arrepios.
— Ela não gosta de você.
— Notei. — Faço Nick rir. — Podemos continuar a nossa conversa?
— Claro — responde sem ânimo. O menino devolve o aparelho ao bolso
e espera, como se eu devesse falar algo. Rolo os olhos, odeio enrolação. —
Eu não namoro. Terminei com a Madison há dias, antes do que a gente fez,
ou quase fez — confessa.
Sinto minhas pernas fraquejarem, é um alívio por tantos motivos. A
culpa partiu.
— É, ele terminou — alguém diz. Nos viramos no mesmo instante, mas
Nicholas não se afasta, ele não finge ser apenas um conhecido, seu corpo
continua grudado ao meu. Não temos o que esconder, contudo, Chris Vender
entra na cozinha pela porta dos fundos, enfiada num vestido rosa e nos
julgando. — Boa noite, Alice.
— Especialmente pra você. Adorei o post sabia? — brinco e ouço a
risada contida de Nicholas.
— Que bom. — Sorri. — É ótimo te ver, Nick. Mande um beijo pra
Polly — provoca. Soa como uma indireta. Completamente falsa.
Ela passa ao nosso lado, esbarrando em nós. Não evita tentar cutucar a
bochecha de Thompson e faz um biquinho quando ele desvia.
— Claro — Nick responde, mas a garota já está longe, desfilando pelos
corredores, intoxicando todos ao seu redor.
— Ela me odeia — explico. Nossos olhares se encontram, nossos lábios
quase se tocam, mas dessa vez o garoto não quer me agarrar. Ele quer me
contar algo.
— A Christina sabe ser venenosa. Muito venenosa. Você é colega da
Andressa, não? Eu vi quando chegaram.
— Sou. Por quê? — gaguejo um pouco.
— Soube o que a Chris fez com ela?
Franzo o cenho. Nicholas, Hannah, todos sabem de algo e, pelo que
parece, é sério demais. Tinha de ter o nome Vender no meio. Andressa estava
nervosa, assustada, e agora percebo de quem ela se esconde. Engraçado, pois
dividimos a mesma casa.
— É mais fácil se eu te mostrar — ele diz, notando o meu silêncio.
Nick pega o celular mais uma vez e pesquisa por algo. Sinto a minha
ansiedade crescer. Sobre o que todos fofocam? Por que as bochechas da ruiva
coraram quando ela viu Hannah?
— Aqui. — Me mostra as fotos. Um enjoo me ataca, meus dedos
apertam a beira do mármore que me mantém de pé, dando apoio ao meu
corpo. Tento me livrar do nojo que sinto.
Agora eu entendo, alguns segredos não ficam escondidos para sempre.
13

PRIMEIRA VEZ
"E toda vez que penso que os planetas estão alinhados,
você ainda está tão perto, mas ainda tão longe."
Labrinth | Still Don't Know My Name

ALICE WONDERS

O vento frio me traz de volta à realidade. Eu vi as fotos que Andressa


tanto esconde e sei que se ela quisesse falar disso, teria me contado. Eu
entendo a vermelhidão em suas bochechas e as lágrimas em seus olhos. Eu
entendo o porquê de se trancar no quarto com frequência.
Ela foi exposta na internet, foi usada. Então, suas palavras finalmente
fazem sentido. Nick me contou que ela e Chris eram amigas, há muito tempo,
mas como a própria ruiva disse, Christina não tem amigos. Ela usa as
pessoas.
E assim, por um motivo ridículo, espalhou fotos íntimas e sensuais da
minha atual colega, claro que de forma anônima, porém as pessoas não são
burras. Andressa está vestida nelas, mas não deixam de ser constrangedoras e
privadas. Tudo por puro egoísmo e vingança. O seu veneno é letal.
— Parece que você vai vomitar — Nick sussurra quando termina de
narrar a história. Estamos parados na varanda do segundo andar, onde não há
muita gente. A luz da lua nos ilumina e um cigarro descansa entre seus dedos.
— Talvez — digo. Me sinto enjoada desde cedo. Quando voltei para o
meu quarto depois da aula, já estava assim. — Eu não consigo acreditar
nisso, sabe?
— Eu sei. A Christina tem a mania de passar dos limites. Isso foi há
bastante tempo — suspira. — Andressa não...
— Ela não merecia isso… — Respiro fundo. — Tudo bem, acho que
tivemos a nossa conversa. — Me viro à ele. Nick continua fumando, ele traga
e me olha de canto. Um sorriso bobo aparece em sua face.
Thompson é extremamente lindo, noto mais uma vez, e isso me assusta.
O que sinto quando o encaro me deixa confusa demais. Eu quero seu beijo,
seu corpo, mas nunca quis algo dessa forma, com essa intensidade.
— Preciso respirar — comento e já me afasto um pouco. — Te vejo
mais tarde.
— Tudo bem, Alice — meu nome soa delicioso em sua boca —, eu te
vejo por ai.
Abandono Nicholas na tal varanda junto da luz da lua e do cheiro de
menta. Eu senti que meus pensamentos me fariam vomitar em sua roupa
limpa.
Ando até o banheiro com calma, me apoiando nas paredes. Não consigo
controlar os impulsos, as reviravoltas em meu estômago, e não posso dizer
que a bebida fez isso. Eu já estava ansiosa e depois de tudo que descobri, me
sinto estremecer. Eu não devia ter pegado aquela cerveja quando cheguei.
Tranco a porta, lavo o rosto uma vez. Respiro fundo.
— Que idiota quis colocar luzes neon num banheiro? — reclamo. O
ambiente ao meu redor está azul, nada de iluminação normal, apenas cores
que lembram festas e praias. Em outros dias eu acharia perfeito, mas hoje só
piora a minha tontura.
Apoio as mãos sobre a pia, respiro fundo de novo.
— Certo — digo ao meu reflexo e abro a porta.
Volto à cozinha, agora vazia, e começo a seguir um caminho que não fiz
antes, indo aos quartos isolados, perto do porão. Nada. Nem Andressa, nem
Nick. Na sala principal — que é grande demais — há uma porta que leva à
piscina. O quintal dos fundos está lotado.
Os fios de Andressa aparecem, ela está sentada num dos bancos perto do
jardim, conversando com o namorado. Preciso saber se está bem. Passo ao
lado da piscina torcendo para não cair nela e antes de me aproximar da ruiva,
encontro os olhos de Chris que me examina com descaso.
O cheiro é forte: veneno.
Então, volto a focar nas íris verdes.
— Andressa! — chamo. A menina se vira no mesmo momento, sorri
levemente e espera. — Está tudo bem? — Sou direta.
Me sinto encarada, todos me observam. A postagem da Christina fez
efeito.
— Eu que deveria perguntar isso. Li o post — conta.
— Está tudo bem, não foi nada demais.
— Oi, Alice — Benjamin sussurra, tentando ser amigável. Ele tem
ciúmes, notei na primeira vez em que nos vimos. Sorrio sutilmente.
— Oi. Bom, eu só queria saber se você está bem. — Mentira, queria
saber se estava chorando enquanto pessoas compartilhavam as imagens.
— Sim, claro. Quer ir embora? — questiona. Nego com pressa,
Benjamin também não parece gostar da ideia.
Não posso ir, ainda não. Talvez todos tenham se esquecido do caos que
envolvia a ruiva, mas, nesse instante, eu sou o novo assunto. E isso me deixa
sem ar.
— Não, relaxa. — Chacoalho a cabeça.
Me viro, pronta para sair. Sei que agi de uma forma estranha, mas
Andressa parece feliz. Me afasto com calma e volto à casa, pensando em
reencontrar Nicholas. Gosto de quando conversamos, me sinto estranhamente
confortável. Ainda mais agora que sei que ele não namora. Cruzo as portas de
entrada e fico de pé na escuridão que muitos adoram. Luzes piscam, as cores
delas mudam.
— Ei, novata — Hannah chama, parada num canto qualquer da sala. Me
aproximo com pressa.
O garoto ao seu lado me mede, ele parece gostar do que vê e faz um
biquinho quando o fito. Sinto certa comparação, acho que ouviu boatos e está
tirando as próprias conclusões.
— Esse é Jack — ela diz quando chego perto. — O melhor amigo do
Nicholas e meu namorado.
— Finalmente te conheci — o menino brinca.
— Pois é. E falando do seu amigo, sabe onde ele está? — Sorrio.
Assim que a pergunta me escapa, os olhos de Jack focam no mesmo que
Hannah, algo distante. A curiosidade me mata e eu me viro com lentidão.
Me sinto desmoronar.
A raiva voltou, com toda certeza.
Madison agarra Nicholas pela camiseta e o beija. Ela o beija
intensamente fazendo meu peito queimar.
— Filho da... — Hannah ameaça dizer, mas para quando nota minha
expressão. Eles não me conhecem, não sabem o quão inconsequente,
dramática e teimosa posso ser. Nem eu sei, não exatamente.
Olho mais uma vez para a cena. O ódio me sobe, queima a garganta e a
boca. Eu não sei mais que sentimento é esse. Os dois não tentam me consolar,
porque não fazem ideia do que está acontecendo entre Nick e eu.
— Ele só faz merda. — Ouço Jack dizer e, logo em seguida, me movo
até a saída. Eu percebo que Nicholas me vê, mas o ignoro.
Agora, as chamas são por outro motivo.

Mesmo sem ter bebido muito, me sinto tonta e enjoada enquanto ando
tropeçando pelas ruas de Wiston Hill, segurando lágrimas de raiva. Nicholas
despertou algo em mim que não consigo explicar, me sinto diferente. O pior é
que não somos mais que amigos, mas ainda assim, odiei ver aquele beijo.
Mentiroso de merda. Nicholas me falou minutos antes que não
namorava, ele terminou com a Madison, mas parece que ela não entendeu
isso muito bem ou, quem sabe, ele não tenha sido claro. Eu não consigo dessa
forma, não consigo desejar o seu cheiro e ao mesmo tempo me sentir tão
culpada.
Não quero me envolver em problemas e relacionamentos alheios. Eu
realmente não quero saber dessa merda toda de vai e vem, notável entre os
dois. Não mereço isso.
Já cometi muitos erros, transei com garotos idiotas — coisa de uma
noite, daquelas que você esquece na manhã seguinte — e só arrisquei me
aproximar emocionalmente uma vez, que deu errado, mas nunca senti esse
tipo de arrepio. E Alex apareceu num péssimo momento, eu acreditei que
uma relação com uma pessoa doce como ele me salvaria de todos os pecados,
mas não. Alexander se entregou demais para alguém que mal se importava —
porque, na verdade, não gosto do doce — e acabou na cama da minha antiga
melhor amiga.
Aparentemente, fui feita para os problemáticos, caóticos e cheios de
intensidade. Por isso, caminho pelas ruas cambaleando.
A gente não funciona, essa situação foi uma amostra grátis das próximas
decepções. Nada está ao nosso lado. A cidade; as pessoas; os segredos; eles
são uma bomba daquelas que espalham os seus pedaços. Daquelas que te
fazem sangrar.
Thompson é o típico bad boy que não se compromete, que fica com a ex
e outras várias. E eu sou a que prefere distância de sentimentos. Eu nunca me
entreguei a nada que fizesse meu coração disparar, mas Nicholas parece
necessário. Eu o quero. O vento que me rodeia não é capaz de levar essa
vontade embora. Meus tênis batem no piso e eu sigo pela faixa desenhada na
rua, a que divide o caminho em dois. Nenhum carro passa por aqui, nenhum
barulho me atinge. Coloco alguns fios castanhos atrás das orelhas e respiro
fundo.
Como pode um estranho me fazer sentir tantas coisas de uma só vez?
Posso chamar de raiva, mas talvez seja mágoa.
Não vou admitir isso.
Prefiro a fúria, aquela que consome e destrói.
— Filho da puta — reclamo em voz alta. Em cidades pequenas como
essa, não há pessoas na rua após a meia noite, não há risco de atropelamento
nem de roubos. Ninguém realmente se importa, porque todos se conhecem.
Atravesso, notando a luz vermelha, a música, a tonalidade e os sons. Eu
sei que estou do lado proibido, num lugar isolado. Não planejava vir aqui,
não tinha um caminho a seguir, mas parece que o destino está brincando
comigo desde o começo.
Talvez seja a minha vez de brincar com ele.
Red Hell brilha com a luz neon num letreiro abusado, iluminando uma
menina com chifres que quase me faz soltar um riso falso.
Percebo que Nicholas pode ser a intensidade que eu procuro. Não fui
feita para arrumar a vida dele, a nossa soma é desastrosamente planejada. E
boa. Então, como pôde estragar algo tão perfeito?
Idiota.
E como eu não passo de outra imbecil, devo, com todas as forças, tornar
o problema maior do que precisa ser. Por isso, entro no Red Hell com uma
ideia em mente, e eu vejo os cabelos longos de Thomas enquanto ele se
serve, enche um copo com uma dose generosa de uísque. Eu o fito, ele é meu
alvo. Desfilo entre pequenos palcos redondos onde dançarinas se exibem,
passo por entre cada cliente e cada bartender falsamente simpática. Bato com
as mãos abertas — de forma delicada — sobre o balcão de vidro. Ele me
analisa, dos seios aos olhos.
— Tequila — ordeno. Tommy me julga por segundos, agarra a garrafa,
enche o copinho e me entrega. Eu o viro e peço por mais.
Outra dose. Sei que beber não me ajuda de verdade, sei que cada dose
que para alguns parece normal, apenas aumenta meu vício. Sei que o
embrulho em meu estômago não é só pela ansiedade de ter visto as fotos e o
beijo, é a mais pura abstinência que agora mato aos poucos com álcool.
Eu sei de tudo isso, mas prefiro ignorar a importância desses detalhes.
— Preciso falar com você — minto. Preciso de algo selvagem e
proibido.
— Precisa é? — Ri. Apenas o queimo com o olhar. Tommy entende,
não estou com paciência nem vontade de ouvir sermões.
O menino entrega o copo a bartender de fios avermelhados e cintura
extremamente fina. O sigo até os fundos do Red Hell sem soltar uma palavra,
até que a porta do seu quarto se fecha atrás de nós.
E eu sinto a raiva voltar, me consumir.
— O que foi? — questiona e ajeita os fios lisos.
— Eu odeio algumas pessoas e preciso me distrair — digo antes de
agarrar seu corpo.
Colo nossos lábios no mesmo instante que termino a minha explicação,
mas Tommy não retribui o meu ato. Ele não segura na minha cintura, não me
puxa para perto.
Me afasto com dúvida.
— Eu acho que sei qual é o seu problema. Isso é sobre o post da
Christina? — Me examina e eu rolo os olhos. — Ou Nicholas Thompson?
Esse foi um chute.
Nada sobrevive a curiosidade dos moradores de WH, alguns são bons
em ler as pessoas.
— Sério? — pergunto sem querer uma resposta. Volto a agarrá-lo,
espero que dessa vez ele faça o que quero que faça.
Mas não.
Thomas me empurra com delicadeza, desgrudando nossos corpos. Ele é
racional e está ciente dos riscos.
— Sinceramente, eu não acho certo — diz, rindo e tentando soar
amigável, porém me ofende um pouco. — Não sei o que há entre vocês dois e
não sei o que aconteceu...
— Você pode parar de falar disso? Eu só queria sexo e não uma lição de
moral! — exclamo com ênfase, na verdade, quase grito.
Há tanto para jogar aos ares.
— Alice, eu não vou te ajudar a provocar o Nicholas.
Thomas realmente acha que tudo é sobre o menino rico e tentador? Que
eu quero o afetar? Pelo amor de Deus!
— Provocar o Nicholas? Vai se foder! — reclamo e tento passar por seu
corpo, estico o braço na intenção de agarrar a maçaneta. Tommy cola as
costas na porta e não me deixa alcançar o objeto.
— Você bebeu?
— Não! Por que? Virou meu pai? — protesto, me afastando. Cruzo os
braços como uma criança mimada.
— Eu não vou te deixar sair daqui pra fazer merda em outro lugar.
— Tommy eu...
— Fica quieta! Não sei como as coisas funcionavam em Nova Iorque,
mas em Wiston Hill é melhor se manter na linha. E isso é um conselho.
— Soa como uma ordem... — sussurro. Thomas não se move, não me
deixa partir. Estou presa, sendo forçada a pensar nas minhas atitudes
horríveis e exageradas, além do beijo.
— E se você ficar quietinha aqui e esfriar a cabeça?
— Não preciso disso.
— Para de ser teimosa — insiste.
Não tenho como negar, confesso que meu estômago dói demais
enquanto todos os acontecimentos dos últimos meses — desde Nova Iorque
— reaparecem em minha mente.
Ele sai do quarto e eu me sento na beira da sua cama, deixo os minutos
passarem. Preciso do silêncio. Tento esquecer o que vi e a sensação de ter
Nicholas tão perto e tão longe ao mesmo tempo. É um sentimento novo, não
consigo compreendê-lo.
Era de se esperar, afinal, sou a novata. No que eu estava pensando? Ele
só flertou comigo, não me prometeu coisa alguma, nem sabe quem eu sou.
Os minutos se tornam uma hora completa. Tommy abre a porta e eu
suspiro.
— Nicholas está aqui. Ele veio beber depois de fazer alguma merda na
festa...
Arregalo os olhos, espero que ele não me entregue. A última coisa que
quero é ter de encarar Thompson e ouvir as suas justificativas.
— E ele sabe que você também está aqui — declara por fim, dando de
ombros.
— Thomas! — grito e sou totalmente ignorada.
— Você pode fazer qualquer coisa, Alice, só não pode me envolver nos
seus problemas. É sério.
Bato as mãos no colchão com força quando a porta é aberta e Nick
aparece.
— Eu não acredito — solto com toda a indignação possível. Eles acham
que sou uma criança? Thompson veio me buscar como se fosse meu pai?
Me coloco de pé e os dois me fitam com curiosidade, mas não quero
conversar. Empurro-o pelo peitoral e passo por ele.
— Alice! — grita e eu ignoro.
— Vai se foder!
Os dois me seguem pelo corredor apertado. Estou irritada comigo, com
meus vícios, com o desejo que sinto e com o beijo que vi. Eu queimo e me
afundo em muitos sentimentos.
— Não façam isso dentro do Red Hell! — Tommy pede e eu me viro,
sentindo meus cabelos voando. Me torno aos meninos e respiro fundo.
— Eu não vou perder o meu tempo, pode deixar.
— A gente precisa conversar — Thompson tenta.
— Não. Eu não quero, está bem? — exclamo e continuo meu caminho.
Somos teimosos, os dois, na mesma proporção, com os mesmos
objetivos. Por isso, Nicholas me segue pela boate, por entre bêbados,
dançarinas e todo o resto. Já Tommy só vai atrás, porque tem medo. Ele sabe
que ao nos juntarmos poderemos atrair problemas.
Eu passo pela pequena porta de entrada, indo à rua vazia, num — quase
— beco esquecido.
— É sério, você precisa me ouvir! — Nicholas insiste. — Que merda
veio fazer aqui, afinal?
— E você? — brado, rindo de nervoso. — Avisou a Madison? É melhor,
porque, aparentemente, ela não sabe que vocês não namoram!
Nick contrai os lábios e me fita com fúria, enquanto isso, Tommy
observa. Ele se apoia no batente da entrada e assiste. Continuamos, mesmo
me sentindo uma idiota com toda essa situação.
— Que tal parar de ser tão teimosa e me deixar explicar?
— Que tal parar de se explicar tanto?
— Quer saber, eu não te devo nada, lembra? — declara sem ao menos
pensar no que diz.
— Que bom, porque eu vim aqui me divertir com o seu amiguinho! —
Aponto para Tommy. O mesmo ergue as mãos, como se não soubesse do que
estou falando.
— Alice, é sério? — Nick ri.
— Vai à merda, Thompson. — Ignoro a sua provocação e começo a me
retirar, caminhando pela rua escura, porém ele me segue.
— Você precisa me ouvir, não posso te deixar ir embora. Por favor. Não
quero que fique brava e acho que te devo uma explicação, principalmente
depois...
O interrompo:
— Por que isso importa tanto? — grito me tornando a ele, deixando o
sentimentalismo tomar conta. Estou em chamas.
— Alice, eu sei que...
— Você não sabe de nada! Nem consegue se resolver com a Madison…
— Pelo amor de Deus! — reclama e, ao invés de partir, o empurro com
as duas mãos em seu peitoral.
— Gente, vocês precisam discutir isso depois, agora não parece ser o
melhor momento — Tommy se intromete, já que estamos começando um
incêndio.
É desejo misturado a raiva, uma tensão sexual extremamente forte. Não
queremos discutir, queremos outra coisa.
— Vai fazer o que, Nicholas? — provoco e mordo o lábio.
— É sério. Vocês estão fora de controle — Thomas tenta, mas eu
empurro o menino novamente, fazendo-o rir.
O dono da Red Hell se coloca entre a gente com pressa, nos separando.
Ele percebe o que está acontecendo, não é mais uma briga e sim uma
provocação mútua. Algo delicioso, mas banhado a fúria.
— Teimosa — Thompson diz e se aproxima. Tommy continua criando
uma parede entre nossos corpos, mas isso não me impede de abaixar o seu
braço, para assim poder encarar Nicholas.
— E você é um mentiroso de merda!
Thomas é rápido, ele não tem tanta paciência e me afasta. Nick nem
reage.
— Chega! — Tommy brada enquanto eu cambaleio para trás, me
distanciando um pouco. A dor em meu estômago é forte, a tontura retorna.
Essa noite foi problemática demais.
— É sério, você pode falar com ela depois. — Ouço-o dizer, mas não
consigo entender a resposta de Nicholas. Estou enjoada.
Apoio as mãos na parede externa do Red Hell e abaixo a cabeça. Tudo
gira, por um momento me sinto perder a força.
— Alice! — um dos dois grita.
E pronto: minha visão escurece. Quando me vejo passando mal, não me
importo mais com as mentiras de Nick. Meu estômago se aperta, minha
cabeça lateja. Não há como focar em outra coisa. E duas mãos me agarram
pela cintura, puxam meu corpo e me erguem.
É Thompson, apesar de toda merda que eu disse.
— Eu não vou embora tão fácil — sussurra em meu ouvido quando
encosto a testa em seu peitoral.
14

SERPENTES
"Eu farei tudo que puder
para mantê-la ao meu lado,
só porque eu sei que parece certo..."
Zayn | Good Guy

NICHOLAS THOMPSON

Ela respira fundo enquanto a examino, Alice não parece bem e não
quero dizer que deve estar doente. Eu sei que fodi com a menina e nem foi da
forma que tanto desejo. Tive todas as chances de arrumar as minhas cagadas
antes de me entregar a outro caos.
Mas não.
Eu escolhi esperar e acreditar que Madison havia entendido. Nada é tão
fácil, não quando estou no meio da história, já notei.
Alice apoia a cabeça nas mãos, sentada na beira do colchão de Tommy,
com os olhos fechados. Nenhuma palavra escapa por entre seus lábios. A
enfiamos no corredor esquecido do Red Hell pela porta dos fundos, lhe dei
apoio enquanto seu corpo estava enfraquecido e a escondemos aqui até que
tudo melhorasse. Mas parece que o tempo não passa e ela não diz nada, só
respira fundo. Thomas já tentou dialogar, fazer um acordo e até a
expulsar. Nada.
— Está bem? — pergunto com certa hesitação, há minutos atrás Alice
gritava comigo, me chamava de mentiroso de merda. Não quero a estressar
mais, porém o silêncio não ajuda muito.
— Uhum — murmura, sem erguer o olhar. Wonders continua presa a
mesma posição: cotovelos apoiados nas coxas, coluna levemente inclinada,
dedos entre os fios escuros e as palmas das mãos na testa. Não sei como
consegue. — A minha cabeça 'tá girando, acho que vou vomitar — diz baixo
e finalmente se move.
A menina relaxa os braços e encara o chão. Wonders se levanta com
calma e caminha até o banheiro. Nós a assistimos enquanto encosta a porta e
podemos ouvir o que acontece. Ela coloca tudo pra fora.
Quando volta ao quarto, parece melhor.
— Pode beber isso agora. — Tommy lhe entrega uma garrafinha cheia
d’água.
A música do Red Hell está alta, algo sensual demais para a situação.
Continuo a observando, esperando. Não sei o que dizer ou o que fazer, mas
não vou embora. Com toda certeza ficarei aqui até conseguir consertar tudo.
Eu não sei lidar com a culpa, isso me consome.
— Obrigada — Alice responde e agarra o objeto. Ela ainda não me
fitou, sua atenção está em Tommy, que se mostra um tanto desconfiado.
A menina abre a garrafa e o som do lacre estourando toma conta do
quarto. Nenhuma palavra. Silêncio. Ela engole uma boa quantidade de água
gelada.
— Você não deveria beber tanto em festas — ele diz. — Ela bebeu? —
me pergunta.
— Não sei. — Dou de ombros e, finalmente, os olhos da garota me
encontram.
Wonders me fita com certa culpa, parece ter voltado ao normal, nada de
gritos ou xingamentos. A examino da cabeça aos pés e suspiro. Alice não me
queria por perto e isso me tortura um pouco. Como pude estragar algo que
mal começou com alguém que ainda quero, e muito, conhecer?
— Eu não bebi — responde focada em mim, sem piscar. A menina está
abatida, com ar de quem chorou um pouco. Os lábios ainda estão pintados de
vermelho, porém seus fios se tornaram uma bagunça. De qualquer forma,
continua linda. — Só não estava me sentindo bem.
— Certo. — Thomas insiste em tentar apaziguar os ânimos, entretanto,
estamos calmos até demais. — Não está grávida?
— Tommy, o quê... — Carrego meu tom de surpresa, mas sou
interrompido.
— Não estou grávida.
— Certeza? — ele continua e ri baixo, sei que está desconfortável. Não
entendo o porquê de ter ficado no quarto, eu posso cuidar dela sozinho.
— Eu não tô grávida! — Alice exclama, irritada.
— Tudo bem, só fiquei preocupado.
Preocupação estranha essa, eu nem pensei nisso. Nunca perguntaria tal
coisa a menos que tivesse motivos.
— Por que acha que ela pode estar grávida? — questiono calmamente, o
encarando.
Tommy engole em seco e seu peito se move com dificuldade. Ele respira
fundo.
— A gente transou — Alice revela. Devo parecer chocado, pois uma
satisfação surge em seu rosto. Ela queria me deixar assim, boquiaberto. —
Mas usamos camisinha e eu tomo pílula, não estou grávida. Já faz tempo, foi
quando cheguei, antes de te conhecer.
Me mantenho focado em seus olhos, mesmo distante.
— Não precisa se explicar — devolvo.
Wonders cora, ela sabe que não me importo, afinal, a vida é dela. E
como eu disse, ainda não temos nada. Alice não me deve satisfações. Sinto
uma pontada em meu peito por descobrir que Tommy dormiu com a menina,
algo que quase consegui e com o qual sonho e desejo todas as noites desde
então. Mesmo assim, não precisam se justificar.
Wonders dá de ombros timidamente e bebe mais água. Ela parece
confusa, envergonhada. Eu a fiz recuar.
Noto agora, que não sei o que está acontecendo comigo desde a primeira
vez em que a vi.
— Vocês dois estão bem? — Tommy questiona, sem perceber a nossa
estranha troca de olhares. Ele alterna entre nós, tenta definir que tipo de
relação temos.
Não respondemos. Se estamos bem ou não, depende da Alice.
— Eu preciso conversar com o Nick — diz, sem olhá-lo. Tommy pensa
sobre e não sai. Continua à frente da porta, de pé, nada obediente. — É sério.
— Acho melhor não. Quer dizer, vocês brigaram feio.
— Isso é por causa do desmaio na frente da boate? — Ele ri quando ela
pergunta. Cubro os lábios com os dedos, tentando não soltar uma gargalhada
irritante.
Eu sei o que Thomas teme: ele não quer suor em sua cama nem sangue
em seu chão, e claro que o sangue seria meu.
— Só não quero ter que separar uma discussão dentro da Red Hell.
Vocês nem estão bêbados.
— Nós não vamos destruir o seu quarto — me intrometo.
Os dois me examinam e Alice morde o lábio, sei no que está pensando.
Sorrio ao notar a maldade em sua face, o desejo escondido, e a garota para no
mesmo momento. Ela disfarça.
— Vocês são ridículos — Tommy sussurra e respira fundo. — Está bem
o suficiente pra isso?
Wonders assente, seus olhos brilham, sua cabeça concorda com
movimentos rápidos. Toda sua feição me atiça.
— Eu não preciso ir ao hospital, Thomas. Estou bem.
— Certo. — Ele repensa antes de ceder. — Tentem não destruir o meu
quarto, nem transar na minha cama, por favor.
Wonders rola os olhos e o menino sai com calma. Ele nos entrega uma
expressão desconfiada antes de fechar a porta e podemos ouvir seus passos
pelo corredor. Então, estamos sozinhos.
Antes que Alice volte a me olhar, fito sua clavícula à mostra, os detalhes
de sua pele. Analiso cada contorno. A menina deixa a garrafinha sobre uma
mesa de cabeceira e anda até o banheiro novamente, liga a torneira e lava a
boca.
Eu continuo a examinando.
— O que foi? — questiona ao retornar e ergo o olhar. Wonders me
encara.
— Você me chamou de mentiroso de merda.
— Me desculpe, acho que exagerei — sussurra e ri. — Mas eu vi o
beijo.
— Eu sei.
— E você me disse uma coisa, depois fez exatamente o contrário,
Nicholas.
— E você não me deixou explicar — argumento. A distância entre nós
parece cada vez maior. A poltrona já não está tão confortável, quero o calor
do seu corpo.
— Eu não preciso de explicações.
— Mas ficou brava. — Um sorriso cauteloso me escapa. Tento o conter,
mas vê-la nervosa até que me diverte. Alice retorna à cama.
— Eu só não gosto de me sentir confusa e não quero me envolver, nem
um pouco, com alguém que está preso a outro relacionamento — reclama,
suas mãos ajeitam os fios bagunçados e ela cruza as pernas sobre o colchão.
Seus seios brilham dentro da blusa um tanto apertada e sua cintura parece
mais desenhada que antes. — Quer dizer, a gente quase transou e eu nem
sabia da Madison. Você não precisava ter me contado, mas foi bem chato
descobrir por terceiros.
— Eu fiz merda — concordo num tom áspero. Não mudo a minha
expressão, examino cada centímetro, cada parte do seu corpo.
— Seu amigo disse o mesmo, na verdade, ele falou que você só faz isso.
— Alice ainda soa chateada, ela não ri, não me olha da mesma forma. Suas
íris brilham e seus lábios me chamam, mesmo assim, há algo de diferente.
Encontro sua clavícula mais uma vez, deixando o silêncio tomar conta.
Não tenho respostas, Jack estava certo e agora ela sabe. Ela ouviu. Eu só faço
merda e, pela primeira vez, quero fazer algo de diferente. Não quero iludir,
nem confundir ninguém, nunca quis.
Eu já disse, amo o caos, a calmaria me deixa entediado. Se Alice for um
problema — como Polly acredita —, não dou a mínima. Alice Wonders é o
caos disfarçado de anjo, a tempestade com um pouco de arco-íris. Ela é tudo
que me atrai.
— Por que está me olhando assim? — questiona e suspira quando fito
suas íris. A menina estremece.
— Assim como? — Sorrio de canto, um tanto confuso. Eu a olho
normalmente, pelo menos acredito nisso.
— Eu não sei — franze o cenho —, parece que quer me devorar. Quer
dizer — ri sem jeito enquanto alguns dedos escondem uma mecha atrás da
orelha —, nada, esquece.
A sua explicação não poderia ser pior. Talvez eu saiba do que está
falando, quando a vejo não consigo esconder o que sinto, não consigo fingir
que Wonders não me causa arrepios. Ela me aquece, mesmo estando longe e,
por vezes, me xingando.
— Quem disse que não quero te devorar, Wonders? — Levemente
provocativo e completamente intencional. Gosto de testar seus limites e ela
parece não acreditar no que ouve. Está chocada. — Tem certeza de que está
bem? — Mudo de assunto.
Me levanto com calma e Alice me observa. Talvez tenha medo, quem
sabe não me queira por perto. Mas meu corpo implora por alguma
proximidade, me sento ao seu lado no colchão de Tommy e a mesma me fita,
examina cada atitude antes mesmo de eu as tomar. Ela me lê.
— Posso? — me refiro as minhas explicações. A garota assente. — Eu
terminei com a Madison. — Wonders rola os olhos, cansada desse assunto.
— Tudo bem, você estava certa, talvez eu não tenha sido claro o suficiente.
— Com certeza não foi, Nicholas. — Um biquinho surge e some o mais
rápido possível.
— E eu não queria ser. — Dou de ombros. Explico tudo focado na cor
de seus olhos, observando cada reação, esperando não falar algo de errado. —
Eu não queria acabar com o que a gente tinha, porque ainda podia beber e
acordar na cama dela. Ainda era algo.
— É errado.
— Sim, mas quero ser direto agora. Madison já entendeu, eu não quero
voltar. Não mais.
Alice levanta a cabeça e se torna à mim, pensativa e um pouco receosa.
— Não quero ser seu motivo.
— E você não é — confesso. Não estou me afastando da loura por causa
da novata, eu preciso me desapegar do passado e Madison me liga a ele.
Preciso aceitar que as coisas mudaram, que paredes caíram e que
mentiras nunca serão desfeitas.
— Eu só quero terminar com ela. Preciso disso há muito tempo, talvez
você tenha sido um incentivo. Quem sabe?
— Não sei se posso confiar no que diz.
— Não menti pra você ainda.
— Exatamente — sussurra. — Somos desconhecidos e por isso não
quero confiar em você.
— Então, não quer — repito com ênfase na negativa. Ela se encolhe. —
Não está errada, na verdade, é bem sensato da sua parte.
— Eu sei. — Sorri pela primeira vez. — Vai precisar de muito mais pra
me convencer, Thompson.
— Eu aceito isso. — Ajeito a postura, movo a cabeça esticando o
pescoço. Alguns estalos surgem. A atenção da menina desce por meu corpo,
contorna meus músculos e chega aos meus dedos. — Mas vou ter que fazer o
mesmo, desculpe.
— O quê?
— Também não posso confiar inteiramente em você. Não nos
conhecemos, nunca realmente conversamos — falo. Ela morde o lábio e se
volta ao meu rosto.
— Isso também é sensato da sua parte.
O que havia de diferente partiu. Agora me sinto normal, como se
Wonders nunca tivesse me chamado de mentiroso de merda ou me
empurrado na frente da Red Hell.
Respiro fundo e espero, há perguntas em sua expressão, Alice só está
esperando pelo momento certo.
Mas ela não diz nada.
— Eu não sou bom — confesso baixo. Wonders arqueia a sobrancelha e
me analisa.
— E não sou perfeita, Nick. Me conte sobre as merdas que faz — pede,
se referindo a fala de Jack. Dou uma leve risada e me viro um pouco mais
para seu corpo, ainda de pernas cruzadas e mãos juntas.
— São coisas do passado — digo, entretanto, não vejo satisfação em sua
face. — Nada de interessante.
Não gosto de comentar. Wine e minha mãe estão presentes nessas
memórias, assim como Elle Carter, irmã de Jack. Foram muitos erros, boatos
e segredos jogados ao vento. Coisas que podem destruir até a mais perfeita
utopia, mas Polly não deixou isso acontecer. Ela deu um jeito, ela sempre dá
um jeito.
— Não parece. — Ri.
— Me conte sobre a sua família — ordeno. Era pra soar amigável, mas
não estou acostumado com isso. Limpo a garganta e continuo, notando-a
boquiaberta. Não quero falar de mim. — Tem irmãs?
— Sempre dá ordens assim? — ela questiona com certo sarcasmo. Dou
de ombros. — Tenho duas, Cherry e April. Dezesseis e quatorze anos.
— E Mike? — Me refiro ao seu único irmão, o herdeiro, aquele que
aparece nos eventos. — Eu li o que a Chris escreveu, lembra?
— Ele tem dezessete. É perfeito, inteligente e manipulado demais. — A
última parte sai como uma confissão, ela parece precisar tirar isso de seus
pensamentos. A relação dos dois me fica óbvia, não é boa.
— E seus pais? — Novamente uma ordem, preciso arrumar isso.
— John e Katherine? Não há muito o que dizer, é só ler as notícias —
brinca, mas continuo sério, esperando.
Não quero saber quem são para os outros, quero saber o que Alice acha
deles. Aqui em Wiston Hill conheço todas as famílias da alta sociedade e sei
quando escondem algo completamente errado, mas não conheço o lar de
Alice, nem de onde vem. Isso atiça a minha curiosidade.
Ela respira fundo, rola os olhos e se prepara para continuar contra a
própria vontade.
— Me dou bem com John, ele é legal e compreensivo quando quer. Não
gosta que sujem o nome da família e prefere manter a vida particular em
segredo, por isso não mostra tanto as filhas, nem o filho na verdade. Ele se
importa muito com os negócios. — Bufa. — Essa questão de aparências é
coisa da Katherine e eu, claramente, não gosto disso. — Alice pisca algumas
vezes enquanto mordo a parte interna da bochecha, sentindo o gosto do
sangue em minha língua, aguardando por mais. — Não sou próxima dela e
vice-versa.
— Por quê?
— Nunca fomos como mãe e filha. Ela só gosta do Mike. — Olha as
minhas mãos. — Depois de um tempo isso parou de importar.
Não sei o que dizer, não quero a consolar, Alice não precisa disso.
A minha família nunca passou perto de ser perfeita, se fosse, não teria
sido obrigado a viver com Polly. Cheia de regras e manias, querendo todos os
problemas longe dela, apenas os mais ricos e educados ao seu redor. Nada de
drama nem romances impróprios. Só o planejado.
Percebo que estou em silêncio há alguns minutos, encarando o pequeno
colar que dança em seu pescoço, a serpente quase minúscula enfiada entre
seus seios. Não comento, mas admiro.
— E quanto a sua mãe? — Alice questiona, se inclinando um pouco
para frente, fazendo com que o objeto desgrude de sua pele. — São
próximos?
— Sim, mais ou menos. Éramos. — Confuso. Repenso e recomeço. —
Eu não a vejo há muito tempo.
— O que aconteceu?
— Eu não sei, meus pais só sumiram. — A história toda não vale a pena
e eu não quero contá-la. — São coisas que devem ficar no passado.
Alice assente, sem me forçar. Ela entende como é não querer tocar num
assunto, como é querer deixar as coisas enterradas. Vi sua expressão quando
leu o post de Christina, ela pode dizer que não se importa, mas eu sei.
Wonders não gosta dessa atenção desproporcional.
— Como o que fizemos no seu quarto? — interpela e nossos olhares se
encontram.
— Com certeza não. Isso não é passado pra mim — digo, sentindo a
mesma excitação daquele dia, de quando toquei em sua pele e desci minha
mão por sua barriga até finalmente chegar onde queria.
E ela estava completamente molhada. Não posso me esquecer disso.
Estico um dos braços e agarro o pingente que balança perto de seu
busto, jogando tais pensamentos para longe.
— Uma serpente?
— Eu gosto bastante. — Ri.
— É, eu também — falo, analisando os detalhes de seu pingente, ainda o
segurando.
Nesse momento não estou interessado em serpentes ou colares, eu quero
seus lábios, seu toque. Quero sentir o seu cheiro enquanto ouço seus gemidos.
Tiro minha mão do tecido que cobre a cama e subo com ela por sua coxa, a
apertando. Alice continua me olhando enquanto mordisca o lábio, então,
desce a atenção até meus dedos.
— Por que está tão longe de mim, Alice?
— Eu tô do seu lado.
Posso notar o prazer em sua voz. Agarro sua coxa de vez, acariciando-a.
Ela suspira e fecha os olhos. Odeio o tecido de sua calça, que separa nossas
peles.
— Não é disso que estou falando — confesso.
Alice abre os olhos, sua expressão preenchida por sensualidade me faz
perceber que seu batom está perfeitamente intocado. Ah, eu quero muito tirar
essa cor dos seus lábios. Ela sorri com malícia, inclinando o corpo em minha
direção, subindo as mãos por meu abdômen e agarrando a minha nuca. Sinto
seus dedos entre meus cabelos agora bagunçados e sua respiração em meu
rosto.
Estamos bem perto.
— Eu sei do que está falando, Nicholas — murmura em meus lábios e
puxa alguns fios. Finalmente, ela me beija.
Sinto a temperatura de nossos corpos se unindo, o seu gosto tomando
conta de mim, o seu aroma ao meu redor. É delicioso, nossas línguas se
encontram. Agarro em sua cintura com desejo, aperto a pele de Wonders e ela
se ajeita. Alice se apoia em meus ombros e se senta em meu colo. Ela se
encaixa com perfeição.
Mordisco seu lábio, ah, eu queria muito fazer isso. A garota sorri entre
nossos beijos, satisfeita. Percebo seus dedos desenhando uma trilha em minha
nuca, suas unhas arranhando minhas costas por cima da camiseta e eu sei que
não vou parar. Nunca. Estou fazendo tudo que quero, assim como em meus
sonhos proibidos onde ela insiste em aparecer.
— É verdade — sussurro em seu ouvido —, você não é boa.
Alice ri, relaxando os músculos. Agora não somos completos
desconhecidos e eu a beijo pelo pescoço, mordendo e deixando marcas.
Quero que se lembre disso na manhã seguinte, que sinta que passei por aqui,
porque eu a desejo tanto que não aceito o esquecimento.
Chupo sua pele, provo do seu gosto.
— Nick... — ela geme em meu ouvido, me levando à loucura. Sua voz
inundada em prazer, tão leve, tão gostosa. Eu gosto muito de ouvir Alice
Wonders gemendo meu nome.
O suor começa a escorrer por minha nuca. Wonders não me solta, ela
também me quer perto, muitíssimo perto. Cada vez mais quente. E eu chego
aos seus seios, cacete, a sua pele está morna, deliciosamente doce. A beijo
com calma, não quero a machucar, sei que não tenho autocontrole, sei que
preciso me manter no limite, mas essa menina mexe com um lado meu que eu
ainda não conheço.
— Deliciosa... — murmuro e encontro seus olhos. Seu pingente balança
entre nós, seu quadril se mexe lentamente. Ela rebola. Alice rebola em meu
colo.
Merda...
Eu não consigo me segurar. Eu sei que não consigo, eu sinto uma ereção
se formando. Ela vai acabar comigo e ainda estamos vestidos.
Cacete...
Alice rebola muito bem enquanto sou hipnotizado por suas íris, seus
olhos brilhantes. É algo surreal, com um poder forte, ela me tem em suas
mãos. Eu queimo por dentro, ninguém pode apagar esse fogo. E Alice me
empurra agressivamente contra o colchão, se colocando sobre meu corpo.
Sorrio cheio de maldade.
— Eu não serei boa com você — sussurra.
Sinto o pingente frio e seus fios longos em meu rosto. Grudo em seus
cabelos, acima da nuca, puxando sua cabeça para trás, tomando o controle.
Ela arfa e eu estremeço, a quero agora. O sarcasmo em sua fala soou tão
doce e sujo. Eu gosto do lado impuro de Wonders, gosto de como ela não é
tímida, de como não tem pudores, não comigo, não quando agarro em seu
quadril e mordo seu lábio.
Passo um braço por sua cintura e jogo-a no colchão, me colocando por
cima. Ela ri, quase gargalha, e eu interrompo seus sons com um beijo ardente,
borrando seu batom, estragando sua maquiagem. Nada disso importa. Eu
poderia ter Alice Wonders comigo por dias, meses, anos.
Ela eleva o quadril, tentando nos encaixar, tentando sentir minha ereção.
Estou duro e a culpa é dela. E eu olho Alice Wonders nos olhos.
— Eu te quero muito. — Mas a garota não quer conversar, ela tenta
inverter a posição. Ela tenta me empurrar para ficar por cima, mas não
consegue.
Agarro seus pulsos e prendo seus braços contra o colchão, mantendo
nossos olhares conectados. Ela falha em segurar um gemido abafado e lento.
Sua respiração aquece meu rosto, fecho os olhos, absorvendo-a.
Eu a tenho e posso fazer o que quero, que é saber como é estar dentro de
Alice. Eu quero saber quais outros efeitos ela pode causar em mim. E suas
pernas agarram meu quadril com força, me prendendo, não me deixam partir
nem me afastar.
— Eu disse para não transarem na minha cama.
Sorrio e afrouxo o aperto em seus pulsos. Alice me empurra, sentando-
se no colchão, apoiada nos cotovelos e encontrando Thomas.
— Você não bate na porta? — pergunta, arfando. Ela está excitada, é
óbvio. Sorrio, a observando de soslaio. Wonders parece nervosa.
Começo a entender essa menina. Ela não gosta de ser interrompida, nem
de receber ordens.
Eu rio nasalado, porém me lembro de como Alice odeia meu deboche e
risos em momentos impróprios. Passo alguns dedos sobre meus lábios para
disfarçar meu ato.
— Esse é o meu quarto e eu não bato na porta do meu quarto — Thomas
responde com indignação. — Procurem um Motel, pelo amor de Deus. Vou
tomar banho e espero não ver vocês quando sair.
Wonders rola os olhos e eu me divirto com suas reações. Ela está furiosa
e sexy para caralho. Eu gosto de vê-la nervosa. Não sou tímido, se Thomas
entrou num momento errado, o problema é dele. Eu estava muito bem
tomando o corpo da garota.
Eu não quero que ela seja pura. Não mais. Eu não preciso de consertos e
meninas boazinhas, eu quero todo o fogo que o pecado pode me
proporcionar, porque nada se compara ao calor do corpo de Alice Wonders.
Thomas se enfia no banheiro e tranca a porta, nos deixando para trás. E
eu ainda tenho de lidar com uma ereção.
— Posso te dar uma carona — ofereço, ela me olha e sorri com
maldade. — De moto.
Assente.
— E onde vai me levar, Nick?
— Pra casa, menina.
— Sem graça.
Mordo o lábio e a observo se levantar com desânimo. Alice para à frente
da cama e cruza os braços, seu biquinho vai de fofo à malicioso.
— Eu prometo te recompensar — digo, deitando no colchão que não me
pertence, observando seu corpo escultural.
Ela sorri, satisfeita.
15

TOQUE
"Você escolheu dançar com o diabo, e você teve sorte.
As águas estão ficando frias,
deixe-me nadar no seu oceano."
Chase Atlantic | Swim

NICHOLAS THOMPSON

Eu levei Alice para casa na noite passada, senti suas mãos em meu corpo
enquanto passava em alta velocidade pelas ruas quase esquecidas de Wiston
Hill, e ela me abraçou mais dessa vez. Wonders queria estar comigo, o que
foi bem reconfortante depois de ouvir xingamentos e pensar que tinha
conquistado uma inimiga nessa cidade pequena. Por algum motivo eu quero a
manter por perto, não posso a machucar, nem magoar.
Pela primeira vez gosto da companhia de alguém, de uma forma
divertida, estranha e satisfatória.
Ela me perguntou se eu queria entrar, claro que estava brincando, e seus
olhos fitaram a minha ereção. Eu sei no que pensou, porque Alice mordeu o
lábio de novo. Ela sorriu depois e voltou a encarar meus olhos.
A sua frase ainda não sumiu da minha cabeça:
— Você tem muito autocontrole, Nicholas — sussurrou de uma forma
sensual, antes de se inclinar e me entregar um beijo quente. Antes de
dizer tchau.
Então, ela saiu. Eu tinha parado três casas antes da fraternidade e Alice
passou por todas até subir os degraus que levam direto ao ninho de cobras.
Descobri também que ela ama serpentes, mas Chris Vender não faz
muito o seu tipo. E depois, eu pilotei até o dormitório e me esqueci
completamente da festa em que deveria estar.
Quando me deitei na cama, tudo que vi foi seu rosto.

Jack não está tão amigável nessa manhã. Sinto sua irritação assim que
abro os olhos. Ouço suas reclamações baixas.
— Bom dia? — pergunto. Ele está de calça, bagunçando uma gaveta de
camisetas temáticas que coleciona. O encaro sem entender nada.
— Você viu a minha camiseta do Red Hot, cara? —Jack odeia perder as
coisas.
— Não. E você nem ouve Red Hot Chili Peppers, Jack! — É uma
daquelas bandas que sua irmã, Elle Carter, ouvia.
Uma vez fui à casa dos Carter, grande demais na rua residencial
principal. Eu subi as escadas, passei por uma porta fechada e toda rabiscada,
daí ouvi algo como Nirvana tocando. Ela gostava dessas músicas
independentemente do estilo de Rock. E ela as escutava o dia inteiro.
Mas agora, Elle só vive na memória de quem realmente a conheceu.
Toda vez que penso em seu rosto, em seus cabelos castanhos, em sua pele
pálida, me lembro dela deitada num caixão e isso me faz estremecer no
mesmo momento. Não gosto de voltar à essa época, onde Wine estava
presente e Elle escutava bandas que agora enfeitam as camisetas de Jack.
— Nicholas! — ele chama, me tirando do silêncio irritante, me fazendo
encará-lo e esquecer as faces do passado. — Não viu mesmo?
Faço que não.
Eu o conheço bem, ele se estressa no início e depois se rende, respira
fundo e faz de conta que nunca comprou a tal camiseta. Jack se acostumou a
desistir de algumas coisas.
O menino se joga na cama do outro lado do quarto e me encara.
— Arrumou a cagada que fez?
— Sim — conto, me lembrando do colar de Alice tocando meu rosto
quando ela se colocou por cima de mim.
— E quanto a Alice?
— Estou falando dela. Madison já entendeu bem que terminamos,
especialmente depois de ontem.
Eu lhe empurrei logo em seguida, não queria a machucar, mas o que
ela fez foi inaceitável. Dessa vez, Maddy encheu a cara e me agarrou. Talvez
o universo esteja brincando comigo.
— Tem certeza disso? Ela é insistente e vive negando a realidade — ele
diz tal coisa como se fosse especialista no assunto. Seus olhos baixam e Jack
encara as próprias mãos.
— Achei que a sua mãe fosse psicóloga e não você.
Jogo minhas pernas para fora da cama e me sento de frente para ele,
esperando por mais conversas inúteis. Jack bufa e volta a me fitar, com um
sorriso maldoso no rosto.
— Finalmente a conheci — brinca —, e sim, ela faz muito o seu estilo.
Dou risada. Os boatos correm rápido pelas ruas da cidade e muita gente
já diz ter notado algo entre nós, mas ainda nem começamos. Alice não quer
que eu seja apenas um estranho, ela não gosta da ideia de ter um completo
desconhecido tocando em seu corpo, pelo menos não quando se trata de mim.
Ela não fez muitas perguntas quando transou com Tommy, mesmo
assim evito focar nisso, sei que há uma pitada de inveja no fundo dos meus
pensamentos.
É ridículo.
— Vocês são iguaizinhos — continua, percebendo a minha leve
distração.
— Isso é ruim?
Jack dá de ombros e se levanta.
— Não sei, parece bom. Teoricamente. — Ri baixo, revirando a gaveta.
— Não consegui conversar com ela, parecia distraída, daí o beijo atrapalhou
tudo.
Ele se enfia numa camiseta preta, combinando com a calça, e se volta à
mim.
— Você não faz ideia — sussurro.
— Não mesmo, você saiu logo depois. O que aconteceu? Alice não
parecia muito bem.
— Nada — minto. Jack semicerra os olhos, desconfiado. — A gente
conversou.
— Então não transaram, está bem. — Ele ri.
Bufo baixo e me levanto, sabendo que a ideia de transar com Alice me
tira da calmaria que tento manter. Eu a quero demais e toda vez que chego
perto de tê-la, algo nos interrompe. Estou cansado de brincar com o universo.
Desconhecidos, problemáticos, perfeitos, imperfeitos. Eu só queria saber o
que realmente somos.
— Não transamos ainda — digo, agarrando uma camiseta branca para
cobrir meu corpo.
— Ainda? Quer dizer, nunca?
— A gente mal se conhece, Jack.
— Isso não costuma fazer diferença pra você.
Dou de ombros, não tenho como me explicar, não tenho respostas. Ela
despertou algo incomum em tão pouco tempo, algo que nasceu quando me
pediu um cigarro à frente do Heaven.
— Vocês se conhecem há pouquíssimo tempo, mas isso não os impede
de...
— Eu sei bem disso. — Rio e me torno a ele, seus olhos focam em
minha expressão. — Acredite, eu sei muito bem.
— Não entendo.
— Nem eu, Jack. Eu não faço ideia do que essa garota tem. — Ninguém
faz.
Como pode Alice Wonders, a novata, mimada e teimosa, ter mexido
com a minha cabeça?
Inaceitável, entretanto, delicioso.
— Sabe, eu quero conhecer essa menina, ela deve ter poderes — diz e
noto estar sorrindo igual um idiota, sem razão alguma. O fito com certa
hesitação, não sei se a possível proximidade dos dois é uma boa ideia. Jack
me conhece bem até demais. — Você 'tá parecendo um mascote.
— Vai se foder! Eu não tenho como marcar um encontro.
— Você não tem o telefone dela? — Parece indignado.
Nunca passou pela minha cabeça, porque estava distraído com seu
beijo. Nego, já pensando no que ele pode dizer a garota. Sei que Alice
adoraria conhecê-lo, mas Jack e Hannah têm a mania de contar coisas que
não devem. Eles são um tanto fofoqueiros.
— Acho que deve ficar longe dela — digo e Jack faz que não com o
indicador. — Você já falou que faço merda, acredite, Alice ouviu.
— Mas eu não menti. Ainda bem que ela ouviu.
— É por isso que não vou deixar que a conheça, idiota. — Me enfio no
banheiro com pressa.
— Mas você não tem escolha, Thompson.
O garoto ri mais uma vez, enquanto eu fecho a porta. Está certo, eu não
tenho. Ele a encontrará de uma forma ou de outra, prefiro que seja através de
mim. Quero estar ao lado deles quando virar o assunto, quero poder ouvir as
críticas e elogios.
Quero saber o que Alice pensa.

Prometi a Jack que iríamos ao Heaven e daria um jeito de encontrar


Wonders. Ele quer muito a conhecer e sei que seus motivos são diferentes
dos que me diz, não se importa com meus segredos ou as merdas que ainda
posso fazer. Ele só quer me proteger dos problemas alheios.
Estaciono a moto na frente da casa. As garotas, sentadas em bancos que
enfeitam a varanda, me encaram, então olham para Jack. Ele tira o capacete e
espera.
— Não sabe se ela está ai.
Retiro o capacete com calma. Os olhares se voltam à mim, todos
animados. Algumas meninas estremecem e tentam disfarçar.
É um tanto divertido, ao mesmo tempo, constrangedor.
— Ei, você! Alice Wonders está? — Jack pergunta para uma garota
baixinha, de cabelos na altura dos ombros. Ela assente com timidez e fecha o
livro que lia até chegarmos.
— Pode a chamar, por favor? — peço, tentando ser mais simpático. A
menina concorda, pensa e repensa, então se levanta e entra na casa.
— Muita ousadia parar bem na frente da fraternidade.
— Madison sabe que terminamos — explico.
— Tudo bem, mas ela é dramática e todas essas meninas viram que você
a trocou por uma novidade. Vai parecer errado.
— Você me disse pra arrumar a minha merda e eu arrumei, agora me
deixe fazer o que quero — reclamo e ele ri.
Sei que só está tentando cuidar de mim, sempre tentou, mesmo depois
de eu quebrar seu nariz. Apesar disso, já tenho vinte e um anos, não preciso
de uma babá.
Tiro a minha atenção de Jack e a vejo. Alice surge pelo corredor interno
da casa, passa pela porta de entrada e desce os degraus. Ela me olha, sorri e
cruza os braços. Seu corpo está enfiado numa camiseta branca com um
desenho aleatório na frente, extremamente larga, chegando aos joelhos.
Parece confortável. E numa calça preta combinando. Nos pés, tênis. Ela ajeita
os fios bagunçados e para ao meu lado.
— Não me lembro de termos marcado… — diz, porém eu noto que está
feliz em me ver.
— A gente não marcou, mas estamos indo ao Heaven. Quer ir?
Ela rola os olhos e relaxa os braços. Wonders encontra Jack e sorri de
forma amigável.
— Seu amigo? — questiona.
— Jack Carter — ele soa muito interessado. — Forcei Nick a me deixar
te conhecer.
Ela ri. Penso no que estava fazendo quando cheguei, parece ter acabado
de acordar, sua pele está levemente rosada, como quando se dorme no calor.
Mas agora as ruas estão frias, o vento já balança seus fios.
— Me dá o capacete — diz e estica um dos braços. Fito a palma de sua
mão e sorrio com maldade.
Alice consegue espalhar a sua sensualidade pelo ambiente. Eu toco seus
dedos e a puxo para perto, lhe entregando um beijo. É quente, suave e bom.
Pela primeira vez, calmo. Ela apoia as mãos em meus ombros sem hesitar.
Posso ouvir as fofocas, as vozes baixas, cochichos, tenho certeza de que
estamos sendo observados.
— Tudo bem — Jack diz, enfatizando o u.
O garoto nos encara admirado, nunca me viu agir assim. Em todas as
vezes que saímos juntos as meninas que se aproximaram, elas que grudaram
em minha jaqueta e agora, os dedos de Alice estão nela.
Nos separamos, mas não posso deixar de notar seu sorriso. Ela tenta
disfarçar, entretanto, não consegue.
— Eu não achei que fosse fazer isso aqui — diz e morde o lábio, o que
já se tornou um costume. Tento não dar atenção ao seu ato, me viro para Jack
que parece bem surpreso.
— Então, podemos ir? — questiona. Alice assente.
Ela se joga atrás de mim na Harley, encaixa seu corpo com calma, seus
braços agarram em minha jaqueta e Wonders me abraça. Sorrio, satisfeito.
Me ajeito e ligo a moto.
— Como sempre, é melhor não me matar, Nicholas Thompson —
sussurra em meu ouvido.
Eu dou risadas e aperto suas coxas antes de sair, acelerando pelas ruas
de Wiston Hill.

Quando entramos juntos no Heaven percebemos o pouco movimento.


Alguns clientes se apoiam no balcão de vidro e eu logo noto a falsa simpatia
de Hannah com eles. Sorrio de canto quando ela nos encontra, já Jack nem
espera, ele parte para lhe entregar um beijo e nos deixa sozinhos.
— Você vai beber? — Alice questiona, parada à porta e me fitando com
preocupação.
— Estou dirigindo. — Terei de a levar embora e não arriscaria a
machucar. — Mas você pode beber.
Sorri docemente. Alice agarra em minha mão e me leva à uma mesa
pequena, no canto do bar, quase isolada. Jack tem duas opções, atrapalhar o
trabalho de Hannah ou interrogar Wonders. Por enquanto ele parece optar
pela primeira.
— O que ele quer saber? — Alice se senta ao meu lado e me encara.
Penso. Não faço ideia. Jack irá fazer perguntas idiotas, disso eu sei. — Eu
não vou te matar. Quer dizer, ele não precisa ficar preocupado.
— O contrário. Talvez ele tenha medo do contrário — respondo
encontrando seus olhos.
Apoio meus braços na mesa e espero. Hannah nos observa de longe
enquanto Jack diz algo em seu ouvido. No jukebox uma música de rock toca,
baixo o suficiente para que as pessoas possam conversar. O silêncio entre nós
começa a ficar estranho, ela parece nervosa.
— Você me mataria? — pergunta num tom cômico. — Quer dizer...
— Não exatamente. Não sou um assassino. — Sorrio e Alice faz o
mesmo. — Só que, às vezes, sou um problema. — Seu olhar ainda passa
insatisfação. — E eu não te mataria assim.
— Então como? — Um sorriso fofo aparece.
Ela consegue ser gostosa pra caralho, ao mesmo, tempo fofa e angelical.
— Sabe como — digo e a mordida no lábio retorna.
— Você ficou me devendo, não gosto de coisas inacabadas. — Que
coincidência, eu também não.
Sinto a excitação retornar quando me lembro de seu corpo sobre o meu,
quando vejo a marca de sua mordida no lábio, quando noto a maldade em
suas perguntas. Alice fica me pressionando, questionando, procurando me
fazer confessar coisas que tento esconder. Coisas como o quanto a quero.
Eu já sei que há uma vontade em mim que é incontrolável, eu quero a
foder com força, quero beijar todo seu corpo, quero ouvir seus gemidos em
meu ouvido, e quando penso nisso no Heaven — sentado ao seu lado,
sentindo o calor de seu corpo, deixando o silêncio tomar conta — eu percebo
que a ereção quase volta.
Droga...
Ela encara as próprias mãos, brincando com a corrente que usa num dos
pulsos.
— Você é linda — sussurro sem querer. Um pensamento que me escapa
alto demais. A menina me fita com surpresa nos olhos.
Alice abre a boca e a fecha novamente, ainda bem que não me responde.
Eu não consigo lidar com esses sentimentos, não sei o que fazer com eles.
Seus olhos analisam os meus e, com certo esforço, me ajeito e me viro para
frente, vendo Jack se aproximar junto da baixinha de cabelos azuis.
— Então, eu trouxe cerveja, porque parece que vamos precisar beber. —
Ele coloca duas canecas sobre a mesa. Eu deslizo a minha e a entrego a Alice.
— Eu tô dirigindo — falo e o garoto fica chocado. Jack dá de ombros e
se senta à nossa frente.
Hannah apoia as mãos na beira da mesa, parada ao lado de Wonders.
Sorrio para a baixinha, tentando ler seus pensamentos.
— Finalmente — ela diz. — Ainda não conheço a Alice, mas gosto dela.
Rolo os olhos e ouço a risada nasalada e abafada de Wonders. Me sinto
num zoológico e tenho certeza de que ela sente o mesmo, com toda essa
atenção desnecessária e desproporcional.
— Somos amigos, está bem? — afirmo, encarando Hannah.
— Amigos? — Ri.
— Hannah, nós somos amigos. Nos damos bem — continuo. Alice não
diz um a, apenas assiste. A baixinha assente, entende o que quero dizer.
Nada de boatos antecipados. Ainda estamos nos conhecendo, porque
aparentemente, na visão de Wonders, somos estranhos.
— Certo. Bom, vou voltar ao trabalho — avisa e sai com calma.
— Desculpe — digo baixo. Alice me olha e sorri.
— Mas somos amigos.
Nos pego numa comunicação interna, nós dois rimos e Jack observa sem
entender. Ele espera por uma explicação, mas Alice e eu estamos conectados
de uma forma diferente.
Talvez um caos reconheça o outro.
— Certo, amigos então — ele chama nossa atenção. Wonders bebe um
gole da cerveja e o encara. — Me conte sobre você.
A menina pensa enquanto eu finjo certa ausência, mas não posso deixar
que ele pergunte algo inapropriado, como por exemplo, sobre a família dela.
Já notei que Wonders não gosta de falar do seu passado.
— O que quer saber exatamente?
— Cor preferida? — Jack entrega e ela se cala. Que perda de tempo,
questões ridículas.
— Vermelho — diz com a voz suave e amigável. Alice está gostando,
não parece incomodada. — E às vezes, laranja.
A examino de soslaio quando Jack faz outra pergunta.
— Bebida preferida?
— Limonada ou tequila — conta.
Eles sorriem um para o outro, então, Alice bebe mais do líquido gelado.
— Que curso pretende escolher depois do primeiro ano?
— Literatura inglesa, com toda certeza. — Ela faz um biquinho.
Jack me fita, porém disfarça. O menino sabe que eu penso no mesmo.
Pelo visto, nenhum de nós deseja seguir no ramo da família. Administração
não combina comigo, muito menos empresas e eventos chiques.
— Aniversário? — Assim que ele termina a palavra, ela estremece.
Vejo sua expressão mudar, ainda está animada, mas agora teme ter
entrado numa parte pessoal. Ela não quer que ele pergunte sobre os Wonders.
— Isso é um segredo — diz, mantendo a calma.
A sua resposta atiça a minha curiosidade. Eu estava errado, essas
perguntas são importantes, a conheço um pouco mais agora e seu aniversário
é o principal. Preciso saber.
— Não vai me contar? — Jack provoca com maldade e alterna o olhar
entre nós.
— Eu não sei quando é — lhe digo. A verdade é que eu sou um idiota,
nunca dediquei um pouco do meu tempo a conhecer Wonders.
— Ninguém sabe. Não aqui — confessa, encarando meu amigo como se
estivesse tentando se livrar do assunto. — Isso é um interrogatório?
Jack ri.
Continuo tenso, pronto para me intrometer à qualquer momento.
— Mais ou menos. Já acabei, quer dizer, por hoje. Eu só tenho mais uma
pergunta.
Os olhos azuis de Wonders voltam a observá-lo com dúvida. Seus pelos
se arrepiam, posso ver. Alice coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha,
deixando seu pescoço visível. Há um hematoma sutil nele. Sim, ela se lembra
do que fizemos, porque deixei sua pele marcada.
Sorrio satisfeito, mas o silêncio me incomoda.
— Por que está tensa? — Jack questiona.
Me sinto mais leve, ele não está sendo um babaca. A garota rola os
olhos e me analisa rapidamente, então, volta a fitar o garoto enfiado numa
camiseta preta e com os cabelos bagunçados.
— Porque eu pensei que fosse fazer perguntas pessoais sobre Nova
Iorque, amigos e pior, os Wonders.
— Ah não, eu não ligo pra isso e li o que a Chris escreveu.
— Então, tudo bem.
Jack não quer saber de seus erros, ele não dá a mínima. Os dedos do
menino brincam com a alça da caneca de vidro que ele a balança de um lado
para o outro. Seus olhos se deparam com os meus e faço uma careta
entendível.
— Vocês dois combinam — solta para me provocar e sorri, levando a
bebida aos lábios. Alice ri nasalado, me viro imediatamente e a encontro.
— Todo mundo diz isso pra te irritar — me explica.
Hannah e Jack entendem que quero tentar ir devagar, mesmo sem saber
como fazer isso. Eu só tenho pressa, sempre. E eles gostam de me atirar ao
fogo de Wonders, o que significa que estão aprovando a situação.
— E ela é mais esperta que você — Jack continua.
Me arrumo no assento sem muita postura, relaxo o corpo e me encosto.
Percebo que na posição em que estou posso observar as costas de Alice e
seus fios escuros. Mas desço o olhar, encontrando a sua bunda.
Completamente errado.
— E você, Jack? — ela começa. — Me conte sobre você. Namora com a
Hannah?
— Sim. Com toda certeza sim.
Os dois iniciam uma conversa que não faz diferença para meus ouvidos.
Por baixo da mesa, deslizo meus dedos em sua coxa, subindo-os. Eu sinto seu
corpo, sua pele sob a calça apertada. O tecido me irrita um pouco e Wonders
estremece, engole em seco e prossegue.
— Sorte sua — responde ao meu amigo enquanto agarra em meus dedos
e os retira de sua perna com impaciência.
Disfarço sem sucesso e os deixo continuar a conversa.
— Vou beber alguma coisa — digo, ignorando-os. — Água — explico,
quando ela me entrega um biquinho fofo demais, ao mesmo tempo, furioso.
Alice me dá espaço e eu passo com calma. Caminho pelo Heaven e me
aproximo do balcão, apoio as duas mãos sobre o vidro e espero. Hannah sorri
de canto e deixa o cliente bêbado falando sozinho.
— Thompson?
— Quero uma água.
— Água? — A surpresa grita em suas íris. Ela ajeita o cabelo e se apoia
no balcão, confusa. — Não vai beber?
— Tô dirigindo — relembro.
— Ah, entendo. Não quer colocar a vida dela em risco, certo? —
Hannah pega uma das garrafinhas que ficam no frigobar e me entrega. —
Gosto da Alice.
Rolo os olhos.
— Eu também, ela é diferente. — Não consigo segurar o sorriso ao dizer
isso. — Um bom tipo de diferente.
— E ainda acham que são apenas amigos? — Hannah morde o lábio,
cheia de malícia. Não quero ser amigo de Alice, mas, por enquanto, posso
nos definir assim.
— Eu não sei mais.
— Interessante... — sussurra e se afasta.
Quem sabe essa menina deixe todos confusos. Eu estava errado, um caos
não só reconhece o outro, ele se atrai pelo outro.

Wonders caminha pela areia, passos à minha frente. Fico satisfeito


apenas por poder a observar, linda em plena noite. O cheiro do mar toma
conta da minha respiração, o vento frio faz com que nossos fios dancem.
E ela continua.
— Está fugindo de mim, Alice? — pergunto, brincando.
Eu a perseguiria sem pensar duas vezes, porque sei que ela me quer.
Alice tem um vício, ela ama provocar e irritar, ela gosta de testar os limites
alheios.
A menina se vira num pulo e me encara com maldade.
— Nunca, Thompson — responde.
— Ótimo — lhe digo, a alcançando. Agarro em sua cintura e a vejo nas
pontas dos pés. Seus dedos se apoiam em meus ombros, seu aroma de cereja
ainda é forte e sua pele é macia.
Foi ideia dela caminhar pela areia, porque aparentemente, não ia à praia
há muito tempo.
— Parece que passei no teste do Jack — comenta.
A respiração dela aquece meu rosto, nossos lábios estão próximos.
Apenas aliso sua face, retirando uma mecha que me impede de estudar a sua
beleza. A coloco atrás da orelha e encontro os olhos azuis, o sorriso fofo.
— Falta passar no meu teste, Wonders — digo e puxo-a para mais perto.
Quando fecho os olhos tudo que tenho comigo é o calor do seu corpo e esse
sentimento desconhecido.
Eu sinto, porque pela primeira vez me deixo sentir, o coração acelerado.
E eu deslizo meus lábios sobre os seus, sem realmente beijá-los, sem
realmente provar de seu gosto. Eu a cheiro, absorvo seu aroma, me aproximo
do seu pescoço. Sobre a marca antiga, deposito um beijo molhado e calmo.
— Qual é o seu teste, Nicholas? — ela pergunta em meu ouvido e geme
baixinho quando lhe mordo de leve na orelha.
A afasto um pouco de mim. Preciso de ar, perco o controle quando
estamos perto e Wonders sabe disso. Suas mãos deslizam por meu abdome,
por cima da jaqueta, e seus pés voltam a encostar no chão.
Contudo, seus olhos ainda fitam os meus.
— Quando é o seu aniversário? — questiono e ouço seu riso nasalado.
Alice mostra um sorriso perfeito e agarra em minha camiseta, seus fios
balançam com o vento frio. — É sério.
— Vai desperdiçar uma pergunta com isso?
— Vou. Eu quero saber.
— Se eu tenho que responder, você também terá que responder algo.
Ela baixa os braços e os deixa ao lado do corpo. Eu os contorno com
meu toque, até alcançar seu pescoço com as duas mãos, então, seguro seu
rosto.
— É em dois dias. Quinze de agosto.
— Por que não me contou antes?
— Não tenho porquê ou não tinha porquê — diz. Me curvo e lhe dou um
selinho leve e rápido.
— Não quer uma festa? A gente pode fazer uma festa no Red Hell,
chamar a Hannah, Jack, Andressa...
Alice rola os olhos, me fazendo parecer um bobo.
— Nick, eu não quero receber toda essa atenção. — Molha os lábios. —
Eu quero a sua atenção.
Assinto, até porque estou lhe devendo uma coisa. Prometi a
recompensar.
— Tudo bem, agora é a sua vez de fazer uma pergunta — digo e ela
volta a esticar os lábios, entregando-me uma animação anormal. Wonders
quer descobrir meus pontos fracos.
— Quando vamos transar?
Congelo no mesmo momento, engulo em seco. Eu sei que ela é
uma diabinha, mas não imaginei que fosse chegar à esse ponto.
— Eu tô brincando, bad boy. Só quis descontrair.
Ajeito meu cabelo, tentando respirar fundo o suficiente para aliviar a
tensão que se iniciou.
— Me conte sobre a sua mãe. Fiquei curiosa.
— Essa pergunta não é melhor, Alice — falo e começo a caminhar. Ela
me acompanha lentamente, sendo compreensiva. Não vai doer se eu contar
poucas coisas sobre meu passado, partes indiferentes. — Mas, o que quer
saber?
— Vocês parecem próximos. Quer dizer, pareciam — limpa a garganta
—, enfim, como ela era?
— Linda, inteligente e carinhosa. Na verdade, ela era bem doce. —
Wonders sorri, o que me tranquiliza. — Ela é loura e tem olhos
extremamente azuis, era dançarina contemporânea, estudava na Wiston Hill.
— E ela dançava bem?
— Muito bem — é bom poder revelar algumas coisas, poder ver seu
rosto novamente mesmo que seja apenas em meus pensamentos —, e
a Grace se parece com ela.
Wine também parecia, mas não quero mencionar sua existência. Ela
sumiu, não faz parte desse presente onde me sinto caindo por uma quase
desconhecida.
Ela não precisa saber sobre Wine Thompson, Damon Thompson ou Elle
Carter. Eles estão distantes, apagados, e a cada dia que passa eu os esqueço
mais.
— A sua irmã é muito fofa.
— E só fala de você — confesso. Alice fica um pouco constrangida. —
Te achou linda e você é bem mais que linda, Wonders. É maravilhosa. —
Não posso segurar.
A menina para e me encara, só percebo alguns passos à frente e me viro.
— Você não é assim — diz baixinho.
Franzo o cenho, que merda ela quer dizer? Em sua expressão noto
vontade, vergonha, timidez e, principalmente, dúvida.
Estamos perdidos no nosso paraíso caótico.
— Você não me conhece.
— Mas Jack sim, e eu notei. O que 'tá acontecendo, Nick? — Se refere a
nós. Nunca imaginei que essa fosse a pergunta mais difícil de ser respondida.
— Não faço ideia, Wonders. Isso te incomoda?
— Não faço — alguns passos, suas mãos em meus ombros novamente, e
pronto: está nas pontas dos pés — ideia, Thompson.
Sorrimos.
Não precisamos de uma definição, porque quando seus lábios tocam os
meus é como se eu estivesse invadindo o paraíso. Eu sinto isso quando nossas
línguas se encontram e meus dedos apertam sua cintura.
Eu não faço ideia. Mas eu gosto.
16

LEONINA
"Isso é o Paraíso, o que eu realmente quero,
é a inocência perdida."
Lana del Rey | Gods & Monsters

ALICE WONDERS
Segunda-feira, 15 de Agosto.

Eu sonhei com seu toque durante horas e me virei na cama sentindo o


calor californiano misturado ao desejo que o garoto desperta em mim. Eu sei
o porquê de tudo isso, no domingo nem nos vimos e tentei não pensar nele,
me concentrei em Andressa e sua falação interminável. Também tentei
arrancar dela coisas que aconteceram na cidade.
E nada.
Tudo que descobri é que Nicholas fez alguma merda há anos, não só ele,
metade desses adolescentes. “Foi uma época caótica” a ruiva disse, por isso,
decidi mais uma vez não a forçar, sei que em algum momento terei de
descobrir a verdade, ou parte dela. É como se estivesse conectada a Wiston
Hill, como se alguma coisa me obrigasse a ficar aqui, e melhor, ao lado de
Nicholas.
Tive várias opções de Universidades, mas desde a primeira vez em que
vi a WH, me senti levemente atraída, e à cada dia que passa percebo que
estou me prendendo a tal utopia. É um destino.
Eu preciso disso e vice-versa.
Em manhãs como essa eu tento ao máximo afastar a voz da minha
consciência, enquanto penteio meus cabelos, sabendo que é cedo demais para
qualquer coisa. A ansiedade me tirou da cama, porque mesmo dizendo que
odeio toda essa atenção, uma parte de mim adora ser o centro de tudo.
De qualquer forma, algo grita em minha cabeça, me diz que nada é tão
fácil, que não conheço Nicholas o suficiente, que não sei do que ele gosta
nem do que tem medo, não sei o que o irrita. Eu não faço ideia de quem
aquele menino é e por vezes a racionalidade me pega e me interroga, será que
estou sendo impulsiva? Quer dizer, eu gosto muito da presença dele, do seu
cheiro e de suas mordidas.
Eu gosto muito da ideia de tê-lo por perto e isso é ridículo. Esse
sentimento nasceu do nada, por nada. E assim continuo, todas as manhãs eu
me forço a não mergulhar em tais águas.
— Bom dia — Andressa diz, enfiada numa calça jeans clara e numa
blusa bege, os cabelos ruivos e levemente cacheados estão presos num rabo
de cavalo. A fito através do espelho, ela se apoia no batente da porta e seus
olhos verdes brilham.
— Bom dia — respondo, notando uma animação contida. Ela morde o
lábio como se estivesse guardando um segredo.
— Eu meio que tomei a liberdade de olhar o seu celular — diz. Largo a
escova no mesmo momento e me viro para ela. — Quer dizer, você sempre
deixa ele em casa e eu vi uma mensagem.
Eu evito ler qualquer coisa naquela merda. O abandonei quando Alex
começou a me ligar insistentemente e também não tenho motivos para andar
grudada a ele, afinal, não tenho com quem me comunicar.
— Você recebeu algumas mensagens de aniversário e — suspira — feliz
aniversário.
Eu tento ficar furiosa, mas Andressa está sendo fofa. Ela merece o meu
esforço. Toda vez que olho em suas íris verdes me lembro das fotos, da
humilhação. Sei que não posso a tratar como uma vítima, mas sinto certa
raiva pelo que aconteceu.
— Obrigada — respondo e sorrio sem muita vontade. O único motivo
para não gostar dessa data é o fato de nenhum Wonders se lembrar dela,
tirando April e meu pai.
Andressa se desencosta da parede e me entrega uma caixinha pequena,
ela a balança um pouco, criando expectativa. Agarro o presente ardendo por
dentro, não recebo um desses há muito tempo. E sim, eu adoro presentes.
— Não sei se você vai gostar, mas combina com as coisas que usa —
brinca. Abro a pequena caixa e vejo os brincos brilhantes e bonitos. Eu amei!
São de pedras brancas, provavelmente caras. Não entendo disso, mas são
lindos. — Dá pra usar no baile de máscaras — diz, me provocando.
Sorrio de canto, já entendi suas intenções. Andressa quer que eu saia,
que eu conheça pessoas e, sobretudo, que eu vá à essa festa aparentemente
importante para a alta sociedade de Wiston Hill. Assinto sem dizer muito. O
presente é belíssimo, daqueles que se usa poucas vezes, mas que se ama.
— Obrigada, são lindos — respondo e suas bochechas coram. — De
verdade.
Percebo a sua hesitação, ela dá alguns passos à frente e se aproxima. Rio
nasalado da sua atitude, ela quer me dar um abraço, tenta e recua, repensa.
A puxo pelo braço e a agarro, apertando-a. Pronto, está satisfeita.
— Que bom que gostou — sussurra ao passar o braço por meu pescoço.
Andressa é o tipo de pessoa que a maioria quer por perto, animada, positiva e
altruísta.
Nos separamos como se nada tivesse acontecido, ela se ajeita e eu volto
a me apoiar na pia.
— Não conte a ninguém...
— Não vou — responde de imediato. — Se você não contou, não vou. E
o que vai fazer hoje?
Mordo o lábio. Eu sei muito bem o que vou fazer hoje, ver aquelas íris
azuis e escuras, aquele corpo perfeito, aquele cabelo ajeitado a gel. Ah, sim, é
isso que vou fazer.
— Ah, eu não sei — minto, gaguejando. — Vou à aula e à noite vou
sair.
— Legal, toma cuidado. — Andressa parece desconfiar de algo. Ela
semicerra os olhos, mas não me questiona, apenas se retira do banheiro.
— Eu sempre tomo — sussurro quando a mesma já saiu.
Nada me distrai mais que pensar na possível recompensa de Nicholas.
Ele e seu toque, seu beijo, sua tentativa de ser doce. Nick não é doce, isso é
óbvio.
Saio do banheiro presa aos desejos. Ainda tenho de assistir uma aula
longa e entediante, sentindo seu corpo ao meu lado, e depois esperar até que a
noite chegue. Será difícil e delicioso. Gosto de ser provocada tanto quanto
gosto de provocar.

Eu não sou igual a Nicholas, não consigo contar a ruiva sobre essa nossa
relação, já ele foi sincero com Jack. Eu nunca fui muito de confiar nas
pessoas, porque quando tentava, percebia o quão errado era. Seu coração e
confiança não serão partidos se você não os entregar a alguém.
Nem sempre segui essa regra, entretanto algumas coisas me fizeram
mudar. Nada de sentimentos, beijos românticos ou mãos dadas. Nada de
expectativa. Mas eu quero que Nicholas quebre isso, me sinto vulnerável
perto de seu corpo e ao olhar em suas íris. Eu sinto que posso correr o risco.
Me vejo sozinha ao adentrar a sala de aula, cedo demais, esperançosa
demais.
Quer dizer, quase sozinha.
— Bom dia, novata. — Ouço a voz feminina. Chris Vender me espera
encostada na mesa do professor, aquela que fica sobre o palco. É como se
tivesse planejado esse encontro.
Sorrio falsamente e desço os degraus que dividem o auditório, rolando
os olhos. Não estou com paciência para as frases prontas da bonequinha
perfeita.
— Eu queria conversar — continua. Me jogo numa poltrona qualquer e
espero. A encaro com desinteresse e Chris faz um biquinho antes de me
contar o que realmente quer. Ela me mede com superioridade.
— E eu queria viajar pra Paris. Nem sempre temos o que desejamos —
suspiro enquanto Christina se aproxima com lentidão.
— Percebi que está bem próxima do Nicholas. — Se senta à minha
frente. A garota cruza as pernas e deixa a saia branca, de renda, balançar na
beira da cadeira.
A sua pele parece suave, macia, sem nenhuma mancha ou cicatriz. Nada.
Suas unhas são compridas e delicadas. Christina deve passar muito tempo
cuidando da aparência, tempo esse que poderia ser aplicado na criação de um
caráter.
Não a respondo, apenas espero.
— Isso não é uma boa ideia — prossegue. Rio nasalado, mas Chris
ignora. — A Polly não vai gostar nada e, além disso, tem a Madison, sabe?
— É? — caçoo e balanço a cabeça, afastando uns fios de cabelo do meu
rosto, aqueles que me incomodam.
— É sim. Você não faz o tipo dele, não é inocente e perfeitinha. — Dá
de ombros. — Você parece independente demais. Também não sabe como as
coisas funcionam em Wiston Hill.
Ainda não tenho algo com Nicholas, mas ouvir Chris dizendo tais coisas
me irrita. Aprendi cedo a manter a postura e o tom leve, nem sempre
funciona, porém arrancar alguns fios louros de sua cabeça não irá me ajudar.
— Deixa eu te perguntar — sussurro. Ela se inclina um pouco, se
mostrando interessada. — Esse tipo que você disse é do Nick ou da Polly?
Quer dizer, ele não reclamou ainda.
Sim, eu a provoco e sim, ela percebe. Seu sorriso desaparece. Já entendi
tudo, Nicholas estava com alguém que agradava a sua avó, cheia de regras e
manias provavelmente. E sim, eu sou o oposto do que ela deve admirar.
Nada disso importa. O único corpo que ele quer agora é o meu.
— Sabe que vai se arrepender — ameaça com calma. — Há coisas em
Wiston Hill que você nunca vai entender.
É, eu já notei isso. Muitos segredos e, com certeza, muita mentira.
Coisas que o dinheiro compra e acoberta.
— Vamos ver. Estou disposta a me arriscar — falo e Chris faz uma
careta. A sua postura partiu, dessa vez quem precisa se segurar é ela.
A menina se levanta com rapidez ao ouvir a porta se abrir, não estamos
sozinhas. Ela fita o invasor com cuidado e se retira. Nenhuma palavra é
trocada entre eles e eu nem me viro para ver quem acabou de chegar. Tanto
faz. O tom de Christina me enfureceu, posso fingir que não, mas odeio
quando me tratam dessa maneira, como se eu fosse ingênua.
A porta bate, os passos se iniciam. Sinto uma curiosidade em meu peito
enquanto a pessoa caminha degraus abaixo.
— Bom dia, Wonders — ele diz e eu sorrio. Nick para à minha frente e
me fita. Ergo a cabeça, encontrando seu sorriso malicioso.
— Bom dia — murmuro.
Nicholas está bonito hoje, mais do que nos outros dias. Sua jaqueta de
couro parece nova, seu jeans surrado combina com as botas marrons e sua
camiseta branca está lisa, sem amassados.
Pulo uma cadeira e deixo que se sente ao meu lado.
— Então, quantos anos? — pergunta, olhando a lousa branca. Nicholas
se ajeita um pouco e se volta a mim.
— Pedi para não falar disso.
— Quantos anos? — insiste. Rolo os olhos e suspiro.
— Vinte e um — solto de forma áspera. Ele sorri, parece feliz em
finalmente ter uma resposta, mesmo essa sendo, a meu ver, desinteressante.
— Então, hoje vamos comemorar, certo?
Umedeço os lábios, pensando. Com toda certeza, nós vamos.
— Ah, eu não sei mais. Não parece certo — brinco e ele agarra minha
coxa como reprovação. Mal posso segurar o gemido que me escapa, mais
pela surpresa do que pelo prazer, e Nick me encara com maldade. Fecho os
olhos, aproveitando do calor de seu toque.
Ele sobe a mão lentamente, deslizando os dedos pela minha pele, meu
vestido cinza simples — daqueles casuais — não me ajuda muito. Ah, por
que logo hoje não estou vestindo calças? O tecido me prende na cintura,
destacando meus seios, e se solta ao redor do meu corpo de uma forma leve.
Mas agora ele só serve para facilitar o jogo de Nicholas.
Mordo o lábio, não consigo lidar com suas provocações, ainda mais com
a sala vazia. Estamos, pelo menos, trinta minutos adiantados.
— Vou perguntar mais uma vez, Wonders — sussurra. Seu corpo cola
ao meu, seus lábios se aproximam da minha orelha e o garoto aperta a minha
coxa, correndo com os dedos para baixo do vestido.
Suspiro de prazer e me deixo levar. Que se foda o certo, o que ele faz
comigo é maravilhoso, só consigo imaginar como deve ser tê-lo lá, me
tocando. Eu preciso disso.
— Estamos na sala...
Thompson me interrompe, sabe que não me importo, estou apenas o
irritando, testando seus limites. Nick tem um autocontrole excepcional.
— Quietinha — ordena. — Nós vamos comemorar nessa noite, certo?
— questiona mais uma vez, aquecendo a pele do meu pescoço, descendo com
os lábios por ele.
Os dedos de Nick sobem mais um pouco e chegam à minha virilha, à
beira da minha calcinha.
— Nicholas... — reclamo, ao mesmo tempo, peço. Por favor me toque
logo, droga!
Ele continua jogando comigo, ri nasalado, me observa. Eu entendo o que
está a fazer, quer conhecer meus pontos fracos, quer me deixar desesperada.
Só espero que hoje à noite eu consiga o que tanto desejo. Não posso passar
mais uma madrugada sonhando com sua língua entre as minhas pernas.
Dessa vez ele não tem ereção alguma, já eu sinto a umidade em minha
boceta.
— Responde — manda e eu não obedeço, como sempre. Sorrio cheia de
malícia, esperando que isso o incentive.
Nicholas enfia dois dedos sob a calcinha e os desliza em minha
intimidade. Abro as pernas de forma instintiva e não posso controlar a minha
boca. Os sons, os gemidos baixos, grunhidos. Eu agarro seu braço com força
e enfio minhas unhas nele. Não quero que pare, não quero que me deixe
nesse estado, frágil, completamente excitada.
E mais uma vez, ele me alisa lá embaixo.
— Nós vamos — respondo quase que em desespero. Um sorriso surge
em sua face, fito seus olhos e vejo a satisfação, clara e óbvia, gritando em
suas íris.
— É bom mesmo. — Ele encosta em meu clitóris, o que me causa
arrepios.
Nick retira a mão rapidamente e ri baixinho, me excitando ainda mais.
Meus músculos se contraem, o calor dentro de mim cresce.
— Idiota — reclamo sorrindo e lhe soco no braço.
Eu posso notar a lascívia em seu rosto, todas as coisas que quer fazer
comigo. Eu o quero urgentemente, quero que Nick me foda, isso mesmo,
dessa forma, hoje à noite. Quero seus dedos entre meus fios, puxando-os.
Há selvageria em meus desejos, porque ele me provoca dessa maneira.
— Eu tenho muitos presentes pra você hoje, Wonders — conta, me
fazendo estremecer.
Me balanço na cadeira, deslizo e desmancho a postura. Estou farta,
cansada e ofegante, toda essa tensão quase me destruiu. Queria eu saber
quando será seu aniversário, apenas para me vingar.
Eu quero muito me vingar.
Fito sua calça, examinando seu membro e nada, nenhuma ereção.
Ótimo. Fui a única afetada pelo que acabamos de fazer. Olho seus dedos, os
mesmo que me tocaram, e penso em como seria colocá-los na boca, chupá-
los apenas para ver Nick ficar duro.
Ele se ajeita, apoia o cotovelo na divisão entre nós e se joga um pouco
para o meu lado.
— Espero que fique molhada assim hoje à noite — sussurra.
Safado.
Molho o lábio inferior, imaginando a cena.
Me arrumo mais uma vez, estou desconfortável, só consigo sentir meus
músculos se contraindo, pedindo por ele dentro de mim. Cruzo as pernas,
descruzo, cruzo de novo. Puta que pariu. Ajeito o tecido, ouço a porta se
abrir, vozes, ótimo. Então, alguns alunos entram.
— Talvez deva trocar de calcinha — brinca baixinho e lhe dou outro
soco no braço. Nicholas consegue ser um babaca quando quer.
Thompson ri, mas nesse momento eu queimo de raiva. É bom ele me
recompensar.
Durante toda a aula Thompson me ignorou, ele fingiu que meu corpo
não estava ao seu lado, queimando, pensando em seus lábios. O garoto ouviu
cada palavra de Bayard, cada explicação idiota sobre um trabalho em dupla,
uma releitura de alguma obra clássica.
Nicholas parece extremamente feliz com a novidade. Tenho de admitir
que passar algumas horas sozinha com o menino me será desafiador.
Depois disso, quando fomos dispensados, ele insistiu em me dar uma
carona até a fraternidade, porém neguei. Eu almocei sozinha no Waver's, o
restaurante retrô onde Andressa trabalha, e quando estava caminhando até a
casa, recebi as notificações. Alex se atreveu a mandar uma mensagem assim
como Cherry, minha irmã. Não abri, não estou interessada nesse momento.
Alguns dias antes de eu me mudar, brigamos feio.
Há coisas que são difíceis de esquecer.
Nada disso me faz diferença agora, por isso, abandono o passado no
passado. Subo os degraus da fraternidade notando o céu um tanto escuro. É
estranho, em Wiston Hill a noite chega rápido e o tom azul de verão é
substituído por um quase cinza.
Me enfio na casa vazia — as meninas raramente ficam por aqui —, e
vou ao quarto já conhecido. Andressa, mais uma vez, desenha algo, talvez o
mesmo projeto do outro dia. A observo por alguns segundos antes de atirar a
mochila no chão.
— Vai sair? — pergunta tão baixo que demoro a entender. Ela não me
olha, continua focada e não quero a atrapalhar.
— Sim — lhe digo. Andressa assente, olhos presos no desenho. Então,
ela suspira.
— Fala oi pro Nicholas por mim. — Ouço o sarcasmo em sua voz, o
desafio. Eu não sei como ela sabe, ou o porquê de achar que sabe. Rio
baixinho e tento disfarçar.
A ruiva se vira lentamente e me encara com malícia, seus olhos verdes
brilham e seu sorrisinho de canto lê os meus desejos impuros, afinal, ele me
disse que tem muitos presentes.
— Vocês vão sair, não é? — Nunca imaginei que ela fosse notar, quer
dizer, não há motivos para imaginar que eu vá me encontrar com Thompson.
— Eu sei que vai — continua enquanto a observo.
Me lembro da festa na Tigerx, a ruiva percebeu logo que eu estava o
procurando, que eu estava lá por ele. Talvez eu tenha deixado tudo claro
demais, isso me preocupa. Se Andressa está tão confiante ao me falar essas
coisas, imagine as outras pessoas, os fofoqueiros de Wiston Hill e
pior, Christina Vender.
Ah, mas que ela se foda também.
— Certo — concordo bufando e me jogo na cama. A ruivinha sorri. —
Eu vou sair com Nicholas. Ele disse que preparou uma surpresa.
A satisfação em seus olhos se espalha por sua face, corpo e quarto.
Andressa se levanta num pulo e se senta na outra cama, à minha frente.
Sorrio, é impossível ficar séria ao seu lado, ela tem uma energia boa, algo
cativante.
— Me diz, o que 'tá rolando entre vocês?
Mordo a boca por dentro, pensando. Boa pergunta. Eu não faço ideia, só
sei que ainda posso sentir seu toque em minha coxa e ele ainda me deixa
completamente molhada.
Droga, preciso trocar de calcinha.
— Eu não sei — confesso. Ia tentar ao máximo mantê-la distante da
minha vida pessoal, mas parece impossível. Andressa consegue ler as
pessoas. — Eu não faço ideia, é complicado.
É complicado porque eu quero seu corpo e, ao mesmo tempo, a sua
presença. É um sentimento diferente, o qual tento controlar. É algo impulsivo
e nada racional.
Difícil demais de explicar, prefiro dizer que não sei.
— Certo — ela murmura e me encara —, mas vocês já...
— Não! — exclamo, parece que todos querem saber se transamos ou
não. Eu pude notar essa curiosidade em Jack. Hannah só não me questionou
ainda porque não teve a chance.
Parece que é algo anormal não ter sido levada à cama por Thompson.
— A gente mal se conhece.
Ela rola os olhos e, em seguida, franze o cenho. Ao que tudo indica,
Nicholas é do tipo que não espera muito. Era de se imaginar, postura de bad
boy, jaqueta de couro, cigarros baratos. Eu teria arrancado suas roupas à
frente do Heaven, na primeira vez em que o vi. Não posso julgar.
— Isso faz diferença? — ela pergunta, deixando seu lado inocente pra
trás. — Ele é gostoso...
— Ah eu sei. Eu sei muito bem — conto. Andressa morde o lábio. —
Mas ele terminou com a Madison há pouco tempo e ainda estamos nos
conhecendo.
Mentira. A sua mão já deslizou para baixo da minha calcinha duas vezes
até agora.
— Tudo bem, mesmo assim, isso não parece ser importante. Quer dizer
— a ruiva pensa, não quer ser direta demais, nem insensível —, a menos que
goste dele.
Engasgo. Eu sinto uma tosse forte, batimentos acelerados. Andressa me
fita assustada.
— Você está louca? — questiono com espanto.
Gostar dele? Gostar de um menino que deve ter flertado, ou mais que
isso, com a metade da cidade? Gostar de alguém completamente, como posso
dizer, irritante? Ele consegue fazer o que quer, quando quer, porque basta
uma palavra em seu tom levemente rouco para as meninas tremerem.
É maluquice. Não estou gostando dele.
Andressa rola os olhos mais uma vez. Noto a descrença dançando pelo
quarto, nem eu acredito em minhas palavras, mas elas têm de ser a verdade,
porque não vou me entregar. É como eu disse, nenhum coração se parte se
não for dado a alguém.
Não vou arriscar. Não posso. Eu não conseguiria lidar com a dor de uma
decepção, sei disso, e é preciso ter coragem para gostar realmente de alguém.
Não me imagino vivendo algo assim. Meus pais — e outras pessoas próximas
— me magoaram o suficiente. Por isso, decidi que nenhum estranho fará o
que familiares fizeram.
— Tudo bem. Ele vem te buscar? — pergunta, mudando de assunto. O
clima ficou estranho, sinto minha insegurança me consumindo. Preciso
controlar alguns sentimentos, alguns impulsos.
Eu penso em Thompson mais do que deveria e o acho desejável,
deliciosamente perverso, ao mesmo tempo, doce. Eu gosto de como fala
comigo e preza pela minha liberdade, gosto do seu sorriso malicioso, não por
conta da maldade que esconde e sim, porque é simplesmente lindo.
Eu deveria gostar apenas de seus lábios em meu pescoço e de suas mãos
em minha cintura, mas quando Nicholas me olha nos olhos, quando me beija,
tudo se mistura. Eu me perco em seu calor.
Não. Posso. Fazer. Isso.
— Alice! — Andressa chama, me tirando desses devaneios. Não vou
desistir agora, porque não consigo ficar longe. O cheiro dele, sua postura,
seus músculos. Ah, eu gosto de tudo. — Ele vem?
— Sim, mais tarde — explico. Nicholas me disse que precisava arrumar
algumas coisas, não o questionei, só concordei.
Eu não o desafiaria sabendo que seus dedos estavam próximos da minha
coxa.
Ela assente e volta à escrivaninha, como se não tivesse acabado de me
interrogar. Encosto em minha pele, refazendo o caminho que ele percorreu,
então paro à beira do vestido. Merda, merda, merda. Meus músculos se
contraem, posso sentir eles implorando.

Abro a porta e me deparo com o sorriso malicioso de Thompson. Ele me


espera sobre a moto, segurando um capacete.
Já cansei de usar a mesma desculpa: não nos conhecemos. Isso não
importa. Sinto que o destino nos juntou nesse inferno.
Eu não sou um anjo enviado para o transformar, posso ser pior que
Nicholas, mesmo sem saber o que ele fez de errado há anos. Todos estão
muito empenhados em guardar esse segredo.
Ando lentamente até o garoto. Os saltos me apertam um pouco, eles
deixam meus dedos à mostra, as tirinhas são lindas e enfeitadas com pouco
brilho. É algo simples e adorável. O vestido preto e florido, que eu escondia
no fundo da mala, desenha o meu corpo, aperta a minha cintura, faz com que
meus seios ganhem destaque e, ao mesmo tempo, combina com meu tom de
pele.
— Boa noite — diz, analisando a minha roupa. — Está linda. —
Thompson desliza os dedos pela minha cintura, quase me abraçando. — Não
achei que fosse se arrumar tanto para um aniversário que nem quer
comemorar.
— Quem disse que me arrumei por causa do aniversário? — provoco.
Ele molha os lábios focado em minhas íris. Sorrio com maldade.
Nick assiste eu colocar o capacete sozinha dessa vez. O garoto se ajeita,
respira fundo e sai com pressa pelas ruas escuras.

Nick me guia pelo corredor do prédio onde mora, ele abre a porta do
dormitório e me dá a passagem. Está um pouco escuro, a luz da lua ilumina o
local através das cortinas, tudo parece organizado e seu cheiro se espalha pelo
ar. Menta, mais forte que antes.
— Sozinhos? — pergunto, satisfeita. Ouço a porta ser trancada e sei que
a resposta é sim. Nick anda até o colchão e se senta na beira dele. A outra
cama, um tanto bagunçada, deve ser de Jack.
— Você pediu e agora tem, a minha atenção é toda sua. Também
comprei um presente — diz quando me sento ao seu lado.
— Não precisava.
Thompson me ignora, estica o braço e puxa uma caixinha rosa debaixo
do travesseiro. Ele me entrega o pacotinho e, enquanto eu analiso a
embalagem, o menino tira os tênis.
— O que é? — questiono, chacoalhando a caixinha.
Nick sorri de canto e dá de ombros.
Puxo a tampa e meus olhos se perdem na pulseira prateada que descansa
dentro. Em seu centro há um A com pedrinhas brilhantes, Thompson deve ter
encomendado.
— Achei que fosse gostar, é simples e combina com o colar — explica e
sorri. Eu amei, na verdade, é perfeito.
Não gosto de coisas extravagantes, mas Nicholas acertou sem ao menos
saber disso. O menino se inclina para frente e pega a pulseira com delicadeza,
o encaro com animação.
— Posso colocar? — pergunta. Eu assinto, sorrindo igual uma boba. Ele
segura em meu pulso e a fecha ao redor dele. — Perfeito.
— Eu amei — sussurro, sentindo a nossa proximidade.
— Você pode ficar mais confortável — Nick comenta ao analisar meus
pés. — Não imaginei que fosse se arrumar tanto.
Ele não pensa duas vezes antes de agarrar nas tirinhas dos meus saltos e
os tirar, um por um.
— Obrigada — suspiro. — Mesmo.
Agora, ele sorri.
Nicholas se ajeita, encostando-se na cabeceira da cama, já eu fico à sua
frente e cruzo as pernas.
— Gosta do que vê? — brinco. É o que perguntei na primeira vez em
que nos vimos. Ele me analisa da mesma forma, com desejo e maldade.
Queria muito poder ler a sua mente, ver o que realmente quer fazer comigo.
Nicholas ri baixinho. Ainda bem que não se arrumou muito, a camiseta
branca com uma leve abertura, me deixa satisfeita, posso notar seus músculos
por baixo.
— Gosto muito.
Percebo que não ajeitou o cabelo, está um tanto bagunçado, selvagem.
Adoro isso, ainda quero enfiar meus dedos ali.
— Então, Nicholas, o que vamos fazer nessa noite?
— Muitas coisas, Wonders. — Seus olhos descem, analisam a minha
pele, meu pescoço e meus seios. Suspiro e sorrio. Era isso que eu queria, ver
a vontade em suas íris escuras, ver o quão incontrolável seu lado perverso
pode ser.
E Nicholas está mais gostoso hoje, talvez seja por causa da forma que se
comporta. Afinal, ele é o meu presente.
— Gostei do vestido — brinca. Thompson não sobe o olhar, não volta a
fitar meus lábios ou meu rosto.
Quando ele estica a mão, seus dedos se aproximam dos meus seios.
Seguro a respiração, dessa vez não irei gemer baixo. Posso me controlar. Mas
Nick agarra o pingente, próximo ao meu busto.
— Também gosto desse colar — diz. Puxo o ar novamente, me
deixando absorver o seu aroma. — Você é linda.
A ardência se inicia, minhas bochechas queimam. Nicholas percebe, ele
me olha e ri sutilmente.
— O que fez hoje, Alice?
Mordo o lábio e penso, mas nenhuma resposta aparece. O que eu fiz
hoje além de imaginar seu abdome definido e seus dedos entre meus cabelos?
— Você quer mesmo conversar?
Ele franze o cenho, parece insatisfeito com algo.
— É seu aniversário, quero saber o que fez hoje.
Rolo os olhos e tento disfarçar a minha excitação. Não sou boa em
mentir, não quando o assunto é sexual, e nesse momento tudo é sexual
demais. Sua mão percorrendo a minha pele, me eletrizando, suas perguntas
com um fundo indecente. Tudo.
— Em que momento exatamente?
— Não sei. Depois do que fizemos na aula. — Ele quer me deixar
excitada. Nicholas não precisa de beijos ou mordidas em minha orelha, ele só
precisa fazer essas perguntas.
— Quer saber se eu me toquei pensando em você, Thompson? — solto.
Ele ri e analisa meus seios novamente. — Me diz, você já fez isso?
Chego mais perto do seu corpo. Nick congela, não esperava por essa
atitude. Eu engatinho sobre o colchão e me arrasto até ele, me sentando em
seu colo.
— Seria errado dizer que sim?
Sorrio ao ouvir sua resposta. A sensação de estar flertando com Nicholas
é avassaladora, me sinto conectada a alguém tão perverso quando eu. Ele é
deliciosamente malicioso e gostoso.
Faço um biquinho e Nick se torna a mim, estamos sozinhos e próximos
num quarto quase escuro, meu aniversário não poderia estar melhor. Seus
dedos alisam minha bochecha e tiram algumas mechas irritantes da frente.
Agora, ele pode me olhar de perto e o faz. Me admira como se estivesse num
museu.
— Você me deve uma resposta — lembra. Já ele me deve tanta coisa. —
Nunca me disse o que quer comigo, Alice, mas eu respondi. Eu te quero
muito. Então me diga, o que realmente quer comigo?
— Eu não sei — confesso, mentir olhando em suas íris é difícil.
Estremeço no mesmo momento e baixo o olhar timidamente, mas Thompson
ergue a minha cabeça. Ele toca em meu queixo e o empurra para cima, com
gentileza.
— Você nunca olha nos meus olhos. Não de verdade.
Eu tento, mas o ar me escapa. O azul deles me rouba o fôlego, o
equilíbrio e a racionalidade. Eu me prometi que aproveitaria cada segundo ao
lado desse menino, porém parece impossível. Eu queimo intensamente
quando ele me encara dessa forma.
Mordo o lábio presa a ideia de suas mãos em meu corpo, tirando meu
sutiã, arrancando minha calcinha.
— Tenho uma resposta — digo e Nicholas sorri de canto com toda
malícia possível. — Eu também te quero.
Seus olhos brilham.
— Bom saber — sussurra e segura em minha cintura. — Fiquei
pensando em algumas coisas sobre você.
Estremeço no mesmo instante.
— Por quê?
Nick dá de ombros.
— Você é interessante. Me diz, qual a sua comida preferida?
Rolo os olhos, mas não consigo segurar a risada. Ele quer falar sobre
comida e gostos? Nicholas parece se divertir com a minha reação.
— Não sei se tenho uma. E a sua?
O menino me examina, fita as minhas coxas e respira fundo.
— Vamos falar sobre você. Lugar preferido? — continua.
— Eu não sei — penso, me ajeito em seu colo, o encaro —, acho que
Inglaterra.
Ele sorri de canto e seus dedos avançam um pouco, descem para a
minha bunda, apoiando-me.
— Você quer transar agora, não quer? — Me pega de surpresa, assim
como fiz com ele na praia.
Acontece que quase engasgo com a saliva e Nicholas apenas ri. Me sinto
vermelha, tímida, não sei se devo responder. Entendo agora quando ele diz
que não vai me matar, não da maneira que eu imaginava. Ele vai me matar de
vontade, de desejo. Quando me recomponho, Nick parece ter mudado. Há
maldade em sua expressão.
— Não vai me responder? — pergunta sem sorrir. Nego brevemente.
Nicholas se perde em meus seios, ele os observa ao tomar uma decisão.
— Você me prometeu, não gosto de coisas inacabadas — o lembro e, de
repente, Nicholas me aperta. Nossos corpos ficam mais próximos e nossas
respirações se unem.
— Eu disse que ia te recompensar. — O menino passa os dedos por
minhas coxas enquanto nossos lábios se encontram. Há uma falta de controle
em seu toque, certa força. Ele me aperta como se quisesse tomar cada
pedacinho do meu corpo.
— Como vai fazer isso, Thompson? — provoco, sussurrando entre o
beijo.
Cuidadosamente, Nicholas me empurra sobre o colchão e se deita por
cima de mim, é um desejo se tornando realidade. Meus dedos passeiam de
seu peitoral à sua ereção, posso acaricia-la. Ele não está tão contido agora,
não consegue se segurar, não mais.
Quando um caos encontra o outro, nada pode os separar.
Thompson morde meu lábio inferior, fazendo-o arder. É deliciosamente
excitante. Esperamos muito por isso, era pra ter acontecido no Heaven,
quando pedi um cigarro qualquer, mas o destino brinca com nossos corpos e
agora, nós brincamos com o destino.
Estamos perdendo o controle aos poucos. O desejo dança pelo quarto,
nos rodeia.
Ele desce a mão por meu pescoço, com seu toque calmo. As
provocações não acabaram, estou queimando, sem ar. Agarro sua camiseta e
o puxo para mais perto.
— Eu não quero ser bom com você — sussurra e volta a encontrar meu
olhar.
Nick leva seus dedos até a minha virilha, roubando-me um gemido.
— Não quero que seja bom comigo — confesso. Seu sorriso indócil me
tira toda a racionalidade.
— Eu te prometi, Wonders.
Essas palavras me tomam por completo e minha expressão de desejo se
mistura a alívio. Fecho os olhos quando Thompson ergue meu vestido e desce
por meu corpo com seus lábios, se mantendo focado em meus olhos. Ele me
observa, examina, procura por pontos fracos. Levo um indicador à boca,
mordendo-o, tentando me controlar, mas o garoto inicia uma trilha de beijos e
chupões. A parte interna de uma coxa é aquecida por sua língua enquanto a
outra espera. Ele alterna um pouco e sobe mais.
Nick me entrega um olhar impiedoso ao chegar em minha calcinha. Eu
queimo nesse momento, sinto o ardor em todo meu corpo, sinto as chamas
que vivem em suas íris.
Nicholas finalmente me tira dessa agonia, ele gruda na ponta do tecido e
o puxa para baixo. O olho enquanto retira essa pecinha tão insignificante de
roupa, mas o menino não me chupa. Nick volta a me beijar. Noto sua ereção
contra a minha barriga, ele está duro, não faço ideia de como consegue
continuar vestido. Desço alguns dedos por ela, contornando seu membro
volumoso, e o aperto. Nicholas geme em meus lábios.
— Porra, Alice... — diz, sorrindo. Ele abre os olhos e encontra os meus.
Como resposta, o prendo entre os joelhos e não espero, agarro em uma de
suas mãos e faço o que quero, a levo até a minha boceta. O menino sorri ao
notar a minha intenção. Deixo-me deixo levar pelo prazer enquanto meu
coração acelera bombeando sangue para o meu corpo, principalmente minhas
bochechas. Devo estar vermelha agora.
— Não sabia que me queria tanto assim — brinca, notando o quão
molhada estou, alisando meus grandes e pequenos lábios. Já eu, fecho os
olhos. Os sons me escapam, fogem por minha garganta.
Ele para de me provocar e finalmente toca em meu clitóris, Nicholas faz
movimentos circulares que me arrancam suspiros. Sua boca beija meu
pescoço enquanto gemo baixinho e fora de ritmo. Seus dedos são delicados, o
garoto sabe o que está fazendo e ele é bom nisso.
— Nicholas... — murmuro em seu ouvido, pedindo, implorando por
mais. — Por favor.
Thompson desce os dedos que percorriam toda a extensão da minha
intimidade, agora sensível demais, e me penetra com dois deles.
Eu estou no próprio paraíso.
Abraço seu corpo com força, mas o menino se afasta um pouco. Seus
olhos brilham ao verem até onde seu toque pode me levar.
— Eu quero muito te foder, Alice — sussurra, o que me faz revirar os
olhos de vontade. Inclino-me para trás e minha cabeça encosta no colchão,
minhas unhas agarram os lençóis. O vejo se abaixar um pouco entre as
minhas pernas e me apoio novamente nos cotovelos, esperando pelo prazer.
Nick se aproxima, molha os lábios e eu o sinto.
Ele me chupa de uma forma inexplicável. Eu já estava em êxtase, mas
agora, bom, agora eu sei que Nicholas é um pecado. Sua língua me mostra
isso. Rio segurando um gemido, mas não adianta, ele escapa. Nick me chupa
como se eu fosse a melhor coisa que já provou. Ele me toma por completo e
eu estremeço.
— Não para... não para de jeito nenhum... — me escapa.
Fito seus olhos e vejo que Nicholas me devora como disse que queria
fazer. Há pouco ar nesse quarto para nós dois. Inclino a cabeça para trás
quando percebo que estou prestes a ter um orgasmo, meus ombros relaxam,
minha boca solta sons que já nem reconheço e eu gemo ferozmente. Seus
dedos aumentam a velocidade enquanto ele suga o lugar certo, deixando-me
mais molhada que antes. Meus braços perdem a força, me deito por completo
sobre a cama, me contorcendo.
Nicholas já entendeu meus pontos fracos e ele usa disso.
— Nick...
O garoto sorri em minha boceta, minhas mãos buscam por seus fios
bagunçados de cabelo e os agarram. É quando eu chego lá. Preciso que pare,
preciso de ar.
Ele me lambe docemente antes de se afastar, então se levanta, satisfeito,
sorridente e delicioso. Ainda estou presa ao que acabou de acontecer quando
encontro seus olhos.
— Feliz aniversário, princesa — brinca e eu rio movimentando os
ombros. Nick dá um leve beijo na ponta do meu nariz.
— Eu não quero só isso.
— Você já quer mais? — Suas mãos agarram minha cintura. — O que
quer?
— Você, Thompson, eu quero você.
Um sorriso maldoso aparece e eu retribuo. Isso está longe de acabar, até
porque, ainda é meu aniversário.
17

TEMPESTADE
“Podemos chamar isso de amor,
ou chamar isso de nada,
mas você tem o que eu quero, baby,
então me dê algo.”
Black Atlass | Sacrifice

ALICE WONDERS

O empurro com calma, ele me assiste. Agarro na beira do meu vestido e


o deslizo pelo corpo, tirando-o. Não estou usando sutiã, seus olhos brilham ao
verem meus seios descobertos. Thompson me toca levemente, primeiro
acaricia meu rosto, então desce, desenhando com as pontas dos dedos uma
linha em meu pescoço.
Suspiro baixinho e mordo o lábio, tentando segurar os sons que se
forçam a sair. Nicholas sorri de canto enquanto desliza seu toque ao meu
seio, o apertando.
— Vai morder o lábio de novo, Wonders? — sussurra, chegando mais
perto.
Suas mãos voltam ao meu pescoço e Thompson me beija com
agressividade, nossas línguas se encontram, mas já se conhecem. O puxo pela
camiseta, me aproximando de seu abdome, nos colando. Nos beijamos,
intensa e calorosamente. Seus dedos desenham em minha cintura, descem por
minha pele e apertam a minha bunda. Solto um gemido contra sua boca e ele
sorri.
— Você é deliciosa — murmura.
Agarro em sua jaqueta e a retiro. Thompson se afasta e faz o mesmo
com a camiseta branca. Começo a arfar de desejo, seu peitoral, abdome, toda
sua estrutura é perfeita. Ele é gostoso e lindo. Encontro suas tatuagens e foco
na melhor de todas, a serpente que sobe por seu braço direito, contorna o
ombro e termina próxima ao coração.
Nicholas se levanta e abre a calça, ele a retira junto da cueca, de uma só
vez. Quando me dou conta, está se inclinando e se colocando sobre meu
corpo.
— Eu te quero tanto — conto, suspirando, ofegante. Nicholas desce pela
minha pele e me entrega mordidas leves. A vontade é mútua.
Sinto minha intimidade gritar por ele, nunca fiquei tão molhada assim.
Nick cola seus lábios em meu seio esquerdo, chupando-o, e o mamilo do
outro é apertado por seus dedos fortes. Arqueio o quadril como resposta ao
prazer que me proporciona, minha cabeça lateja de uma forma suave.
Thompson parece feliz em conseguir realizar tudo que deseja. Ele
desce mais uma vez, me fazendo agarrar em seus fios castanhos. O menino
morde a parte interna da minha coxa, perto da virilha, e eu estremeço no
mesmo instante, reprimindo outro som que me tenta escapar.
— Eu gosto de te ouvir gemendo, princesa — explica, agarrando meus
pulsos, tirando meus dedos de seus cabelos e lambendo meu clítoris.
O olho com uma inocência forçada, então, Nicholas para.
— Você é mau — reclamo, ouvindo sua risada nasalada. — Mas sou
bem pior que você — digo e ele parece chocado, entretanto, gosta da minha
atitude.
O afasto de mim, me ajoelho no colchão e beijo o fim de seu abdome,
mantendo contato visual. Eu estava certa sobre o tamanho suficientemente
perfeito, não consigo segurar um sorriso ao vê-lo à minha espera.
— Alice eu... — Não o deixo terminar, beijo seu membro com
delicadeza e o garoto solta um suspiro de alívio. Ele sonhava com isso há
muito tempo.
Começo deslizando meus lábios por sua extensão e então, o coloco na
boca. Nossos olhos se encontram enquanto eu o chupo arrancando-lhe
gemidos leves, fazendo seu peitoral se mover com dificuldade.
— Porra...— rosna, segurando em meus cabelos.
Eu aumento a intensidade, contorno a cabeça de seu pau com a língua, e
vejo um sorriso de satisfação surgir em seu rosto. Volto a colocar seu
membro na boca e o chupar como tanto queria, minhas mãos me ajudam a
alisá-lo com movimentos de vai e vem.
— Caralho, Alice, você... — Não termina. Nick me empurra, deitando-
me no colchão. Ele tira uma camisinha da gaveta da mesa de cabeceira e a
coloca, depois, se encaixa entre as minhas pernas.
Nicholas me olha, seus lábios me tocam num beijo romântico, daqueles
que nunca tive, enquanto me penetra com força. Eu reajo, o apertando entre
os joelhos, apoiando as mãos em seu peitoral. Porra, eu não imaginei que seu
pau fosse me preencher assim, me fazendo segurar a respiração. Eu sinto
Nicholas Thompson em mim, toda a luxúria que esse ato poderia despertar é
liberada no quarto nem tão grande. Ele suspira em meu ouvido ao estar
completamente em meu corpo. Não posso esperar. Preciso dele. Preciso
disso.
Gemo baixinho, tentando esconder o quão delicioso é tê-lo finalmente.
Nicholas morde meu queixo e inicia os movimentos, me faz sentir cada
pedacinho do paraíso ao qual pode me levar. Ele começa devagar, me
assistindo com sua testa colada a minha.
Vejo-o suspirar, revirar os olhos.
— Você... — Respira fundo. — Você é...
— Apertada? — pergunto entre gemidos.
— Também. — Ri e se enfia com força em mim, o que me faz fincar as
unhas em suas costas. Nicholas não usa do autocontrole agora.
É algo novo e assustadoramente bom, é um desejo igual. O tenho mais
forte, mais rápido. Meus músculos se contraem, minha intimidade pulsa ao
seu redor, e nossos olhares nunca se desencontram. Nossos lábios tentam se
tocar, mas não consigo segurar os gemidos que me sobem pela garganta.
Os sons de Nick são baixos, ele gosta de me observar, de me sentir. Ele
gosta de ver o que faz comigo.
Nicholas me fode com força fazendo a cama se mover, o suor de seu
corpo se junta ao meu e noto que ele não consegue se segurar. Thompson
continua, me arrancando gemidos altos e abafados, nada de beijos, apenas
toques. Estou chegando perto do prazer imenso.
— Droga. — Seu sussurro me faz rir com maldade, presa entre gemidos
ferozes. — Você é deliciosa.
— Shh — reprovo sua falação, mesmo gostando dela. — Não para...
Por favor...
Imploro sentindo a chama, o incêndio. Thompson poderia me matar de
prazer se quisesse.
— Nick... — Arfo incansavelmente, seus movimentos me dominam, me
fazem delirar. Ele cola seu corpo ao meu novamente e morde a minha orelha.
— Goza pra mim, Alice — pede entre respirações pesadas, aquecendo
meu pescoço com seu hálito.
O orgasmo dessa vez é forte e faz com que eu me sinta extremamente
fraca. Thompson continua com força, me tomando mais e mais, me fazendo
chegar à um lugar nunca conhecido. Ele morde meu lábio com selvageria e eu
gemo contra sua boca.
— Ei, — chamo — goza pra mim, bad boy. — Rimos.
Seguro em seus fios de cabelo mais uma vez, mantendo nossos lábios
juntos e percebo que ele está quase lá. Seus dedos agarram o lençol quando
finalmente atinge o ápice. Nick goza e se deixa cair sobre meu corpo.
Sorrio de canto ao senti-lo sair de mim, agora satisfeito. Foi melhor do
que poderia ser, foi como invadir o paraíso proibido que ele esconde em sua
mente, corpo e íris. Foi como ver quem Nicholas Thompson realmente é, e
depois disso, será impossível me afastar dele.
Não foi só sexo. Foi algo perfeito, cada partezinha, como se nos
conhecêssemos há séculos, apenas esperando por esse momento.
Como se agora controlássemos o destino.

Me apoio no cotovelo para o olhar, estamos cobertos por um lençol


branco, leve demais, perfeito para o calor que percorre o quarto. Thompson
fita o teto, ainda não disse uma palavra sequer e alguns minutos já se
passaram desde que transamos pela primeira vez. Ele parece hipnotizado.
De repente, Nick ri.
— O que foi? — questiono.
— Você é realmente linda — responde tornando seu rosto à mim. Ele
sorri ao notar minha timidez. Não é que eu esteja envergonhada, mas
ninguém nunca me disse isso, não depois de me fazer gozar duas vezes, não
no meu aniversário e não quando estava confusa sobre meus sentimentos.
Tento retribuir a expressão, mas acabo me encolhendo mais.
— Por que sempre faz isso quando te chamo de linda? — Seu sorrisinho
fofo se mantém presente e me deixa sem jeito.
— Não é algo que ouço toda hora.
Thompson volta a encarar a cor branca acima de nós, ignorando a minha
resposta, talvez pensando nela. Ele respira fundo e deixa o silêncio retornar
por alguns segundos. Espero. Sei que há muito o que dizer, mas depois do
que fizemos estamos cansados demais.
— Vem cá — pede, me examinando novamente. Faço um biquinho, sem
conseguir esconder a animação. Me deito em seu peitoral e ele me abraça.
Meus dedos tocam na palavra abaixo de seu peito, gravada em sua
pele. Wicked grita em tinta escura. Perverso, sim, ele é.
— Você tem uma serpente tatuada — comento com a voz baixa.
Agora sinto o seu carinho em meus cabelos, Nick me deixa descansar
enquanto continua a falação.
— Você também. — Se refere ao desenho em minhas costas, subindo
por minha espinha. Não achei que tivesse reparado. — Eu gosto de serpentes.
— Mais uma coincidência — sussurro, fechando os olhos. Meu corpo
está exausto, mas gosto de ouvir a sua voz.
— Mais uma?
— Além do fato de sermos dois problemas — brinco, fazendo-o rir, seu
peitoral se move de acordo.
O olho com carinho, me sinto confortável deitada com ele, sozinhos,
depois de tantos pecados, tanta sensualidade. Nick acaricia minha bochecha e
encontra meus olhos.
— O que 'tá acontecendo entre a gente? — pergunta.
— Eu não sei.
— Eu também não sei, Alice. — Suas palavras têm um tom estranho, ele
parece desanimado de certa forma. Não consigo definir o que estamos
sentindo, isso me deixa frustrada. — Quando eu te vi na frente do Heaven era
como se já tivesse te conhecido. Eu sabia exatamente quem você era e nem
sabia seu nome.
Eu o entendo. Ao seu lado é como se meu caos se aquietasse, ao mesmo
tempo, crescesse. Me faz sentir bem. Eu já disse, é como se nos
conhecêssemos há anos.
— Será que algum dia teremos uma resposta? — pergunto. Posso ver
que nenhum de nós entende isso.
Eu tenho os meus motivos por trás dessa confusão, tenho um porquê
para não me deixar cair nessa tentação, mas Nick também tem os dele, os
quais não me conta mesmo quando insisto.
Dentre tantas Universidades escolhi vir à Wiston Hill logo depois de
uma briga familiar e um relacionamento que nem deveria ter começado.
Dentre tantos bares, naquela noite fui ao Heaven. Pode ser pura escolha,
efeito borboleta, mas também pode ser algo que ainda não entendemos e nos
esforçamos para não entender.
Queremos um ao outro, ao mesmo tempo, lutamos contra isso.
Não posso negar que ele me fez sentir diferente, não só enquanto
transávamos, mas antes, quando me desejou feliz aniversário e quando
cuidou de mim mesmo depois de ser xingado.
Sexo e amor não são parentes, não necessariamente. Olhando agora em
suas íris azuis, melancólicas e maravilhadas, temo cair por elas, temo me
afundar em algo desconhecido. Eu quero ter motivos para poder deixar-me
fazer isso, para poder sentir mais que prazer ao seu lado. Para poder gostar
dele.
Abandono essas questões com um suspiro.
— Você parece não gostar de tocar em alguns assuntos — digo.
Thompson ignora a minha fala. Eu traço linhas sobre a palavra tatuada em
sua pele, esperando. — Nick — ele murmura como resposta —, qual era o
nome da sua mãe?
— Você é muito curiosa — brinca e ri baixinho, disfarçando. Notei logo
que esse assunto o incomoda, mas a forma como se refere a mulher me deixa
admirada. Digamos que eu nunca tive uma boa relação com a minha.
— Meu pai diz isso — revelo, deixando alguns segredos escaparem. A
família Wonders se destrói cada vez mais, a cada minuto que passa, a cada
conversa, a cada briga, a cada bebida.
Me apoio em seu peitoral e me levanto um pouco, para assim, olhar seu
rosto e entender suas reações. Nick sorri para mim e espera. Meus dedos
ainda desenham sobre a tatuagem Wicked.
— Ele tentou me ensinar a parar de ser curiosa, nunca funcionou.
— E por que ele tentaria isso? Eu gosto desse seu jeito.
— Porque incomodava a minha mãe, Katherine. Ela diz que eu era uma
criança difícil, cheia de vontades. Não sei. — Dou de ombros, esse tema me
deixa com raiva.
A expressão de Thompson me faz sentir mal, talvez ela não seja tão
ruim assim, talvez eu seja a filha problemática. Parece que estou exagerando,
me sinto exagerando, como se o drama fosse a minha arma, como se
Katherine fosse a vítima. Muitas vezes me disseram isso, que eu sou a vilã.
— Ela se parece com a Polly.
Nunca me senti tão aliviada. Nick não me julga, ele me entende. É
completamente diferente. O garoto ri um pouco e se apoia nos cotovelos, se
sentando na cama, querendo continuar a conversa.
— Bom, a Katherine é alcoólatra — revelo outra parte da história. —
Ela bebia muito quando eu era pequena.
— Então, sua mãe parou de beber?
Sorrio com a esperança, o final positivo. Quem me dera.
Mordo o lábio, dessa vez sem sensualidade. Passo minha perna por seu
corpo e me encaixo em seu colo. Nicholas sorri docemente e agarra em minha
cintura. Me sento nele, encaixada, a fim de poder olhar em seus olhos e me
apoiar em seus ombros. Ainda estamos nus e quentes.
— Ela não parou — conto. Ele suspira no mesmo momento, insatisfeito
com a narrativa. — Katherine só arranjou motivos para continuar, qualquer
coisa era um motivo.
— Então é por isso que não se dão bem? — Nick pergunta. Arqueio a
sobrancelha sem entender. — Você virou um motivo?
Comprimo os lábios, pasma com o seu entendimento. Nicholas sabe que
não vou responder, ele está certo. Eu virei o motivo principal, o pior deles.
Aquele que Katherine odiava com todas as forças.
O silêncio nos consome, aliso sua nuca e me desencontro de seus olhos.
— O nome dela era Pumpkin — diz. Volto a encarar suas íris, surpresa
por ter conseguido uma resposta. — Ou melhor, o nome dela é Pumpkin.
— Ela está viva, certo? — continuo, tentando não passar do limite.
— Ela simplesmente foi embora, Alice. — A tristeza é visível, estou
tocando num assunto que não deveria. — Numa noite houve uma discussão e
ela sumiu.
— E quanto ao seu pai ou Polly?
— A Polly odiava a minha mãe e meu pai não era muito presente. Não o
vejo há anos. — Agora sei algumas coisas sobre o passado de Thompson,
poucas, mas sei. — O nome dele é Damon.
— Certo, me desculpe — sussurro, me sinto péssima por ter acordado
memórias como essa.
— Tudo bem — Nicholas me puxa para mais perto, nossos lábios ficam
próximos, nossas respirações se unem —, afinal, você também me contou um
pouco da sua vida.
— Nem cheguei na pior parte.
— Outro dia, então?
Assinto. Já comentamos muito sobre as merdas que fizemos ou que
fizeram com a gente. O nosso caos se conecta por isso: ele ama a mãe,
Nicholas sente falta de Pumpkin, é notável. Enquanto isso, eu sei que
Katherine nem se lembra do meu nome. Meu pai me disse uma vez que
quando nascemos nos conectamos com as pessoas e isso continua ao
crescermos, mas Katy e eu nunca fomos próximas, ela nunca me deu essa
chance. Depois de anos a gente desiste. Eu entendi que não há uma relação,
um sentimento materno. E eu entendi que ela não me queria e não me quer.
São coisas que não posso revelar, nem a Nick, nem a ninguém. São
sentimentos que mantenho escondidos. Mas Nicholas sente o oposto por
Pumpkin Thompson e eu vejo isso. Ele a ama incondicionalmente e sofre por
não saber o que lhe aconteceu. Há mais em sua história, assim como há na
minha.
Nenhum de nós será honesto tão cedo.
— A gente pode falar sobre nós — brinca, tentando me animar. Ele
consegue, só preciso do seu toque e do seu sorriso, pronto, esqueci do
passado dramático em Nova Iorque.
Nicholas aperta meu quadril e me beija. Eu gosto de como faz isso
comigo, gosto de como sorri contra meus lábios e me aquece com seu hálito.
— O que exatamente?
— Bom, uma apresentação formal seria agradável — explica. Franzo o
cenho, do que está falando? — Eu sou Nicholas Thompson, tenho vinte e um
anos e quero estudar literatura. Gosto do outono e tenho uma queda por
garotas que usam batom vermelho.
Coro no mesmo instante, ele se refere aos meus lábios, claro.
— Você 'tá se apresentando depois de transarmos? — Tento ignorar seu
sorriso malicioso. — Sou Alice Louise Wonders, tenho oficialmente vinte e
um anos, também amo o outono e tenho uma queda por jaquetas de couro e
garotos extremamente egocêntricos.
Nicholas sorri enquanto olho ao redor, analisando seu quarto. Sobre sua
mesa de cabeceira há um envelope chique, chamativo.
— O baile? — pergunto e aponto com a cabeça, ele se vira e o encontra.
— Sim, você vai?
Franzo o cenho, sei que não quero estar num salão cheio de gente falsa e
superficial, mas Andressa está certa, é algo da alta sociedade e eu faço parte
dela. Seria uma falta de educação, algo completamente inaceitável, mesmo
sem meus pais aqui para brigarem comigo.
John com certeza entraria em meu quarto e me forçaria a vestir algo
bonito. Somos Wonders, afinal de contas.
— Queria que fosse... eu ia te convidar.
— Ia me convidar? Desistiu? — Mordo o lábio, provocando-o. Quer
dizer, posso mudar de opinião se ir à essa festa me proporcionar mais tempo
ao seu lado.
— Quer ir comigo, Wonders?
— Não sei se sua avó vai gostar.
Nicholas rola os olhos e bufa, infiltro meus dedos em seus fios de cabelo
e espero por uma explicação, espero que me convença.
— E desde quando nos importamos com a Polly?
Percebo a provocação em sua voz, a maldade que esconde. Nicholas
quer causar um problema, ele está cansado da calmaria e da paciência.
— Tenho que comprar um vestido — respondo baixinho e sua animação
se espalha. Iremos juntos ao baile de boas-vindas e mal posso esperar pelas
reações.
Estar com Thompson é bom por trilhões de motivos.
Nossos olhos se encontram mais uma vez e seus dedos agora apertam a
minha cintura. Eu me lembro de quando nos conhecemos no Heaven, eu
queria mexer em seus fios castanhos, queria que ele me tocasse. Pensar que
consegui tudo isso no meu aniversário me deixa ofegante. Nunca imaginei
que desejaria alguém dessa forma.
— Eu já te falei que é linda? — pergunta, me deixando envergonhada.
— Várias vezes hoje — brinco.
— E você é incrivelmente linda.
Penso em responder, mas consigo apenas me encolher em seu colo.
Ainda não me acostumei com elogios sinceros e doces, tão doces que me
deixam tonta. O encaro de volta e sorrio com timidez. Nick me deixa
estranhamente feliz com suas palavras.
Mas então, seu telefone toca. Vejo seus músculos quando sua mão
agarra o aparelho e a pequena tela se acende. Nicholas fica em silêncio por
alguns segundos.
— O que foi? É importante? — questiono sem realmente me importar.
— Depende. — Pigarreia e torna a tela à mim. — Chris Vender postou
sobre nós. Ela diz que estamos próximos demais.
Leio o post no site inútil. A novata e o Thompson, um problema, errado.
Essas são algumas das palavras utilizadas. Ela deixa explícita a sua teoria de
que há algo entre nós.
Merda...
— Eu não acredito nisso!
— Eu vou dar um jeito — tenta me acalmar, mas apenas agarro o
aparelho e leio o texto novamente. — Alice, eu resolvo.
— Ela não tem mais o que fazer? Sei lá... Isso já é demais!
Publicar sobre os Wonders me é algo comum, falar deles e do dinheiro,
da família e empresas, tudo bem. Mas nunca tive meu nome exposto tantas
vezes, a não ser por bocas fofoqueiras. Sites e jornais, esses não me
conhecem.
Eu gosto de atenção, mas não gosto desse tipo de atenção, é um trauma
familiar e Vender está brincando com fogo. Ela sabe que ao tocar nesse
assunto, Thompson e eu, pode causar problemas. Polly e Madison,
principalmente.
Além do mais, nem nós sabemos o que sentimos ou o que estamos
fazendo.
— Eu vou falar com ela. — Retira o celular da minha mão e o devolve à
mesa de cabeceira, com a tela apagada. — Prometo.
— Você acha que falar vai resolver? Chris Vender é uma...
— Alice! — exclama. O olho com vergonha, estava passando do limite,
me sinto tremer de ódio. — Eu resolvo isso, desde que vá ao baile comigo.
Sua risadinha nasalada preenchida por malícia me faz esquecer o que
sentia. Rolo os olhos e me aproximo do seu rosto.
— Sabe que isso vai ser bem mais caótico que a publicação da Chris,
não?
— Sei sim — sussurra.
Sorrio contra seus lábios e ele me entrega um selinho delicado.
— Tudo bem, Thompson. Vou ao baile com você.
18

CAOS
“Você deveria me ver usando uma coroa.
Eu vou mandar nessa cidade de nada.
Veja-me fazê-los se curvar.”
Billie Eilish | You Should See Me in a Crown

ALICE WONDERS

— Chegando à essa hora? — Andressa exclama com os olhos verdes


brilhando. Ela nada em malícia e pensamentos impuros. Mordo o lábio e
coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha, ignorando o que sua pergunta
esconde.
Jogo meus saltos num canto aleatório. Quem me trouxe foi Jack, já que
Nicholas queria evitar encarar Christina Vender, a mesma que me esperava
na varanda, fingindo ler um livro.
Falsa e superficial. Filha da puta...
— Alice! Eu tô aqui, viu? — A ruiva fecha a porta, que deixei aberta
intencionalmente. Imaginei que Vender fosse me seguir procurando por uma
discussão. Mas não. Ela sorriu friamente quando desci da moto de Jack e
passei pela porta da casa.
— O que quer saber? — pergunto, tirando o vestido à sua frente.
Andressa se vira com timidez e finge não ter me visto quase nua. Caminho
pelo quarto, adentro o banheiro e claro, ela me segue sem fitar meu corpo.
— Na verdade, acho que todo mundo quer saber.
Ignoro e giro a torneira, o chuveiro se abre. Me enfio sob a água fria.
Andressa ainda espera, apoiada no batente da porta, olhando fixamente para o
chão.
— Eu li o que a Christina escreveu — confessa. Bom, todo mundo leu.
— E achou bom? — brinco irritada. Pessoas que nem me conhecem
devem ter lido aquela besteira.
— Vamos esquecer a existência dela, está bem? — sugere. Suspiro de
alívio, Andressa tem bom senso. — Agora me diz, como foi a noite?
— Você é muito curiosa, ruiva! Eu fui ao dormitório do Nicholas, só
isso.
— E voltou agora? Quer dizer, já passou das nove... Como foi? —
pergunta, insistindo, e seu risinho nada inocente retorna.
Abro a porta do boxe e coloco a cabeça para fora, encontro a sua face
avermelhada. Ela me encara sem jeito, tenta ignorar o fato de o vidro ser
transparente.
— Posso ao menos tomar banho?
A ruiva assente, comprimindo os lábios, e sai sem pressa.

Me jogo no colchão, enfiada num roupão bege e cheiroso. Meus cabelos


estão presos num coque, odeio fios molhados em minhas costas. Agarro o
celular e leio as notificações. Cherry me enviou mais mensagens e Alex me
ligou. Grande coisa. Já April escreveu um texto e finalizou com feliz
aniversário.
— Não deveria ir à aula? — questiono, a assustando. Andressa já me
examinava há alguns minutos, focada em cada ação realizada por mim desde
que saí do banheiro. Ela quer me perguntar, quer saber sobre a minha noite
com Thompson.
— Vou faltar. — Sua voz falha um pouco. Tiro os olhos do celular e a
fito. — E você?
— Já estou muitíssimo atrasada e não quero ver a cara da Christina.
Sabe o porquê.
— Boa ideia. — Andressa joga as pernas para fora da cama e sorri de
canto. Aquela curiosidade toda voltou. — O que rolou?
— 'Tá bem, a gente transou — confesso, desviando o olhar. Ela parece
superanimada, é aquele tipo de garota que gosta de fofocar e falar dos
meninos bonitos da escola. Igualzinha a minha irmã mais nova, April
Wonders.
— Eu sei disso, você passou a noite fora e voltou desse jeito...
— Que jeito?
— Cabelo bagunçado, roupas amassadas... aquela cara de quem
finalmente viu o Thompson sem roupas! — A malícia em sua voz me faz
ficar quieta, ela não parecia ser assim.
Andressa se revela cada dia mais. Comprei uma colega santa e
quietinha, acabei recebendo o oposto. Continuo a olhando, boquiaberta.
— O que foi? Eu namoro, não estou morta. — Usa como desculpa. Faço
um biquinho e concordo, até porque, Nicholas é realmente delicioso.
Ela cruza as pernas e enrola alguns fios como se fosse prendê-los, então
os solta sobre um dos ombros.
— Não vai me contar mais? — exige. A ignoro depois de rolar os olhos.
Me coloco de pé e vou até a cômoda pequena, pego uma camiseta preta e
larga e uma calcinha rosa e simples.
— Mais tipo? — questiono, me enfiando nas roupas. Ela desvia o olhar
mais uma vez.
Quando termino, solto os fios úmidos e volto a encará-la. Andressa está
vermelha, parece que suas sardas se juntaram e viraram uma mancha rosada.
É como um blush exagerado.
— Valeu a pena? Quer dizer...
— Se quer saber se é grande ou se ele fode bem, é só perguntar.
— Tudo bem o...
— Eu estava brincando! — a interrompo. A menina ri nasalado,
debochando da minha reação. — Certo — suspiro. — Sim, ele é muito bom
de cama. Muito bom mesmo.
— De zero a dez...
— Dez e meio — brinco, ela ri. Acho que sempre quis saber disso.
Andressa costumava manter suas perguntas ousadas para si própria e agora
pode soltá-las para mim. — Posso dizer que ele me deu um ótimo presente de
aniversário.
A ruivinha fica boquiaberta e espera por mais, acontece que já acabei.
Não vou dar detalhes, não sei fazer isso.
Andressa chacoalha a cabeça e se desapega dos sonhos sujos. Seus olhos
se prendem em meu pulso, no A que brilha.
— É lindo — sussurra.
— Nicholas me deu de presente.
Vejo sua expressão confusa, ela parece não acreditar que Thompson
comprou algo tão bonito para uma garota que acabou de conhecer. Mesmo
assim, a ruiva não comenta sobre.
— Falando em aniversário, aquela caixinha é sua! — Olho para a
escrivaninha, agora organizada, e encontro um presente pequeno. Agarro o
objeto e tiro a tampa sem muita enrolação, me deparando com uma fotografia
antiga: eu e John na praia quando eu tinha uns seis anos.
A carta diz: de seu pai, John Wonders, que te ama. Feliz aniversário.
— De quem é?
— Meu pai — explico e lhe mostro a foto.
Fico feliz em saber que John se lembrou da sua filha mais velha, ele
sempre me tratou bem quando longe de Katherine, tenho certeza de que ela
não sabe disso. Éramos e ainda somos — de certa forma — bem próximos,
além de nos parecermos em alguns aspectos.
Andressa sorri, mas não faz ideia do porquê do presente.
Culpa.
Ele se culpa pela ausência, pelas brigas, bebedeiras, confusões escolares,
pelas festas, péssimos namorados, críticas aos gritos. Ele se culpa por toda
merda que fiz, porque não estava lá, não de verdade. John decidiu fugir de
Katherine e me abandonar, ele estava protegido, mas eu fui atirada aos lobos.
Coloco o objeto em minha mesa de cabeceira, gosto de me lembrar do
meu pai, apesar de tudo. Gosto de saber que talvez possa contar com ele.

Puxo mais um cabide e olho o vestido, negando com a cabeça.


— Você tem que escolher um! — ela reclama ao notar que já rejeitei a
metade da loja. Quero ir ao baile para entender essa cidade, para entender
Nicholas e para observar os moradores mentirosos de Wiston Hill.
O vestido realmente não importa.
— Eu vou escolher um, diferente de você que escolheu três — digo,
analisando os vestidos sobre um sofá.
Ela só precisa de um, urgentemente.
— Podemos sair pra beber hoje à noite, sabe? — Andressa continua
examinando modelos diferentes, ela os puxa, avalia e devolve.
— É terça-feira e achei que não gostasse de sair pra beber — brinco e
me jogo no mesmo sofá onde os tecidos descansam.
— Mas eu tô animada hoje. E eu bebo. Bom, você me deixou animada,
nunca tive uma colega de quarto assim.
— Problemática e alcoólatra? — Franzo o cenho ao mencionar a
verdade, escondida em meu tom cômico, pela primeira vez.
— Simpática, bonita e engraçada — corrige. — Já escolheu o vestido?
— Não! Aliás, essa loja tem preços muito altos. Você é rica e eu não
sabia? Nunca me contou sobre a sua família.
— E você nunca me contou sobre a sua! Agora escolha um vestido,
Wonders.
Me levanto bufando e viso uma arara que ainda não recusei. Ando
rapidamente até ela, fingindo interesse.
— Me conte alguma coisa, o que sua mãe faz? — tento e ela ri, o som
sai com doçura. Andressa cobre os lábios e anda até mim, parando ao meu
lado.
— Meu pai é arquiteto — diz.
— Então, você não mora com a sua mãe?
— Não exatamente. Eu tenho um pai arquiteto e um pai que é médico.
Agora eu compreendi a sua risada, eu só não imaginava, na verdade, não
fazia ideia.
— Ah sim.
— Não precisa ficar chocada — disfarça, colocando algumas mechas
atrás da orelha. Ela agarra um tecido vermelho. — Esse é bonito, combina
com seus olhos.
— Não estou chocada, só não sabia. E como eles chamam?
— Mark e Conor. A minha irmã chama Leah. Sua vez.
— De contar sobre os Wonders?
Ela assente animadamente. Suas mãos retiram o vestido do cabide e ela
decide levá-lo para mim.
A deixo. Não quero escolher roupas.
— John e Katherine. Meu irmão chama Mike e as meninas são Cherry e
April.
— E vocês são próximos?
Andressa se senta no sofá, ainda segurando a vestimenta, e me encara.
Ela é curiosa e obviamente não conhece a atmosfera Wonders. Próximos é
uma palavra complicada.
— Não exatamente — respondo, tentando disfarçar. Enfio as mãos nos
bolsos da calça e vejo sua expressão mudar. Está confusa. — Eu tenho muitos
problemas familiares e não gosto de falar deles.
— Eu te entendo na verdade. Todo mundo esconde alguma coisa.
Sim. Ela esconde fotos íntimas que foram espalhadas pela cidade, aquele
tipo de coisa que destrói qualquer um. Mas Andressa faz parte da alta
sociedade de Wiston Hill, isso significa fofocas nem tão duradouras. As
famílias influentes daqui não compram brigas com outras famílias influentes.
— Meus pais — prossegue, quebrando o silêncio —, só foram aceitos
porque eles têm dinheiro. Quer dizer, não é como se todos daqui amassem os
Morgan, mas são influentes e simpáticos.
— As pessoas são falsas — falo baixinho, presa aos meus pensamentos.
Katherine era falsa e extremamente egoísta. Fotos de família, festas
bem-organizadas, elogios, tudo na frente dos outros. Nos acertos, ela era a
orgulhosa, a pessoa que deu a vida a Alice Louise Wonders. E| nos momentos
de erros, que foram muitos, eu era apenas outra decepção.
A verdade é que Katy nunca quis ter filhos.
— E Polly Thompson ganha de todas elas — murmura em segredo,
remoendo algo do passado.
— Achei que Chris Vender fosse a pior de todas.
Andressa ergue o olhar, lembrando de que não está sozinha.
— Bom, a Christina só tenta chamar a atenção do pai, sabe? No fim, só
é vazia...
— Isso não justifica — reclamo, mas entendo seu lado. Vender é
superficial e carente, sei que deve ter seus próprios traumas, a questão é, ela
decidiu projetá-los em outros. Isso sim me irrita.
— Eu sei que não, Alice. Ela faz coisas horríveis...
— Imagino — digo, mas a ruiva não sabe, ela não faz ideia de que
entendo suas referências. — Sobre Polly Thompson, pode me contar mais?
— Nicholas está escondendo coisas que não se resumem ao sumiço de sua
mãe. Há mais, eu vejo em suas íris.
— Como assim? — Andressa tenta disfarçar. Faço uma careta como
resposta. — Tudo bem... Ela manda aqui, em tudo, ela é como a rainha de
Wiston Hill.
— Não tô querendo saber do dinheiro dos Thompson ou o poder que
eles têm. Quero saber o porquê da Polly parecer tão...
— Desagradável. Ela é. Por isso, Alice. Ela gosta das coisas certas
demais, das regras e dos bons modos, mesmo que esses sejam falsos. É tudo
aparência, ela gosta da ideia de ter uma família perfeita. É viciada em
manipulação.
— 'Tá, mas eles não parecem perfeitos.
— Não são. Nunca foram.
Eu noto o mistério crescente. O que essa família fez? O que todos
escondem?
Não é um segredo familiar, não é algo pequeno. Toda a cidade acoberta
esse passado, toda a cidade evita comentar sobre os erros.
— Por que quer tanto saber? — pergunta. Eu dou de ombros.
— Nicholas me convidou para o baile, ou seja — balanço a cabeça —,
ele quer ir comigo. E também me contou sobre Pumpkin.
— Nick te contou sobre a mãe? — indaga. Concordo sem entender
muito do seu choque. — Ele não gosta de falar disso.
— Não sabia que eram próximos — reclamo e Andressa encolhe os
ombros. Cada vez mais pedaços da história escapam por entre seus lábios.
— Não somos — gagueja. — Eu costumava perguntar se ele estava bem
e um dia me pediu pra parar. Eu entendi, Nick não gosta de lembrar.
— Bom, ele tem motivos. A mãe desapareceu e o pai é ausente.
— Não é só isso. A Polly nunca gostou do casamento dos pais dele e
quando Pumpkin sumiu repentinamente, algo ficou no ar. Foi estranho —
confessa, eu travo.
Ela quer dizer que, talvez, Polly Thompson tenha armado isso?
Andressa está me contando coisas que não devia e eu percebo agora: são
segredos profundos. Se até mesmo a ruiva sabe dessa teoria por trás do
desaparecimento, imagine Nick. Ele nunca me contaria que a avó pode ter
feito algo contra sua mãe. É mais fácil viver em negação.
— Certo, Polly parece realmente horrível...
Andressa dá de ombros, ela notou que precisa parar, eu não devo saber
dessas histórias. Sou a novata, a forasteira, aquela que não pode descobrir os
segredos da alta sociedade, já compreendi.
Mesmo assim, nada fica enterrado para sempre. Nem em Wiston Hill.
— Ela não vai gostar de mim, vai? — pergunto. Andressa faz um
biquinho e nega com certa hesitação. Bufo levemente e a encaro. — Tudo
bem, acho que eu já sabia disso.
— Quer que ela goste de você? Isso é importante?
— Eu não dou a mínima e Nick também não, aparentemente.
Ela morde o lábio e pensa em silêncio, deixando a minha ansiedade me
consumir. Andressa não concorda nem discorda, não me diz se Nicholas se
importa ou não. Ele parece distante da avó, mas nem tudo que parece, é.
— É melhor experimentar o vestido — diz, esticando-me o tecido. Rolo
os olhos e respiro fundo, ela não vai embora até me ver comprar uma roupa
perfeita para o baile.
O pego com impaciência e concordo sem emitir som algum, ainda estou
presa a dúvidas sobre essa cidade, a perguntas que me faço. As coisas
parecem calmas em Wiston Hill, porém quando se passa tempo com as
pessoas daqui é possível notar que essa calmaria é superficial. Há segredos
demais prestes a serem revelados e há muita gente se esforçando ao máximo
para mantê-los. À toda pergunta que faço recebo um olhar frio e uma
expressão pensativa.
Ando até um provador confortável o suficiente, Andressa me segue,
agora não há animação em seu rosto. Não há nada, na verdade. Ela parece
limpa de emoções.
— Alice — chama antes que a porta se feche. A encaro como resposta.
— Deveria falar com Nicholas sobre isso.
Concordo sem entender. Ela quer que eu fale com ele sobre Polly ou
sobre ser aprovada por ela? Porque eu realmente não me importo com a
reação da mulher, entretanto, não quero problemas, principalmente
relacionados a reitora da Universidade. Polly não é só a avó de Nicholas, ela
manda nesse lugar.
Fecho a porta me preparando para entrar no vestido.

Depois de longos minutos Andressa se esqueceu da nossa conversa, ela


se animou novamente e voltou a falar sobre coisas como meninos, festas e
tons que combinam com a minha pele. Concordei e comprei tudo que
mandou, tentando não quebrar o clima. Nada de tragédias do passado e
dramas familiares.
— Eu não entendo a sua animação — brinco, subindo os degraus da
casa. Ela ri, já me explicou que ama vestidos e bailes.
— Alice Wonders. — Essa porra de voz me assombra, olho para frente
ao me aproximar da porta e encontro Christina Vender me esperando. A ruiva
se encolhe no mesmo momento. — Está animada hoje, a noite com o
Nicholas foi boa?
— Christina, você não desiste de mim. Acho impressionante. O que foi?
Quer ser minha amiga? Quer me perguntar algo? — provoco e ela bufa.
— Você é cínica — diz, como se eu não soubesse. Essa me é uma
qualidade, na verdade. Não suporto pessoas que ficam me cercando, tentando
me irritar de alguma forma. — E desagradável.
— Te digo o mesmo. — Sorrio falsamente, ela espera como se algo
fosse acontecer.
Nos encaramos com raiva por alguns minutos, então a voz fina soa atrás
de Vender.
— Como pôde fazer isso? — Madison pergunta com lágrimas nos olhos.
Andressa suspira ao meu lado, entediada com o teatrinho.
— Alguém pode me explicar? — A fito.
— Você roubou o meu namorado.
Madison parece chocada e Chris, satisfeita.
— Roubei o quê? — questiono sem acreditar no que ouvi.
Ela fala como se eu tivesse chegado com a intenção de estragar o
relacionamento dos dois. Pelo que eu sei, já tinham terminado antes mesmo
de eu encontrar os olhos azuis de Nicholas à frente do Heaven.
— Não se faz de idiota! — Madison grita. Rolo os olhos e me enfio no
meio das duas, entrando na casa. Andressa faz o mesmo de cabeça baixa, ela
não tem coragem suficiente para discutir com Christina.
As duas louras nos seguem. Paro à beira da escada e me viro com toda
falta de vontade possível.
— Não vai se explicar? — exige naquele tom infantil e fino. Meus
ouvidos doem.
— Me explicar? Está doida? Deveria parar de ler os posts da sua amiga,
ela com certeza sabe espalhar boatos sem fundamento.
Maddy franze o cenho e Chris queima de raiva. Continuo procurando
pelas palavras certas, mas a minha irritação não me deixa em silêncio por
muito tempo.
— Primeiro, Madison, é impossível roubar alguém — digo. Ela faz um
biquinho. — Pessoas não são objetos, eu não fui ao seu quarto e peguei
alguma coisa.
— Você entendeu — murmura e rola os olhos.
— Não, não entendi, porque você está falando um monte de besteira —
solto, fazendo Madison ficar boquiaberta, assim como sua amiga falsa —, eu
não roubei ninguém.
— Vai dizer que essa história de estar com Nicholas é mentira...
— Quer saber, faz o seguinte, pergunta pra ele. — Entrego sem pensar
nas consequências. Andressa contém uma risadinha e me segue escada acima.
Quando passamos pelo corredor e entramos no quarto, ela abre a boca
com choque e digere o que eu joguei na cara da loura. Sei que Maddy parece
ingênua, um anjo, mas também sei que ela mente. Ela é capaz de manipular.
Não digo que Nicholas está certo, entretanto, ela o beijou na festa da
Tigerx. Madison ainda tenta algo.
— O que foi? — pergunto e coloco a sacola sobre a cama.
— Você disse mesmo aquilo.
— Sim, estou errada?
Ela nega, balançando a cabeça com rapidez. Seus fios ruivos se mexem,
seus olhos brilham.
— Na verdade, acho que foi a primeira pessoa a dizer a verdade pra
Madison.
— Você tem que me contar se isso é bom ou ruim! — imploro, me
sentando sobre o pacote.
— Vai amassar o vestido! — exclama. Levanto-me com pressa, quase
esquecendo o tema da nossa discussão. Sim, o vestido vermelho que comprei
pensando na cor favorita de Nicholas, a qual acredito ser essa por conta dos
meus lábios. — Eu acho que é bom, quer dizer, ela precisa de um choque de
realidade, o relacionamento deles era falso demais.
— Não me parece — falo e me sento em sua cama, limpa e arrumada.
— Ele se importa com a Madison, Alice, mas parecem amigos. Era
estranho, eu não via os olhos dele brilhando ou coisa do tipo.
Se Andressa tivesse me dito isso semanas atrás eu teria rido, afinal, não
acreditava em calafrios e mãos trêmulas, não até a noite passada. Nicholas
despertou essas coisas em mim e, aparentemente, as despertou em Maddy.
Cada vez mais difícil, pois não sei o que ele sente, o que ele quer e o que
ele pensa. Nick é ilegível, quando consigo entender seus pensamentos, é
porque ele me deixa o fazer.
— Eu só tô cansada da Christina fazendo essas coisas, ela nem tentou
me conhecer, só decidiu que vai me odiar. E eu detesto rivalidade feminina,
ainda mais com meninos envolvidos.
— Ela é assim, Alice! E o que Chris Vender acha, Madison acha.
Parece triste, vazio, sem emoção. Viver atrás de alguém que não dá a
mínima, alguém que faria qualquer coisa contra você apenas para crescer na
vida. Alguém tão egocêntrico que não consegue notar o quão imbecil são
suas atitudes.
Ela me ataca só para provar que pode, como se fizesse diferença. Eu não
me intimido fácil e não dou a mínima para sobrenomes.
— Depois de toda essa merda, preciso de uma bebida — digo, me
deitando de vez em seu colchão. Sinto o travesseiro macio sob a minha
cabeça e fecho os olhos.
— Você sempre precisa de uma bebida, Wonders — reprova e ouço sua
risadinha.
— É uma herança familiar.
Infelizmente, isto Katherine me ensinou bem: nunca é tão tarde ou tão
cedo para uma boa dose de tequila.

As portas do Heaven Bar se abrem quase que sozinhas com a nossa


presença, e por elas, é claro, sai um bêbado completamente desequilibrado.
— Amanhã nós temos aula — me lembra antes mesmo de se sentar num
banquinho pequeno, à frente do balcão.
— Nem começamos e já está assim? — questiono com deboche.
Andressa sorri, ignorando as minhas palavras, e espera.
Vejo Hannah conversando com um cliente — que juro, já vi outras
vezes nesse lugar —, ela me entrega um sorriso delicado.
— Acho que já posso te perguntar — Andressa rouba a minha atenção
—, você gosta dele?
Eu travo. Essa pergunta me tira do eixo, me deixa tonta, me faz pensar
em tantas coisas, como no medo de um dia, quem sabe, realmente gostar de
Thompson.
— As coisas não são tão fáceis assim — respondo, brincando com a
pulseira que o garoto me deu.
— Gostar é diferente de estar apaixonada, Alice.
— A questão é, eu não sei o que sinto, ruiva. Ele me irrita, ao mesmo
tempo, me deixa confusa e confortável. É estranho.
— E acha que ele gosta de você?
— Prefiro que não. E prefiro não falar ou pensar nisso — peço. Ela
concorda mesmo discordando internamente.
— Tudo bem, sem conversas sobre sentimentos e Nicholas. Que tal
família? — tenta. Bufo, irritada, e bato com a mão sobre o balcão, sem fazer
barulho. — Você disse que tem problemas familiares, me conte.
— Essa curiosidade me irrita! — eu reclamo ao notar a sua animação. O
sorriso incansável dela me tira do sério quando o tema é a minha vida. —
Você sabe sobre a minha família, é só abrir uma revista de finanças ou sei lá
o que...
— É, mas as revistas não falam por você. — Apoia os cotovelos no
balcão e me encara.
A vejo de soslaio, ela quer saber a verdade, quem são os Wonders
quando ninguém está olhando.
— Por trás das câmeras, não é? — questiono, a ruiva assente. — Minha
mãe é uma alcoólatra, ela passa o tempo bebendo e reclamando. Meu pai vive
em reuniões do trabalho sobre os hotéis caros espalhados pelo país e meus
irmãos, eu não faço ideia.
— A sua mãe...
— Eu não gosto de falar da minha mãe! — exclamo ao tirar meus olhos
dos seus. — Por favor — imploro. Falar de Katherine me leva de volta à
Nova Iorque e eu não quero isso, se quisesse, não teria ido embora.
— Tudo bem, e quanto aos seus irmãos, seu pai... vocês são próximos?
Rio nasalado e volto a fitá-la. A ruiva cora um pouco, timidamente, por
estar me interrogando sobre minha vida pessoal. Eu não me importo, não
quando o assunto foge de Katherine. O resto é só resto.
— Meu pai é legal, nós éramos próximos — conto. Andressa franze o
cenho. — Ele meio que começou a ficar longe, trabalhar mais, tudo pra evitar
o clima pesado em casa. A gente se distanciou.
— Eu entendo, quer dizer — arqueio a sobrancelha, a sua resposta é
clichê demais —, eu não entendo.
— Você não tem que entender, é melhor que não entenda mesmo. —
Sorrio sutilmente, de canto. — Meu irmão Mike é o orgulho da família, joga
no time de futebol, tem um carro bonito, boas notas e uma namorada perfeita.
Eu não sou muito fã dele, porque sei bem como se comporta fora de casa.
Cherry e April são terrivelmente irritantes e não escondem isso.
— Parece gostar delas.
— Eu gosto bastante. Mas algumas coisas aconteceram, então não nos
falamos muito — explico demonstrando a falta de vontade em tocar no
assunto.
Por favor, Andressa, não me pergunte sobre o que aconteceu, não me
questione sobre o que eu fiz.
A ruivinha lê a minha mente, ela não continua o assunto, fica quieta e
espera. Hannah ainda não nos atendeu, parece vidrada na conversa com o
cliente qualquer, que bebe todas as noites.
Me viro para frente, encaro a prateleira iluminada e cheia de bebidas
caras. Suspiro baixinho, procurando por uma forma de quebrar o silêncio.
Quando olho para Andressa novamente, noto que está distraída, pensando em
algo.
— E seus pais? Como são as coisas em casa? — pergunto.
— São boas. Eles me apoiam bastante e são divertidos, adoram jantares
em família. — Ela ri ao contar a última parte. — Se quiser, pode ir em um
comigo!
Não aceito a proposta, mas sei que Andressa não me deixará escapar
dessa. Ela irá se lembrar desse convite.
— Então, voltando a falar sobre Nicholas Thompson, sabe que pode me
contar a verdade, certo? Se estiver gostando dele...
— Nossa, olha, é a Hannah! — desvio do assunto. A menina de cabelos
azuis finalmente se aproxima e nos analisa, seus fios estão soltos e molhados,
sua camiseta preta parece larga demais em seu corpo.
— Você 'tá conseguindo fazer a Andressa sair, isso é ótimo! — diz e a
ruiva se encolhe, quase cavando um buraco no chão.
— Vou ao banheiro — Andressa declara e sai com calma, sem nos dar
uma última olhada. Penso se vai chorar ou apenas se recompor.
Quando me vejo sozinha com a bartender, percebo que Hannah está me
examinando como se eu estivesse escondendo algo.
— Gosto dela, é fofa! — conta, se referindo a ruiva.
— Ela não é um cachorro e poderia, por favor, não a constranger?
Hannah dá de ombros, considerando meu pedido. Ela se vira, agarra
uma garrafa de tequila e três copos, encaixados em seus dedos.
A baixinha coloca tudo sobre o balcão e começa a servir.
— Tem algo pra me contar? — questiona, ainda fitando as doses
generosas que prepara.
— Não sei. Tenho?
Sei que Jack deve ter contado, ele me viu no quarto de Nick e me levou
para casa.
— Quer dizer que dormiu no dormitório? — Ela vira uma dose e espera,
me encarando friamente. Mordo o lábio e sorrio sem conseguir disfarçar.
— Está bem, eu dormi com ele. O que foi?
— Nada. Eu consigo ver isso na sua cara, Alice. Se eu me refiro a Nick,
você cora. É fofo.
— Cala a boca! — Agarro um copinho e o viro. A tequila queima a
minha garganta, me tira as memórias que ainda gritam em minha mente.
— Eu não quero saber dos detalhes — fala e faz um biquinho,
debochando. Rolo os olhos como resposta.
Ela quer sim, mas não vai perguntar. Duas safadas, Andressa e Hannah.
Se juntar essas meninas e esse assunto, eu fico louca. Nenhuma delas tem
limites, só questionam e questionam, com seus sorrisos maliciosos e
pensamentos impuros.
Hannah me serve mais uma dose, enquanto seus olhos encontram —
rapidamente — algo atrás de mim. Me viro, já sentindo o calor do corpo que
se aproxima.
— Jayden, você por aqui? — ela exclama. Um garoto negro, alto e
bonito aparece. Seus músculos se destacam numa camiseta preta e seu cabelo
está raspado.
Ele me analisa e depois foca na bartender.
— Oi, Hannah. — Em seguida, mostra seu sorriso. Jayden se torna à
mim, não nos conhecemos, mas ele me olha como se soubesse quem eu sou.
— Essa é Alice Wonders, uma novata.
Sorrio com timidez.
— Sou Jayden Harris. — Agarra em minha mão e a balança. Seu aperto
é forte e posso ver a simpatia em suas íris escuras. — A tal Alice? Aquela
do...
— Essa mesma — respondo, porque já sei que vai mencionar a
publicação de Christina.
Jayden apoia as mãos no balcão e se mantém de pé ao meu lado, entre o
banco de Andressa e o meu. Nos encaramos por alguns minutos, até que a
ruiva se intromete.
— Jayden? — A voz doce retorna. Os dois se encontram e um abraço
surge.
— Faz tempo! — ele diz em seu ouvido. Pronto, a minha curiosidade
acordou.
— Se conhecem?
— Ah sim — Andressa afirma. Seus corpos descolam e a ruivinha se
senta no banquinho. — Eu era a dupla de biologia dele.
Concordo, mantendo minhas opiniões em silêncio. Por alguns minutos
pensei que houvesse algo a mais entre os dois.
— E vocês, se conhecem? — ela devolve.
O encaro esperando que responda por mim, mas acabo o fazendo:
— Não exatamente.
— Bom, eu a conheço pelos boatos que estão rolando por ai — Jayden
confessa e me olha. — A Christina fala muito de você.
— Coisas ruins, imagino. São próximos? — O garoto morde o lábio,
pensando. Jayden dá de ombros e se volta ao balcão.
— Sim, mas eu prefiro formar a minha opinião, então não confio muito
no que ela diz!
Ainda bem. Se alguém se basear nas palavras da Vender vai me odiar,
pensar que sou a pior pessoa desse mundo, completamente problemática.
— Bom, eu tenho que ir. Foi legal te conhecer, Alice. — Ele anda até a
mesa de sinuca, ainda me analisando.
Quando ficamos sozinhas, sinto que posso fazer perguntas sobre a
proximidade de Jayden e Chris, sinto que posso ser um tanto invasiva, mas os
olhos delas já guardam questionamentos demais. Íris verdes e íris azuis me
fitando com muito mistério. Todas me julgando um pouco.
— Dormitório ontem? — Hannah começa, retomando o assunto.
— Foi meu aniversário.
Ela tenta evitar soar maliciosa e intrometida, mas falha.
— E o seu presente foi o Thompson?
Andressa ri ao ouvir as palavras da baixinha. Eu as olho com
reprovação.
— Vamos parar de falar de mim. — Entrego um copo para a ruiva e
Hannah me serve mais. — Por que Jayden e Chris são próximos? Ele parece
doce e ela é… venenosa.
— É uma longa história — Hannah diz.
— E eu tenho tempo. — Bebo. As duas se entreolham.
— Ela trai o namorado com o Jayden! — a de cabelos azuis
desembucha. Fico boquiaberta. Como assim? Logo Christina, a que tanto me
incomoda por conta da minha quase relação com Nicholas, a que coloca
Madison contra mim?
Parece que todo mundo faz merda, não?
— Isso não é da nossa conta — a ruivinha sussurra, amenizando a força
das palavras de Hannah, fazendo meu choque ser substituído por raiva.
— E ela pode falar da minha vida naquele site idiota, mas eu não posso
falar disso? — Alterno o olhar entre as garotas.
— Sim — a bartender rosna contra a própria vontade. — As coisas são
assim em Wiston Hill, não quer comprar briga com as pessoas erradas.
— Então, eu tenho que ouvir e ficar quieta?
— Mais ou menos, quer dizer, algumas coisas não mudam, Alice. E
Chris é uma delas. Essa menina é venenosa e sempre foi — Andressa explica.
Ou seja, é melhor aceitar e não me meter.
— Não sou do tipo que abaixa a cabeça pra essas coisas...
— Tudo bem, mas você também não é do tipo de Wiston Hill —
Hannah me interrompe, calando-me. Ela está certa e eu prometi para a minha
família que ficaria longe de problemas, o que é difícil, já que, aparentemente,
sou um. — Vai por mim, não se mete nisso.
Assinto e rolo os olhos. Eu só queria um bom caos, algo para me
satisfazer. Chris Vender fica encontrando defeitos em outras pessoas
enquanto está cometendo os próprios erros. De qualquer forma, realmente,
não é da minha conta.
— Tudo bem, vou esquecer isso!
As duas sorriem, aliviadas. Eu vou tentar me manter na linha, fingindo
que nem conheço Jayden, fingindo que Christina Vender não me tira do sério.
Vou tentar ser o seu oposto, educada e sem me meter nas cagadas alheias.
— Vamos beber, então! — Andressa pede e vira a primeira dose. Sorrio
ao notar sua animação.
— E vamos falar da Alice e do Nicholas! Gosta dele? — Hannah
instiga.
Respiro fundo sem tempo para responder.
— Eu não quero falar disso, vocês duas podem parar? — imploro. Os
sorrisos maldosos voltam, elas gostam de me provocar.
— Calminha ai, Wonders, só tô curiosa. Quero saber se meu amigo
finalmente encontrou uma menina legal.
— Eu sou legal — Andressa reclama e rouba meu copo, virando-o em
seguida.
— Garota, você namora, se esqueceu? — Hannah exclama.
Vejo a ruiva balançar a cabeça em concordância, como se a bebida já
fizesse efeito.
— Tudo bem, então pergunte pra ele. Eu quero falar de coisas como o
baile de boas-vindas.
A bartender tira sarro do meu pedido, rindo nasalado.
— Você vai? — quem questiona é a ruiva e Hannah rola os olhos. —
Por que não?
— Eu num baile, é sério?
Sinto o mesmo, mas Andressa é convincente e teimosa, ela conseguiu
me forçar a comprar um vestido. Além disso, há Nicholas, que me convidou
com seu sorrisinho bobo no rosto.
— É muito sério, Hannah. Se eu vou, você tem que ir, não posso sofrer
sozinha! — A forço. A garota faz um biquinho querendo recusar e enche os
copos vazios novamente.
— Por favor, por favor! — Andressa pede e desliza seus dedos pelo
balcão, agarrando a mão de Hannah, apertando-a. A ruiva usa do tom doce e
amigável, aquele que conquista qualquer um.
— Okay! — Ela puxa o braço, se afastando do toque da ruivinha. — Eu
vou!
— Um brinde a isso! — brinco.

Subo o primeiro degrau me apoiando em Andressa e ela faz o mesmo


comigo, o que não ajuda muito. Estamos bêbadas. A noite já toma conta do
Campus e as únicas luzes são dos postes que enfeitam as calçadas.
— E foi você quem disse que temos aula amanhã! — caçoo, ela ri alto,
de maneira exagerada. — Quieta, já 'tá tarde!
Andressa cobre os lábios com os dedos e, por algum motivo, acho isso
engraçado. Seguro um riso que me arranha a garganta, dói. As ruas estão
silenciosas, vazias. As únicas vozes possíveis são as nossas.
Continuamos a subir os degraus da fraternidade, sem realmente olhar
para frente. Não podemos acordar as meninas, muito menos Maddy e Chris.
Um passo de cada vez, mãos apoiadas nos corrimãos e pronto, chegamos à
varanda.
— É sério, eu me diverti muito hoje — ela cochicha e me sinto aliviada.
Desde que nos conhecemos nunca vi Andressa rir dessa forma, nunca vi seus
olhos brilhando de empolgação. Algo mudou.
A seguro pelo braço e pego a chave no bolso para abrir a porta da frente,
quando ouço a voz familiar.
— Alice? — O sussurro ecoa, me viro para o lado e avisto os corpos
num banco de madeira. Cherry tenta sorrir, mas parece chateada.
— O que fazem aqui? — pergunto com a voz enrolada. Alex se levanta
e anda até nós. Andressa apenas espera, está bêbada demais para me
questionar, ela se deita em meu ombro e me abraça.
— Viemos por causa do seu aniversário — responde, acordando a raiva
que eu guardava. Esse idiota teve coragem de vir atrás de mim mesmo depois
de tudo que fez? Quem ele acha que é?
Alex se convenceu de que tínhamos o relacionamento perfeito,
apaixonados e românticos. Mas não. Eu estava com ele, porque queria tentar
fazer o que me mandavam, andar na linha, ser estável. Não funcionou, eu me
sentia forçada.
Contudo, nada o impediu de transar com Ruby, a minha antiga amiga.
— Feliz aniversário — diz e cruza os braços.
Não poderia haver um momento pior que esse para reencontrar meu
passado. É real, nada fica enterrado nessa cidade, até porque, o que deixei em
Nova Iorque me seguiu como um fantasma.
Esse lugar, Wiston Hill, só pode ser o inferno: caótico e assombrado.
19

MENTIROSA
“Você não queria estar meio satisfeita.
Me expulse quando você tiver terminado.”
Rainbow Kitten Surprise | Devil Like Me

ALICE WONDERS

Alex e Cherry me encaram enquanto eu espero por uma explicação. Pedi


para ficarem do lado de fora e coloquei Andressa na cama, agora, preciso
entender a situação.
— Achei que fosse ficar na linha — Cherry sussurra, ainda sentada no
banco de madeira, deixando a noite nos rodear. Sei que as meninas da
fraternidade estão dormindo, então, tento me controlar, tento manter o tom
baixo, não quero virar a fofoca da manhã seguinte.
— Eu achei que fosse ficar em Nova Iorque, por que estão aqui? — Os
fito com indignação e Alex rola os olhos.
Cherry não quer falar comigo, é óbvio, e eu não quero falar com ele. É
um triângulo sim, daqueles nada amorosos.
— Foi seu aniversário. Achei que gostaria de uma surpresa — ele diz, se
aproximando, me olhando nos olhos.
— Eu odeio surpresas! — reclamo baixinho. — Você sabe que não
quero conversar. Como pôde trazer a minha irmã aqui? Achou que fosse
aparecer e pronto, viramos amigos novamente?
Há esperança em seu rosto, ele achava isso mesmo. Alexander tenta
tocar em meu braço, alisando-o, mas eu desvio. Não quero suas mãos em
mim, não quero ouvir suas desculpas e explicações.
— Eu só queria te ver. — Sua voz sai doce, daquela maneira que me
irrita, é falsa, cheia de outras intenções. — Senti sua falta.
— Minha falta? — pergunto e o empurro com as duas mãos em seu
peitoral. — Você dormiu com a Ruby!
— Isso foi um erro! — rosna, contendo um grito. — Eu já pedi
desculpas, a gente pode superar isso, Alice.
— Não! A gente não pode. — Rio com deboche, seus olhos castanhos
ficam confusos. Alex se afasta um pouco, como se eu fosse um monstro. Eles
sempre fazem isso, agem como se eu fosse louca, descontrolada. — Você não
entende, não é? Eu nunca gostei de você, não desse jeito.
— Alice...
— Escuta, você ter dormido com a Ruby foi a melhor desculpa possível.
Eu não queria um relacionamento, eu não quero! E você ainda não consegue
entender.
— É, eu percebi — diz, me analisando. Sua seriedade me assusta. — A
Ruby me disse que você é assim, fria. Nada é suficiente, certo, Wonders?
Idiota. Ele só pode ser um idiota.
— Eu sou sim, fria demais. E você não me merece. Eu sei que nunca te
tratei como deveria também, mas isso não justifica o que fez.
— Não pode estar magoada se nem gostava de mim.
— Eu não tô magoada, isso chama raiva, Alexander. Você me usou
quando parou de receber a minha atenção, você tentou ferir meu ego e me
ferir. Se eu estivesse toda apaixonada, teria sofrido sim. Você é um idiota.
Ele dá um passo à frente, aproximando nossos corpos.
— Fala tudo isso como se fosse diferente de mim — sussurra perto do
meu rosto. — E eu consigo sentir o cheiro de bebida daqui!
É como ser socada na cara.
— Parem, vocês dois! — Cherry ordena e se levanta com pressa.
Nenhum de nós aumenta o tom de voz, não queremos olhos em nossa
direção, não queremos plateia. — Chega disso.
— Desculpa — murmuro encontrando seu corpo cheio de curvas,
enfiado numa calça preta e blusa vermelha. A examino por segundos
intermináveis, ela está diferente.
— Eu queria te ver, ele só me trouxe! — conta com certa raiva
misturada a arrependimento. Alex se afasta ao notar que não vou continuar a
nossa discussão. Um ponto final é um ponto final.
— E por que ele?
— Era o único que queria vir e é maior de idade. Precisa ser tão
estúpida?
— Eu não esperava ver vocês, não estou sendo estúpida!
— Eu te liguei várias vezes, mandei mensagens. Nada. Você nem
atendeu — comenta, mas eu sei, me lembro de ter ignorado tudo que esses
dois me enviaram. — Você não mudou.
— Cherry eu tô cansada, olha, amanhã a gente conversa, está bem?
Depois da minha aula!
Não gosto de magoar a baixinha de cabelos pretos e lábios rosados. Não
gosto de ver as lágrimas nascerem em seus olhos, mesmo sabendo que temos
assuntos inacabados, brigas que ainda vivem em minha mente.
Cherry assente com certa reprovação, ela segura um choro e desce os
degraus, me ignorando de vez.
— Só você. Não preciso ver o Alex de novo — digo, fingindo que o
menino não está aqui.
De soslaio o percebo bufar enquanto seus dedos ajeitam os cachos
bagunçados em sua cabeça. O perfume de Alex se espalha pela varanda e
chega até o meu corpo, me atacando. É como me lembrar de casa, é horrível.
Os dois partem sem mais discussões. Me sinto aliviada, não conseguiria
manter a decência, o tom limpo e calmo, por muito tempo. Isso acabaria da
forma errada, mas, apesar de tudo, Cherry não merece as minhas palavras
duras e cheias de raiva, ela não merece me ver agindo igual a Katherine,
bêbada e furiosa.

Andressa grunhe um pouco antes acordar, enfiada nas mesmas roupas da


noite anterior. O despertador toca incansavelmente, a desesperando. Ressaca,
a dor de cabeça deve a matar agora, enquanto eu nem fechei os olhos.
Nessa noite dormi por alguns minutos, quem sabe, meia hora. Só
consegui pensar nos fantasmas do passado e no absurdo que é tê-los por aqui.
A minha irmã está perdendo aula e, provavelmente, queria fugir um pouco de
casa. Alexander deve ter se oferecido, depois de todos dizerem não, ele a
usou para poder vir aqui e fez isso, porque queria me provocar e de alguma
forma tentar reatar. Não consigo entender como sua mente funciona, como
ele pode ter achado que isso daria certo?
É ridículo.
— Alice, por favor! — ela pede, colocando um travesseiro no rosto.
Jogo as pernas para fora da cama e desligo o aparelho que grita pelo quarto.
A ruiva suspira de alívio.
Hoje faz muito calor em Wiston Hill, como se o inferno que é essa
cidade, estivesse voltando à vida.
— Bom dia — digo, ao perceber o seu desânimo. Andressa descobre o
rosto e me olha, sorrindo com falsidade. — Você bebeu pra caralho!
— Eu imagino, obrigada por me contar.
Rio de seu tom. A examino, esperando que me confirme estar bem o
suficiente, para assim, eu poder me arrumar e ir à aula.
Quarta-feira, e dessa vez os olhos de Nicholas não me causam
ansiedade, toda a minha atenção está voltada ao meu passado, o mesmo que
me assombra, que me tira o fôlego. Não sei lidar com essas pessoas, porque
as conheço bem. Enquanto não me importo com os sentimentos de Alex, não
quero machucar Cherry com a minha sinceridade exagerada.
E eu tenho motivos para ferir os dois.
— Sobre ontem, eu não me lembro de muito, mas... — ela suspira e se
levanta, apoiada na mesa de cabeceira.
— Mas? — Me movo pelo quarto e abro a primeira das quatro gavetas
da cômoda. As minhas roupas estão uma bagunça, eu deveria ser mais
cuidadosa com elas, porém dentre tantas coisas que estão acontecendo,
organização não é o meu foco. Agarro um vestido que parece mais uma
camiseta preta e longa, nos pés usarei botas da mesma cor.
— Quem são os dois que te esperavam? — Andressa anda até o
banheiro enquanto eu me esforço para ignorar a sua dúvida.
Quero tirar essa ansiedade de mim. Ver Cherry novamente deveria me
deixar feliz, mas Alex despertou a raiva que havia sumido, ele com certeza
veio à mando de Katherine e mesmo me dizendo que tem boas intenções, eu
não acredito em suas palavras.
— Alice, quem são? — Tenta mais uma vez, o som sai abafado e
distante. Rolo os olhos, nunca consigo escapar das perguntas dessas pessoas,
Wiston Hill arranca meus segredos de mim.
— Minha irmã e meu ex — conto e me torno à ela, vendo seu reflexo no
espelho. Ando até porta do cômodo e espero.
— Ex? — Começa a escovar os dentes. Arqueio a sobrancelha, afinal, o
que ela não entendeu? Ex, sim, exatamente. — Achei que fosse do tipo que
não namora.
— Eu sou, mas tentei uma vez. Não deu muito certo.
Não foi só uma vez, mas prefiro me lembrar apenas de Alex, mesmo
com ele agindo como um imbecil. Nenhum dos meus dois relacionamentos
acabou de uma forma agradável.
— Ele não era um bom namorado?
Respiro fundo enquanto tento pensar numa resposta adequada. Ele era
um bom namorado? Não posso afirmar nem negar. Talvez eu seja a ruim da
situação.
— Ele era excessivo e me traiu.
Seus olhos se arregalam, a ruiva parece em choque. Andressa não se
expressa, não pergunta, não responde. Ela trava imediatamente e eu continuo
a observando pelo grande espelho.
— Isso mesmo. Me traiu — explico. — Viu? Realmente não deu certo.
— Eu... bom, eu nem...
— Não precisa dizer nada, já sei no que deve estar pensando.
O silêncio continua, ela não diz um a sequer, está sem palavras. Por
dentro também me sinto em choque.
Não gosto de coisas inacabadas.

Dessa vez não chego cedo. Há pelo menos dez alunos quando entro na
sala de aula, quinze minutos antes do horário. Olho ao redor, Nicholas me
espera como sempre. Ele está sem a jaqueta hoje, veste apenas uma calça
jeans surrada e uma camiseta cinza, que deixa seus músculos aparentes. A
última vez em que o vi foi na manhã de ontem, quando acordei abraçada ao
seu corpo e coberta por um lençol branco. Foi estranhamente bom.
E desde então, tanta coisa aconteceu.
— Bom dia — diz baixinho e sorri quando me sento ao seu lado.
Retribuo o ato e o fito, cruzo as pernas para não o deixar deslizar seus dedos
por minha pele.
— Bom dia Thompson.
— Dormiu bem? Espero que tenha gostado do seu aniversário.
Faço uma careta e rolo os olhos e me viro para a lousa, como sempre,
branca e grande. Nicholas continua me examinando, reparo quando o fito de
soslaio. Ele tem esse sorriso tentador em sua face, como se toda a malícia do
mundo vivesse em seu corpo.
— A Madison acha que te roubei dela — conto.
— O quê?
— Isso mesmo. Ela leu o que a Chris escreveu e acha que eu te roubei
dela! Não sou muito paciente, mandei falar com você.
— Então, por isso, ela me ligou tantas vezes.
— Pode ser — dou de ombros e volto a olhá-lo —, eu disse à ela
que não é possível roubar pessoas de outras.
Nick ri baixinho, abafado, e morde o lábio.
— Eu vou resolver isso também. Isso e as postagens da Christina.
— Ah sim, certo. E eu encontrei o Jayden ontem.
Sua animação desaparece por alguns segundos, ele tenta disfarçar, mas
falha.
— Fui ao Heaven com a Andressa e esse garoto apareceu, se apresentou
— explico.
Nicholas assente, como se estivesse esperando por uma revelação, uma
bomba.
— Hannah me contou que, aparentemente, Christina e Jayden tem um
caso...
Pronto, Nick parece nervoso, inconformado. Acho que toquei num
assunto proibido.
— Não pode falar disso...
— Eu sei. Não é da minha conta.
Seus olhos brilham, Nicholas me admira. Não sou uma menina
fofoqueira, curiosa sim, mas não gosto de espalhar erros alheios. Sei bem
como é fazer merda e tê-la jogada no ventilador.
Independentemente de como a Vender me irrita, ela não merece isso e
eu não a conheço para entender seus motivos. Dou mais uma olhada ao redor
e percebo, a garota não apareceu hoje. Não a vejo desde a discussão com
Madison.
— O que vai fazer hoje? — Ele quebra o silêncio. Me volto à Nicholas e
tento focar apenas em seus olhos, mas ainda posso ouvir a voz de Alex no
fundo da minha mente.
— Eu bem que queria fazer de novo — brinco e ele solta um risinho
divertido. Mordo o lábio analisando sua mandíbula desenhada, sua expressão
carregada de sensualidade. — Mas, infelizmente, tenho algumas coisas pra
resolver.
— Que tipo de coisas?
— Nada demais.
— Eu acho que essas coisas chamam Cherry e Alex.
Travo, pela primeira vez ao lado de Nicholas, eu sinto frio. Meu
estômago congela, minha garganta para de funcionar, quase não consigo
engolir. Como ele sabe?
Os dois não são um grande segredo, mas parece que as fofocas se
espalham rápido por aqui, antes mesmo de você conseguir as absorver.
— A cidade é pequena, Alice. Duas pessoas novas chegaram, não é algo
que dá pra esconder. Ainda mais, quando uma delas chama Cherry Wonders
e vai ao Waver’s pro café da manhã. E eu estava lá com a Hannah.
— Ótimo… — sussurro.
Ele sorri, tentando me fazer respirar, mas acho que estou pálida e,
provavelmente, gelada. Eu nunca imaginei que Alex fosse aparecer do nada,
nem que Nicholas fosse existir na minha vida. E agora, lidar com o passado e
o presente parece impossível. Minha cabeça lateja com a ideia de ter que
resolver meus problemas.
— Eles vieram por causa do meu aniversário — conto, lembrando de
como deixar o ar entrar em meus pulmões. — Era pra ser uma surpresa, eu
acho.
— Você não parece feliz com isso.
— Não estou. São problemas familiares, nada demais.
Eu sei que meu tom de voz é fraco. Eu quero dizer a verdade para
Alexander sem acabar por ofender Cherry, eu o quero longe, mas desejo que
minha irmã volte a falar comigo, como fazia antes de todas as discussões. Ela
errou também, mas não há um certo na nossa história. Todos os Wonders
fizeram merdas.
— Já notei que não quer falar disso.
Sorrio para ele e nossos olhares se encontram. É como se Nicholas
tentasse me acalmar, como se pudesse entender o que estou sentindo, mesmo
sem conhecer a história.
— Ainda vai ao baile comigo? — pergunta.
— Não sei. Acho que mudei de ideia.
— E como posso te convencer a ir?
Sinto o calor retornar, nossos rostos ganham proximidade. A respiração
de Nicholas me aquece enquanto me provoca. Ele adora fazer isso, brincar
comigo.
— Me encontre depois da aula — peço, porém soa como uma ordem.
Ele se inclina mais, quase me beijando, mas apenas morde o lábio ao
fitar meu batom vermelho, o mesmo de sempre, aquele que ele adora.
— Achei que tivesse coisas a resolver.
Nicholas volta a se ajeitar e encosta na cadeira, se afastando um pouco.
Nossos braços se tocam sobre o apoio entre nós.
— Tenho um tempinho. — Agora conheço os seus pontos fracos e posso
atiçá-los com destreza. — Vamos ver.
Nicholas me encara, surpreso com a malícia presente em meu semblante.
Ele sorri, satisfeito, como se eu fosse a melhor coisa que já viu.
O professor entra interrompendo nossos pensamentos e nossa troca de
olhares.
Andressa me perguntou muitas vezes se eu gosto de Thompson e, nesse
momento, consigo a minha resposta. Eu não estou sentindo algo a mais, é só
um prazer imenso, um desejo. Eu o quero incansavelmente, apenas. Nada
além disso.
Finjo não estar preocupada com o que podemos fazer mais tarde e me
torno à frente da sala, focando no homem que começa a falar sobre a matéria.

Nicholas saiu dez minutos antes do fim da aula, se levantou, passou por
mim e foi embora. Não faço ideia do que ele estava pensando, não sei o que
mudou, mas ele partiu.
Continuo ouvindo a falação, me segurando no assento, me forçando a
esperar e então, quando finalmente somos liberados, agarro a bolsa preta que
carrego comigo e vou até a porta, espero alguns outros alunos saírem e deixo
o ambiente. O corredor está quase vazio, toda a iluminação é natural. O
atravesso indo ao bebedouro, que fica ao lado de um pequeno e escuro
corredor. Outras pessoas surgem conversando e rindo, daí somem pelo
grande prédio.
— Conseguiu um tempo? — pergunta, sinto seu aperto em minha
cintura. Me ajeito, tirando o dedo do botão que aciona a água.
Nicholas segura em minha mão, me levando até o outro corredor escuro
e vazio. Sorrio com maldade, ele me coloca contra a parede e gruda seu corpo
ao meu.
— É, talvez — respondo, nossos lábios se tocam com selvageria.
Nicholas estava se segurando, posso sentir a ansiedade, a tensão. Agarro
em seus fios escuros de cabelo, os bagunçando. Nosso beijo é quente, nossas
línguas se conhecem e nossos corpos se conectam. Ele me beija de uma
forma diferente, como se necessitasse disso. Nicholas desperta meus sentidos,
o puxo pela camiseta e deslizo meus dedos por seus músculos, me lembrando
da tatuagem de serpente. A desenho por cima do tecido.
— Você 'tá me provocando — sussurra em meu ouvido.
— Você que começou!
Thompson me encara com suas pupilas dilatadas. Seu dedão acaricia
meu rosto, ele desenha meus lábios, provavelmente avermelhados, e sei que
estou corada, como sempre. Não desvio de seus olhos, continuamos nos
encarando.
— Você é má — diz, afastando seu toque de mim. Ele me analisa.
— Sou pior do que imagina, Thompson, você não viu nada — suspiro.
— Tenho que ir.
— Te vejo depois?
— Quem sabe? — falo e pego a bolsa que caiu no chão. Eu sinto seu
olhar em mim quando me afasto e caminho para longe.

Chego um pouco atrasada no Waver's, o restaurante retrô onde Andressa


trabalha. Eu tive que passar na biblioteca antes e também tenho pensado em
arranjar um emprego. Ainda não confirmei nada, mas tenho algo em mente.
Só preciso de um empurrãozinho, algo para me dar coragem.
O sininho acima da porta soa ao mesmo tempo em que encontro os olhos
da ruiva, hoje trabalhando no caixa. Ela me encara e aponta com a cabeça.
Cherry e Alex estão sentados à uma mesa isolada, olhando pela janela.
Eu pedi apenas por ela, mas parece que todos ignoram o que falo.
Caminho até eles pronta para reclamar, pronta para começar uma
discussão, contudo, quando paro ao lado da baixinha que me olha com certa
decepção, Alex se levanta.
— Eu só não queria a deixar sozinha — diz antes de sair. Ele anda pelo
estabelecimento e eu sinto aquela dor, é como se à cada atitude ruim minha,
um pedaço meu quebrasse.
Cherry espera e ouço seu suspiro. Ela está cansada de toda essa merda,
toda essa desilusão. Eu estou atuando, e a única pessoa que notou, apesar de
ser um completo estranho, foi Nicholas. Ele também esconde coisas e quando
nos encaramos, quando nossos olhos se encontram, nós sabemos: há muito
mais por trás do que mostramos.
Me sento à sua frente e apoio as mãos na mesa.
— Oi, Alice — diz com frieza. Não parece feliz, muito menos brava. —
Você prometeu.
— Já quer começar assim?
— É melhor irmos direto ao assunto, não? — questiona com lágrimas
nos olhos, porém Cherry sabe as controlar bem. Ela sabe fingir.
— Você 'tá exagerando, eu só estava voltando do bar com uma amiga.
— Numa terça-feira? Ótimo. — Sorri falsamente e inclina a cabeça para
o lado, me examinando. — E o que isso vai virar? Você não pode beber,
Alice!
— Eu não tô repetindo a mesma merda de erro.
— Mas parece. Qual a desculpa agora? Katherine está longe! — Tenta
continuar com o tom baixo, ninguém precisa saber dos nossos problemas. —
Essas terças-feiras vão virar semanas.
— É engraçado você dizer tudo isso! — começo, eu me esforcei, mas a
hipocrisia grita nessa conversa. — Eu encontrei comprimidos no seu quarto,
lembra? Foi por isso que discutimos, não porquê eu bebo e faço merda. Pela
primeira vez, a culpa foi sua.
— Eu já disse que não estava usando!
— Tudo bem, pode ser verdade, mas vamos ser sinceras? Talvez April
seja a única Wonders que dará certo. Ela é bonitinha, né? Uma boneca. E
você é tão ferrada quanto eu — rosno, sem poder berrar tais coisas.
— Vai se foder! Eu vim aqui esperando te encontrar melhor, mas não.
Você ainda 'tá presa a toda essa merda de passado!
— E você também. Não pode exigir algo de alguém quando não faz o
mesmo. Você é igualzinha a mim! Quer saber, deveria entender isso antes de
me julgar.
— Tudo bem, Alice, eu posso entender. Eu entendo que você precisa de
tempo, que é difícil e doloroso. Eu sei de tudo isso! — Suas mãos batem na
mesa e alguns clientes nos encaram. Andressa me fita com preocupação e eu
nego, não preciso da sua ajuda agora. Cherry se recompõe e respira fundo. —
Eu posso entender, mas quando você vai começar a lidar com tudo que
aconteceu?
— Eu já lidei — sussurro.
— Não passou nem perto.
Ela se levanta. Cherry retira algo do bolso de sua calça e joga na mesa.
— É pra você. — Noto o pingente, um coração de cristal, congelado,
frio. — Parece o seu coração. Enquanto não lidar com esses seus problemas
nunca vai aprender a gostar de alguém, nem a se preocupar e cuidar de si
própria.
Eu não respondo. Cherry me olha uma última vez, mas não consigo a
encarar de volta. Seguro lágrimas que fazem meus olhos arderem. Há poucas
pessoas que podem me ferir de verdade e uma delas, é essa menina. Digamos
que a minha irmã sabe em que assunto tocar quando quer me derrubar. E ela
sempre consegue.
Ouço seus passos enquanto desfila pela lanchonete e o sininho em
seguida, indicando a sua partida. Agarro o pingente e deixo algumas lágrimas
caírem. Não há nada a fazer agora.
— Alice. — Ouço a voz suave, mas evito encontrar o dono. Não quero
ser julgada, sei que algumas pessoas ouviram nossa leve briga, nossa troca de
ofensas. Pela janela eu os vejo sair num carro preto, não corro atrás, não tento
me desculpar. Não estou totalmente errada. Mas o corpo se senta à minha
frente e ele se ajeita, me analisando. — Eu acabei ouvindo a maior parte.
É Jack. O encaro enquanto seco as lágrimas teimosas e tento esconder o
colar numa das mãos, porém falho.
— Problemas familiares? — pergunta com cuidado.
— O Nicholas te contou?
Ele nega e franze o cenho.
— Não. Ele sabia disso? Eu sempre tomo café aqui — explica. — Gosto
de cafeína e panquecas à noite.
Sorrio sem vontade.
— Ele sabe que a minha irmã está na cidade. Só isso. — Dou de
ombros.
— Eu não queria ouvir mesmo. Me desculpe, mas eu estava sentado
bem ali e digamos que me chamou atenção.
— Tudo bem, agora acabou. — Faço um biquinho e Jack sorri
falsamente.
— Tem certeza? Ela falou algo sobre bebidas, drogas e o seu coração.
Espero que tudo isso não esteja conectado.
Rio baixinho, ele está se esforçando para me animar.
— É sério, Alice.
— Não, não foi nada. São coisas do passado. Quer dizer, a parte das
drogas e bebidas. O coração é real. — Mostro o pingente.
— Congelado?
— Sim. Ela disse que é igual ao meu.
— Nick discordaria — brinca e eu mordo o lábio.
— Para com isso. — Agora ele ri, percebendo a minha vermelhidão.
Jack fica em silêncio por alguns segundos, como se esperasse por algo.
Das pessoas que conheço, não imaginava interagir logo com ele, e tenho de
confessar, esse garoto é doce e sensível, não daquela forma negativa, não
como se estivesse tentando me levar pra cama. Ele se preocupa porque Nick
se preocupa.
— Posso te divertir hoje? Sem álcool.
Uno as sobrancelhas em dúvida.
— Pode tentar — revelo.
Jack se coloca de pé e me chama com a cabeça, obedeço logo e o sigo
pela lanchonete. O vejo sussurrar algo como "ela vai ficar bem" para
Andressa, e então, o sininho toca ao sairmos.

Eu entro em seu quarto com certa hesitação, está tudo muito estranho e
não noto a presença de Nicholas, mesmo assim, o deixo fechar a porta atrás
de mim.
Foi engraçado, passei por alguns garotos bêbados e outros gritando com
um jogo, deitados no grande sofá da sala compartilhada. Eu ri um pouco e
acenei para um deles, que fez o mesmo. Mas agora, estou sozinha com Jack.
Me sento na cama de Nick e espero.
— O Nicholas 'tá no banho — diz e só então ouço o leve barulho do
chuveiro. — Eu queria te perguntar, será que posso te desenhar?
O que? Acho que a dúvida fica visível em minha face. Jack ri um pouco
e se senta em seu colchão, agarrando um daqueles blocos grandes com folhas
grossas de desenho.
— Eu estudo arte. Gosto de desenhar e pintar — explica. — Sei que não
parece.
— Não, não é isso. Eu só fiquei surpresa.
— Relaxa, não vou tentar te roubar do Nicholas, eu já tenho a
minha Hannah.
— Eu não sou do Nicholas.
— Você entendeu. Eu posso?
Assinto com timidez, nunca me pediram isso antes e espero que ele seja
um bom desenhista. Tento não corar, mas saber que Nicholas pode aparecer à
qualquer momento e que Jack está prestes a desenhar cada detalhe meu, me
deixa extremamente nervosa.
— Você precisa ficar parada — pede e eu rio um pouco. Jack me fita
com diversão, seus olhos brilham e ele sorri. — Agora, Wonders.

Já estou sem ar, meu cérebro se convenceu de que não respirar pode
ajudar Jack a focar melhor e assim, não sairei borrada. Mas sei que isso não
faz sentido.
— Vai desmaiar — brinca e eu rio nasalado. — Tudo bem, oito ou
oitenta, Alice. Ou você fica igualzinha uma estátua ou se mexe demais.
Comprimo os lábios, me divertindo com suas reclamações.
— Ai, me desculpe. Não sei fazer isso, não sou modelo.
Ele rola os olhos, tentando ignorar meu humor um tanto irritante. A
seriedade de Jack me diverte. De repente, eu ouço a tranca e a maçaneta. Em
segundos, Nicholas aparece enrolado numa toalha, com o abdome à mostra.
A água escorre por sua pele bronzeada, seus cabelos estão sensualmente
bagunçados.
— Alice? — ele pergunta e se apressa a segurar o pano. Sorrio,
congelada, fitando seu peitoral, e sei que estou boquiaberta. — Alice? —
tenta mais uma vez.
— Isso mesmo, paradinha. Assim mesmo — Jack caçoa.
Balanço a cabeça tirando minha atenção de seu corpo. Percebo que os
dois riem maliciosamente, enquanto esperam.
— Ah, oi. — Pigarreio. — Eu encontrei com o Jack e ele me
trouxe. Acho...
— Acha? — Nicholas questiona, alternando o olhar entre nós.
— O encontro dela com a irmã não foi muito bom e achei que a
desenhar pudesse ajudar.
— Não foi bom como? — A preocupação aparece em sua expressão,
mas ele não se move. Continua de pé no mesmo lugar.
— De zero a dez, zero — Jack responde, ainda rabiscando. Franzo o
cenho com certa irritação.
— Posso responder? — indago. Ele concorda, surpreso com meu tom
áspero. — Foi péssimo mesmo, só isso. E ai o Jack me viu e me trouxe aqui.
Agora está tentando me desenhar...
— Mas ela não para quieta — ele reclama e volta a encarar o papel.
Nicholas ri baixinho, de forma sutil. Volto a olhar apenas para seu
amigo, mas quando o menino retira a toalha e agarra uma cueca, pronto para
cobrir tudo aquilo, eu coro e mordo o lábio. Felizmente Thompson não vê,
está de costas, focado em se vestir logo.
O risinho de Jack ecoa pelo quarto, mesmo assim, Nick não se vira e eu
não sou examinada por olhos curiosos, não dessa vez. Continuo o assistindo,
ele se enfia numa calça de moletom preta e confortável.
Quando Nicholas se torna à mim, ainda sem camiseta, eu tento disfarçar,
mas sei que é impossível. Erubesço igualzinha a Andressa. Preciso parar de a
julgar quando faz isso, porque sei como se sente. É horrível e incontrolável.
— Eu já volto — diz e pega um maço de cigarros, me entregando um
sorriso bobo. Ele sai do quarto em seguida, me deixando com Jack, que ainda
se esforça para fazer um bom trabalho.

Demora alguns longos minutos e eu já não aguento mais ficar na mesma


posição. Jack joga o lápis sobre a cama e bufa ao finalizar o desenho.
— Terminou? — pergunto com certo ânimo. Ele assente e me analisa,
comparando sua obra com a realidade.
— Pode ser sincera — fala antes de virar a folha para mim. Sinto um
sorriso surgindo, é maravilhoso.
Jack tem talento de sobra, ficou perfeito. Cada detalhe, cada traço e
sombreado, tudo. Ele conseguiu animar o meu dia com o seu desenho.
— Ficou muito bom, Jack!
Ele sorri de canto, feliz, mas nada confiante. Eu me levanto e agarro a
folha de papel.
— É perfeito! Eu amei, de verdade.
— Fico feliz. Se quiser pode ficar com ele.
Vejo que o menino não acredita em mim, Jack não tem noção do seu
talento. E mesmo assim, com todos os meus elogios, seu sorriso ainda parece
falso.
— Vou ficar com ele pra sempre — conto, o fazendo rir.
— Não precisa exagerar, Wonders!
Coloco a folha sobre a cama de Nicholas e lhe estico a mão. Jack parece
confuso, mas segura nela. Eu o puxo com pouca delicadeza, o colocando de
pé, e o abraço. É como um agradecimento, ele me viu chorar e não fez
perguntas desnecessárias, não passou dos limites e ainda se ofereceu pra me
desenhar, mesmo depois de notar a minha inquietude. Jack me aperta pouco,
mas retribui meu ato com certo carinho.
Ele me foi como um anjo perdido no inferno.

Nicholas está de pé à varanda única do prédio, vazia agora. Controlo


meu sorriso ao vê-lo de costas, sem camiseta, inclinado sobre a grade e
fumando um cigarro qualquer.
— Terminamos — falo ao me aproximar. Nick me olha por cima do
ombro e sorri de canto. — Ficou ótimo, ele tem talento.
— Sim, ele tem. É muito bom nisso, na verdade.
Apoio os cotovelos na grade fria e fito o céu azul, quase escuro, mas
ainda da cor do mar, como se fossem únicos, uma coisa só.
— Eu gosto de arte, mas não tenho talento algum — brinco e ouço sua
risada baixinha. Pelo visto, não fui a única a ter uma péssima tarde.
— Você tem algo hoje, Alice. — Muda de assunto e eu franzo o cenho,
confusa. Nicholas coloca o cigarro entre os lábios e continua: — Parece que
você mudou.
— Digamos que rever meu passado ajudou um pouco — confesso sem
encontrar seus olhos.
— Quer falar sobre?
— Não — nego de forma áspera.
— Tudo bem. Eu te entendo e você sabe disso — sei bem, ele odeia
falar da mãe, avó e outras coisas pessoais. — Se quiser conversar depois, eu
posso te ouvir.
— Você é o que? Meu terapeuta ou o cara com quem...
Thompson me encara e retira o cigarro da boca, me fazendo parar no
mesmo instante. Eu não tenho ideia do porquê estou falando assim, sendo tão
estúpida.
— Com quem? — Espera, seriamente.
— Quer saber? Esquece — reclamo baixo e o examino, parece sério. —
O que foi?
— Nada. Você me deixa confuso com muitas coisas.
— É, acho que posso te dizer o mesmo — conto. Nicholas finalmente
sorri. — Alex é meu ex, sabia?
— Não. Na verdade, não sei nada sobre você.
— Bom, ele é o idiota do meu ex e antes que pergunte, ele não quebrou
meu coração.
— Tudo bem. — Comprime os lábios, segurando um sorrisinho idiota.
— E você precisa falar com a Madison, de verdade.
— Vou resolver isso, eu fiquei de conversar com ela.
— Ótimo.
— Quer ir à mansão amanhã, sabe, a casa da minha avó? Ela vai passar
o dia fora da cidade.
— Uma hora a Polly vai descobrir que eu vou à casa dela.
— Você foi lá uma vez e a Grace já quer te ver de novo.
— Ela quer me ver ou você quer me levar ao seu quarto de novo? —
provoco com pouca doçura. Ele traga e se volta à mim.
— Os dois. Mas tudo bem, posso levar vocês duas à praia.
— Bem melhor que a mansão.
Quando nos encontramos mais uma vez, é como se o silêncio falasse.
Nicholas não precisa dizer um a sequer e eu não preciso puxar assunto. Nós
só ficamos assim, quietos.
— Pode dormir aqui se quiser.
— Péssima ideia.
— Eu não posso dormir na sua fraternidade — lembra. Eu rio nasalado,
imaginando a situação. Andressa ia babar a noite toda, ela acha Nicholas
Thompson perfeitamente delicioso.
— Tudo bem, outra péssima ideia, prefiro ficar aqui.
— Ótimo, Wonders.
— Ótimo, Thompson.
Então, Nicholas agarra em minha cintura e me puxa para perto. Ele
apaga o cigarro e dá toda a sua atenção à mim.
— O que eu faço com você?
— Eu tenho muitas respostas — penso em morder o lábio, mas ele é
rápido e me entrega um beijo quente. Eu sinto seu abdome, sua pele contra o
tecido que me cobre.
E mesmo com seus lábios nos meus, hoje, especificamente, não me sinto
tão bem e confortável. Talvez algo em mim tenha mudado. De qualquer
forma, ainda gosto da presença de Nick.
20

PASSADO
“Será que o diabo fica assustado se ela morre
nos sonhos dela? Onde a Terra queima, ela chora,
porque ela não parece nada com você.
Ela é como você?
O que você quer de um diabo como eu?
Eu sou como você?”
Rainbow Kitten Surprise | Devil Like Me

NICHOLAS THOMPSON

É como se a calmaria tivesse se transformado em caos.


Alice ainda dorme presa ao meu corpo, agarrada a mim. E como de
costume, eu encaro o teto. Mais uma noite mal dormida. Toda aquela
sensação boa que tinha ao seu lado parece não ter espaço agora. Como eu
disse, o caos voltou ao lar.
Eu sabia exatamente o que sentir e o que dizer ao lado de Wonders, eu
estava bem, apesar de não a conhecer, apesar do pouco tempo com ela. Mas
agora, depois da nossa primeira noite juntos, eu vejo ao redor. Alice abriu os
olhos de alguns, ela os ameaça.
Começou com Chris Vender e seu medo dela disfarçado de inveja e
infantilidade. Depois Madison, que acha que a troquei pela novata. Ainda é
pouco, mas nem essa onda de mudanças consegue me afastar dessa menina.
Alice é tudo que eu preciso e sei disso quando estamos juntos, quando sinto
seu calor e seu toque, quando a ouço falar dormindo.
Eu a quero por perto e ela vale todo o caos que pode causar, ela vale a
pena.
Tenho a noção de que nós dois não somos nada, talvez amigos, quem
sabe? Mas não somos um casal e não seremos tão cedo. Wonders pode estar
na minha cama agora, mas desde que Pumpkin sumiu e Wiston quase se
afogou em caos, eu descobri que basta meio segundo para tudo desmoronar.
Não quero paredes caindo entre nós dois.
Há coisas em meu passado, há fantasmas nele, e hoje percebi, ela tem os
mesmos. Eu pude ver em seus olhos, apesar das risadas e da animação, que
Alice sofre por alguma razão. Eu pude notar que ela também tenta superar
algo quando toquei no nome da sua irmã.
Depois da aula de ontem eu andei pelo Campus, sem moto dessa vez, e,
após anos, a vi. Elle estava sentada num banco qualquer, lendo. Achei estar
perdendo a sanidade, então notei ser outra garota. Não era alucinação, era
uma lembrança. Algo dentro de mim me impede de chegar mais perto de
Wonders, me mostra que o passado pode sim se repetir.
Eu temo isso, porque temo machucar mais pessoas, principalmente a
minha teimosinha.
— Bom dia — Alice murmura. Não sabe da quantidade de palavras que
sussurra durante o sono e também não deve imaginar a quantidade de vezes
que sorri. Eu mal durmo, porque a observar é delicioso.
Acaricio sua pele macia, sua bochecha, a mesma que insiste em corar.
Quando vejo seus cabelos longos e bagunçados caindo em seu rosto enquanto
ela se apoia em meu peitoral e se levanta um pouco — o suficiente para
encontrar meus olhos — fito suas íris brilhantes e percebo: quero fazer o
certo, não quero ser o mesmo de três anos atrás, não quero hesitar.
Não quero esses erros em minha vida, mas eu a quero. Wonders, ela
sim.
— Bom dia — respondo.
Ela se coloca de joelhos sobre o colchão, enfiada numa camiseta cinza e
larga minha. Alice fica sensual assim, cabelo bagunçado, roupa despojada.
— Dormiu bem? Parecia preocupado ontem — diz, fingindo que seu
reencontro com o passado não existiu. Alice está focada no meu humor,
aquele que ontem se baseava nessa quantidade de pensamentos que tive.
Muita coisa de uma só vez, porém o meu presente foi ver Wonders
sendo desenhada por meu amigo. Depois que ela pegou no sono, fiz questão
de colar o desenho em minha parede, no meu lado do quarto. Ficou perfeito,
ele realmente tem talento.
— Nick? — pergunta enquanto enrolo meus dedos num de seus fios de
cabelo.
— Sim, eu dormi bem. Também tive alguns problemas pessoais ontem,
por isso o humor, me desculpe.
— Você não me deve nada, lembra? — brinca. Essa virou a nossa
marca, a memória de que não somos nada, ao mesmo tempo tudo, quando
juntos.
— Certo. E você, Wonders? — Sorrio de leve. Ela faz um biquinho e
então, contorna com a unha do indicador a palavra sob meu peito.
— Dormi bem.
Parece esconder algo, um sentimento. Não gosto de a forçar a me contar
as coisas, por isso, apenas sorrio mais uma vez, quase satisfeito.
— É fácil dormir bem com você — explica e tenta não corar, mesmo
assim, falha. Ela sempre falha.
Wonders não consegue ser fofa sem deixar as bochechas queimarem, ela
não deve estar acostumada com isso, parece se incomodar com a sensação.
Seus dedos ajeitam os fios que cobrem seu rosto, ela coloca alguns deles
atrás da orelha e volta a me encarar.
— Ontem me disse que não tem talentos, é verdade? — questiono e
agarro o pingente de serpente. Wonders apoia as mãos em meu peitoral, se
colocando em meu colo, se encaixando perfeitamente. Seu semblante está
calmo, ela me analisa.
— Não achei que estivesse ouvindo.
— Bom, eu ouvi e duvido que não tenha um talento.
Alice sorri de maneira contida, ela comprime os lábios em seguida e
suspira.
— Sabe desenhar? — Nega. — Dançar?
— Só se estiver bêbada.
Eu rio, nunca a vi fazendo isso, mas bem que quero. Eu quero muito.
Não consigo frear a minha imaginação, ela dentro de uma camiseta larga
qualquer, depois de algumas doses de tequila, se movendo sensualmente. Eu
aperto sua pele e mordo o lábio, deixando a fantasia tomar conta de mim.
— Pode parar de pensar nisso, Nicholas — responde com um sorrisinho
malicioso, daqueles de canto.
Quando encontro o brilho de seus olhos, eu sei, preciso fazer tudo certo
dessa vez, preciso controlar o caos que vive no corpo dessa menina e preciso
controlar o meu próprio. Isso, se o destino deixar. Ele parece brincar com a
gente.
— Eu sei cantar — confessa baixinho, quase sussurrando, e move o
quadril, rebolando de leve em meu colo. Contenho meus instintos, não vou
arrancar sua roupa agora.
— Isso é um talento. Queria te ouvir cantar.
— Não é algo que faço com frequência, muito menos na frente dos
outros. — Seu biquinho retorna.
— Achei que fosse leonina, viciada em atenção e tudo mais.
Alice ri nasalado, como se tivesse ouvido a coisa mais absurda possível.
Ela tenta parar, mas continua, o som é doce. Gosto de vê-la assim, feliz, algo
dentro de mim se acalma.
— Eu era assim na maior parte do tempo, mas acho que algumas coisas
mudaram. Aliás, quando é o seu aniversário?
— Por que? Quer me comprar um presente? — provoco e a beijo com
calma. A sua respiração morna me atiça, eu mordo seu lábio macio, tentando
me satisfazer com apenas isso. — Vinte e sete de outubro — digo e a beijo no
pescoço.
Eu adoro sentir seu cheiro de cereja. A mordisco arrancando gemidos
misturados a risos.
— Eu sou o seu presente, Thompson — Alice sussurra e me faz arrepiar.
Mal posso esperar por essa data.
Encontro seus olhos mais uma vez. Com as duas mãos eu afasto seu
cabelo, que insiste em cobrir seu rosto, eu seguro sua face, alisando suas
bochechas, admirando sua beleza.
— Ainda quero te ouvir cantar — brinco, a fazendo esticar os lábios
rosados num sorriso. Adoro quando nos beijamos e depois, sua pele cora,
seus olhos brilham e seus lábios ficam marcados, tudo por minha causa.
Eu gosto da visão que tenho.
— Quem sabe um dia? Ainda temos muito tempo.
— Muito tempo mesmo. E aula.
Wonders dá de ombros.
— Não quer ir?
A garota nega e baixa o olhar, encarando suas mãos apoiadas em meu
peitoral.
— E quer conversar? — tento e, para a minha surpresa, ela considera
essa opção. Volto a segurar em sua cintura com delicadeza.
— Alex é meu ex. Eu já te contei isso, não? — Concordo. — Eu nunca
quis um relacionamento, sabe, mas a minha mãe gostava dele. Pensei que se
tentasse ficar com Alex ela ia, sei lá...
— Você namorou com ele pra tentar agradar a sua mãe?
Eu e Madison, praticamente a mesma coisa. A única diferença é que
Maddy me é importante, mas não da forma que deseja ser, não da forma que
se força a ser. E ela não entende e não aceita, ela escolhe investir em algo
inexistente até se esgotar.
Alice encara a parede atrás de mim, desviando de meus olhos, tentando
não sentir meus pensamentos. Ela não quer olhar em minhas íris enquanto me
conta sobre seu passado.
— Não exatamente, eu tentava me convencer de que o relacionamento
com ele era bom e tinha esse ponto positivo, a amizade dos dois. A culpa
também foi minha.
Me mantenho em silêncio, a examinando com cautela. Não quero correr
o risco de dizer algo errado e impróprio para o momento, não quero discordar
nem concordar. E principalmente, não quero dar a impressão de estar
extremamente curioso sobre seu passado, mesmo isso sendo real.
Eu também me sinto angustiado, porque Alice não está sorridente como
sempre, usando de seu sarcasmo, de suas respostas secas e adoráveis. Ela está
emocionalmente ferida e isso é visível.
— A única que não concordava era a minha melhor amiga, Ruby. —
Rola os olhos e volta a me encontrar, continuo esperando. — Eu devia ter
imaginado o porquê.
— Por quê? — pergunto baixinho.
— Eles estavam dormindo juntos e eu descobri da pior forma possível.
Mas Alex continua tentando voltar.
— Se você não gostava dele... — Repenso, não quero soltar a expressão
errada. — Como se sentiu?
— Mal. Mas não foi o que ele fez, foi a intenção. Alex queria me
machucar porque eu estava distante, a sorte era eu não dar a mínima.
— Tem certeza disso?
— Eu não sei, acho que me apeguei ao que a gente tinha — suspira —,
era cômodo e, às vezes, bom.
Madison nunca me traiu e eu me sinto um merda por ter terminado com
ela algumas vezes e ter aproveitado das minhas noites livres. Entretanto, esse
meu lado nunca foi um segredo, Maddy sabe de tudo que fiz e ela finge não
se importar.
— Eu entendo o porquê do seu humor, então — digo, deixando-a mais
aliviada. Noto ao fundo o som do chuveiro, Jack está no banho há minutos,
provavelmente evitando nós dois. — Mas, e quanto a sua irmã?
— É mais complicado ainda, acredita? Nós tivemos problemas, bom, eu
tive problemas no passado. Fiz algumas merdas e acho que ela também.
Acabamos jogando as coisas na cara da outra ontem, o que não ajudou muito.
Suspiro. Alice ainda não quer me contar tudo, mas já deixou uma grande
parte exposta. Isso é suficiente.
— Podemos mudar de assunto? — ela pede com certa delicadeza.
Aperto sua cintura antes de responder.
— Com certeza. Aliás, a gente vai à praia hoje, certo?
— Certo.
A praia perto de Wiston Hill, à frente do Heaven, está sempre vazia,
mesmo no calor. Acredito que todos por aqui preferem piscinas e festas, onde
podem encher a cara.
— Eu comprei o vestido pro baile — diz baixo, se aproximando do meu
rosto.
E Alice insiste em rebolar um pouco, é um costume. Eu a impeço, a
aperto levemente, mostrando meu desespero. Ela não pode fazer isso comigo.
— E ele é bonito? — questiono contra seus lábios, sentindo a
temperatura de sua pele. A menina quase me entrega um selinho, porém
recua.
— É sim. Foi ideia da Andressa, ela só me deixou sair da loja depois de
comprar um vestido.
— Qual a cor? — Deslizo uma mão por suas costas e alcanço sua nuca.
— Vai descobrir amanhã, Thompson. Aliás, você vai me buscar em casa
ou nos encontramos no baile?
— Eu te buscaria. — Puxo alguns fios, inclinando sua cabeça para trás.
Wonders geme baixinho e morde o lábio de uma forma sensual.
Ainda me seguro para não arrancar as suas roupas. Lhe entrego um beijo
no pescoço e a largo, controlando todos meus impulsos e toda a minha
vontade.
— Mas tenho que passar em casa.
— Então, eu te encontro lá, será uma surpresa — brinca e finalmente me
beija.
Passo um braço por atrás de seu corpo e a agarro, jogando-a na cama.
Me encaixo entre suas pernas e sinto seu sorrisinho malicioso entre nosso
beijo, me impulsiono e, apesar das roupas, meu pau roça em sua calcinha.
Não separo nossos corpos, não agora. Ela desliza o toque suave por meu
peitoral enquanto agarro suas coxas, apertando-as.
— Eu contei até dez, esperando o momento certo pra sair do banheiro, e
escolhi o pior — Jack brinca, me fazendo rir contra os lábios da menina. Me
afasto dela lentamente, sem querer esconder nada.
Não tenho medo que ele veja o que somos, ou o que não somos. Um
casal que não é casal, presos num relacionamento baseado num caos
dormente e em desejo crescente.
Eu me sento sorrindo, não posso evitar, e Alice faz o mesmo.
— Oi Jack — sussurra.
— Vocês dois precisam de um lugar pra transar, um lugar onde eu não
entre do nada — reclama, vestindo uma camiseta que combina com a calça
jeans padrão, um tanto rasgada.
— Nisso eu concordo — falo e ouço a risadinha nasalada de Alice, que
agora encara o próprio retrato, feito por Jack.
— Você pendurou na parede.
— É como uma lembrança — explico. — Ficou muito bom e achei que
não fosse se importar.
— Não me importo. — Se coloca de joelhos e me encara. — Eu gosto.
É como se Wonders quisesse algo, quisesse se entregar para esse
sentimento que ainda não entendo, mas ao mesmo tempo, ela resiste. Ela se
impede. É irritante, porque nunca sei o ponto certo, nunca sei até onde ir.
— Posso perguntar? — Jack quebra o silêncio e se senta na beira de sua
cama.
— Pergunte — ela responde, notando meu silêncio. Me levanto e pego
uma camiseta preta qualquer, me enfio nela fingindo não ouvir os dois.
Quando pronto, me encosto na cômoda e os fito.
— O que vocês estão fazendo? Quer dizer, o que são? — Péssima
pergunta, eu tenho certeza de que Wonders não vai definir da mesma maneira
que eu.
Jack me olha, em seguida, a encara.
— Eu não sei — Alice responde e sorri, seus olhos azuis me pedem
ajuda.
— A gente não faz ideia, Jack.
— Mas vocês não namoram — ele confirma, eu assinto. Wonders fica
parada, congelada, como se essa palavra fosse proibida.
— Não. Não é bem isso, é complicado — tento.
— Não parece complicado, só é diferente. Vocês nem se conhecem
direito, mas parecem perfeitamente íntimos. — Sim, está certíssimo, e Jack
espera por uma concordância, porém, apenas dou de ombros.
Eu sei que isso tudo é real e não acontece sempre, mas o que sinto por
Alice é bem mais que atração sexual, é como se tivesse sido planejado, é
difícil de revelar agora. É cedo demais.
Mas a menina sorri e coloca alguns fios atrás da orelha.
— É, pode ser — sussurra.
Sua resposta me mostra que sim, ela pensa o mesmo, ela sente o mesmo
e ela nega o mesmo. Tem de haver um sentido para tudo, tem de haver um
motivo para seus olhos serem tão brilhantes, tão atrativos em minha opinião.
E tem de haver um motivo para dentre tantas coisas, só ela ter me
chamado atenção naquela noite à frente do Heaven. Não era mais uma
garota, era a garota. Era Alice Wonders, à minha espera.
— É, talvez seja confuso — Jack diz antes de pegar suas coisas e sair,
desistindo de compreender essa porra de sentimento que nós escondemos.
Tem de haver algo maior, e há. Eu sinto todas as vezes em que seus
lábios me tocam e seus gemidos abafados ecoam pelo quarto.

Eu prometi à Alice que a encontraria no Heaven mais tarde, depois do


horário das aulas. Nós faltaremos hoje, mas parece que sua manhã será usada
para outras coisas.
Quando parei na frente da fraternidade, senti os olhos de Christina em
mim e ela não nos atacou. Seu veneno ainda é cruel, ela só está se
recuperando, afinal, todos temos segredos terríveis por aqui, coisas que
escondemos.
Porém a consciência, ah, ela não esquece.
Em seguida, dirigi rapidamente até a Mansão Thompson, Polly não está
e Grace foi ao parque com Quinn. Subo todos os degraus, abro a porta da
frente e entro, agarro no corrimão sigo até chegar no segundo andar.
Eu estou indo à um cômodo específico, não vim visitar a família. Eu
quero entender se estou cometendo um erro, o mesmo que Damon cometeu, o
mesmo que minha avó odeia. Quero saber se vou ferir mais pessoas, se vou
fazer a mesma coisa que meu pai.
Abro a porta de Wine, desaparecida há anos. O seu cheiro sumiu, ele
não vive mais aqui, e as memórias estão se dissipando à cada dia. Todos os
enfeites foram colocados no porão, mas a cama é a mesma e a prateleira
também, nem Polly Thompson, a mulher mais fria que conheço, conseguiu se
livrar de tudo. Não dessa vez. Não mais uma vez.
Há um grande espelho na parede, pendurado. Me sento no colchão e
olho meu reflexo, o julgando. Quem sabe, admitir que um lado meu me odeia
seja mais fácil que encarar o que fiz. Eu tenho muita coisa para resolver
ainda.
Fecho os olhos por alguns segundos, deixando o ar entrar em meus
pulmões, me lembrando da doçura de Pumpkin e Wine, me perguntando que
conselho elas me dariam.
— Você sabe que não precisa ser um erro — sussurro e quando volto a
encarar meu reflexo, eu vejo os fios longos e escuros, os olhos
castanhos. Elle Carter está comigo, atrás de mim, me observando, vendo toda
essa autopiedade. — Tenho que parar de pensar no passado, não é?
Com certeza, ela diria sim. Porém, é mais fácil falar do que fazer, até
porque, mortos não têm de encarar a verdade, não mais. Eles não enfrentam
quem são, não enfrentam o que fizeram e as consequências.
Me viro para finalmente olhar nos olhos dela, mas Elle
Carter desaparece. Ela some, como fez há anos, quando foi enterrada, quando
foi apagada. Sete dias de luto, fotos e memoriais, cerimônias e choro. Pronto.
Ninguém se lembra.
E às vezes, quando sozinho, eu me pergunto se Alice Wonders é uma
salvação ou o contrário. Eu não sei mais, me perdi nessa problemática há
muito tempo, quando caí por olhos castanhos. Agora, Alice, que não é um
anjo como parece, surgiu. Eu não imaginava cair na mesma tentação de novo,
dessa vez por alguém que tem ainda mais poder sobre mim.
E eu caí.

O sol queima a minha pele e eu sinto o suor em minha nuca. Os bancos


colocados pelo Campus são úteis e as mesas entre eles, daquelas de
piquenique, também. Sento-me sozinho, esperando pelo encontro que
marquei.
— Faltou mais uma vez? — Hannah pergunta ao jogar a mochila sobre a
madeira, me fazendo pular de susto. Encaro seus olhos e espero por uma
explicação. — 'Tá fazendo o que aqui, observando as pessoas? Estudos
sociais?
— Mais ou menos. — Bufo. Ela se senta à minha frente e nota que há
algo de errado. Jack está comprando sorvetes, o que me dá segundos. — Eu
achei ter visto a Elle hoje.
— Não comenta isso perto... — suspira, sabe que não vou. — Tem a ver
com a Alice, não?
— Eu sei bem, Hannah.
— Você tem medo, eu entendo. Mas não precisa ser um erro.
— Engraçado, também pensei nisso mais cedo — brinco e ela não me
responde com um sorriso.
Vejo Jack se aproximando e pigarreio, pronto pra mudar de assunto. Ele
anda em nossa direção enquanto Hannah me examina, e então, a entrega um
sorvete e me encara.
— Gostei da Alice — diz e sorri.
— Quê? — Hannah se vira para ele, confusa. Jack sabe bem como
começar uma conversa.
Rolo os olhos, esses dois me deixam confuso, ao mesmo tempo, animam
meus dias. Ele se senta, com calma, e se prepara para explicar.
— Ela teve uns problemas pessoais ontem e eu queria ajudar. Me ofereci
pra desenhá-la. Enfim, ela acabou dormindo lá no dormitório.
Os olhos da menina se voltam à mim, há surpresa e uma pitada de
felicidade neles.
— De novo? — pergunta. Assinto, segurando um sorriso malicioso. —
E vocês...
— Não! — ele exclama. — Eu estava lá dessa vez. Eles só dormiram,
mas são fofos juntos.
Respiro fundo, me lembrando do momento em que o silêncio tomou
conta nessa manhã, logo após Jack fazer uma pergunta complicada.
— Ela só passou a noite — confesso. — Mas aí, o seu namorado decidiu
perguntar sobre o que temos e deixou o clima bem estranho.
Ele dá de ombros enquanto Hannah o fita com reprovação.
— Por que você fez isso? É óbvio que os dois não têm uma resposta.
Não sei se gosto dessa sinceridade de Hannah quando estou presente, ela
fala de mim e de Alice como se estivéssemos completamente confusos e
perdidos.
— Me desculpe, eu só queria entender. Eles parecem perfeitos juntos e
tem algo de diferente.
Rolo os olhos, tudo que ele diz é real. Perfeitamente imperfeitos e
caóticos. E eu amo isso.
— Certo. Vamos deixar isso de lado. Vai contar à sua avó sobre o baile?
— Hannah questiona. Ela conhece meus medos e meu passado e, diferente de
Jack, se força a lembrar para poder me ajudar. Hannah entende o porquê da
minha hesitação. — Quer dizer, vai contar sobre a Alice?
— Tô pensando nisso. Acho que sim, não quero ouvir reclamações por
ter feito uma surpresa, mas também, não quero ouvir reclamações sobre não
levar a Maddy.
— Aliás, como a loura reagiu à postagem da Christina? — Jack
pergunta, me lembrando do encontro. Eu atendi uma das ligações insistentes
de Foxx e combinei de a encontrar, precisamos conversar sobre muitas
coisas.
— Não sei ainda. Alice me disse que ela tentou discutir.
Hannah ri no mesmo momento, cobrindo os lábios com uma das mãos e
tentando se controlar. Jack e eu a entregamos um olhar confuso.
Ela respira fundo e explica:
— É dramático demais, bem a cara dela.
— Já sabemos que você não gosta da Madison, não precisa ser tão ruim!
— reclamo baixinho.
Apesar de tudo, sei bem o que acontece na mente da loura e também
entendo a opinião de Hannah, mas não consigo a deixar ofender Maddy sem
motivos.
— Tudo bem, me desculpe.
— Falando nela — Jack aponta com a cabeça.
Olho ao redor e encontro, iluminada pelo sol, a menina se aproximando.
Ela para, distante, porque percebe que tenho companhia, então cruza os
braços.
— Eu tenho que ir.
Me levanto com pressa e abandono o casal. Quando me aproximo de
Madison, ela sorri docemente, de uma forma inocente.
— Aceitou me ver — quase sussurra, sua voz até falha.
— Precisamos resolver algumas coisas, Maddy. Vamos à biblioteca?
Ela assente perdendo a animação. O prédio fica do outro lado da rua,
então, a menina não terá tempo suficiente para me agarrar como fez na festa.
Atravessamos juntos e entramos no lugar, ela não descruza os braços e
posso ver lágrimas ansiosas em seus olhos. Maddy ainda tenta puxar assunto,
mas desiste, ela abre e fecha a boca pelo menos umas três vezes antes de nos
sentarmos à última mesa.
— Me diz — pede, assim que nos ajeitamos.
— Eu soube da discussão com a Alice e você leu o que a Chris escreveu,
não foi?
A loura confirma, balançando a cabeça. Um biquinho aparece enquanto
lhe dou uma chance. Madison pode me xingar, bater, gritar. Eu estou pronto,
precisamos da verdade.
— Não vai dizer nada? — tento, mas ela nega.
— Eu só queria voltar.
— Certo, Maddy, eu não quero te magoar, mas você tem que
entender. Acabou. Eu tentei levar isso pra frente, mas foi um erro, não era
real.
— Isso é por causa dela, não é?
— Não! — Contenho um grito. Essa menina é teimosa demais. — Você
precisa parar de acreditar nas coisas que a Christina diz e precisa parar de
procurar por um culpado. Eu terminei com você antes mesmo da Alice
chegar.
— Isso não faz sentido, Nick. A gente se amava.
— Não, Maddy! Olha, eu não quero te machucar, mas fui sincero
trilhões de vezes, eu deixei claro. Você não consegue entender? Eu me
preocupo com você, gosto de você, mas não desse jeito.
Uma lágrima escorre por sua bochecha.
— Por favor, Nick. — Sua mão desliza sobre a mesa e tenta agarrar a
minha, mas me afasto. — Por favor.
— Maddy, não dá. Você não sabe ainda, mas não merece essa farsa. Eu
errei muito e agora vejo isso, mas você também precisa ver. Não fomos feitos
um para o outro.
— Mas eu te amo — sussurra entre lágrimas.
— Não, você só acha que ama, Maddy, e eu sei que merece coisa melhor
do que esse tipo de relacionamento. Logo vai notar.
— Então, o quê? Vai sair da minha vida de vez? — Seu choro toma
conta, seus olhos ficam vermelhos e suas bochechas enrubescem. Isso me
fere fortemente.
— Eu nunca vou sair da sua vida, Madison.
Foi difícil, extremamente difícil. Depois de muito choro ela entendeu, ou
fingiu entender. Acho que conseguiu absorver a ideia de não estarmos mais
juntos. Eu sei que vai demorar para aceitar o fato de, talvez, eu estar
interessado por outra, da forma que nunca estive por ela.
Maddy saiu há meia hora, me deixou aqui, pensando na culpa por ter
demorado muito para terminar, isso me consumia e ela achava que estava
tudo bem.
Foi um choque.
— Que merda em, Thompson. — Ouço ao meu lado.
Me viro lentamente e encontro Christina, pronta para defender a amiga
que, com certeza, a irritou com todo o choro e palavras confusas. Ela caminha
como se estivesse numa passarela e me olha nos olhos.
— Veio reclamar sobre meu término ou ameaçar contar à Polly?
— Nenhum dos dois, você é teimoso e acho que amanhã a sua avó vai
ver, não?
Sorrio com maldade, ela sabe do baile, todos verão.
— Então, o que quer?
Chris se senta à minha frente e, dessa vez, não foco em seu veneno ou
olhar cheio de inveja. Eu encaro um hematoma em seu braço, uma marca de
mão quase apagada.
— Nada, na verdade. Ainda acho que vai se arrepender — diz, me
surpreendendo. — E eu, particularmente, não gosto da Alice.
— Eu já notei isso. O que mais?
Chris dá de ombros e puxa os braços para baixo da mesa, escondendo a
mancha em sua pele.
— Sabe que isso vai acabar te matando, não? — falo e Christina se
encolhe um pouco. — Não pode viver assim.
— Vê se cuida da sua vida, Thompson. Você tem mais problemas que
eu — ela se levanta e passa por mim, mas não sem soltar uma ofensa ao ar
—, idiota.
Chris sabe muito bem do que estou falando, mas vai negar, sempre, à
todo momento, porque agradar seu pai é tudo que importa.
Demorei um pouco para chegar ao Heaven, Grace não pode andar de
moto, então pedi ao motorista de Polly para nos trazer. Ela não está em casa,
só chega amanhã, então posso ter um tempo livre.
— Demorou — Alice reclama, parada à frente da parede externa. Seu
short preto combina com a blusa cinza, eu posso ver seus seios apertados
num biquíni da mesma cor. Ela sorri, os fios estão presos num rabo de cavalo
frouxo.
— Alice! — A pequena grita ao vê-la e corre em sua direção. No relógio
do painel do carro marcava três horas. Ainda é cedo, podemos aproveitar do
silêncio da região.
Grace a abraça e Alice retribui, eu apenas sigo minha irmã e sorrio de
leve.
— Desculpe — digo sem necessidade, ela não está brava. — Mas acho
que agora podemos ir.
— Você gosta da praia? — Grace pergunta e agarra na mão da menina, a
puxando com delicadeza, levando-a até a areia.
Alice assente e anda ao lado de Grace, as duas conversam baixinho, não
me atento ao tema, estou ocupado observando sua beleza. Entendo agora o
porquê de toda atenção que recebe, mesmo não querendo, ela é extremamente
linda, de todas as formas.

O sol queima acima de nós enquanto Quinn ajeita a pequena para irem
embora. Grace construiu uns três castelos de areia com a ajuda de Alice, a
praia vazia nos deu certa liberdade. Eu as assisti e notei que a minha irmã
adorou essa garota, em uma hora as duas não se desgrudaram.
Grace sabe quando eu gosto de alguém, sempre soube. Nunca foi muito
próxima de Madison, mas também, nunca declarou não ser a favor do meu
relacionamento com ela.
Contudo, na primeira vez em que viu Wonders ficou hipnotizada.
— Podemos passear outro dia? — pergunta com animação.
— Não sei, podemos, Alice?
— Claro que sim! — a garota exclama ao se levantar. — Daí, a gente
vai tomar sorvete!
Grace assente com um sorriso no rosto, o que me deixa satisfeito. Ela
parte com Quinn, após se despedirem.
— A pequena te adora — conto e Alice coloca uma mecha teimosa de
cabelo atrás da orelha.
— E eu adorei ela. Grace é muito inteligente.
— Ela é sim. Eu tenho que dizer, fiquei com medo de deixar vocês duas
se conhecerem, ela se apega muito as pessoas, isso nem sempre é bom.
Wonders para de andar e me olha.
— Eu imagino o porquê. Nick, ela me contou sobre Wine. Você tinha
mais uma irmã?
É como um soco no estômago. Não fiquei com elas à todo momento e
perdi partes do assunto.
— Eu tenho.
— Nunca me falou dela.
— Bom, Wine foi embora há muito tempo, não gosto de falar disso.
A menina assente, sendo compreensiva, sei que quando o assunto é
nosso passado, nenhum dos dois realmente gosta de confessar. Eu amo Wine,
mas prefiro não pensar na ideia de que um dia ela existiu, porque hoje não sei
como está ou onde está.
— Tudo bem, então, sem esse tipo de assunto. Quer nadar? — Alice
sorri, mudando o clima da conversa. O brilho em seus olhos me anima e, num
impulso, a agarro pela cintura e a puxo para perto.
— Só se for sem roupas — brinco. Ela abre e fecha a boca, em choque.
— Seu safado. — Alice me empurra de leve, pelos ombros. Mordo o
lábio ao pensar na ideia de seu corpo nu, sua bunda redonda e seus seios
perfeitos. — Mas posso te dar uma amostra.
A menina segura na beira da blusa e a retira, ficando de biquíni. Eu a
observo com certa satisfação em meu rosto, gosto de a ver se despindo. Alice
então, faz o mesmo com o shorts.
— E você, vai ficar de roupas, Thompson? — Me pergunta chegando
perto novamente, me olhando nos olhos.
Tiro a camiseta com calma e a calça em seguida. Os olhos de Wonders
brilham ainda mais e a percebo percorrendo uma trilha, descendo do meu
abdome até à minha cueca, daí, morde o lábio.
— E eu que sou safado, né?
Ela ri. Gosto desse som, da sua animação.
Sinto seus dedos em meu braço, então, Alice me puxa para o mar, me
levando até onde quer, esfriando meu corpo com a água salgada.

Os fios castanhos estão molhados e caídos por suas costas, suas mãos
em meus ombros enquanto as minhas estão em sua cintura, e nós boiamos em
meio ao mar calmo.
— A pergunta do Jack... — começa e eu nego com a cabeça, não quero
conversar sobre isso, essa dúvida. Mas Alice sabe como me convencer, ela
agarra em meu corpo com as pernas, se encaixa em meu colo e eu desço meu
toque à sua bunda.
— Eu não sei como responder aquela pergunta, Alice.
— Olha, Nick, eu gosto de passar o tempo com você e a gente transou
uma vez. — Ri baixinho, das próprias palavras. — Bom, não sei se estamos
juntos ou se isso é uma espécie de amizade colorida.
— Acho que não precisamos definir isso — explico e tiro alguns fios de
seu rosto. — Eu tenho que confessar uma coisa.
Wonders franze o cenho e me encara, esperando por algo sério, grave.
Mas na verdade, só quero tirar alguns sentimentos de dentro de mim.
— Há alguns anos eu me aproximei de uma menina e deu muito errado,
Alice. Muito errado mesmo — revelo, sem nomes nem detalhes. — E eu
gosto de ficar com você, mas algumas coisas me assombram e não é fácil me
livrar delas.
— Eu entendo. Sei que é estranho também, parece tudo acontece rápido
demais em Wiston Hill...
— Sim, acontece. Mas você é diferente, eu já devo ter dito isso. Eu
gosto de você, Wonders, independentemente de sermos estranhos ou não.
Quer dizer, eu gosto disso aqui. — A puxo para mais perto e sinto seus lábios
muito próximos dos meus, ela sorri de canto. — E eu não sei o porquê de
você ter me chamado atenção naquele dia à frente do Heaven, eu não sei o
porquê de eu sentir isso quando estamos perto um do outro, mas eu sei que eu
gosto. E muito.
— Eu não sei o que te dizer de volta, sou ruim nessas coisas, Nick —
gagueja um pouco e tenta se explicar. Alice me diverte, eu rio baixinho de
suas palavras.
— Não precisa dizer nada. Só me beija, está bem?
Nossos lábios se encontram e a junção deles me aquece de uma forma
inexplicável. Seus dedos agarram em minha nuca e eu sinto seu corpo preso
ao meu. É a melhor sensação que já tive e, mesmo sendo difícil de aceitar,
supera os meus medos e dúvidas.
Ela já sabe que algo aconteceu e que foi horrível, não precisa de mais.
— Eu também gosto disso — confessa contra meus lábios, com os olhos
fechados. — E não entendo o porquê.
Eu não tenho razões para estar assim, para a admirar tanto, além de sexo
e beleza. Mas eu sinto, é algo maior que isso. E eu conheço parte desse
sentimento, porque há anos, eu o tive e eu o estraguei.
Ela me beija mais uma vez, para silenciar as suas palavras, e quando nos
separamos, quando nos vemos distantes, o meu reflexo em seus olhos
queima. O caos voltou.
— Você é muito gostoso, sabia? — brinca me fazendo morder o lábio.
Eu sinto sua calcinha nos separando. Faço um esforço para não ficar duro,
Alice me tira do controle.
— É — falo, apertando sua bunda —, acho que posso te dizer o
mesmo, princesa.
A sua risada ecoa, seu sorriso lindo aparece e novamente, nos beijamos
com intensidade.
20.1

REGRAS
“O mundo estava em chamas e ninguém poderia me salvar
além de você. É estranho como o desejo manipula os tolos.
Eu nunca sonhei que conheceria alguém igual a você.
E eu nunca sonhei que perderia alguém como você.
Chris Isaak | Wicked Game

NICHOLAS THOMPSON

Durante anos ao lado de Polly Thompson, eu aprendi que para a


desagradar, é necessário agradar primeiro. Antes de contar que Alice vai
comigo ao baile, decidi aceitar a roupa que ela escolheu. Demorei dez
minutos para convencê-la de que não preciso de um blazer, fiquei apenas com
a camisa branca e a calça preta. Suficiente.
— Está lindo — ela diz, ajeitando os botões com delicadeza. Suspiro e
forço um sorriso. — Quanto a Madison?
— Eu já te falei, Polly, não estamos mais namorando — lembro,
fazendo-a rolar os olhos.
A mulher dá alguns passos para trás e assente, satisfeita com o que visto.
Quinn e Grace aparecem, a garota cora ao me ver, enfiada num lindo vestido
bege. Já a minha irmãzinha balança em tecido azul, daqueles de princesa.
— Isso é uma fase, Nicholas — ela faz uma careta —, vocês voltarão.
— Não. E eu vou com outra pessoa.
— Isso é inaceitável! — rosna, tentando manter o tom suave.
— Inaceitável é a sua atitude. Polly, eu não vou discutir. Mesmo.
— E quem é essa nova pessoa?
Posso notar o desgosto escondido em sua face, ela não está feliz. Eu
praticamente estraguei o começo de sua noite, nada que algumas taças de
vinho não resolvam.
— Alice Wonders.
— Impossível — reage.
— Eu gosto da Alice — Grace se intromete, balançando de um lado para
o outro, fazendo seu vestido dançar. Polly a encara com indignação e então,
se volta à mim, que não consigo segurar o sorriso. Ah, eu amei ver a sua
reação.
Quinn pega a pequena no colo e a retira da sala, já conhece os chiliques
de Polly Thompson e não vai deixar a criança se traumatizar.
— Isso é sério?
Confirmo e ajeito o cabelo para trás. Polly parece em choque, está até
pálida.
— Eu te falei sobre essa garota.
— É — bufo —, eu sei. E tudo bem, eu respeito o que disse, mas não tô
nem ai.
Eu vejo a mulher ficar boquiaberta pela primeira vez em anos, seus
olhos arregalados. É divertido e não consigo esconder. Molho os lábios
esperando que ela se recomponha.
— Você vai mesmo fazer isso? Não pode, está cometendo um erro,
Nicholas. Deveria ir com...
Começo a me retirar, ignorando as suas falas confusas. Atravesso a porta
já aberta da mansão e me viro para dizer uma última coisa:
— Vai se atrasar — brinco, fazendo-a queimar em raiva.
Se eu conheço bem essa mulher, ela vai agir normalmente durante a
noite toda, tratará Alice muito bem e depois, tentará me convencer a deixá-la.
Polly vai procurar por defeitos e falhas, mas acho impossível encontrá-los.
Alice fez algo de errado em seu passado, mas ninguém aqui precisa
saber, nem eu, se ela não desejar contar.
E nessa noite eu só quero ver seu corpo perfeito enfiado num vestido,
ela disse que seria surpresa. Imagino como deve estar linda, imagino como
será sentir seu cheiro e ter de me controlar em meio à todos.
Subo na moto, sabendo que minha avó também desaprova isso, ela acha
que posso cair e estragar a roupa, mas estou focado hoje. Eu tenho algo em
mente. Por isso, ignoro seu olhar e sua fúria quando ligo a Harley-Davidson e
saio pelos grandes portões.
Do outro lado da rua, no maior prédio da Universidade, onde fica o
teatro e estúdio de dança, vejo as luzes claras. Posso ouvir as vozes, há muita
gente aqui.
Carros chiques, vestidos bonitos, pessoas conhecidas. Todas entram
nesse lugar, prontas para conversas inúteis e música clássica. Penso em fugir
imaginando a decoração, taças caras, lustres e vinho refinado, mas parece que
a menina lê meus pensamentos. Meu celular vibra e o puxo do bolso com
certo desânimo.
"Alice: Não vem mais, Thompson?"
Ah sim, agora sim. Com toda certeza eu vou. Eu preciso vê-la, e por
mais que exista uma fraqueza em mim, me mandando ir embora, Alice ganha
dela.
Estaciono a moto ao lado da escadaria principal e me preparo para entrar
no prédio quando ouço a voz.
— Ei, Thompson!
Me viro, antes mesmo de abrir a porta, e encontro Jack. Ele está todo
arrumado, ao seu lado, Hannah se destaca. Seu vestido preto brilha à luz da
lua. Sorrio analisando sua beleza.
— Achei que não gostasse dessas coisas — comento e ela ri.
— Bom, a novata e a ruiva me convenceram. Na verdade elas me
forçaram, enfim, você não veio com ela?
Imagino Alice e Andressa juntas nisso, tentando obrigar Hannah a entrar
num vestido caro e bonito, tudo para uma festa da alta sociedade, daquelas
quietas e chatas. Essas noites só servem para espalhar boatos.
— Na verdade, não. Ela vai fazer uma surpresa.
— Claro — Jack sussurra. — Preciso a agradecer por convencer a
Hannah.
Nós sorrimos e entramos juntos. Tudo que imaginei é real. As paredes
em tons de dourado, as decorações finas, o lustre limpíssimo. Há muitos
vestidos, muitas máscaras. Pego a minha no bolso, apenas para que saibam
que trouxe uma. Jack e Hannah já vestem as suas e parecem superanimados,
isso se deve ao fato de estarem juntos.
Continuo andando entre os convidados, alguns me entregam sorrisos
de olá, outros me cumprimentam com sutileza, mas Ash me para.
— Nicholas! — chama, segurando uma taça de vinho. Ele a ergue e me
obriga a andar até o canto onde está, ao lado de sua filha, Christina.
— Boa noite, Ash! — Digo baixo, sem muita vontade. Nunca gostei
desse homem, na verdade, o acho desprezível. Ele é exigente, egoísta e
completamente ríspido em relação a filha.
— Está bonito — ela diz e sorri.
— Obrigado, Christina. Você também. E Martha, ela não vem? —
Pergunto, fingindo estar confortável. Ash nega e bebe um pouco mais.
— Ela viajou de novo. Sabe, negócios. Acho que sua avó não vai gostar,
mas, fazer o quê? — Ele ri daquela forma séria, e então, ajeita a gravata. —
Falando na Polly, onde está essa mulher?
Suspiro, nem quero saber. Ela deve estar se recompondo depois do
choque.
— Polly chegará logo, tenho que ir. Vou procurar por alguém — digo já
me afastando.
Nada de conversas desnecessárias.
Os Vender são muito importantes para essa cidade, com o dinheiro e a
influência, fazem parte da história de Wiston Hill, quando quatro famílias se
uniram e formaram uma pequena comunidade utópica. Não acho que os
fundadores sentiriam orgulho hoje em dia.
Caminho até o outro lado do salão, procurando pela garota. Será
impossível a encontrar por aqui, há muita gente, o prédio até parece menor.
Respiro fundo e agarro o celular, observando os garçons andando de um lado
ao outro.
"Nick: Onde você está?"
Eu pergunto, mas ela não responde. Fico esperando, olhando para a tela
e nada.
— Está me procurando? — Soa atrás de mim. Quase pulo de susto, mas
quando reconheço a voz, só consigo sorrir. Me torno à seu corpo, e seguro a
respiração.
Meu Deus...
Ela está perfeita. O vestido vermelho combina completamente com seu
corpo, o corte no tecido revela a sua perna, o decote me chama atenção. Tudo
maravilhosamente planejado. E o batom brilha em seu rosto, só não consegue
competir com os olhos muitíssimo azuis. A máscara preta descansa presa em
seu braço.
— Nossa — sussurro e ela sorri, tímida.
— Eu sei, ela 'tá linda, né? — Andressa aparece, seu vestido de seda,
verde, lhe cai bem. A ruiva também está divina. Os fios um tanto cacheados
caem sobre seus ombros e seu batom rosa, daqueles naturais, faz com que
seus olhos sejam a parte principal.
— Demais — confesso e vejo Alice corar. Quem não a conhece pode
achar que a cor em seu rosto não passa de maquiagem, mas eu sei, ela está
vermelha.
— Culpa da Andressa — diz.
— Bom, muito obrigado — gaguejo ainda hipnotizado por sua beleza.
Andressa parece rir, não presto muita atenção.
— De nada. Aproveitem. Eu vou encontrar o meu namorado.
Alice a olha por uma última vez, mas eu nem me mexo. Quando percebo
que estamos sozinhos no canto do salão, deixo o silêncio tomar conta. Ela
parece desconfortável, a minha quietude a incomoda, mas estou sem ar.
Como pode alguém ser tão linda?
— Você precisa destravar — brinca e eu sorrio.
— É um pouco difícil, você parece, você está...
— Nick! — Reclama, me trazendo de volta à realidade.
— Tudo bem — rimos juntos —, você está perfeita.
Ela enrubesce mais uma vez, mas toma coragem suficiente para segurar
na minha mão, seus dedos tocam nas pontas dos meus e eu sinto seu toque
quente, o seu calor me sobe pelo braço e chega ao meu peito. Meu coração
acelera um pouco. Olho nossas mãos juntas e me sinto bem.
— Nessa noite você é toda minha.
— E você é todo meu.
Sim, eu com certeza sou.

Andar com essa garota é como estar ao lado de uma obra de arte. Todos
se viram para olhar enquanto rimos e conversamos.
Em vinte minutos já recebemos olhares maliciosos, invejosos, de
reprovação e aprovação. Sorrisinhos de canto e cochichos misturados à
música clássica. Mas Wonders não parece se incomodar, ela ajeita os cabelos,
joga alguns fios por cima dos ombros e ergue a cabeça. Ela tem um ar de
superioridade perfeito para a ocasião.
A levo para um canto qualquer, longe de alguns curiosos.
— Achei que não gostasse de atenção.
— Aprendi a lidar com ela — sussurra com graça. Seu olhar se prende
em algo atrás de mim e suas mãos se apoiam em meu peitoral. — Contou à
sua avó? Porque ela chegou e está vindo pra cá.
Fecho os olhos enquanto os saltos de Polly se tornam audíveis. Me viro
com calma e a encontro, sorridente, um tanto sem jeito. Alice sorri de canto,
parece hesitar.
— Boa noite — minha avó fala. — Bom, acho que ainda não nos
conhecemos.
— Não mesmo — me intrometo. — Essa é Alice Wonders. Você sabe, a
novata.
Dessa vez, quero provocar as duas. Elas esticam as mãos e se
cumprimentam de forma amigável, chega a ser estranho.
— É um prazer — a menina diz baixinho e se cala em seguida. Achei
que fosse tentar conquistar a Polly, elogiar a decoração, comida, música, mas
não. Ela se limita a educação básica e percebo minha avó esperando por mais.
Um riso se força a escapar, mas o seguro.
— Bom, preciso falar com outros convidados. — Polly sorri com
falsidade. — Se divirtam.
Quando a mulher se afasta, eu foco nas íris brilhantes de Wonders, que
ainda a observam.
— Isso foi bom ou ruim?
— E quem é que sabe? Mas ela esperava por elogios. — Aperto um
lábio contra o outro, tentando não rir.
— Ah — murmura, sem muita preocupação — que pena.
É impossível me conter, rio baixo, abafado e Wonders me examina.
Alice parece confusa, completamente deslocada, ao mesmo tempo, onde
deveria estar.
— O que foi? — Inclina a cabeça para o lado, os olhos brilhando. — Eu
te divirto, não é?
— É, sim. Você é incrível — falo, sorrindo. — Vem, vou te mostrar
algumas pessoas.
Wonders assente, mas não se move. Agarro em sua mão novamente,
coloco-a em meu braço e ela morde o lábio. Isso me deixa fodidamente
excitado. Alice está lindíssima nesse vestido, sempre que posso paro para a
admirar.
— Aquele é Ash. — Aponto com sutileza, enquanto caminhamos pelo
salão. — Pai da Christina. E aquela é Greer, a mãe de Jack.
Ela apenas absorve as informações, se mantendo em silêncio.
— Quinn e Grace — continuo.
— Nick, e seu avô?
— Ah, ele trabalha muito, não vai aparecer tão cedo. Cá entre nós, acho
que ele só foge da Polly.
A menina ri nasalado, cobrindo os lábios e movendo os lábios.
— Mas George gostaria de você. — Solto um riso, a acompanhando.
Vemos Jack, Hannah e uma outra garota, parados ao lado da janela
principal, gigante e coberta por uma cortina longa. Puxo Alice com
delicadeza, indo até eles.
— Conhecidos, finalmente — ela sussurra.
— Não está satisfeita com a minha presença, Wonders? — Paro e
encarando.
— A sua presença me faz querer tirar a roupa, Nicholas.
Travo, observando a malícia crescente em suas íris. Ela sorri de canto e
me examina, fita meu abdome e desce mais um pouco.
— Você precisa de limites, Wonders.
Alice me entrega uma expressão curiosamente excitante, como nunca vi
antes. Estamos em chamas, num paraíso só nosso. Volto a andar e ela me
segue, sabendo dos efeitos que tem sobre mim.
— Ah, o casal — Hannah brinca, recebendo um olhar ardente de
Wonders. Agarro uma taça de vinho, que é equilibrada sobre uma bandeja, o
garçom me cumprimenta com um aceno de cabeça e se retira.
Entrego a bebida a Alice que agradece e não resiste.
— Você está linda — a de cabelos azuis continua, enquanto todos nos
encaramos.
— Você também. — Alice dá um gole na bebida.
— Wonders, essa é Margot, irmã gêmea de Jack — apresento e a garota
sorri com timidez.
Me lembro bem dela, reservada, nunca foi de festas e grandes grupos de
amigos. Na verdade, Margot Carter só era próxima de uma pessoa: Wine
Thompson.
— Você deve ser a novata.
— Alice Wonders — responde num tom amigável.
— É mais bonita do que ouvi dizerem. Estão juntos?
Assim que a questão sai da boca da irmã, Jack se engasga no
champanhe, se lembrando de quando nos perguntou algo parecido.
— Margot, não deveria...
— Ela quer saber se estão juntos na festa, idiota — Hannah corrige e ele
concorda.
Alice segura um riso. Jack achou que a menina estava falando de nosso
relacionamento, algo que a gêmea nunca faria. Ela tem pouco interesse na
vida alheia.
— Estamos sim — Wonders me surpreende ao responder.
— E estudam juntos? — O interrogatório continua. Aproveito para
julgar a roupa da menina, um vestido rosa longo, sem decote, mas aberto nas
costas. Combina com seus olhos castanhos.
Alice apenas assente.
— Margot é dançarina contemporânea — Jack revela, todo orgulhoso.
Ele sempre foi próximo das irmãs e quando uma faleceu acidentalmente, ele
se apegou ainda mais a Margot.
— Ele fala como se fosse meu maior fã — ela responde e encontra o
olhar do garoto.
— Eu sou o seu maior fã.
— Parece mesmo — Alice diz e as duas riem. Finalmente vejo pessoas
gostando da novata e não tentando a afastar. Entretanto, eu nunca esperaria
isso de Margot, ela já sofreu o suficiente, tudo por conta dos boatos que
facilmente se espalham por essa cidade.
Fico de fora da conversa, tentando entender como Alice consegue
guardar chamas em seu corpo, porém por fora, parecer tão calma.
Noto que Hannah, Jack e Margot já iniciaram outro assunto e Wonders
não parece tão interessada. Ela se vira para mim, notando meu olhar fixo e
começa a observar a arquitetura local.
— Esse prédio é lindo — diz e bebe o último gole.
— Você nunca veio aqui?
A menina nega com a cabeça e faz um biquinho.
A música clássica finalmente para, agradando a todos. Algo normal
começa a tocar, baixinho, sem muita ênfase. Percebo ser a música favorita da
minha mãe.
— Nicholas! Ei! — Jack me chama, fazendo-me o encarar, sem muita
reação. — Sua avó autorizou isso? — caçoa. Apenas dou de ombros.
É como se Pumpkin fosse surgir à qualquer momento, sei que Polly está
brincando comigo, me lembrando de quem sou e dos erros que posso
cometer.
Retiro a taça da mão de Alice e a entrego para outro garçom perdido.
— Preciso te mostrar uma coisa — digo, ela concorda e me segue,
ignorando os outros três.
Passamos por muita gente, atravessamos o salão e subimos a escadaria.
Duvido que alguém esteja nos olhando, estão entretidos demais. Muitos já
tiraram as máscaras, eles não se importam mais com as coisas e, em uma hora
de festa, começarão a tocar em assuntos delicados.
— Onde vamos? — questiona.
— Eu vou te mostrar a minha parte preferida do prédio — conto e Alice
ri baixinho.
Todos os corredores estão vazios, as luzes apagadas. Continuamos pelo
segundo andar, apressados, passando por quadros e estátuas caras. Empurro
as duas portas douradas à nossa frente, revelando o grande salão de dança.
Todo escuro, exceto pelo holofote, que ilumina o centro do piso desenhado.
— É maravilhoso — ela diz. — E gigante.
— A minha mãe adorava esse lugar. — Afinal, era dançarina, e dançava
lindamente.
— Eu a entendo — Alice sussurra, andando pela sala, olhando cada
detalhe. A sigo, procurando por seu toque. Seguro em sua cintura com
delicadeza e ela apoia a cabeça em meu peitoral, ainda de costas para mim.
— Eu quero dançar com você — sussurro em seu ouvido.
— Já disse, Thompson. — Se vira e agarra em minhas mãos, dando
passos para trás, se inclinando, me fazendo segurá-la. — Não sei dançar.
— Eu não ligo.
Alice morde o lábio, o que causa uma pequena marca em seu batom.
Aproveito da situação e a puxo, seu corpo se choca contra o meu e nossos
rostos param próximos um do outro.
— Eu realmente não ligo.
A beijo com delicadeza e posso sentir seu sorriso se forçando a aparecer.
Coloco minhas mãos em seu quadril, a fazendo balançar de um lado para o
outro, então, estamos dançando lentamente. O seu vestido se mexe de acordo
com nossos movimentos e ela se apoia em meus ombros, me deixando a
guiar. Nossos olhares se encontram e eu me sinto perdido num paraíso,
perdido na cor de suas íris, no mar que elas carregam. Alice é maravilhosa.
Ela desliza seu toque por meu peitoral e retira meus dedos de sua
cintura, agarrando-os. Seguro numa de suas mãos e a giro. Ela parece mais
animada com a ideia de dançar comigo.
Sorrio enquanto a observo. Ela gira mais uma vez, e outra. Wonders me
encara com maldade, ao mesmo tempo, doçura. Ela agarra no tecido liso que
a cobre, balançando-o junto de seu corpo, e gira mais uma vez, em perfeita
sincronia com o ritmo.
Cada vez mais solta, como se tivesse asas. Ela me disse que não tem
habilidades, não dança ou desenha como outros, mas nesse momento seu
corpo se deixa levar, ela também está perdida em meus olhos. Alice sorri,
apesar de não estar realizando uma coreografia. E sem medir ações, sem
pensar duas vezes, sou atraído por ela. É como um imã. Me vejo entrando em
seu caminho.
Ela desliza, gira mais rápido e mais rápido, sua cabeça se inclina para
trás. Mas a menina se desequilibra e cai em meu colo, com as mãos em meus
ombros e as minhas em sua cintura, sendo forçada a me olhar nos olhos,
sendo forçada a voltar pra mim. O silêncio está ao redor, nenhuma voz, nada
além da música.
Seu sorriso me faz deixar de lado a raiva que me forçava a sentir de
Polly, porque eu sei que colocou essa música para mexer comigo. Acontece
que lembrar de Pumpkin não me fere, e sim, me deixa aliviado. Eu amava a
minha mãe, eu a amo imensamente e nenhuma memória dela pode ser
corrompida.
Alice é a minha resposta, é o que dá outro significado a essa letra, a esse
ritmo que Pumpkin amava. E nossos olhos se encontram como se fôssemos
obrigados a ficar juntos nesse momento.
— O que está fazendo? — questiona, rindo. Alice não está presa a
memórias que podem retornar à qualquer momento.
— Me desculpe, eu não sei — sussurro perto demais de seu rosto.
Consigo arrancar mais risos leves, porém toda expressão é deixada de
lado quando certa seriedade a ataca, enquanto eu me aproximo lentamente,
enquanto eu me preparo para provar do seu gosto mais uma vez. Sinto sua
respiração em meu rosto quando nossos narizes se tocam, e eu fecho os olhos.
Me deixo levar pelo calor de seus lábios. É viciante, eu não quero soltá-
la. Agarro seu rosto com as duas mãos. Seus dedos frios tocam em minha
nuca, ela me puxa para perto e a deixo fazer o que quer, porque enquanto esse
beijo demorado durar, eu estarei bem. Eu quero tudo que ela tem, quero que
soque o meu peito e grite comigo de novo, quero que me faça a calar com um
toque simples em sua pele. Eu quero todo o seu caos.
A tempestade se inicia e eu sinto, porque estou completamente
apaixonado por Alice Wonders.
Quando finalmente nos separamos, percebo que esse foi o beijo mais
real que já tivemos. Eu me deixei sentir tudo pela primeira vez, e não somos
mais estranhos.
— Nick? — Ecoa pelo salão, nos viramos num pulo, encontrando os
olhos castanhos claros de Maddy. — Eu só precisava da verdade. Vocês estão
juntos!
— Maddy... — tento, mas já fui claro com ela.
Alice se afasta do meu corpo no mesmo momento em que a loura sai
correndo, tornando tudo mais dramático. E ela some pelos corredores. Há
algo em mim que exige que eu vá atrás de Madison, mas minhas pernas não
se movem, não agora. Tudo que eu quero está nessa sala.
Wonders parece cabisbaixa, é como se nosso momento especial tivesse
se transformado em algo errado.
— Alice — chamo e ela se afasta ainda mais, me dando as costas,
chegando perto do grande vidro da janela, coberta por uma das cortinas
beges.
— Eu sei que vocês não estão juntos, Nicholas, mas eu não gosto disso...
Eu entendo o que quer dizer, não sei como não piorar a situação. Ela
parece extremamente chateada por Madison, como se tivesse machucado
outra pessoa, mesmo sem ter a intenção.
— Alice escuta — tento e me aproximo mais, segurando em sua cintura,
mas ela retira as minhas mãos, ela se vira e me encara sem ter o mesmo
brilho nos olhos. — Eu conversei com ela várias vezes...
— É melhor você falar com a Madison. Tem um baile e ela 'tá
chorando...
Não posso fazer nada em relação a isso, Madison precisa encarar a
verdade que tentei explicar tantas vezes, e agora, finalmente, ela viu. Ela
entendeu a situação.
Não a amo. Não mesmo.
— Me ouve! — rosno e Alice baixa a cabeça sem vontade alguma. —
Eu já falei com a Madison e não vou atrás dela só por causa desse drama. Ela
já sabe a verdade.
— Eu sei, mas dá pra ver que essa garota gosta de você, Nick, dá pra ver
que ela me culpa e...
— Mas eu gosto de você! — Exclamo sem pensar. Tiro o segredo do
meu peito e a vejo ficar boquiaberta. — Não faz sentido algum, Wonders,
mas eu acho que tô completamente...
— Não fala. Não fala isso! — Implora e tapa meus lábios com os dedos.
— Por favor não fala isso, não faz isso, Nick.
Eu retiro, com calma, seu toque do meu rosto e a encaro.
— Por que não?
— Porque eu não sei se sou capaz de dizer ou sentir o mesmo, 'tá bem?
Eu não consigo fazer isso agora, por favor não fala.
— Tudo bem.
Dói saber que há uma chance dela não sentir isso, de eu estar enganado,
mas nada nesse mundo consegue me afastar do que Wonders se tornou pra
mim. E ela me encara com certo medo, posso ver que não quer me magoar
também.
— Eu não vou atrás da Maddy — respondo e sorrio fracamente,
tentando a animar. Alice não pode quebrar o meu coração só por ter
medo. Eu também tenho medo.
— Por que você faz isso?
— Isso o quê? — Olho em seus olhos, agora mais calmos.
— Comigo. Você mexe comigo. Eu não sei o que fazer com você,
Nicholas.
— Bom — a puxo pela cintura, aproximando nossos corpos e lábios
—, eu sei.

Talvez tenha sido imprudente fugir com Alice no meio da noite,


enquanto minha avó discursava à todos, e, provavelmente, me procurava na
multidão. Talvez tenha sido impensado e totalmente delicioso. Não é como se
eu me importasse com as críticas e fofocas, não quando sinto o calor de seu
corpo, não quando consigo, finalmente, esquecer dos erros do passado.
— Você me trouxe ao seu quarto mais uma vez, Thompson? — Ela diz
em tom de pergunta e então sorri, carregada em malícia. Fecho a porta atrás
de nós, sabendo que Jack não voltará tão cedo. Eu retiro os sapatos e os largo
num canto qualquer. Alice apenas me observa.
— Eu disse que sei o que fazer, Wonders.
Não demoro dessa vez, eu a agarro pela cintura e sinto seu risinho contra
meus lábios quando a beijo com vontade.
— E quanto ao baile? — Pergunta baixinho, o som sai abafado e seu
hálito me aquece.
— Voltamos pra lá depois.
Eu a viro de costas para mim. Alice coloca os fios longos e escuros
sobre o ombro, me dando a chance de abrir seu vestido. E eu desço o zíper
com calma, deixando sua pele aparecer aos poucos. Quando o vejo aberto,
pego nas alças e as deslizo por seus braços. O tecido cai de seu corpo.
Ela não usa roupas íntimas, como se tivesse planejado esse momento. Eu
a beijo na nuca, e então, nas costas. Eu aqueço seu corpo e posso a ouvir
suspirar quando levo minha mão até sua bunda e, por trás, a toco, penetrando-
a com dois dedos. Alice não está tão molhada, por isso, tento ir devagar,
apenas para excitá-la.
— Nicholas — geme baixinho e seus cabelos roçam em meu peitoral.
Me ajeito e afasto meu toque de seu sexo. Wonders se vira e me permite ver
seu corpo, ela agarra em minha camisa, abrindo cada pequeno botão.
— Dessa vez, eu que mando.
Ah, ela pode fazer o que quiser comigo, desde que faça isso comigo. E
eu sinto o calor em meu corpo, mordo o lábio tentando me conter, mas Alice
retira minha camisa branca com destreza e a atira na cama de Jack.
— Na verdade — sussurra —, eu sei exatamente o que fazer com você.
Alice Wonders pode me levar à loucura, ela pode me matar de desejo se
quiser, e de outras formas que evito pensar agora. Eu tento focar apenas no
presente. E, nesse exato momento, eu quero seu corpo e o tenho. A puxo pela
cintura, sinto seus seios mornos em meu peitoral. Agarro nos fios de sua
nuca, dando-lhe um beijo que me parece um pedido de desculpas.
Quero que me desculpe por Maddy e que me desculpe pelo que ainda
pode acontecer. Contudo, eu a quero.
Alice começa a me empurrar até a cama já conhecida e me joga nela, me
fazendo sentar e observar a beleza em cada detalhe de seu corpo. Eu fito sua
clavícula delicada e Wonders tira os saltos com calma, em seguida, foca em
abrir a minha calça.
Fecho os olhos, cada ação sua me faz mergulhar em vontade. Eu já estou
duro e ela percebe quando me toca. Volto a fitá-la, seu sorrisinho nada
inocente, seu semblante pecaminoso, suas íris em chamas. Wonders desce a
minha calça sem pedir, sem esperar. Ela me quer. E ela faz o que quer.
Seus dedos retiram as duas vestimentas de uma só vez, me deixando sem
nada. Completamente vulnerável. A mordida no lábio pintado de vermelho é
a última provocação que recebo. Ela beija meu pau com calma, me
aquecendo, me incendiando. Eu sinto um calor anormal.
Se já entendo como essa garota funciona, sei que está com raiva, talvez
de mim, talvez de Madison, mas ela está furiosa e esconde isso. A admiro por
conseguir transformar a sua fúria em sensualidade e provocações. Ela lambe
toda a extensão, me deixando suspirar de prazer.
Me apoio nos cotovelos, para a observar melhor. Wonders sorri,
enquanto passa seus dedos por meu pau.
— Pode parar de brincar comigo — ordeno e ela nega. — Por favor.
Fraquejo na última parte, e isso parece com um pedido desesperado.
Então, a garota finalmente o coloca na boca e o chupa do começo ao fim. Eu
sinto a sua língua passando em cada parte sensível, ela sabe bem como fazer
isso. Wonders conhece meus pontos fracos.
— Alice... — me escapa junto de um sorriso, tento me conter, mas é
impossível. Ela não é delicada, é selvagem. Eu gosto, eu adoro na verdade,
esse seu lado.
E ela continua me chupando, mantendo contato visual. Eu a vejo me
tomar cada vez mais, seus lábios avermelhados em torno de meu membro, os
movimentos de vai e vem, cada pequena coisa. E eu sinto que estou perdendo
o controle.
— Eu te quero muito, Alice — falo e ela para, como se estivesse me
castigando. Wonders se levanta e agarra uma camisinha, escondida na gaveta
da mesa de cabeceira.
Eu continuo apoiado nos cotovelos, esperando. Seu corpo é como uma
obra de arte. Ergo a cabeça para a acompanhar, ela abre a embalagem
rapidamente, retirando o objeto de dentro. Alice volta a se ajoelhar e veste a
mesma em mim, me fazendo fechar os olhos por alguns segundos.
Quando se levanta, toca em meu queixo com dois dedos, me forçando a
olhá-la. Me forçando a encontrar seus olhos maldosos.
— Não sei se merece muito mais, Thompson — brinca, me fazendo rir.
Suas provocações são maravilhosas. Ela sabe como destruir alguém.
Wonders morde o lábio e se coloca sobre mim. Me ajeito, sentando-me
na beira da cama e ela se encaixa em meu colo. Começo a arfar quando me
vejo dentro dela.
— Eu disse que sou bem pior que você — sussurra em meio à um quase
gemido. Alice também está perdida em prazer, também está tentando manter
o controle.
Wonders se apoia em meus ombros e eu posso olhar em suas íris
tomadas pelo desejo. Ela rebola em meu colo de uma forma inexplicável, ela
move seu quadril com certa habilidade. Alice começa lentamente, me fazendo
gemer baixinho, mas seus sons já tomam conta do quarto. Ela tenta contê-los,
mas não consegue. Está presa a isso.
— Geme pra mim — sussurro e a menina puxa alguns fios de minha
nuca.
— Cala a boca.
Sorrio ao receber a ordem e obedeço.
Ela me empurra contra o colchão, me fazendo deitar. Suas palmas se
apoiam em meu peitoral, a garota se inclina um tanto para frente e continua,
mais rápido dessa vez. Não posso evitar, observo-me sair e entrar nela,
observo cada movimento que pode fazer enquanto enfio meus dedos em suas
coxas, as apertando com força. E eu não mantenho mais o silêncio.
Ela continua, com mais intensidade. É como se dançasse sobre mim,
fazendo cada músculo meu se contrair. Alice não para por nada, nem por
cansaço, e seus sons aumentam. Ela geme me mostrando o prazer que sente.
A acompanho, um pouco mais baixo.
Eu sei que a garota vai gozar, ela está nadando em prazer, eu posso ver.
Suas unhas arranham minha pele quando seu orgasmo se aproxima, e eu faço
questão de assisti-la. Seus olhos fechados, sua boca levemente aberta, seus
cabelos jogados para o lado, bagunçados. E ela continua se dando prazer.
— Nicholas eu... — Sua fala é um pedido. Aperto mais ainda suas coxas
e mordo meu lábio, impedindo meus próprios gemidos de escaparem.
— Olha pra mim — digo, arfando. Ela o faz e no mesmo minuto, goza
intensamente.
Alice quase cai sobre meu corpo, um tanto trêmula, mas seus braços a
seguram, ela põe força contra meu peitoral, se mantendo na mesma posição.
E a menina sorri de satisfação. Entretanto, ela não para. Respira fundo e
continua, querendo mais, e eu ainda nem cheguei lá.
É impossível me manter imóvel, sem poder tomar seu corpo. Agarro-a
pela cintura e me sento novamente, com uma mão em seu corpo e a outra
contra o colchão, me apoiando. Ela rebola mais ainda, seu toque em meus
ombros toma força. Seu rosto se aproxima do meu, mas seus lábios não me
beijam. Ela geme, baixinho dessa vez, só para mim.
Deslizo meu toque por um de seus seios, o apertando, e Wonders ri entre
gemidos abafados. Subo um pouco mais e agarro em sua nuca. Alice ainda
rebola em mim, e cada vez mais me faz chegar perto.
— Você é...
— Goza pra mim, Thompson — ordena e ri nasalado, então, me entrega
um beijo quente e lento.
Eu me sinto gozar dentro dela. Alice não me deixa gemer, ela continua
me beijando, calando-me.
E ela é deliciosamente perversa.
21

CHUVA
“Você está olhando para um final muito ruim
para uma história muito boa.”
Confetti | Motive

NICHOLAS THOMPSON

Alice aperta a minha mão ao entrarmos novamente no salão, seu toque é


frio, suado. Sei que está desconfortável, apesar de manter a cabeça erguida e
o sorriso falso. Comentar sobre isso não me parece ser uma boa ideia, já que
ela tenta esconder o que sente. Fico quieto, caminhando ao lado de seu corpo
perfeito, recebendo os olhares desconfiados. A minha camiseta parece um
pouco amassada, seja pela forma que a menina a jogou na cama de Jack, ou
por termos nos beijado intensamente pelos corredores do dormitório, depois
de transarmos pela segunda vez. E mesmo assim, Alice não me deixa admitir
que há uma grande possiblidade de estar apaixonado por ela.
— Acho que notaram — ela sussurra, se referindo a nossa partida. Claro
que notaram, o neto de Polly e a novata? Um absurdo ou algo incrivelmente
bom, depende de quem está comentando. A minha avó, obviamente, despreza
essa ideia.
Atravessamos o salão bem iluminado, com paredes douradas. Eu
retribuo seu aperto, esperando que entenda, eu também não gosto dessa
situação. Não gosto de encontrar os olhos de Maddy, sentada numa mesa
isolada, reclamando para Christina. E a Vender finge não nos ver, ela não vai
comprar brigas nessa noite.
Exceto pelas duas, os rostos conhecidos sumiram. Por isso, me sinto
ainda mais confortável por ter Alice comigo.
— É, está certa — concordo, parando de andar, a puxando para um
canto nem tão movimentado, perto da torre de taças de champanhe. — Todos
notaram.
Alice sorri, como se fosse muito bom estar causando uma tempestade
silenciosa numa sala tão grande. E, bem, é delicioso saber que todos estão
nos julgando, porque todos acham que sabem onde isso pode acabar.
Agarro seus braços com delicadeza, pensando em tocar seus lábios, em
sentir seu calor mais uma vez.
— Não quero irritar a sua avó, Nicholas, não agora — sussurra perto
demais, me convencendo a não beijá-la. Ela sabe que estão esperando por
isso, por algum novo boato.
Mas eu também não quero ter um motivo para amanhecer ao som das
reclamações de Polly Thompson. Eu não quero dar a ela razões para destruir
Alice. Minha avó nunca tentaria me machucar, mas faria de tudo para ferir a
menina. Ela daria um jeito, e assim, Alice escolheria se afastar.
Eu sei bem disso, sei muito bem.
Continuo encarando seus olhos azuis, seus lábios avermelhados, e ela
me retribui o olhar. Wonders me admira de volta.
— Eu sei que não quer ouvir, Alice — começo, desejo contar o que
sinto. Eu preciso disso. — Mas é verdade.
— Tudo bem — diz, mostrando que não está tudo bem.
Talvez eu seja um idiota metido à bad boy, igual ela me chamou uma
vez. Antes, fazendo besteiras, dormindo com várias, mas agora, por algum
motivo, caindo por apenas essa garota.
Alice Wonders pode nem estar sentindo o mesmo, ela pode estar me
usando, estar tentando me quebrar, estar procurando por sexo. Ela pode ter
tantas coisas em mente, e mesmo assim, eu ainda sinto isso. Eu ainda sinto
meu coração acelerar ao seu lado.
— No que está pensando? — pergunta, encarando-me nos olhos, fitando
minhas íris.
— Em você — respondo de forma áspera, sem mostrar um sorriso dessa
vez. Porque quando eu noto a tempestade se aproximando, quando o clima
muda, eu começo a ver a verdade, o que realmente está acontecendo.
E eu começo a entender os riscos.
— Não pode ser só isso — retribui, focada em meu tom de voz. Ela
notou que a minha animação partiu, notou que há algo de errado e eu não
quero a magoar.
Dou de ombros, me forçando a tirar minha atenção da garota. Os olhos
ao nosso redor ainda nos examinam, as bocas falam sobre a gente. E eu me
sinto errando mais uma vez.
— Nicholas eu... — começa, mas a culpa não é dela. A culpa é dessa
cidade toda e das coisas que aconteceram. Coisas que parecem querer me
destruir.
Nossos pensamentos são interrompidos assim que o tom falso aparece.
Polly se aproxima aos poucos, mas não me importo com ela. O que me
faz travar é o convidado ao seu lado, esse que Alice ainda não viu.
— Finalmente encontrei vocês — minha avó diz, fazendo a menina se
virar para encará-la. E eu percebo, Alice empalidece. Seguro em sua mão,
apenas para ter certeza de que não vai cair nesse chão frio.
Nós dois congelamos ao encontrarmos John Wonders parado ao lado de
Polly.
— Pai? — Soa em sua voz quase falha. Uma palavra tão simples que
define muita coisa.
John sorri como se não tivesse algo de errado e ele abraça a filha com
calma, leveza. Alice ainda está sem reação, mas obedece. E eu vejo a
satisfação nos olhos de Polly.
— Senti sua falta. — Ouço-o sussurrar.
É como se toda a mágoa e toda a raiva tivessem despertado, queimando-
me o peito. Polly me encara nos olhos e me mostra que já começou com seu
joguinho. Ela mostra que sabe muito bem como acabar com Alice Wonders e
assim, comigo.
E ela sabe mesmo.
— John, esse é Nicholas, meu neto.
Sorrio falsamente e o cumprimento. John aperta a minha mão com força.
— Vocês estão juntos? — ele questiona, alternando o olhar entre eu e
sua filha.
— Sim — Alice sussurra. — Só você veio para Wiston?
É notável o quão desanimada ela está, seu choque se espalha pela sala,
toma conta do lugar. Parece que as pessoas sumiram, porque sua angústia
reduz tudo à nós e Polly Thompson.
— Na verdade, não. A sua mãe não pôde vir à festa, mas ela está na
cidade. Viemos nós dois — ele explica, percebo a troca de olhares entre os
Wonders. Então, de forma repentina, Polly decide que isso basta.
— Bom, John, preciso te apresentar aos outros. Acho que pode falar
com a Alice depois, não?
Ele assente e sorri. Os dois se despendem com acenos de cabeça, nada
de toques, e se afastam com calma.
Porém, Alice e eu estamos boquiabertos.
— Que merda foi essa? — ela murmura. Encontro a menina com rapidez
e agora, seu rosto volta a ganhar cor.
Sei que viajou para longe de casa fugindo da família e do passado que
desconheço.
— Parece coisa da Polly — respondo. É coisa da Polly, com toda
certeza. Ela fez isso antes mesmo de saber da nossa proximidade, ela ia
destruir Alice sem motivo algum. Ou, ela descobriu pelos boatos que Chris
espalhou.
De qualquer forma, a mulher não gosta de estrangeiros em
sua cidadezinha de merda.
— Parece coisa dela? — A indignação no tom da menina se junta a
fúria. Ela me encara.
— Eu não sei o porquê disso, Alice, não faço ideia. Me desculpe —
tento e não é suficiente. Sei bem como se sente, a raiva domina. Ela vai
culpar quem puder culpar. Mesmo assim, nos calamos, evitando piorar a
situação. Vejo as lágrimas em seus olhos e a força que ela tem para controla-
las. Wonders não quer chorar aqui.
Como sempre, alguém nos interrompe. Andressa aparece animada em
seu vestido chamativo.
— Alice meus pais...
Nego com a cabeça. A ruiva se cala e nota o clima estranho.
— O que foi?
— Nada. — Sai de forma grosseira. Wonders dá de ombros. — Eu
preciso ficar sozinha.
— Eu posso te levar embora.
— Não, Nick. Eu disse que preciso ficar sozinha — ela enfatiza já se
afastando, partindo para um corredor longo e vazio que leva aos banheiros, e
faz questão de agarrar uma taça de vinho no caminho.
Pela primeira vez conheço um lado de Alice que nunca vi. O lado que
não quer companhia, o lado que tenta ao máximo medir palavras para não
magoar os outros. O lado que agora me preocupa um pouco.
— O que aconteceu? — Andressa me olha como se a culpa fosse minha.
— Polly — é tudo que digo. A ruiva vai me entender. — Sabe como ela
faz as coisas.
— Sim, eu sei bem, mas a Alice não sabe. Já falou com ela? — Seus
olhos verdes encontram os meus. A menina arqueia uma sobrancelha,
esperando por uma resposta.
— Falar sobre?
— Tudo, Nicholas. Precisa contar a história da sua mãe e da Wine,
também tem a Elle.
— Eu não gosto de falar disso, Andressa! — reclamo, me retirando do
salão. Ela tocou em assuntos delicados, coisas que eu prefiro esquecer, apesar
de estarem presentes à todo momento.
A ruiva me segue até a escadaria externa. Nós descemos cada degrau e
eu ando até a minha moto.
— Vai embora? — pergunta com descrença. — Vai abandonar ela aqui?
— Nós dois sabemos que talvez eu não seja bom pra Alice. Na verdade,
pra ninguém.
— Ah vai se foder!
Me calo, nunca imaginei que Andressa fosse perder a paciência.
— Você tem que contar essas coisas pra Alice. E outra, está sendo um
idiota.
— Pode me dizer o porquê?
— Porque ela não quer ficar sozinha, Nick. Vai ser imbecil assim...
—Ei! — a interrompo, ela se encolhe no mesmo instante. Andressa se
aproxima mais, mantendo seu olhar inocente. — Eu só não sei se vale a pena,
ruiva.
— Tudo bem, então fale isso pra ela. — A garota faz um biquinho,
pensando no que dizer. Eu apenas suspiro, sei que está certa. — Nicholas, ela
não é parte dessa utopia e você precisa parar de comparar a sua história com a
do seu pai.
— Parece fácil — sussurro. — Você viu o que aconteceu. Wine, Elle,
Jack, todo mundo.
— É, foi uma merda. Mas já foi. Você tem que falar com a Alice e
precisa se resolver.
— Eu não acho que esse seja o momento certo.
— Então, quando? Achei que fosse melhor que isso.
— Você nem me conhece. Afinal, você era amiga da Christina, lembra?
Fotos juntas, festas, mentiras.
— Pois é, você não foi o único que errou, Nick.
Andressa dá de ombros e começa a sair. Nós dois abrimos feridas, pois
temos de encarar os nossos erros.
Wiston Hill guarda segredos demais.

Eu não queria a deixar lá, a última coisa que pensei em fazer fora
abandonar Alice Wonders em meio à alta sociedade de Wiston Hill.
Ela não parece ter uma má relação com seu pai e Katherine, sua mãe,
não está presente. Mesmo assim, fui um idiota. Depois de tudo que Andressa
me disse, liguei a moto e saí. Eu tenho um rumo e não é o Red Hell, dessa
vez eu não quero encher a cara, eu desejo enfrentar os meus fantasmas,
porque eles se parecem muito com a realidade. Eu me sinto revivendo um
ciclo, o mesmo que juntou meu pai e Pumpkin, o mesmo que os destruiu e
destruiu Elle Carter.
O mesmo que causou a sua morte.
Eu já disse, é uma sina. Damon se apaixonou por uma funcionária do
Red Hell, uma bolsista, uma garota que nem era daqui. Pumpkin dançava
lindamente e conquistava mais atenção do que devia. Ela era uma novidade,
um caos disfarçado e então, eles se apaixonaram contra todas as regras.
E eles enfrentaram muito.
Depois disso, é como se nada tivesse dado certo. Todo mundo conhece o
amor de Pumpkin e Damon, até mesmo os adolescentes como Andressa
Morgan e Madison Foxx. E também sabem que Polly fez tudo desmoronar,
que quando minha mãe sumiu, meu pai não aguentou. Ele precisou fugir
também.
Todo mundo da alta sociedade sabe da vida alheia, eles guardam os
piores segredos, esperando o momento certo para usá-los. Mas entendem que
é melhor não ter brigas entre os mais ricos, os que controlam esse lugar. Se a
base de Wiston Hill se deixar corromper, significa o fim da utopia.
E é isso que Polly tanto teme.
Foi isso que a assustou quando repeti a mesma merda que Damon fez,
quando me aproximei de Elle Carter, quando na pior noite possível ela saiu
de moto e sofreu um acidente e eu fui o culpado. Sim, é uma sina. Assim
como Damon mudou a vida da minha mãe e a enfiou num mundo falso e
superficial, eu provoquei a morte da garota que amava.
E eu sei de tudo isso. Todos sabem.
Então, parar no meio dessa estrada vazia, onde ela desapareceu, onde ela
caiu da moto que a ensinei a pilotar, onde Elle perdeu a vida, me faz encarar
os fatos.
Eu posso destruir Alice Wonders, porque os Thompson destroem desde
sempre.
— Filha da puta — sussurro ao nada, descendo da Harley-Davidson. A
noite toma conta, tudo parece escuro demais, exceto o céu. Ele brilha num
tom azul, assim como os olhos da novata.
— Nicholas, não precisa ser um erro. Não é um erro. — Ecoa atrás de
mim, na voz de Elle Carter. Me viro lentamente e encontro seus olhos
castanhos.
— Mas eu errei com você.
Assim que as palavras escapam da minha boca, assim que deixo a dor de
ter a perdido se espalhar pelo lugar vazio, eu percebo. Eu estou sim
apaixonado por Alice e eu entendo agora como tudo aconteceu tão rápido. É
por isso que quando a vi senti algo diferente, ela me esperava à frente do
Heaven, que ironia. É a porra do destino brincando comigo, como se fosse
planejado.
Elle Carter me entrega um sorriso e desaparece. Eu não sei o que essas
alucinações significam, às vezes me pergunto o que Pumpkin diria. A minha
mãe era doce e atenta, ela teria um bom conselho, mas ainda estou sozinho
numa estrada fria, recebendo a chuva que começa a cair.
Eu ainda estou sozinho com os meus fantasmas.

Horas se passaram e eu não quis voltar. Ver o rosto de Alice agora não
irá me ajudar. Ela não me entende, porque não sabe o que fiz. Segundo
Andressa, eu deveria contar, deveria deixá-la saber de tudo que em algum
momento possa ser usado para nos afastar, mas não consigo. Ainda não. Ela
não precisa lidar com essas coisas, principalmente quando sua família está na
cidade.
É ridículo o fato de Polly querer a machucar sem motivos. Ela convidou
os Wonders antes de ter certeza de que eu estava com Alice, antes de nos ver
juntos.
Ela já planejava algo.
Wine me disse uma vez que a nossa avó é capaz de tudo, que ela mente
e que odeia sem ter razões para tal. Ela me disse que nossa mãe não sumiu,
não assim, do nada. Wine achava que Polly tinha algo a ver com isso, mas eu
nunca quis ajudá-la a descobrir. Eu não queria e não podia acreditar que a
nossa família chegaria à esse ponto.
O relacionamento de Damon e Pumpkin era perfeito, se não fosse pelas
reclamações diárias da minha avó. Se não fosse por suas tentativas e falhas de
os separar anos antes de eu nascer. E de repente, minha mãe sumiu. Isso cria
teorias.
Mas eu vejo agora, Polly Thompson faz o que tiver que fazer e usa a
desculpa de estar defendendo o seu nome.
E eu sempre achei que se Damon tivesse protegido a minha mãe, as
coisas teriam sido diferentes. Mas ele não estava por perto quando tudo
aconteceu.
Estaciono a moto à frente da mansão, deixando a chuva tomar conta de
tudo. O jardim de rosas que Pumpkin tanto amava está inundado. Subo cada
degrau sabendo exatamente o que perguntar, o que dizer. Ela já deve estar
aqui, nunca fica até o fim da festa, porque tem de tomar seus remédios e
fingir não ter ouvido os comentários negativos em relação a sua pessoa. Sim,
esses existem, mas quando a mulher se aproxima, todos se calam e agem com
falsidade.
É assim que essa cidade funciona.
Abro a porta com certa agressividade e entro, molhando todo o chão.
Quinn corre em minha direção, com desespero em seus olhos.
— Nicholas, ela não pode conversar agora, está com dor...
— Eu não dou a mínima, Quinn. Com licença — peço gentilmente,
antes de esbarrar em seu corpo ao passar por ele.
Quando entro na grande sala, com sofás brancos demais, Polly joga as
pernas para fora de um deles e se senta, fingindo estar indisposta.
— Precisamos conversar!
— Meu Deus! Você está... — ela suspira e arregala os olhos. — Sua
roupa! Nicholas, você destruiu a sua roupa.
— É só água, sabe? Chuva.
— Você estava andando de moto na chuva? Não sabe o quão perigoso...
Rolo os olhos e a interrompo sem utilizar da educação que a mesma
adora.
— John Wonders.
Polly se cala no mesmo momento.
— Quando o convidou?
— Quando descobri que tínhamos uma Wonders estudando aqui. Achei
que seria bom tratá-los bem.
— Ah, claro, então estava sendo receptiva? — caçoo. — Convidou os
pais dela pra quê? Porque eles tem dinheiro, certo?
— Isso também, mas aquela menina precisa entender que eu conheço
seus pais e que ela não pode causar problemas por aqui.
— Engraçado, você já ia fazer isso com ela, não é? Mas ai descobriu que
estamos juntos. Isso te irritou.
Polly faz uma careta.
— Eu achei um absurdo, mas, pelo menos, agora ela sabe.
— Você é ridícula! — exclamo em meio e rio de indignação.
— Como é?
— Isso mesmo. Você acha que Alice é um problema? Advinha só, quem
está estragando Wiston Hill é você, Polly.
Quinn ouve tudo e quando essas palavras me escapam, ela estremece.
Sei que a garota concorda, mas teme perder o emprego e a casa.
— Se retire — Polly lhe diz, secamente. A menina some, ela continua:
— Você é igual ao seu pai, ingrato.
— Ingrato? Ótimo. — Ainda rio, deixando o nervosismo me dominar.
— Aquela menina e você não combinam. Sabe que é um erro!
— Igual a Pumpkin e Damon? — provoco. Ela se encolhe um pouco,
nunca a vi fazer isso. Talvez eu tenha tocado num assunto delicado, num
tópico que a fere.
— Você sabe que sim.
— Tudo bem. Se minha mãe foi um erro, o que fez com ela? — A
encaro e posso ver em suas íris que ela tem medo desse assunto. — Me conta,
Polly.
— Eu não sei do que está falando. A vadia da sua mãe foi embora
durante a noite, ela te deixou, não me culpe por isso! — Seu tom calmo, sem
muita rouquidão, e limpo de qualquer sentimento, me irrita.
Ela fala de Pumpkin como se essa fosse indiferente.
— Eu posso nunca tocar nesse assunto, mas sei que ela não foi embora.
Então, é melhor tomar cuidado com o que faz.
— Isso é uma ameaça, garoto?
— É um aviso. Você acha que essa cidade não pode te destruir também?
Lhe entrego um sorriso debochado. Polly sabe muito bem que até a alta
sociedade era apaixonada pela minha mãe e quando ela sumiu, levantou
suspeitas. Ninguém irá perdoá-la, principalmente Greer Carter, a melhor
amiga de Pumpkin.
Então, cada vez que ela tenta quebrar Alice, está tentando se quebrar.
Polly está se afundando, e sabe disso, porque eu sei disso.
A tempestade já chegou.
22

O MUNDO ESTÁ EM CHAMAS


“Sem dúvidas que eu preciso de você,
há algo sobre você, querida.
Não há nada igual o jeito que me alcança.
Você tem um coração do céu,
mas está queimando como o inferno.”
The Neighbourhood | Heaven

NICHOLAS THOMPSON

Jogo a camisa no chão do quarto já bagunçado, esperando que Jack não


me pergunte sobre o que aconteceu nessa noite.
— Chegou cedo — ele diz ao me ver. Seu tom de brincadeira quase me
tira do sério, qualquer coisa pode me fazer explodir agora. Eu preciso
conversar com Alice, mas não posso, não nesse momento. E isso me
consome.
— Te digo o mesmo.
Ele e Hannah estavam animados demais, mas parece que ninguém
dormirá junto hoje.
— Está tudo bem? Eu vi Alice sozinha, ela me disse que você sumiu
depois de alguma coisa.
— E como ela estava? — Me sento na beira do colchão. Jack me encara
como se eu fosse um baita de um imbecil. Vejo em seus olhos o que ele
realmente pensa, se eu me importasse de verdade, não teria ido embora.
— Por que não pergunta isso a ela? — Faz uma careta e desvia o olhar,
se tornando ao teto.
Jack bufa baixo, todos estão cansados dos meus dramas excessivos. Eu o
entendo, Elle era sua irmã e quando ela morreu nossa amizade quase acabou.
Quando Jack Carter me vê, ele se recorda da gêmea. Isso o desagrada, mas
ele consegue manter suas emoções escondidas.
— Porque acho que Alice não quer conversar agora.
— Ela não quer, ou você? — Volta a me encontrar. Preciso ser sincero,
eu não quero tentar me explicar, não quero pedir desculpas pelos erros de
Polly. Além disso, ver sua feição, sua angústia ao saber que Katherine está na
cidade, me faz pensar em contar sobre meu passado, esse que me deixa sem
ar.
Não estou pronto para falar do caos que se espalhou por Wiston Hill.
Fico em silêncio, ele não precisa de resposta, não precisa que eu conte o
que sinto ou o que penso. O menino sabe como eu faço as coisas.
— Talvez seja melhor eu ficar longe da Alice. Você sabe o que vai
acontecer, principalmente depois do baile — confesso e suspiro, sabendo que
essa ideia vai contra todos os desejos do meu corpo, mas ao mesmo tempo,
parece o certo. Eu não posso me deixar apaixonar ainda mais por Alice.
— Então, conversa com ela, Nicholas — diz como se fosse óbvio, como
se tudo fosse ficar bem. Ele se apoia nos cotovelos, me observando. — Conta
pra ela sobre como as pessoas daqui são horríveis e sobre tudo que aconteceu.
— Acho que agora ela já tem problemas suficientes. John e Katherine
Wonders estão na cidade.
— Tudo bem. Culpa da Polly? — Questiona. Eu concordo no mesmo
minuto, todo mundo sabe como a minha avó joga. — 'Tá bem, eu sei que isso
é uma merda, mas é outro motivo. Você precisa falar com a Alice.
Nenhuma palavra minha fará diferença. Mantenho o silêncio, encarando
minhas mãos.
— A melhor saída é ser sincero, Nick. Eu sei que está gostando dessa
menina, também sei que Alice deve ter segredos. Todo mundo esconde algo.
— Não sei se isso ajuda ou piora a situação.
Jack rola os olhos e bufa.
— Você ainda acha que Alice Wonders é delicada, vulnerável, um anjo,
não? Está a subestimando, e olha que nem a conheço direito.
Pode ser. Talvez eu esteja me baseando em outras coisas, em memórias,
em tudo que aconteceu. Eu estou com medo e, como Pumpkin dizia, ele não
ajuda muito. Às vezes, o medo estraga aquilo que tem tudo para ser bom.
Contudo, a menina também teme algumas coisas. Alice não tem
coragem de se aproximar de mim, não de verdade. Ela deve ter um motivo
para isso.
— Ei — Jack chama, me tirando dos devaneios, dos pensamentos
confusos. Um lado meu tenta me convencer de que talvez, agora, eu possa
controlar o caos. — Precisa superar a minha irmã, elas não são iguais.
Isso me atinge como um soco na cara. Ele sabe muito bem no que estou
pensando, Jack Carter sabe que ainda me culpo por tudo. Ouvir tal afirmação
em sua voz me faz arrepiar, ele nunca mais a mencionou após o acidente.
Jack age como se Elle nunca tivesse existido.
— Eu não sei o que fazer — revelo, e não estou falando de Alice ou do
que sinto agora. Estou falando dos fantasmas, dos segredos, das mentiras e da
minha mãe.
Já afirmei tantas vezes que a tempestade chegou, eu mesmo sei que
agora pode ser a hora de tratar de tudo que escondemos. Todas as merdas que
enterramos estão começando a voltar, a ganhar vida, e eu não sou o único a
sentir.
— Você precisa falar com ela — afirma ao se deitar, encarando o teto.

Estaciono a moto à frente da fraternidade. O céu ainda está fechado,


mostrando o clima que, de repente, se tornou frio. O sol desapareceu sem
explicações. Subo cada degrau planejando uma revelação, tentando descobrir
por onde começar, e toco a campainha sabendo que ela pode me odiar. Eu a
abandonei. A fiz encarar aquela situação sem mais ninguém, como se não
soubesse que seu pedido para ficar sozinha, na verdade, era um disfarce.
Alice queria chorar, mas não podia. Não se mostra fraqueza em
ambientes como aquele.
Percebo que a porta se abre com certa hesitação e não posso ver o corpo
da pessoa de primeira. Espero que não seja Madison nem Christina. E então,
seus cabelos compridos e escuros aparecem junto de um sorriso bobo de
canto. Alice se encolhe um pouco, com desânimo, mas esconde o que sente.
Dessa vez, está enfiada numa camiseta larga demais, branca, e um shorts de
pijama.
Seus olhos não brilham, estão sem emoções. Seu rosto mostra certo
cansaço.
— Ainda bem que é você — brinco, lhe arrancando outro sorriso de
canto, algo sutil. Ela balança nas pontas dos pés e tira os olhos dos meus no
mesmo momento. — Posso entrar? Precisamos conversar.
— Pode sim — me surpreende. Sua voz está um tanto rouca, como se
tivesse passado a noite chorando, mas duvido que vá admitir isso. — Tem
sorte, as meninas da fraternidade estão numa reunião ou algo do tipo, com a
coordenação.
— Ah, eu sei como é. Um comitê de recepção — respondo me enfiando
na casinha branca com enfeites bonitos, rosas claras em vasos e piso de
carvalho americano. — Eu me esqueci disso.
— E eu fugi delas — Alice conta, fechando a porta atrás de mim. —
Disse que estava doente. Acho que bebi demais ontem, passei mal de manhã.
A encaro com preocupação.
— É a segunda vez que passa mal — relembro, mas Wonders dá de
ombros. É notável o seu humor. A menina parece abatida. Talvez Jack esteja
certo, Wonders esconde coisas.
Ela anda à minha frente, subindo a escadaria, no segundo andar
atravessa a casa e vai à um dos quartos. Alice se enfia nele e eu apenas a sigo,
acreditando que queira isso.
— Me desculpe por ontem — peço assim que chego à sua porta. A
menina se joga na cama e cruza as pernas, esperando. Seus olhos me
encontram novamente, mas dessa vez, ela sorri com um pouco de vontade.
— Tem mesmo que se desculpar. — Soa ao meu lado. Me torno ao
banheiro e vejo, Andressa está de braços cruzados, enfiada numa blusa regata
e numa calça larga. Seus cabelos estão presos num coque e ela me julga.
— Andy me trouxe ontem — Wonders conta. A ruiva se apoia no
batente da porta e me observa, ela me analisa da cabeça aos pés. — E te
chamou de idiota.
Assim que Alice diz isso, me volto aos seus lábios. A menina parece
querer uma explicação, algo como o porquê de sua amiga doce e sensível ter
se referido à mim dessa maneira.
— Tudo bem — sussurro e ando até a sua cama. Me sento na beira,
ainda sentindo os olhos verdes queimando a minha nuca. — Me desculpe por
te deixar sozinha, eu só não sabia o que fazer.
— Eu pedi pra ficar sozinha.
Me é um choque. Pelo que parece, ela não fez aquilo de dizer uma coisa
e pensar outra. Alice realmente me queria longe.
— Cá entre nós, eu te culpei um pouco no começo. Demorei uma noite
toda e precisei de muito vinho pra entender que a sua avó é a culpada.
— Sim, ela é. Olha, eu não sabia que ela tinha convidado seus pais, eu
realmente não sabia.
— Eu sei, Nick. Está tudo bem, mesmo. Acho que posso lidar com eles
por alguns dias.
Sorrio ao ouvir tal afirmação, porém sei que teme algo. Não é como se
estivesse feliz por eles terem aparecido.
— Não exatamente bem — Andressa murmura, eu posso entender, mas
Wonders arqueia a sobrancelha e, em seguida, franze o cenho, encarando a
amiga. A ruiva dá de ombros e tenta mudar o que disse. — Acho que o
Nicholas precisa falar com você.
Os olhos da novata se voltam à mim, cheios de curiosidade. Bufo baixo,
sabendo que Andressa quer que eu conte a verdade o mais rápido possível.
Ela também sofreu com mentiras e fingimentos, sabe como esses podem ferir
alguém.
Alice espera, deduzindo que agora eu vá revelar algo importante, mas
travo. Não consigo contar sobre Elle e Pumpkin, sobre tudo que fiz. Não
dá, não agora.
— Eu falei com a Polly e bem — começo, fugindo do assunto —, ela
convidou seu pai antes de saber que estávamos juntos.
— Então, ela já ia fazer isso comigo antes mesmo de descobrir que eu e
você somos próximos? — Percebo seu semblante de deboche e concordo. —
Sua avó não gosta muito de novatos, não?
— Ela tem medo de problemas.
Polly tem muito medo da destruição, do caos, das verdades.
— Eu notei. Dá pra perceber. — Alice é mais esperta do que eu poderia
imaginar. Ela consegue sentir a mesma angústia que eu. — Mas não acho que
só tem isso pra me contar.
Noto de soslaio que Andressa sorri ao ouvir. Ela parece finalmente
satisfeita, mas algumas coisas estão muito bem enterradas em mim.
Mantenho o silêncio, encarando seus olhos azuis, sem conseguir conter um
risinho baixo e fraco demais. Alice ainda espera.
— Tudo bem, você tem os seus segredos, Nick, e com certeza não
precisa me contar. Não tem essa obrigação. — Mal sabe ela que tenho sim.
— Muitas coisas aconteceram aqui, Alice — tento. — Não sei, todo
mundo esconde um pouco dessa época.
— É, realmente. Todo mundo esconde e a Andressa não quer me contar
— confessa. A ruivinha se encolhe no mesmo momento. Pelo menos ela não
vai me entregar.
Há regras. Isso e aquilo, bom, você não deve falar sobre isso e aquilo.
— Foram muitas coisas e elas ainda assombram algumas pessoas.
— Sim, como Polly — Alice então suspira — e você.
Engulo em seco. Sim, ainda me assombram. O rosto de Elle ainda surge
em pesadelos, o rosto de Wine ainda surge quando entro na mansão e o
cheiro de Pumpkin, às vezes, aparece e me abraça, depois some. O passado
ainda está presente, mais do que deveria, apesar de todos fingirem que não.
Ninguém realmente esqueceu.
— Eu cheguei à uma conclusão — ela exclama, me fazendo sorrir. Sua
voz se anima e seu sorriso retorna. Alice morde o lábio, me deixando
confuso.
— Conclusão sobre a cidade, minha avó ou sobre mim?
— Sobre tudo. Bom, vocês tem seus segredos, é coisa de cidade
pequena, quem sabe. — Faz um biquinho. — E a gente não vai mais transar.
Franzo o cenho sem entender onde quer chegar. Alice parece animada
com a ideia de não dormir comigo novamente.
— Como você disse uma vez, somos apenas amigos e amigos não
transam — explica. Suspiro, um tanto nervoso, mas ainda assim, rio do que
diz. — É sério. Você não vai mais me ver sem roupas, Nick. Não mesmo. E
acho que isso ajuda um pouco.
— Ajuda como, exatamente?
— Bom, se a gente ficar na amizade não teremos problemas e a sua avó
não vai me odiar. Ninguém vai me odiar.
Discordo brevemente, balançando a cabeça. Ela está errada.
— Achei que não se importasse com a opinião dos outros...
— Eu entendi o recado, Nick — me interrompe. — Ela sabe quem eu
sou e você não. Eu também tenho segredos, Thompson.
Sua animação desaparece por segundos, como se alguma memória
tivesse retornado à sua mente, então, Alice tira os olhos dos meus.
— E acho que você tem muito o que resolver — sussurra. — Eu sinto
isso quando estamos juntos.
O destino é muito filho da puta. Alice entende o que está acontecendo
sem ao menos saber de verdade o que é.
— Bom, não sei se gosto muito da sua ideia. — Com certeza ficar longe
de seus lábios, de seu toque, não me é agradável. — Mas eu não tenho
argumentos pra te convencer do contrário, Alice. Está certa.
Amigos. Apenas isso.
— Tudo bem e, amigos vão à almoços familiares, certo? — Franzo o
cenho mais uma vez. Essa conversa toda está confusa. — Meu pai me ligou,
quer almoçar comigo e com a minha mãe, mas como ele conhece bem nós
duas, pediu para eu levar alguém. A Andressa também vai.
— Você quer mesmo me levar nisso? Sou o oposto de tudo que Polly
acredita ser certo, Alice — conto. Não quero desagradar seu pai ou ser o
motivo para uma discussão entre ela e Katherine.
— Por isso quero que vá. Você me entende, Nick. — A última parte sai
tão baixa que quase não ouço.
Eu posso ver que a menina também não gosta da ideia de ficar longe.
Ela não consegue manter os batimentos normais quando perto de mim, e eu
noto, porque sua respiração, de repente, fica curta. E isso sempre acontece
quando estamos juntos.
— Tudo bem, e isso é amanhã? — pergunto, mudando de assunto,
tentando nos afastar mais uma vez.
Alice assente e se levanta, como se pedisse para eu ir embora. A encaro
por segundos, seu cabelo bagunçado, seu rosto calmo. A sigo até a porta e
espero.
— Você quase disse aquilo ontem e depois, tudo aconteceu. Não quero
ficar longe, mas acho que estamos indo rápido demais — explica baixinho,
para que Andressa não ouça.
Saio do cômodo e paro no corredor, pensando. Sei que ela não quer que
eu esteja apaixonado.
— Seremos só amigos, mas isso não muda o que sinto e não muda o que
Polly sente. Aliás, ela também não te conhece.
Alice cora no mesmo instante, um biquinho aparece como se tivesse se
dado conta do que está fazendo. Ter medo não ajuda em nada. Eu prefiro mil
vezes encarar todas as merdas que estão por vir, e tudo isso por nós dois. Mas
Wonders ainda não acredita em nós dois.
— Até amanhã — diz, me implorando para partir.

Tiro as luvas de meio dedo das mãos, o suor escorre por minhas costas.
Meus músculos estão cansados, fiz uma hora e meia de treino, é algo
terapêutico. Há anos, quando a notícia sobre eu ter quebrado o nariz de Jack
se espalhou, Pumpkin me disse que socar alguma coisa ajuda no controle de
raiva.
Uma briga idiota, por motivos idiotas. Eu acabei o socando demais, e
isso terminou num hospital. Ainda bem que os Carter e os Thompson são
unidos, apesar de, às vezes, eu desejar que me odeiem.
— Treinando? — Jayden questiona, entrando no vestiário. Assinto sem
o olhar. — Me diz uma coisa, qual é a da novata?
Rolos os olhos, imaginei que pudesse perguntar isso. Jayden não é de
família rica, daquelas que mantém os segredos onde devem ficar. Ele não tem
dramas particulares definidos por seu nome, mas tem seus próprios
problemas.
— Ela é bonita, simpática. Vi vocês dois no baile. Engraçado, o baile.
— Ri. — Toda vez que vou àquela festa, todo ano, odeio um pouco mais
Wiston Hill.
Eu também sinto isso, parece que à cada festa, cada almoço, cada
reunião, percebemos ainda mais o quão podre esse lugar pode ser.
— O nome dela é Alice — digo. Ele assente enquanto tira a camiseta.
Jayden não treina boxe, mas se exercita. Ele faz parte do time de basquete da
Universidade, um dos melhores jogadores e sempre se destacou por isso. —
E ela é de Nova Iorque.
Ele ri, sei que não está interessado nesses detalhes.
— Tudo bem, mas o que você tem com a novata? Foi algo de uma noite,
como sempre? — pergunta. Seus olhos castanhos me analisam, eles esperam
pela verdade.
— Pra ser sincero, eu não sei o que tenho com ela.
— E quanto a Madison?
— Terminamos.
Ele franze o cenho e faz uma careta. O caso dele com Christina não
acabou, sei bem que deve ter ouvido muitos comentários sobre Alice e eu,
mas o bom de Jayden é sempre esperar para descobrir. Ele não confia em
boatos. De alguma forma, esse garoto ama Chris Vender e mesmo com ela
estando noiva de Mateo, continua sendo o amante.
Parece errado, mas Jayden ainda acredita que um dia ela largará tudo por
ele. Um dia Chris vai notar que não precisa ser o que é.
— E acredito que Polly não esteja feliz com isso — afirma. Seus dedos
destrancam um armário e o garoto começa a arrumar algumas coisas. — Eu
vi a cara dela na festa ontem. Não parecia feliz, mas não sei se é por Alice ou
por ter eu e minha mãe no baile. Sabe, não somos ricos.
— Eu poderia dizer que tudo isso é mentira, mas não é.
Jogo as luvas no banco onde estou sentado. Suspiro ao pensar nas ideias
que se passam pela cabeça da minha avó, na raiva que ela guarda. Nós temos
o mesmo problema, porém Polly desconta nos outros tudo que sente.
— Sua avó odeia intrusos. Ela não gosta de gente nova no mundinho
dela e, sinceramente, não quero fazer parte dele.
Acabo não controlando a risada nasalada, ela me escapa. Me levanto e
ando na direção de Jayden, que espera por uma explicação.
— Mas você já faz parte dele. E vai continuar fazendo, tudo isso por
causa da Christina — conto, baixo suficiente para não ecoar no ambiente
vazio.
Ninguém escapa, se você se enfia nessa parte da sociedade de WH, não
pode fugir dela. Nunca.
23

TARDE DEMAIS
“Não há volta, não há para onde correr,
nenhum lugar para se esconder.
É tarde demais para dizer adeus.”
Cage The Elephant | Too Late to Say Goodbye

NICHOLAS THOMPSON

Ajeito meu cabelo enquanto me encaro no pequeno espelho atrás da


porta do quarto. A roupa se define a uma camiseta branca e calça jeans. Alice
disse que não será nada formal, isso quando a liguei às duas da manhã, só
para ouvir sua voz e saber se ainda quer ser apenas minha amiga.
E sim, ela quer. Deu risada da minha pergunta e me chamou de bobo,
depois desligou.
— Vai sair? — Jack pergunta. O analiso por instantes, seu corpo deitado
na cama e suas pernas no colo de Hannah, sentada e encostada na
parede. Juntos.
— Um almoço. Alice vai levar um amigo pra conhecer seus pais —
caçoo e Hannah ri. — Ela decidiu que somos só amigos agora.
— Só amigos? E o que você disse? — A garota questiona, me
observando.
— Nada. O que eu deveria dizer?
— Que você gosta dela? Nicholas, é óbvio que você está gostando dessa
menina, ser só amigos não vai mudar isso.
Bufo por cansaço. Eu sei disso tudo, porra, mas parece que não tenho
muitas opções.
— Ela sabe que eu gosto dela! — exclamo. Os dois ficam boquiabertos.
— Eu acabei contando, mas parece que Alice não quer isso. Ela me pediu pra
não dizer.
— Não dizer o quê? — Jack se apoia nos cotovelos.
— Que estou apaixonado por ela. E acho que Alice está certa, estamos
indo rápido demais, mal nos conhecemos.
— É, eu tenho certeza de que ela mal te conhece — o menino corrige.
— Já conversou com Alice sobre seu passado?
Nego. Ando até a cama, dessa vez arrumada, e me sento na beira dela,
esperando por mais conselhos e reprovações. Os dois me ajudam a entender
as coisas, porém, às vezes, atrapalham meus pensamentos.
— Por que faria isso? Talvez não haja necessidade, eu não consigo.
— Ah, Nicholas, pelo amor de Deus. Há necessidade sim! Olha, você
gosta dela e esse negócio de só amigos não vai durar, acredite. Precisa contar
a verdade. — Hannah mantém o tom calmo.
— Que diferença faz? — insisto.
Jack bufa, tira as pernas do colo da namorada e se senta, me olhando
com certa fúria. Ele parece nervoso comigo, irritado com a minha teimosia.
— A diferença é, você ainda sofre pela merda do passado e pelo menos,
quando tiver uma crise e se afastar da garota, ela não vai achar que a culpa é
dela. Precisa contar para que Alice entenda o que aconteceu e como isso te
afeta, como afeta todo mundo!
Jack está certo até demais. Eu preciso muito que Alice me entenda, ela
tem medo de proximidade, tem medo de gostar de alguém, e bom, eu também
tenho. A diferença é que não consigo negar meus sentimentos.
— E eu tô chocada por você ter admitido que está apaixonado por ela —
Hannah diz. — Foi rápido mesmo, mas que se foda. Se você gosta dessa
menina, fica com ela. Não desperdiça, Nicholas.
Rio baixinho, satisfeito com sua fala que me parece um conselho de
mãe. Hannah, às vezes, soa como Pumpkin, o que me causa uma nostalgia
calma e agradável.
— Já errou uma vez, sabe o que não deve fazer. E tudo bem, naquela
época não era só culpa sua, mas, faça o certo agora — o garoto conclui.
— Vocês precisam entender que o caos nessa cidade não começou
quando Nicholas e Elle se aproximaram ou quando Pumpkin desapareceu
durante a noite. Essa porra toda é bem maior que três anos atrás, essa cidade
foi construída por cima de mentiras e superficialidade — Hannah explica. —
E o único erro do Nick foi hesitar por ter medo que Elleanor se ferisse,
porque sabia que ia se machucar junto, o que foi um tanto egoísta. Você
queria se proteger e a proteger, mas não levou em conta o que ela queria…
não faça isso de novo!
Suspiro. Certa mais uma vez.
E sim, Nada disso começou agora, essa porra toda nasceu com Wiston
Hill.
— Eu sei. Isso é de muito tempo e Alice não é daqui, ela não conhece as
mentiras, as pessoas, os segredos. E a gente sabe como jogam nessa cidade.
Polly já deixou claro que consegue fazer o que quiser com Wonders se eu
continuar insistindo. — Me dói admitir, mas se a novata sair machucada, a
culpa pode sim ser minha. Eu conheço os riscos, ela não. — Mesmo assim,
eu não quero hesitar dessa vez, não quero ficar longe…
— Então, conte tudo a ela e a deixe escolher — Jack diz.

Já vejo o casal sentado à uma mesa no restaurante chique em cima da


pequena colina que divide Wiston Hill e Aurora Hill, duas cidades pequenas
e vizinhas.
É um lugar bonito, com uma vista agradável, e o sol finalmente voltou.
Apareço à porta e Alice me vê de longe, através das grandes janelas. Noto
que ela se levanta calmamente e anda até a entrada do restaurante. Eu poderia
fazer isso sozinho, mas não sei o que dizer perto de John e Katherine. Ainda
não entendi o real motivo da menina para me querer aqui.
— Oi — diz, abrindo a porta e se juntando à mim na varanda. Sorrio de
canto e espero. — Que bom que veio, chegou na hora certa.
— Eu piloto uma moto em ruas vazias. E quanto a Andressa?
— Vai chegar em minutos, disse que está à caminho. — Ela sorri, me
analisa de cima à baixo. — Bonito.
Já seu corpo está enfiado numa blusa preta com botões, daquelas que
abrem na frente e são curtas na cintura. Um tanto anos noventa. A sua saia
jeans implora para ser tirada. Nos pés, tênis brancos e simples.
— Essa coisa de amigos não vai funcionar, Alice — confesso. Ela une
as sobrancelhas em confusão, me encarando nos olhos, como raramente tem
coragem de fazer. — Eu quero muito tirar a sua roupa.
Percebo a cor em suas bochechas. Ela cora, abre a boca, fecha
novamente. Ri baixinho.
— Mas não vai — diz, relutante.
Rolo os olhos e retiro um maço de cigarros do bolso.
— Eu preciso de um antes disso tudo —conto e vejo-a morder o lábio.
Bem, e eu também preciso muito do seu corpo, mas não o terei. É injusto, não
somos só amigos.
Andamos até a beira da varanda, apoiamos nossos braços na parte de
madeira, observando o mar abaixo. Distante. Há pedras e uma correnteza
forte. A praia não é tão dócil se olharmos daqui, e podemos ver a cidade toda.
— Eu odeio aquela estrada — sussurro, não estou falando com a
menina, mas soa como se estivesse.
— Odeia uma estrada? — A única que nos leva à pequena vizinhança na
colina, com lojinhas, restaurantes e mercados simples. — Por quê?
— Vários motivos — suspiro. — Depois, precisamos conversar. — Sei
que será difícil, a data não é exata e ainda estou hesitante quanto a confessar
meus segredos e pecados.
— Tudo bem, temos um trabalho para fazer. Sabe, a Universidade... —
brinca. Sei sim, o trabalho em dupla, um texto, uma releitura sobre algum
livro que faça parte da literatura clássica.
Ficar sozinho com Alice Wonders, fazendo um trabalho qualquer, já me
deixa nervoso. Porra, ela é teimosa igualzinha a mim, não me deixará tocar
em seu corpo.
— Cheguei! — Soa atrás de nós. Andressa aparece num vestidinho azul
bem retrô, balançando ao redor do corpo, com alguns poucos botões. Seus
tênis parecem com os de Alice, mas estão quase novos.
— Está perfeita — Alice diz. — Tudo bem, eu vou ao banheiro e ai,
entramos.
Nós dois concordamos em silêncio e assim que ela parte, decido tocar
em assuntos delicados. A ruivinha se coloca ao meu lado e me examina.
— Vou contar a verdade a Alice, mas você tem que fazer o mesmo.
Conte a ela sobre quem era e como mudou. Passado é passado, não?
Andressa desanima um pouco, morde o lábio enquanto analisa a
situação. Seus olhos verdes se prendem ao mar. Ela sabe o que fez e ela fez
muita coisa.
— Tudo bem, eu conto — sussurra. — Mas ela pode me odiar.
— Alice não vai te odiar por ter sido alguém quase ruim. Você mudou,
isso importa.
— E muita gente me odeia, Nick — explica, há tristeza escondida em
sua voz. — Muita gente mesmo.
— Se por muita gente você quer dizer Christina e Madison, bom, não
importa. Todos viram o que você fez. Andressa, ninguém te odeia, ninguém
que realmente importe.
A ruiva sorri de canto, deixando as covinhas aparecerem. Gosto da sua
animação, de seu humor. Essa menina não fica triste, ou não ficava. Ela é a
alegria em pessoa.
— Eu conto e você também. Mas, acha que isso vai mudar a relação de
vocês?
— Não sei. Só acho que ela merece saber onde está se metendo, e não tô
falando de mim, tô falando da Wiston Hill inteira — explico.

Assim que entramos os dois se levantam. John parece mais animado que
Katherine, que sorri falsa e forçadamente. Posso ver sua expressão que não
queria estar aqui.
— Que bom que vieram — John diz, sorridente. Já nos conhecemos,
mas aparentemente, ele espera que Alice me apresente de novo.
— Esses são Nicholas e Andressa. Amigos meus — explica e todos nos
sentamos. Sorrio como cumprimento, enquanto Katherine me analisa e
expressa um sorriso de satisfação. Me sinto julgado e percebo sua falta de
equilíbrio enquanto se ajeita na cadeira.
— É bom conhecer os amigos da minha filha — John começa, erguendo
um dos dedos para chamar o garçom. O garoto novo e um tanto tímido se
aproxima, entregando-nos alguns cardápios.
— É bom poder conhecer vocês — Andressa responde num tom leve e
agradável. Ela sabe como satisfazer algumas pessoas específicas, daquelas
ricas e à espera de boas maneiras, porque Andressa foi criada assim. —
Gostei do terno, meu pai tem um igualzinho.
Seguro um riso irritante que me coça a garganta e finjo ler o menu,
mesmo já sabendo tudo que está escrito nele.
John parece contente, seus olhos brilham com o elogio e ele começa a
ler o cardápio, desviando das íris verdes quase inocentes.
— O seu pai gosta de ternos e roupas caras? — brinca e solta um riso
natural, algo simpático e amigável. A ruiva retribui e então, responde com
calma.
— Mark gosta, mas Conor nem tanto, ele prefere quadros e pinturas —
revela, deixando as bochechas corarem, como se esperasse pelas frases
clichês, mas John sorri e deita o livrinho preto sobre a mesa. Seu olhar mostra
encantamento.
— Seus pais são Conor e Mark? Adoráveis, os conheci ontem à noite!
Me falaram que estuda arquitetura, um bom curso.
E a ruiva se encolhe, feliz e animada. Pronto. Ela o conquistou, mas eu
ainda estou em silêncio, sem saber exatamente o que fazer aqui.
Katherine e Alice se comunicam de uma forma diferente, as duas se
olham como se quisessem se devorar, destruir. A mãe dela semicerra os olhos
e sorri de canto, levando a taça cheia de vinho aos lábios.
— Concordo com meu marido, é muito bom conhecer os amigos da
Alice. Melhor ainda é saber que ela tem amigos por aqui — diz, secamente.
Posso notar que o gole da bebida a faz relaxar.
— Pois é, mãe — responde e arqueia a sobrancelha. Sinto o sabor no
ar, o veneno flutuando. É notável o clima pesado, Katherine e Alice se
encaram com raiva.
— Me diga, Nicholas, você é neto da Polly Thompson? — A mulher se
torna à mim e bebe mais um pouco.
— Sim, eu sou. Fiquei sabendo que conhecem a minha avó — lhe conto,
estou superinteressado em descobrir se isso aconteceu apenas por causa da
mudança de Alice para a nossa cidade.
— John conhece melhor que eu — o homem ri com as palavras da
esposa, como se concordasse e discordasse ao mesmo tempo —, sabe,
negócios.
— Sim, eu entendo.
Não, não entendo. Ele é dono de uma rede de hotéis caros e Katherine é
editora chefe de uma revista de moda. Os dois não tem o que fazer em
Wiston Hill, a menos que queiram transformar isso aqui numa pequena Nova
Iorque.
O garçom se aproxima assim que a conversa morre um pouco. Todos
pedimos, Andressa e John querem a mesma coisa. Ela conseguiu conquistar
um deles, mas Katherine é uma muralha. Ela não é fácil.
Na verdade, por mais que Alice nunca vá admitir, as duas se parecem
em partes. Na teimosia principalmente, porque Katy — como John a chama
— demorou para escolher um prato principal e negou todos que ele sugeriu.
— Fico feliz em saber que Alice tem amigos bons como vocês — ela
diz, terminando com a bebida cara.
A menina suspira ao meu lado e noto por baixo da mesa, que enfia as
unhas na própria coxa.
— Sim, mãe, eles são incríveis. — Força um sorriso, algo me faz sentir
que a frase de Katy foi uma introdução para uma crítica. Conheço a mulher
pelas poucas palavras da novata e não gostei muito do que ouvi.
— Sim, eles são — as duas mantêm contato visual —, eles sempre são.
— Katy sorri para mim e analisa Andressa com certa doçura, então, baixa o
olhar. — A problemática é você, filha.
Não consigo acreditar no que ouvi, como poderia alguém dizer isso da
própria filha, na frente dos outros, num almoço que deveria ser calmo? Mas
não há remorso em seus olhos, há satisfação. Katherine encara Alice como se
tivesse acabado de fazer uma jogada de xadrez bem planejada.
Me sinto mal, o silêncio consome cada um de nós e percebo, a menina
não quer responder. Alice queima em raiva e provável vergonha, porque John
não a defendeu, na verdade, fingiu estar lendo o cardápio, fingiu que nada
aconteceu. É como se tal frase nunca tivesse saído da boca de sua esposa e
Andressa morde o lábio inferior com força, tentando descobrir o que fazer.
Eu entendo, agora entendo o que quis dizer quando me pediu para vir.
Katherine e Polly são iguais, é impossível de as satisfazer, não importa o que
seja, elas encontram um defeito. O dom das duas é analisar, profunda e
dolorosamente, até encontrar algo para criticar com um senso de humor
duvidoso e palavras afiadas. John me parece do tipo de pessoa fácil de se
conquistar, ele se agrada com pouco, não é exigente, assim como Alice. Se
sua filha gosta de alguém, o homem automaticamente gosta da pessoa. É
nítido, sua postura não é daquelas superprotetoras e extremamente rígidas.
Enquanto isso, Katherine, por algum motivo, escolhe ferir a própria filha.
Cada vez mais o silêncio se torna ensurdecedor, me sinto enfurecido,
principalmente quando Alice suspira e retira as unhas da coxa, deixando
marcas aparentes.
— Há muitas opções boas de vinho nesse cardápio — John diz, nos
deixando ainda mais incomodados. Eu, particularmente, esperava por uma
posição dele, mas parece que disfarçar e ignorar é a sua escolha.
Mesmo assim, eu não suporto esse tipo de atitude. Não suporto pessoas
como Polly Thompson, porque conheço a dor e destruição que podem causar.
Apesar de tudo, minha avó me ensinou uma coisa muito útil, ela sempre disse
que para chamar alguém de idiota, não é necessário usar essa palavra. Basta
graça, educação e uma boa frase.
— Na verdade — quebro o silêncio, Alice me encara com surpresa —,
Senhora Wonders, acho sua filha incrível.
As bochechas da novata erubescem, talvez ela desaprove essa atitude,
talvez esteja acostumada demais com a omissão do pai, mas não sou igual a
John. O que sinto por ela também não tem nada a ver com o que fiz, na
verdade, Polly e Pumpkin concordavam numa coisa, as duas diziam que sou
intrometido. E sou mesmo, quando percebo que há algo de muito errado
acontecendo.
— Que bom que pensa assim — diz, estarrecida e um tanto nervosa com
a minha resposta.
Posso notar que Andressa segura um sorriso, ela aperta ainda mais os
dentes contra o lábio inferior.
— E eu concordo, Alice é incrível — John responde. Ele só precisava de
uma brecha.
— Sim, e muito inteligente também — continuo, agora com a intenção
de ver as bochechas da garota queimarem. É um tanto divertido. Katherine se
contorce na cadeira, ela não pode discutir com aqueles que gostam da sua
filha, pois somos a maioria.
— Espero que esse pensamento não mude tão cedo. — Quase rola os
olhos ao dizer, me entregando um certo ar de superioridade, como se
soubesse bem mais do que está a falar.
Entendo, todos guardamos segredos e eu sei que Alice tem os dela, mas
não justifica. Nada justifica.
— Tudo bem — a garota diz, colocando as mãos sobre a mesa enquanto
esperamos pela comida. — Podemos parar de falar sobre mim?
John sorri, eu me sinto aquecido por ter calado Katherine.
— Sabia que Cherry veio me visitar?
O homem ajeita a postura e pigarreia.
— Na verdade, não...
— Eu sabia — Katy o interrompe. — Ela estava com saudades.
— Você deixou a menina viajar sozinha? — John arregala os olhos,
encarando a esposa.
— Ela veio com Alex.
— Uma ótima escolha — Alice enfatiza —, mamãe. Ótima mesmo.
— Quer mesmo discutir isso aqui? — Katherine parece fria, como se
toda a bebida e todo o calor não aquecessem seu corpo. Ela ajeita os fios
louros recém tingidos e espera por uma resposta. Mais uma vez, John se cala.
— Me diga, Senhor Wonders... — Andressa começa, tomando uma
atitude.
— John, por favor.
— Claro, John. Me diga, o que te trouxe à Wiston Hill além de
negócios?
— Bom — ele sorri, feliz em poder mudar de assunto e também
animado por ter se tornado o centro das atenções —, a cidade, a fama dela. E
também a minha filha.
Enquanto as vozes da ruiva e de John tomam conta, Alice baixa o olhar,
se sentindo ameaçada por sua mãe, sentada à sua frente. Me apoio levemente
sobre a mesa, encaro-a e a mesma me encontra por alguns segundos,
enquanto Katy se distrai pedindo por outra garrafa de vinho.
— Está tudo bem? — pergunto, sussurrando. A garota sorri de canto,
falsamente.
— Tô bem mais que acostumada.
Bufo com sua resposta, imagino como era em sua casa. Ela me disse que
não se dá bem com a mãe, queria entender os motivos e sei que Katherine vai
dizer que a culpa é de Alice, mas hoje, quem atacou primeiro foi ela.
Um vinho branco é servido, eu recuso a bebida e quando o garçom se
inclina para encher a taça de Alice, Katy agarra seu braço com delicadeza, o
impedindo. John não repara, está muito distraído rindo dos assuntos que
Andressa consegue construir.
— Não, obrigada — a mulher diz com sutileza. O homem assente e se
afasta. Percebo que Alice rola os olhos, insatisfeita. — Não deve beber. Sabe
disso.
— Agora vai tomar conta de mim? — As duas continuam com o tom
leve, deixando que apenas eu ouça a discussão, por estar próximo demais.
— Você sabe que não pode beber, Alice. Aliás, tem se mantido sóbria,
certo? — Não há preocupação em sua voz, Katherine está tentando tocar num
ponto fraco.
— Eu posso te dizer o mesmo mãe, mas já vi que não está sóbria. —
Força os lábios num sorriso maldoso e então, se calam, encarando uma a
outra.
O silêncio retorna e deixa tudo ainda mais pesado. É como se um
segredo tivesse lhe escapado, Alice tem problemas com bebidas, mas sua mãe
também, o que é visível.
— Está tudo bem? — John pergunta ao notar que a filha agarra na beira
da mesa com força, se forçando a ficar na cadeira. Ele continua ali, esperando
pela resposta, enquanto as duas tentam definir se vão ou não se atacar.
— Tudo ótimo — Katy responde com animação e ergue a taça, pronta
para beber. Alice suspira e se solta na cadeira, encostando e tentando relaxar,
mas eu vejo seus olhos vermelhos antes da sua cabeça se virar para a janela,
me impedindo de a encarar.

Não posso dizer que foi o melhor almoço que já tive, mas depois de
certo tempo, os ataques de Katherine cessaram. John desenvolveu uma
conversa até que divertida, e Andressa conseguiu o que queria: conquistar um
dos dois, acalmar os ânimos e continuar assuntos que pareciam morrer
lentamente durante a tarde.
John a adorou.
Quando acabamos, a ruiva caminha com o homem até o balcão, onde há
sobremesas, uma prateleira com bebidas e um caixa. Pode-se pagar direto da
mesa, mas eles preferiram andar. Por fim, ficamos apenas eu, mãe e filha.
— Bom, foi uma tarde maravilhosa — Katy puxa outro assunto, usando
de um tom calmo e falso.
Alice nem lhe dá a chance de começar, a mulher não cansa, nunca, não
mesmo. Há algo em sua personalidade para além de teimosia, ela gosta de
machucar, gosta de deixar as pessoas envergonhadas.
Mais um detalhe que me lembra Polly.
— Foi ótima mesmo, eu já volto. — Alice se levanta com calma. Não
consigo a responder, ela se afasta aos poucos, nem ao menos me olha.
A observo entrar num corredor iluminado, que leva aos banheiros. Isso
me lembra o baile, quando fez a mesma coisa, quando precisou ficar sozinha,
quando, com certeza, chorou num canto qualquer.
Retiro meus olhos da portinha que acabara de se fechar e encontro as íris
azuis escuras de Katherine me analisando. Seu sorriso chega a ser assustador,
reparo agora que sua pele é muitíssimo clara, deixando que as veias apareçam
e isso faz com que suas sobrancelhas se destaquem, por serem mais escuras.
— Nicholas, gosta da minha filha?
Engasgo ao rir baixo, um tanto constrangido. Se eu gosto de Alice
Wonders? Bom, todos sabem a resposta, mas ela não me deixa a falar em alto
e bom som.
Não consigo segurar o riso, então, apenas espero.
— Eu sei que gosta. Todo mundo gosta no começo, mas não deveria, ela
tem problemas.
Suspiro antes de qualquer coisa. O jogo de Katy é sujo, ela esperou que
sua filha se afastasse, ela esperou por uma brecha, um momento certo.
Pigarreio antes de soltar a melhor resposta que consigo formular.
— Todos temos problemas — falo, fitando a garrafa de vinho quase
vazia. A mulher ajeita alguns fios sobre o ombro e respira fundo.
— A minha filha — enfatiza, então, volta ao tom normal e suave —, tem
muitos problemas com os quais você pode não conseguir lidar. Acredite,
Alice é uma tempestade. Às vezes, é melhor evitar esse tipo de coisa, tenho
certeza de que alguém como você me entende.
Alguém como eu? Ele se refere ao dinheiro ou família? Katherine está
falando do que exatamente?
Me inclino sobre a mesa, apertando um lábio contra o outro, e ela espera
por algo que possa a deixar feliz. Mas não.
— Senhora Wonders, eu amo uma boa tempestade.
A mulher semicerra os olhos, ela encontra meu sorriso provocativo e faz
um biquinho. Me ajeito na cadeira e o silêncio nos consome, mas não desvio
o olhar, continuo fitando suas íris.
— Vai se arrepender.
— Duvido muito.
E duvido mesmo. Não há chances.
Avisto Alice que se aproxima aos poucos, nos analisando. Ela para ao
lado da mesa e suspira.
— Tudo bem por aqui? — questiona, seu tom está diferente,
desanimado, fraco, rouco.
— Tudo ótimo — digo, imitando Katy.
Tudo muitíssimo bem.

John parecia satisfeito e quando abraçou Alice, ficou visível o quanto a


ama. Já Katherine nem tentou dizer tchau, ela entrou no carro, acenou e
colocou óculos escuros. Pelo que ouvi voltam à Nova Iorque nessa noite
mesmo, me sinto aliviado.
Apoio os braços sobre a grade de madeira, encarando as pedras que
recebem ondas furiosas sobre elas. O sol não queima tanto, não mais, e o
cheiro do lugar se resume a praia.
— Não precisava ter me defendido — a garota diz, se aproximando.
Seus cabelos balançam com o vento e eu sinto seu aroma quando ela para ao
meu lado, perto demais. — Mas obrigada.
— Não precisa agradecer, eu falei a verdade.
Alice rola os olhos e cora um pouco. Seus dedos tocam em meu braço,
puxando-me de volta à realidade, me fazendo esquecer o que esse lugar me
faz recordar.
Eu realmente preciso lidar com esse passado, porque me sinto
arrastando-o comigo. Enquanto eu não lidar com meus fantasmas, sei que
nada dará certo.
— Está tudo bem, Nick? O que minha mãe te disse?
— Nada. Na verdade, tudo de ruim, mas você já sabe.
— Ela é assim. Agora você sabe. — Sua mão se afasta de mim, seus
olhos azuis encontram o mar distante.
— Posso te perguntar algo? — questiono e ouço seu suspiro. — Sua
mãe tem um problema não?
— Nossa, é tão óbvio assim? — Ri sem ânimo algum, Alice encara as
próprias mãos. — Ela tem muitos problemas, Nick, a bebida é um deles,
depois vem a arrogância e indiferença.
— E seu pai? Ele parece ignorar as atitudes dela, isso é irritante.
A garota me encara, olhos nos olhos, com certa seriedade.
— A Katherine faz o que quer, quando quer. Primeiro começou com
desculpas como, não está funcionando ou a clínica não é boa, depois partiu
para coisas idiotas. O tratamento é difícil, a gente esperava por certa
relutância e tudo bem, mas da última vez, ela voltou pra casa porque o quarto
era pequeno demais. — Arqueio a sobrancelha como resposta. — Ela não
quer melhorar e todos sabem disso, nem ouvimos mais as desculpas.
Tudo que posso lhe entregar agora é um suspiro. Não há palavras para
me expressar em relação a essa situação, independentemente das bebidas,
Katy é fria e sem noção, mas não posso dizer tal coisa, não a Alice.
Contudo, ela ainda espera por uma frase minha.
— E você tem um problema, Alice? — Retiro meus olhos dos seus,
criando coragem para confrontá-la. Noto seu nervosismo que se espalha pelo
ar, ela finca algumas unhas na palma da outra mão, e respira fundo.
— Eu realmente acreditei que poderia passar essa tarde sem que ela
comentasse sobre isso, mas estava errada.
— Você não precisa fazer isso. Não precisa me contar se não quiser.
— Tudo bem, Nick. — A garota relaxa, retirando as unhas da mão, mas
as marcas que as mesmas deixaram são visíveis. — Eu tinha um problema.
Comecei a beber, porque achei que o álcool pudesse me ajudar, entende? Eu
queria me afastar de tudo isso, queria fugir….
— O que aconteceu? — pergunto docemente, encarando-a dessa vez.
— Eu comecei aos poucos, por diversão, mas virou um costume. Então,
eu comecei a ter brigas na escola, notas baixas, e estava sempre de ressaca.
Era horrível, constrangedor, mas também era bom. O álcool me anestesiava
por instantes e depois me afundava em mais culpa e dor.
Continuo em silêncio, compreendendo cada partezinha de sua
explicação. Eu até consigo a entender, sua mãe a odeia — ou pelo menos age
como se o fizesse —, seu pai ignora a tudo e todos, foge das discussões, e não
sei nada sobre seus irmãos. Me parece um inferno. A personalidade da
menina é confusa, Alice é teimosa e orgulhosa, mas é sensível ao mesmo
tempo.
Lidar com as frases de Katherine, as críticas, as provocações, não deve
ter sido fácil. Então, não posso a julgar por ter procurado uma fuga, e nem
posso a considerar fraca, porque ela não é.
Depois de certo silêncio, suas palavras voltam.
— Eu não sei quanto tempo isso durou, mas não ajudou, aumentou as
brigas porque quando estava bêbada eu falava a verdade na cara dela. Com
uns dezoito dezoito anos, eu acabei bebendo demais e fui parar no hospital.
— Nossa — solto sem querer e abaixo a cabeça, arrependido. Eu não
conseguiria apenas ouvir, tantos segredos, tantos erros. Muita coisa de uma
vez só.
— Sim, nossa. E depois eu fui obrigada a ir pra uma clínica de
reabilitação. Demorou meses, mas fiquei bem, voltei pra escola, arrumei um
namorado babaca perfeito e fingi que nada tinha acontecido, apesar dos
boatos, fofocas e risinhos irritantes.
— Isso não parece tão bom, quer dizer — suspiro, preciso encontrar as
palavras certas —, você ainda bebe, não é?
— Alguns hábitos são difíceis de largar. Mas eu tô bem. — Ela encontra
meu olhar e a reprovo um pouco. Alice desvia sutilmente e sorri de canto. —
Hoje não, está bem? A gente pode conversar sobre a minha sobriedade outra
hora.
— Pode deixar pra outra hora, mas essa história de tô bem não funciona
comigo. Você foi pra reabilitação, não deveria beber.
Alice suspira e seus olhos se enchem de lágrimas.
— Certo, mas precisa me explicar o porquê de me querer aqui, nesse
almoço. Tenho as minhas teorias, mas preciso de certeza. — Soa como uma
brincadeira e sua risada doce parece apropriada.
— Eu disse, você me entende. Você, Nicholas — seus dedos voltam a
encontrar meu braço, e deslizam até a minha mão, apertando-a — sabe como
lidar com Polly, o que me disseram não ser fácil. E eu precisava de alguém
nem tão certinho, o oposto da Andressa, sabe?
Dou risada. É verdade, imagino que se eu não tivesse a defendido, todos
teriam mantido o silêncio e assim, Katherine teria a devorado. A ruiva não
teria coragem suficiente para a encarar alguém, opinar e se impor.
Deixamos o silêncio, exceto pelo som do mar, nos tomar. É tranquilo,
uma calmaria superficial, mas necessária. É delicioso sentir o aroma de Alice,
e eu quero que ela fique, apesar de temer perdê-la por conta de meus próprios
erros. Nós dois temos fantasmas do passado que não vão embora se não
lidarmos com eles. E nós não lidamos, porque dói demais.
— Me conta a história da estrada — pede, sem me olhar, está presa ao
horizonte, observando cada detalhe da cidadezinha.
— Eu vou. Eu prometi, disse que precisamos conversar, mas agora não é
uma boa hora — confesso, ainda não estou pronto. Talvez amanhã, depois da
atividade que temos que fazer, depois de eu tentar a convencer de que não
somos apenas amigos.
— Tudo bem, mas é uma promessa, Thompson. Todos esses segredos de
vocês tem me deixado curiosa.
— Sobre isso — soa atrás de nós, nos viramos já reconhecendo a voz
—, preciso te contar uma coisa antes que seja tarde demais.
Andressa parece desanimada. Ela está pronta para revelar o que fez e
quem foi de verdade, porque ela entende, à qualquer momento seu passado
pode ser usado contra você. Perfeição não é algo real e não sai barato. Todos
têm algo a esconder, uma dor, um pecado, um fetiche. Alguma coisa.
É um instinto.
— Parece séria — Alice diz, encostando na madeira, se apoiando nela.
A ruiva fica bem mais melancólica quando o tom azul do céu toma seu redor
e seus fios um tanto enrolados dançam com o vento. — Vocês dois parecem.
— Bom, acho que posso ir embora — digo, tentando deixar a garota
mais confortável.
— Não, por favor, não. Fica — a ruiva pede —, por favor.
Assinto sem muita vontade de ouvir o que ela tem a dizer, sei que eu
conheci sua versão antiga, seu jeito, seus modos, mas todas essas memórias a
machucam, porque ela se arrepende.
— Certo, bem eu preciso te contar sobre mim. Eu não era uma pessoa
muito boa. A minha melhor amiga era Chris Vender e ela não é a pessoa mais
agradável do mundo. A questão é, eu não era muito diferente. Roupas caras,
festas — suspira —, e aquela superioridade toda. Eu era igual a Christina,
Alice. Superficial, idiota e completamente narcisista.
— Não acredito que tenha sido assim.
— Ela foi. Eram muito amigas, bem próximas, as três. Madison, Chris e
Andressa. Mas pessoalmente, sempre notei que a ruiva ficava desconfortável
em relação as atitudes da Vender, mas não tinha coragem para se impor —
explico.
— Eu nunca tive coragem e a assisti machucar muita gente que não
merecia, tudo isso por nada. As coisas mudaram quando Chris vazou algumas
fotos minhas, e eu confiava nela até que percebi o quanto doía tudo que fazia.
Eu bebi um pouco do próprio veneno, sabe?
Alice parece pensativa, talvez esteja analisando a situação, tentando
entender o lado de todos. Mas não há um sorriso bobo nem um ar de
compreensão.
— Por que fez tudo isso? — pergunta baixinho.
— Porque eu achava que ser alguém em Wiston Hill era ser como ela,
mas estava errada. Quando nos afastamos eu fui nada por muito tempo,
Alice, e você chegou e me deu coragem para sair do quarto e tentar aparecer
de novo, por outros motivos dessa vez. Eu sei que a sua opinião sobre mim
pode mudar, talvez até me odeie, mas eu precisava te contar, porque te vejo
todos os dias e moramos na mesma casa. É estranho.
Alice continua em silêncio, calada. Nada. Ela suspira, olha para o chão,
arqueia a sobrancelha e sua perna fica inquieta, se mexendo um
pouco. Ansiedade.
— Eu não poderia te odiar — conta, encontrando os olhos verdes de
Andressa. — Você é adorável. Nem consigo te imaginar sendo como elas,
mas tudo bem, você mudou e sinceramente, nunca fez nada contra mim. Fico
feliz que tenha me contado antes que Christina o fizesse.
A expressão de alívio no rosto da ruiva é tão gostosa que me deixo levar
por ela. Quem sabe eu me sinta bem assim ao revelar meu passado. Quem
sabe essa seja a resposta. Então, sorrio ao ver as duas se abraçando, e tudo
sendo resolvido por uma conversa simples e rápida.
— Agora, falta o Nicholas — diz num tom cômico. As duas me
encaram. — Mas posso esperar.
Ela pode, com certeza.
— Ainda serão só amigos? — Andressa pergunta.
— Se depender de mim, nunca — caçoo com certa seriedade e mordo o
lábio.
Sei que Alice não vai ceder tão cedo.
Maldita teimosia. Deliciosamente irritante.
— Vamos sim, Thompson — ela responde e sorri de canto.
— Estranho, vocês dois se conheceram de repente, do nada. Foi tudo
muito rápido, ao mesmo tempo, parece que se conhecem há séculos. É como
se fossem destinados à isso — Andressa explica, fazendo Alice gargalhar. —
É sério, algumas coisas não se explicam.
— Talvez — respondo e sorrio.
Ela é a melhor coisa que o destino poderia me proporcionar.
24

DOR
“Eu sou um fogo perigoso,
um veneno acinzentado.”
WILDES | Bare

ALICE WONDERS

É impossível dormir.
A cidadezinha parece mais quente a cada dia, e assim, o sono não chega.
Queria que essa fosse a minha única preocupação, mas infelizmente, Nicholas
ainda está em meus pensamentos. Eu decidi ser só sua amiga, como se isso
fosse resolver algo. Dentro de mim sinto que merecemos esse tempo, sem ir
rápido demais, sem pressa, porque tudo estava estranho de certa forma.
Eu sei que Katherine teria me destruído se Nicholas não estivesse por lá,
porque John não criou coragem, mesmo me vendo partir, mesmo me
perdendo aos poucos, meu pai não consegue defender a própria filha de sua
esposa instável. Eu sempre fui, e sempre serei, uma tempestade horrível aos
olhos de Katy.
A ruivinha se vira na cama algumas vezes, noto que está incomodada
com o calor excessivo. Me levanto com calma e tento abrir a janela, mas
como sempre, está emperrada.
— Não consegue dormir, Alice? — ela pergunta al abraçar o travesseiro
e me assusta. Murmuro um não e Andressa volta ao seu sono.
Não quero a incomodar, ao mesmo tempo, não quero ficar sentada a
observando por horas. As palavras de Nick ainda brilham em minha
memória, me sinto uma adolescente daquelas apaixonadas, mas não
estou. Apaixonada não, de jeito nenhum.
Contudo, Nicholas me chamou de incrível. Qualquer um poderia ter
feito isso, mas ninguém soaria como ele.
"Acho sua filha incrível”.
Eu gosto de Nicholas de uma forma que nunca imaginei gostar de
alguém, ele me conquistou de primeira quando vi seus olhos, seu corpo à
frente do Heaven, quando tentei desviar o olhar, quando flertamos. Bom,
Nick tem esse dom, ele deixa as garotas tontas e por vezes escolhe usar disso.
Mas foi diferente. Ele é diferente. E agora, mesmo quando há muita
gente ao nosso redor, mesmo quando há segredos e mentiras, nada me chama
mais atenção que suas íris azuis e seu sorriso malicioso. Nada me deixa mais
confusa e mais confortável. Não temos porquê nos apaixonarmos, mas
algumas coisas não se explicam.
Saio pelos corredores da grande casa, evitando fazer qualquer barulho.
Não quero uma das amigas superficiais de Chris reclamando, ou até mesmo,
ela me encarando com seus olhos cheios de veneno e sua língua afiada. Não
estou no clima para desviar de mais comentários negativos.
Paro à frente da porta do quarto que Maddy divide com Christina,
notando que uma delas não está presente, uma das camas está arrumada
demais e a luz do banheiro está acesa, iluminando o cômodo. Eu posso ouvir,
alguma menina está muito mal, tossindo como se estivesse colocando tudo
para fora. Suspiro e entro, sabendo que se for a Chris, vai me expulsar no
mesmo instante.
Mas nada disso acontece, na verdade o que vejo me deixa estarrecida.
Madison está apoiada na privada, mas logo se levanta e começa a tentar abrir
um pote amarelo de remédios com as mãos trêmulas.
— Madison! — chamo, sai um tanto abafado por entre meus lábios. A
loura ergue a cabeça, os olhos arregalados, lábios sem cor.
— O que faz aqui? — questiona com pouca força. Chego um tanto mais
perto, mas a garota recua. Ela se encolhe.
— Eu te ouvi. Não acredito que está fazendo o que acho que...
— Não é da sua conta. Eu tô bem.
— O que você está fazendo pode te deixar muito doente, sabia disso? E
pra que são esses remédios?
Vejo algumas lágrimas escorrendo por seus olhos castanhos claros e
como resposta, faço um biquinho. Eu não sei o que dizer, tenho problemas,
não sei resolver os dos outros.
Puxo o potinho de sua mão e leio o que diz. É para ansiedade, reconheço
logo. A loura se afasta e se senta sobre a tampa da privada. Ela encara os
próprios dedos.
— Eu não acho que esteja bem. Já falou com alguém sobre isso? — Me
apoio na pia e a observo, Maddy está pálida, fraca.
— Já. Eu costumava ir à psicóloga, mas parei por um tempo. Eu tô bem,
Alice, me deixa.
Me abaixo na frente da loura e encontro seus olhos castanhos.
— Você não pode se forçar a vomitar e depois se encher desses
comprimidos. Não é assim que funciona.
— Eu não… olha, faz tempo que isso não acontece — sussurra. — Foi
uma vez, está bem? Uma recaída, não vai rolar de novo.
Suspiro, porque sei que está mentindo, eu mesma já disse essas coisas
várias vezes. Inclusive, fiz isso com Nicholas. Eu menti pra ele sobre as
bebidas, quando me questionou.
— Eu amo ele, Alice. E você? O que quer com o Nick? — Enfim, toca
no assunto.
A pré-existência de um problema é óbvia. Ela me culpa por coisas que
não posso controlar, e se compara a mim em detalhes nada importantes. O
que eu sinto por ele não tem nada a ver com o que ele sente por ela.
São coisas diferentes.
— Se for transformar isso — me levanto — numa discussão sobre um
garoto, vou embora.
— Não vou. Acho que ele já foi claro o suficiente e eu vi vocês no baile.
Os dois me disseram que não estavam juntos, eu só queria saber a verdade.
— Não estamos exatamente juntos. — Deixo o pote sobre a pia e me
afasto. — É complicado.
Quando começo a caminhar até a porta ouço sua súplica. Madison me
olha com desespero.
— Não conta pra ele! Por favor, não conta pra ninguém — implora,
chorando.
Me abaixo um pouco, para agarrar em seus braços, forçando-a a me
encarar. A loura está abatida, completamente perdida entre o agora e o antes,
entre erros e desculpas.
— Você não pode mais fazer isso — digo, quase ordenando que pare. —
Madison, você está doente, precisa de ajuda.
— Foi só uma vez — mente de novo, gaguejando.
— Duvido muito. Acredite, eu reconheço um problema quando o vejo e
você precisa parar de sofrer pelo Nicholas, independentemente dele estar
comigo ou não. Garota, você só está se machucando.
— Você não entende, Alice...
— Não mesmo. Como pode alguém como você, Madison Foxx, sofrer
assim por um cara que não te quer da mesma forma?
Um sorriso sutil surge em seu rosto. Nesse momento, tudo que quero é
que essa menina pare de acreditar em tudo que Chris diz.
Não somos inimigas.
— Eu espero muito que não me odeie sem motivos — peço, soltando
seus braços frios. Ela abaixa a cabeça e encara o chão limpíssimo. Seus fios
estão presos num rabo de cavalo frouxo demais, seu pijama se resume a uma
blusa larga e branca. — Eu queria poder te ajudar…
— Só não conte a ninguém.
— Não vou. Eu não sou a sua amiga — preciso provocar. Tenho certeza
de que Chris usaria disso para a machucar. Foi assim que atingiu Andressa,
não? Fotos espalhadas pela cidade, nos celulares de todos os adolescentes.
Assinto sem muita vontade, sabendo que em algum momento, Nicholas
irá descobrir. Já notei que se preocupa com a menina.

Quando entro no prédio principal, a primeira coisa que vejo é o corpo


perfeitamente musculoso de Nick dentro de uma jaqueta de couro e calça
jeans. Me aproximo e noto seu sorrisinho de canto, um tanto malicioso.
Depois de dias de sol quente, está chovendo demais em Wiston Hill. As
pessoas daqui se escondem nos prédios como se a água fosse matá-las. Os
corredores estão lotados, as roupas ensopadas e o piso escorregadio.
— Bom dia, Alice — diz num tom que não consigo interpretar. Ele
parece calmo, nem tão animado. — Está encharcada — comenta, como se eu
não soubesse.
Andei da fraternidade até a praça principal do Campus, enfrentando a
chuva forte.
— Obrigada por me contar, nem tinha notado. — Sorrio com falsidade.
— Vamos fazer aquele trabalho hoje?
— Eu e você, sozinhos? — Morde o lábio. Arqueio a sobrancelha como
resposta, eu já disse, somos amigos e pronto. Nada além disso, pelo menos
por enquanto. — Desculpe, não posso evitar, você sabe.
— E eu vou dizer pela última vez, Nicholas Thompson, nós somos
apenas amigos.
É divertido ver seu sorriso surgindo. Eu sei que não vai durar muito,
posso ser teimosa, mas a tentação é mais forte. Nick conhece cada ponto
fraco do meu corpo, ele sabe como me excitar, e sinto falta disso.
De repente, o semblante do garoto é tomado por preocupação, ele não
parece mais interessado em tirar a minha roupa. Sua mão segura em meu
braço com cautela e me leva para um canto qualquer.
— Sobre ontem, você ficou bem? — quase sussurra, pois teme me
estressar com esse assunto.
Devo admitir, ainda sinto meu peito queimar quando me lembro do que
Katherine tentou fazer.
— Eu estou ótima, Nick. Achei que fôssemos falar sobre você hoje.
— E vamos, eu te prometi. — Seus dedos tocam em meu queixo,
erguendo a minha cabeça, me fazendo olhá-lo nos olhos. — E eu cumpro as
minhas promessas, princesa.
O riso me escapa. Ainda não sei o que ele pode estar escondendo de
mim, e nem sei onde vamos acabar, mas tenho certeza de que quero
arriscar, pela primeira vez.
— Que fofos. — Ouço a voz fina e irritante. Christina Vender se
aproxima. — Então, estão juntos? Fiquei sabendo do encontro ontem, o
almoço familiar.
Rolos os olhos e me seguro. Não estou no meu melhor momento, eu
queria paz, principalmente depois de encontrar Katherine.
— Christina, o que você quer, além de encher o saco? — Nicholas
questiona e cruza os braços, a encarando. Eles parecem sérios.
Bom, é óbvia a vontade dela. Christina gosta dele.
— Ah, eu só queria falar com a sua amiguinha — diz, voltando a me
fitar.
— Você não tem o que falar comigo.
— Você parecia bem triste depois que Nicholas te deixou sozinha no
baile… — provoca, e para piorar, sorri com toda maldade possível. — Queria
saber se está bem, afinal, bebeu tanto que nem conseguiu ir à reunião da
fraternidade.
Sou completamente contra brigas, sobretudo as femininas, mas Christina
está pedindo.
Ela joga sujo.
Cerro o punho e dou um passo à frente, mas Christina me mede e passa
por mim, esbarrando em meu ombro. Ela some pelo corredor.
O bolo em minha garganta a faz doer e as lágrimas ardem meus olhos.
Só volto a realidade quando sinto mãos fortes em minha cintura, me puxando
para trás.
— Se acalma — Nick sussurra em meu ouvido.
Estou ofegante, completamente tonta e sem rumo. Eu me sinto perdida.
— Alice, você precisa respirar.
Me torno a ele, e me apoio em seu peitoral, sentindo minha cabeça
latejar.
— Não pode dar atenção, princesa.
— Eu sei disso, me desculpa.
— Não têm porquê se desculpar. Se eu não tivesse te deixado sozinha,
isso não teria acontecido.
— Teria sim, a Christina arrumaria outra coisa pra me machucar.
Lágrimas de raiva escorrem por minhas bochechas. Nicholas me puxa
para perto e me abraça, me aquecendo. Eu quero gritar, quebrar algo, mas sei
que devemos controlar algumas coisas.
— Vamos entrar naquela sala e assistir a aula, depois, vou te levar à um
lugar.
Assinto ainda próxima de seu peitoral, sentindo seus músculos contra
meu rosto.

Depois dele insistir para que eu colocasse roupas de exercício e fazer o


mesmo, abre a porta com certa calma e entramos na academia, vazia nesse
momento. Ele me leva até uma sala espelhada, com alguns sacos de pancada
pendurados ao teto.
— Percebi que está um pouco estressada — diz, de costas pra mim. — E
isso aqui costuma ajudar. Pode servir pra você.
Ele se vira e me encara.
— Você luta boxe? — pergunto com animação.
— Com frequência. — Nicholas sorri, retirando a camiseta preta que
cobre seu abdômen perfeitamente definido.
Engulo em seco, um pouco sem jeito, ao ver sua pele brilhando à minha
frente. Um calor se inicia em minha barriga e desce por meu corpo.
Estremeço.
Só amigos, mas que merda de ideia em, Alice!
Nick sabe o que causa em mim, porque sorri ao ver a minha reação, feliz
e satisfeito por ter me arrancado arrepios e quase suspiros. Olho cada
gominho, cada detalhe, cada curva. Perfeito, como sempre, e agora tenho
mais tempo para o admirar, porque não estamos transando num quarto
abafado.
— Você está bem — subo o olhar, encontrando o dele — gostoso.
Sabe, em forma.
— Eu me exercito. Também está em forma — brinca, me examinando
de cima à baixo. — Você pratica algum exercício?
— Eu fazia natação, parei quando me mudei pra cá — explico.
Percebo os passos que dá em minha direção e eu sei que o certo a se
fazer é recuar. Eu disse que não ia mudar de ideia, eu fui e sou teimosa
demais, além disso, todos ao nosso redor insistem em mostrar os problemas
que teremos se ficarmos juntos.
Basta um fósforo e incendiamos tudo.
— Soca minha barriga — diz. Franzo o cenho, sem entender nada. — Só
soca.
Mordisco meu lábio inferior pensando em como seria entrar em contato
com sua pele mais uma vez, então, cerro o punho e faço o que pediu.
Cacete... é como uma pedra, rígido.
— Nossa — murmuro. Seus dedos seguram meu pulso, forçando-me a
continuar com o toque.
Encontro seus olhos, mas dessa vez, Nicholas foge de mim.
— Você até que é forte — respira fundo, se livrando da sensação, e me
solta de repente.
Reviro os olhos e o soco mais uma vez, por vontade própria. O menino
ri e abaixa a cabeça, passa seu olhar por meus seios, fitando minha barriga. O
top parece curto demais agora.
Nick tenta ao máximo não se deixar cair em tentação, mas ele quer
provar da minha pele, do meu calor. A cada encontro de olhares minha
mente se perde, um devaneio começa.
Ele se afasta e vai até um banco de madeira escura, agarrando as luvas
que deixam os dedos à mostra, e se volta à mim.
— Estique os braços.
Faço o que pede e ele encaixa tais acessórios em minhas mãos. Seus
dedos dançam entre os meus, seu semblante se torna sério. Suspiro levemente
quando ele me aperta, completamente distraído.
— E se eu pedir para socar aquilo? — Aponta com a cabeça para o saco
de pancadas.
Me irrito um pouco, eu queria que Nick não fosse tão bom em se
controlar. Eu não sou, mesmo quando prometo coisas.
O menino respeita a minha escolha e parece usar dela para me torturar.
Eu disso amigos, então ele age assim.
Me levo até o saco de pancadas e o soco levemente. Eu não sei o que ele
espera de mim, mas sorri ao ver minha ação. Não está satisfeito, é um riso de
deboche.
— Não, não. — Agarra a minha cintura e se coloca atrás do meu corpo.
Sua respiração pesada me faz tentar fugir, sair de perto, mas suas mãos
fortes me puxam de volta. Sinto sua pele atrás de mim, seus músculos, seu
queixo em meu ombro. Fecho os olhos e cerro os lábios, tudo que quero fazer
é suspirar. É delicioso tê-lo tão perto. Minhas pernas formigam, meu corpo
queima, mas nada se compara ao calor em minha intimidade.
Eu o desejo.
— Preste atenção — murmura em meu ouvido, me colocando na
posição certa. Abro os olhos e deixo que aqueça meu pescoço com sua
respiração. — Assim — diz.
Nicholas se afasta tão subitamente que quase caio. Ele era a única coisa
que me mantinha equilibrada enquanto minha cabeça girava. A tontura parte
e então ele começa:
— Pode socar agora.

Já estou suando quando a raiva finalmente parte. Ele parece admirado,


Nick não desvia a atenção nem por um segundo, ele me observa com
cuidado, sentado num canto qualquer.
Paro, cansada e satisfeita.
— E então, quando vai lutar comigo? — pergunto.
Um riso abafado e cansado sai por entre seus lábios e ele me fita
rapidamente.
— Nunca, nunca mesmo — conta. Me forço a ficar séria, um biquinho
surge em meu rosto.
— Não luta com garotas ou tem medo de perder para mim? — Coloco
as mãos na cintura e espero por uma resposta.
— Não luto com você — me deixa surpresa —, tem muita capacidade,
se quiser, pode quebrar meu nariz.
Mordo o lábio como resposta.
— Até parece — digo e dou risada.
— Tudo bem, eu tenho medo de te machucar. Eu não luto por diversão,
é como terapia. Às vezes passa dos limites.
— Eu sei. — Sorrio, agora me sentando ao seu lado. Meu ombro quente
encosta no seu, sinto cada choque que sua pele me causa, mas não me afasto.
— E você é uma Wonders, seu pai não ia gostar de ver seu narizinho
perfeito quebrado — brinca quando tenta, na verdade, esconder algo.
— Mas e se eu quebrasse o seu narizinho? — Agarro seu rosto,
enquanto faço uma voz doce e de deboche. — A reitora também não ia gostar
muito.
Ela ia odiar.
Nick não consegue conter sua reação, ri das minhas palavras e afasta,
gentilmente, meus dedos de sua pele, sem querer ser rude.
— Não te vejo sorrir há dias — fala.
— Isso ajudou bastante. Obrigada. — O olho nos olhos e dou de
ombros. — Você foi a única pessoa que se importou com a minha saúde
mental — confesso. Nick suspira. Me viro tentando encontrar alguma reação
em seu rosto. — É que já causei muitos problemas, Nick. Acho que minha
família desistiu.
— Eu não.
— Claro que não — rio para esconder a tristeza por trás das minhas
palavras —, você ama meu traseiro bonito, então cuida de mim.
Thompson fica quieto. Me inclino para frente, agarrando minhas
panturrilhas, colocando os seios nos joelhos, me alongando. O silêncio parece
adequado, meus músculos estão cansados. Eu só preciso de um bom banho.
Quando volto a olhá-lo, Nicholas está preso ao meu corpo, me
analisando com vontade.
— O que foi?
— Traseiro bonito? — Segura um riso.
— O quê? Ele é bonito. — Dou de ombros. — Você me deve algo —
começo e ele bufa. — Pare de me enrolar, Thompson.
Tão rápido, o desânimo toma conta de seu corpo. Seus olhos brilham,
mas não me encaram, Nick olha para as próprias mãos como se essas fossem
culpadas de algo.
— É sobre meu passado e pode parecer desinteressante, Alice, mas é
importante.
— Tudo bem, então me conte — chego mais perto, deixando nossas
peles se tocarem, sentindo a eletricidade em minhas veias. — E eu decido se
é interessante ou não.
— Lembra que te contei sobre a minha mãe? Ela só sumiu de repente,
no meio da noite e depois disso, a minha irmã ficou muito mal. Ela começou
a discutir com a Polly e algumas coisas começaram a surgir.
— Que tipo de coisas, Nick? — continuo esperando pelo ápice de sua
história, por algo que possa me chocar, porque parece que ele quer fazer isso.
— Wine gostava de uma menina e isso vai contra a minha avó.
— Achei que a Polly gostasse dos pais da Andressa — tento, mesmo
assim, ele se mantém cabisbaixo. Nick me olha, sem sorriso, sem malícia.
Sem nada. Não há emoções em seu rosto, apenas dor.
E eu conheço bem a dor.
— Wine fugiu depois de muitas brigas, Alice. Polly queria que ela se
afastasse dessa garota e a minha irmã era teimosa demais pra isso. Na
verdade, você me lembra ela.
Parece que ele gosta desse detalhe, porque quando comenta sobre Wine
Thompson, Nick ri baixinho de forma nostálgica.
— Isso não é tudo, é?
— Só piora — confessa. — Na mesma época, eu brigava com meu pai,
porque ele abandonou minha mãe, abandonou a nossa família. Ele é um
covarde. Enfim, foram muitas brigas e não me orgulho disso.
Nota-se, as lágrimas querem escorrer, querem liberdade, mas Nick as
prende. Ele não quer demonstrar fraqueza.
— Antes de Wine fugir e Polly decidir agir como se nada tivesse
acontecido, o mundo perfeito dela começou a desmoronar. Na verdade, foi
culpa minha.
— Não me parece culpa sua, Nick.
— Eu vou ser sincero. Me apaixonei por uma garota chamada Elleanor.
Essa menina era diferente, não era a princesinha dos pais, nem passava perto
de ser perfeita, mas ela engraçada, teimosa, inteligente... Ela ia contra todas
as regras. Mas Elle não era forte, não à todo momento.
Há certa dor em meu peito, eu acabei de ouvir que Nick se apaixonou
uma vez e claramente, algo horrível aconteceu. É visível a agonia que sente
ao tocar no nome dessa menina.
— O que aconteceu entre vocês?
— Elleanor era a terceira. Ela, Margot e Jack eram trigêmeos. Eu me
aproximei, viramos amigos, mas nunca namoramos. Eu não queria um
relacionamento e Elle respeitava isso. Também não era um bom momento,
pra nenhum de nós. Numa noite, algumas brigas aconteceram e ela discutiu
com os pais, daí, fugiu de casa.
— Isso tem a ver com a estrada, não? — Toco em sua mão, apertando-a,
mostrando que pode confiar em mim.
Nick assente e continua:
— Eu fui um idiota, Alice. Polly me disse que essa relação era errada,
que eu ia destruir os Carter e os Thompson, que tudo estava desmoronando e
a culpa era minha. Muita coisa aconteceu de uma só vez, então, Polly e eu
discutimos e escolhi acreditar nela. Eu sabia que era um erro, precisava
manter Elle longe de mim, precisava a deixar ir.
Fico calada, sem reação. Eu já entendi tudo. A menina foi embora,
porque achou que ele não a amava, e assim, naquela noite, em algumas horas,
o mundo de Nicholas ruiu.
— Nós conversamos, ela me chamou de covarde e desapareceu. Elle
pegou a minha antiga moto e a pilotou pela estrada, acontece que estava
chovendo. Ela sofreu um acidente, bateu a cabeça, Alice. A culpa é minha, se
nunca tivesse me aproximado, se nunca tivesse deixado aquilo começar, ela
estaria viva.
— A culpa não é sua, Nicholas! Você não a derrubou da moto e nem
causou todos os problemas que essas pessoas escondem.
— Tem certeza disso? — Encontra meus olhos. — Quatro meses antes
de tudo, minha mãe desapareceu. Naquela noite, Elle Carter morreu e o
prédio principal de Universidade pegou fogo. Na manhã seguinte só sobrou
luto e, meses depois, Wine fugiu.
Me calo novamente, não tenho argumentos, não tenho como fazê-lo
acreditar que não há um culpado. Ele poderia sim ter ficado com a menina,
ter apostado em seus sentimentos, mas teve medo.
— Eu a matei tentando a proteger de mim! E além disso tudo, outras
coisas aconteceram. Brigas, discussões, mentiras. Mas essa noite quase
destruiu Wiston Hill, todos ficaram traumatizados. Quando a manhã chegou,
Polly jogou na minha cara tudo que eu havia causado.
— Eu entendo que você passou por muita coisa...
O garoto me interrompe no mesmo momento em que afasta sua mão da
minha.
— Hannah e Jack queriam que eu contasse, porque acham que você
merece saber onde está se metendo. Eu não quero te destruir, Alice. Eu errei
por ter medo, não posso errar de novo. Menina, eu te quero muito. — Seus
olhos encontram os meus. — Muito mesmo, sem nenhum motivo. Eu te
quero mais que qualquer outra coisa.
— Você não precisa me proteger, Nicholas — sussurro, deixando um
sorriso doce me escapar.
— Eu sei que não. Você é forte e teimosa, completamente decidida e o
que sinto por você é intenso. Eu não entendo esse sentimento, Alice.
— Talvez a gente não precise entender. — Mordo o lábio, com timidez.
— Até que a gente possa compreender tudo que queremos, acho que
devemos ser só amigos.
A porra da ideia era minha e agora me arrependo muito de ter surgido
com ela. Não quero ser só sua amiga, será que não percebe?
— Nicholas, você não está cometendo um erro, eu não sou um erro. Nós
não somos. E eu agradeço por ser sincero e te entendo. Nós dois temos
passados conturbados e coisas pra superar, mas você não pode se esconder. Já
fugiu uma vez, quer mesmo fazer isso de novo?
Ele desvia o olhar, encontrando o espelho do outro lado da sala.
— Eu não quero e nem consigo fugir de você, Alice, mas eu preciso que
tenha certeza. Wiston Hill é podre.
Certeza. A única coisa que não posso oferecer agora, pois nem entendo
o que sinto. Eu não posso me jogar de cabeça em uma coisa que pode destruí-
lo também. Nick só me pede certeza, só isso, e não posso mentir.
— Está bem, seremos amigos. Eu preciso entender o que sinto em
relação a isso tudo.
Ele sorri com certa tristeza.
— Eu vou esperar, Alice.
Eu sei que Nick está arriscando também, ele teme me machucar, teme
que me destruam, porque todos os dias Chris e Polly me testam. De qualquer
forma, preciso me entender antes, e ele precisa lidar com algumas coisas.
Só amigos parece ser uma ideia decente.
Nos sentamos num dos bancos da biblioteca enquanto a chuva cai do
lado de fora. Nick relê tudo que anotou sobre o trabalho, cada detalhe, em
voz baixa.
— Então, o que precisamos fazer exatamente? — pergunto, observando-
o sentado à minha frente.
O menino ergue o olhar e me encontra.
— Segundo nosso professor, temos que fazer uma releitura de uma obra
inglesa e clássica. Dar outra interpretação à ela.
— Tudo bem, e pensou em algum livro?
— Que tal Shakespeare?
Penso um pouco e Nicholas espera em silêncio.
— Muito clichê. Quer dizer, metade da turma vai falar de Hamlet.
— Como tem tanta certeza? — Ele sorri e eu dou de ombros. — Que tal
Jane Austen?
Não preciso responder, Nicholas já desconsidera a ideia assim que nota
a minha expressão. Talvez eu seja chata demais quando o assunto é trabalhos
universitários.
Thompson desiste. Ele olha ao redor, procurando por algo.
— Que tal Mary Shelley? — sugere.
— Frankenstein? É um livro interessante de se analisar. Foi um marco,
considerado a primeira obra de ficção científica e escrito por uma mulher.
Seus olhos brilham, Nick se inclina para frente e se aproxima de mim.
— Gosto dessa ideia — comenta.
— Há muitas temáticas em Frankenstein, mas podemos falar sobre o
preconceito e a injustiça, sobre como as pessoas tentam se encaixar em
padrões para agradar e se aproximar dos outros. Podemos seguir essa linha, o
que acha?
— Sabe que consegue fazer esse trabalho sozinha, não? — Nick sorri.
— Já pensou em bastante coisa…
Rolos os olhos como resposta, mas tento esconder um sorriso.
— É, você é realmente incrível, Wonders. Vou buscar o livro — diz e se
levanta, indo em direção às estantes altas e escuras.
Eu achei que fosse me distrair fazendo o trabalho com Nicholas, mas me
senti confortável o suficiente para pensar alto. Para compartilhar as minhas
ideias. Isso não acontece com frequência.
Ele volta e coloca o livro sobre a mesa, então, se senta à minha frente.
— Me desculpe se eu parecer mandona — já peço.
— Por que? Você teve ótimas ideias.
— Sempre fui do tipo que faz esses trabalhos sozinha, então…
— Eu também. Fica tranquila, não pretendo discutir com você. —
Nicholas ri um pouco.
— Eu sou teimosa.
— E eu sou paciente.
Nossos olhares se cruzam e um frio percorre a minha espinha, Nick me
olha nos olhos, diretamente. Ele não diz um a sequer, sei que sua última frase
não tem a ver com a análise que estamos prestes a fazer.
Tem a ver com nós dois. Tem a ver com sermos só amigos ou não. Tem
a ver com o que queremos.
25

SEUS MOTIVOS
“Você disse que não havia nada no mundo
que pudesse deter isso,
eu tive um mau pressentimento.
As pessoas começaram a falar, nos avaliando,
eu sabia que não havia ninguém no mundo
que pudesse aceitar isso.”
Taylor Swift | Dancing With Our Hand Tied

ALICE WONDERS
Uma semana depois.

Passou tão rápido, queria poder dizer que nem notei. Mas noto, a cada
momento eu percebo um pouco mais. Uma semana, parece que pulamos,
bom, que pulei, de uma segunda à outra, de um extremo à outro.
Parece que tudo estava tão quente e harmonioso, então, a chuva veio —
literalmente, porque choveu bastante nessa semana.
Com tudo isso eu quero dizer que ele sumiu.
Nick desapareceu. Não é uma metáfora, muito menos uma piada. A
última coisa que fizemos juntos foi terminar o trabalho e o enviar para o
professor. Daí, por algum motivo indecifrável — o qual ele pode até tentar
me explicar depois, quando eu fingir não estar magoada — ele sumiu.
Nick não falou mais comigo, não assistiu a aulas e nem apareceu à
frente da fraternidade num momento inoportuno. E não é fácil de admitir
agora, numa outra segunda-feira, que espero muito vê-lo, já que sinto falta de
seu cheiro. Eu sinto falta de Nicholas Thompson e não é algo doentio, como
Madison faz parecer. É algo profundo, como se estivesse tudo bem até que
uma pontada em meu peito me lembre da sua ausência. É momentâneo, ruim,
mas consigo me acostumar.
A questão é, não quero me acostumar.
— Vai se atrasar — Andressa diz, saindo do banheiro já vestida. Sua
blusa verde, com mangas compridas, e sua calça preta combinam
perfeitamente. A fito em silêncio, sei que estou sem ânimo.
Não é porque ele sumiu, e sim porque eu não conheço seus motivos.
Não houve um tchau, nem um até breve. Ele só desapareceu, como se nunca
tivesse existido, e é estranho como ninguém comenta sobre. Ninguém
pergunta. Talvez seja mesmo criação da minha mente, ou quem sabe, todos
conheçam a razão por trás da sua partida para sabe-se lá onde. Eles não
questionam, pois não precisam.
— Alice Wonders, vai se atrasar — ela reclama de novo, se sentando em
sua cama. Andressa se inclina para frente, noto de soslaio, mas continuo
encarando minhas mãos.
Não entendo. Ele é um idiota mesmo ou eu que fiz algo de errado?
— Eu ouvi da primeira vez — sussurro baixinho. A ruiva suspira, me
deixando desconfortável. — Já vou.
Mentira. Estou de pijamas ainda, faltando minutos para a minha aula.
Não chegaria há tempo nem se corresse.
— Tudo bem, pode me contar agora mesmo o que está acontecendo!
Vamos!
— Vai dizer que não reparou que Nicholas sumiu? Ele só desapareceu.
— Ele não desapareceu, só está... ausente.
— E pode me dizer que merda isso significa?
Nossos olhos se encontram, ela faz um biquinho tentando se calar, sei
que Andressa deve ter suas teorias. Ela parece conhecer bem Nicholas, não
sei porquê nem como, mas conhece.
— Você tá toda desanimada por causa de um garoto? — provoca. —
Quer dizer...
— Eu entendi o que quis dizer e não. Só queria uma explicação, ele
sumiu do nada. Isso não vai me fazer sentar num canto e chorar, Andressa,
mas eu fico me perguntando, o que será que aconteceu?
— E isso importa?
Rolo os olhos, cansada de seus sermões.
— 'Tá preocupada com ele ou acha que fez algo de errado? — ela
continua.
Nego lentamente, é uma boa pergunta na verdade, mas não posso
respondê-la agora. Andressa nota meu silêncio. Queria conseguir me entender
primeiro, não temos um relacionamento, não somos um casal, e eu continuo
aqui, cabisbaixa e pensativa.

É óbvio que não vou conseguir entrar naquela sala hoje, nem para saber
se Nicholas decidiu aparecer. E eu sei que meu professor já me enviou um e-
mail por causa das minhas faltas, mas prefiro ficar andando pela fraternidade,
descobrindo partes que antes pareciam desinteressantes. Por exemplo, nunca
entrei na piscina e nem joguei xadrez na sala principal, onde também há um
piano.
É tudo muito clássico e chique, até mesmo a pequena biblioteca e o
escritório da diretora, a qual nunca vem aqui.
Leio cada título de cada livro, procurando por aqueles que ainda não
conheço.
— Podemos conversar? — Soa pela sala, me assustando. Num pulo me
viro para encontrar a pessoa, toda encolhida. Não estou sozinha, afinal.
— Maddy, claro. Sobre? — começo com certa hesitação.
Ela abre a boca, pensativa, a fecha novamente e entra na sala.
— Sobre o que viu, há uma semana — explica. Eu não me esqueci e
também sei bem o nome daquilo. Ela me pediu para não contar e eu não
contei, carreguei esse peso na consciência por alguns dias.
Madison precisa de ajuda, ela precisa de tratamento, auxílio psicológico.
Duvido muito que tenha sido a primeira vez e juntando os fatos — e sua
aparência exageradamente perfeita — sei que passa por isso há um tempo.
Mantenho o silêncio, espero.
— Eu queria agradecer por não contar ao Nick, na verdade, por não
contar a ninguém — diz, arrumando alguns fios atrás da orelha. Madison
morde o lábio inferior e continua: — Sei que te falei muitas besteiras, parei
pra pensar e realmente, você estava certa. É que as pessoas fofocam demais,
eu fico confusa.
Ela parece confusa, dá pra ver em seus olhos. Maddy está perdida.
— Você quer dizer que a Christina fofoca demais, não? Eu sei que são
amigas, mas não deveria comprar as intrigas dela. Eu nem te conheço,
Madison, e você quase me odeia.
— Não odeio! — exclama. — Eu só achei que o Nick tivesse me
trocado. Olha, me desculpa. Ele já não me queria há muito tempo, era óbvio,
mas foi mais fácil negar.
— Tudo bem, mas você não precisa disso. Não precisa dele e nem de
ninguém. Para de correr atrás, sabe? Amor-próprio e essas coisas…
Seu sorriso aparece, mas há sarcasmo nele, não é verdadeiro, carrega
certa tristeza.
— É fácil falar.
— Não é, acredite, Madison. Mas você precisa entender que, às vezes,
agradar algumas pessoas pode te destruir.
— Entendo o que quer dizer, Alice. De verdade. Mas meus pais, meus
professores, todo mundo espera algo...
— E o que você espera?
Se cala, engolindo em seco. Boa pergunta, não? O que ela espera de si
própria, afinal?
Não sou a melhor para dar conselhos, tudo que tento fazer é continuar
viva, é não beber demais ao ponto de fazer algo que me destrua. Eu vivo
focada nisso, apenas, o que não é lá grande coisa. Eu tenho meus problemas,
tão sérios quanto os de Madison.
— Eu só vim te agradecer.
É claro que ela não tem argumentos ou desculpas. Continuar esse
assunto lhe é impossível. Maddy se vira, pronta pra sair.
— Espera, não deveria estar na aula? — questiono. Seu risinho ecoa, ela
me encara com doçura.
— Você também. — Dá de ombros. — Eu não estava me sentindo bem,
só isso.
— Certo. Bom, quando quiser conversar sobre você sabe o que, estou
aqui. E sei ser imparcial.
Seus olhos rolam, mas seu sorriso não desaparece. Mesmo escondendo a
dor, Madison continua ali, fingindo animação. É como se precisasse agradar a
todos, mesmo quando não há ninguém presente.
— Aliás, vai à reunião da fraternidade hoje?
Nego, sem nem saber do que está falando. A loura volta ao escritório e
se aproxima lentamente.
— As meninas — doze, contando comigo, para ser exata —, vão se
reunir. Vamos decidir algumas coisas, festas, líderes. É divertido.
— Pra quem? — pergunto. Claramente o pior lugar para eu estar e,
ah, Chris Vender. — Só se for pra você e pra Vender, parecem gostar dessas
coisas.
Sei que pego pesado muitas vezes, mas Maddy precisa entender que sua
amiga não é a pessoa mais agradável que conheço.
— Olha, eu também não gosto tanto assim e sei que você e a Christina
não se dão bem, mas você mora aqui, Alice.
— Sim, é uma casa — explico, passando os olhos pelo teto chique e
pelos móveis caros, ao mesmo tempo, fazendo uma careta. — E eu precisava
morar em algum lugar.
— Dormitórios? Você tinha essa opção, mas escolheu entrar numa casa
cheia de garotas do jeitinho que diz odiar. Por que escolheu a fraternidade?
Para fingir ser superior a nós?
É, eu não tenho uma resposta também. Achei que uma fraternidade,
irmandade, ou seja lá como chamam, fosse uma boa opção. Fui aceita de
primeira, não exigiram muito, o sobrenome ajuda. Wonders me leva à muitos
lugares.
— Que horas será? — pergunto, tentando me enturmar e admitindo que
estou sendo uma babaca. Maddy sorri de canto e, em seguida, finge não ter
feito isso.
— No fim das aulas, à noite. A gente vai escolher o tema da próxima
festa. Avisa a Andressa. E, Alice, obrigada mais uma vez.
— Fica tranquila. Aliás, preciso te perguntar, tem visto o Nicholas?
— Por incrível que pareça, não.
Ah, claro, a separação, o coração partido, o drama. Ela também
desapareceu por um tempo, enquanto me culpava, então agora, tenta fingir
que ele não existe. A loura deixa a sala e eu fico pensativa. Onde esse menino
se enfiou? O que pode ter feito?
O que eu fiz? — questiono e logo me arrependo, afinal de contas, o
mundo não gira ao meu redor.

O café tem o mesmo gosto de sempre e aquele sabor amargo se espalha


pela minha boca. O sol voltou, por algum motivo. As pessoas se exercitam,
correm, conversam, casais se sentam na grama recém seca. Parece tudo muito
calmo.
— Me esperando? Achei que o seu lance fosse com o Nicholas — Jack
diz, me assustando no começo. Quando o encontro, rolo os olhos. — Eu
mesmo.
— Sempre assusta as pessoas assim?
— Sempre fica sentada às mesas de piquenique, tomando café e,
claramente, julgando os outros?
Rio um pouco.
— Talvez.
O menino joga os livros sobre a madeira que nos separa, assim que se
ajeita do outro lado. Jack apoia os cotovelos sobre a mesa, me observando.
— Naquele outro dia, quando você dormiu no dormitório... nunca pedi
desculpas por interromper o quase sexo de vocês, no meu quarto, comigo
presente — brinca.
— Ah, não soube? Agora somos só amigos — falo, terminando minha
bebida.
— Soube sim e achei estupidez. É bem a cara de vocês. — Sorri de
canto, caçoando. — Sabe? Tentar ir devagar quando, na verdade, são o
próprio caos.
— Não é bem assim.
Me sinto um tanto ofendida. Nós dois temos problemas, eu e Nick, e
precisamos entendê-los e resolvê-los. Nada pior que tentar se entregar a
alguém enquanto está em crise com si mesmo. Não funciona.
Já temos tudo para que dê errado, não precisamos de mais isso.
Jack bufa, um tanto cansado desse tema, talvez Thompson tenha contado
sobre a minha decisão, sobre o fato de eu realmente querer ser só sua amiga
por enquanto.
— Conversaram? — Sabe que sim. Concordo com a cabeça, baixando o
olhar. — E como se sente em relação a tudo?
— Eu não sei, Nicholas acha que somos um erro e por isso, tem medo de
ficar perto de mim.
— A culpa não é bem sua, Nick passou por muita coisa. Eu poderia
dizer que ele precisa de tempo, mas teve anos.
— É, quando conversamos ele parecia bem afetado por tudo isso.
— Tente entender, a mãe dele sumiu, a irmã fugiu, o pai abandonou
todo mundo nessa merda e a menina que ele gostava, morreu. Quer dizer, a
minha irmã, morreu.
O encaro nos olhos, noto-os avermelhados, cheios de lágrimas. Jack
também não gosta de falar desse assunto.
— Me conta a sua versão da história — peço, fazendo-o rir nasalado.
— Que versão? Eles tinham uma espécie de amizade, sabe? Era real. Eu
sabia que se gostavam bem mais que amigos, mas nunca deu certo, não deu
tempo. Polly tentou acabar com isso e conseguiu.
— Achei que as suas famílias fossem próximas. Ela convenceu Nick de
que ele estava errando, por isso Elle fugiu e sofreu o acidente?
Jack me encara, fixa e seriamente.
— Próximas sim, mas a minha irmã não era do tipo que a Polly gosta,
era teimosa e desobediente. Polly tocou no ponto fraco do Nicholas, a mãe
dele, a família dele. Então sim, ela disse que Nick é tão errado quanto o pai,
que corrompe as coisas, ela disse que o próprio neto corrompeu a garotinha
perfeita dos Carter.
— E ele fez isso? — Mordo o lábio, a ansiedade me consome.
— Elle nunca foi perfeita, nem passou perto de ser. Já era toda rebelde
antes de se aproximarem. Enfim, Alice, ele tem medo, mas Nicholas não
pode temer arriscar, temer gostar de alguém de novo.
Pois é, e eu não deveria temer entregar meu coração a alguém. Só tenho
pavor de me machucar, odeio pensar nisso. Minha mãe me despedaçou por
anos, depois outras pessoas também o fizeram, e ainda recolho os cacos. Não
quero ter de vê-los pelo chão novamente.
É cansativo demais.
— A gente precisa de um tempo mesmo assim, Jack.
O menino rola os olhos e assente, tentando entender o meu lado.
Como focar em alguém, se agora não consigo focar em mim? Eu tenho
meus problemas, por exemplo, nesse momento, tudo que eu quero é uma
bebida, ao invés disso comprei um café e tentei ao máximo não ir ao bar.
— Você sabe onde ele está? — pergunto e outro riso o escapa. — Eu só
fiquei preocupada.
— Preocupada? — Sinto a malícia de Jack dançando ao meu redor. —
Relaxa, Wonders, ele só precisa de um tempo.
— Isso é por causa da nossa conversa? Eu disse que deveríamos ser só
amigos, será que...
Que merda! Nunca me vi tão preocupada com magoar outra pessoa, é
como se eu sentisse um peso em minhas costas. Não quero machucá-lo.
— Lissie — assim que tal apelido sai de sua boca, arqueio a sobrancelha
—, ou Alice, não tem nada a ver com você. Nick só precisa de um tempo,
confie em mim. Eu sei bem quando devo me afastar.
— E quando eu devo me afastar?
Ele rola os olhos, um tanto apreensivo, como se algumas palavras
devessem ficar apenas em sua mente. Acho incrível a capacidade que todos
tem para mentir e omitir. Eles se conhecem o suficiente para saber quando
devem calar a boca.
Mas eu não, e eu não me calo.
— Eu não quero falar sobre isso com você — começa. — Nick tem
problemas, ele já quebrou o meu nariz.
— Suponho que tenha a ver com as coisas que aconteceram há alguns
anos.
Jack assente, ainda hesitante. O menino apoia as mãos na mesa de
madeira e se levanta com calma, me observando, esperando por alguma
súplica. Eu não vou implorar para que ele me conte a verdade, não é assim
que as coisas funcionam comigo.
— Tudo bem? — Não tira os olhos dos meus.
— Tudo sim. Eu espero que ele esteja bem.
É claro que Nick não está no dormitório, seria ridículo, escondido numa
casa cheia de gente, sem sair do quarto. Isso tudo sem contar a temperatura, o
calor que faz nessa cidade.
Só há um lugar onde Nick pode estar se escondendo, a casa da Polly.
Parece impossível, mas sei que fugiria para lá. Eu poderia o encontrar
facilmente em qualquer outro canto do Campus, menos na mansão
Thompson. Não vou até aquela casa sozinha.
Jack sai sem muita pressa, parece que ainda espera por me ouvir
implorando. Não irei. Há tantas coisas em minha mente agora e tudo que
quero é beber. Ir ao Heaven, sentar na frente de um balcão qualquer e tomar
uma, duas, três, quatro, e quantas mais eu puder, doses de tequila.
Chega a ser angustiante.
Eu deveria estar sóbria, mas decidi confiar no meu autocontrole. Posso
beber, mas não tanto. É o que me digo todas as manhãs.
A tarde passa rápido e quanto mais eu ando pelos jardins arrumados,
visito lojas com decorações caras e observo pessoas desconhecidas, eu
percebo: Nicholas continua em minha mente, e não só ele, Katherine, Alex,
Cherry… tudo.
Há muitas coisas para consertar e outras para começar. E eu quero
começar uma delas com ele, só não posso confessar ainda.
Sinto muito por ter magoado Madison, mas não consegui voltar para
casa antes da noite chegar. Assim que o céu se tornou escuro e os
adolescentes sumiram das ruas calmas, eu entrei na fraternidade. Ninguém
estava presente, a sala cheirava a pipoca, como se tivessem feito uma reunião
fofa e animada.
Sei que a loura quer ser simpática, porque eu não a julguei ao ver o que
fazia, na verdade, fiquei preocupada. Ela deve conhecer os riscos, bulimia é
uma doença séria, algo que precisa de tratamento. Madison só nega
incansavelmente. Não sei se devo me intrometer, não consigo me ajudar,
imagine a ela.
Ando pelos corredores até chegar na grande cozinha, a toda iluminada
com uma ilha gigante de mármore. Abro uma das portas de um dos armários
e pego um copo qualquer, estou com sede e fome, passar o dia fora não foi
tão agradável assim.
Afinal, ainda quero uma bebida.
— Boa noite. — Soa atrás de mim, me fazendo pular de susto. Me viro
com rapidez, quase deixando o copo cair. Os olhos azuis me encontram,
queimando-me na quase escuridão. Ainda tenho a maldita mania de andar
pela casa com as luzes apagadas.
— Oi — gaguejo, analisando o corpo desconhecido.
Não sou amiga das dez outras meninas que moram na fraternidade, mas
sei que essa aqui não me é familiar, exceto pelas íris, elas me fazem recordar
de algo.
— Me desculpe, sou Brenda. — Se aproxima do outro lado da ilha,
apoiando as mãos no mármore frio, deixando o celular sobre ele. Seu sorriso
de canto me causa arrepios, mas não daqueles ruins, na verdade, chega a ser
gostoso. Ela me analisa, de cima à baixo, enquanto mantenho meu silêncio,
apertando o vidro do copo. — Você é Alice Wonders, não?
Faço uma careta, um tanto hesitante. Os cabelos louros dela tem pontas
mal cortadas, mas esses a deixam com um ar despojado. Não posso ver
muitos detalhes de seu corpo, por conta da pouca luz que entra pela grande
janela.
— Eu te conheço? — pergunto, com certa grosseria. O corpo de Brenda
não segue padrões estéticos iguais os de Christina e Madison, até mesmo o
meu, ela é gorda e tem curvas definidas e graciosas. Sua cintura é bem
desenhada.
— Não, mas eu te conheço. Na verdade, todo mundo conhece. — A
garota caminha lentamente, dando a volta no grande balcão, então, para um
tanto mais próxima de mim. — Você é a menina que anda com o Nicholas.
Faço e desfaço um biquinho rapidamente. Não sou a garota dele, nem a
que anda com ele.
— Na verdade, sou Alice Wonders mesmo.
— Ótimo. Não estava na reunião de hoje — continua, fico um tanto
desconfortável com a situação. Brenda possui um tom ameaçador, como se
soubesse muita coisa sobre mim.
Da maneira que fala comigo, parece achar normal esse tipo de
abordagem. Me encolho um pouco, sabendo que isso a faz me julgar.
— Imaginei que fosse te ver, bom, não tão tarde assim.
— Pois é. — Dou de ombros. — Não participo muito das atividades
coletivas por aqui. — Rolo os olhos como explicação.
— Mas mora aqui — é a segunda pessoa a me dizer isso, como se
significasse algo.
Eu sei lá o porquê de ter entrado nessa fraternidade, o porquê de ter me
juntado a um número certo de meninas que gostam de compras e roupas
caras. Talvez no fundo eu seja igual a elas, mas não consigo agir como Chris
Vender, não mesmo.
— Enfim, acho que antes de tudo, preciso te desejar boa sorte com a
Polly. E Christina, óbvio.
— O que quer dizer? — suspiro.
— Você e Nicholas, não? Chris é obcecada por ele e Polly é obcecada
pela perfeição inexistente dos Thompson, ela tenta, mas nunca consegue ter a
família maravilhosa que tanto sonha.
Seguro um riso irritante, porque entendo bem o que está dizendo. Nick
me avisou sobre sua avó, e Chris, bem, ela deixa óbvio o que sente. Pode
estar namorando agora e traindo o garoto com Jayden, mas percebo o quanto
se esforça para chamar a atenção de Nicholas.
Ela que me desculpe, nunca quis — como Maddy diz — roubar isso de
ninguém. Só aconteceu e eu realmente não esperava.
— Bom saber disso — digo, ainda estranhando seu comportamento.
Essa menina sabe demais, na verdade, bem mais que o necessário.
Assim que penso em arriscar perguntar sobre como descobriu essas
coisas, as luzes se acendem e encontro uma loura à porta da cozinha, nos
fitando com desdém.
— Ah, você. Foi péssimo o que fez hoje, não aparecer na reunião da
própria casa — Christina reclama, caminhando até a pia. Ela retira um copo
do armário e o enche com água.
— Eu estava ocupada.
— É, devia estar mesmo, com Nicholas.
— Na verdade — rio, sem acreditar no nível de ciúmes que ela consegue
atingir —, não.
Brenda nos observa, noto um sorriso desafiador em sua face, algo
como "eu te avisei". Agora analiso seus fios louros mal pintados e as raízes
escuras aparecendo. Sua roupa é bem apertada e sensual, um vestido preto
que destaca suas curvas.
— Vai dizer que não estava com Nicholas? — Vender ri e toma um gole
d'água. Nego com a cabeça, a fazendo rolar os olhos.
— Caso não tenha reparado, ele sumiu — respondo. — Há uma semana.
Sabe onde está?
— Como saberia? — Coloca a mão na cintura enquanto a outra deixa o
copo sobre o balcão. — E se eu soubesse, não te contaria. Enfim, pergunte
pra sua nova amiguinha, afinal, eles são da mesma família.
Chris sai o mais rápido possível. Eu quero muito entender o porquê
dessa sua birra, o que ela sente por Nick? Nunca lhe dei motivos para me
odiar, exceto pelo meu possível envolvimento com o aparente bad boy da
cidade.
O silêncio me passa despercebido, começo a especular em meus
pensamentos.
— Preciso ir, tenho um compromisso — Brenda começa a sair também.
— Espera, você sabe onde ele está?
— No lugar mais óbvio, Alice. Não acho bom ir atrás dele, sabe?
Mais uma para me contar sobre os riscos que podem existir se eu
escolher me envolver com o garoto.
Num piscar de olhos, Brenda some. Ela passa pela porta da cozinha e a
perco quando vira o corredor e entra na sala. O lugar mais óbvio? Bom, a
casa de Polly. E eu não sei se posso ir até lá agora, depois das dez horas, com
essa roupa.
Com certeza, a reitora e líder de Wiston Hill odiaria me ver.
Decisões e decisões, e claro, sempre escolho o errado. Não vi outra
opção senão ir até aquela casa para, pelo menos, descobrir se Nick estava lá.
Por isso agora, nessa manhã, me afundo em sono. Não dormi bem depois de
ver sua Harley-Davidson estacionada no jardim.
Ele está presente e distante. Nick está evitando não só a mim, mas a
todos. Não tive coragem suficiente para bater na porta, fiquei com medo de
ter de enfrentar Polly Thompson e fiquei com medo do garoto me achar
intrometida e exagerada.
Além disso tudo, eu respeito seu espaço. Só estou extremamente
preocupada. Talvez ele tenha o costume de fazer isso, sumir sem motivo,
desaparecer, e todos estão acostumados. Eu não. De qualquer forma, não
quero quebrar sua confiança.
Quando abro a porta da sala de aula, não o vejo mais uma vez. Todas as
cadeiras estão tomadas por adolescentes, mas não a de Nicholas Thompson.
Ele não está onde costuma ficar. Na verdade, ele não está aqui comigo e isso,
pela primeira vez, me deixa magoada.
Eu esqueço que sumiu, até que me pego fazendo coisas que antes fazia
com ele, como assistir a uma aula desinteressante. Não entendo, mas me
afeta. Gosto da companhia de Nicholas, ele tem a capacidade de me animar,
me estressar e agora, de me machucar. Poderia ter falado um tchau ou um até
breve, mas não. Isso é revoltante. Thompson não me deve nada, ele nem
sequer sabe quem sou de verdade, mas eu sinto algo de diferente com ele e
sei que sente o mesmo. Não me importa se somos apenas amigos, eu gosto de
ouvir suas explicações, seus flertes, tudo.
Caminho pelos corredores vazios e bato duas vezes na porta branca da
sala de Polly Thompson. Ouço um "entre" ecoar e giro a maçaneta.
— Alice Wonders — diz, secamente. Entro e fecho a porta de imediato.
— Me desculpe incomodar, Senhora Thompson, mas eu estou
preocupada com o Nick. Quer dizer, não o vejo há dias.
— Ah, poxa. — Noto a falsidade em seu tom, mas ignoro. — Bom,
agradeço a preocupação com meu neto, mas ele está bem, só foi viajar por
uns dias. Está tudo ótimo na verdade, senhorita.
— Ah, sério? Viajar? — Posso xingá-la de várias maneiras em minha
mente. — Interessante, porque a Harley-Davidson dele está no seu jardim.
— Me desculpe? — A mulher se inclina sobre a mesa, encontrando
meus olhos, um tanto confusa.
— A moto dele está na sua casa.
— Claro. Entende de motos então? — O desânimo se torna audível.
Dou de ombros, entendo o máximo que me deixei aprender sobre carros
e motos quando morava em Nova Iorque. Meu pai adora essas coisas e eu
adorava passar o tempo com ele, mesmo que isso acontecesse apenas uma ou
duas vezes por mês.
— Ele não levou a moto, Alice. Nicholas está bem, logo
voltará. Obrigada.
Suspiro, insatisfeita. É claro, como fui burra! Polly nunca me contaria,
ela nunca me ajudaria a encontrá-lo. Ele não viajou, está preso naquela casa
por algum motivo. Me viro, pronta para sair da sala extremamente iluminada,
quando a mulher começa a falar.
— Alice — chama, eu a encontro. — Vou te dizer isso, porque acho
importante. Não deve ficar perto do meu neto.
— E por que não? — arrisco.
— Nick tem problemas e sei que você também os tem. Não fará bem a
ele, deve deixá-lo em paz, entende?
Não, não entendo, então, por isso, faço uma careta.
Polly suspira, se levanta, deixando a caneta sobre a mesa organizada, e
anda até onde estou, parando à uma distância apropriada.
— Você não fará bem a ele, Alice. Eu sei disso. Nicholas foi criado para
namorar com garotas da alta sociedade sim, mas… regradas. Deve ficar longe
dele, meu neto já tem problemas suficientes sem você — a mulher enfatiza
cada partezinha de sua fala, me ferindo.
É como se estivesse enfiando uma faca em meu peito.
Polly não me quer por perto, seja por conta do meu passado, do meu
jeito, ou por conta do passado de Nick e Wiston Hill. Ela não gosta da ideia
de ter uma novata, não gosta de lidar com possíveis problemas, não gosta de
gente que não conhece.
Ela não gosta de mim.
— Pode ir agora. — É impressionante como a mulher não altera o tom
de voz. Me viro, um tanto trêmula por conta da raiva que sinto, e saio.
Não é como se eu gostasse de ouvir críticas desse tipo. Ela me lembra
Katherine. Palavras duras e afiadas, com a intenção de machucar. Ela quer
me deixar assim, na dúvida. Ela quer me afastar de Thompson.
Acelero o passo pelo corredor, sem realmente prestar atenção no
caminho, e acabo por esbarrar em alguém.
— Alice! — ela exclama ao sentir meu corpo contra o seu. Madison me
ajuda a me recompor e me encara com preocupação. — Está tudo bem?
— Tudo ótimo, Madison. O que faz aqui? — Me sinto ofegante.
— Eu estudo aqui, boba. Estou indo falar com a Polly... — A expressão
da loura muda no mesmo instante, ela entende o meu desespero. — Estava
saindo da sala dela?
— Sim, eu queria saber do Nicholas, só isso. Olha, eu preciso ir.
— O que ela te disse, Alice?
— Nada Madison! Eu realmente preciso ir.
Suas mãos soltam meu braço enquanto sinto minha cabeça girar. A
Alice de antigamente, aquela que encarava a mãe e discutia, a mesma que
quase destruiu o mundo dos Wonders, parece ter partido de verdade. Eu não
me sinto confiante, não consigo ir contra Polly Thompson, e fico furiosa por
isso.
Me moldaram tanto, que agora noto não ser mais eu mesma. Eu só
queria voltar àquela versão, e desde que cheguei aqui, tentei várias e várias
vezes. Mas aquela Alice vem com consequências assustadoras, com as quais,
acho que não posso lidar mais.
E agora, tudo que quero é socar a cara de alguém.
26

EU ERREI
“Verifique meu pulso pela segunda vez.
Tomei demais, não quero morrer.
Não sei se posso ficar sozinho de novo.”
The Weeknd | Alone Again

ALICE WONDERS
Eu errei.
Eu errei pela milésima vez e agora sinto, eu sinto minha cabeça girar,
porque depois de doses de tequila, ainda me lembro de todos os meus
problemas, aqueles que tornam a dor em meu estômago tão insignificante. Eu
errei, porque não sei fazer o certo.
É mil vezes mais fácil encarar as coisas com um copo de bebida. É tudo
fácil demais, e por segundos parece bom demais, então divertido, e depois
começa a ficar triste, bate um desespero. Essa é a parte que mais odeio
quando bebo, porque sei que depois de toda a euforia, vou enfrentar um
momento de culpa, até que meus órgãos me forcem a colocar tudo para fora,
até que a dor de cabeça me devore na manhã seguinte.
E eu quase chorei quando me senti cair de novo, era uma mistura de
culpa e julgamento. Eu ainda sinto o peso de tudo, dos meus antigos erros e
dos futuros. Eu sinto o peso desse lugar. Wiston Hill é destrutiva.
Depois do segundo copo, Nicholas me parecia uma ilusão, algo que
nunca aconteceu de verdade. Comecei a duvidar da minha sanidade e
comecei a rir porque sabia que talvez, fosse apenas uma criação minha. Ele
sumiu há dias, parece tanto tempo.
E depois de cinco doses, eu entendi que não há concerto para pessoas
como eu. A minha mãe, por exemplo, nunca conseguiu ficar sóbria, nunca
conseguiu ser mãe. E eu não consigo ser alguém minimamente decente. Tudo
isso me ataca de repente, então lembro que ainda é manhã e já estou
no Heaven Bar.
Eu fico aqui por mais algumas horas, vejo a troca de funcionários, faço
uma pausa e recomeço.
Uma. Duas. Três. Quatro. E pronto, tudo gira e estamos numa onda de
emoções sem sentido.
Sei que beber não é a resposta e amanhã começo com o processo de
arrependimento, quando prometo não encher a cara de novo. Sei disso. Mas
hoje preciso de mais um dose.
Cinco. E Hannah já tenta me fazer ir embora.
Seis. E ela se nega a me servir.
— Alice, você não está bem — diz baixinho, perto de mim, se
inclinando sobre o balcão. — Precisa parar.
— Eu não quero parar!
— Eu não vou te servir. Mal consegue ficar sentada, o que aconteceu?
Nego, sem muito controle sobre minhas ações. Apoio os cotovelos no
balcão e coloco o rosto entre os braços, sentindo meu estômago implorar.
Hannah continua à minha frente, me analisando. Ela parece realmente
preocupada.
— Não pode fazer isso com si própria.
— Eu posso sim. — Sorrio. — Ninguém liga, nem eu... a minha mãe
disse que sou um problema, sabia? E a Polly Thompson também. Engraçado,
né?
A menina nega, arrancando um celular do bolso e a vejo ligar para
alguém. Não presto muita atenção em suas palavras, estou ocupada xingando
Nicholas.
Aquele filha da puta, idiota. Ele disse que gosta de mim, ele disse que
está... bem, eu não o deixei terminar, mas ele disse e agora sumiu da minha
vida. Nick só desapareceu. E que se foda se estou sendo uma babaca, se estou
fazendo o mesmo que Maddy, porque eu não me importo. Que se foda tudo
isso, se nos conhecemos há muito tempo, ou há pouco, se o que sentimos são
impulsos ou coisas reais, que se foda. Eu o vi uma vez, à frente do Heaven, e
algo inexplicável me atacou. Foi ali que isso surgiu e eu achei que só quisesse
sexo, mas agora, tudo parece mais forte que aquele calor de excitação.
E ele sumiu.
Eu quero lidar com os meus erros, com a minha ansiedade, mas não
tenho coragem. É bem mais fácil beber.
Depois de alguns minutos, sinto duas mãos em minha cintura, tentando
me colocar de pé. Quando ergo a cabeça encontro Jack com os olhos
completamente abertos, exalando preocupação.
— Está bem? — pergunta e eu nego.
— Precisa a levar, alguma coisa aconteceu. — Ouço Hannah dizer. Não
respondo, estou fora de mim.
Jack consegue me erguer e me colocar junto de seu corpo. Fecho os
olhos, por experiência sei que assim não vomitarei pelo caminho.
Ele me arrasta pelo bar com delicadeza, e me coloca no banco da frente
do seu carro que cheira a chiclete. Sinto o tecido em minhas pernas. Minha
cabeça gira, meu corpo está todo mole.
Então, ouço a chave virar.
— Vai me contar o que aconteceu? — ele questiona enquanto tento
segurar tudo em meu estômago. Seria horrível vomitar em seu carro.
Murmuro um não, sem abrir os olhos.
Me encosto no banco, ergo a cabeça e respiro fundo enquanto partimos.
Os minutos passam como anos, lentamente. Não arrisco olhar pela
janela nem conversar com Jack. Fico quieta, tentando lidar com a dor e com a
culpa. Beber não me ajudou, fiquei mais irritada, mais magoada e mais
ansiosa. No fundo eu sei que não tem a ver comigo, ele precisa de tempo. É
só isso.
E não consigo acreditar que enchi a cara por causa de um garoto e de sua
avó, que me odeia.
— Para o carro! — imploro, batendo no braço de Jack, mantendo os
olhos fechados. — Para o carro.
Ouço as rodas, o freio. Ele encosta e assim que abro a porta, coloco tudo
para fora, menos a vontade de socar a minha própria cara. Depois de muitas
doses me bate a raiva. Eu fico furiosa porque não me controlei, porque
quebrei uma regra, por ainda estar me destruindo. Tenho total consciência
disso e enquanto alguns chamam de frescura e excesso, eu sei que não é bem
assim.
Eu não bebo porque sou uma adolescente revoltada, igual minha tia
disse uma vez, numa reunião familiar.
Eu bebo porque sinto necessidade. É algo angustiante. E nada me ajuda
a superar a ideia de que o álcool pode resolver tudo. No fim, ele nunca
resolve, e eu continuo com vontade de ingerir mais.
Só mais uma dose.
Acordo e me arrependo no mesmo minuto. Noto pelo teto e pelo cheiro
de cigarros que não estou em casa. Levo a mão à testa e cubro os olhos,
tentando me lembrar de algo. Nada. A noite anterior, bom, a tarde toda, não
me passa de um borrão. Passei o dia num bar e isso só me aconteceu uma
vez, quando tive um surto qualquer e acabei no hospital.
Momentos como esse necessitam de atenção, e eu preciso aceitar que
tenho um problema, tratável, mas ainda assim, prejudicial.
Negar é mais fácil, concordo com Madison. A dor não some quando
negamos, mas durante horas parece não existir, até que temos quedas como a
do dia anterior.
— Está viva. — Ouço ao meu lado e me viro com pressa, notando que
estou no dormitório.
— Não achei que estaria — confesso e vejo Jack concordar. — O que
aconteceu?
— Isso quem tem que me dizer é você, Alice. Bebeu demais ontem,
quando Hannah chegou ao bar você já estava lá, e quando fui te buscar, quase
te levei ao hospital.
— Ainda bem que não fez isso — sussurro. — Eu tô bem. Obrigada
mesmo, de verdade. Não vomitei no seu carro, certo?
Ele nega, sem rir. Não parece que estou o divertindo hoje. A
preocupação é visível em seus olhos.
— Vai me contar? — Arqueia a sobrancelha, esperando com seriedade.
— Eu tenho um problema, Jack. Na verdade, tenho muitos.
Volto a encarar o teto, ainda com o peso sobre mim, a dor de ter feito
essa merda. Se não fosse esse garoto, eu não sei o que teria acontecido.
— Digamos que sou alcoólatra — confesso sem vontade.
— Como assim?
— Já fui à reuniões do AA e já fui internada numa clínica. Nada
funcionou, como pôde ver ontem. — Parece fácil contar tudo isso, mas dói.
— Você não deveria beber.
— Eu sei. — O encaro. — Por favor, não me dê um sermão.
— Acho que você já faz isso sozinha.
Suspiro. Sim, eu mesma me julgo, não preciso ouvir meus pensamentos
em sua voz.
— Eu fico ansiosa e ai bebo, então, depois de beber fico mais ansiosa e
não paro. É um ciclo, não tem como fugir.
— Não tem como ou você não quer?
Dou de ombros.
Talvez eu não queira, talvez eu seja igualzinha a minha mãe em algumas
coisas, arrumo desculpas idiotas para que possa continuar errando. Talvez por
isso, eu a deteste tanto.
Não gosto de me parecer com Katherine, a única diferença entre nós é
que eu admito ter um problema.
— O que teria feito se eu não tivesse ido te buscar no bar? — pergunta,
sentado na beira de sua cama, me analisando e esperando por uma resposta
razoável.
— Eu teria andado até em casa. — Passo os dedos quentes entre os fios
embaraçados de meu cabelo, tentando me lembrar de qualquer coisa sobre a
tarde anterior, depois de Polly me mandar ficar longe de Nick.
— Teria andado? E acha que ia conseguir chegar, Alice? Isso é sério. Ia
só andar pelas ruas à noite esperando chegar bem na fraternidade?
Me apoio nos cotovelos, pedi para não receber sermões, mas sei que não
posso exigir muita coisa. Ele cuidou de mim sem eu pedir e se Jack não
estivesse lá, alguma merda poderia ter acontecido.
— Eu não sei, Jack — suspiro, me sentando enquanto sinto a dor em
cada músculo. A ressaca me ataca com força, não vou levantar dessa cama
tão cedo.
— Não sabe — sussurra. — Você bebe demais e nem tem noção dos
riscos. Tem gente podre no mundo todo, Alice. E se algo acontecesse com
você?
— Tudo bem, você está certo! Me desculpe. Eu sei disso, está bem?
O garoto bufa, encontrando meus olhos. Respiro fundo e prossigo:
— Eu sei de tudo isso, sei que podem tirar vantagem de mim e sei que
posso acabar me matando sozinha pelas ruas, mas eu ia ficar bem.
— Não, não ia. E se algo tivesse acontecido nem se lembraria hoje de
manhã, porque não se lembra, não é?
Dou de ombros, me sentindo mal com tudo que fiz. Eu não estava limpa,
completamente sóbria, mas estava me controlando.
— Algo já aconteceu? — ele pergunta.
— Não. Nunca. — Me refiro a algo ruim após eu ter bebido.
Nunca tiraram proveito de mim, eu sempre cheguei em casa inteira,
entretanto, nem tão bem.
— O que aconteceu pra você beber daquele jeito?
— Nada demais — minto. Apesar de tudo, não quero conquistar
inimigos para Polly. Já sei que ninguém gosta dela de verdade e Nicholas a
ama, mesmo conhecendo seu veneno. Não quero uma confusão. — Eu só
estou numa semana ruim.
Ele se levanta e agarra uma camiseta. Jack retira a que veste e se enfia
na outra, como se eu não estivesse presente. Noto que, embora seja menor
que Nicholas, o menino tem o corpo bem definido.
— Onde vai? — questiono, ele parece apressado.
— Falar com o Nick, tentar convencer ele a voltar.
Ah, claro, e eu estava certa. Polly mentiu. Óbvio. Nick nunca viajou, ele
está naquela casa e Jack sabe.
— Não pode fazer isso!
— Você quase se matou de beber ontem, Alice! — exclama e me olha
como se eu fosse a pessoa mais confusa que existe na terra. Jack parece
preocupado e sei que só quer ajudar.
Mas as melhores intenções geram caos.
— Não pode contar. Nick vai achar que a culpa disso tudo é dele. Não
pode!
— E não é? — O menino se senta novamente na beira do colchão, agora
mais perto da porta, e espera. Talvez queira um bom motivo para não sair e ir
até a mansão dos Thompson.
— Não. Esse problema é meu, Nick não tem culpa, Jack. Eu estou assim
desde que meus pais foram embora de Wiston Hill. É sério, se você contar,
ele vai se culpar e não vai voltar tão cedo.
— Eu entendo e você tem toda a razão, mas todo esse exagero do
Nicholas só existe porque ele se preocupa.
— Sim. E Nick só precisa de um motivo para se afastar de mim, não dê
isso a ele — suspiro. — Por favor.
— Você realmente gosta do Nicholas, não é? — Há doçura em sua voz,
esse menino é mais compreensivo que qualquer outra pessoa.
— Eu não sei, Jack. Eu não sei o que sinto, não sou boa com isso. Mas
não quero que ele fique se culpando por coisas que não tem como consertar.
— Eu não vou contar isso a ele, mas vou falar com ele, Alice. Algumas
coisas aconteceram, nada a ver com vocês dois, por isso Nick está afastado.
— E o que aconteceu? — questiono, soa como uma súplica, estou
desesperada para saber o que de tão ruim ou importante o fez sumir.
— Ele mesmo vai te contar. Acredite.
Bom, eu espero que Nick esteja bem emocionalmente. Depois de revelar
tudo aquilo sobre seu passado, ele me pareceu bem abatido. Eu fico pensando
em como deve ser difícil perder alguém que ama, seja um amigo ou algo a
mais. Imagine nunca poder ver o sorriso da pessoa, nunca mais ouvir a voz
dela, sentir o cheiro, e com o tempo as memórias vão embora. Depois de
anos, deve parecer um borrão, algo inventado, como se nunca tivesse
acontecido. Mas está lá, aquela parte dolorosa de seu passado.
Eu sei como é ter esse tipo de memória, mesmo que ela não envolva a
perda de alguém próximo.
Naquela tarde eu vi nos olhos dele que Elle ainda está presente e não
posso, nem quero, competir com isso. Ele a mantém por perto, seja com seu
medo, sua mágoa, raiva, culpa… Nick não a deixa partir.
Esse é o seu real problema, dentre tantos outros.
— Alice — Jack chama, me fazendo erguer a cabeça para o encontrar
novamente. Noto que está de pé à minha frente. Ele se senta ao meu lado,
suspira, e começa: — Nick e Elle eram muito próximos, mas preciso dizer, há
algo de diferente dessa vez. Entre você e ele. — Sorrio de canto, não sei
como reagir, não gosto que nos comparem, ela obviamente tem parte do
coração dele até hoje e isso não é da minha conta. — Bom, a minha irmã era
do contra. Se minha mãe a mandasse usar um vestido, ela usava calça jeans.
Essa vontade de se rebelar contra tudo a matou, não Nicholas.
Acho que o menino nota pela minha expressão que estou um tanto
confusa com tudo. Talvez eu não tivesse notado nessa semana o que agora
me parece evidente. Me dói, porque sei que Nick não a superou, ele não
consegue seguir em frente. E isso me machuca, porque mesmo negando,
mesmo o conhecendo há tão pouco tempo, mesmo sendo apenas um meio
estranho agora, eu gosto muito desse garoto. Eu gosto de Nicholas Thompson
de tal forma que consigo ser só sua amiga, para não estragar tudo.
Eu consigo não ser egoísta pela primeira vez, porque sei de todos os
nossos fantasmas e sei que se tentarmos algo agora, iremos destruir tudo de
bom que temos. Nós merecemos tempo e merecemos uma chance para nos
recuperarmos. Só mais uma.
E também sei que tenho muito medo de arriscar. Eu não consigo me
entregar, ainda não.
— Senta falta dela, não é? — pergunto, procurando pela mão de Jack, a
agarro com delicadeza e ele aperta meus dedos.
— Todos os dias. Eu sempre acho que Elle vai entrar por aquela porta.
— Ele parece pensativo, um pouco preocupado. — Na verdade, a minha irmã
nunca quis fazer faculdade. Isso gerou muitas brigas também — sorri,
segurando as lágrimas —, e eu sei que ela só queria irritar a todos. Isso a
divertia.
— Mesmo assim, você e Nicholas ainda são melhores amigos...
— Sim, nós somos, apesar de tudo. E pra isso tivemos que superar muita
coisa, eu pelo menos tive.
Concordo, sem realmente querer continuar falando sobre isso. Acho que
ninguém gosta de relembrar. Jack solta meus dedos, deixando minha pele
esfriar, e eu ainda sinto as dores por conta da ressaca. Essas superam tudo.
Elas me destroem, porque me lembram de quem sou de verdade.
Aos olhos de Katherine, sou um problema, e de tanto ouvir isso saindo
por entre seus lábios, aos meus olhos, me tornei a mesma coisa.
E eu tenho que me resolver, porque ninguém pode fazer isso por mim,
nem meus pais, nem Nicholas e muito menos as súplicas de Cherry.
Eu tenho que decidir e eu tenho que tomar uma atitude. Por isso, é tão
difícil.

Jack me disse, ao me deixar na praça do campus, que os problemas de


Nicholas são pessoais e que logo serão espalhados por ai.
Isso me deixou curiosa, quer dizer, mais curiosa. Nesse lugar nada
sobrevive, apenas mentiras e famílias ricas. Fico me perguntando o que pode
ter acontecido com ele quando chegou em casa naquele dia.
Caminho pela grama, acelerando cada vez mais o passo, tentando
escapar do calor californiano. Quando chego à frente do prédio principal,
quase congelo ao ver seu corpo. Nicholas está sentado nos degraus, olhando
para as próprias mãos.
Me aproximo lentamente, entretanto, o garoto não ergue a cabeça.
— Você voltou — falo, fazendo-o rir com fraqueza, sem me encontrar.
Nick parece cabisbaixo, não consigo examinar sua feição, pois ele não me
deixa vê-lo. — Estava me perguntando como ia treinar boxe sem você.
Outro riso fraco.
— Nick — chamo, e nada. Que merda está acontecendo? — Nick, o que
foi?
— Me desculpe — começa, então, quando encontra meus olhos eu posso
ver o hematoma roxeado em sua maçã do rosto, perto do olho. Parece que
algo de muito errado aconteceu. — Me desculpe por sumir. Amigos não
fazem isso, certo?
Não sei se está sendo irônico, o garoto não parece estar brincando, Nick
faz uma careta, reprovando a minha falta de resposta. Noto que há outras
marcas em seu corpo, seus dedos estão seriamente feridos e seu lábio,
cortado.
— Nicholas que merda é essa? — Eu poderia ser sutil, mas não
combinaria comigo.
Me jogo ao seu lado, um degrau abaixo, e não controlo minhas
expressões faciais de choque. Uma semana, na verdade mais que uma
semana, e ele aparece assim.
— Não é nada, Alice. Eu preciso falar com você...
— Não é nada? Seu rosto está todo machucado! — Agarro em seu
queixo e ergo sua cabeça, examinando os ferimentos. Eu preciso saber se ele
está bem o suficiente.
— Alice! — pede, tentando afastar meus dedos de sua pele. Suspiro,
ainda indignada. — Precisamos...
— Me conta o que aconteceu! — ordeno, o empurrando de leve pelos
ombros. Ele balança, mas não mostra surpresa.
A única resposta que tenho é o toque de seus lábios nos meus. Nick se
inclina e me beija, aquecendo o meu corpo e me causando arrepios. Não sinto
algo romântico, acho que na verdade, Thompson quer me calar.
Nos separamos, mas não por completo. Nossas testas continuam
grudadas e sua respiração atinge meu rosto.
— Eu estou com raiva, porque não consigo me afastar de você. — Ele
soa um tanto ofegante, com os olhos fechados, punhos cerrados. Nick parece
furioso. — E eu não quero me afastar, mas talvez seja preciso.
— Não! — exclamo, o empurrando mais uma vez. Thompson abre os
olhos, sem surpresa, sabe que não quero distância entre nós. Eu gosto da sua
presença. — Me afastar não vai resolver merda alguma, Nick. Você precisa
me contar o que está acontecendo. Amigos fazem isso, não?
Seu sorriso fraco aparece de novo. Ele rola os olhos e morde o lábio,
procurando por palavras para se expressar.
— Pra ser sincero, eu tenho medo de te destruir, Wonders. E eu tenho
medo de te destruírem. E isso vai acontecer, você sendo minha amiga ou não.
Thompson desvia o olhar, fitando quem anda pela grama verde do
Campus, enquanto o sol nos queima. Ele pensa, abre e fecha a boca, então
continua:
— Há tantas mentiras e tantos segredos por aqui, Alice...
— Já notei — o corto —, e também notei que não adianta mais se
afastar. Seremos amigos então, que seja, mas me mandar embora depois de
tanto tempo correndo atrás me parece burrice.
— Você não entende!
— Eu entendo sim! Você tem medo da sua avó fazer a mesma coisa
comigo, tem medo de eu acabar como Elle e tem medo de falhar, mas me
afastar não resolve muito. Lembra? Você mesmo disse, foi isso que a fez...
— Eu sei! — Dou um pulo quando ele quase grita tal afirmação. — Eu
sei disso. Ela morreu, porque eu a afastei, eu sei! Tudo bem, eu sei!
Hematomas, raiva e mágoa, uma mistura perigosa. Agarro em sua mão,
apertando seus dedos, tentando o fazer relaxar.
— Você ainda não a superou. Não superou o que aconteceu — afirmo e
ele volta a me olhar, desacreditado. — É sério, eu entendo. Mas você precisa
encarar os fatos, fugir não ajuda, você já testou isso. Nicholas você não
merece sofrer por culpa e medo. Isso é horrível.
— Não posso dizer que está errada, Alice.
— Eu não vou te pressionar, Nicholas. Não mesmo. Eu não quero ficar
longe, não quero ficar fugindo e nem quero seguir regras, mas não posso
tomar essa decisão sozinha. Não, a sua avó não gosta de mim e muito menos
Chris Vender. Agora me diz, isso realmente importa?
— Sim, importa. Não porque a opinião delas me é importante e sim,
porque eu sei o que podem fazer. Elas mandam em Wiston Hill.
Suspiro enquanto rolo os olhos. Polly, Polly, Polly... eu sei que ela me
detesta e Chris, na verdade, só queria poder ter Nick para ela. São detalhes, e
eu enfrento detalhes todos os dias.
— Tudo bem. Você pode viver em função delas se quiser. — Me apoio
nas palmas das mãos, pronta para me levantar.
— Não é bem assim, Alice.
— Na verdade, é sim. Eu tenho as minhas próprias questões, preciso me
resolver com elas. Mas de uma coisa eu sei, nada me importa, Polly
Thompson não me importa e o que ela acha de mim, não me importa.
Posso afirmar isso, mas me lembro de ter apagado depois de beber por
causa da mulher. Prefiro fingir que não aconteceu.
— Teimosa. — Sorri, me provocando. — Minha avó consegue ser
horrível quando quer e eu sei que você é o novo alvo.
— A sua avó gosta de controlar. Você me beijou, acabou de me beijar.
Me diz, quando isso aconteceu pensou em Polly Thompson e Christina
Vender ou elas simplesmente desapareceram?
Ele fica sério.
— No que você pensou quando me beijou, é a única coisa que realmente
importa.
27

MOMENTOS SOMBRIOS
"Acordando, cinco e meia.
Sangue no travesseiro e um olho machucado.
Bebi demais, você sabe como eu sou,
mas você devia ter visto o outro cara."
The Weeknd & Ed Sheeran | Dark Times

ALICE WONDERS

Passamos a primeira aula em silêncio. Ele decidiu pensar numa


resposta, o que sentiu quando me beijou? Eu também preciso descobrir isso,
estava completamente preocupada com Nicholas, fui pega de surpresa. Mas
eu senti algo, que agora, não consigo definir em palavras.
Nick não me olhou enquanto o professor falava. Ele ficou encarando o
chão do palco, não estava muito presente e todos os olhos da sala, todos os
alunos e curiosos, examinavam suas marcas. Assim que me encontravam,
fingiam não estar o encarando.
Quando saímos, ele me pediu para terminar a conversa, estava abatido
ainda, mas tentou se animar por mim — o que deixou claro, já que riu de
algumas piadas ruins que fiz —, daí, sentamos na grama, debaixo de uma
árvore, e o silêncio tomou conta.
E ainda toma conta, há trinta minutos. Agora começo a me perguntar se
Nicholas quer mesmo continuar o assunto.
O olho de soslaio, às vezes ele me encontra e eu disfarço. Nick parece
pensativo, como se alguma questão dominasse sua mente.
— Minha mãe — começa, me surpreendendo —, ela morreu.
— O quê? — Me viro para ele, chocada. Achei que a mulher tivesse
desaparecido.
— Depois daquele dia eu fui pra casa, Polly me ligou. Ela disse que
Pumpkin morreu, me mostrou o atestado de óbito, disse que ligaram pra
avisar. Não me explicou muito, só deu a notícia.
— Mas, ela morreu de quê? — Tento suavizar meu tom de voz.
— No atestado dizia que foram drogas, remédios. Eu não sei o que
aconteceu com ela depois que sumiu, mas acho que minha irmã estava errada.
— Nicholas, eu sinto muito. — Seguro em sua mão e ele deixa,
parecendo mais aliviado.
— Ela fugiu e eu achava que Polly tinha algo a ver com isso, Alice,
mas… eu não sei…
Quem sou eu para concordar com a ideia dele, mesmo depois de ouvir a
quase ameaça de sua avó, não posso dizer que a acho suficientemente
venenosa, ao ponto de fazer algo contra sua mãe. Contudo, Polly deixou
claro, eu devo ficar longe de Nicholas Thompson.
— Eu sinto falta dela. Eu senti falta dela todos os dias e agora...
— Nicholas, você não pode pensar assim.
Eu noto o que Polly fez, se fosse apenas pelo que consta no atestado de
óbito, ele não estaria tão mal. Pelo que sei, ela não gostava de Pumpkin e
deve ter dito algo. Polly deve ter envenenado Nicholas contra a mulher, já
morta.
— Ela me abandonou e agora, está morta! Isso não é justo. — Pela
primeira vez vejo lágrimas escorrendo de seus olhos azuis, e eu sinto a sua
dor. — Só não é justo. Eu confiava nela. Pumpkin era a minha pessoa
favorita e agora, Grace e eu...
— Vai ficar tudo bem — falo, me ajoelhando e o abraçando. — Mas
você não pode pensar isso sobre a sua mãe, é sério. Não importa do que ela
morreu, Nick, você está dando atenção à coisa errada — sussurro em seu
ouvido, deixando-o chorar em silêncio, sentindo suas lágrimas em minha
pele.
Thompson me aperta com força, como se dependesse disso.
— Eu sei — murmura.
— Ela é a sua mãe e ela ainda é a sua pessoa favorita.
Enfio meus dedos entre seus fios escuros de cabelo e os acaricio. Nick
continua me apertando, aos poucos se tornando menos ofegante. Ele me
aquece com seus braços ao meu redor, sua força. Ele precisa disso, de um
pouco de silêncio, de um lugar confortável para poder desabar.
Nicholas pilotou mais uma vez, e como sempre, me apaixonei mais um
pouco por andar de moto com ele. Mas nessa tarde, o menino estava
distraído, completamente magoado e irritado.
— Quer beber alguma coisa? — pergunta, entrando na cozinha da
mansão Thompson. Nego com a cabeça enquanto ele se serve um pouco de
suco de laranja.
Dessa vez não tentei argumentar quando ele sugeriu virmos para cá,
apenas aceitei. Ainda precisamos conversar. Somos amigos antes de qualquer
outra coisa e posso não ser muito experiente nesse assunto de amizade, mas
sei quando devo me preocupar. E eu me preocupo com ele. Nick está em
pedaços.
— Quer comer?
— Para. — Dou uma risada leve e ele retribui meu ato. Me aproximo da
ilha da cozinha, apoiando as mãos nela, o observando de pé do outro lado. —
Eu estou bem.
— Eu juro que nunca chorei no colo de uma garota antes — brinca e
encontra os meus olhos.
— Eu não sou só uma garota, eu sou Alice Wonders, lembra?
— Alice Wonders. — Ele desliza meu nome por sua língua num tom
sensual demais para a situação. Nick se inclina sobre o balcão e se aproxima
do meu rosto. — Você é — pausa, me analisando — diferente.
— Isso é bom ou ruim?
— Não sei, mas parece bom.
— E vai me contar sobre o que aconteceu com o seu olho?
Nick encara as minhas mãos.
— Às vezes eu fico com raiva e faço algumas besteiras. São momentos.
— Eu entendo, mas isso não responde a minha pergunta, Nicholas. É
sério.
— Eu estive numa briga no Red Hell. Nada demais, eu bebi.
— Então, esteve no Red Hell? E com quem foi essa briga?
Ele volta a olhar em meus olhos, agora, parece sério demais.
— Nicholas, eu só quero saber.
— Sim, eu estive. Foi com um garoto que conheci no colégio, ele é
extremamente irritante, mas não mora em Wiston Hill. Não importa —
enfatiza a última parte.
— Tudo bem e eu entendo porquê sumiu.
— Eu não devia ter feito isso, Alice. Me desculpe, mas acho que eu não
queria te ver, não de verdade. Eu não queria ter de encarar tudo isso, a morte
da minha mãe já me destruiu o suficiente.
Me inclino mais um pouco, chegando perto de seu rosto, me colocando
nas pontas dos pés. Ele suspira, sabendo que estou o interrompendo sem
precisar de palavras.
E um selinho surge.
Dessa vez, eu suspiro e me afasto. Não tenho muito o que lhe dizer,
estou completamente confusa. A pergunta que o fiz, sobre o que sentiu
durante o beijo, voltou para me atacar.
— Jack foi falar comigo, me disse que você estava preocupada. — Pelo
menos ele não contou sobre a bebedeira e a ressaca. — E me disse que você
estava bem, mas ele mentiu, não é?
Faço uma careta.
— Eu estou bem, só fiquei cismada. Você desapareceu depois de me
contar muitas coisas importantes. Eu sei como é tocar em assuntos delicados.
— A Hannah me contou sobre o bar e ontem. Jack tentou a calar, mas
não funcionou muito, nunca funciona.
Seu sorrisinho de canto reaparece de forma delicada, como se estivesse
tentando me acalmar. Contudo, estou furiosa. Ela não tinha esse direito, eu
pedi a Jack que guardasse esse segredo.
— Está tudo bem — afirma. — Mas você também pode falar
comigo. Somos amigos.
— Eu não queria que te contassem. Notei que tem essa mania de se
culpar pelos erros dos outros e não queria que achasse que eu estava bebendo
porque você sumiu. Não funciona assim.
Me afasto da ilha, e o garoto me examina. Ando até a grande janela da
sua cozinha e me sento numa das cadeiras que ficam ao seu lado, Thompson
me segue e faz o mesmo. Ele se ajeita à minha frente.
— Alice, por que estava bebendo? Hannah me disse que você estava
muito mal.
— Foram coisas, só isso. — Desvio o olhar, encontrando o jardim do
lado de fora, o sol que ainda brilha. — Às vezes eu sinto que vou explodir,
fico ansiosa, sem ar. É difícil de explicar, Nick. São momentos e eu também
faço besteira, mas não soco a cara dos outros.
— É, percebi — murmura. — Precisa parar.
— Não é tão fácil.
— Não, não é, mas você precisa. A questão não é ser fácil ou difícil.
Me viro e ele ainda me encara. Seus olhos mostram o quão preocupado
está.
— Eu sei. Vamos mudar de assunto, por favor — imploro.
— Não pode fugir disso.
Sinto uma risadinha debochada me subir pela garganta, mas a seguro.
Ele também não pode correr das coisas.
— Te digo o mesmo. Não pode fugir de tudo que te aconteceu, de Elle,
da sua mãe, de Polly. Nós dois precisamos encarar nossos problemas.
Assim que termino de falar, percebo o peso da minha declaração. É a
verdade, mas jogada em sua cara, sem escolha de palavras, sem delicadeza.
Ele precisa entender que enquanto teme errar, não supera tudo que lhe
aconteceu. Nick precisa entender, ele precisa ouvir, assim como eu preciso
ouvir sobre o quão insensata é a escolha de beber de novo, e de novo.
Nicholas rosna baixo. Ele não vai continuar a conversa. Seu silêncio me
incomoda.
— Ainda me deve uma resposta — provoco. Quero que ele pare de
encarar as mãos e volte a se dirigir à mim, mas parece que alguma coisa
mudou. — Sabe disso, não? O que sentiu quando me beijou?
Nicholas dá de ombros tão sutilmente que me faz queimar de raiva. Ele
está tentando me irritar, eu falei a verdade, só disse que precisa se livrar dessa
culpa idiota, mas parece que uma frase simples causou um impacto maior do
que eu esperava.
— Tudo bem — respondo para mim, sabendo que o socar no rosto não
vai me ajudar. Bem que eu queria.
Ele consegue ser um imbecil e por ter se declarado como apenas meu
amigo, não precisa me dar satisfações idiotas.
— Eu não sei o que te responder, está bem? — Se encosta, esticando o
corpo. Sua postura muda, ele não parece mais um garoto triste. Nick está
diferente, mesmo tendo me tratado da mesma forma de sempre nessa manhã,
agora algo está mudado.
— Tudo bem — repito. — Não precisa saber.
Ah, ele precisa sim. Nicholas Thompson quase me matou do coração
quando disse — ou tentou dizer — que estava apaixonado por mim. O calei
no momento certo naquele dia, porque posso ver o arrependimento em seus
olhos agora. Ele não tem mais certeza.
— Não é bem isso que quer me falar. Então, não finja — solta com
aspereza.
— Não estou fingindo.
Estou sim, quero o chamar de babaca por ter sumido, mesmo tendo um
bom motivo para isso, de idiota por ter tentado se afastar de mim e continuar
tentando, mesmo que de forma lenta e disfarçada.
— Eu também não sei o que senti com o beijo — continuo, dessa vez
quero chegar no mesmo nível dele.
Quando acho que Nick vai parar de tentar arranjar desculpas para me
deixar longe, essa porra começa. Ele me trata como uma idiota, usa de seu
tom frio. Eu odeio isso e me machuca de tal forma que nem consigo explicar.
— Quem sabe eu esteja errada? Quer dizer, vai ver esse medo todo que
você tem de se aproximar é desnecessário, porque talvez, a gente não sinta
nada um pelo outro.
— É isso que acha?
— É isso que eu vejo — completo. Ele se inclina sobre a mesa, se
aproximando de mim, com os cotovelos na madeira.
— Tudo bem — responde.
— Você é um babaca. Como consegue mudar da água pro vinho assim,
só para me manter distante?
Seu joguinho não vai funcionar, ele devia estar preso a vontade de ficar
comigo e a necessidade, inexistente, de me jogar para longe. Nick decidiu,
acho que logo após eu atirar a verdade em sua cara, que talvez, me tratar com
frieza possa ajudar. Ele acha que se for um imbecil, vou ficar longe. Assim,
consegue resolver todos os problemas, menos um: irei odiá-lo.
Mas Thompson dá de ombros, não se importando com a minha reação.
Eu já entendi o que está fazendo.
— Vai ficar longe? — pergunta.
— Parece que você quer mesmo isso.
— Sim.
— Babaca — repito. — Me trouxe aqui só para poder brincar comigo?
Até agora estava tudo bem, Nick. O que aconteceu?
— Você mesma disse, precisamos lidar com as merdas dos nosso
problemas. — E se afasta mais uma vez. — Eu preciso de você longe, sei que
me acha medroso, mas acredite, eu conheço Wiston Hill melhor que você.
— Já que não consegue me convencer, decidiu me tratar igual uma... —
Bufo, sem completar. A raiva que sinto me queima o peito. — Quer saber, eu
sou uma idiota.
— Pode ser.
— Vai se foder!
Ele ri baixinho, passando os olhos por todo meu corpo. Nick está
jogando porque me quer longe de seus problemas, mas parece que me ver
assim o anima.
Seu silêncio continua.
— Eu vou embora — exclamo e me levanto, ainda sob a mira de seu
olhar perverso, entretanto ouço a voz fina e suave.
Grace chega com Quinn.
Tento me recompor, fingir que Nicholas não foi um completo idiota. É
um tanto egoísta da sua parte não me deixar escolher. A minha opinião não
parece importar.
A menininha entra na cozinha e me mostra um sorriso animador. Seus
cabelos estão presos num coque e ela veste roupas de balé.
— Alice! — quase grita, andando com pressa até nós dois. — O que
estão fazendo?
— Conversando — Nick responde, sem me deixar o fazer. O encontro
rapidamente, seu sorriso sumiu, ele está sério e ainda me encara nos olhos.
— Sobre o quê?
— Grace, vamos, eles parecem ocupados! — Quinn diz, todos me
cortam antes mesmo de eu conseguir formular uma resposta. A garotinha faz
um careta e cruza os braços.
— Tudo bem, Quinn. Ela não atrapalha — Thompson parece mais
amigável. A babá assente, então, sai. — Estamos conversando sobre nossos
trabalhos da Universidade.
Grace concorda, sem se importar muito. Ela olha para o irmão e depois,
se volta à mim.
— Você vem? Meu aniversário é na semana que vem!
Nicholas abaixa a cabeça no mesmo momento, sem animação, sem
sorrisos, sem nada. Ele fecha os olhos e suspira.
— Não acho que Polly me queira aqui — digo, docemente, sabendo que
Nick também não me quer.
— Eu não ligo! É a minha festa e eu gosto de você — continua.
Grace parece uma bonequinha e suas bochechas gorduchas me
desmontam. Fico parada, travada, sem resposta. Ela gosta de mim?
Não quero dizer que não posso vir, e não quero confirmar. Thompson
ergue a cabeça, me encontra e sorri sem animação, ele apenas estica os lábios
enquanto seus olhos brilham de tristeza ou algo do tipo. O que realmente
importa é, não há muita felicidade em seu rosto.
— Vou conversar com ela sobre isso, Grace. Agora, é melhor ir tomar
banho.
— Tchau Alice! — sussurra, indo embora com toda sua obediência.
Assim que a pequena se retira, esperamos mais uns segundos. Nick me
observa, ele nem pisca. Só fica me fitando, me julgando, pensando em coisas
erradas.
— Sua irmã é mais agradável que você.
— Ela vai fazer seis anos, tem que ser.
Rolo os olhos. Sem ter Grace por perto consigo voltar a sentir a raiva
que ele me causou. Caminho pela cozinha até sair dela, então, no salão
principal, ando até a grande porta da frente.
Posso ouvir seus passos atrás de mim, mas os ignoro. Agarro a
maçaneta, sabendo que Nick não se importa, ele está preso ao personagem
que parece me odiar.
— Espera. — Ouço. Me viro lentamente e encontro seu corpo perto do
meu, tão perto que me causa arrepios.
Nick se aproxima, me encostando contra a parede, e agarra na minha
cintura.
— Achei que... — sou interrompida por um beijo quente, daqueles que
te levam à loucura.
Ele me beija com avidez, me aquece, me faz esquecer de tudo que me
disse e, ao mesmo tempo, transforma a minha raiva em vontade.
Thompson morde meu queixo e então, se afasta um pouco, ofegante.
Apoio minhas mãos em seu peitoral, mas não o empurro por completo.
— Eu só precisava ter certeza. — Arfa enquanto sussurra perto dos
meus lábios.
— Isso não é justo. — O soco no abdome. — Você não...
— Eu não posso fazer isso com você. Eu sei.
— Ou você se afasta, Nick, ou fica comigo. Não há uma terceira opção.
Ele dá um passo para trás, enquanto eu o examino.
— E quanto a sermos amigos?
— Você me entendeu. Não pode ser meu amigo e um babaca ao mesmo
tempo.
Vejo-o concordar. Respiro fundo, sentindo seu cheiro, mas não vou
implorar, não vou pedir para que fique. Ele tem que decidir sozinho.
Não me importa o que aconteceu em seu passado.

O primeiro dia no trabalho novo deveria ser bom ou, pelo menos,
animador, mas servir bebidas no Red Hell me parece um desafio. Eu não
posso tomar um gole sequer e isso está definido.
— Novata! — Thomas se aproxima de mim, atrás do balcão limpo e de
vidro. A casa acabou de abrir. — Animada?
— Nossa, super! — minto e ele nota. Não sou boa com sarcasmo.
— Gostei da roupa — brinca, me analisando.
Tommy se apoia sobre o balcão e sorri de canto. O meu vestido preto
colado e minha meia arrastão parecem adequados à situação. O batom
vermelho já me é um costume.
— Nick sabe que está trabalhando aqui?
— E isso faz diferença?
— Nenhuma — fala. — Mas ele vem ao Red Hell com frequência, será
pego de surpresa.
— Que se foda.
— Tudo bem — Tommy senta no pequeno banco, ajeita o cabelo e
suspira —, o que aconteceu?
— Ah, você não soube? Ele desapareceu por uma semana e agora...
— Como assim, ele desapareceu? — Thomas une as sobrancelhas, uma
marca aparece em sua testa e ele cruza os braços. — Nicholas esteve no Red
Hell, até brigou por aqui.
— Eu quis dizer que ele desapareceu para mim — explico, baixando a
cabeça. — A mãe dele morreu, então, acho que...
— Pumpkin está morta? Espera, me conta isso direito! — exige.
— A Polly entregou um atestado de óbito para o Nicholas. Parece que a
mãe dele morreu de overdose. Não sei…
Tommy ri, o que me é estranho. Ele achou engraçado?
— O que foi?
— Nada. Nada. Só, deixa pra lá. Te vejo depois — diz, se afastando.
Não entendi muito bem, mas não posso me meter em todas as coisas
estranhas dessa cidade.
Passo horas de pé, sem beber, apenas servindo. As meninas dançam em
palcos pequenos, as luzes piscam e brilham. O vermelho domina. E eu o vi
entrar aqui há pelo menos cinco minutos, mas ele não me viu. Nick nem
notou a minha presença, na verdade, ele só se sentou à uma mesa distante,
longe de tudo e todos.
Roxy se prepara para andar até Thompson, quando me ofereço.
— Pode deixar comigo — digo, ela ergue as mãos e se afasta.
Com passos lentos, me aproximo de onde está. Vejo suas mãos estão
juntas, apoiadas na mesa. Os hematomas brilham em sua pele quando as
luzes passam por ele.
Nicholas sabe que onde quer que esteja, se torna o centro de tudo. Todos
— principalmente as garotas — o olham. Ele tem uma atitude que combina
com a culpa que carrega. Acho que antes de Elle, ele era completamente
diferente e agora, tem a chance de voltar a ser real, sem esse passado o
perturbando.
Mas parece que escolher entre seguir em frente e culpar os outros — os
verdadeiros responsáveis — é mais complicado do que parece.
Paro ao seu lado e o pego fitando as minhas pernas.
— O que posso te servir, Thompson? — questiono. O garoto arqueia a
sobrancelha, reconhecendo a minha voz, e me olha. Há surpresa e choque em
sua face, mas ah, seu sorrisinho malicioso retorna.
A cidade é pequena e não será tão fácil ficar longe de mim. Essa é a sua
última chance.
28

IMPUROS
"Você é uma arma carregada,
não há para onde correr.
Ninguém pode me salvar,
o estrago está feito."
Bon Jovi | You Give Love a Bad Name

ALICE WONDERS

Ele me segue, incansavelmente, pela casa noturna. Paro atrás do balcão,


sem querer ouvir suas frases prontas e suas provocações. Depois da tarde de
hoje notei que Nick tem algo em comum com Polly Thompson. Eles dois
conseguem brincar com os outros, conseguem jogar com os sentimentos
alheios.
— Quer dizer que você trabalha no Red Hell? — pergunta e apoia as
mãos no vidro que nos separa.
Somos iluminados por luzes vermelhas e nos encaramos com toda
lascívia possível. Nick está furioso e curioso, mas ele não consegue ser cruel
comigo, nem quando quer me afastar de vez.
— É o que parece — falo, sorrindo falsamente. Ele ri e ajeita os fios
bagunçados. — Achou engraçado?
— Na verdade sim, mas você não entenderia o motivo.
— E como sempre, você não vai me contar o motivo, não é? Prefere
esconder as coisas de mim para me proteger. — Rio da ironia, é ridículo
mesmo, ele não está me protegendo de merda alguma. — Babaca.
— Se eu ganhasse uma moeda a cada vez que me chama assim...
— Você não precisa, já é rico — continuo e meu tom provocativo não
parte. — O que quer beber?
Afinal, eu trabalho no Red Hell, não posso fingir que ele não
existe, infelizmente. Eu só queria mostrar para Nicholas como é terrível ser
ignorado e tratado com indiferença, mas sei que isso seria cômico aos seus
olhos.
— Rum — responde.
Claro. Agarro a garrafa e coloco um pouco da bebida num copo limpo.
Ele me observa como se estivesse me avaliando. Entrego-lhe seu pedido e
espero.
— Por que não dança?
— Está brincando comigo? — O nervosismo é audível em minha voz.
Nicholas gosta de me provocar de todas as formas, seja me irritando ou me
deixando excitada.
— Eu adoraria te ver dançar em um daqueles palcos.
— Que pena. Afinal, não podemos ficar juntos, quer dizer, próximos,
lembra?
— Você que surgiu com a ideia de sermos amigos. — Ele está jogando
isso na minha cara no pior momento possível.
Nick bebe um pouco e desvia o olhar, encarando algumas dançarinas em
roupas sensuais demais. Ele morde o lábio e eu quero gritar.
— Foi você que surgiu com a ideia de me afastar de vez, não?
Thompson coloca o copo sobre a mesa, batendo-o contra o vidro,
gerando um barulho irritante. Ele me olha e suas íris escurecem por alguns
segundos.
— Quem disse que estou fazendo isso?
Engulo em seco e roubo sua bebida, tomo um gole leve dela, o suficiente
para acabar com a minha angústia, mas ainda pouco para me dar coragem.
Quando suas pupilas dilatam assim, me sinto como uma presa, não consigo o
encarar.
— Você — respondo. Ele me reprova, balançando a cabeça e retira a
bebida das minhas mãos. — E eu acho essa coisa de não devemos ficar juntos
uma besteira.
— Eu sei, você é teimosa. — Bebe mais. — Você, Alice Wonders, é um
paraíso caótico. O melhor de todos na verdade.
Sinto-me arrepiar, os fios em minha nuca acordam e um frio em meu
estômago me faz congelar por dentro.
— Vai me chamar de babaca de novo? Porque deveria. Isso te deixa
confusa não é?
— Pode parar de ler a minha mente? — Ataco. Ele sorri de uma forma
irritante, como sempre, e pede por mais rum. — Você diz que gosta de mim,
depois diz que não podemos ficar juntos, daí diz que podemos ser só amigos
e depois me trata com frieza, tentando me afastar. O que quer, afinal?
— Não sei. Você.
— Não parece. — Agarro a mesma garrafa, sirvo a bebida, cruzo os
braços e espero.
— Eu te quero inteira, Alice Wonders. Não quero que Polly te destrua e
ela consegue, acredite. Também não quero que Wiston Hill te corrompa. Essa
ideia me dá dor de cabeça.
— Não. A dor é da ressaca mesmo — brinco, ele faz um biquinho. —
Acha mesmo que sou tão pura e inocente assim?
Mais uma vez, Nick desliza os dedos entre os fios bagunçados e o cheiro
de menta se espalha. Parece um perfume, mas é natural, é o seu cheiro preso a
minha memória e quando o sinto, lembro de seu beijo intenso na tarde de
hoje.
Ele disse que precisava ter certeza, mas não disse de quê.
— Você não é inocente, mas não é ruim como certas pessoas.
— Você não sabe disso. — Me inclino sobre o balcão e chego mais
perto de seu corpo, deixando-o nervoso, noto pois respira fundo e fecha os
olhos.
— Não vou conseguir ficar longe, não é?
— Tente — ordeno.
— É quase impossível — conta com seus lábios cada vez mais
próximos.
— Nada é impossível, Thompson. Mas eu, particularmente, acho
que não vai conseguir.
— E eu, particularmente, não quero conseguir. Você não é a única
confusa.
Rolo os olhos e me afasto mais uma vez. Ele respira fundo e toma um
pouco do rum, deixando-me esfriar a cabeça.
Baixo o olhar, quero saber o que Nick tem em mente agora. Ele não está
brincando comigo à toa.
— Não disse que te quero longe — termina.
Bom, isso não melhora muito as coisas. Ele me quer perto como amiga?
Ele decidiu enfrentar o passado, deixar tudo para trás, esquecer que sua avó é
venenosa? Sério, todo esse medo, essa vontade de me proteger… ele teria que
me colocar numa bolha. Eu me destruo sozinha.
— Nicholas Thompson — Tommy diz, saindo do corredor que leva aos
fundos.
— Thomas, não sabia que estava contratando — provoca.
— Engraçado, isso te lembra algo?
Não sei do que estão falando, não faço ideia. Os observo, mas não digo
uma palavra sequer.
— Ah sim, me lembra caos — Nick responde.
— Claro. Não parece triste pra quem perdeu a mãe — Thomas fala e se
senta ao lado do menino.
— Obrigado por me lembrar. — Nicholas está ignorando bem essa dor e
sei que ele sofre por ter perdido Pumpkin depois de anos sem a ver. — Na
verdade, não sei se consigo ficar muito triste.
— Você sempre amou a sua mãe, ficou mal por meses antes da Wine...
— Chega! Chega disso — exclama, calando Tommy e me fazendo pular
de susto. — Ela foi embora e agora morreu. Ela fez isso, desculpa, mas não
vou ficar sofrendo. Eu a amo, mas não vale a pena. Ela me deixou, então...
— Nicholas...
— Eu só vim beber, Tommy.
Thompson pega o copo e sai, nos deixando um tanto preocupados. Eu o
vejo se afastar pela boate, andar até uma das mesas que dá visão à um palco
onde uma garota magra e de cabelos escuros dança. Ela se move, como se já
conhecesse Nicholas.
— Ele ama a mãe. Não sei o que Polly disse, mas não parece ser verdade
— revela.
— Eu não posso me meter nisso, Thomas. Acho que nós dois já estamos
numa situação difícil.
— Quer me contar? — Apoia os braços no balcão e me encara, sabendo
que preciso desabafar.
Thomas é imparcial, mais que Jack e Hannah. Ele não se importa com
magoar os outros, se isso significar falar a verdade. Já fez isso comigo e
funcionou.
— Elle Carter, Wine Thompson, Pumpkin Thompson. Ele me contou
tudo, disse que eu deveria saber. Disse que eu tenho que saber como as coisas
funcionam por aqui, daí, concordamos em sermos amigos, por enquanto,
porque não queríamos ir rápido demais, mas parece que depois de uma
semana ele decidiu mudar.
— Mudar?
— Nick está frio. Parece que quer me afastar, ele diz que quer me
proteger, mas é ridículo. Tudo isso é ridículo.
— Não é, acredite, eu entendo vocês dois. Olhe, a mãe dele era odiada
por Polly que passou anos tentando a afastar do filho, não conseguiu. Então,
numa noite, a Pumpkin desapareceu.
— Acha que ela fez algo?
Ele dá de ombros.
— Pumpkin não era rica, era bolsista, dançarina e trabalhava aqui no
Red Hell. Você está seguindo o mesmo caminho. Até hoje, Nick acha que
Damon a destruiu.
— E é verdade? — continuo curiosa.
— Depende de quem conta a história. Eu acho que a Polly é mais
culpada que todos os outros. Ela fez de tudo para afastar Wine da namorada,
depois, fez de tudo pra controlar o Nicholas. Dizia que ele se parece com o
pai quando era mais novo, rebelde, querendo procurar por caos e problemas.
— E então, Elle Carter?
— Ela não era um problema pra Polly, até se relacionar com Nick.
Elleanor gostava de provocar, tinha uma personalidade forte. Polly odiava
isso, ela fez a mente do Nicholas para que ele se afastasse e funcionou.
— Agora eu entendo um pouco do medo dele, mas não sou assim. Não
pode me proteger.
— Eu sei, mas confie em mim, Thompson deve estar confuso. Ele quer
algo e acha que não pode ter. As intenções são boas, Nick não quer te
machucar.
— Não funciona assim.
— Eu sei, mas isso não vai mudar tão fácil. Nick se culpa por muito, ele
precisa entender que não tem como mudar as coisas e precisa entender que
não é igual ao pai. Damon abandonou Pumpkin quando ela mais precisava,
mas por trás disso tinha Polly, o convencendo.
— E Nick abandonou Elle.
— É assim que ele se sente, confuso e culpado. Mas Nick gosta de você,
na verdade, nunca o vi gostar de alguém assim.
Dentro do Red Hell o tempo passa rápido demais. Nick ainda está
sentado, segurando mais um copo de bebida, observando outra dançarina. Me
sinto incomodada com seu silêncio, sua ausência de atitude. Ele só bebe e
pensa.
Talvez lidar com pessoas bêbadas me seja um dom, servi muita gente
nessa noite e por algumas horas consegui tirar a minha mente da ideia de ter
Nicholas Thompson comigo, por perto. Mais perto do que ele pode imaginar.
Às vezes eu o via ajeitar o cabelo bagunçado e isso me causava arrepios,
ainda me causa.
Noto que a Red Hell está mais vazia e caminho até o garoto, já tenho a
frase pronta, começa com "precisamos conversar" e termina com uma
discussão que espero ser calma e decente.
— Ainda está aqui — digo, fugindo do plano.
— Você também. — Soa sem ânimo algum.
— Precisamos conversar. Quero que seja sincero, sem confusões ou
ideias idiotas.
— Estou bêbado.
— Por isso mesmo, acho que alguns limites seus não existem mais —
falo e me jogo no sofá vermelho, me aproximando de seu corpo. Nick ainda
encara a dançarina, me ignorando por completo. — Vou ter que subir naquele
palco pra me ouvir?
Ele ri.
— O que quer saber?
— Quando me beijou, hoje mais cedo, disse que queria ter certeza. Mas
certeza de quê?
— Alice, você me deixa confuso.
— Posso te dizer o mesmo. Você não sabe o que quer.
— Essa é a porra da questão. — Ele bufa e passa as mãos no rosto. —
Eu sei o que eu quero. Eu passei a tarde pensando nisso, achei que mudaria
de ideia, achei que imaginar minha avó te destruindo fosse me ajudar a me
afastar. Mas não adianta, que droga!
— Se sabe o que quer, por que não toma uma atitude?
— Uma atitude? Você quer que eu tome uma atitude?
Assinto fazendo um biquinho, sem entender o que sua pergunta
insistente significa. Mas então, Nicholas Thompson se inclina e me beija
ferozmente, agarrando em minha cintura, me obrigando a chegar mais perto.
Ele me aquece e eu me sinto quase subindo em seu colo, esquecendo
completamente que estamos em público. Se a dançarina ainda estiver nesse
palco quando nos separarmos, ela deve ter um fetiche estranho. Nick me
puxa, ele me quer.
Essa é a resposta.
— Nick — sussurro contra seus lábios, e o menino se afasta um pouco.
— Alice, eu sei o que quero. Era essa atitude que esperava?
— Algo assim — respondo, ofegante.
— Mas você não sabe o que quer. Você também tem medo de se
aproximar.
— Não é bem isso...
— Então me diz, o que sentiu quando nos beijamos?
Ah, eu senti muita coisa, calor, fogo, vontade. Eu senti meu coração
disparar. Eu senti o que não conhecia.
— Eu te quero — respondo.
— Isso não é uma resposta, não para a pergunta que eu fiz. Quando nos
beijamos, o que sentiu?
Nego, sem coragem para admitir.
— Disse que queria conversar, mas não consegue responder essa
pergunta. É simples.
— Não, não é! — exclamo. Não é fácil entender meus sentimentos, não
é fácil aceitá-los e não é fácil admitir que estou sim, completamente
apaixonada por ele. — Acredite em mim, não é, porque nunca fiz isso antes.
Não é simples, Nick.
O sinto suspirar. Nicholas se afasta mais um pouco e encosta no sofá,
encarando o palco agora vazio. Ele pensa enquanto eu quase choro, e isso é
por conta da raiva que sinto.
— Eu tenho medo sim e você já sabe o porquê de tudo. Já entendeu. E
isso aqui deixa as coisas ainda mais confusas, você trabalhando no Red Hell,
sabe? A minha mãe conheceu meu pai aqui.
— Fiquei sabendo.
— Mas, Alice Wonders, eu não tenho coragem de fazer com você aquilo
que fiz com Elle. A Polly pode até tentar, mas não consigo. Você tem um
imã, algo assim. Eu queria te proteger, mas você não precisa disso. Não
mesmo, já percebi. Eu sei que ter medo é idiotice, e eu sei que o passado é só
passado. Elle não morreu por minha causa, Wine fugiu por conta de Polly e
minha mãe, bom, não tenho muita certeza quanto ao que lhe aconteceu.
— Vai desistir de se afastar?
— Eu vou desistir de ser um idiota — diz. — Eu gosto do caos que você
carrega. Eu gosto de você — ele finalmente me encara, olhos nos olhos, e me
vê chorar.
Nick seca uma das minhas lágrimas, passando seus dedos fortes por
minha bochecha. Eu fecho os olhos, aproveitando de seu toque.
— Talvez eu esteja errado. Eu estava errado durante todo esse tempo.
Eu te contei tudo para que escolhesse, porque se eu o fizesse, bem, eu te
escolheria apesar de todas as consequências. Mas você não consegue me
dizer o que sente!
— Me desculpa — peço, ainda de olhos fechados.
— Eu espero, já te disse isso uma vez. Eu espero o tempo que for, nem
que tenhamos que ser apenas amigos.
Dou uma risadinha leve, um tanto tristonha.
— Ou melhores amigos que se beijam — sussurro.

As palavras de Nick me abalaram, ele admitiu tudo e desistiu de tentar


me evitar. Aquele garoto finalmente conseguiu se livrar do peso de certas
partes de seu passado, ele entendeu que a culpa de muita coisa não é dele.
Mas também me contou o que sente. E ele sente algo forte.
Depois da nossa conversa, pedi para Tommy o levar até em casa, não
queria vê-lo pilotando bêbado, então, fiquei responsável por cuidar da Red
Hell e sair mais tarde.
Fecho a porta dos fundos e me viro para partir, andando pelas ruas
escuras de Wiston Hill.
— Alice Wonders — alguém chama.
Me viro num pulo, assustada.
Um garoto de cabelos curtos e castanhos me observa. Ele está encostado
em um Opala. Seu sorriso é bonito e posso ver seus músculos por conta da
regata que veste.
— Eu te conheço?
— Não, mas eu te conheço. Sou Mateo Price.
— Ah, claro — me aproximo —, o namorado da Chris Vender.
— Noivo — corrige. — E ela fala muito de você. Não te suporta, na
verdade.
— E então, Mateo, o que faz aqui?
Mateo é bonito, apresentável e um tanto desagradável quando se trata do
tom de sua voz.
— Queria conhecer você, a namorada do Nick.
— Não namoramos.
— Bom, não foi isso que ouvi.
— Quem te contou foi a Chris? — Cruzo os braços.
Mateo suspira, olha ao redor e se volta à mim.
— Entendo o porquê dela não gostar de você, mas eu gosto muito do
que vejo.
— Está flertando comigo?
— Eu disse que sou comprometido — arqueio a sobrancelha, ele acha
que sou idiota —, mas é gostosa.
— Ah, vai se foder — respondo.
Me viro pronta para ir embora, para me afastar do clima estranho que
esse menino carrega, quando ele termina:
— Relaxa, eu só queria ver de perto o tema de tantas fofocas pelo
Campus.
Idiota.
29

TODAS AS RESPOSTAS
"Mas isso é novo pra mim, isso é novo pra você.
Inicialmente, eu não queria me apaixonar,
ter a minha atenção era tudo pra você.
Então não se aproveite,
não deixe meu coração quebrado."
Khalid | Location

NICHOLAS THOMPSON

O cheiro de cereja parece tomar conta do quarto e eu já sei de onde ele


vem. Conheço-o bem e assim que abro os olhos, a encontro sentada no fim da
minha cama, encostada na parede bege, lendo um livro qualquer enquanto
enfiada numa camiseta branca e curta. Não me lembro de ter dormido com
ela de novo, encaro suas pernas, subo por suas coxas e vejo um shorts rosa
que parece mais uma calcinha.
Então, Alice Wonders me encontra com suas íris azuis.
— Bom dia, linda — diz e sorri, caçoando.
— Bom dia, eu acho. Que horas são? — Devo ter muita sorte mesmo,
pois a ressaca não me ataca dessa vez.
— Relaxa, não temos aula — outra voz responde, noto que Jack está
deitado na cama ao lado, mexendo no celular, usando apenas uma calça jeans
surrada. — E não, vocês não transaram.
Bufo, esperava que tivesse acontecido algo. Eu tomei uma decisão, não
a quero longe e essa é a resposta final.
— O que faz aqui? — pergunto. Alice ainda sorri, sentada com os
joelhos dobrados e um livro apoiado neles. — Eu voltei com Thomas, não?
— Exatamente, precisou de uma babá.
— Duas babás — Jack diz, nos olha e chacoalha a cabeça. — Bem, três.
Eu devia ser pago, sabe? Cuido de vocês dois de graça, acho isso um absurdo.
Solto uma risada de deboche, ele está mais do que certo, mas Jack tem
esse instinto, gosta de cuidar dos outros.
— Tudo bem, posso pensar nisso depois — respondo, ouvindo sua
risada nasalada.
Alice deixa de lado o que lê e engatinha pela cama, até chegar bem perto
de mim. Ah, eu queria que ela se sentasse em meu colo, com os cabelos
bagunçados e lindos caindo sobre meu rosto, mas talvez não seja a hora certa.
— Eu cuidei de você — conta com orgulho. — Na verdade, eu vim pra
cá depois que saí da Red Hell. Dormi aqui.
— Na minha cama? — provoco, vejo-a morder o lábio.
— Ainda se lembra da nossa conversa de ontem, Nick? — A menina se
senta ao meu lado. Agarro em sua coxa, acariciando-a, tentando matar a
minha vontade.
Eu me lembro de tudo sim. Ela chorou um pouco quando fui sincero,
quando finalmente decidi parar de ser a vítima, quando depois de muita
bebida, contei o que sinto.
Suspiro e concordo com a cabeça, espero que eu mesmo não mude de
ideia. Não quero a ferir tentando a proteger, não quero ser um idiota, já fui
assim com Madison e me arrependo, fui assim com Elle, e isso me machuca
até hoje. Eu só quero Alice Wonders, apesar de tudo. Nós sentamos e
conversamos tantas vezes, mas passar uma semana longe de sua risada,
sentindo apenas dor, e passar uma tarde tentando encontrar a resposta para a
sua pergunta, me fez notar que não saber o que responder é o certo.
Eu não tenho palavras para descrever o que sinto e nenhuma ordem de
Polly pode ser maior que isso. Bastou pensar muito e ouvir o que Wonders
tinha para me dizer, o que ela acha de tudo isso, e sua teimosia me
convenceu, me mostrou algo.
Tentar manter essa garota longe de mim não será bom, nem fácil, na
verdade, seria um desafio cruel. Nenhum de nós dois quer isso e como ela
mesma disse, é injusto. Não posso beijá-la quando sabemos que não somos só
amigos. Não posso fazer isso com ela, para ser sincero, nem comigo.
De qualquer forma, sei que ainda está confusa, sei que não quer admitir
o que sente e sei que Alice tem seu próprio caos.
Não posso me intrometer nisso, mas posso ficar.
E eu quero ficar.
Alguém deveria ter me contado que, às vezes, a dor é necessária. E ela
foi por anos, então, Alice Wonders apareceu. Talvez seja a hora de parar de
brincar de vítima obediente, que tenta não desagradar Polly Thompson. Eu
não era assim antes de tudo desmoronar em Wiston Hill e quando aconteceu,
minha avó ficou grata. Pela primeira vez me viu calmo e silencioso. Ela me
viu sem causar problemas, namorando a menina perfeita, obedecendo a
algumas ordens para evitar confusões.
E eu sei que não sou assim.
Preciso parar, porque a cada dia mais, me sinto sufocando nessa merda
de mentira, nessa situação horrível, preso a culpa que Polly diz ser minha.
E Alice estava certa, ela disse que já fugi uma vez e não deu certo, ela
disse que eu não mereço mais sofrer por culpa e medo.
Nesse momento, o silêncio parece confortável com ela sentada em
minha cama, vestindo uma camiseta larga demais para o seu corpo.
— Então, não precisamos mais falar sobre isso, certo? Você me
entendeu? — pergunta.
— Eu entendi, Alice. Acho que já fomos claros o suficiente, você sabe
como eu me sinto e eu sei como se sente. Quer dizer — encontro seus olhos
—, mais ou menos.
Ela nega, abaixando a cabeça. Um dia Wonders será sincera comigo,
terá coragem para me contar o que sente de verdade.
— Por que cancelaram as aulas? — questiono e me sento. Só então me
dou conta de que visto apenas uma calça de pijama e Alice dormiu comigo.
Só dormiu.
Essa ideia é boa. Ela dormindo ao meu lado.
— Ah claro, você não viu — Jack responde antes da garota entender a
minha pergunta. — Chris Vender publicou hoje de manhã...
— Publicou o quê? — interrompo. Wonders pega o celular na mesa de
cabeceira e procura por alguma coisa enquanto me explica.
— Sobre a morte da sua mãe, daí, a sua avó decretou luto hoje.
— A minha avó que decretou? — Rio sem entender. Polly odiava
Pumpkin e apesar da minha mãe ter bons amigos por aqui, logo ela decretar
luto me parece incrivelmente teatral.
— Pode rir se quiser — Jack diz, sentando-se em sua cama e nos
encarando. — Aparências. Seria horrível se Chris Vender publicasse que
Pumpkin Thompson morreu e tudo continuasse normal.
Isso é verdade, Polly detesta ser criticada.
— Podem me explicar? — Alice pede, alternando o olhar entre nós.
Agarro o celular de suas mãos, lendo o post. Christina não teria coragem
de ofender Pumpkin, ela sabe que muitos a adoravam, então, não usou de
palavras cruéis.
— Polly odiava Pumpkin — conto. — Ela nunca gostou do
relacionamento dos meus pais, fez de tudo para que Damon não se casasse,
mas muita gente gostava da minha mãe.
— Na verdade — Jack ri —, vocês tem muito em comum, Alice.
Me calo, o observando de soslaio e fingindo prestar atenção no que leio.
— O trabalho na Red Hell, o relacionamento com os garotos Thompson,
serem novatas, completamente contra as regras idiotas desse lugar. Vocês se
parecem. Ah, e claro, as duas corromperam os anjinhos daquela família.
— O quê? — A menina ri.
— Bom, essa coisa de vocês lembra um pouco a coisa de Damon e
Pumpkin. Dizem que o relacionamento dos dois era lindo e maravilhoso,
antes da Polly estragar tudo.
— Agora, você já sabe de muita coisa — termino.
Jack se levanta, entra no banheiro e, antes de fechar a porta, me encara.
— Vou tomar banho, não transem.
A risada de Wonders anima o meu dia, seus olhos brilham e seus lábios
ainda têm marcas do batom. Ela é linda, maravilhosamente linda.
— Acho que depois de ontem, precisamos ser sinceros um com o outro
— diz, ainda mostrando certa animação. — Mas eu juro, se você entrar em
crise e usar o que vou te contar como desculpa pra se afastar, vou socar a sua
cara.
— Eu duvido muito.
Alice me entrega um olhar desafiador, me fazendo segurar o riso. Ela
não gosta de quando debocho de suas falas ou de suas vontades, mas nunca
me socaria.
— A sua avó falou comigo ou eu falei com ela. Quando você sumiu,
antes de eu ir pro bar e beber demais, eu falei com a Polly. Ela me disse que
você tinha viajado e outras coisas.
— Outras coisas? Ela mentiu e disse mais o quê?
— Disse que eu devo ficar longe de você. — O suspiro no final da frase
me mostra o peso dela. Isso a machucou, tenho certeza.
— E então, você bebeu?
— Não, não foi assim.
Eu seguro em sua mão. Wonders fez isso quando percebeu que eu
precisava de ajuda, ela me ouviu, agora é a minha vez.
A menina respira fundo e explica:
— Polly disse que sou um problema, bom, ela deu a entender. Por um
momento eu me lembrei de Katherine. Eu me senti em casa, sabe? Foi como
uma memória.
As lágrimas se forçam a sair, a vejo segurá-las com firmeza.
— Tudo bem — sussurro. — Eu entendi. A minha avó toma algumas
atitudes...
— Não precisa justificar, Nick. — Sorri sutilmente. Ela não precisa
ouvir mais nada sobre isso. Deslizo meus dedos por seu rosto, acariciando-o,
e a menina fecha os olhos. — Eu estou bem — sussurra.
E eu também, porque estamos juntos, depois de toda a confusão que
tomou conta de nossas mentes.

Solto suas mãos de minha cintura, sabendo que poderíamos andar por ai
em minha moto para sempre. Alice me abraça enquanto eu piloto, e não de
uma forma que a deixe segura, ela me aperta como se eu fosse fugir.
A menina desce primeiro e retira o capacete enquanto faço o mesmo.
— Onde estamos? — pergunta, sorrindo.
— Bom, essa praia é mais isolada.
— Eu não trouxe roupas para nadar.
Mordo o lábio me lembrando da sua imagem no mar, seu corpo coberto
por um biquíni que mal escondia seus detalhes. Ela, com os cabelos soltos e
rindo.
— Não vamos nadar, Wonders. Vamos só conversar.
— Conversar?
— Pare de fazer perguntas.
Ela gargalha, me animando.
— Antes, precisa ser sincero. Não está triste quanto a sua mãe?
Bufo ao ouvir a pergunta e ajeito meu cabelo.
— Estou sim, mas não há nada que eu possa fazer agora, não é? Ela era
a minha mãe e eu a amo, só me resta lembrar disso.
— E vocês farão um funeral, algo do tipo?
— Vamos enterrá-la no domingo. Será uma cerimônia rápida.
— Quer que eu vá com você?
— Com toda certeza.
Noto um leve sorriso, algo que demonstra satisfação. Eu não vou a
esconder, não mais. Ela vai comigo, porque se Pumpkin estivesse aqui, eu já
teria as apresentado. Com toda certeza gostariam uma da outra.
Pego em sua mão, a levando até uma parte mais silenciosa da praia,
perto das pedras, longe do mar, onde o sol não queima tanto e ninguém pode
nos encontrar. Nos sentamos na areia, em silêncio.
— Eu gosto daqui — conto. Alice só me observa, como se estivesse a
admirar algo. — É silencioso. É bom. E depois de ontem, depois de tudo isso,
eu preciso tomar uma decisão e você também.
— Eu sei, Nick.
— E eu não vou usar mais desculpas. Quando eu te conheci eu
sabia, você era diferente. Você é. E eu não queria me apaixonar, Alice.
— Nicholas, cala a boca! — exclama, rolando os olhos. Engasgo em
minhas próprias palavras, me sentindo incomodado. — Você sempre fala
muito, agora é a minha vez.
— Sua vez? — Rio, um tanto confuso.
— Sim. Minha vez de dizer que eu não queria gostar de você e eu não
quero, mas é impossível. E eu não gosto dessa sensação.
Suspiro. Ela nunca gostou de verdade, nunca amou. Alice nunca se
permitiu ficar sem palavras só porque o que sentia era grande demais para ser
descrito.
— Eu não quero ser uma idiota e não quero que você quebre meu
coração. E eu sei que vou correr esse risco.
— Vai sim — completo e vejo-a fazer um biquinho. — Não significa
que vai acontecer. Acha que não temo o mesmo?
— Mas você e essa coisa se dão bem. Você gosta desse sentimento,
Nick!
— Não, Alice. — Estico o braço e aliso sua pele macia, sua face
perfeita. — Eu gosto de você.
— Eu disse que é a minha vez! De qualquer forma, não conseguimos
nos afastar e eu te odeio um pouco por isso.
Rio da forma como rosna ao falar tais coisas.
— Acredite, eu também te odeio um pouco por isso. Tentei me
afastar, eu juro.
— Eu notei. — Morde o lábio.
Ela é meu paraíso mais caótico.
— Eu quero dizer que, posso não ter uma resposta exata para todas as
suas perguntas, Nicholas Thompson, mas te quero. E te quero muito mais que
como amigo.
— Isso já é suficiente, Alice Wonders.

Aperto sua cintura com vontade, quero ter o máximo que puder dessa
garota. A empurro contra a parede, fazendo um gemido leve lhe escapar e
sorrio quando sinto-a suspirar em meus lábios. A porta está trancada, o hotel
vazio, e mal posso esperar para bagunçar a cama perfeitamente arrumada.
Suas mãos quentes grudam em minha camiseta, me puxando, enquanto
nos beijamos intensamente. Nossas línguas se encontram com mais desejo
que antes, parece que admitir o que sentimos mudou tudo.
Alice me pega de surpresa quando me empurra com força, me fazendo
tomar certa distância. A olho pensando em devorá-la, em arrancar seu vestido
de uma só vez, e ela parece selvagem com os cabelos bagunçados.
Perfeitamente perversa e deliciosamente impura.
Eu já sei que transar com essa menina é bem mais que maravilhoso,
porém vê-la me querendo satisfaz o meu ego de certa forma.
— Viemos à essa praia porque queria me trazer à esse hotel, não? —
Morde o lábio. Tento me aproximar, mas ela me afasta mais uma vez. —
Primeiro a verdade.
— Eu queria passar um tempo com você — respondo, estico o braço e a
puxo pela cintura —, sozinhos. E sim, eu sabia do hotel.
Sua respiração aquece a minha face, Alice Wonders me esquenta. Sinto
seu toque, seus dedos deslizando por meus braços, desenhando meus
músculos, e então agarram meu cabelo.
— Você vale muito a pena — sussurro.
— Então me mostra!
Nem sorrio, não consigo. Sua luxúria me pega despreparado e suas mãos
me soltam. Alice recua, por um minuto acho que vai desistir, mas não. Ela
agarra na barra do vestido, o erguendo, e fica apenas de calcinha e sutiã.
Renda, como sempre, tudo vermelho demais. A última coisa que noto é o
tecido que antes a cobria, caindo no chão.
Meus batimentos aceleram, minha nuca gela.
Ela confunde meus sentidos.
Me atiro em sua direção, a encontrando com um beijo violento, ouço seu
corpo bater contra a parede mais uma vez. Ela geme, baixinho, de forma
sensual. Sinto seus dedos em minha jaqueta, Alice a retira com calma, em
seguida, a minha camiseta. Ela a puxa ferozmente.
— Você é muito gostoso — sussurra e lambe o lábio inferior. Seus olhos
brilham, cheios de malícia, e faço o mesmo.
Ah, eu a quero, agora e sempre.
— Achei que isso estivesse indo rápido demais — digo, provocando-a.
Alice rola os olhos, insatisfeita.
— É, pode ser. Mas está bom desse jeito!
Outro beijo ardente, lábios adocicados, pensamentos complexos,
vontades à flor da pele. Wonders agarra em meu pescoço e eu desço,
apertando sua pele, então, belisco sua bunda.
Ela ri. Meu som favorito se tornou sua risada. A ergo, pegando-a no
colo. A menina se encaixa perfeitamente em meu corpo, suas pernas se
prendem a mim, suas unhas arranham minhas costas. Não demoro a levá-la
até a cama.
Alice une as sobrancelhas em dúvida, ela me analisa de cima à baixo,
enquanto retiro a calça.
— O que vai fazer comigo, Thompson?
— Vai descobrir — respondo. Me coloco entre suas pernas e puxo os
fios de cabelo abaixo de sua nuca, aqueles mais sensíveis, a fazendo soltar
um som que deixa a minha ereção mais aparente.
Alice não precisa de muito para me deixar duro.
Ela sorri de canto, sem ter uma mínima noção das coisas que quero fazer
com seu corpo. Ela nem imagina como quero ouvi-la gemer meu nome, em
alto e bom som, enquanto suas pernas tremem. Eu quero ouvir seu último
suspiro e deixá-la sem forças. A menina encontra meus olhos e percebo, ela
quer tudo isso também.
Se dependesse de Wonders, destruiríamos esse quarto. Ela confia em
mim, sabe que posso levá-la ao caos que tanto adora.
Beijo seus seios, sem retirar o sutiã, e antes que a menina comece a
implorar, a puxo pelas pernas, trazendo-a mais à frente, me abaixando entre
elas. Começo com provocações e Alice me observa fazer cada coisa. Um
beijo na parte interna de sua coxa resulta num suspiro leve. Então, a mordo
sem muita gentileza, trilhando essa sua parte, subindo cada vez mais, e em
sua virilha deposito um beijo molhado. Alice inclina a cabeça para trás e
fecha os olhos, esperando pelo prazer.
— Ei — chamo. Suas íris azuis me fitam com curiosidade, grudo em sua
calcinha, colocando-a de lado, vendo sua intimidade tomada por excitação.
— Não feche os olhos — ordeno. Ela faz um biquinho.
Começo a beijando, suavemente, sentindo seu gosto. Alice é doce.
— Nicholas — sussurra, implorando por mais. Implorando por
intensidade. Começo a chupá-la com vontade e eu amo fazer isso. Eu poderia
aproveitar do sabor de Alice Wonders por dias. Ela é incrivelmente deliciosa
e vê-la se perdendo em prazer é a melhor coisa no mundo.
A observo enquanto toco-a com a língua em seu ponto fraco. A menina
deita na cama, agarrando os lençóis. A ouço gemer baixo, ela tenta controlar
os sons que a escapam enquanto brinco com seu clitóris.
A melhor parte de chupar Alice Wonders é a ouvir rindo de forma
maliciosa, e quando isso acontece eu sei que ela está chegando ao paraíso.
Ela está perto.
— Não para — diz, arfando. Sinto seu toque em meus cabelos e ela os
puxa. Como reprovação, agarro em seus pulsos, parando-a. Eu quero realizar
tudo no meu tempo, quero a desesperar, quero a fazer gemer, pedindo por
mais, e então, quero dar a ela o que tanto deseja.
Movimento a língua com mais intensidade, os sons se espalham pelo
quarto, a menina geme sem poder se calar.
— Nick, por favor — pede, mas eu não vou parar. Eu quero que ela goze
para mim, eu quero sentir todo o seu prazer, eu a quero tanto que é
impossível descrever. Suas pernas começam a se fechar, me apertando entre
elas, solto seus pulsos e agarro em suas coxas mais uma vez, a impedindo de
me parar.
Alice geme cada vez mais alto, suas mãos apertam o lençol. Sorrio
contra sua intimidade, já sensível demais, e ela me retribui. Suas pernas
tremem e eu a sinto gozar, mas não paro.
— Nick! — exclama enquanto seu corpo é tomado por contrações. Suas
pernas relaxam e ela tenta me afastar, um tanto impaciente. — Por favor. —
Ri e eu continuo. Quero que ela ultrapasse o limite, sei que estou a destruindo
de uma forma maravilhosa.
Alice agarra em meus cabelos e me empurra com agressividade, me
fazendo rir. Me afasto, obedecendo. Posso a ver ofegante e a menina se apoia
nos cotovelos, encontrando meus olhos.
— Você é maldoso — diz e faz um biquinho nada inocente.
— Tem certeza disso? — brinco, me debruçando em cima de seu corpo,
me encaixando entre suas pernas trêmulas, e Wonders deita no colchão,
sorrindo.
Seus olhos brilham enquanto me aproximo para a beijar. Alice me deixa
tomar seu corpo, sem me empurrar, sem querer ter o controle. Ela me deixa
fazer o que quero.
Pego do bolso da calça uma camisinha, eu sabia que faríamos isso hoje.
A menina senta na beira do colchão e puxa o pacotinho dos meus dedos.
— Eu faço isso, Thompson — sussurra. Sua língua aquece o fim do meu
abdômen, acima da barra da cueca cinza, então, me beija suavemente.
Alice retira a única coisa que ainda me cobre, então, sem desviar a
atenção dos meus olhos, me chupa brevemente, desenhando meu pau com
seus selinhos. Ela me faz arfar. Alice o coloca na boca com gentileza,
sabendo que odeio coisas lentas demais, ela quer me ver perder a paciência,
porque sabe que não sou bom nisso.
Autocontrole não me é um talento.
Wonders me chupa do começo ao fim. Ela faz movimentos de vai e vem
como se tivéssemos todo o tempo do mundo, como se nada pudesse nos
parar.
Agarro em seus cabelos, afastando sua cabeça, tirando meu pau de sua
boca, e ela me olha, satisfeita.
— Para de brincar comigo — ordeno.
— Ou vai fazer o quê? — questiona. Respiro fundo, me segurando para
não a foder com toda a vontade que guardo. Essa garota não sabe com o que
está brincando.
Eu posso a destruir de outras formas e não temo fazer isso. Não mesmo.
A empurro sobre a cama e quando suas costas atingem o colchão, a puxo
pelas pernas para mais perto. Arranco a camisinha de sua mão e abro o
pacotinho, não demoro a vesti-la, tudo parece acontecer rápido demais
quando estou excitado e ansioso.
Wonders ri, daquele jeitinho que adoro ouvir.
Sem muita espera a penetro. Ela geme alto e fecha os olhos quando me
sente. Alice é tão quente e apertada. Ah, eu gosto muito disso.
Ela ainda está geme baixinho, mesmo sem eu estar me movendo.
— Nunca mais brinque comigo — sussurro em seu ouvido antes de
começar os movimentos. Dessa vez, não quero ir devagar, não quero começar
com calma. Eu a quero agora, porque ela me provocou, e ela me provoca
todos os dias.
Em momentos como esse, eu tenho a vingança mais deliciosa.
Entro e saio da menina com agressividade e sinto seu quadril se erguer,
ela quer mais, apesar de já estar tendo muito. Alice finca as unhas em meus
braços, o que deixará marcas fortes.
Me movo com mais dedicação a cada reação de seu corpo. Eu já transei
muitas vezes por aqui, mas com ela é diferente.
A menina sorri quando a penetro com mais força e sinto seus arranhões
desenharem uma trilha até as minhas costas, enquanto se contorce sob mim.
Alice abre os olhos e encontra os meus.
— Você vai me fazer... — fala, enquanto suspira — ...de novo.
Rio ouvindo sua declaração. Alice morde o lábio, mas não para de me
olhar e há algo além de malícia em suas íris. A beijo, intensamente, e
diminuo a velocidade de meus movimentos.
— Ugh — ouço a murmurar e um gemidinho de reclamação a escapa.
Mordo seu lábio carnudo, puxando-o.
— Geme pra mim — ordeno.
— Mais forte — pede em desespero. Agora os arranhões doem um
pouco. — Me fode mais forte.
Eu só queria a ouvir implorar. Isso é delicioso, ela é tão teimosa e certa,
tão irritante e incrível. Saio de seu corpo, sem aguentar os machucados que
causa em minha pele. Agarro em seu braço e a viro de costas para mim, Alice
ri. Porra, eu adoro a sua risada maldosa.
Alice apoia as mãos no colchão e sua barriga continua contra o lençol.
Deito sobre seu corpo, sentindo o calor de sua pele, vendo a tatuagem em
suas costas, a serpente que sobe por sua espinha.
— Para de brincar comigo, Thompson — diz. Agarro em seu pescoço,
sem o apertar, e a penetro mais uma vez, ouvindo todos os sons que saem por
entre seus lábios.
Começo a me movimentar com força novamente e agora, ela encosta a
face no lençol branco, mordendo-o. Ah, sim, eu adoro ver o que causo em seu
corpo.
— Eu adoro foder você, Wonders — sussurro, também gemendo, sem
conseguir me segurar. Ela não me responde com risadas dessa vez, na
verdade, seus gemidos aumentam de volume, Alice vai gozar mais uma vez.
— Droga — soa como se reclamasse, mas na verdade, está gostando. E
ela gosta muito. Mordo sua orelha e noto seu sorriso, Alice está no paraíso e
posso dizer que estamos lá juntos. Ela me leva à loucura.
Fecho os olhos, me deixando tomar pelo prazer, gemendo baixo em seu
ouvido. Seus sons são altos, não ficaria surpreso se alguém batesse à porta.
Alice goza intensamente e eu continuo. A sensação é maravilhosa, cada
vez melhor.
— Droga, Thompson — sussurra, reclamando e querendo mais. Seu riso
volta e, ao mesmo tempo, eu atinjo o orgasmo, caindo sobre seu corpo, sem
conseguir manter a força.
Meus braços tremem, minha cabeça lateja. Fecho os olhos e respiro
fundo, ouvindo-a fazer o mesmo.
— Nick — chama, a respondo com um murmúrio e ela começa a
sussurrar — eu gosto mais de você assim — brinca, se referindo a minha falta
de controle. — E eu gosto muito de você.
Beijo sua bochecha, considerando que talvez, tais falas sejam o efeito de
dois orgasmos e um corpo cansado. Mas eu sei que ela gosta de mim e isso
pode até soar egocêntrico, mas Alice não consegue esconder muito bem.

Acaricio seus cabelos, enquanto ela — como sempre — desliza os dedos


por meus músculos. Eu gosto do sexo com Wonders, porém a melhor parte,
com certeza, é a ter por perto, me aquecendo com sua pele morna. Eu gosto
da sensação de estarmos cansados e ofegantes pelo mesmo motivo, em
silêncio, pensando em coisas aleatórias.
— Você não foi com calma hoje — começa, baixinho —, eu gostei.
Dou uma risada curta, concordando com sua fala. Eu também gostei.
— Não vai mais fugir de mim, certo? — Me olha e noto de soslaio, mas
não faço contato visual. — Me promete.
— Não, Alice, eu não vou mais fugir de você. — Aperto-a contra meu
peito.
— Então, o que temos?
— Depende do que você quer. Mas a gente não precisa definir nada
ainda.
Ela pensa, chegando mais perto do meu rosto.
— Eu concordo. E se você tentar escapar de mim, Nicholas Thompson,
eu vou ter que te agredir.
— Acredito em você — respondo, rindo. — Quando vai me dizer a
verdade, Wonders?
— A verdade sobre o quê?
— Sobre como se sente.
Agora, ela ri. Alice não continua o assunto, não vai assumir tão cedo. Já
me acostumei. Eu consigo lidar com isso, com a sua indecisão, desde que
possa deitar mais vezes ao seu lado, como agora, e pensar na sorte que tenho.
Às vezes me pergunto se Damon — meu pai —, se sentia assim. Todos
dizem que ele e Pumpkin eram o casal mais perfeito e que eram apaixonados.
Ela não abriu mão do que queria por ele, mas enfrentou Polly, e isso não é
fácil. Imagino que a sensação de gostar de alguém seja assim, te dá coragem e
medo ao mesmo tempo.
E eu tenho um pouco dos dois. Prefiro acreditar que são suficientes para
nos fazer ter um destino melhor do que meus pais.
— Nick — chama, ela sempre começa assim, num tom doce, calmo —,
nós precisamos acertar algumas coisas.
A olho, um tanto confuso, e sinto uma linha de expressão se formar em
minha testa. Dúvida.
— Você vai me ensinar boxe — diz. Suspiro de alívio. — E eu vou na
festa da Grace.
— Por mim tudo bem, desde que não queira aprender a pilotar — falo e
ela se encolhe. Sabe ao que me refiro, a Elle Carter.
Eu posso ter perdido o medo de me aproximar de Alice, porque a
sensação de tê-la é bem melhor, mas não vou arriscar fazer algumas coisas.
Prefiro evitar.
— E tenho outro pedido, me fale um pouco sobre o Mateo Price.
Fico confuso, por que ela quer saber dele? Não vejo motivos para Alice
se interessar por alguém como Mateo.
— Bem, ele é o noivo da Christina.
— Disso eu sei. Tudo bem — Alice se apoia no cotovelo para me olhar
—, serei sincera. Ele falou comigo.
Sinto uma raiva me subir pela garganta. Eu e Mateo não nos
suportamos, na verdade, tudo que mais quero é distância dele. Aquele garoto
é o pior tipo de pessoa.
— Falou o quê?
— Quando eu saí do Red Hell, ele estava me esperando. E, bem, acho
que ele flertou comigo, não gostei nada disso.
Apesar do desgosto e do nojo que sinto de Mateo e suas atitudes, fico
feliz por Alice finalmente começar a me contar as coisas, começar a se abrir.
Ela decidiu ser sincera e isso significa muito mesmo, pelo menos para mim.
Não cresci no meio de honestidade.
— Certo, eu e Mateo temos problemas um com o outro — revelo. —
Acho que ninguém gosta dele por aqui.
— Ele é noivo — ela diz, rindo. — O que não significa muito, já que a
Chris tem um caso com o Jayden.
— É uma longa história, Alice.
A menina arqueia a sobrancelha e faz uma careta.
— 'Tá bem, sem segredos — sussurro. — Jayden e Chris namoravam na
escola, os dois se gostavam bastante.
— E como ela foi parar com Mateo? — pergunta num tom de deboche,
Alice pode odiar Vender, mas também não a conhece.
— Vou resumir. Sempre fui próximo da Chris, a maioria de nós cresceu
junto por aqui. Eu me lembro que ela decidiu levar Jayden pra casa e
apresentar aos pais, mas Ash, o pai dela, não gostou muito.
— Ele não aprovava o relacionamento? Em que século estamos?
Rio nasalado, concordamos nisso também.
— Ash sabia que Jayden não é rico, ele não tem casas nem empresas.
Ele é um garoto normal, bolsista, extremamente inteligente, que ama
basquete.
— Dinheiro não é tudo na vida. Não vai me dizer que o pai dela não
deixou os dois ficarem juntos por causa disso?
Ah, é isso mesmo. A indignação no rosto de Wonders me preocupa um
pouco, apesar de tudo, ela é boa. Essa menina é extremamente limpa de
maldade, daquela real, que afeta os outros. Alice se destrói, mas nunca
destruiria alguém.
— Esse não era o único problema. Jayden é negro e Ash é um babaca —
explico. — Então, ele obrigou a filha a terminar, sabendo que ela faz de tudo
para o agradar, e arranjou um namoro.
— Ele arranjou um namorado pra filha? — Wonders fica boquiaberta.
— Eu juro, tenho muitos problemas familiares, mas meu pai nunca faria isso.
— Eu sei — suspiro. — E ele fez com que Mateo e Chris ficassem
juntos, por isso, ela dorme com Jayden. Uma longa história.
A garota baixa a cabeça, pensativa.
— Eu nunca imaginaria isso, quer dizer, ela é bem venenosa e irritante.
— Eu sei, amor — me sai sem que eu repare de primeira e então ela cora
e me fita com confusão. Eu rio, foi um acidente. — Olha, Alice, Christina é
complicada e essas coisas não justificam as atitudes ruins que ela tem.
— Certo, amor — caçoa. — Só tenho mais uma pergunta, tem certeza de
que ela gosta de Jayden?
— Tenho motivos para acreditar que sim. — Muitos na verdade, Mateo
não é o melhor noivo do mundo e ele pode se tornar agressivo.
Chris se arrisca todos os dias apenas para continuar com Jayden,
sabendo que se Mateo descobrir, não pensará duas vezes antes de fazer uma
merda. Mas não posso contar isso a Alice, é muito pessoal e eu mesmo já
tentei ajudar a Chris, acabei me envolvendo demais — outras histórias do
passado —, por isso, Mateo Price é meu inimigo número dois. O um deve
estar longe o suficiente agora.
Essas são partes que a novata não conhece.
— Eu acho que ela gosta de você, Nick...
Estremeço. Sei que a Vender passa essa impressão, eu mesmo me
pergunto isso várias vezes, mas aquele garota é fechada em excesso para se
explicar. Os Vender acham que chorar ou desabafar, os tornam fracos.
— Então — rio um pouco, mas Alice fica séria —, ela não gosta de
mim. Éramos próximos, eu já disse, e uma vez nos beijamos. Depois disso,
Chris nunca mais agiu da mesma forma.
— É, mas continua te cercando. — Agarro em seu rosto, virando-o para
mim, acariciando-o. — Não estou com ciúmes, só não entendo o porquê da
implicância.
— Ela gosta de agradar a quem ela acha que deve agradar. Polly é uma.
Alice se cala, acho que me entende. Vender só se importa com o que vão
pensar dela, se estar com Alice for quebrar uma regra, ela nunca fará isso. Se
as pessoas importantes dizem que Wonders é um perigo, então, ela age
conforme. E se a novata rouba toda sua atenção e holofotes, então, Chris a
detesta.
— Essa cidade é uma merda — conclui e suspira, me olhando com
doçura.
— Ah, ela é sim, mas ficou um tanto melhor quando você chegou.
30

1991
"Tento encontrar razões para nos separar,
mas não está funcionando porque você é perfeita.
E sei que você vale a pena, eu não posso ir embora."
The Weeknd | Die For You

NICHOLAS THOMPSON

Eu imaginei que tudo pudesse acontecer após a morte de Pumpkin.


Acordei numa cama que não me é tão confortável, após horas de
pesadelos. Primeiro Pumpkin, depois Elle, e então, Wine. Todos misturados
com apenas um propósito, me torturar.
Eu prometi que passaria o final de semana em casa e estou fazendo isso
por Grace. Ela terá de encarar um funeral dias antes de seu aniversário.
— Bom dia — ouço ecoar pelo quarto, que sempre é tão silencioso. Essa
casa é silenciosa. Polly Thompson odeia barulhos.
Evito me mover, reconheço a voz e espero estar tendo mais um sonho
ruim.
— Nunca imaginei que fosse te ver aqui de novo — começa —, filho.
Me apoio nos cotovelos lidando com o suor e com a dor no corpo
causada por estresse e treino excessivo, além do sexo com Alice na tarde de
ontem. Encaro o homem sem ter muito o que lhe dizer, na verdade, não há
um sentimento sequer dentro de mim.
Damon está à minha porta, me observando como se nunca tivesse
partido.
— Você cresceu.
— Isso acontece em alguns anos — falo, sem acreditar em sua escolha
de palavras.
Me levanto, tentando ao máximo ignorar a sua presença. Ando até o
banheiro, grande demais para qualquer um que seja, e entro.
— Me desculpe, Nick.
— Desculpas? — Algo mudou, não tenho forças para alterar meu tom de
voz, para gritar ou jogar a verdade em sua cara. Não faz diferença, não vejo
necessidade. — Você foi embora há uns três anos, depois da minha mãe
desaparecer. Não voltou pra casa quando Wine sumiu e nem para passar mais
que um final de semana com a Grace. Agora pede desculpas?
— Nicholas, eu sei que falhei com você...
— Sem frases prontas, Damon — o interrompo, parando à porta do
banheiro, encontrando suas íris apesar da distância. Olhar em seus olhos é
como me ver no espelho, temos as mesmas cores neles e a mesma intensidade
guardada. — Sem isso. Se fosse por mim, eu não daria a mínima, mas Wine e
Grace precisavam de você, a minha mãe precisou de você por meses antes
dela ir embora. Dizia que a amava, mas a abandonou. Você enfiou ela aqui,
nessa casa, com a Polly, e fugiu.
— Nicholas eu não quero brigar, acredite — tenta, me calo, porque
também não quero discutir. — Nesses três anos, mal nos vimos. E eu juro, eu
me culpo pela morte da sua mãe mais do que pode imaginar, eu sei que sente
raiva de mim, mas por favor, não nesse fim de semana.
Ele não merece misericórdia, se assim quiser chamar. Há três anos, meu
pai foi embora, ele decidiu que o trabalho era mais importante e por incrível
que pareça, a minha mãe precisava muito dele. Daí ela sumiu. Naquele ano
tudo desmoronou, parecia só um pesadelo, como se fosse passar em algum
momento.
Meses depois me aproximei de Elle.
— Então, o que quer? — Espero por uma resposta sincera, que faça
sentido, nada de sentimentalismo falso ou desculpas fajutas.
— Tempo — respira fundo —, filho, eu quero um tempo com você e
com Grace. Só isso. Nós podemos conversar sobre o que quiser, só converse
comigo.
Não sei se quero passar um tempo sozinho com ele, mas penso que
tentar o afastar sendo que agora está na cidade, será impossível. Damon
sempre fica em outras casas de Polly, em outros estados, e por isso é mais
fácil fingir que não existe. Agora, ele está em casa, sendo amigável em
excesso e fingindo ser um bom pai.
Damon é irritante, porque se culpa. Eu o entendo.
Bufo e entro no banheiro novamente, ando até o box e ligo o chuveiro,
regulando a temperatura da água. Damon me segue e para à porta, todo
esperançoso.
— Um almoço! Por favor, um almoço. A gente pode bater um papo,
você pode me contar sobre o que tem feito.
Agora ele quer saber? Nunca deu a mínima. Damon está queimando em
culpa e dor por conta da morte de Pumpkin, tenho certeza, e agora deve estar
tendo uma crise, porque ela não o consideraria um bom pai.
— Posso levar alguém?
— Quem quiser. Só apareça.
Eu concordo, sabendo que Alice não pode negar quando eu a convidar.
Ela me fez conhecer Katherine e John, hoje entendo o porquê, não consegue
mais lidar com a mãe. Ainda me lembro de suas unhas enfiadas na pele de
sua coxa e isso me assombra.
Sinto um impulso, quero conversar com ela sobre isso, mas não gosto de
parecer superprotetor ou intrometido. Eu só a quero bem. Dessa vez, preciso
da sua ajuda, porque Wonders tem um autocontrole excepcional em algumas
situações e ela consegue me fazer não socar a cara de alguém. Eu tenho
certeza de que consegue.
A minha única preocupação é: Wonders ainda não me viu perder a
cabeça. Eu nunca a machucaria, entretanto, machuco aqueles que já me
feriram. Damon está nessa lista.

Ela ficou curiosa com a minha ligação e como sempre, insistiu até que
eu lhe contasse sobre o almoço. Eu disse que ia a levar para conhecer alguém,
mas surpresas não funcionam com Wonders.
Ela me pressionou tanto que revelei logo, e no fim, ri da sua reação.
Alice entrou em choque — notei por telefone —, gaguejou e riu. Ela não
acreditou que eu quero a apresentar ao meu pai, ainda mais agora que
estamos juntos, não oficialmente, mas estamos. Então, ficou um pouco
nervosa.
Paro com a moto à frente da fraternidade e a vejo surgir alguns minutos
depois, usando um vestido marrom e tênis.
— Acha que vestido é bom em motos? — pergunto, caçoando.
— Eu me esqueci completamente disso — responde e enrubesce, parada
ao meu lado. — E não vou trocar de roupa.
— Não precisa, está linda.
Alice ainda não se acostumou com meus elogios, ela trava, sem saber o
que dizer.
— Está sempre linda — continuo provocando, tentando a fazer ficar
extremamente vermelha.
Um silêncio estranho nos ataca, então, ela suspira.
— Acha uma boa ideia me apresentar ao seu pai?
— Você me apresentou aos seus.
— É diferente.
— Não, Alice, não é. Acredite. Damon é simpático, completamente
diferente de Polly, mas eu e ele não nos damos bem.
Seu sorrisinho surge, mas ela ainda parece ansiosa com tudo isso.
— E acha que ele vai gostar de mim?
Ah sim, eu rio da sua pergunta, rio com vontade. Alice me encara sem
saber o motivo.
— Isso importa?
Dá de ombros, como se agradar meu pai fosse algo bom. Ele gosta de
qualquer pessoa que não implique com as suas escolhas.
Saio de cima da moto, pego um capacete e me preparo para colocá-lo na
garota.
— Vai me tratar igual criança? — Ela põe as mãos na cintura e faz um
biquinho.
— Você parece uma às vezes — um ugh lhe escapa, o que me diverte.
— Fique quieta.
Assim que a vejo pronta, subimos na moto. Alice agarra em meu corpo,
como de costume, e por alguns segundos me deixo aproveitar do seu toque
cheio de confiança. Ela me aperta, não porque tem medo, e sim porque gosta
disso. Sorrio uma última vez antes de sair.
— Não me mate — pede, baixinho. Isso também virou um hábito.
— Nunca.

Ao chegarmos no restaurante, o mesmo em que conheci seus pais, noto


o carro de Damon no estacionamento. Isso me incomoda, perco a coragem
que tinha. Passar a tarde ouvindo o que ele tanto quer me dizer não me anima.
— Vamos? — ela questiona, colocando alguns fios atrás da orelha. Saio
da moto rapidamente e pego em sua mão, pensando se quero mesmo entrar
no lugar. — Não vai desistir agora, Thompson. Estou curiosa.
Mordo o lábio. Alice Wonders é linda, divertida e completamente única.
Não foi um acaso eu a ter encontrado à frente do Heaven, foi sorte. Porque
essa garota é especial.
— Vamos — ordena num tom de voz mais arrastado, como uma criança
faria.
— Tudo bem, vamos.
Subimos os degraus que levam à parte da frente do restaurante, com
vista para a estrada e rochas em meio ao mar. Pela porta de vidro vejo Damon
olhando o relógio, fiz questão de me atrasar um pouco.
Me percebo parar mais uma vez e respiro fundo, mas só quando sinto
sua mão na minha, eu relaxo.
— Nick, você sabe que está tudo bem. É seu pai.
— É. Esse é o problema — explico.
Ela me arrasta para dentro do salão, em seguida, me deixa levá-la até a
mesa. Vejo a animação no rosto do homem, a forma com que me encara,
como se não esperasse que eu fosse aparecer.
— Você veio! — diz, confirmando minhas teorias. Assinto sem sorrir,
sem me sentir confortável.
Wonders está presa ao meu braço, parada ao lado do meu corpo,
segurando em minha mão como se essa fosse a única coisa que me mantém
calmo.
— Essa é Alice Wonders — apresento e vejo-a sorrir. — Ela é a
minha...
O aperto em meus dedos demonstra a sua reprovação. Ela não é a minha
namorada, ainda.
— Ela é uma pessoa muito especial pra mim.
— É um prazer — o homem fala. Ele aponta para os dois lugares à sua
frente e nós nos sentamos. — Não leve como algo ruim, mas é linda.
Rio nasalado e Alice cora no mesmo instante. Deixo-a se virar com esse
comentário, apenas a observo. Talvez todos os Thompson, exceto por Polly,
tenham a sina de se apaixonar por Wonders de formas diferentes.
— Obrigada, não é algo ruim. — Ri com timidez.
— Na verdade, você me lembra a minha esposa. — Merda, eu travo,
baixo a cabeça e espero. Essas palavras me machucam, porque Damon é o
único que pode dizer isso com certeza, ele conhecia Pumpkin como ninguém.
— Você se parece com ela, mas não de aparência. Quer dizer, vocês tem o
mesmo jeito de se vestir e...
— Pai, chega — solto, fazendo-o se calar. Alice alterna o olhar entre
nós, percebendo o quão pesado o clima se torna em segundos.
— Não, tudo bem. Eu sinto muito pela morte da Pumpkin, Senhor
Thompson. Pelo que ouvi, ela era uma pessoa muito agradável.
Fico admirado, Alice consegue acabar com a situação estranha e
consegue fazer meu pai sorrir. Eu estava certo, há algo entre os Thompson e
essa menina.
— Bem, ela era sim. E pode me chamar de Damon. Todo mundo
gostava da Pumpkin, havia exceções, mas gostavam dela.
— Tudo bem — interrompo mais uma vez, não consigo ouvir essa
conversa, não consigo ouvir sobre as qualidades da minha mãe. Eu a amava e
tudo isso dói demais. — Vamos almoçar?
— Claro, podem escolher o que quiserem, eu vou pagar.
Damon é gentil e admirável, ele gosta de tratar a todos bem, mas não era
assim na adolescência. Brigas, bebidas, motos, namoradas. Tudo que Polly
odeia.
Ficamos em silêncio até escolhermos a comida, o garçom anota os
pedidos e então, nos somos forçados a falar um com o outro.
— Você veio para o enterro, vai ficar mais que dois dias ou vai sumir
logo depois? — pergunto. Damon balança a cabeça, ele sabe que estou
furioso.
— Pretendo ficar para o aniversário da Grace.
— Ah, finalmente ele se importa — digo isso baixo, mas noto que Alice
me encara como se eu fosse um monstro. Meu pai se cala, cerra o punho e
respira fundo.
— Alice, certo?
Ela assente e o olha com doçura. Eu não entendo o que se passa pela
mente de Wonders, não consigo compreender seus julgamentos.
— Você é da família Wonders?
— Sou sim, vim de Nova Iorque para estudar.
— E estuda o quê?
A conversa dos dois parece boa, ele está calmo e não estamos
discutindo. Penso que talvez eu deva deixar como está, porque minhas
palavras são armas carregadas.
— Estou no primeiro ano, com o Nick. Somos da mesma turma, mas
pretendo cursar literatura.
— E se conheceram lá? — Sei onde Damon quer chegar e o deixo. Ele
está se comparando a mim.
— Na verdade, nos conhecemos no Heaven — me intrometo. Não, não a
vi no Red Hell. Há diferenças entre a história de meus pais e a minha com
Wonders.
— Ah claro — ele disfarça. — E você trabalha? Sei que tem dinheiro e
não...
— Eu trabalho sim — ela o corta, mas não de uma forma rude e
inapropriada. Seu tom de voz é doce, bom. — No Red Hell. Eu sou bartender.
Damon se cala, ele trava, talvez pensando se minha relação com Alice é
uma boa ideia. Há tantas perguntas na mente do meu pai e nem sei qual será a
pior delas.
— Vai ao funeral? — Os olhos dos dois se encontram. Alice confirma.
— Ela vai sim, mas Polly não sabe. A minha avó não gosta muito dela.
— Entendo — ele sussurra. Ah sim, ele entende.
— Sim, você é bem familiarizado com isso, não?
O percebo sem muito jeito, Damon se arruma na cadeira, pigarreia e
tenta olhar para outra coisa que não seja eu e Wonders.
— Eu já volto — meu pai solta e se levanta, saindo com rapidez. Sei que
ele vai fumar e tentar se acalmar.
O silêncio permanece, Alice nem me olha por alguns segundos.
— Precisa fazer isso? — questiona baixinho. A fito com dúvida. Ela
acha que estou errado? — Está agindo igual a minha mãe, jogando verdades
na cara dele, sendo hostil. Isso não vai ajudar.
— Ele sumiu por anos.
— Não importa! — Seus olhos brilham. — Ele errou sim, mas está aqui
e posso ver que está sofrendo. Sei que não acha, mas seu pai amava a sua
mãe. Ele só falou dela quando chegamos, Nicholas, precisa parar de o atacar
assim.
— Eu não quero o atacar, mas não consigo agir como se tudo estivesse
bem, Alice.
— Certo, e já tentou conversar com ele sobre isso? Perguntar o porque
de ter ido embora...
— E você, já conversou com a sua mãe sobre o problema de vocês? Não
é tão diferente.
Ela se cala e engole em seco.
— Eu não vou discutir, Thompson, você sabe como soltar frases que
machucam os outros.
Eu não tenho como responder a isso. Há dias tenho tentado a magoar,
mesmo que sem querer, apenas para afastá-la, e agora faço isso com meu pai.
Eu só noto a dor que causo depois de falar tudo que guardo e eu percebo
que posso destruir as pessoas.

Me esforcei para não continuar magoando Damon, nunca fui um filho


perfeito e sei que ele não está me tratando mal agora, pois se culpa e sente
falta de Pumpkin. A relação dos dois era boa sim, não sei se algo aconteceu
ou se Polly conseguiu os destruir, mas tudo mudou rapidamente. Mesmo
assim, vejo nos olhos do meu pai como ele sente a dor que causou.
A minha mãe o amava e sofreu muito quando percebeu que não podia
tê-lo por completo, não enquanto a palavra de Polly fosse a mais importante.
No final do almoço ele e Alice se abraçaram e se despediram com certa
delicadeza. Ela foi simpática à todo momento e Damon a tratou muitíssimo
bem. Depois disso, apenas pilotei com as mãos da Wonders em meu corpo,
até o penhasco nem tão alto, que fica perto da colina.
— Esse lugar é calmo demais — ela diz, descendo da moto. — Eu
gostei.
— A minha mãe me trouxe aqui uma vez, sabe? E por algum motivo
nunca mais voltei.
— Você se lembra dela, não? — Seus olhos encontram com os meus
enquanto desço da moto. — Está sofrendo, Nick, não adianta esconder.
— Ela já está morta! — exclamo. — Não posso mudar isso.
— Não significa que precisa fingir indiferença.
Alice para à minha frente e se coloca nas pontas dos pés. Minhas mãos
segura em sua cintura, a dando apoio. A menina me entrega um beijo rápido.
— Não precisa fingir que tudo está bem.
— Se eu não fizer isso, vou acabar destruindo alguma coisa. Não
consigo lidar com esse sentimento, Wonders.
Pensar que fiquei anos sem ver Pumpkin para depois descobrir que ela
morreu, me fere de uma maneira indescritível. Não chorei de novo desde que
me abri com Wonders, não deixei a tristeza me dominar, mas sinto um peso
enorme em meu corpo.
Às vezes, não consigo respirar.
— Obrigado por manter tudo calmo no almoço — sussurro, tirando
alguns fios de cabelo da frente de seus olhos. O vento está forte, mas não o
suficiente para criar ondas, e o sol queima as nossas peles. — Damon nem
perguntou sobre o hematoma no meu olho.
— Isso é bom?
— É ótimo — respondo a fazendo sorrir.
— Bom, eu tenho uma ideia, mas você não vai gostar.
Wonders se afasta um pouco e tira os tênis com calma.
— Você não quer transar aqui, quer?
Ela gargalha, não há som melhor que esse. A menina nega com a cabeça
e retira o vestido, deixando-o pendurado na moto.
— Tira a roupa — ordena.
— Pra quê?
— Só tira, Thompson.
Rosno um pouco, reclamando, mas obedeço. Retiro as botas e ela me
observa com atenção enquanto deixo a camiseta cair no chão, e então, desço a
calça. Wonders pega na minha mão e me puxa para a beira da grande pedra,
olhando para o mar calmo abaixo de nós. Uma lucidez me ataca e a encaro
com certo choque.
— Não quer fazer isso, quer?
— Não tem pedras e nem ondas. Vai ser divertido.
— Isso é perigoso, você sabe — explico, mas ela rola os olhos. —
Podemos morrer...
— Todo mundo vai morrer um dia, Thompson.
— Essa é uma desculpa idiota para fazer coisas idiotas, garota — lhe
digo, me afastando um pouco, tentando a convencer de que pular de um
penhasco soa mais como pular para a morte.
— Está com medo? Porque se você não for, eu vou. E eu tô só de
calcinha e sutiã.
Mordo o lábio. Quem resiste a Alice Wonders? Eu certamente não
consigo.
— Já fez isso alguma vez? Porque eu já.
Ela nega.
— Vem! — Sussurra, esticando-me sua mão. A puxo com agressividade
e quando seu corpo se encosta ao meu, a pego no colo.
— Se for desistir... — seus dedos me calam e me preparo para pular.
Em segundos, me atiro na água com Alice em meus braços, o vento nos
atinge, eu sinto o poder da queda, e assim que afundamos ela me agarra e me
beija.
Alice me beija intensamente, roubando o que sobrou do meu
fôlego. Mesmo debaixo da água, é como se pegássemos fogo.
31

SOB A TERRA
"Nunca tive a chance para dizer um último adeus.
Eu tenho que seguir em frente, mas dói tentar."
Sasha Sloan | Dancing With Your Ghost

NICHOLAS THOMPSON

O padre diz: das cinzas às cinzas e do pó ao pó, e essa é a única coisa


que realmente ouço dentre tantas falas e tantas lágrimas. Mas Alice continua
comigo, apertando meus dedos.
Polly parece mais séria, parada ao lado de meu pai e Quinn, me
encarando diretamente. Ela não chora, nunca faria isso, por baixo de seus
óculos escuros há raiva. Mesmo num enterro, mesmo com um caixão entre
nós, ela me queima por ver Wonders comigo. Já Grace mal entende o que
está acontecendo, ela gruda em minha perna como se estivesse com medo.
— Eu preciso sair daqui — sussurro, Wonders me olha de soslaio e se
aperta contra meu corpo, deixando-me a abraçar.
Sei que não quero chorar em público, não quero deixar essa mágoa me
escapar, mas preciso. Meu peito dói, me sinto sufocar. Eu quero ficar sozinho
num canto qualquer.
Não posso correr e não posso fugir, não de Pumpkin. A amo muito, ela
me faz falta todos os dias e agora a esperança de vê-la mais uma vez some de
acordo com que descem seu caixão, com que a colocam sob a terra.
— Quer ir embora? — Alice pergunta, baixo o suficiente para apenas eu
ouvir. Ela levanta a cabeça, encontrando meus olhos e eu nego. Não vou
partir até a caixa marrom desaparecer.
Alguns começam a caminhar, posso ver Greer Carter chorando, sentada
num dos bancos, longe o bastante para que ninguém a dê atenção. Ela não
gosta de atenção, isso porque quando Elle morreu, sua família se tornou o
centro de tudo. Fofocas, boatos e segredos.
A cerimônia acaba rápido, minha avó decide se despedir de algumas
pessoas enquanto meu pai desaparece na multidão. Eu me apego a Alice,
deixando-a me tirar desse lugar, não me sinto bem. Quinn leva Grace no colo
e vai embora.
Ando com Wonders, escapando dos convidados, até um lugar quieto do
cemitério, longe o suficiente para que não falem comigo, perto o suficiente
para observá-los.
— Está tudo bem? — pergunta, ainda segurando em minha mão.
— Sim, eu achei que não fosse sentir o impacto disso, mas quando vi
aquele caixão...
Ela suspira por mim, me interrompendo. Nem tenho palavras para narrar
a dor que senti, mas sei que Pumpkin odiava tristeza, lágrimas e funerais. Ela
era a pessoa mais animada que conheci e fico feliz por ter sido minha mãe,
apesar de tudo.
Há raiva em meu peito, mas tento a calar. Talvez a culpa não tenha sido
dela, talvez houvesse um motivo importante para que partisse e então,
desaparecesse.
Paramos abaixo de uma árvore e me viro para observar as pessoas, suas
reações. Tommy me surpreende por não parecer abatido, ele era próximo de
Pumpkin. Seus braços cruzados me mostram que ele acha tudo isso uma
grande besteira, mas não vou debater com o garoto.
Há tanta gente ao nosso redor, apesar da calmaria do cemitério, e eu não
ouço uma palavra sequer que sai da boca dessas pessoas. É difícil saber quem
é ou não falso, em momentos como esse.
— Alice! — O chamado me tira do transe, me viro assim que Wonders
faz o mesmo e encontramos o rosto fino e os cabelos ruivos surgindo. — A
Madison, pediu para te chamar, não está se sentindo bem.
— Droga — ouço Wonders sussurrar. — Tudo bem, eu já volto, Nick!
Tudo me parece acontecer em câmera lenta, é como se meus ouvidos
estivessem entupidos, como se eu fosse apenas um coadjuvante.
— Eu vou com você — respondo calmamente enquanto a garota solta o
meu braço.
— Não acho que seja uma boa ideia!
— Sei bem qual é o problema da Madison. Eu vou com você — repito
cheio de teimosia e ênfase. Ela suspira, sem disposição para discutir.
Seguimos a ruiva juntos e depois de alguns minutos, encontramos a
loura sentada à uma mesa de completamente velha e antiga. Maddy está tão
pálida que parece fazer parte desse lugar. Ela apoia a cabeça na mão e o
cotovelo na madeira. Posso notar, ainda distante, seus olhos fechados e sua
falta de fôlego.
Alice me deixa e acelera em sua direção, seu vestido preto balança com
o vento e a primeira coisa que penso é, vai chover. O céu escuro começa a
expulsar os convidados. Sigo até ela com lentidão e vejo as duas meninas se
aproximando da loura.
— O que aconteceu? — pergunto. Ficamos distantes por bastante tempo,
já que terminamos, o que não foi fácil de fazer. Ela sofreu o suficiente e eu
me sinto mal por isso até hoje.
— Eu pedi pela Alice — reclama baixinho, com seus lábios sem cor e
suas mãos trêmulas. Andressa não responde, apenas baixa a cabeça. Parece
que agora a loura não poderá esconder esse segredo, não mais.
— Sabia que eu viria, como você está? — Me sento ao seu lado, assim
como Wonders. Madison fica em silêncio.
— Precisamos tirar ela daqui, levar ao hospital — Alice diz, dando
apoio ao corpo da loura caso a mesma desmaie. Os fios claros encostam no
peito de Wonders e Maddy parece confortável com ela.
— As pessoas acham que ela está triste por causa da Pumpkin, ninguém
vai questionar — Andressa se intromete.
Pela primeira vez em dias, meu foco não pertence a Alice nem a suas
falas. Eu estou extremamente preocupado com Foxx, porque ela tem um
problema e nega de uma forma incansável. Eu sei disso.
— Há quanto tempo não come? — questiono, fazendo todas se calarem.
— Dois dias — sussurra, sem forças. Ela tenta fingir, tenta se levantar.
— Mas eu tô bem, só preciso...
Madison nem termina a frase, ela cai para o meu lado e a seguro com
força. A garota está gelada, sem cor e suando. Eu fiz errado em abandoná-la
quando Alice chegou, mas imaginei que não estivesse mais fazendo isso com
si própria.
— Ela precisa comer! — Andressa entra no meio, tentando ajudar.
— Primeiro a gente precisa tirar ela daqui, mas não posso a levar de
moto — continuo, segurando Madison em meus braços. — Você veio de
carro?
A ruiva nega.
— Eu vim com os meus pais, eles vão fazer perguntas.
— Mas eu não vou. — Ouço a voz familiar e atrás de Alice surge
Thomas, com as mãos nos bolsos, um tanto calmo. — Posso a levar para o
Red Hell, estamos fechados. Vai ficar tudo bem.
— Ótimo — Wonders diz logo. Assinto sem ter outra opção, sei que
quando acordar Maddy ficará com raiva.
Thomas entra no meio de nós, a puxa pelos braços e, num movimento
rápido, a ergue, pegando-a no colo. Ele caminha com Madison até o lado
menos movimentado do cemitério e começamos a segui-lo.
— Eu preciso ir, mas me deem notícias — A ruiva diz, já partindo.
Alice volta a segurar em minha mão e percebo o quão fria a sua está. Só
então me dou conta, a temperatura caiu.
— Você está com frio? — pergunto. Ela nega, mas posso vê-la tremer
um pouco. Estou ausente hoje, tenho de admitir, mas tudo que evitei sentir
em relação a Pumpkin me atacou depois do enterro. Não consigo sair desse
limbo, estou preso a sensação de perda, a um vazio imenso.
Retiro o meu blazer preto e coloco sobre seus ombros, um sorriso surge,
seus lábios carnudos se esticam delicadamente e então, nossos olhos se
encontram.
— Sei que estou distante hoje.
— Nicholas, eu entendo. Não precisa fingir, eu já te disse isso. Estou
aqui com você — responde e se coloca nas pontas dos pés. Wonders me
entrega um beijo rápido, mas animador. Quando se afasta mais uma vez, me
puxa pela mão e me leva até o carro de Thomas.
Eu me sinto sem fôlego, mas não por estar andando. A cada minuto que
passa a ficha cai, Pumpkin não vai voltar.
— Você sabia sobre Madison? — pergunto, interessado em descobrir
como as duas se aproximaram. Até outro dia Maddy a odiava por estar
comigo. Wonders dá de ombros, afirmando. — Como?
— Eu a vi no banheiro. Ela estava muito mal, mas prometi que não ia
contar e ela prometeu que não ia fazer de novo. No fundo eu sabia que era
mentira, mas...
— Tudo bem, só não esconda mais. Ela tem problemas e finge que não
são importantes.
— Eu a entendo de certa forma, Nick.
Às vezes me esqueço que Alice enfrenta as próprias crises, ela precisa
parar de beber, está se ferindo tanto quanto a loura. Talvez ela compreenda
Madison melhor do que eu e quem sabe, possa ajudá-la, porque tentei tanto, e
juro que tentei, mas nunca consegui a fazer entender.

A Red Hell parece bem mais silenciosa agora, como se de dia sua alma
dormisse. Não há luzes coloridas, mulheres dançando, nem bêbados
irritantes.
Entramos enquanto Thomas leva Madison, já acordada, à sua cama. Eu e
Alice paramos no balcão de bebidas, onde ela agora trabalha. A menina se
coloca atrás dele e me encara como se eu fosse um cliente.
— Rum? — pergunta. Sorrio sem vontade e coloco os braços sobre o
vidro.
— Depende, vai beber?
Alice rola os olhos, ela nem se preocupa em me responder, sabe do que
estou falando, sabe que sou chato quanto a isso. Do que adianta estar
apaixonado por alguém e fazer de tudo para não machucar essa pessoa,
quando ela mesma está se matando e tem consciência disso?
Não é justo, não quando ela me cobra o mesmo.
— Você vê os problemas dos outros, você viu o de Madison, mas não
consegue ver o próprio?
— Eu vejo o meu, Nicholas, vejo ele todos os dias. Não acho que seja
uma boa ideia falar disso agora — reclama.
— Eu acho. Aceito o rum, mas e você, vai beber?
Ela comprime os lábios, pensativa. Vejo sua mandíbula, a tensão que
coloca nela. Alice está com raiva.
— Se está brava, me fale.
— Eu não tô brava! — exclama.
Não posso discutir agora. Eu quero que seja sincera comigo e quero que
seja sincera com si própria. Alice merece mais que se culpar por conta das
palavras da mãe, assim como acha que eu mereço mais, que não devo me
culpar por Elle e Wine.
— Não gosto de falar sobre isso, Nick. Eu só queria ignorar essa parte
da minha vida.
— Você quer ignorar uma parte da sua vida ou um problema?
Nossos olhares se encontram e ela parece cabisbaixa. Não gosto de a
ferir, não gosto de deixá-la em pedaços por dentro, mas preciso. Dói menos
que imaginá-la em pedaços de verdade, doente e se matando aos poucos.
Wonders se cala e se afasta do balcão, se afasta de mim.
— Ela está brava — Tommy conta, caminhando pelo corredor agora
iluminado. — Mas não consegue levantar e precisa comer. Vou sair e
comprar algo, ela está muito fraca.
— Tudo bem — Wonders sussurra, segurando as lágrimas, mas não
consegue, algumas escapam e ela se apressa em secá-las.
— Está tudo bem mesmo? — Tommy me olha e depois se volta à ela.
Concordamos, mas o garoto suspeita de algo. De qualquer forma, Madison é
o seu foco agora. Thomas dá de ombros e sai, nos deixando.
O silêncio é irritante, sei que ela está levando em consideração tudo que
eu disse.
— Alice — chamo, mas a menina me ignora —, eu só quero cuidar de
você e quero que se cuide também.
— Você não faz ideia do quanto eu tento.
— Anjo, você trabalha numa casa noturna, vai ter de enfrentar isso todos
os dias. Se quiser me servir rum, tudo bem, mas não vai beber.
Ela finalmente chora, com vontade. Alice deixa a culpa sair através de
suas lágrimas.
— Eu vou parar.
— Não sinto que posso acreditar em você — confesso e ela me encara.
É frustrante.
— Eu vou parar, Nick. Vou ficar sóbria.
— Deveria procurar por um médico, um psicólogo.
— Se as coisas piorarem, eu procuro — diz, secando seu rosto —, mas
eu prefiro tentar sozinha.
— Sozinha não. Eu estou aqui, princesa — ela ri, me deixando mais
calmo — e prometo que vou te ajudar.

Madison parece ter ganhado cor, mas ainda precisa de alimento, de


conversa. Ela precisa de muito.
— Coma com calma, seu estômago não vê comida há dois dias — aviso,
enquanto Thomas lhe entrega a sopa. A loura assente e Alice se senta ao seu
lado na cama macia. Todos parecem suficientemente preocupados, como se
nada além de Madison existisse agora. E ela não gosta disso, posso ver em
seus olhos.
A menina come pouco, com lentidão. Rolo os olhos por cansaço, esse
dia foi o pior de todos.
— É melhor comer tudo. — Ouço Alice ordenando. — Você precisa.
Maddy a entrega um sorriso bobo e tímido, de agradecimento. A loura
começa aos poucos e depois de minutos, com o silêncio do quarto nos
consumindo, ela fica satisfeita.
— Essa quietude toda é irritante — consegue dizer, apesar de ainda estar
abatida. — Falem alguma coisa.
— Você quer beber algo? — Tommy obedece logo em seguida. Me
sento em sua poltrona, longe dos três que estão na cama. Os observo,
pensativo.
— Está oferecendo álcool pra ela? — Alice questiona com certo choque.
— É idiota?
— Eu não mencionei álcool. Perguntei se ela quer beber alguma coisa,
só isso!
— Tudo bem, foi um erro pedir para vocês falarem — Madison
interrompe a discussão, terminando a sopa de vez.
Rio nasalado, a situação chega a ser um tanto divertida e por isso, todas
as cabeças se viram em minha direção.
— Está rindo? — Thomas pergunta, sem entender.
— Esse dia está uma merda — respondo, Madison revira os olhos, mas
os outros dois parecem preocupados. Posso ver as expressões pesadas em
suas faces, Alice e Tommy não levaram minha resposta como algo cômico.
— É. Uma merda. — Ouço a loura sussurrar. Maddy baixa a cabeça,
entregando o prato vazio para Thomas. Ela abre e fecha a boca, antes de
finalmente perguntar o que quer. — Posso conversar com Nicholas?
Alice a encara, confusa. Todos parecem silenciosos demais.
— Sozinha — completa. Wonders concorda e se coloca de pé, mas não
se move até a saída. — Não vou tentar transar com ele, Alice.
— Não achei que fosse.
Os dois saem, fechando a porta em seguida. Madison não me olha e eu
mantenho a distância.
— Me desculpe — sussurra.
— Disse que tinha parado, estava se tratando.
— Eu menti. — Dá de ombros e ergue a cabeça. Seus olhos castanhos
brilham enquanto ela segura o choro. — Eu ainda faço isso, não queria que
soubesse.
— Você está errada. Se a minha opinião é a única coisa que te importa,
está errada. A sua saúde deveria ser mais importante, a sua vida, Madison.
Tento não parecer frio e rude, mas falho. A minha preocupação se
transforma em raiva, como ela pode se destruir assim?
— Eu preciso de tempo.
— Você não tem tempo. — Me levanto e caminho até a cama. —
Desmaiou hoje.
— Eu vou ficar bem.
Bufo. Ela não vai, não com esse esforço diário para agradar, não
tentando ser boa o suficiente aos olhos das pessoas erradas.
— Não. Não vai. — Me sento ao seu lado, sabendo que estou sendo
sincero. — Você precisa de ajuda e eu posso ter terminado com você,
Madison, mas ainda estou aqui.
— Mas não está no seu melhor momento, Nick. — Ela ajeita os fios
atrás da orelha. — Eu queria te pedir desculpas.
Uno as sobrancelhas em dúvida, encarando-a sem entender. Desculpas?
— Eu fui uma idiota e sempre faço isso quando ouço a opinião da Chris,
mas ela é a minha amiga, ela cuida de mim.
Não posso evitar, rio nasalado com sua declaração. Christina Vender só
cuida dela mesma, de suas vontades e desejos. Nada além disso.
— Para, por favor, só me ouça — implora num tom doce. Me calo, sem
mostrar meus julgamentos, ela chega mais perto, o suficiente para me causar
arrepios. — Eu me neguei a aceitar quando disse que não queria mais
namorar comigo, sabe, tudo aquilo. Eu tentei de todas as formas te segurar.
Não foi justo com ninguém, e também não foi culpa da Alice. Eu só
precisava achar um culpado.
— Não há culpado, Maddy. — Pego em sua mão fria e a aperto.
— Há sim. Nós dois. — Madison sorri com um pouco de mágoa, não é
algo reconfortante, mas me mostra o quão corajosa se tornou em poucos dias.
Ela agora encara a verdade e eu não sei o que mudou, mas algo está diferente.
— Você entrou nesse relacionamento porque precisava de apoio,
estabilidade, e eu entrei porque achava que um dia se tornaria real. Nunca foi
real, Nicholas. Nós dois éramos amigos, mesmo com Polly tentando fazer de
tudo para nos manter juntos.
— E ela fez muito — sussurro.
— Sim. Nós erramos em deixar isso acontecer, ela não pode controlar a
sua vida assim. E eu errei, porque depois de você tentar se afastar, eu insisti.
Eu me machuquei por você. É idiotice.
— E eu te machuquei também. Eu te usei, Madison, não foi algo muito
certo.
— Foi errado, então há sim um culpado. Na verdade, há dois. A gente
não estava junto porque gostava um do outro, eu precisava de atenção e você
de alguém.
Assinto, sem saber o que dizer. Ela está certa, foi errado desde o início,
não foi um relacionamento por amor. Era necessidade. Era fácil.
O amor não é só fácil, não é tudo e nem é suficiente. Então, a gente já
podia ter visto esse final.
Não era o que deveria ser.
— O que mudou? — pergunto enquanto ela solta meus dedos, se
ajeitando sobre a cama.
— Eu te vi com ela e no começo eu a odiava. Depois, notei que Alice
nunca me fez nada, na verdade, ela me ajudou. Ela me ouviu, mesmo me
julgando, e manteve uma promessa. Pra ser sincera, Alice foi o oposto da
Chris e então eu percebi que não tenho motivos para a odiar.
— Isso explica a nova relação entre vocês duas, mas e quanto a notar
que não éramos um casal de verdade?
Maddy suspira antes de me contar o inesperado.
— Foi o Tommy. Ele conversou comigo outro dia, me disse que eu
estava sendo uma idiota por sofrer por um cara, mesmo que esse cara seja
Nicholas Thompson. Enfim, ele me mostrou a verdade.
Thomas tem essa mania, ele ouve as reclamações de todos e as dores
também, então as processa, as entende e diz a verdade. Ele só diz o a maioria
têm medo dizer.
Tommy nunca se importou com a fúria que pode causar ao ser
verdadeiro e eu fico feliz com isso.

A conversa com Madison foi uma das mais reconfortantes que tive nos
últimos dias. Eu sei que a feri, e muito, mas agora esse peso não está mais em
minhas costas.
Ela entende e eu entendo. Enfim, a sensação é boa.
Entro no salão da Red Hell, ainda vazia e iluminada pela luz do sol —
invadindo por janelas grandes o suficiente — que desaparece entre nuvens de
chuva. Tommy me encara com certo nervosismo enquanto Alice rola os
olhos. Devo ter chegado num momento ruim.
— Por que não me contaram antes? — ele exclama, batendo as mãos no
vidro do balcão.
— Eu preciso te lembrar de que não faço ideia sobre o que estão falando
— reclamo, enquanto Alice nega incansavelmente. Ela está chocada com a
reação do garoto.
— Ela bebe! Alice é alcoólatra!
— Eu contei e agora ele está surtando — a menina explica, em seguida,
se levanta e anda até uma das mesas, se afastando de nós.
É complicado. Ela trabalha na parte do bar onde há tudo que não pode
consumir e sei que Wonders não dá a mínima. Ela quer beber.
— Olha, Thomas — me aproximo dele, falando baixo —, ela me disse
que não vai mais beber.
— E você acreditou? Acreditou numa alcoólatra? Tem quantos
neurônios ai, Nicholas? — ele grita, completamente fora de si. — Ela não
consegue se controlar, acha que só porque te prometeu, vai ficar sóbria?
— Ah, vai se foder, Thomas. — Ecoa na voz da menina.
— Você trabalha na minha boate!
Não sei se devo me intrometer, os dois parecem bem nervosos. Madison
surge atrás de mim, ela franze o cenho em confusão, assustada com os gritos
e xingamentos.
— Eu disse que não vou beber! — Alice se aproxima novamente,
encarando Tommy, chegando bem perto.
— Eu duvido muito, mas se eu te pegar tomando qualquer coisa que não
seja água, estará demitida.
— O que você tem a ver com eu beber ou não?
— Eu não quero ver ninguém se matando, garota. Se quer acabar com si
própria, faça isso longe de mim. Eu já vi o quanto bebe numa noite.
— Virou meu pai agora? — ela provoca.
— Já chega! — grito. Há uma tensão excessiva na sala, tomando conta
de tudo e todos. — Vocês parecem crianças. Tommy está certo, Alic, você
não vai beber, nem aqui, nem no Heaven.
— Agora todo mundo quer mandar em mim?
— Alice! — exclamo. — A escolha é sua, mas não pode me obrigar a te
assistir fazendo isso. Não pode me pedir para ficar por perto e, ao mesmo
tempo, se matar aos poucos.
A vejo suspirar e então, ela se senta num banco. Wonders considera as
minhas palavras.
— Isso serve para vocês duas — o menino diz. Thomas pega as chaves
do carro e sai, sem olhar para trás.
Tommy não gosta de discussões, eu nunca o vi se estressar assim. Isso
significa que se importa, mais do que achei que pudesse. Eu sei que ele e
Alice são próximos, nem tanto, mas de certa forma viraram amigos. Agora,
não entendo como e quando ele se aproximou de Madison.
O silêncio nos devora assim que o garoto parte, deixando tudo mais
estranho. Apesar de toda a dor, só consigo pensar na confusão que esse dia se
tornou.
Maddy está corada e forte, mesmo que por dentro esteja em pedaços.
Mas Alice, ah, ela sabe como esconder seus cacos.
— Eu acho que esse dia já está péssimo — sussurro, me apoiando no
balcão. As duas se olham e depois se tornam à mim.
— Esqueci de dizer, mas sinto muito. — Madison solta tais palavras
com certa culpa em seu tom de voz. Ela sempre disse que minha a mãe era a
errada da história, mesmo sendo manipulada por Polly para que concordasse
com isso. Foxx é uma marionete, mas quando está distante daqueles
mentirosos, consegue ver a verdade.
Nada é tão fácil, e assim como Wonders não consegue superar muitas
coisas que evita me contar, Maddy não consegue se afastar da ideia de ser
perfeita.
Ela só quer agradar, mesmo que isso a desagrade.
Suspiro, deixando que suas palavras sumam.
— Preciso buscar minha moto e prometi que ficaria em casa nesse final
de semana. Tenho que voltar para a mansão — minto, eu não tenho, mas
quero paz e silêncio. Polly não vai falar comigo tão cedo, Damon está
sofrendo sem demonstrar e Grace precisa de alguém que não seja a própria
babá.
— Eu posso ir com você, depois fico na fraternidade — Wonders diz,
encostando em meu ombro e me aquecendo com seu calor, chegando mais
perto. — Terá que andar um pouco para chegar ao cemitério e posso te fazer
companhia.
Rio com suas palavras. Ela sempre me anima. Eu já disse, Alice
Wonders é diferente.
— E quanto a você? — Olho para a loura, encolhida num canto
qualquer.
— Eu espero — gagueja. — Vou tentar acalmar o Thomas e peço para
que ele me leve até a fraternidade.
Assinto, sabendo que é mentira. Há algo nos olhos dela, não consigo ler
o que é, mas Maddy só quer ficar.
— Tudo bem então — Wonders responde.
Nós saímos juntos, quietos, e caminhamos assim até não podermos mais
ver a Red Hell, até nos afundarmos no frio que ataca Wiston Hill, enquanto o
céu escurece ainda mais.
— Eu preciso perguntar, você conhece uma Brenda? — ela começa,
andando ao meu lado enquanto seu vestido balança com o vento.
— Sim, minha prima.
— E ela mora na fraternidade?
— Como? — A encaro com surpresa, não falo com Brenda há dias e
mesmo durante o funeral não nos comunicamos. Ela prefere ficar bem longe
da Polly.
— Brenda. Ela está na casa, a conheci outro dia. Bonita.
— Sim, linda e sem noção. Mas, eu até gosto do jeito dela.
Alice ri, andando sobre a beira da calçada, brincando de se equilibrar.
— O jeito dela — repete. — Eu vi as roupas, o cabelo. Ela é bem...
— Independente. Brenda nunca se importou muito com a opinião alheia.
Ela não dá a mínima. Também já dormiu com metade dos garotos do
Campus, principalmente os piores.
— A sua avó aprova isso?
Paro de andar, mas Wonders não nota. Ela dá mais alguns passos e então
percebe. Se vira com calma e as sobrancelhas unidas.
— Ela não fala com a Polly.
— Nunca?
— Só para discutir. A mãe da Brenda foi embora, ela deixou a família
para trás e se casou com um homem nem tão rico.
— A sua família toda é rebelde assim? — pergunta, rindo.
— Mais ou menos. Grace ainda é pequena demais para isso.
— Ah, com certeza não é. Ela me obrigou a ir na festa de aniversário.
Continuo andando e a encontro, passo meu braço por sua cintura e a
ergo colocando-a no chão à minha frente. Alice sorri. Suas mãos se apoiam
em meus ombros e posso ver seus olhos brilhando apenas para mim.
— Eu sei que odeia falar sobre isso, mas, preciso ter certeza. Posso
confiar em você?
Ela rola os olhos e tenta se afastar, no entanto, a seguro com as mãos em
seu quadril.
— Pra ser sincera, não. Não pode, de jeito nenhum. Eu sei que sou uma
boa mentirosa e o que você disse na Red Hell é verdade, não é justo. Mas não
é fácil, Nicholas. Só posso prometer que vou tentar.
— Isso é bom.
— É, parece bom — sorri forçadamente.

A chuva nos ataca enquanto estaciono à frente da mansão Thompson.


Sinto os dedos de Alice contra minha pele, enquanto ela se segura sobre a
moto.
Desço e a ajudo a fazer o mesmo. O barulho da chuva é alto, quase não
ouvimos nossas vozes.
— Nicholas! — reclama ao notar onde estamos. Suas roupas estão
encharcadas, seus fios de cabelo estão molhados, caindo sobre seus ombros
enquanto sua maquiagem borra aos poucos. Ela é maravilhosamente linda de
todas as formas. Sorrio, observando-a. — Por que me trouxe aqui?
— Você está encharcada, precisa de um banho — falo alto o suficiente
para ela me entender. — Quero ficar com você hoje.
— De jeito nenhum, se a sua avó me ver vai querer me matar. E se ela
me ver assim então...
— Não seja boba. — Entrego-lhe um selinho. — Polly já quer te matar.
A menina se cala, há medo em seu rosto e, talvez, surpresa.
— Não literalmente, Wonders. Vamos!
— Não, Nick! — Seus dedos me puxam de volta. Alice nem se move.
— Eu não...
— Alice, você quer mesmo ficar discutindo aqui, na chuva?
Noto-a rolar os olhos, como sempre. Wonders suspira e se decide, ela
coloca alguns fios embaraçados atrás da orelha, então, pega em minha mão.
Ela me deixar a guiar até a casa, passando pelo jardim de rosas, subindo os
degraus da frente e, finalmente, tocando a campainha.
Logo hoje estou sem minhas chaves. Quinn abre a porta e atrás dela vejo
Polly.
— Nicholas, não trouxe a chave? — a babá questiona, me puxando para
dentro.
Minha avó se aproxima e me encontra à certa distância. Polly está com
os olhos arregalados, como se tivesse visto um fantasma. Ela nos encara
pensando em julgamentos, em críticas.
— Você a trouxe para a minha casa? — sussurra, mas de uma forma que
todos ouvimos.
— Polly eu tentei dizer para ele que... — a garota começa. Aperto seus
dedos, implorando para que se cale.
Chego perto de minha avó que parece indignada com a minha reação.
— Hoje não, Polly — solto, fazendo-a engolir seco.
Um silêncio estranho aparece. Ela não se atreve a me responder, como
se eu fosse seu pior inimigo. A mulher me mede e sorri com falsidade,
fingindo ser paciente. Polly não vai discutir após o enterro da minha mãe.
Ouço passos e Damon entra no hall.
— Alice, Nick? Estão encharcados! — exclama com preocupação. —
Precisam tomar um banho quente, devem estar congelando.
— Ah, eu estou bem — a menina responde com timidez.
Polly recua e volta à sua postura. Ela finge não estar abalada com a
minha ousadia, há anos não a desafio.
— Não, não estão. Precisam de um banho, por favor, Quinn, prepare
algumas coisas de higiene para Alice — pede, como se quisesse me agradar.
— Não precisa, Quinn. Eu cuido da Alice.
Sorrio maliciosamente e guio a menina até a escada já conhecida.
— Tudo bem, a sua avó vai viajar e eu preciso resolver algumas coisas.
Volto mais tarde, a casa é de vocês — Damon explica enquanto subimos.
Murmuro um "uhum" e os deixo para trás.
Meu pai já sabe lidar com os chiliques de minha avó, e eu sei que assim
que sumirmos no segundo andar, ele irá ouvi-la reclamar.
Dentre tantas coisas que gosto de fazer com ela, tomar banho se tornou
uma das favoritas. Alice me abraçou sob a água quente, aproximando nossos
corpos, e só não transamos, porque ela não quis. Não queremos surpresas
mais pra frente, como uma gravidez inesperada.
Isso sim seria caótico.
Ela veste uma camiseta minha, larga demais, bege e bem antiga. A
deixei escolher e Wonders preferiu o simples, uma cueca e a camiseta. Nada
além disso.
A menina ajoelha na beira da minha cama, analisando os livros que
deixo sobre um baú ao fim dela. Ela lê cada título sem notar que na posição
em que estou, eu leio cada detalhe de seu corpo. A sua bunda me chama cada
vez mais atenção, suas coxas possuem músculos aparentes, mas nem tão
ressaltados.
Ela é perfeita.
Wonders continua observando as obras literárias que nesse momento,
não me parecem tão interessantes. Me deito, apoiando a cabeça no braço e
sigo a observando.
Eu a quero e muito. Toda a dor pode ser substituída por tesão, a tristeza
pode ser convertida em outros sentimentos. Não consigo me sentir
decentemente triste por Pumpkin, eu me sinto mal, mas acostumado com a
sua ausência. O que dói é saber que não há chances dela voltar.
— Esse livro é muito bom — afirma, se virando e me mostrando a capa
de Hamlet. — Gosto de Shakespeare, apesar de tudo.
— Tudo?
— Bom, as obras são melodramáticas.
— Um melodrama cai bem de vez em quando — afirmo a fazendo rir.
Alice larga o livro onde o encontrou e volta a encarar minhas íris.
— Por que me olha assim? — ela pergunta enquanto meu corpo queima,
enquanto sinto minhas veias serem tomadas pelo desejo. — Sabe?
— Não, não sei. Como estou te olhando, Alice?
Wonders se encolhe.
— Sabe sim. Sempre me olha assim antes de transarmos.
Sorrio de canto, tomado por malícia. Alice Wonders não faz ideia do
que causa em mim, do que consegue despertar em cada pedacinho do meu
corpo. Só de pensar em sua imagem me sinto ferver.
— Então, talvez eu te olhe assim porque quero transar com você —
conto enquanto ela cora. — Você ainda fica vermelha.
— Não, não fico!
A menina apoia as mãos no colchão e engatinha até meu corpo, sentando
sobre mim, se encaixando perfeitamente, mas sem tentar me excitar — por
enquanto.
— Como posso te animar, Nicholas?
— Você sabe como.
Wonders morde o lábio, passando seus olhos por meu abdômen,
examinando meu peitoral. Agarro em sua face com dedos apoiados em sua
nuca e o dedão em sua boca. Não consigo me segurar quando ela mordisca o
lábio.
— Você não tem autocontrole — brinca, mas me sinto sério. Abaixo de
seu corpo meu pau espera por uma resposta, mas tento não focar nele e na
sensação que a menina me causa.
— Eu tenho muito autocontrole, se eu não tivesse, já estaria te fodendo
contra a parede — revelo friamente, sem sutileza alguma.
É a mais pura verdade. Alice não sorri e nem faz o de sempre com a
boca. Ela só suspira e apoia as mãos em meu peitoral, se inclinando um
pouco para frente.
— Nós nunca conversamos sobre sexo.
— Você quer conversar sobre? — Agarro em seu quadril, o apertando.
Não consigo lidar com seus movimentos leves e involuntários sobre meu
corpo.
— Mais ou menos, me diz, do que você gosta?
Eu vejo a lascívia em suas íris, seu olhar poderia matar qualquer um. Se
alguém inocente for encarado por Wonders dessa maneira, morrerá no
mesmo momento.
Na verdade, ela não é para qualquer um. Isso também alimenta o meu
ego.
— Depende.
— Depende, Nicholas? Gosta de algo romântico — beija meu pescoço
—, ou algo mais selvagem? — Beija meus lábios. — Gosta de mim por cima
ou prefere tomar o controle? — Beija minha bochecha. — Do que você
gosta? — sussurra em meu ouvido.
Rio baixinho quando a sinto aquecer minha orelha com seu hálito.
Aperto mais ainda sua pele como resposta e, num impulso, agarro os cabelos
sensíveis de sua nuca, os puxando. Afasto seu rosto do meu e fico mais uma
vez, sério.
— Eu sou bem melhor mostrando — respondo.
— Não, não, Thompson. Hoje não.
Rapidamente a jogo na cama e me coloco por cima, encontrando o azul
de seus olhos, onde a inocência não existe.
— Por que você, Alice Wonders, não me conta do que gosta? — Assim
que questiono, me impulso entre suas pernas, fazendo-a sentir minha ereção.
Ela geme baixinho e ri em seguida. — Me conta.
— Depende — provoca. — Eu gosto de quando você não vai com
calma.
A beijo com fúria, mordendo seu lábio, me movendo entre suas pernas, a
deixando excitada.
— E eu — sussurra baixinho — gosto de quando me fode com força.
Nenhuma outra frase me faria perder a cabeça. Ela disse tudo que não
poderia dizer. Agarro em seu rosto, apertando suas bochechas e, com a outra
mão, deslizo para baixo da menor peça que a cobre.
— Não. — Me empurra. — Hoje será diferente.
Me ajoelho na cama, à sua frente, e ela se apoia nos cotovelos.
— Eu quero te distrair de tudo que aconteceu.
— Acredite, Alice — rio, sem muita paciência —, já distraiu.
— Você gosta de música? Me deixa colocar uma música.
Não posso rejeitar qualquer que seja a sua ideia. Assinto e me deito,
esperando. No celular ela escolhe algo. Wonders se coloca de pé e me olha
por uma última vez.
— Se eu tivesse bebido isso seria bem mais fácil — brinca. Nego com a
cabeça e bato a mão no colchão. Seria sim, mas a prefiro sóbria, assim tenho
certeza de que irá se lembrar. — Acho que você precisa de algo além de sexo.
Rio, pode ser.
— Estou aberto a sugestões.
Ela coloca Everybody Talks, do Neon Trees, e quando acho que a
menina não pode ser mais incrível, ela agarra o óculos escuro na minha mesa
de cabeceira — tão esquecido que nem o uso mais.
Alice consegue me arrancar uma risada sincera. Ela dança e canta dentro
da camiseta larga e eu a vejo feliz. Verdadeiramente feliz, o que me anima.
Alice Wonders, incrivelmente linda, sensual e engraçada.
E eu estou completamente apaixonado por toda sua tempestade e toda
sua loucura. A cada frase da música, enquanto ela dança e canta à minha
frente, eu percebo: não poderia estar em um lugar melhor agora.
32

AMOR?
"Sim, eu tenho sentido de tudo, do ódio ao amor,
do amor à luxúria, da luxúria à verdade.
E acho que foi assim que eu te conheci,
então eu te abraço apertado
para te ajudar a se entregar."
Ed Sheeran | Kiss Me

ALICE WONDERS

Acordo com o sol entrando pelo vão da cortina. Não está tão calor nessa
manhã, o que explica a coberta sobre meu corpo ainda sem roupas. Pisco
algumas vezes, me acostumando com o ambiente nem tão iluminado. Posso
ouvir vozes pela casa, a de Grace principalmente.
Nicholas não está ao meu lado.
Jogo as pernas para fora da cama e logo percebo, sobre o baú onde ele
deixa alguns livros, há uma blusa marrom de mangas compridas e uma calça
legging preta. Sorrio, ainda confusa, e me visto com rapidez.
Depois de minutos no banheiro, me ajeitando e acordando de verdade,
saio do quarto. A cada passo pelos corredores da casa, eu ouço mais
nitidamente as conversas.
Desço o último degrau e me viro em direção à cozinha, me sentindo ser
devorada pela cor branca dos móveis e paredes. Quinn prepara algo sobre o
balcão, enquanto Grace e o pai conversam, sentados à mesa ao lado da janela.
— Bom dia! — Damon diz com animação. — Espero que tenha
dormido bem. Estamos comendo panquecas.
— Senta aqui — Grace chama e obedeço, exibindo um sorriso.
— Bom dia — respondo baixinho, enquanto Quinn coloca um prato,
cheio de panquecas, à minha frente. — Eu dormi bem, mas não encontrei o
seu filho.
Damon ri.
— Nicholas está no jardim dos fundos, se você descer pela escadaria e
passar pelo gazebo, chega numa quadra. Antes coma algo. Você também,
Quinn, coma algo.
A menina sorri com timidez e se senta ao lado do homem. Entendo os
motivos por trás da raiva de Nick, mas eu — particularmente — não tenho
problemas em relação a seu pai.
Como alguns pedaços de panqueca notando que Grace não para de me
olhar.
— Quer falar algo? — questiono rindo. Ela comprime os lábios antes de
responder.
— Você namora com o meu irmão?
— Não. — Rio mais ainda, um pouco sem jeito. — Não exatamente.
— Como assim?
Percebo que todos querem uma resposta, estão curiosos.
— Nós estamos nos conhecendo.
— Mas você gosta dele?
Os olhos da menina brilham tanto que vejo a verdade neles. Eu vejo a
simplicidade por trás de algo que me nego a aceitar.
— Eu gosto sim, Grace.
Ela apenas sorri, como se já soubesse, só precisava de uma confirmação.
Todos os Thompson tem essa característica, eles cuidam. Ela cuida do irmão,
apesar de ter cinco anos, Damon cuida do que parece importante aos olhos do
filho e Nick, cuida de mais pessoas do que consegue. Ele se culpa por coisas,
ele se preocupa com Madison, comigo, com todos.
Não é justo. Eu prometi que ficaria longe de bebidas e percebo que devo
fazer isso, primeiro por mim e depois, porque eu gosto dele e não quero o
destruir. Já fizeram isso com Thompson em excesso.
Continuo comendo e ninguém prolonga o assunto, me sinto confortável
aqui. Eles me deixam confortável.
— Me desculpe por ontem, a minha mãe tem a necessidade de ser
inconveniente.
— Tudo bem, afinal a casa é dela.
— Não, não está tudo bem. Não aceite isso, Alice. — Seu tom muda. —
Polly sabe ser cruel. Não a deixe.
— Já ouvi isso antes — conto, Damon assente.
— Certo. Ele te avisou. — Parece mais tranquilo, se ajeita na cadeira e
suspira. — Meu filho não trazia garotas para essa casa, nunca, nem mesmo a
Foxx. Polly tinha de a convidar para vir aqui, você entende?
— Não muito — sussurro, encontrando os olhos azuis e escuros do
homem.
— Você, Alice, vai contra tudo que ele já fez. E acredite, eu sei como
meu filho se sente.
— Senhor Thompson...
— Só Damon, por favor — pede. Coro no mesmo momento. —
Entenda, não estou querendo me intrometer, mas eu consigo ver. Nicholas
estava feliz hoje de manhã, ele te trouxe aqui, desafiou a avó. Isso não é
pouco.
Damon só quer ter certeza de que não teremos o mesmo final que ele e
Pumpkin. Afinal, o homem acabou de dizer que entende como o filho se
sente.
Quando termino de comer, Grace já está na sala onde fica a televisão,
vendo desenhos, e Quinn continua comigo, limpando a cozinha. Damon disse
que precisava trabalhar e se trancou no escritório.
Noto uma calmaria anormal dentro de mim. Pela primeira vez, nenhum
impulso me controla, nenhuma angústia me devora.
Ajudo a menina a terminar de arrumar e saio com pressa, seguindo o
caminho descrito pelo homem. Quando chego perto do gazebo vejo Nick e
Jayden jogando basquete, ouço a bola batendo no chão algumas vezes.
— Bom dia! — grito, me aproximando. Os dois param e Thompson abre
um sorriso ao me ver.
— Alice Wonders, na casa do Nick? Quando vão se assumir? — Jayden
ri, segurando a bola. — É sério.
Nick lhe entrega um soco no braço enquanto entro na quadra.
— Um dia, quem sabe? — brinco.
— Eu espero. Nicholas Thompson assumindo um namoro real seria
inédito.
— Cara, cala a boca! — Thompson responde. Ele ri e eu faço o mesmo,
Nick ficou nervoso, um tanto intimidado.
— Não me contou que joga basquete e nem que Jayden estaria aqui.
— Na verdade — o menino se intromete —, eu vim quando soube que a
Polly não estaria. Decidimos matar aula hoje. No ensino médio ela vivia
viajando e a gente jogava juntos, mas agora, Nicholas está terrível.
— Ah, então você é ruim? — provoco, Nicholas me queima com o
olhar, mas morde o lábio. — Deve ser melhor no boxe então.
— Melhor que o Jayden? Com certeza — caçoa.
— Pode parar! Vamos — Jayden diz, o puxando para continuar o jogo.
Nicholas é alguém que me traz calmaria, apesar da tempestade ao nosso
redor. Ele me força a ser eu mesma, sem mágoas ou traumas, sem medo.
Mesmo assim, me apaixonar por ele significa correr riscos, não sei se estou
pronta para deixar meu coração com alguém.
Ao meu ver, a paixão é algo para os corajosos.
Eles continuam jogando, provocando um ao outro enquanto algumas
cestas são feitas. Não entendo nada sobre esse esporte, mas assistir Nicholas
me deixa satisfeita, ele está feliz apesar de tudo que aconteceu nessa semana.
— Se você soubesse o quanto gosto de você. — Me pego sussurrando,
enquanto o admiro.
Ele é tudo que eu poderia ter, é a coisa mais inesperada que me
aconteceu. Meu reflexo me diz todos os dias: Alice Wonders conheceu
alguém na frente de um bar e está com essa pessoa até hoje? Bobagem.
É, nem eu acreditaria, mas eu sabia, eu disse que havia algo de diferente
em seus olhos.
— Ei, Alice! — Jayden chama. — Vem jogar.
— Ah, não, não, não — nego, enquanto Thompson se aproxima e me
puxa para o meio da quadra. Solto alguns risos e ele me coloca sobre seu
ombro, me obrigando. — Eu não sei jogar! — exclamo sem fôlego, as risadas
me fogem.
— É simples. — Nick me põe no chão. — Vamos fazer algumas cestas
ali, daí, ganhamos.
— Quem disse que vamos ganhar? — Coloco as mãos na cintura.
— É, quem disse? — Jayden continua.
— Vamos, você confia em mim, não é? — Seus olhos brilham. Assinto,
mas sei que sou horrível em alguns esportes.
Depois de minutos correndo e rindo pela quadra, vejo Nick roubar a bola
de Jayden. Num movimento rápido ele a passa para mim e, em seguida, me
pega no colo e me ergue para a cesta.
Pontuamos.
— Olha, isso não é justo — Jayden reclama enquanto volto ao chão.
— Não lembro de estabelecermos regras — provoco.
Ele assente com um olhar desafiador. Continuamos e Nick faz outra
cesta, agora sozinho. Corro para seus braços e o garoto me agarra pela
cintura, me entregando um beijo.
— Eu disse que a gente ia ganhar — brinca.
— Quer saber — Jayden se aproxima, alternando o olhar entre nós —,
vocês são um bom time.
— É, nós somos — falo, vendo a dúvida misturada a euforia nos olhos
de Thompson.
Talvez eu esteja aceitando a ideia de que nós somos bons juntos.
Nicholas se afasta e vai na direção de sua garrafa d'água, me deixando
sozinha com Jayden.
— Posso te perguntar uma coisa? — O encaro e percebo seu olhar de
curiosidade. O menino assente com as mãos na cintura. — Você e Christina,
tem certeza disso?
— Certeza de quê exatamente? — Ele me olha como se não entendesse
onde quero chegar. — Certeza de que a amo ou o contrário?
— Certeza de que ela gosta de você. Certeza de que vale a pena.
— Eu tenho sim. — Sorri. Achei que fosse ficar furioso ao me ouvir
falando disso, mas Jayden é compreensivo. Ele sabe que tenho motivos para
perguntar tal coisa. — E você, novata, tem certeza disso?
O garoto aponta com a cabeça para Nicholas, mostrando do que está
falando.
— Até agora, sim.
— Até agora? O que, não sabe se gosta dele? — Ri, como se eu fosse
engraçada, como se a minha dúvida fosse a mais idiota possível.
— Longa história — sussurro.
Nicholas se aproxima aos poucos, ouvindo nossa conversa.
— Bom, eu vou embora antes da festa começar — Jayden diz.
— É só mais tarde — Thompson responde, passando a mão por minha
cintura, apertando-a.
— Não estou falando dessa festa. — A malícia em sua voz é óbvia. Os
olhos do garoto passam por meu corpo, encontrando os dedos de Nick. —
Vejo vocês depois.
— Vai à festa na fraternidade? Sexta-feira — questiono.
— Não seria uma boa ideia.
É a última coisa que o garoto diz antes de sumir de vez pelo jardim de
rosas.
— Jogou bem. — Thompson me puxa, subo minhas mãos para seus
ombros e me coloco nas pontas dos pés.
— Jogamos. Eu e você.
Sinto seus dedos quentes em minha bochecha, fecho os olhos, sendo
tomada por seu toque.
— Sim, jogamos, Alice — sussurra contra meus lábios, então, me beija
com calma.

Dentre tantas roupas esquecidas no armário que Nick me mostrou,


encontrei um vestido florido, cheio de rosas claras em tecido branco
confortável e simples.
Posso ouvir as vozes infantis no jardim, as poucas amigas de Grace
correndo por ai. Me encaro no espelho reparando em cada detalhe e me
pergunto de quem era essa roupa, de sua irmã ou de sua mãe?
— Posso entrar? — Ecoa logo após duas batidas na porta. Ele não
espera por uma resposta, Thompson entra e congela ao me ver.
— Gostou? — pergunto, mas o garoto não responde. — Nick, tudo
bem?
— Tudo — gagueja. — Está perfeita, eu só não estava preparado para
isso.
— Isso o quê? — Sorrio, confusa.
— Esse vestido. Ele era da minha mãe e ela usava com frequência.
Ficou perfeito em você.
Seus olhos brilham, há emoção neles. Sei que fingiu não se importar
quando Pumpkin faleceu, sei que ainda finge frieza, mas Nick está abalado,
tentando superar. E ele vai superar.
Penso um pouco, vestir algo assim logo hoje não me parece adequado. O
pai dele, a avó, todos estarão presentes e todos irão me olhar torto, daquela
forma que diz "ela vai causar problemas" e então, muitos sorrirão depois,
gostando do caos que se aproxima. Mas Polly Thompson não.
— Vou trocar, é melhor — explico e vejo seu sorriso desaparecer.
— Não! Você gostou dele e está linda.
— Nicholas você acabou de me dizer que era da sua mãe, acha mesmo
uma boa ideia?
— Fica com o vestido, Wonders. Vamos.
Faço um biquinho e repenso por alguns segundos, mas pego em sua mão
sabendo que nada importa. Nada importa quando nosso calor se conecta,
quando encontro toda a calmaria que ele esconde no fundo de sua alma. Nada
importa, porque estamos juntos.
Descemos cada degrau e cruzamos a casa até chegarmos no jardim dos
fundos, onde todos os convidados esperam. Assim que apareço sob a luz do
sol, meus olhos azuis ardem. Quando consigo visualizar cada um, a primeira
pessoa que encontro é Polly Thompson e o choque em sua face, o tremor em
suas mãos. E ela me olha como se encarasse um fantasma, ela me olha com
mais medo que raiva.
— Todos estão nos encarando ou te encarando? — Nick sussurra e ri. O
fito, sentindo meu rosto queimar.
Ao lado de Polly está Brenda e Damon, que já conheço, porém um
senhor um tanto confuso me encara em silêncio. Nick me leva na direção
deles.
— A sua avó não parece feliz — constato antes de nos juntarmos a
família.
— Alice, achei que não viesse. — A voz dela está carregada de surpresa,
como se seu coração fosse sair pela boca. Polly me analisa e faz um careta
sutil.
— Grace me convidou — explico, me lembrando do que Damon
disse. Não a deixe te controlar. — Então eu vim, o aniversário é dela, não?
Posso ver o orgulho de Nick. Ele e seu pai se encaram por segundos,
Damon sorri de canto enquanto a nuca de todos congelam com a expressão
repentina de Polly, que fica boquiaberta. Esse é o tipo de coisa que satisfaz o
meu ego. O ar parece pesado e por trás de suas palavras falsas, todos sentem
a verdade: ela não gosta de mim.
— Ótimo. — Mente num tom áspero, mostrando o quanto de veneno
teve de engolir, e eu espero que ela não morra engasgada com ele.
Eu gosto de Nick e sei que, apesar de tudo, ele gosta da avó. Isso me
impede de ser extremamente rude com ela, na verdade, uso de toda a minha
educação. Mas sabemos que Polly faria qualquer coisa para me ver bem
longe daqui.
Eu sinto isso toda vez em que seus olhos encontram os meus.
— Bom, eu adorei o vestido, ótima escolha — Brenda diz, sorrindo e
virando uma taça de champanhe.
— Sim, ele é lindo, ficou ótimo — Damon responde. Ele sabe de quem é
essa roupa.
— Bem melhor que o vestido da Brenda, devo dizer. — O homem
desconhecido se intromete, mas não parece estar brigando com a menina, na
verdade, os dois riem. Quando encontro Polly novamente eu entendo, estão
caçoando. — Me desculpe, estou um pouco perdido, quem é a linda garota?
— ele questiona.
— Essa é Alice. — Nick me olha. — E esse é George, meu avô.
— É um prazer — digo, um tanto nervosa. Me lembro de Nick ter dito
que o homem gostaria de mim, aparentemente todos dessa família vão contra
as regras de Polly Thompson.
— O prazer é meu. — Sorri de canto. — E essa bela garota é a sua
namorada?
Seguro um riso de nervoso enquanto Nick procura pelo ar que lhe fugiu.
— Eu acho que me pergunta não tem uma resposta certa ainda — me
intrometo, já que Nicholas está segurando a respiração, provavelmente preso
entre o "sim" e o "não exatamente" que poderiam ter lhe escapado à qualquer
momento.
— É, todos achamos — Brenda brinca, balançando a taça agora vazia.
Logo após a sua resposta, o silêncio surge como um vilão inesperado, ele nos
consome e sinto os dedos de Nick apertando os meus.
— Tudo bem. Precisamos falar com os convidados — Polly finalmente
se arrisca a participar da conversa. — Até mais, Alice.
O frio se vai quando ela e o marido se afastam.
— E eu preciso tomar conta da Grace — Damon conta. — A Quinn vai
enlouquecer com essas crianças correndo pelo jardim.
Seu sorriso leve aparece e ele também some entre as pessoas.
— Festa infantil, algumas crianças gritando, bagunça por toda parte e
balões — a garota reclama. — Tudo do jeitinho que a Polly odeia.
— Está bêbada? — Nick ri.
— Talvez. Eu não gosto de crianças.
— Então, por que veio? — Assim que pergunto, Brenda semicerra os
olhos e me fita como se eu soubesse a resposta.
— Eu não perderia essa oportunidade de irritar a Polly Thompson.
— Claro que não — Nicholas sussurra.
— Pode me julgar à vontade, primo, mas você também gosta disso, de a
ver sem palavras, engolindo o próprio veneno.
— Eu tenho meus motivos, Brenda.
Fico quieta, observando a conversa dos dois. Parecem ter me esquecido,
não olham para mim, mas o bom é, posso descobrir coisas que não deveria.
— E quem disse que eu não tenho os meus? — Há sensualidade em sua
voz. Notei na primeira vez em que a vi na cozinha da fraternidade, essa
menina é diferente, e foi a mesma sensação de quando conheci Nicholas
Thompson.
Eles têm algo nos olhos que atiça a minha curiosidade, e essa coisinha
idiota é tão forte que me faz estar aqui, com ele. Os Thompson tem mais que
olhos azuis, ele tem um poder em suas íris. E eles sabem arrancar suspiros de
qualquer um.
— Tenho que ir — sussurra antes de sair, me deixando sozinha com o
menino. Esperamos que ela se afaste por completo, para começarmos a
discutir sobre o que acabou de acontecer.
— E você achou que a sua família era problemática? — ele brinca, se
voltando à mim.
— Bom, não é uma competição. — Rio. — Mas eu ganharia. A sua avó
gosta de mandar, seu avô gosta de evitar as ordens dela, seu pai prefere ficar
longe para não perder a paciência e sabe quem é a real vítima aqui?
Ele inclina a cabeça de lado, sem entender.
— Quinn. A menina recebe ordens o dia todo, cuida da Grace e da casa.
Coitada — digo com certo pesar, imagino como deve ser trabalhar para Polly
Thompson, sempre correndo atrás da perfeição.
— Pode ser. — Nick solta uma risada doce. — Podemos encontrar uma
forma de a livrar disso.
— Só fugindo da cidade — caçoo, sem medir o peso das minhas
palavras. O olhar de Nick baixa, ele fica quieto por alguns segundos. —
Desculpa — peço.
— Tudo bem, na verdade, está certa. Essa é a única opção, por isso
Wine fugiu. Pode acreditar, Alice, a ideia de não saber onde a minha irmã
está não me machuca tanto.
— Por que não?
— Porque ela escolheu isso, ela quis. Deve estar bem.
É, eu entendo. Ele não tem certeza quanto a escolha de Pumpkin, se ela
quis ir embora ou se aconteceu alguma coisa, mas Wine decidiu partir por
vontade própria. De qualquer forma, em seu tom de voz há certa
preocupação.
— Quer mesmo ficar nessa festinha? — pergunta, apertando meus
dedos, colando seu corpo ao meu.
— Grace me convidou.
— Tudo bem, mas depois do parabéns nós vamos embora.
Assinto com um sorriso no rosto. Eu sei o que ele tem em mente, Nick
não consegue tirar essa malícia de seu corpo.

Depois de alguns beijos calmos e algumas encaradas de Polly


Thompson, que insiste em me queimar com o olhar, decidimos ficar no
gazebo. Pela primeira vez não estamos sozinhos, mas sim com pessoas que
parecem gostar da minha presença.
— Sua irmã cresceu — Jack diz, virando o refrigerante. Aparentemente,
ele não bebe perto da mãe.
— É, isso normalmente acontece — Nick responde.
— Sério? — Hannah se intromete, fazendo todos, Jack, Madison,
Andressa, Nick e eu, olharmos para ela. — Vamos ficar sentados aqui?
— É um aniversário de seis anos, o que quer fazer? — Maddy questiona.
— Me divertir. Olha, Nick, o parabéns já foi e a sua irmã claramente não
dá a mínima para a nossa presença. — Ela aponta para Grace, sentada no
chão com algumas amigas, brincando. — Acho que já podemos beber. Quer
dizer — me olha —, alguns de nós.
— O que sugere? Irmos para o Heaven Bar? — Thompson suspira.
— Não. Prefiro o Red Hell.
— Eu topo — Madison responde antes mesmo de absorvermos a ideia.
Ela cora quando notamos a sua pressa.
— É claro que topa. Agora me conta, você e o Thomas... — provoco,
sem me importar com a quantidade de gente ao nosso redor.
— A loirinha e o Thomas? — Jack continua.
É nítido o tom de deboche no ar, até outro dia Madison brigava com
unhas e dentes por Nick.
— Não é nada disso — diz, rolando os olhos com certa timidez. — Ele é
meu amigo.
— Amigo? — Nick se intromete. — E quando viraram amigos?
— Já chega! Vamos sair daqui ou não? — a loura pergunta, se
colocando de pé e batendo as mãos no vestido rosa.
— Por mim, agora mesmo. — Andressa se junta a menina, deixando
apenas Jack, Nick e eu, sentados.
Pensamos um pouco, no começo parece ser uma boa ideia, mas um
grupo de jovens nem tão perfeitos assim, soltos pelas ruas da utopia, gerará
um caos. Estou tentada a aceitar, quando mais uma voz surge.
— Se vão fugir daqui, podem contar comigo. — Me viro rapidamente e
encontro Margot, irmã de Jack, parada num canto atrás de mim. — Eu
preciso de uma bebida.
Noto que todos disfarçam a surpresa. Quando a conheci achei que fosse
calma, quieta, tímida e introspectiva. Porém agora, quando todos a encaram
com um tanto de dó, posso ver que há mais segredos por trás dessa garota
simples.
— Parece que vamos ao Red Hell, então — concordo e Nick me encara
com surpresa. Jack se levanta num pulo e puxa Hannah pela cintura. — Não
vou beber — sussurro, mas meu par apenas sorri de canto e assente, sabendo
que não pode confiar em mim.

Fugir da casa foi rápido e fácil, cada um sozinho e com sutileza, e então
estávamos nas ruas de Wiston Hill, com pressa, rindo e falando alto demais.
Era um sonho, como se nada nos afetasse, como se fôssemos adolescentes
normais que gostam de sair à noite.
Como se ninguém nem nada fosse nos cobrar na manhã seguinte, nem
mesmo nossas consciências.
Hannah abre a porta com pressa e a música alta nos consome, assim
como o cheiro doce de morango. A boate parece mais animada hoje, ou quem
sabe, eu esteja. As luzes vermelhas piscam como sempre e as dançarinas se
movem com calma. Os espelhos nos cantos superiores refletem toda a
lascívia presente e Tommy nos encara confuso, de trás do balcão.
— Alice Wonders, não deveria trabalhar? — questiona quando me
aproximo junto do grupo.
— Uma folga? — Thomas semicerra os olhos, pensando. — Por favor!
— Tudo bem. Eu só quero saber quem vai pagar a conta de todos vocês.
— Põe na minha. — Nick se apoia no balcão. — Como sempre.
— E como sempre, você nem paga a sua. Se depender de vocês, eu vou
à falência.
Rio de seu nervosismo, mas Tommy é um dos caras mais legais que
conheci por aqui. Ele é livre e um tanto debochado.
— Depois a gente vê isso — Hannah reclama. — Rum! — ordena.
— Mas, quantos? — Roxy, a outra bartender, se enfia na conversa.
Vejo Jack nos contar com o dedo indicador e reajo antes que ele
termine.
— Eu não vou beber — explico.
— Então, seis — diz.
— Cinco. Também não vou — Nick revela. Sorrio de canto, feliz por ter
seu apoio, mas me sinto incomodada. Sei que ele gosta de beber e sei que por
mim, não vai fazer isso.
— Não precisa — sussurro em seu ouvido.
— Precisa sim, eu não quero. — Seus dedos fortes apertam a minha
cintura e ele me puxa para um lado mais distante, deixando todos para trás,
todos longe de nós. — Eu não preciso, tenho algo bem melhor comigo.
Mordo o lábio, porém Nick não me deixa continuar, ele me beija com
intensidade e nossas línguas se encontram. Nossos corpos esquentam e sinto
o calor em minha nuca, os arrepios em minhas pernas e braços, a vontade.
— Podemos dançar — sussurro contra seus lábios.
— Achei que não dançasse.
— Mudei de ideia — brinco, o levando para o meio da pista vermelha de
dança, onde qualquer um, bêbado o suficiente, se acha o melhor dançarino do
mundo. Mas não nós dois. Nick e eu estamos sóbrios e ele se lembrará do que
eu fizer agora.
Suas mãos na minha cintura parecem tomar firmeza, ele me aperta cada
vez mais. Apoio as minhas em seus ombros, deixando que me guie,
deixando-o controlar meus movimentos, e balançamos juntos, colados.
Olhos nos olhos.
Me afasto um pouco, enquanto Nick me analisa com cuidado, ele nota
cada detalhe do meu corpo. O vestido dança ao meu redor, eu rebolo de
forma sutil. Thompson me assiste, próximo o suficiente. Nós pegamos fogo.
Giro, deixando a música tomar conta. Me movo com leveza, no ritmo certo, e
sei disso. Quando disse que não sabia dançar, não estava sendo sincera.
Nick gosta de ver meu corpo se movendo para ele.
Me deixo ficar de costas para o menino, mexendo o quadril, o
desafiando.
— Você está me destruindo. — Ouço-o sussurrar em meu ouvido, ele
agarra em minha cintura e eu encosto a cabeça em seu peitoral. Nick me
aperta como se quisesse mais. Continuo enquanto ele me sente. — É sério,
Alice.
— Você sempre diz isso, mas eu nunca te destruo de verdade — conto,
me tornando à ele. — Você nunca me deixar chegar lá.
— O que, quer me destruir agora? — Há malícia em seu sorriso bobo, o
percebo arfar quando desço minha mão por seu peitoral, ainda que por cima
de sua camiseta preta.
— Eu sempre quis te destruir, Thompson, mas não de uma forma ruim,
pode acreditar.
— E quer fazer isso agora?
Abaixo meu toque lentamente, porém a música para. E eu também, bem
acima de sua ereção.
— Não. Podemos deixar para depois — brinco. Nick ri animado com a
ideia. Ele me puxa para perto e me entrega um beijo quente.
— Já chega, casal. — Ouço, é Andressa. — Acho que nós podemos
curtir sozinhas agora — explica, me afastando de Thompson. Ela e Hannah,
juntas, são indestrutíveis. Maddy e Margot nos esperam num canto
iluminado, longe de bêbados e dançarinas, mas sob holofotes avermelhados.
— Desculpa — peço, já distante dele, que ri, me deixando partir.
As meninas dançam juntas — e me obrigam a fazer o mesmo, apesar
dos olhares nada discretos —, de qualquer forma, só consigo focar em Nick
enquanto conversa com Thomas e Jack. Nos encontramos algumas vezes e eu
faço questão de sorrir de canto em sua direção.

Uma hora dento da Red Hell não parece suficiente. Me sento numa
poltrona vazia com Madison e respiro fundo. Nunca me senti tão cansada,
talvez porque nunca tenha dançado tanto em festas ou lugares como esse.
Estava ocupada bebendo e hoje vejo isso, apesar da ansiedade ainda estar na
ponta da minha língua. A vontade ainda me consome.
— Eu e Tommy. — Ela começa, sem eu ter perguntado.
— Você e Tommy — repito.
— Nós, bem, eu não sei — termina.
— Ah, não, de confusos já basta Nicholas e eu. Thomas não tirou os
olhos de você a noite toda, Madison. Pode explicar!
— A gente dormiu juntos.
— 'Tá bem — murmuro.
— Ele me ajudou, me fez notar que talvez, Chris não seja uma boa
amiga e também cuidou de mim. Eu não sei, só aconteceu. É errado?
— Não! Não tem nada de errado nisso, a menos que você não tenha
gostado...
— Eu gostei, mesmo. E não foi só uma vez — revela, me deixando
chocada. — Quer dizer, não é algo sério, mas eu gosto de passar o tempo
com ele.
— O que importa é que você gosta e está feliz. Isso é bom, Maddy.
— Certo — ela sussurra e se deita em meu ombro.
— Você sabe que eu transei com ele quando cheguei em Wiston Hill,
não? Prefiro que descubra agora e por mim.
— Relaxa, Alice. Eu sei, ele me disse.
— Que bom, isso é bom.
— Thomas é sincero — explica e percebo que está sorrindo. — Nick
também, caso queira saber.
— Ele não é, mas valeu mesmo assim.
— Ele não mente pra você. — Ela encontra meus olhos.
— Não, ele omite. Mas tudo bem, eu sei lidar com o jeito do Nicholas.
— Que bom, porque ninguém mais sabe.

Quando decidimos ir embora, Jack e Hannah desaparecem pela Red


Hell. Nick confirma minha teoria de que estão presos no banheiro, bêbados e
se pegando.
O ar está frio e a rua quieta. Paramos à frente da entrada, animados
demais para dormir, cansados demais para ficar.
— Eu levo vocês, já é tarde — ele diz, encarando Maddy, Andressa,
Margot e eu.
— Não precisa, você pode ir direto pra casa se quiser — explico.
— De jeito nenhum, ele vai levar vocês. É perigoso — Thomas ordena.
— É sério — reforça ao me ver rir.
— 'Tá bem, já chega. Vamos. — Nicholas me dá o braço e aponta com a
cabeça, fazendo todas andarem à caminho da fraternidade.
Andressa e Madison cambaleiam um pouco, mas se ajudam, já Margot
está quieta demais.
— Ei, você dança, não é? — Tento puxar assunto, ela sorri. — É sério,
Margot, você é muito silenciosa. Por favor, fale algo.
Nicholas ri junto dela, como se eu fosse superengraçada.
— Pelo menos você é sincera — a menina diz. — Eu gosto do silêncio e
da calmaria, mas isso não me impede de beber numa terça-feira.
— Notei.
— E sim, eu danço. Vamos ter uma apresentação em breve, pode assistir
se quiser.
— Claro, nós vamos — falo, já confirmando a presença de Nick.
— Olha, a minha casa fica pra lá, eu posso ir sozinha.
— Não, é melhor não — Thompson se intromete.
— Nick, a minha casa é logo ali, fica tranquilo.
— Também não acho uma boa ideia — conto.
— Eu mando uma mensagem para o Thompson quando entrar em casa,
está bem? — Ela sorri. — É melhor levar aquelas duas ali.
Madison e Andressa giram juntas pela rua, completamente bêbadas e
felizes. Algo que não vejo com frequência.
Margot não espera por uma aprovação, ela apenas sai, nos deixando. Eu
gostei do seu jeito, entretanto, acho que há algo a perturbando, algo que não
está relacionado a Nick e nem a mim. Mas sim, há alguma coisa.
Nós continuamos andando, e as garotas vão na frente. Depois das dez
horas Wiston Hill fica vazia. Não há uma chance sequer delas serem
atropeladas, mas podem acabar incomodando os moradores com as risadas
altas demais.
— Essas duas estão extremamente felizes — digo ao entrar na rua das
fraternidades. — Eu ficava assim quando bebia?
— Acho que você ficava irritadiça. — Nick não me olha. — E
sexualmente ativa.
— Eu te odeio — brinco, fazendo-o rir. — E vocês conversaram? Quer
dizer, você, Jack e Thomas.
— Está curiosa, Alice? — Me encara com maldade. — A gente falou de
você e outras coisas.
— Explique — ordeno e mordo o lábio.
— Primeiro, você precisa parar de me deixar duro em lugares públicos.
Sério.
— Então, eles notaram?
— Espero que só eles. — Rola os olhos e pega em minha mão. — Sabia
que Madison e Tommy estão...
— Descobri hoje — interrompo. — Achei interessante.
— Achei ótimo. Ela parece feliz — ele diz, satisfeito e pensativo. —
Todos me perguntam se namoramos e o que sinto por você.
— Era disso que estavam falando?
— Na verdade, falamos sobre como você é irresistível, mas sim. — Fico
boquiaberta, mas rio nasalado, chocada com a sua declaração. — Hoje vou
dormir no dormitório, não quero ouvir as reclamações da Polly.
— Isso é bom.
Paramos na frente da fraternidade, enquanto Andressa e Madison
fofocam sobre algo perto da porta de entrada.
— A Margot não é silenciosa, ela só tem algumas coisas para resolver.
Igual a mim.
— Eu só estava curiosa, ela é bem quieta.
Nick pega em minha cintura e sobe suas mãos até abaixo de meus seios,
me puxando para perto.
— A curiosidade matou o gato, sabia?
— Bom, eu estou muito viva. — Sinto sua respiração quente em meu
rosto, seu hálito. Nick me beija calmamente, mordendo meu lábio sem força
alguma.
Quando nos separamos, ele suspira e analisa meu rosto, minha
expressão. Me pergunto sobre o que está pensando.
— Eu te conto sobre os segredos dos outros depois.
Me afasto um pouco dele, sorrindo.
— Preciso colocar essas bêbadas na cama.
— Me mande uma mensagem depois.
Assinto e me viro para subir os degraus.

Quando entramos na casa tento ao máximo as calar, mas as duas estão


em êxtase. Animadas demais para qualquer coisa. No escuro, tento fazer
Madison e Andressa subirem a escada e irem até o quarto.
— Vocês precisam dormir, agora — insisto, rindo da situação. — É
sério.
— Só mais um pouco, por favor, Alice — a loura implora.
— A gente pode fazer uma guerra de travesseiros, será superdivertido —
Andressa sugere.
— Nada disso. Chega. Subam agora!
Quando acho que a situação não pode sair ainda mais de controle, as
luzes se acendem e Christina aparece, apoiada no batente da cozinha, nos
observando.
— Boa noite — sussurra. — Podemos conversar?
Assinto, suspirando.
— Madison, vá agora para o seu quarto! E Andressa, para o nosso!
— Ah não, eu quero dormir com vocês! Não quero dormir no meu
quarto! — Maddy implora, me irritando. As entrego um olhar sério e as duas
sobem como crianças fugindo.
Chris semicerra os olhos, faz um biquinho e se aproxima.
— O que fez com ela?
— Nada? — Mais pergunto do que respondo. — Nós saímos.
— E você não está bêbada, raridade — provoca.
— Eu tenho mais o que fazer, Christina.
— É rápido, só preciso te dizer uma coisinha. Você está se divertindo,
não? Entrando num mundo diferente, andando com pessoas como nós,
irritando Polly e todos os outros.
— Ah, pelo amor de Deus! — exclamo, cansada, e começo a subir as
escadas.
— Me ouça!
Paro, me viro e espero.
— Você me acha horrível, mas não tem ideia do que essa palavra
significa. Está passando de todos os limites, Wonders, todos eles. Tudo isso
por causa de um garoto? Acha que pode chegar aqui do nada, causar um caos
desnecessário e entrar naquela família assim? Se intrometer em amizades,
assim? Não funciona dessa forma.
— Desculpa se o castelinho de cartas, a sua utopia, está se destruindo.
— A minha não. Aproveita a calmaria, Wonders, é melhor se preparar.
Sabe o que tempestades como você atraem?
A olho com certa raiva.
— Mais tempestade. Não existe arco-íris.
Christina passa por mim sem dizer uma palavra a mais, ela esbarra em
meu ombro e sobe à caminho dos quartos.

Quando abro a porta, encontro Madison numa camiseta — que é minha


— e Andressa jogada na outra cama, de pijamas. Maddy me encara e sorri.
— Vai mesmo dormir aqui? — pergunto, ela se encolhe no canto,
sentada em meu colchão, e assente como uma criança.
— Tudo bem — digo, retirando o vestido.
Me enfio numa camiseta larga com pressa, vou ao banheiro e faço minha
higiene, então, me jogo na cama, deixando Maddy deitar ao meu lado. Ela
chega pertinho de mim, se aconchega e fecha os olhos.
— Você é legal — sussurra.
— É, você também — digo, deixando-a finalmente pegar no sono.
Demora alguns segundos, já sou consumida pela escuridão e silêncio
quando o celular vibra. Estico o braço e o pego, na mesa de cabeceira.
Nick: Durma bem, amor. xo.
Ele vale a pena e as palavras da Chris não podem me afetar quando me
lembro do sorriso e beijo do Nicholas.
"Alice: Eu acho que estou apaixonada por você."
Digito e apago em seguida. Não tenho coragem.
Alice: Vou sonhar com você.
33

SEM ARCO-ÍRIS
"Então, por que você tem que atiçar o meu problema?"
Bishop Briggs | Tempt My Trouble

ALICE WONDERS

Posso ouvir os passos pelo quarto enquanto escovo os dentes, um pouco


sonolenta, um pouco presa aos pesadelos que tive. Parece que não consigo
me livrar das palavras da Christina, é como uma maldição. E por várias vezes
durante a noite, me vi quebrando na frente de Polly Thompson,
despedaçando. E isso me deixou intrigada, meu cérebro está me atacando,
brincando comigo, porque Nicholas também estava nesses pesadelos, parado,
me observando quebrar.
— Bom dia. — Ecoa pelo banheiro, me fazendo pular. Madison me
encara como se não se lembrasse de nada. Estava bêbada demais para
qualquer coisa. A olho, com a escova de dentes na boca, e ela faz uma careta.
— Eu dormi aqui?
— Pior. Dormiu comigo.
— O quê?
— Na minha cama, Madison. — Cuspo na pia e acabo de fazer a minha
higiene básica e diária. — Você dormiu na minha cama, comigo.
— E quanto a Chris? — Claro que o nome dela ia surgir, está me
assombrando.
— Terá que se resolver com a sua amiga. — A olho mais uma vez,
enquanto ela ajeita os fios completamente bagunçados. — Você acabou
falando que não queria dormir no quarto de vocês. Isso, na frente dela.
— Merda — reclama, mas não parece se importar de verdade. — Acho
que tudo bem. — Maddy anda até a pia e joga um pouco de água fria no
rosto. — Não nos falamos há alguns dias.
— Preciso me preocupar com o meu pescoço? — questiono, caçoando.
É óbvio que vai sobrar pra mim.
— Sempre.
Vejo seu reflexo e percebo que ela sorri. Em tão pouco tempo, Madison
mudou em relação a mim, me pergunto o que Thomas lhe disse, o que ele
enfiou em sua cabeça. Afinal, ela me detestava.
— Quanto bebemos ontem? — Pulo de susto ao ouvir a voz de
Andressa, parada atrás de mim, com os olhos fechados e os cabelos presos
num coque.
— Vocês beberam muito.
As duas riem. Pela primeira vez, me sinto bem e, apesar de por dentro
sempre haver um impulso irritante pedindo por uma dose qualquer de álcool,
me animo por não ter de aturar uma ressaca.
Espero muito mesmo, com todas as minhas forças, que ficar
completamente sóbria seja tão fácil assim.

Madison e Andressa decidiram ficar por mais tempo na lanchonete


Waver's, mas eu gosto de chegar cedo na sala. Caminho pelo Campus sem
prestar atenção ao meu redor, sem me dar ao luxo de reparar em detalhes.
Apenas ando, pensando em como quase enviei aquela mensagem.
Acho que estou apaixonada por você.
Como assim, acho? Eu deveria ter certeza, não? Ou quem sabe, nunca
tenhamos certeza, quem sabe, esse sentimento seja tão confuso e tão delicioso
ao mesmo tempo. Eu só preciso de um pouco mais de tempo, mais beijos,
mais calor.
Abro a porta pesada e vejo que ainda não há um aluno sequer. Me sento
na última cadeira, perto da entrada, e espero.
O sol queima lá fora, mas há certa brisa para aliviar nossos corpos. E
aqui dentro, com todo esse silêncio, me pego pensando nos pesadelos e no
que Christina me disse ontem.
Tempestades atraem mais tempestades.
Espero que em algum momento apareça um arco-íris.
Me destrói saber que quando estou certa sobre Nicholas e eu, algumas
coisas podem surgir, podem me deixar indecisa. Podem destruir todo o prazer
que sinto. E então, preciso de mais uma bebida e mais um momento sozinha
com meus erros.
— Bom dia. — Soa pela sala. Ergo a cabeça rapidamente e encontro
Thompson de pé, apoiado na parede ao lado da porta, me observando com um
olhar indecifrável.
— Bom dia — respondo num sussurro e não consigo controlar a droga
do sorriso que aparece em seguida. — Vai ficar ai me olhando?
Nick retira a jaqueta de couro e começa a andar na minha direção.
— Eu poderia te observar por dias. Sonhou comigo? — Se joga na
cadeira ao meu lado.
Ah, sonhei sim, mas não foi algo bom ou sexual, como eu queria que
fosse. Por que não posso apenas sonhar com esse menino tirando as minhas
roupas?
— Não me lembro. Espero que sim — minto, desviando de seus olhos,
pois sinto que esses sabem quando não estou falando a verdade. — Foi difícil
colocar as duas na cama sem fazer barulho.
— Eu imagino, estavam completamente bêbadas. — Ele ri, encara a
lousa e ajeita os fios de cabelo. Um silêncio surge, percebo que Nick começa
a brincar com um anel em seu dedo.
— Está me devendo algo. Segredos alheios — lembro, agarrando em sua
mão, fazendo-o parar.
— A curiosidade...
— ...matou o gato. — Rolo os olhos. Nick ri e me analisa. — Me conta
ou vou ter que adivinhar sozinha.
— Tudo bem, não posso lidar com a sua teimosia hoje — reclama, mas
sem parecer irritado. — Margot namorava com Wine. Pronto, direto.
Fico boquiaberta.
— Elas namoravam, minha avó era contra. Depois que Wine fugiu por
causa dessa rejeição e outras coisas, ela ficou distante, quieta.
— Então, ela não era assim? — Aperto seus dedos, massageando sua
mão com delicadeza.
— Era mais divertida.
Assinto, ainda em silêncio. Alguns outros alunos entram na sala e nos
encontram com seus olhares desconfiados. Tenho certeza de que somos tema
de muitos boatos e sei que Chris pode ter publicado algo sobre a nossa
relação. Contudo, não estou preocupada, não nessa manhã.
— Preciso te pedir uma coisa — ele quase sussurra. Eu espero. — Pode
ficar longe de Mateo?
— Eu não sei o que quer dizer com isso, Nick. — Rio, acreditando ser
uma brincadeira. Me parece uma, exceto por seu tom sério.
— Quero dizer exatamente o que ouviu.
— Está bem — suspiro e solto sua mão. Há certo pânico em meu corpo,
me subindo pela garganta. Ele não pode mandar em mim. — Eu não obedeço
a ordens.
— Não estou te dando uma e nem quero te controlar. É uma pergunta.
— Seu tom de voz muda, Nick fica doce. — Só me responda.
— Acredito que não tenho motivos para ficar perto do noivo da
Christina, e depois da conversa que tive com ele, fiquei meio enojada. Então,
sim.
— Olha, Mateo e eu não nos damos bem. Não importa a situação, temos
problemas um com o outro e isso pode parecer egocêntrico, mas ele faz de
tudo para me irritar.
— Está bem, eu entendo. Relaxa, eu não vou virar a melhor amiga dele.
Nick ri baixinho, caçoando das minhas palavras enquanto o professor
entra na sala. Me sinto um pouco desconfortável, vejo Chris se sentar na
primeira fileira e me olhar sobre o ombro.
— Essa não é a questão — Thompson sussurra, por cima das palavras
do homem em roupas formais.
— Então, qual é? — questiono. Sinto seu toque em minha coxa, perto da
barra da saia, ele me aperta.
— Você pode não ter motivos para ficar perto do Mateo, mas ele tem
motivos para se aproximar de você.
O olho com certo choque. Ele realmente acha que o menino tentaria algo
comigo apenas para o afetar? Me pergunto se é o seu egocentrismo falando
ou se aconteceu algo no passado que o faz acreditar nisso, algo especialmente
ruim.
Nicholas é indecifrável. Ele não me deixa ler seus pensamentos e, apesar
de não parecer, ele é bem seguro de si — isso quando não está se afogando
em culpa e ressentimentos —, o que me tira do sério. Ele ordena, sem
realmente ordenar.
É irritante e inaceitável, porém, dessa vez, tenho que concordar, depois
de ouvir as frases idiotas do Mateo na frente da Red Hell, não quero me
tornar amiga dele. Na verdade, procuro distância.

O ar me rodeia e me escapa, isso dura horas.


Nick brinca comigo quando começa a se sentir entediado. Quando me
concentro na aula, seus dedos deslizam para baixo da minha saia jeans,
apertando a minha coxa, me arrancando gemidinhos baixos. E ele ri.
Dou alguns tapinhas em sua mão no começo e não adianta, Thompson
gosta de me ver irritada. Depois, tento deslizar seu toque para perto de meu
joelho, mas Nick é bem mais forte. E eu gosto de seu joguinho indecente.
— Chega — reclamo quando ele toca na parte interna da minha coxa.
— Desculpa — mente, afastando seus dedos de mim.
— Você é inacreditável.
— E você é incontrolável.
— Eu estou falando sério, Nicholas. — Falho ao lhe repreender e
percebo seu olhar debochado. — Eu me mudei para estudar.
— Eu sei, sou só um bônus.
Rolo os olhos, afastando minhas pernas dele e deixando seus dedos
longe da minha pele. Eu gosto de suas provocações, mas precisamos de
limites, a minha vida não se resume a sexo com Nicholas Thompson, apesar
disso ser ótimo.

O sinal soa pelos corredores provavelmente vazios e alguns alunos já se


levantam para sair, mesmo com o professor ainda explicando detalhes do
trabalho que ele espera receber na próxima semana. Penso em minhas notas,
até agora entreguei apenas um dever e faltei várias vezes, mas estou indo bem
quando o assunto é participação em sala de aula. A cada resposta correta que
escapa por entre meus lábios, Chris me encara com seu olhar raivoso. Eu sei
que ela odeia não ser o centro das atenções.
Tudo só piora quando ela tenta responder e erra. Daí, eu me sinto
ameaçada. Nicholas apenas ri, ele me examina enquanto falo com o professor
— me deixando constrangida — e, por pura provocação, olha para Christina
em seguida. Não posso negar que talvez eu goste disso. Me sinto com
borboletas no estômago quando ele fica me analisando, quando me admira.
Chris é uma das primeiras a sair, eu ainda ajeito as minhas coisas. A sala
começa a se esvaziar e Nick me espera, sentado ao meu lado, em silêncio.
— Você faz isso de propósito? — Ele olha para as próprias mãos ao
deixar a questão lhe fugir.
— Depende do que está falando.
— Irritar a Christina. — Seus olhos azuis se tornam à mim, Nick sorri
de canto. Não está reclamando, isso é óbvio.
— Não — minto, minha voz falha um pouco. — Às vezes. Ela se deixa
levar por isso.
— A coisa mais fácil do mundo é irritar a Vender.
— Não adianta me pedir para parar de responder as perguntas
corretamente...
Ele ri, me interrompendo.
— Não. Pode continuar — suspira, há maldade em sua face. — Eu
gosto.
— É? Te dá tesão ou algo do tipo? — caçoo e me levanto, ficando à sua
frente. Ele encara minhas coxas, analisa a minha cintura e sobe até erguer a
cabeça, encontrando meus olhos.
— Algo do tipo.
Rio baixinho.
Saímos da sala juntos, sem muita conversa. Quando chegamos no
corredor, ele anda comigo até a parte de trás do Campus.
— Você vai à festa na fraternidade?
Nick assente e se senta nos degraus vazios, arrancando um maço de
cigarros do bolso da jaqueta. Ele escolhe um, acende, traga. Fico de pé,
apoiada no corrimão, observando cada ato. O menino ajeita os fios de cabelo,
deixando seu cheiro se espalhar pelo ar e se misturar com a fumaça.
— Está tudo bem? — pergunto só por interesse, um tanto curiosa. Às
vezes ele esconde o que sente, ele esconde as coisas estranhas que
acontecem. — Me conte sobre Mateo.
— Te contar o que exatamente? — Seus olhos me encontram.
— Vocês brigaram recentemente? — Penso sobre isso, não há
hematomas em seu corpo, talvez ele tenha batido dessa vez. Não sei. Nick
não tem muito autocontrole quando o assunto é raiva.
— Não exatamente. E não bati nele — confessa, abaixando a cabeça e
tragando.
— Eu odeio como você consegue ler meus pensamentos.
— Você é previsível às vezes, Wonders — conta. Me sinto um tanto
ofendida, mas sei que é verdade. Me sento ao seu lado e deito em seu ombro,
ouvindo sua risadinha. — É. Só às vezes — sussurra.
— Posso te perguntar uma coisa? — Continuo apoiada nele, sentindo
seu calor. Nick me olha, mas não retribuo seu ato.
— Você já está perguntando. Não precisa perguntar se pode perguntar.
— Rolo os olhos e suspiro. Ele me irrita de propósito e isso o diverte. —
Pergunte.
— Sobre aquilo que você quase me disse uma vez — me afasto e o fito,
ele franze o cenho —, tem certeza?
— Aquilo que quase... — Ergo a sobrancelha e ele me entende. — Ah
sim, seria sobre eu estar apaixonado por você?
Coro no mesmo momento, meu rosto arde, mas balanço a cabeça em
concordância.
— Eu tenho sim, mas às vezes fico confuso quanto a isso. Por que quer
saber?
— Nada. Você fala sobre como se fosse fácil.
— Acha que está apaixonada por mim? — caçoa, me fazendo o socar no
braço. Nick ri mais um pouco enquanto tento controlar a cor das minhas
bochechas. — Já se apaixonou alguma vez?
Nego.
— Nunca mesmo?
— Prefiro acreditar que não me apaixonei por certas pessoas.
— Vamos considerar algo e não alguém. Você gosta de ler, já se
apaixonou por um livro?
Assinto.
— É bem mais fácil — sussurro.
— Ele também pode quebrar seu coração, mas não é a mesma coisa —
constata. Talvez Thompson me entenda mais do que eu imagino e, por isso, é
tão paciente. Talvez, paixão e paciência andem juntos. — Eu te entendo,
Wonders.
— Você não tem medo de se apaixonar.
— Alice, por que tem medo disso? — Seu tom muda, ele continua
compreensivo, porém sério.
— É muito fácil me decepcionar. A minha mãe vem fazendo isso por
anos, acabei me acostumando com ela, mas acho que se outra pessoa fizer,
vai me destruir.
Contar o que realmente sinto me deixa mais leve, mas ainda assim, sinto
certa vergonha. Eu escondo partes do meu passado, Nick não precisa saber de
tudo.
— Você tem que correr o risco. Não é questão de colocar expectativa, se
apaixonar e confiar não são coisas fáceis.
— Deveriam ser.
— Talvez. Mas não são, não pra você. Eu entendo. E precisa parar de
procurar certeza em tudo.
Rio baixinho, ele é doce comigo, acredito não ser assim com todo
mundo e pelo que ouvi por ai, Nick era do tipo que dormia com muitas
garotas antes de eu aparecer.
— Já gostou de alguém? — pergunta e me olha mais uma vez. Ele pega
em minha mão, apertando-a.
— Bom, eu gosto de você.
— Outro alguém. — Ri.
— Sim, há um tempo. Não acho que queira saber...
— Você sabe sobre a Elle. — Nicholas faz um biquinho um tanto
irresistível.
Ele estica o braço e, com os dedos quentes, ajeita alguns fios atrás da
minha orelha, me fazendo corar mais ainda. Por Deus, preciso parar de fazer
isso.
— Um garoto na escola. Eu gostava — pauso e respiro fundo — muito
dele. Mas acho que não era pra ser.
— O que aconteceu?
— Éramos idiotas o suficiente e inconsequentes o suficiente. Não posso
chamar de melhor relacionamento do mundo, ainda mais se considerar que
meus pais o detestavam. Daí, ele se mudou de Nova Iorque.
— E depois?
— Depois eu fiquei sozinha mesmo. — Rio, como se fosse óbvio. —
Minha mãe fez de tudo e me juntou com Alex.
— Te juntou?
— Não exatamente, não planejou tudo. Ela gostava dele e acontece que
eu estava dormindo com ele. Foi adequado, eu acho.
— Mas você não gostava dele.
Nego.
— Alexander gostava da ideia de ter um relacionamento sério e
romântico e eu não estava no meu melhor momento pra isso! Vivíamos
brigando por causa da minha frieza e ele me fazia sentir culpada.
Ele suspira e me analisa.
— Então, acha que está apaixonada?
Encontro seus olhos e percebo que ele sorri. Está me testando.
— Pare de fazer isso comigo — peço, abrindo um sorriso que não
consigo segurar. Ele gargalha e me puxa para perto, passando o braço por
minha cintura e deixando o cigarro cair no chão. Nick me abraça fortemente.
— Tudo bem, Alice.
Me aperto contra seu peito. É confortável.
— Eu só queria ter te conhecido antes — sussurra e beija a minha testa.
— Se tivesse, eu não seria essa e você não seria esse. Não teria dado
certo — conto, ouvindo seus batimentos cardíacos.
Ele tem razão. Não é fácil se apaixonar quando se tem medo da mágoa,
mas eu não posso evitar. Nesse momento eu teria enviado aquela mensagem.
— Eu gosto muito de você — digo baixo, esperando que ele não ouça.
— Isso já é suficiente — responde e me aperta mais ainda.

Mais uma bebida, mais um cliente. Encho o copo, entrego, sorrio.


A Red Hell está cheia hoje, de tal forma que até Tommy está
trabalhando. Me encosto no balcão aproveitando os segundos sem pedidos,
respirando fundo, sentindo o cheiro de bebida sem poder provar do gosto.
Fecho os olhos, a música alta ao meu redor ecoa pelos corredores que levam
à banheiros. As luzes vermelhas são as mesmas de sempre.
— Então, é aqui que trabalha? — Abro os olhos rapidamente e encontro
Mateo à minha frente. — Tequila.
Assinto, sem muita falação. Nick me disse que ele não é o melhor tipo
de pessoa, sei que talvez não seja verdade, talvez ele só não me queira perto
de seu inimigo, mas prefiro não arriscar. Não sinto muita simpatia exalando
de Mateo, apenas uma falsidade exagerada e misturada a atitudes ridículas.
Ele se acha Deus também, tanto quanto Nicholas. A postura ereta, os
músculos à mostra. Eles são pares, por isso, não se atraem. São iguais,
precisam dos olhares e das fofocas, além de todo o resto. A diferença é que a
maioria das pessoas gosta de Thompson ou se atrai por ele. Mateo só causa
uma sensação de ameaça, uma que ainda não entendo por completo.
Sirvo sua bebida.
— Não me apresentei direito no outro dia — começa, dá um gole, faz
uma careta, vira tudo.
— Não precisa, sei quem você é.
— Precisa sim. — Desliza o copo pelo balcão, pedindo mais. — Sou
Mateo Price.
— Noivo da Chris Vender, já sei. — Sorrio falsamente e lhe entrego
outra dose.
— Acho que pode conhecer mais sobre mim. — Ri e vira o copinho. —
Sou da Espanha, meu pai é empresário, moro perto daqui, gosto de carros...
— Já parou pra pensar que o mundo não gira ao seu redor? — Ele se
cala e arqueia a sobrancelha. — Ou que talvez, eu não esteja interessada?
— Então, por que não me conta sobre você?
— Porque estou trabalhando — retruco. — E sinceramente, não estou
com vontade de fazer novas amizades agora.
— É verdade, então. Além de gostosa, é teimosa.
— Enfiou o senso onde? — O encaro, boquiaberta. — Você não tem
intimidade alguma comigo.
Ele ri e não evita passar os olhos por meu corpo.
— Olha, vai se foder — termino.
— Já disse isso uma vez.
Tento me afastar, mas seus dedos agarram meu braço e o garoto me
puxa de volta.
— Espera. Eu posso ser um idiota, mas queria conversar.
— Quer conversar ou arranjar uma forma de provocar o Nicholas?
Mateo fica sério.
— É, eu imaginei.
Seus dedos afrouxam, me deixam partir. Mateo também se afasta, ele se
levanta mantendo a postura ereta e anda até um dos palcos, hipnotizado por
uma dançarina.
Me apoio na prateleira de bebidas, cansada e ofegante. Eu imaginei que
Polly e Chris fossem fazer da minha vida um inferno, mas parece que Nick
tem inimigos bem mais chatos por aqui. Mateo além de irritante, é um
babaca.
— Alice. — Já bufo antes mesmo de ver quem me chama. — Um
cliente 'tá pedindo por você — Roxy diz, chegando mais perto.
— Se for o Mateo...
— Não é ele — afirma e aponta para alguém de costas, apoiado no
balcão de vidro pelos cotovelos, olhando o público.
Rolo os olhos e vou até o homem, pronta para mandar mais gente ao
inferno.
— Está me procurando? — pergunto um pouco alto, por conta da
música.
Seu rosto se torna à mim e eu congelo no mesmo instante. Minhas
pernas ficam bambas, meus pelos acordam.
— É, e te encontrei — Alex diz, fazendo meu estômago revirar.
O passado não me deixa em paz.

Fecho a porta do Red Hell e caminho pela calçada, me afastando dele,


tomando ar.
— O que faz aqui, de novo? — pergunto, longe de seu corpo.
— De novo? Nunca vim ao Red Hell.
— Você me entendeu, Alexander. O que faz aqui? — O encaro e cruzo
os braços. Achei que tivesse sido clara quando o mandei ir embora, quando
disse que nunca o amei de verdade.
— Eu moro aqui.
Congelo mais uma vez.
— De que merda está falando?
— Acabei de me mudar — explica, se aproximando aos poucos — e vou
estudar na Wiston Hill University.
Meu peito parece pesado, a minha respiração sai sem ritmo. Me sinto
afundando, como num afogamento. As palmas das minhas mãos suam.
Alexander pode ser sentimental e carente, mas também é vingativo —
descobri isso quando ele dormiu com Ruby, só para me mostrar que se eu não
lhe desse atenção, ele conseguiria em outro lugar.
Alexander Chelton é completamente frio quando quer, e ele sabe mais
do que deveria sobre o meu passado. E sobre meus erros.
— Mas relaxa, eu não estudo literatura. — Seu corpo está muito
próximo do meu, sinto a temperatura dele. — Acho que vamos nos ver
bastante.
— Como veio parar aqui?
— Recebi uma ligação da reitora, parece que se interessaram por mim.
Mentira. Ele não tinha notas espetaculares nem cartas de recomendação,
ele não tinha nada, por isso foi morar com pai no Texas. A única coisa que
Alex possui é dinheiro, mas Polly jogou bem dessa vez. Ela fez o que acha
ser pior.
E é.
— Parece que te vejo depois — sussurra perto do meu rosto, notando
meu desânimo, meu desespero. Alex esbarra em meu ombro e parte.
Por um momento, enquanto ouço seus passos, noto quem Alex é de
verdade. Ele é uma ameaça. Uma ameaça disfarçada, fingindo ser doce e
amável, alguém que após a primeira decepção, faria e fará de tudo para me
destruir.
Agora, o que me resta é lidar com as consequências, até
porque, fantasmas do passado não são bons.

Quando entro novamente na Red Hell posso sentir minha garganta seca
e sei que água não me ajudará. Os olhos de Tommy me encontram de longe,
enquanto caminho por entre os palcos, no meio de clientes distraídos demais.
Ele parece notar que há algo de errado, ou talvez, seja apenas coisa da minha
cabeça.
Thomas desvia o olhar, então, sinto um alivio momentâneo. Quando
chego perto do balcão não consigo voltar ao trabalho. Eu preciso sair daqui.
Decido ir ao banheiro, aquele onde me encontrei com Nicholas uma vez.
Alexander pode me destruir e eu sei disso.
Tranco a porta, estou trêmula, suando, pálida. É como uma crise de
abstinência. É como uma necessidade. Demoraria mais alguns dias para que
isso me atacasse, mas basta algo dar errado, basta a ansiedade retornar, que
me vejo caindo. E sem ar.
Eu preciso de uma bebida.
Eu preciso de qualquer bebida que seja, agora mesmo.
Mas não posso, não agora. Eu prometi a Nick, eu me prometi, eu
prometi que não precisava mais disso. Eu disse e repeti. Eu enfatizei. E eu
sabia que não seria fácil.
Jogo um pouco de água fria no rosto, tentando afastar o sentimento,
tentando me fazer não sentir nada. Eu quero ficar dormente, quero ficar
anestesiada. Meu coração acelera e me lembro das palavras de Alex. Tenho
certeza de que Polly o chamou, sei que ela deve ter ouvido sobre a visita
inesperada, sobre o relacionamento desastroso.
A única maneira de destruir algo novo é com outra novidade.
E eu ainda preciso de uma porra de uma bebida.
Me olho no espelho e tento me controlar, tento respirar fundo, mas
parece que o ar está sumindo, parece que vou cair. Minhas pernas ficam
bambas, o suor frio escorre por minha nuca.
Foda-se.
Saio pelos corredores mal iluminados decidida a acabar com essa tensão,
com essa dor aguda, mesmo sabendo que ela só causará mais danos. Mesmo
sabendo que estou tomando a decisão errada. Atrás do balcão, Roxy parece
distraída e Tommy já sumiu. As outras meninas andam pela casa, se
misturam a clientes e dançarinas.
Agarro uma garrafa de rum e a puxo da prateleira, sem chamar atenção.
Que merda, que merda, que merda. Meu consciente grita comigo, me
pede para parar, ordena para que eu me controle. Mesmo assim, o suor ainda
escorre por minha nuca. Eu sei, estou me destruindo aos poucos. Eu não me
julgo enquanto ando até a sala onde guardei a minha bolsa e escapo pela
porta dos fundos.
Eu calo todas as vozes da minha mente ao caminhar pelas ruas de
Wiston Hill. Agora, só me resta a escuridão.

Tranco a porta do banheiro e deixo Andressa falando sozinha, é claro


que ela notou que há algo de errado, mas não estou pronta para contar sobre
Alex. Ainda me parece um sonho, ou pior, um pesadelo.
Me jogo no chão e tiro a garrafa da bolsa grande e preta. Antes de a
abrir, afasto a imagem de Nick dos meus pensamentos. Afasto sua
preocupação, afasto a culpa que sinto agora e vou sentir ainda mais depois.
Assim como não consigo me desapegar completamente disso tudo,
também não consigo me acalmar. A cada minuto que passa me sinto quase
desmaiar, o ar me escapa, meus pulmões parecem que vão explodir. Sei que
estou fria, pálida. E então, as lágrimas começam. A culpa e a vontade me
consomem juntas, gritam ao meu redor. Eu arranco a tampa da garrafa e a
viro um pouco, esperando que toda essa sensação passe. Minha garganta
queima com o álcool.
Eu não consigo parar.
Tomo mais. E mais. E assim continuo por minutos de puro desespero.
Mas pela primeira vez, não melhora. A dor é outra, é mais real. Eu passei
anos calando a minha mente com bebidas, matando-me por dentro, e agora,
não funciona mais. Agora, preciso lidar com a dor que não pode ser calada. A
dor por estar bebendo.
É como se todas as coisas do passado tivessem voltado para me atacar. É
como desmoronar aos poucos, porém rapidamente. Eu achei que teria paz em
Wiston Hill e acreditei nisso depois de conhecer Nick, mesmo com todos os
avisos. Mas Polly Thompson não é do tipo que desiste, e ela ainda nem
começou.
Ela sabe destruir alguém.
— Alice, está tudo bem? — Ouço Andressa bater na porta, mas não
respondo. Noto estar me afundando em lágrimas, meu choro alto ecoa pelo
banheiro. Eu despenco, me deitando no chão.
E a garrafa já está pela metade.

Estou quase apagando quando ouço algumas batidas à porta, o chão frio
queima minha bochecha. Ergo a cabeça, notando ainda estar no banheiro,
ainda estar presa a todo esse pesadelo e pior, completamente bêbada, tomada
pelas escolhas erradas.
— Alice? — A voz é familiar. Nicholas bate mais algumas vezes. —
Alice abre a porta, por favor. — Posso notar a preocupação e o nervosismo
em seu tom.
— Ela está ai há minutos, eu não sei o que aconteceu. — Ouço Andressa
dizer, mas me sinto distante. A dor se tornou física. Me encolho no chão.
Vejo tudo borrado, estou sem foco, sem nada. Apenas perdida.
— Alice! — ele pede mais uma vez e eu quero responder, mas não
consigo.
— Alice, abre a porta — Andressa tenta. Me ouço grunhir um pouco,
então, começo a chorar mais uma vez, sem emitir som algum.
Fecho os olhos com força e me deixo ser consumida pela dor no
estômago. Meu corpo parece querer desligar, minha cabeça gira.
Eles falam algo do lado de fora, ouço seus passos e suas vozes. Me ergo
com dificuldade, mas meu braço não me obedece, não consigo agarrar a
tranca. Volto a atingir o chão e acabo batendo a cabeça na parede.
Um zumbido surge em meus ouvidos.
De repente, um estrondo me faz olhar para a porta agora
aberta. Thompson a arrombou.
— Alice — Nick sussurra, entrando. — O que aconteceu?
Não posso responder, não consigo, a bebida e a queda me afetaram. Eu
deixo as lágrimas me dominarem.
— Me conta. — Ele se abaixa ao meu lado, segurando em meus ombros,
implorando por uma resposta.
— Eu não consegui, me desculpe — peço. — Eu juro que tentei, eu não
consegui. — Vejo a confusão em seus olhos, então, ele encontra a garrafa no
chão, ao meu lado. Nicholas bufa, mas não me repreende, o que não entendo.
Ele me abraça com força, muita força.
— Está tudo bem. — Ouço-o sussurrar em meu ouvido, enquanto sinto
seu cheiro.

Primeiro a dor de cabeça, depois o enjoo. Só então abro os olhos. O


quarto está escuro e as cortinas fechadas, o cheiro que me acalma é dele.
Nicholas está comigo, ao meu lado, deitado e dormindo. Eu lhe devo
explicações.
Eu me devo explicações.
O examino por alguns segundos. Calmo e quieto, ainda me abraçando —
sem força dessa vez. Me apoio no colchão e levanto, tentando não fazer
barulho, Andressa também dorme profundamente. No banheiro, acendo a luz
mais fraca.
Meu reflexo mostra o efeito de tudo que aconteceu nessa noite. Estou
pálida, com marcas roxas abaixo dos olhos, de tanto chorar. Meu cabelo
ainda solto, cheira a bebida e cigarros — culpa do Red Hell. As roupas,
entretanto, são outras. Uso uma camiseta branca e um shorts preto.
O topo da minha cabeça lateja, me lembro de ter caído, mas não senti a
dor naquele momento. Agora, ela é intensa.
Eu não posso me esconder do que fiz, do meu passado e nem dos meus
traumas pessoais. Eu tentei e acabei sendo destruída por Alex, aquele que
jurei nunca poder me afetar.
E eu tenho jurado muito ultimamente, sempre coisas que não posso
cumprir.
— Está melhor? — Ouço atrás de mim. Me viro num pulo e encontro
Thompson, parado à porta, de braços cruzados. — Tentei te manter bem perto
de mim na cama, caso fugisse.
— Eu não fugiria, mas foi uma boa ideia — tento, porém nenhum de nós
está animado o suficiente para isso. — Você não precisa aceitar as minhas
desculpas.
— Não, não preciso. E você não precisa me pedir desculpas — ele
suspira. Não entendo bem o que quer dizer. — Tem que parar de beber por
você mesma, Alice. Eu estou aqui, mas não pode depender de mim para isso.
— Não dependo.
— Então, não peça desculpas.
— Discordo. — Me apoio na pia ao falar tal coisa, Nick dá um passo à
frente. — Eu entendo o que disse, mas essa coisa toda afeta quem está ao
meu redor e eu sei. Então, me desculpe.
Nick não responde, ele assente como se não soubesse o que dizer.
— E a Andressa não precisava ter te chamado. Você arrombou a porta.
Ele ergue uma das sobrancelhas e o vejo rolar os olhos por um segundo.
Dessa vez, minha teimosia o irrita de verdade.
— Ia passar a noite chorando no chão do banheiro? Não precisa se
afastar assim e nem precisa tentar resolver seus problemas sozinha, Alice.
Você tem com quem contar. — Ele tenta manter a seriedade, ao mesmo
tempo, controla a voz para que Andressa não acorde com a nossa quase
discussão.
— Eu nunca tive com quem contar — exclamo. — Antes — termino
quando ele me olha, incrédulo. — Eu tinha o meu pai, mas ele não estava por
perto. Você já conheceu a minha mãe. Não estou acostumada com isso, Nick,
eu sempre me virei sozinha. Talvez das piores formas possíveis, mas sozinha.
Ele não tenta debater, nem discordar. Nicholas se aproxima e coloca as
duas mãos em minha cintura, seu rosto fica próximo do meu, mas ele não
quer me beijar.
— Me conta o que aconteceu. Não adianta mentir.
Suspiro.
Penso em me afastar e insistir na história de que nada aconteceu, de que
eu apenas decidi beber, mas sei que isso o deixará chateado e não posso lidar
com a ideia de magoar outra pessoa, não agora, não Nicholas.
— A sua avó.
Ele fica mais sério ainda e me solta, contudo, continua me olhando e me
ouvindo.
— A sua avó fez uma coisa e sei que posso te contar, mas ainda não me
sinto confortável, Nick. Eu estou cansada e com dor, não quero pensar, não
quero falar, não quero nem ficar nesse banheiro.
Ele me entende com facilidade. Thompson se inclina para frente e
quando beija a minha testa, eu fecho os olhos. Seus lábios estão quentes.
— Podemos só dormir — fala. Sorrio sem vontade, concordando. Eu só
preciso dormir.

Eu não queria contar a Nick que Alex está na cidade, que meu ex sabe
coisas sobre mim que ninguém deveria. Coisas que não são segredos em
Nova Iorque. Pior que tudo isso é contar que Polly Thompson o trouxe para
Wiston Hill por um motivo. Alexander morava com o pai e a madrasta no
Texas, se mudou depois da formatura, e não veio para cá pelas notas ou pela
chance de estudar em um lugar bom. Seu pai deixou claro, não pagaria uma
Universidade como essa para um aluno nada dedicado e com notas fracas.
Uma bolsa, com certeza. Porém deve haver alguma condição, alguma
coisa por trás.
Me sento num dos bancos na frente do prédio principal, deixando o sol
esquentar a minha pele. Nick disse que me encontrará mais tarde. Assim que
a aula terminou, ele se despediu e prometeu que não irá interrogar a Polly, só
então me vi livre de seu olhar curioso. Ele quer saber o que me afetou tanto.
Apoio as mãos na mesa e deixo meus pensamentos voltarem com calma.
Respiro fundo, cravando as unhas na madeira.
— Alice. — Soa baixinho, ao meu lado. Me viro e vejo Jack me
observando com certa preocupação. — Aconteceu de novo?
Mordo o lábio para conter a minha raiva, Nick não precisava ter
contado, ele não precisava ter espalhado a minha vergonha. Não preciso, e
nem quero, uma babá.
— Espero que isso não chegue nos ouvidos da Hannah...
Ele suspira e se senta à minha frente.
— Não vai, acredite. Namoramos, mas essa sua questão não tem a ver
com a gente. Só me conta.
— Nicholas te mandou bancar a babá? Ou te pediu para me interrogar
sobre ontem?
Jack ri e nega brevemente.
— Nada disso. Ele só me pediu para ver se você está bem, nós três
sabemos que você não conta algumas coisas pro Nick.
— Ele não precisa saber de tudo.
Jack não insiste, ele balança a cabeça em concordância, mas não fala
algo sequer. Noto sua roupa, a regata e a calça preta rasgada nos joelhos.
Seus olhos castanhos brilham com a luz do sol e ele encara as pessoas que
andam pelo Campus, deixando o silêncio tomar conta por alguns segundos.
— Aluno novo — diz, apontando com a cabeça para a pessoa já
conhecida. Alex caminha pela calçada entre árvores baixas, mas não me vê.
Jack me encara mais uma vez, ainda esperando.
— Eu costumava gostar de ter privacidade — reclamo. — Alex. Esse é o
nome dele e só vou te contar isso.
— Você não quer me contar só isso.
Bufo, pronta para me levantar. Apoio as mãos na mesa e me inclino para
frente num impulso, mas o garoto segura em meus dedos, quase ordenando
para que eu me sente.
— Alice.
— Jack — revido, nervosa. — Por favor.
— Eu juro que se me contar vai se sentir melhor.
É uma opção, não consigo lidar com mais culpa, minha cabeça dói de
pensar em todas as consequências e tudo que ainda pode acontecer.
— Ele era meu namorado. — Me sento novamente, sem vontade
alguma. Arriscar me parece ser a melhor coisa agora. Então, arrisco confiar.
— E ele é um idiota.
— Se viram ontem e discutiram?
Rio nasalado, debochando da ideia que aparece na mente de Jack. Não
discutimos, ele literalmente me ameaçou.
— Olha, é uma longa história. Namorei com Alex, acabei encontrando
ele e a minha amiga juntos na cama. — Jack tenta falar algo, mas volta a
fechar a boca. — Depois disso, ele se forçou a acreditar que tinha me
magoado, mas não aconteceu. Então, me perseguia por ai, tentando se
desculpar. Quando finalmente consegui me afastar de toda essa merda —
noto meu tom de voz alterado —, ele veio morar aqui.
— E o que isso tem a ver com Polly Thompson?
— Alex não tinha notas boas, não era um aluno exemplar, mas ele
recebeu uma ligação e se mudou para Wiston Hill. Estranho, não?
Jack pensa, considera a minha ideia e, por isso, começo a suar. Se essa
versão que crio em minha mente é considerável, só posso esperar pela
tempestade que Chris acredita estar à caminho.
34

ESQUELETOS NO ARMÁRIO
"Não importa com o que você tente disfarçar sua casa.
Nós sabemos o que acontece dentro dela."
Melanie Martinez | Sippy Cup

NICHOLAS THOMPSON

Meu braço dói e meu corpo pede por um intervalo, mas continuo
socando o saco de pancadas como se ele fosse a fonte de todos os problemas.
Não os meus, nem os da minha família. Como se ele fosse os problemas da
Alice, aquilo que a machuca, que a destrói.
Eu preciso me desfazer da raiva, porque ela me consome. Ela sempre me
consumiu. Wonders não é a única escondendo esqueletos no armário.
Meus dedos imploram, não uso luvas dessa vez, apenas um tecido
enrolado em minhas mãos. Não preciso de proteção, eu quero sentir o
impacto.
Fiquei extremamente preocupado quando a vi no chão do banheiro e
encontrei a garrafa ao seu lado. Ela me disse que havia batido a cabeça, sua
mão apertava o lugar com força. E Alice não demorou muito para apagar
depois de voltar ao quarto.
Continuo a treinar, com movimentos nem tão planejados, usando de toda
raiva que durante anos aprendi a controlar.
— Não acha que está pegando pesado? — Ouço a voz, porém tenho
certeza de que a academia está vazia. Ninguém treina em horários como esse,
especialmente quando o sol queima do lado de fora.
Respiro fundo ao parar, me sinto ofegante.
Encontro os olhos castanhos me encarando como se tivéssemos total
intimidade. A menina analisa meu peitoral, depois volta a fitar meus olhos.
Examino seus detalhes, os cabelos soltos e cacheados, a pele negra, as
sobrancelhas bem desenhadas. Não a conheço.
— Sou Juliet Rhodes.
— Nicholas. — Ando pela sala e agarro uma toalha, seco meu rosto com
ela enquanto o silêncio se torna irritante.
Juliet ainda me olha da mesma forma que todas as garotas me olham,
porém esse não é um bom momento, além disso, estamos sozinhos. Antes
esse não me era um problema, eu adoraria ter tais olhos presos à mim,
adoraria me divertir com qualquer uma que fosse, mas agora, Alice Wonders
é a única que vejo sempre que fecho os olhos.
— É nova? — questiono, fazendo-a balançar a cabeça para se desapegar
do que quer que estivesse imaginando. A garota assente. Desço meus olhos
por seu corpo, vejo o macacão jeans e o top preto por baixo dele.
— Acabei de me mudar. Fiquei sabendo que essa academia é de graça,
faz parte do pacote? — Seu dedo indicador aponta para mim, me desenhando
de cima à baixo, noto o deboche em sua voz.
— Não sei se ainda está falando da academia — brinco e Juliet ri. Eu me
esforço para não deixar minhas palavras soarem como um flerte, mas sei que
falho. — Sim, os estudantes podem treinar aqui de graça.
— E ela está vazia? — Franze o cenho dando um passo à frente.
— Muitos estudantes têm academias em casa — caçoo. — Você luta
boxe?
— Não exatamente. Sou corredora, sabe, velocista. Mas, às vezes, me
exercito em lugares fechados.
Por algum motivo as palavras de Juliet saem com uma sensualidade
estranha. Ela não é direta, entretanto, posso notar o que sente e o que deseja
em sua voz. As expressões faciais da menina acabam a entregando, o que me
ajuda a fugir de suas cantadas.
— Temos um ótimo time de corrida. Talvez possa fazer parte. — Visto a
camiseta, incomodado com seu olhar vidrado em meu peitoral.
— Pode ser. E você?
Quase engasgo quando ela me pergunta isso. Eu sei que não quer falar
sobre esportes, mas prefiro acreditar que estou sendo malicioso. Digo a mim
que nem a conheço — e minha consciência sabe que isso não funcionou com
Alice.
— Eu luto boxe. — O óbvio. — E preciso ir.
A novata sorri uma última vez, como se não precisasse dizer tchau,
como se soubesse que vai me encontrar em breve. Sigo meu caminho, a
deixando à vontade.
Quando chego em minha moto, o telefone toca. Damon. Atendo sem
animação alguma, notei que ele e Alice se deram bem, o que me deixa
satisfeito, porém a história muda quando se trata de nós dois sozinhos.
— Nicholas, está tudo bem?
— Há algum motivo por trás dessa pergunta? —
Ele bufa.
— A sua avó insistiu para que eu ligasse, disse que sabia que se fosse
ela, você não atenderia.
— Pelo menos a Polly tem noção de algumas coisas.
Damon ri baixinho, para que eu não ouça.
— Ela vai dar um jantar hoje. Parece que vamos convidar os alunos
novos, esses que acabaram de se mudar.
— Polly vai fazer um jantar para os alunos novos? Não me lembro de ter
feito isso para Alice. Esses são especiais? — Penso em Juliet, seu corpo
atlético e seu olhar misterioso.
— Olha, eu não faço a menor ideia, Nick, mas venha, por favor. Pode
trazer a Alice se quiser.
— Não acho uma boa ideia. Mas eu vou.
Nos despedimos rapidamente, então desligo. Wonders deixou claro que
Polly fez algo, ela não me contou o quê, nem quis falar sobre. Talvez acredite
que ao deixar passar estará me protegendo da raiva que posso sentir.
Quando será que ela vai entender? Nada fica escondido para sempre em
Wiston Hill.

Entro no Heaven Bar sem vontade alguma de beber, mas preciso respirar
um pouco e, por incrível que pareça, só faço isso em lugares assim. Hannah
logo me vê e acena com a cabeça, me chamando.
— Ficou sabendo? Alunos novos. Parece que esse ano será...
— Caótico — a interrompo.
— Alice foi só o começo. Essa cidade, ela é oito ou oitenta.
— Qual a sua teoria agora?
Hannah sorri de canto, coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Quando algum caos acontece por aqui, ele atrai mais e mais. É como
uma bola de neve, rolando ladeira abaixo. Daí, ela atinge alguma coisa. Todo
mundo fica em choque ou luto, se recupera e voltamos ao início. Calmaria,
novidade, caos. Bola de neve.
— Só porque foi assim na época da Elle e Wine, não significa que...
— Para de mentir. — Rimos juntos. — Até outro dia você tinha medo
do que poderia acontecer. Sabe que é verdade, Nicholas.
Concordo e bebo.
— Pode ser. E os Thompson sempre estão envolvidos.
— Um brinde a isso. — Hannah enche um copo e brinda sozinha.
Tecnicamente, ela não pode beber enquanto trabalha, mas ninguém se
importa.
Continuo quieto quando a garota vai até uma das mesas, levar cervejas
para dois clientes. Fico pensando em Alice chorando, sentada no chão do
banheiro. Fico pensando em como ela pediu desculpas.
Não sei como a ajudar, mas quero. Eu quero muito.
A porta se abre e vejo uma loura conhecida entrando. Chris está dentro
de um vestidinho vermelho e se aproxima de mim assim que me vê.
— Nicholas, bebendo à essa hora? — pergunta. Eu rolo os olhos. — Já
conheceu os novatos?
Seu sorriso parece falso, planejado.
— Devem ser bem importantes, já que todos não param de falar deles.
— Ah, são ricos — brinca e ajeita um fio do meu cabelo, me fazendo
recuar. — E a Polly os chamou para estudar aqui, sabe?
Ah sim, Alice estava certa, Polly fez algo e agora começo a entender. Só
me falta descobrir a relação entre ela e os novatos.
— Chamou, é? E sabe o porquê?
A garota dá de ombros. Nos encaramos de uma forma estranha por
alguns segundos e percebo quando ela se afasta e muda de expressão, como
se estivesse desconfortável.
Entendo sua reação quando vejo Mateo saindo do banheiro e indo até
ela. O menino anda pelo Heaven como se fosse alguém especial. Na verdade,
ninguém gosta dele, a fama que conseguiu durante o colégio foi a pior
possível. Se eu era o problemático que dormia com todas as garotas e
quebrava corações, Mateo era o idiota, um babaca que adorava brigas e
confusões.
Ele agarra Chris pela cintura e me encara friamente.
— Thompson, falando com a minha namorada?
— Não era noiva? — provoco. Ele cerra o punho e sorri de canto.
— Continua sendo um imbecil. Um imbecil que se acha mais do que é.
Rio de sua fala idiota.
— E você continua sendo um filho da puta — digo e me viro para ele,
posso ver a tensão em sua mandíbula. — Precisava ir atrás da Alice?
Há deboche misturado a superioridade em sua face. Eu sei quem ele é de
verdade, todos sabem, porém nada se compara ao que Christina Vender sabe.
Ela, forçada a ficar com esse idiota, forçada por si própria, por seu orgulho e
desejo de agradar os pais.
Acho que todos nós temos esse problema em Wiston Hill, a perfeição.
Ela não é boa, ela não existe e a busca por essa, machuca. A perfeição faz
Maddy se ferir, a perfeição faz Chris se submeter a situações como essa, a
perfeição faz Andressa se esconder depois da maior vergonha da sua vida.
A perfeição que nunca alcançaremos. Wiston é dividida entre os que a
buscam e os que não a desejam.
Tudo isso, porque se tem medo de errar e desagradar. Se tem medo de
quebrar um padrão, um estereótipo enfiado em nossas mentes desde crianças,
uma história criada por uma falsa utopia e sua alta sociedade, que sempre
gostou, e sempre vai gostar, de se destacar, dessa vez, através de seus
filhos imperfeitamente perfeitos e quebrados.
E isso me faz lembrar de que todos nós sofremos com as consequências
das mentiras que vivemos.
— Mateo, do que ele está falando? — Chris se intromete depois de notar
o silêncio estranho. Ela está claramente confusa.
— Nada.
— Nada? Conte a ela sobre como falou com Alice.
Posso notar que Vender cora no mesmo instante, um tanto chocada. Ela
tenta se afastar do menino, mas ele a segura, ele a puxa de volta a deixando
sem jeito.
— Vamos — ordena e praticamente a arrasta para fora do bar.
Eu nunca gostei de Mateo Price, um dos motivos é como ele trata as
garotas ao seu redor e o outro, é como ele trata Christina, especificamente. Eu
sei que ela finge gostar dele.
Se tudo isso fosse real, Jayden não estaria na história.
Ando até a minha cama, ainda no dormitório, e quando me jogo no
colchão não posso evitar esfregar o machucado em meu ombro, causado por
uma queda boba de moto, enquanto tentava sair do Heaven Bar.
Encaro Jack, porém ele não me olha. Está sentado na cama, desenhando
algo.
— Alice... — tento, sei que eles conversaram.
— Não me pergunte, não vou contar — diz, sem erguer o olhar.
— Eu só preciso saber se ela está bem, Jack. Por favor — imploro.
Agarro na barra da camiseta e a retiro, irritado com o silêncio do menino.
Quando jogo o tecido no chão, volto a encará-lo. — Jack!
— Não, Nicholas! — exclama. Ele está sério e finalmente solta o lápis.
Jack me fita como se eu fosse o culpado. — Ela não está bem e ela precisa de
ajuda, mas não posso simplesmente te contar. A vida não é minha.
— Alice não vai me contar — comento baixo.
— Já tentou perguntar?
Nego. Eu sei que ela mudaria de assunto, que ela não me deixaria
descobrir o que minha avó realmente fez.
— Só fala com ela e — ele suspira — cuida desse braço.
Então, me dou conta de que não foi um ferimento idiota, eu consegui
ralar do ombro para baixo, esfolando minha pele. Quando o olho, sinto a dor
que até segundos atrás estava dormente.
— Merda — murmuro, levando a mão para cima do machucado,
tentando fazê-lo parar de sangrar. — Eu tenho que sair hoje, que merda! —
Me permito gritar.
— Você caiu da moto — Jack diz e, por um momento, penso em socar a
sua cara. É o óbvio. — Você nunca cai, a menos que esteja desconcentrado.
Aconteceu alguma coisa?
Rio nasalado, debochando da sua pergunta. Ando até o banheiro, me
segurando para não quebrar qualquer objeto que seja. Não vou o responder.
"Aconteceu alguma coisa?"
A resposta deveria ser tão clara quanto meu machucado é, quanto a
tristeza da Alice é. Ou seja, essa questão é desnecessária, aconteceram muitas
coisas.
— Nicholas! — Jack exige uma resposta, mas me distraio jogando água
fria sobre a pele rasgada. Noto ter ralado o braço e antebraço, porém, o
ombro ainda é a pior parte. Ele arde e não para de sangrar. — Nicholas! —
exclama.
— O que foi? — grito, saindo do banheiro. — Quer saber o que
aconteceu? Tudo! Alice, minha mãe, minha avó! Tudo, Jack!
Ele suspira. Meu braço arde tanto que fica difícil respirar, a dor é
enorme, mas acredito que ela não seja apenas por conta do ferimento. É como
uma somatização.
— Eu sempre esqueço que a sua mãe morreu — diz. Sua frase me faz
estremecer. Todos esquecem, foi rápido, passageiro e então, Pumpkin estava
enterrada. Ninguém se lembra de detalhes, até porque ela havia sumido há
anos. A sua morte foi apenas um final para essa história idiota.
— Tenho que jantar com a minha avó hoje.
— Algo especial? Alunos novos, por exemplo?
Assinto. Todos sabem quando alguém “importante” chega à Wiston Hill,
todos comentam. Foi assim com Alice, mas dessa vez parece algo ruim —
particularmente falando — e a Polly está animada com isso.
Me calo e me sento na cama, tentando imaginar o que ela planeja.
— Eu não posso te contar tudo, mas um desses alunos conhece a Alice
— meu amigo revela, se coloca de pé e me encara. — E ele é parte do
motivo.
Respiro fundo. Juliet não deve estar envolvida, ela parecia mais
interessada em meu abdome, mas não por ter más intenções.
— São dois alunos e a minha avó vai fazer um jantar para eles.
— Me diz, quando a Polly fez um jantar para alunos novos antes,
Nicholas? Há algo de muito errado nisso, entende?
— Eu sei, Jack. Pensei nessa merda o dia todo.
— Já conheceu algum deles? — O garoto se senta na cama à minha
frente e me encara, séria e friamente.
— Juliet Rhodes. Ela é simpática.
— O outro chama Alex, conhece? — Encontro seus olhos. Sim, eu sei
quem ele é.
— Cherry Wonders veio à Wiston Hill com um tal de Alexander. Isso
faz um tempo.
— É esse mesmo. — Fico boquiaberto, então, ele é a tal novidade que
fez Alice se perder em tristeza e desespero, que a fez, por algum motivo,
voltar a beber. Me lembro de ter me contado sobre esse relacionamento e
como ele era ruim, mas não sei o que realmente aconteceu entre os dois. —
Parece que Alex vai estudar aqui.
Não tenho o que dizer, tudo que mais quero é chegar naquele jantar e
descobrir o que Polly esconde. Pode ser algo inocente, talvez tenham o
aceitado pelas boas notas, mas sei que nada simplesmente acontece em
Wiston Hill.

Entro na casa e Quinn me entrega um sorriso. Não consigo mover o


braço e tive que pedir carona a Jack. Ele me trouxe e depois foi para a casa da
Hannah.
— Boa noite — Damon diz quando adentro a sala de jantar, quase
atrasado. Ele está bebendo champanhe e conversando com um homem alto e
magro, seus cabelos são brancos e há certa seriedade em seu semblante. Ao
seu lado, uma mulher negra, alta, magra e com tranças compridas, sorri ao me
ver.
— Boa noite — respondo e me aproximo, sem saber exatamente o que
dizer. Meu pai sempre se transforma em momentos como esse, ele vai de um
homem que prefere ficar sozinho com seu trabalho à um ser sociável e
merecedor do papel que tem na alta sociedade e na família.
— Esse é Nicholas Thompson, meu filho — apresenta. Os convidados
me analisam. — Esses são Pearl Rhodes e David Chelton.
Os cumprimento rápida e educadamente. Os dois parecem simpáticos.
— É um garoto muito bonito — a mulher diz, ainda examinando meu
corpo. Ela tem o mesmo jeito da filha. — Prazer.
— O prazer é todo meu — respondo. Eles seguem conversando e eu fico
de pé ao lado de Damon, esperando por alguma brecha para partir. Afinal,
onde está Polly, Alex e Juliet?
Peço licença e começo a andar pela casa, procurando-os, mas disfarço ao
máximo para não demonstrar minhas intenções. Quero perguntar a minha avó
o que ela pretende com esse teatro e quero exigir que Alex fique longe da
Alice.
Subo a escadaria principal e vou até o segundo andar. Talvez ela esteja
mostrando a casa. Talvez, Polly esteja sendo simpática pela primeira vez.
Ando pelo corredor longo e iluminado, tentando ouvir resquícios de
conversas, mas tudo está silencioso demais.
Exceto pelo quarto da Grace.
Paro à porta e vejo Juliet tomando chá com a pequena.
— Boa noite — falo, a fazendo erguer a cabeça. Grace me olha com
animação e sorri.
— Você veio! — minha irmã exclama com felicidade, como se tivessem
dito que eu não viria. Ela sempre me espera. — Alice está com você?
— Não, pequena, dessa vez sou só eu — conto enquanto ela se levanta e
corre na minha direção. Grace me abraça e tenho de me abaixar para a pegar
no colo. A dor em meu braço grita, minha pele se estica e a ardência retorna.
Desisto de a erguer, grunhindo um pouco.
A coloco no chão e lhe dou um beijo na testa.
— Então, você é o neto da Polly — Juliet constata, de pé à minha frente,
me examinando.
— Sou, e você é o que do Alex?
A garota revira os olhos. Seus cachos estão mais volumosos, sua pele
cheira a hortelã, sinto o aroma se espalhando ao nosso redor.
— Alguns diriam irmã. Ou meia-irmã.
— Sua mãe se casou com o pai dele — eu afirmo.
— Sim, mas acredite, pai e filho não são iguais.
Arqueio a sobrancelha e noto que Grace ainda nos observa.
— Por que não termina de tomar chá? Eu preciso conversar com a Juliet.
Ela assente, obediente como sempre. Quando minha irmã parte para o
meio do grande quarto rosa, puxo a novata pelo cotovelo e a afasto de
qualquer um que possa nos ouvir.
— O que quer dizer?
— Alexander é um idiota quando quer. Bonito e bem-vestido, mas ainda
assim, um idiota. Agora, sobre essa tal de Alice, por favor, não me diga que é
a riquinha de Nova Iorque!
Seguro um riso de nervoso. Querendo ou não, a menina é a riquinha de
Nova Iorque.
— Não gosto de como se refere a ela, mas sim. Alice Wonders.
— Mas que merda, então foi por isso? — Juliet parece chocada no
início, mas depois demonstra tédio. Seus olhos pedem por uma resposta,
contudo, não faço ideia do que está falando.
— Isso o que, Juliet?
— Alexander é obcecado por essa menina, não sei muito sobre os dois,
mas... — Quando tal pausa é feita, somos interrompidos pela voz de Polly,
que aparece no fim do corredor, junto do menino. Juliet se cala no mesmo
momento, me deixando ansioso.
O que Alex quer da Alice? O que essa menina sabe?
— Ah, e aqui está ele. — Minha avó finge animação e caminha até a
porta de Grace, onde estamos parados como se tentássemos esconder algo.
Me recomponho e vejo a novata abrir um sorriso falso para a mulher. — Esse
é Nicholas, o meu neto.
Alex me analisa de cima à baixo e finge um tom simpático, soa forçado,
mas todos sabemos ignorar essas coisas.
— Um prazer — mente. — Então, você é o tão famoso Nicholas
Thompson?
Rolo os olhos e percebo que nem mesmo Polly esperava por uma frase
como essa. Me pergunto sobre o que estavam conversando, já que Juliet
também foi deixada de lado.
— Nem tão famoso, mas sou. — O meu tom de voz é incontrolável, não
sei fingir tão bem. Já não gosto de Alex nem de sua postura, seus motivos e
sua possível obsessão por Alice Wonders.
A presença dele me deixa completamente irritado. E eu sei que não
preciso de muito para ser tomado pela raiva.
O clima fica estranho, noto que Juliet abaixa a cabeça e pigarreia de uma
forma sutil, pedindo para que pelo amor de Deus, eu mude de assunto.
— Acho que já podemos ir para a sala de jantar, a comida deve estar
pronta — Polly diz e me entrega um olhar de é melhor se controlar. Ela sabe
que quero descobrir seus segredos e também sabe que eu desconfio da sua
gentileza. Polly Thompson nunca é gentil.
Ela caminha ao lado de Alexander, deixando-nos para trás. Os dois
continuam conversando pelos corredores da mansão.
— Me leve para casa depois do jantar e eu termino a história — Juliet
sussurra. Nem consigo a responder, seu corpo esbarra no meu e ela sai, sem
dizer uma palavra a mais.
Todos sabem qual papel interpretar. Em momentos como esse, a verdade
não vale um centavo e a sutileza é o que mais importa.

O tilintar de algumas taças me faz voltar à realidade. O jantar foi o mais


ridículo possível e falei pouco durante, foquei em comer, já que não tenho
feito isso com frequência e de forma adequada. Precisa se alimentar
melhor, minha mente diz. Juliet me encarou algumas vezes e Alex voltou a
me examinar, porém tentei ao máximo me afastar de toda essa situação. Ouvi
a história sobre como o pai de Alexander e a mãe da menina se conheceram,
sobre como se casaram e sobre a casa deles no Texas.
Irão embora em dois dias e deixarão os filhos em WH.
Finalmente, todos terminaram e eu não tive que me forçar a ser
participativo. Caminhei até a cozinha e nela estou há minutos, parado de
frente para a pia, olhando o grande jardim que Pumpkin tanto amava. O que
ela faria numa situação dessas? O que ela diria? Com certeza seria doce e
amável, como sempre.
— Nick — meu pai chama. Ouço seus passos, ele caminha até mim e
quando coloca a mão em meu ombro, me encolho. A dor volta. — O que foi?
Está distante.
— Nada. Meu ombro dói — conto. — Eu caí.
Damon me olha com preocupação.
— Eu tô bem.
— Certo, e por que não trouxe a Alice? — Ele se apoia na grande ilha de
mármore e cruza os braços.
— Não achei apropriado e ela não está bem, não hoje.
— O que aconteceu?
— Alice tem problemas, pai. Acho que todos temos e o meu chama
Polly agora — suspiro. — Caiu nessa história dela querer ser educada com os
novatos?
Damon dá de ombros, mas fica óbvio o quanto não confia na mulher.
— Ela não fez um jantar para Alice.
— Eu entendo, filho, e sei que a sua avó é difícil. Ela gosta de controlar
e não gosta da sua namorada...
— Não namoramos — o interrompo, fazendo-o rir.
— Por que não?
— Porque eu não pedi, ou ela não pediu. — Baixo a cabeça e suspiro,
sentindo o peso dessas palavras. O que somos afinal? Toda vez que alguém
nos chama de namorados, negamos com pressa, mas, ao mesmo tempo,
sorrimos um para o outro. Quando volto a olhar para Damon, ele me encara
como quem quer saber o motivo. — Eu ainda não tive coragem, acho.
— E quando vai ter? Não pode esperar até o momento certo chegar,
acredite. Ele não existe, você o faz. Em todos esses anos nunca te vi namorar
com alguém a não ser Madison, mas sabemos que não era real... Me diz, você
quer namorar com a Alice?
— Eu quero bem mais que isso, Damon.
— Então, faça o seu momento certo.

Espero perto da moto. Eu me despedi rapidamente, mas Juliet precisa ser


mais simpática, mais falsa, porque ela é nova e não parece ser objeto de
muito interesse. Todos os olhos estão focados em Alexander, pelo menos os
de Polly estão.
Vejo a menina fechar a porta da frente da mansão e, no mesmo
momento, recebo uma mensagem da Alice.
Alice: precisamos conversar.
Nick: precisamos.
Juliet desce os degraus enquanto anseio por uma resposta, uma dica.
Alice: te encontro no dormitório mais tarde. Jack passará a noite com a
Hannah.
Nick: tudo bem.
Ergo a cabeça e vejo os olhos castanhos brilhantes. A novata me encara,
esperando.
— Podemos? — pergunta enquanto enfio o aparelho de volta no bolso e
meu ombro pede por socorro. Sei que cuidar de machucados não me é um
talento.
Assinto e começo a caminhar para longe da mansão.
Seguimos em silêncio por alguns minutos, ela deve estar pensando em
quando vou começar a interrogá-la, acontece que agora quero saber o que
Alice diria se eu confessasse que a amo. Eu queria tanto entender o caos de
sua mente e acho que finalmente consegui. A dor, a raiva, a tristeza e o amor.
Todos eles juntos podem destruir ou salvar.
Só me falta saber qual acontecerá comigo.
34.1

PERGUNTE!
"Se eu dissesse que te amei,
diga-me, o que você diria?"
The Neighbourhood | The Beach

NICHOLAS THOMPSON

Juliet começa a falar quando nota que não vou puxar conversa, não vou
pedir pela verdade.
— Esse lugar é sempre tão quieto?
— Às vezes — digo, sem ânimo algum.
Ela arqueia a sobrancelha e acelera o passo, me passando. Juliet se vira
para mim e começa a andar de costas, há um sorriso estranho em sua face.
— Alex e Alice namoravam.
— Já sei disso — conto e seguro em seus braços, temendo que caia.
— Ele disse para o pai que ia viajar até Nova Iorque há um tempo,
acontece que eu sei a verdade. Alex veio para Wiston Hill, não foi? — Não
respondo, mas noto ainda estar segurando em seus braços. — E ele ama a
Alice de uma forma estranha. Só falava dela e só pensava nela.
— Alice me contou sobre os dois.
— Ah, que bom. Enfim, eu nunca a conheci, sou do Texas e minha mãe
nunca viajou até Nova Iorque. Conheci Alex há alguns meses, quando foi
morar com o pai. Ele é irritante e imbecil quando quer, e nem precisa se
esforçar muito.
— Eu preciso te perguntar, Juliet, por que vieram para cá?
Ela se solta de mim e ajeita o cabelo. Então, um suspiro leve surge.
— Me pergunto a mesma coisa. De repente, recebemos uma ligação
oferecendo bolsas para Wiston Hill. Duas bolsas. Não podíamos recusar, não
é? Alex com certeza não poderia.
Agora eu entendo. Eles foram chamados por alguém e depois de ter sido
criado nessa cidade, eu sei que nada acontece por acaso. Não foram apenas
bolsas, foram oportunidades. E para Alex não é apenas a chance de estudar na
tão famosa Wiston Hill University.
— Agora, quanto a você e Alice, namoram? — Aquele tom sensual
retorna e Juliet não sabe ser sutil.
— Não.
— Então, está solteiro? — Rio junto dela.
— Também não.
Juliet franze o cenho, entretanto, não questiona. Eu não sei explicar e
fico satisfeito por ela não querer explicações longas, iguais as que eu quero
sobre seu meio-irmão.

Dez horas em ponto. Eu giro a maçaneta do quarto e entro, encontrando


Alice sentada em minha cama, no escuro, iluminada apenas pela luz da rua
que entra pela grande janela. Seus cabelos estão soltos e ela usa um vestido
cinza. Seu sorriso aparece e me anima no mesmo momento. A dor some, a
curiosidade se cala e a raiva dorme.
— Boa noite — diz. Mordo o lábio notando a alça fina de seu vestido,
levemente caída de seu ombro.
— Boa noite, linda. — Solto a porta, deixando-a fechar sozinha. Não sei
o que Alice quer comigo nessa noite, eu espero que seja apenas uma boa
conversa, pois, apesar da vontade que tenho de tocar em seu corpo, se seus
dedos esbarrarem com a minha pele machucada não sentirei nada além de
dor.
Ela se levanta com calma e caminha até mim.
— Precisamos conversar. — Seu tom muda, Alice agarra em meus
braços e sobe seu toque, contornando-me, quase chegando ao meu pescoço.
Eu aguento a dor, me calo, mas quando a sinto em meu ombro, hesito.
Dou um pulo para trás e a afasto com delicadeza.
— O que foi? — pergunta ao notar a minha expressão. Nunca me
machuquei assim. Me sento na cama de Jack e respiro fundo. — Nicholas, o
que foi? — Wonders se ajoelha entre as minhas pernas e encontra meus
olhos.
— Eu caí da moto — falo, sentindo a dor forte.
Com a ponta dos dedos e os músculos cansados, puxo a jaqueta jeans e a
retiro, em seguida, a camiseta branca. Ela está grudada ao machucado que
ainda sangra um pouco.
— Meu Deus! — Alice exclama e se levanta com rapidez, ela acende a
luz e volta a se ajoelhar no chão. — Nicholas, isso está horrível! Você não
colocou um curativo nem nada?
— Na hora não parecia tão ruim e nem doía tanto.
A menina me olha com reprovação e eu já sei que ela está prestes a
reclamar, posso ver em seus olhos um pouco de desespero, mas seu silêncio
continua enquanto examina a minha pele.
— Eu vou ficar bem, vou sobreviver.
— Se eu deixar nas suas mãos, isso vai infeccionar.
— Alice, eu estou bem — minto e ela ignora.
— Vocês têm curativos? Kit de primeiros socorros?
— Sim, no banheiro. Acho que no armário.
Não preciso falar mais nada, Wonders se levanta e corre até o lugar, a
ouço remexer em algumas coisas e então, Alice volta.
— Eu acho que precisa ir ao hospital — diz, se aproximando com uma
caixinha vermelha nas mãos. — Só acho.
Suspiro e acredito que faço uma careta que a convence do contrário.
Alice rola os olhos, pega um potinho branco e o abre.
— Vai arder — avisa —, muito.
Quando a menina joga o líquido no machucado, me sinto sem ar. Tudo
que quero é gritar, até mesmo a xingar. Dói tanto que minha visão escurece
por alguns segundos, meus dedos formigam.
— Puta que pariu — reclamo baixinho e ofegante. — Isso foi bem mais
que muito, Alice.
— Eu avisei. Você ficou escondendo isso o dia todo, não foi? Quando
caiu?
Meu braço perde a sensibilidade e Wonders aproveita para terminar o
que começou.
— Hoje à tarde, saindo do Heaven.
— Dirigiu bêbado? — Arqueia a sobrancelha e agarra um algodão, daí,
troca por algo que não grude na ferida. — Achei que não fizesse isso.
— Eu não faço. Não bebi, só precisava sair um pouco e aproveitei pra
conversar com a Hannah. Mas ainda bem que estava sozinho,
só me machucar é suficiente.
— Então isso — aperta a minha pele fazendo-me recuar —, é suficiente?
— Te deixar viva é — brinco, mas sei que estou falando sério. Esse
machucado me doeria bem mais se fosse na pele dela.
Agora eu percebo, Alice sofre por coisas que não posso entender ou
controlar. Coisas que não conheço. Mas ela nunca machucaria outra pessoa e,
principalmente, nunca me machucaria. Ela prefere beber até não aguentar
mais e não consegue controlar isso.
Mas a imagem dela chorando e pedindo desculpas não some da minha
memória.
— Onde esteve? — recomeça, ignorando a minha frase sobre como vê-
la bem é importante.
— Um jantar, sabe, na casa da Polly. — Alice não faz ideia, talvez nem
imagine. — Sobre o que queria conversar?
— Sobre eu, bêbada. — Ela ergue o olhar e encontra meus olhos,
enquanto cola um curativo em meu ombro. A menina suspira levemente e
sinto seu cheiro se espalhar pelo quarto enquanto se levanta, analisando a sua
obra. — Terá que trocar de vez em quando e lavar.
Concordo. Ela fez um bom trabalho e agora não dói tanto.
— Precisa tomar um remédio para dor e talvez alguma coisa que não
deixe isso infeccionar.
— Estou bem, Wonders. Sobre o que queria falar, exatamente?
Suas mãos param em sua cintura, ela passa os olhos pelo quarto, respira
fundo, me ignora por segundos intermináveis. Por fim, Alice se senta na
cama à minha frente.
— Alex.
— Está na cidade — completo. Posso ver a confusão em seu semblante.
A garota abre e fecha a boca. — Aluno novo, problemas novos, não?
— Com toda certeza.
— Polly fez um jantar para ele e para a irmã. Isso já foi o suficiente pra
me mostrar que há algo de errado. Vai me contar o porquê dele te deixar
assim? — Sua cabeça baixa, ela brinca com a barra do vestido, dobra o tecido
entre dois dedos e desdobra.
— Ele sabe de coisas que eu queria esquecer. Quando vejo Alexander eu
me lembro e nem é porque ele estava lá, é porque sei que está ansioso para
espalhar meu passado por aqui. Alex não veio à Wiston Hill por diversão.
— Depende do tipo de diversão dele. Vai me contar que coisas são
essas?
Alice nega no mesmo momento, balançando a cabeça sutilmente.
— Você demorou para me contar sobre seu passado, precisou do seu
tempo e acredite, eu preciso do meu.
— Eu sei que precisa, mas se vale de alguma coisa, contar é bem
melhor. Mas não tem que se apressar.
Um sorriso pequeno surge em sua face.
— Eu não vou. Tudo que você precisa saber, Nick, é que todos os
dias tento ser eu de verdade e não uma obra errada da Katherine, uma filha
rebelde que ela gostava de criticar durante o jantar. Eu melhorei por mim. E
ele estava lá e sabe de tudo, o antes e durante. Bom, quase tudo, ele não
conhece o depois.
— Por isso foi embora de casa?
— Eu precisava de mais, a verdade é que eu não estava feliz.
— E agora, Alice — arrisco —, está feliz?
— Não completamente, mas encontrei você. Isso já é um bom
começo. A minha felicidade não é baseada nos outros, eu preciso me arrumar
primeiro.
Assinto. Eu a entendo e não posso dizer que está errada. Ela precisa ser
feliz com si mesma, ela precisa superar o que não a deixa seguir em frente.
Me levanto e vou até a cama onde está, quando me sento ao seu lado ela abre
outro sorriso sutil.
— Nenhum passado que possa ter tido é tão importante que te impeça de
viver um futuro — falo. — Você me mostrou isso e quando quiser me contar
sobre o que quer que tenha acontecido, estarei aqui.
— Tudo bem — diz e olha em meus olhos. — Quer só dormir? — A sua
risada me conforta, ela está melhor agora. Nego e Alice morde o lábio. —
Não acho que esteja em condições de...
— Também não pensei em sexo.
Seu olhar percorre meu abdome e para em minha calça, me fazendo rir.
Alice volta a encontrar meus olhos, suas bochechas queimam. Ela é tão
linda. Não consigo parar de repetir isso em minha mente, ela é linda e
está comigo.
Me inclino, coloco uma mecha de cabelo atrás de sua orelha e a beijo.
No mesmo momento, seus dedos percorrem meu braço — de leve agora —, e
Alice agarra em minha nuca. Seus lábios estão quentes, seu beijo é suave. E
eu amo a beijar.
Me afasto com calma e me deito na cama, Alice responde se colocando
sobre meu corpo, ela monta em meu colo e se inclina para frente, deixando
seus fios castanhos caírem sobre meu rosto. Afasto alguns e os coloco atrás
de sua orelha, enquanto Alice se aproxima mais e me beija se apoiando em
meu peitoral.
Nossas bocas já são conhecidas e quando se encontram, sinto minha pele
esquentar, sinto os arrepios na espinha e o suor na nuca. Ela me deixa perdido
em sensações boas demais para serem descritas. Ela, e só ela, em tantos anos.
— Alice Wonders — sussurro contra seus lábios —, eu acho que te amo.
A menina abre um sorriso e então, os olhos, estamos tão próximos que
mergulho no azul deles.
— Acha?
— Sim — volto a sussurrar.
— Isso já é suficiente — um selinho.

Andamos juntos até o prédio principal, conversando sobre coisas que


parecem simples demais. Mesmo agora, sentado numa arquibancada vazia,
ainda sinto seu toque. Alice fez questão de segurar em minha mão enquanto
andávamos pelo Campus, depois, se sentou ao meu lado na sala de aula e
encostou a cabeça em meu ombro quando o vídeo que assistíamos ficou
extremamente entediante.
E eu me sinto bem com tudo isso, me sinto tão bem, que acho estranho.
Dizem que em Wiston Hill uma tempestade sempre vem acompanhada de
outra, e essa seria Alexander. Eu sei que a calmaria não vai durar para
sempre.
Depois do almoço ela disse que encontraria Hannah, Andressa e
Madison, parece que em algum momento a convidaram para sair um pouco
daqui e ir até a cidade que Alice ainda não conhece. Então, vão passar a tarde
juntas e isso me deixa aliviado. Pode parecer idiota, mas vê-la se divertindo
como na outra noite em que todos fomos ao Red Hell, me é suficiente.
Não tenho muito o que fazer agora que estou sozinho e lutar boxe nem
me é uma opção. Na verdade, mover o braço está fora de cogitação. Eu
poderia voltar ao dormitório ou ir até a mansão, mas prefiro ficar sentado
numa arquibancada vazia, olhando a grande quadra de basquete.
— Nicholas Thompson — Alex diz, usando de uma pausa irritante entre
o meu nome e sobrenome. Ele sorri falsamente e me encara. Estou no último
banco, no alto, e ele de pé próximo a porta de entrada.
— Alexander — provoco.
— Quer dizer que Alice conseguiu? Agora ela namora com alguém que
gosta? — Ele ri, como se contasse uma piada.
— A gente não namora, mas posso dizer que eu gosto dela.
— Você não respondeu a minha pergunta, Nicholas. — O garoto começa
a subir os degraus. — Ela gosta de você?
— Então essa é a questão? Se ela gosta de mim?
Alex para de rir repentinamente e passa os dedos finos por entre os fios
um tanto cacheados. Eles caem em seu rosto.
— Ela já disse que te ama? — Mas que merda de pergunta, ele quer
jogar comigo? Ele quer me provocar até o quê? Até levar um soco?
— Por que não cuida da sua vida? — Me inclino para frente e apoio os
cotovelos nos joelhos. Não quero conversar e não quero saber sobre o que
Polly o mandou fazer.
Cansei de joguinhos idiotas antes mesmo deles começarem.
— Ela não disse. Eu sabia.
Rolo os olhos. Não, Alice nunca disse que me ama e isso não tem a ver
com Alexander. Não tem a ver com o relacionamento que os dois tiveram. Eu
sei onde ele quer chegar, mas não posso o deixar conseguir.
— Ela nunca me disse isso também. Nunca mesmo. Sempre achei que
fosse dizer um dia, mas nunca.
— E você se preocupa com isso? — O encaro.
Por mais que Wonders não tenha me dito, eu sei que gosta de mim.
Gosta o suficiente para estar comigo agora, apesar de todo o resto.
— Eu a amava, dava flores, presentes, levava para lugares bonitos.
Nunca funcionou, nada funciona. Alice nunca gostou de mim de verdade.
— É, não temos isso em comum — conto. — Ela já disse que gosta de
mim. Agora, preciso ir.
Me levanto com pressa e desço alguns degraus, quando passo por ele,
esbarro em seu ombro. Continuo andando até chegar na quadra.
— Ela gosta de garotos quebrados, talvez seja por isso.
Paro no mesmo instante, o que ele quer dizer com “garotos quebrados”?
— Eu nunca fui um menino quebrado, acho que a deixei entediada. Ela
gosta de caos e problemas. — Alex se aproxima, mas não chega muito perto.
Continuo em silêncio, esperando. — E você, Nicholas, é assim?
— Vê se cuida da sua vida, Alex. Aqui não é como Nova Iorque.
— Não mesmo, é pior — ele grita enquanto vou até a porta. — Pergunte
para ela sobre o acidente de carro, sobre o namorado. Pergunte!
O ignoro completamente, mas em minha mente sua frase ecoa, ela gosta
de garotos quebrados.

Eu estou quebrado, mas não sou assim. Disso eu tenho certeza.


Durante todo o caminho até o dormitório, me forcei a acreditar que Alex
só quer atingir meu ponto fraco — que ele acredita conhecer. Alexander sabe
que isso poderia me fazer duvidar do que Alice diz sentir, e assim, não
acreditar nela. Entendo a sua jogada, entendo o que Polly lhe pediu para
fazer, mas não posso me deixar cair, não posso ser tão influenciável assim.
Pergunte sobre o acidente.
Que merda! Ele só está brincando comigo, eu sei que não a conheço o
suficiente — como algumas pessoas diriam —, mas a conheço o bastante. Eu
sei que me apaixonei pela verdade, por quem Alice é apesar de tudo.
Eu só quero que ela fique bem. Contudo, Alex não está aqui para
facilitar as coisas e ele não liga para o que eu quero. Ele a quer de volta e essa
é a única ideia que deve brilhar em sua mente, como se a garota fosse
realmente voltar para os seus braços. Pelo que sei, Alice nunca esteve neles.
Entro no prédio ouvindo as conversas aleatórias ao meu redor. Eu
conheço todos os garotos que moram por aqui, todas as vozes e todos os
assuntos. Ignoro-os e subo cada degrau com calma, querendo chegar em meu
quarto. Eu preciso me entender com meus pensamentos intrusivos, com o
meu lado irritante que fica repetindo, garoto quebrado, garoto quebrado,
haha.
Assim que entro, fecho os olhos no mesmo momento e respiro fundo,
esperando que o casal note a minha presença. Quando os abro, Hannah sai de
cima de Jack. Pelo menos estão vestidos.
— Eu não posso transar aqui, mas vocês sim? — questiono com certa
irritação. Jack ri — Onde está o justo nisso?
— A diferença é que você insiste em tentar fazer isso quando eu estou
aqui, cara — ele responde e se senta na beira da cama, analisando meu
semblante, procurando por algum sinal de que há algo de errado.
— Eu não preciso ir embora, certo? Porque, para ser sincera, não quero
— é Hannah quem pergunta.
Nego e ela suspira de alívio. Sei que se dissesse sim, a menina ficaria da
mesma forma.
— Aconteceu alguma coisa? — Jack questiona. Me sento na minha
cama e retiro a camiseta, sentindo a dor no braço retornar, mas sem muita
intensidade dessa vez.
— Além de tudo? — caçoo.
— Certo, o que aconteceu ai? — Ela aponta para o curativo.
— Moto e Alice — eu e Jack respondemos em uníssono.
O silêncio percorre o quarto por alguns segundos enquanto Hannah tenta
entender a nossa resposta. Ela franze o cenho e uma linha aparece em sua
testa, a analiso até que vejo a menina abrir a boca.
— Ela me disse que você caiu da moto, mas não contou que estava tão
ruim. Aliás, cadê a Alice?
Me desconcentro quando ela pergunta a última parte. Como eu deveria
saber? Pisco algumas vezes, sem ter uma resposta.
— Depois que voltamos para o Campus ela disse que ia te esperar lá
embaixo. Cadê ela, Nick? — a garota continua.
Eu não faço ideia me parece ser a resposta adequada, mas não pode ser
usada agora, pois Hannah me olha como se eu tivesse cometido um crime.
Como eu poderia saber que ela estaria me esperando? Não a vi em lugar
algum quando entrei.
Tento procurar em minha memória algo que possa explicar sua ausência
e um nome aparece. Bufo no mesmo instante.
— Mateo — falo, os dois se entreolham e dão de ombros. — Aquele
filho da puta...
Eu sei que está tentando me irritar, já avisei e tenho certeza de que Alice
pediu para que ficasse longe, mas o menino odeia regras e limites. O pior de
tudo isso é, ele odeia manter as mãos à uma distância apropriada das garotas.
Mateo é nojento e não sei como Ash — o pai de Chris — não vê isso. Talvez
a cor do dinheiro tenha conquistado, talvez ele também seja um idiota.
Me levanto com pressa e saio do quarto, deixando a porta aberta. Ouço
Hannah e Jack especularem sobre o que pode estar acontecendo. Não me
preocupo com as teorias deles agora, me preocupo com as minhas. Quando o
assunto é Mateo Price, costumo estar certo e, por isso, o odeio.
Desço alguns degraus e esbarro em Benjamin, o namorado da Andressa.
Ele me olha com preocupação, como se soubesse o que procuro, como se
entendesse meu desespero. Desde o colégio todos sabem quem Mateo é de
verdade.
— Você a viu? — pergunto quando Ben tenta acelerar o passo. Ele para
e se vira, seus olhos encontram os meus e, agora, não pode mentir. — Alice
Wonders.
— Que merda, Nicholas. Ele não te deixa em paz — diz, como se ainda
estivéssemos no ensino médio, como se Jack, eu e ele fôssemos amigos.
Acontece que anos se passaram e muita coisa mudou. Todos nós mudamos, e
muito.
— Benjamin! — exclamo.
— Quintal dos fundos. Eu os vi lá.
Não tenho tempo para agradecer, sigo escada abaixo, viro à direita na
sala principal e a atravesso. Entro na cozinha compartilhada, a cruzo com
pressa, saio pela porta dos fundos, passo pela lavanderia. Finalmente. Alice
está encostada contra uma parede e Mateo a encara como se ela fosse algo de
comer, há fome em seus olhos. A menina parece indiferente.
— Eu já te falei. — Me aproximo dos dois, gritando e chegando perto de
Mateo que ri como se esperasse por isso. — Fique longe dela!
— Ou vai fazer o quê? — Ele me encara, somos da mesma altura. Fecho
a mão, pronto para lhe socar. — Não estamos mais no ensino médio,
Thompson. Ainda acha que é o rei de tudo? Você não manda em porra
nenhuma.
— Está bem, já chega! — Alice grita e tenta se enfiar entre nós. Sorrio
de nervoso, não me sinto intimidado.
Eu ainda mando nessa merda toda e está na hora de mostrar isso. Já
chega de ser a vítima do meu próprio caos.
— Você não pode a manter longe de mim — sussurra, me provocando.
Assim que ele termina eu só me vejo erguer o braço e então, sinto o impacto.
Meus dedos doem, mas me sinto livre.
— Nick! — Ecoa na voz da garota e me faz acordar. A raiva para de me
consumir.
Eu o soquei no queixo, seu lábio sangra. Ele cambaleia, dá um passo
para trás e se apoia numa coluna da casa. Me sinto ofegante, meu peito pesa.
Segundos de silêncio parecem séculos, Mateo ri, passa o dedo no
machucado e se volta à mim.
— Eu vou acabar com você — diz, sabendo que não conseguiria. Ele
avança na minha direção, mas tudo que vejo é Alice. Ela se coloca à minha
frente e o encara.
— Já chega, você é um idiota — diz.
Mateo para próximo dela. Não me movo, nesse momento só consigo ver
o erro que cometi. Ela consegue se defender sozinha, mesmo sem o conhecer.
— Precisa de uma garota pra te defender?
Rolo os olhos e suspiro.
— Vai mesmo arriscar levar outro soco? — Alice brada e me vejo rir
baixinho, feliz com o que ouço. — Vê se me deixa em paz.
Ele sorri. Não há argumentos ou uma discussão. Mateo apenas caminha
para longe, entra na casa e passa por Hannah, boquiaberta, e Jack, de braços
cruzados.
— Agora eu entendi — Jack sussurra, se aproximando. Alice o
interrompe e se vira para mim.
— Mas que merda foi essa, Nicholas? — Há raiva em sua voz. Ela está
irritada porque ousei a defender.
— São problemas meus e dele, nada a ver com você — explico, sentindo
a dor no braço. — Acredite.
— É mentira — Jack diz e ela ri de nervoso, sem ânimo algum. — Eles
sempre se odiaram, mas você é o motivo atual sim.
— Jack, o que você quer? — Fico sério e o encaro.
— Contar a verdade! Vai fazer o quê? Me socar também?
Nossos olhares se encontram e eu posso notar que ele quer que eu faça
isso. Temos muito a resolver, mas não será através de uma briga idiota.
— Ele não vai socar ninguém, tenho certeza de que a dor no braço não o
deixa — Wonders brinca. Sei que não pode estar brava e tentar descontrair ao
mesmo tempo. — Vamos subir, por favor? Todos nós.
— Por favor — Hannah pede, ainda parada ao lado da porta da
lavanderia.

O silêncio nos consome. Nenhum de nós ousa comentar sobre o que


aconteceu e ainda acontece. Hannah está sentada na cama de Jack enquanto
ele está deitado, encarando o teto. Já Alice encostou na cabeceira da minha
cama, cruzou as pernas e agarrou um travesseiro. Ela me olha às vezes,
apoiado na parede do lado oposto, à sua frente.
— Vamos ficar em silêncio? A gente podia, sei lá, pedir uma pizza —
Hannah brinca. Eu rio rápido e baixo. — Estou com fome.
— Eu também — Alice concorda.
É engraçado como elas conversam, fingem que não precisamos falar
sobre o drama.
— Você socou a cara do Mateo — Jack sussurra. — Fazia anos...
— Anos — repito e dou risada. — Ele é irritante.
Quando ergo a cabeça, Alice me olha com certa reprovação, mas ela une
as sobrancelhas, como se tivesse uma dúvida.
— Eu achei que a gente não fosse falar disso — Hannah diz, dando um
tapinha na perna de Jack.
— E eu acho que vamos! — Alice exclama. — Agora mesmo. Que
merda foi aquela, Nick?
— Eu vi vocês juntos e fiquei puto, só isso. — Percebo a tranquilidade
em meu tom de voz.
— Não foi bem assim, você chegou gritando! Eu não preciso de um
príncipe encantado, não preciso que me defenda!
— Eu não estava... — Bufo e me calo, não vou discutir.
— Você não conhece o Mateo! — Jack se intromete, ele a olha por cima
da mesa de cabeceira e volta a se deitar na cama.
— Tudo bem, ele pode ser um idiota, mas a gente não precisava daquela
cena. Você não precisava… — Se vira para mim, encarando meu braço.
Agora, ela bufa. Alice coloca algumas mechas de cabelo atrás da orelha
e se arrasta pelo colchão, ela se levanta rapidamente.
— Ia mesmo socar ele? — pergunto. Hannah a olha como se também
esperasse por uma resposta.
Alice se vira com calma, cruza os braços e me analisa.
— Eu quero te socar!
Me levanto e fico de pé à sua frente, mas Wonders não recua.
— Então, me soca. — Sorrio com malícia. Posso ver que agora ela não
tem tanta certeza. — Vamos. Considere como um treino.
A menina está sobrecarregada e precisa descontar em algo.
— Mesmo? — Ri. — Boxe?
— É.
Hannah rola os olhos, vejo por cima do ombro de Alice, mas Jack fica
apreensivo. A menina me soca no peitoral, é fraco, eu rio. Então, ela repete o
ato. Suspiro. Wonders me soca novamente, e mais uma vez, mais uma, mais
uma.
Me encolho um pouco enquanto ela desconta tudo que sente em mim,
até que atinge meu ombro machucado. No mesmo momento, eu me encolho
de dor, levo a mão até o ferimento e ela recua, notando o erro. A ardência me
consome, meu braço todo começa a formigar e eu sinto minhas pernas
balançarem. Seguro a respiração, como se isso fosse me ajudar.
— Me desculpa — ela diz, sem saber o que fazer. Me sento na cama e
respiro fundo dessa vez. Alice está boquiaberta, mas Hannah ri baixinho ao
fundo. — Me desculpa, me desculpa — implora.
— Tudo bem! — Arfo ao dizer.
— Não, não, não — ela se abaixa entre as minhas pernas e tenta ver o
ferimento, mas continuo o cobrindo com as mãos. — Me perdoa. Nossa, deve
estar doendo.
Quando afasto meus dedos do curativo vejo o sangue o manchar. Ela me
socou forte, sorte de Mateo por ter hesitado.
— Vocês dois formam um casal estranho. Isso foi uma espécie de
terapia? — Jack caçoa e se senta na beira da cama. Ele e Hannah não
conseguem ver a expressão de Alice, mas eu sim. Não posso rir da piada dele
enquanto vejo as lágrimas em seus olhos.
Wonders não está em um bom momento e o que fiz não ajudou. Me
sinto mal por isso, por a fazer se sentir culpada quando o idiota sou eu.
— Eu vou arrumar isso — sussurra, puxando a ponta do curativo
manchado. — Me desculpa.
— Ei. — Agarro seu pulso com calma e ela encontra meus olhos no
mesmo momento. — Não precisa ficar assim. Não mesmo. Está tudo bem.
— É sério eu acho que vocês dois precisam resolver algumas... — Jack
continua, Mas Hannah me fita e, com uma troca de olhares, se dá conta de
que Alice não está bem. Ela entende que há algo de errado.
— Amor! — exclama. — Vamos comprar pizza! Agora.
Eles se olham, daí, Jack me olha. Eu concordo e os dois saem com
calma.
— Voltamos depois — Hannah diz ao fechar a porta.
Alice continua ajoelhada no chão, olhando o ferimento, segurando o
choro. Ela não ousa encontrar minhas íris e nem tenta se desculpar de novo.
Só se cala.
— Princesa — chamo e ela baixa a cabeça. — Alice, olha pra mim.
Ela não obedece, tenho de segurar em seu queixo e erguer seu rosto,
forçá-la. Wonders morde o lábio sem sensualidade, sei que quer chorar, mas
não vai. Esse é um daqueles momentos conhecidos como gota d'água.
— Eu não queria te machucar — diz e sorri, mas não vejo animação em
seu rosto.
— Eu me machuquei caindo da moto.
— E eu piorei a situação. — Retira meus dedos de sua pele. Wonders se
afasta e volta a se sentar no colchão, longe de mim, abraçada a um
travesseiro.
— Alice, você cuidou do meu machucado, cuidou de mim, sem você
isso teria infeccionado.
— Eu achei que Nicholas Thompson não caísse — brinca, os dedos
amassam a beira da fronha, a enrolando e desenrolando. — Você pilota como
se não precisasse prestar atenção, não imaginei que pudesse cair.
— É, eu sou bom nisso. Mas coisas erradas acontecem quando estou
distraído.
— Coisas erradas acontecem quando estou por perto — diz e me olha
deixando uma lágrima escapar.
— De jeito nenhum. Você tem altos e baixos, Alice, eu percebo, mas
nada fica ruim quando está por perto. Isso é uma ideia que colocaram na sua
cabeça.
A menina assente, sem querer contestar. Wonders fica calada e morde a
boca mais uma vez. Eu a observo sem ter muito o que dizer.
— Alice Wonders — ela me olha —, me fala o que você está sentindo, o
que está pensando? Você pode contar comigo.
— Eu sei, só não é fácil. Quer dizer, às vezes não é fácil.
Eu me aproximo dela e me sento ao seu lado, passo o braço por sua
cintura e a puxo para perto, beijando a sua testa.
— Mateo é insuportável e parece que não cansa de tentar flertar comigo.
De qualquer forma, não precisava ter feito aquilo.
— É sério, Alice, não foi só por sua causa. Eu não suporto aquele idiota!
Temos que concordar, ele merecia aquele soco.
Ela ri baixinho e aperta a minha mão.
— Não vou fazer isso de novo, prometo.
— Não prometa o que não pode cumprir, amor. — Wonders me olha e
sorri ao dizer a última parte.
Um impulso surge em mim... ela é tão linda.
Como se eu não pudesse mais controlar meus instintos, me inclino para
frente e a beijo. Alice não recua, ela não tenta me afastar, apesar de estar num
dia ruim. Nossos lábios se encontram com intensidade e nossas línguas já
conhecidas dançam juntas. Sinto seus cílios em minha bochecha quando nos
afastamos e então, voltamos a nos beijar. É uma sensação boa, como se ela
fosse tudo que eu preciso.
Ela é tudo que preciso agora.
Nossas respirações se unem e começamos a arfar, Alice se apoia com
cuidado em meus ombros, perto do meu pescoço, e se coloca em meu colo,
mas não para de me beijar por um segundo sequer.
— Não acho que devemos fazer isso... — começo. Seus lábios quentes
me calam, entretanto, a afasto com delicadeza — Hannah e Jack voltarão
logo.
— Eu acho que eles vão demorar o suficiente. — Noto sua expressão
maliciosa. — Mas podemos ficar só no beijo dessa vez, seu braço vai
agradecer.
— Meu corpo vai — brinco. — Tudo dói, de verdade. — Me deixo
fechar os olhos para sentir sua pele na minha. — Amanhã vamos fazer algo
especial.
— Algo especial? Vai me ensinar a andar de moto? — caçoa e rio
nasalado.
— Nunca. Vamos treinar boxe. Acho que nós dois precisamos socar
alguma coisa.
Ela sorri e morde o lábio inferior.
— Mas preciso te perguntar algo antes — falo.
Como se uma tragédia tivesse acontecido, Alice se desanima. Vejo seu
sorriso partir.
— Alexander é um idiota e claramente te quer de volta — suspiro. —
Como se você fosse um objeto. Mas, ele me disse uma coisa.
— Nicholas...
— Ele me mandou perguntar sobre o acidente, Alice. Eu não ia fazer o
que ele disse, mas me perdoe, não consigo. Eu só preciso saber.
— Não, não precisa. Olha, essas coisas fazem parte daquele passado,
ainda não quero me lembrar, está bem? — Ela sai do meu colo e se deita ao
meu lado, me viro para a garota e continuo perto de seu corpo. — Alexander
sabe de coisas que eu não gosto de comentar, ele me conhece há muito
tempo.
— Mas ele te conhece de verdade? — Nossos olhos se encontram. —
Ou só conhece a versão que quer?
— Ele conhece o meu pior lado, Nick. Isso já é muito.
Fico calado. Muita gente por aqui conhece a minha pior fase, mas Alice
não sabe, não viu. Ela só escutou histórias contadas por partes diferentes de
um mesmo passado. Essa teoria se aplica a ela e sei que Alex a conhece, ou
acha que a conhece, o bastante. Mas isso não é suficiente, até porque, Alice
está na minha cama agora.
35

VOCÊ DISSE...
"Silêncio, não se preocupe,
porque estou trazendo uma máscara.
Sim, todo mundo tem um disfarce."
K. Flay | The President Has a Sex Tape

ALICE WONDERS

Nicholas tentou me convencer a dormir no dormitório, ao seu lado, mas


achei que precisava dar espaço para ele e Jack conversarem.
Não foi fácil pegar no sono depois de toda aquela confusão, Alexander
conseguiu, e ainda consegue, me desestabilizar, eu sei disso.
— Bom dia — Madison diz, parada à porta do meu quarto. A loura sorri,
mostrando os dentes perfeitos, mas posso notar sua palidez e lábios sem cor.
— Bom dia — sussurro, me sentando na beira do colchão. Andressa não
está presente e só imagino que tenha ido encontrar Benjamin, seu namorado.
— Me diz uma coisa — os olhos de Madison me encontram e ela faz um
biquinho —, você comeu algo hoje?
Não.
A resposta é óbvia pela forma que ela encolhe os ombros e olha para os
próprios pés.
Eu deveria esperar por isso, sei por experiência própria, ninguém se cura
de uma hora para a outra, ninguém fica simplesmente bem. São altos e
baixos, para nós duas. Eu sei e entendo. Conheço os riscos.
— Vem cá — digo. Ela caminha até o meu lado e se senta na cama. —
Olha, precisamos conversar, está bem?
— Não posso fugir de você, certo?
Ignoro a sua pergunta.
— Eu te entendo, Maddy, de verdade. Eu tenho meus próprios
problemas e você nunca comentou deles comigo, mas sabe que existem. É
mais fácil negar e esquecer.
— Não tem sido tão fácil assim, não quando tenho a Chris me julgando
ou quando minha mãe aparece na cidade, pronta pra ver a família perfeita.
— Quer falar sobre isso? Seria bom...
— Depende — ela responde. — Quer falar sobre seus problemas
também?
Balanço a cabeça em negação, a última coisa que quero é falar sobre o
meu passado. Eu não preciso, e nem desejo, me lembrar de Katherine. Não
agora. Não quando tudo está prestes a desmoronar, principalmente com Alex
na cidade.
— Viu? Ninguém gosta de encarar a verdade.
— Pode ser, mas isso ainda vai nos matar — conto, como se não
soubéssemos.
Quando a menina desaparece pela casa, tentando fugir de mim, me vejo
sozinha. Ainda tenho que ir à aula, mas não me animo ao lembrar de que
todos me odeiam. Alexander, Chris e Mateo. Talvez essa seja a pior semana
da minha vida, ainda mais com Nicholas machucado e Madison tento
recaídas. Me sinto forçada a ficar bem e sei que não aguentarei por muito
tempo, mas vou tentar.
Assim que termino de me arrumar, com os cabelos presos num rabo de
cavalo, uma camiseta preta e uma saia jeans, ouço o celular vibrando.
Nick: espero que goste de surpresas, estou aqui na entrada.
Não posso evitar sorrir, o que tem me irritado nos últimos dias. Eu não
consigo segurar a risada, não consigo controlar a felicidade ao seu lado. Me
sinto uma boba, olhando-o com admiração.
Talvez eu só goste muito dele.
Desço cada degrau com pressa, correndo. Quando chego no primeiro
andar, percebo que as garotas ainda estão acordando. Talvez esteja cedo
demais, talvez eu esteja animada demais.
Talvez, talvez e mais talvez.
E como a Christina mesmo disse, algumas tempestades não trazem arco-
íris. Devo me lembrar disso.
— Bom dia — ele fala ao me ver. — Espero que tenha dormido bem.
Faço um biquinho notando o carro no qual está apoiado, Nick sempre
anda de moto. Estou acostumada com a adrenalina de passear pela cidade
atrás de seu corpo, segurando em sua jaqueta.
— Eu sei. Meu braço ainda dói — explica ao perceber a minha
distração. — Meu pai viu, ele insistiu para que eu andasse de carro.
— Mas consegue dirigir?
— Mais ou menos. Quer tentar?
O encaro com confusão. Ele quer que eu dirija?
— Não sei, não sou boa nisso.
— É só um carro.
Franzo o cenho, pensativa. Eu já sofri acidentes de carro e sei muito bem
o quanto pode doer um machucado causado por eles. Desde então, parei de
tentar dirigir o que quer que seja, a Harley-Davidson do Nicholas até me
anima, mas ainda prefiro andar a pé.
— É melhor você fazer isso, eu não dirijo há muito tempo.
— Não é algo que se esquece — Nick provoca e me puxa pela cintura,
colando nossos corpos. — Você não quer mesmo dirigir, não é?
Nego, apertando os lábios.
— Prefiro não arriscar, você já está bem machucado.
— Tudo bem, linda. Então hoje — ele me dá um selinho — eu serei seu
motorista.
Rio baixo, deixando que nossos lábios se encontrem mais uma vez. Nick
me aquece. Nessa manhã tudo parece muito diferente, como se nada de ruim
tivesse acontecido, como se um emaranhado de mentiras não nos rodeasse.
Entro no carro e coloco o cinto, enquanto Nicholas o contorna, abre a
porta do motorista e se senta.
— Quando viu o seu pai? — questiono logo, observando-o girar a
chave.
— Depois que você foi embora, ele me ligou e disse que a Polly não
estava bem. Parece que a minha avó tem sofrido de enxaquecas.
Rolo os olhos sem querer. Não gosto de ofender a Polly, não na frente
do Nick, que sabe que não nos suportamos, mas gosta de nós duas. Seria
cruel colocá-lo no meio das nossas intrigas.
— A dor dela tem nome, Alice Wonders. Ou melhor, nomes, Alexander
também — sussurro, me livrando um pouco do ressentimento. Sei que Polly
o chamou para Wiston Hill e não foi por um bom motivo.
— Nicholas Thompson também. — Ele ri, me pegando de surpresa. O
encaro, boquiaberta. — Polly tem muitos motivos para ter dores de cabeça e
todos foram criados por ela mesma.
Percebe-se. Polly Thompson busca algo que não pode ter, a família
perfeita não existe e Nicholas não pode viver para a agradar. Me pergunto o
porquê de ser assim, mas quando olho para nós dois juntos, não dou a
mínima. Qualquer que seja o motivo, não há desculpas. Polly Thompson não
se importa com o sofrimento que causa, e assim, recebe a mesma coisa.
Enxaquecas.
O silêncio começa a ficar estranho e Nick está focado demais nas ruas
nem tão vazias de WH.
— E ela está bem?
— Ela sempre fica bem. Mas, para evitar o drama, vou passar por lá hoje
à noite. — É visível o desânimo de Nick quanto a isso, ele não gosta de ir à
mansão.
— Quer que eu vá com você? — O observo, vendo a tensão em sua
mandíbula. Ele cerra os dentes. — Se não for incomodar.
— Eu quero que vá, Alice, mas não gosto de te colocar contra a raiva da
minha avó. Não é justo.
— Bom, não vou me ofender com nada que sair da boca dela, não hoje
— afirmo. Thompson me fita rapidamente. — Sempre que eu pensar em a
mandar para o inferno, lembrarei da enxaqueca.
— Boa tática.
O carro vira à direita e entra na rua da praia.
— Eu tentei conversar com a Madison hoje — conto, reconquistando a
sua atenção.
— E como foi?
— Ela quis falar dos meus problemas também. Não deu certo. Eu não
quero comentar sobre isso agora, estou sóbria.
Sei que quando digo não querer comentar sobre o alcoolismo, na
verdade, eu quero e muito. Mas, como qualquer outra pessoa teimosa, não
gosto de ouvir críticas. Eu acho, e sempre vou achar, que já sei de tudo que
poderão me dizer.
E mesmo assim, prefiro continuar errando, até quando acredito que
posso mudar.
— Alice Wonders, você não pode ajudar os outros sem se ajudar.
— Disto eu já sei. — Como sempre, teimosa. — E não posso mudar por
causa de outras pessoas.
— Disto nós já sabemos — comenta.
Nick e eu entramos num acordo há algum tempo: nada de modificar o
outro, essa coisa não existe. Eu tenho que melhorar e me mudar por mim,
pela minha saúde e bem-estar.
— Você e Madison — ele começa sussurrando — têm o mesmo
problema. Não conseguem se importar primeiro com vocês, vivem colocando
as outras pessoas na frente, mesmo sem perceber. É errado.
— Bom, Thompson, você faz o mesmo — conto. Nick suspira e pensa
por um tempo.
O carro preto é estacionado na frente do Waver's, onde Andressa
trabalha após as aulas, onde posso comer da melhor panqueca que já
experimentei. Nick gira a chave, entretanto, não destranca as portas.
— Talvez esse seja um problema, eu tenho te colocado em primeiro
lugar muitas vezes.
Engulo em seco ao ouvir a verdade. Nicholas tem feito isso em excesso,
até caiu da moto por conta da confusão que lhe causo. Apesar de gostarmos
muito um do outro, há coisas que precisamos aprender antes de termos um
relacionamento. A cada dia que passa, isso fica mais aparente.
Thompson destranca a porta, mas não a abre. Ele encara a vista, a
entrada do Waver's, sem coragem de me olhar. O silêncio retorna, porém não
sei o que devo responder. A única coisa que me parece certo é concordar.
— Então, pare. Não me coloque em primeiro lugar todas as vezes, não
quero te machucar — digo. Ele suspira e finalmente me olha, mas não nos
olhos. Nicholas encara meus lábios. — Eu não quero que você se machuque e
depois se sinta tentado a por a culpa em mim.
— Isso não aconteceria.
— A culpa dificilmente cai nos dois e a sua avó me odeia, vamos ser
sinceros. Por todas as fofocas que ouvi, apesar da sua mãe ter sido incrível,
muita gente a culpa por algumas coisas, porque essa é a história que a Polly
espalhou.
— Muita gente culpa o Damon.
— Você o culpa — exclamo. — Me desculpe, não quero me meter
nisso, mas você o culpa. Não significa que quem está de fora vê a história
dessa forma.
Nicholas respira fundo, absorvendo tudo que despejei sobre ele. A
manhã parecia perfeita até tocarmos no assunto. De repente, ele ri baixo,
aliviando a angústia que eu começava a sentir por ter sido tão sincera.
— Queria que fosse assim todas as vezes — comenta, destravando a
porta por uma última vez. — Eu gosto de quando fala a verdade sobre como
se sente.
— Me desculpe por soltar tudo isso assim, mas algumas coisas me
incomodam e eu não consigo mais guardá-las, Nick...
O menino me interrompe doce e agressivamente.
— Eu já disse que te amo?
— Você disse que acha que me ama — gaguejo como resposta.
As íris azuis de Nicholas encaram as minhas com seriedade, seus lábios
se esticam num sorriso e eu me sinto tremer no mesmo momento.
— Espera, você acabou de dizer que me ama, com certeza? —
questiono, sem ar.
— Sim, toda a certeza — ele sussurra, tornando tudo ainda mais
estranho e delicioso. Nick me olha como se soubesse o caos que se iniciou
em meus sentidos. — Eu te amo, Alice Wonders.
A minha boca abre e fecha, o suor em minha nuca escorre e eu não sei o
que responder. Nunca ouvi um eu te amo de alguém por quem sinto o
mesmo.
Fecho os olhos e assim que o faço outra risadinha nasalada escapa de
Thompson, me forçando a encará-lo.
— Não há uma resposta certa — brinca e abre a porta, descendo do
carro.
Eu me apresso a fazer o mesmo e ele caminha até o meu lado, deixando-
me tonta quando se aproxima demais e me encosta no veículo.
— Não precisa nem responder.
— Você disse que...
— Que te amo — reafirma e suas mãos grudam em minha cintura.
— Que eu te amo, Alice Wonders, foi isso que eu disse.
— Eu preciso respirar. — Me afasto um pouco, empurrando seu corpo
com gentileza. Ando até a parte de trás do carro e me apoio no porta-malas.
— Alice. — Ele me segue. — Olha para mim, eu não quero que desmaie
— caçoa.
— Você disse que me ama! — exclamo. Nick franze o cenho, confuso.
— Ninguém nunca me disse isso, não sinceramente.
— Esse é o problema? — Seus lábios se esticam, outro sorriso perfeito.
— Não é um problema. Eu tô eufórica, mas, ao mesmo tempo, quero te
dar um soco na cara.
Ele ri, sem se segurar dessa vez.
— É sério, Thompson. — O acerto no peitoral.
— Tempestade no copo d'água, esse é o nome. Você está criando uma
tempestade. — O menino suspira, segura em meus braços e me puxa para
perto.
Eu respiro fundo, finalmente entendendo que é real. Isso é real. Eu estou
de frente para Nicholas Thompson e ele me ama.
— Eu te amo e tenho certeza disso. Eu amo tudo sobre você, o seu jeito
instável, sua personalidade um tanto confusa, suas roupas, seu gosto literário.
Eu gosto de como acorda lentamente e esfrega os olhos, sorrindo, e gosto de
como se encolhe quando te elogio. Eu gosto da sua coragem, que você acha
não ter, e gosto da sua vontade de mudar. Você é forte e independente. Você
não se incomoda com muita coisa que faria metade das pessoas daqui irem à
loucura. Você é sincera e real, além de ser uma amiga de verdade. Não há
maldade em você, Alice, mesmo com a Madison ou Chris, você sempre
aguentou e nunca reagiu, até quando pôde. Eu amo como você é Alice
Wonders, com todos os problemas a serem resolvidos e todas as loucuras
escondidas. Eu amo você.
Faço um biquinho contendo qualquer coisa que possa me escapar, seja
um som ou lágrimas.
— Te convenci agora? — questiona, mas eu apenas agarro em sua
jaqueta e lhe puxo para perto, o beijando. Nossos lábios já se conhecem e
agora eu sei que merecemos bem mais que uma tempestade.
Merecemos o sol, a chuva e o arco-íris.

Me sento num dos bancos vermelhos, num canto quieto do Waver's.


Nick para ao balcão, pronto para pedir o café. Por dentro eu ainda tento me
apegar a suas palavras, entender que ele realmente me ama e aceita isso, e
entender que talvez, eu o ame.
Ele disse em alto e bom som, mais de uma vez. Ele disse e confirmou.
Ergo a cabeça e avisto Nicholas fazendo o pedido para uma garçonete de
bochechas coradas. Ele se aproveita, sorri lindamente e a obriga a se
encolher. Thompson tem esse costume, consegue deixar todas as garotas sem
ar, e sei que gosta disso.
Rio baixo, é divertido e cruel. Ela sabe a verdade, Nick está flertando
como faz com tudo e todos. Atrás dele, Jayden surge já me analisando com
uma animação estranha. Ele passa por Nicholas, que nem o nota, e se
aproxima de mim.
— Alice! — diz e se senta à minha frente. — Como vai?
— Bem, e você? Ainda com a Chris? — brinco e me arrependo assim
que o garoto olha por cima do ombro, tentando descobrir se alguém me
ouviu. — Me desculpe — sussurro. — Ainda não me acostumei com isso.
— Tudo bem, só tenta não continuar. Se Mateo descobrir não será legal,
nem pra mim, nem pra Chris. — Certo desânimo aparece em sua face, mas
ele se apressa em disfarçar. — Então, você e o Nicholas, já se assumiram?
Rolo os olhos como resposta.
— É, parece que não. — Sorri, mostrando os dentes perfeitos. Jayden é
lindo, ele consegue roubar a atenção de qualquer um.
— Oi — Nick diz quando chega à mesa e se senta ao meu lado. Jayden
ergue a cabeça e o fita, os dois se cumprimentam. — Do que estavam
falando?
— Sobre o Jayden ir à festa na fraternidade — respondo antes que o
menino possa mencionar a ideia de eu e Nicholas estarmos num
relacionamento. — Então, você vai?
O encaramos, esperando, e recebemos um riso fraco.
— Sabe que não é uma boa ideia — responde.
— É sim. Você tem que ir — enfatizo. — Não precisa ficar com aquela
que não podemos mencionar. — Suspiro enquanto eles riem.
— Por que quer tanto que ele vá? — Nick me encara e retira a jaqueta.
— Não é justo! Um monte de gente vai, tenho certeza, e Jayden tem que
se privar disso só por causa do Mateo? Ah, por favor. — Rolo os olhos. Eu
realmente acho que ele deve ir. Não quero irritar a Chris, nem me meter entre
os dois, apenas acredito que será divertido.
— Alice pode estar certa, você deveria ir.
— Vou pensar sobre isso, sério. Agora, vamos mudar de assunto. O que
é essa coisa no seu braço? — Jayden se refere ao curativo no ombro de Nick.
— Caiu?
— É, ele caiu — respondo rapidamente. — E se não fosse por mim,
estaria com um machucado horrível e infeccionado.
O menino arregala os olhos e Nicholas ri baixinho.
— Olha, vocês precisam mesmo decidir isso — Jayden começa. —
Namoram? — Nego. — Então o quê?
— Eu não sei. Depende — Thompson diz. — Depende do que vai
acontecer.
Sim, depende do que vier pela frente. Nada de planos.
— Vocês gostam de enrolar, isso sim. Olha, talvez eu apareça nessa
festa neon. Não posso prometer, mas tenho que treinar agora. — Suas mãos
se apoiam na mesa e ele se levanta.
— Tudo bem, mas não pense muito, só apareça.
Jayden ri das minhas palavras e se despede com um aceno de cabeça.
Assim que ele cruza a porta da lanchonete, a menina tímida se aproxima,
coloca um prato com panquecas à minha frente e um com ovos e bacon à
frente de Thompson. Ela sorri para Nick e encontra os meus olhos. Ao invés
de intimidá-la, também sorrio, demonstrando que notei a lascívia em suas íris
castanhas. A garota enrubesce, completamente envergonhada, então, se
afasta.
— Ela gosta de você — digo. Nick me olha de soslaio e dá de ombros.
— Não pode fazer isso, não pode brincar com as pessoas.
— Eu não brinquei com ela, só fiz um pedido.
— Com certeza fez, usando do seu charme idiota.
— Que charme? — Ele ri e me encara, molhando os lábios.
— Aquele que usou na frente do Heaven, o mesmo que me fez aceitar ir
à sua casa depois da aula e que me faz ficar aqui com você.
— Não estou te segurando. Você está aqui porque quer. — Seus dedos
agarram minha coxa, onde a saia não cobre. — Se quiser ir embora, Alice
Wonders, pode ir.
— 'Tá vendo? — Ameaço beijá-lo, mas não o faço. — Esse charme
idiota.

A aula pareceu passar rápido e Thompson me fez prometer que treinaria


boxe com ele. Não precisou de muito, já que estou ansiosa para isso. Dessa
vez não tive que lidar com as encaradas de Christina, a menina parecia
desanimada, mas depois de certo tempo comecei a pensar que talvez estivesse
planejando algo.
Chris não é do tipo que desiste fácil ou que se esquece das pessoas. Ela
não se esqueceu de mim.
— Eu já volto — Nick diz ao andarmos pelo corredor. Suas mãos
agarram em minha cintura e ele me coloca contra a parede. — Hoje vou te
fazer suar, Wonders.
Mordo o lábio e quando penso que vai me beijar, ele me solta, se afasta
e entra num banheiro.
Espero por alguns segundos. Agora, nada me incomoda, nenhum
pensamento me consome. Minha mente está calma como nunca ficou.
— Alice — uma pausa surge — Wonders.
Me viro com pressa e vejo Alexander se aproximando, ele anda com
uma postura ameaçadora, como se quisesse me amedrontar. Mal sabe ele que,
mesmo sendo um fantasma do meu passado, não me deixa com medo.
Alex não é tão forte quanto pensa.
— Alex — respondo e o encaro. Seu corpo chega perto, tão perto que
preciso prender a respiração. — O que quer?
— Falar oi — brinca. — Perguntar se contou ao seu namoradinho sobre
o seu passado dramático, sobre a vez em que achou estar apaixonada.
— Você não cansa, não é? Até quando fingia me amar, conseguia
transformar a minha vida num inferno. — O meu hálito aquece seu rosto e
faço questão de me colocar um pouco nas pontas dos pés, apenas para olhar
diretamente em seus olhos. — Sabe o que você é?
— Não, eu não sei, mas se quiser pode me contar. Que tal fazer isso na
frente do Nicholas? Vamos chamar ele. — Suas mãos me empurram contra a
parede. — Vamos falar sobre quem eu sou e quem você é! Que tal?
Alex está diferente, ele não é o garotinho sensível e apaixonado de Nova
Iorque. Algo o mudou, a raiva o dominou.
— Vai — respiro — se foder.
Eu o empurro de volta, fazendo-o cambalear para trás. À essa altura
outros poucos alunos nos olham, confusos e assustados. As nossas vozes não
estão mais baixas, eu poderia socar a cara dele.
— Ah, agora você vai mostrar quem é de verdade. Vai mostrar a todos
quem a Alice Wonders é? — quase grita e quando tento o empurrar de novo,
ele agarra em meu braço com força. Eu reclamo, mas Alex não para. —
Aquele seu namoradinho não tem ideia da merda que fez, não é?
— Já chega! — A voz me faz sentir um alívio imenso, eu tinha certeza
de que Alex passaria dos limites. Assim que o som ecoa pelo corredor, parece
que todos voltam à si. A menina de cabelos cacheados surge entre nós,
retirando os dedos de Alexander da minha pele. — Chega! Deixa ela em paz!
— Isso não é da sua conta — ele reclama, gritando.
Nicholas também aparece, tão confuso quanto todos os outros. O
menino fita meu braço e percebe que está vermelho, com marcas de dedos,
então, avança na direção de Alex.
— Chega! — a garota brada, se colocando entre eles, erguendo os
braços. — Vocês não vão fazer isso, é sério. — Ela abaixa as mãos e encara
Alexander. — Vai pra casa!
— Você não manda em mim.
— Que tal eu ligar para o seu pai?
Alexander bufa e se controla.
— Nunca mais chegue perto da Alice — Nick repreende, Alex apenas ri
e sai sem pressa.
Nós voltamos ao normal quando ele some pelo corredor, da mesma
forma que surgiu.
— Sou Juliet — ela se apresenta. — Conheci Nicholas outro dia, mas
ainda não...
— Alice Wonders.
— Sim, claro, a ex do meu irmão. Ele é obcecado por você, devia tomar
cuidado — Juliet solta e Nick a fita com confusão. — Só estou dizendo que a
Polly não o chamou por conta das notas, Alexander não é tão bom em relação
a isso. Ela deve ter outras intenções, mas não quero me meter.
— Obrigada. Você é nova, não?
— Com certeza. — Juliet ri.
— Vamos dar uma festa na fraternidade, sexta-feira. Deveria vir.
— Fiquei sabendo.
— Você pode aparecer, Juliet. Será legal — é Nicholas quem diz.
— Vou pensar sobre, eu até que gosto de festas. — Ri. — Agora,
preciso ir.
Ela some pelo corredor, indo na mesa direção que o meio-irmão. Chris
estava certa, tempestades podem atrair mais tempestades.

Meus músculos doem, mas não consigo parar de socar o saco de


pancadas. Eu continuo enquanto Nicholas me observa, vendo se estou
fazendo tudo certo.
— Precisa parar — diz, entretanto, o ignoro.
— Não, não preciso.
— Alice, vai ficar dolorida depois — ele grita entre os sons das
pancadas que dou. — É sério, prefiro que fique dolorida por outros motivos.
Rio baixinho, sem fôlego. Sinto o cansaço me tomar quando finalmente
paro. As minhas mãos se apoiam em meus joelhos e Thompson se coloca ao
meu lado, me analisando.
— Estava com raiva — comenta.
— Alex.
— Imaginei. — Nicholas ri sutilmente e pega em meus braços, então,
retira cada luva com calma. — O que ele te disse?
— Nada — minto. — Ele está diferente.
— Algumas pessoas mudam quando não têm o que querem.
— Pode ser, mas ele queria me provocar.
— Você tem uma personalidade explosiva, Alex sabe disso. Ele te
machucou? — Seus dedos encontram a marca da mão do garoto.
— Não. Eu estou bem, juro — suspiro. — Estava melhor antes.
— Cansada? — Um sorriso perverso surge em sua face. — Ou ainda
pode fazer algumas coisas?
— Depende de que coisas e do que vou ganhar com elas.
Nossos olhos se deparam, suas íris azuis me consomem, me queimam, e
eu adoro essa sensação.

A pedra da pia do banheiro único da academia esfria as minhas coxas.


Nick respira profundamente, posso senti-lo entre as minhas pernas enquanto
seu quadril se move com lentidão e ele me penetra. Nicholas entra e sai de
mim num ritmo delicioso.
Aproveito do calor de seu corpo e de como ele me toma, me leva à uma
onda de prazer indescritível. Thompson segura em minha cintura e eu em
seus ombros. Ele me preenche, faz minhas pernas tremerem. Os gemidos me
fogem.
Nick acelera pouco. Dessa vez, ele vai com calma.
— Não estou tão cansada assim — brinco, querendo mais.
Thompson ri, agarra os meus fios de cabelo — completamente úmidos
— e os puxa, deixando meu pescoço exposto. Posso ver o teto quando minha
cabeça é levada para trás, então, meus olhos se fecham. Os lábios de Nick
encontram a minha pele quente, beijando minha mandíbula e meu queixo.
— Nicholas — murmuro, ele entende. Seus movimentos aceleram,
Thompson entra em mim com mais intensidade. Nick me toma com força e a
minha boceta pede por mais. — Eu te odeio, sabia?
— Você me ama, Alice — diz em meio a gemidos disfarçados de
suspiros. Desço minhas mãos à superfície onde estou sentada e agarro na
beira dela, minha cabeça encosta na parede fria.
— Idiota — brinco, ele ri. Os dedos fortes de Thompson deslizam por
minha barriga e com a mão, ele aperta um dos meus seios.
Eu gosto de fazer muitas coisas com o garoto, mas sexo é, com certeza,
a melhor delas. Eu adoro ouvir seu risinho quando me vê gemendo e me
contorcendo, eu gosto de vê-lo tentando manter o controle. E eu gosto muito
de como Nick adora o meu corpo, porque eu adoro o dele. Somos perfeitos
um para o outro em muitos aspectos.
Eu posso sentir cada arrepio, é deliciosamente perverso, proibido e
certo. É o que eu preciso e quero.
E ele continua, cada vez mais forte.
— Você gosta que eu te foda com força, não gosta?
— Gosto... gosto muito — murmuro. — Porra, Nick! — Chego ao
ápice, tendo um orgasmo intenso. Seu corpo se inclina sobre o meu e
Thompson goza, arfando e aquecendo meu pescoço com sua respiração. Ele
geme em meu ouvido e posso senti-lo estremecer.
Quando Nick sai de mim, seus lábios entregam um beijo quente à minha
testa. Ele suspira e se afasta, retirando a camisinha.
Thompson joga o preservativo no lixo, seus dedos agarram a camiseta
branca que deveria ter colocado após o banho. Nicholas se veste com calma,
mas eu continuo nua e sobre a pia. Em seguida, ele se aproxima e me ajuda a
levantar.
— Você é um caos e um paraíso, os dois ao mesmo tempo, sabia?
Assinto, rindo da sua frase.
— E eu te amo por isso — sussurra.
— Você é um bobo.

Tudo é tão calmo no entardecer. As cores do céu são lindas, o laranja


misturado com o azul claro, as nuvens que parecem sumir e o sol partindo. É
o meu momento preferido do dia, quando há uma brisa leve e a praia fica
mais harmoniosa, quando as rosas do jardim de Polly Thompson parecem
mais vivas. Os pássaros voam e somem, já as folhas secas do atual outono,
caem com mais intensidade.
E quando Nick me toma em seus braços, no banco de trás do carro,
quando encosto a cabeça em seu peitoral e ouço seu coração bater, me sinto
onde deveria estar.
Vejo a mansão, distante o suficiente. Desde que estacionamos não
tivemos coragem para entrar, preferimos a olhar de longe, tentar entender o
que todos vêem quando observam a grande casa onde a luz alaranjada parece
mais forte.
— Vamos ter de entrar em algum momento, você sabe — ele sussurra e
beija a minha cabeça.
— Aqui parece tão calmo. Essa é a minha parte favorita do dia, eu gosto
de quando o sol vai embora.
Nick respira fundo, ele fita as flores secas através do vidro enquanto eu
o observo.
— E eu gosto da madrugada, gosto do silêncio e da noite, das ruas
vazias, dos sussurros. — Ele me olha. — Por que gosta do entardecer?
— É um fim e um começo. O fim do dia, começo da noite. É o meio. E
as cores são lindas.
— Tem razão. — Seus dedos alisam meu cabelo. — Acha que podemos
entrar agora?
— Vamos esperar mais um pouco. Sabe, a sua avó me odeia, ela não me
suporta. Acha que Juliet está certa? Que Alex veio pra cá por outro motivo?
— Talvez, prefiro não pensar sobre — Nicholas suspira.
— Alex é um babaca e você quase socou a cara dele hoje.
— Eu teria socado, ele te machucou. — Nós dois olhamos para as leves
marcas em meu braço. — Eu sei que você não é uma princesa esperando para
ser resgatada, Alice, mas ele é mais forte que você e te machucou.
— Se eu precisar de ajuda, eu peço. — Ergo a cabeça, encontrando seus
olhos. — Não saia por ai socando as pessoas, por favor.
— Não seria a primeira vez.
Sorrio. Nick é teimoso e irritante, mas sabe quando deve se afastar. Eu
preciso de espaço e ele respeita isso, por mais que o momento envolva Alex.
Analiso seu rosto, os contornos perfeitos, a mandíbula definida.
Desenho cada traço com as pontas dos dedos, suas sobrancelhas e seus lábios,
seu nariz. Cada partezinha.
— O que foi? — sussurra contra meus dedos.
— Você, Nick, é tudo que quero e tudo que não posso ter.
— Bom, você me tem. — Ele retira meus dedos de seus lábios, enquanto
continuo o examinando com atenção.
— Quis dizer, em teoria. — Olhos nos olhos, há certa tensão entre nós.
— Nem toda teoria se aplica. — Finalmente, nossas bocas se encontram.
— Essa, com certeza, é uma das que não funcionam.
— É. Tomara que seja.

Quando entramos no quarto de Polly Thompson, acompanhados de


Damon, ela não sorri ao me ver, mas finge simpatia.
— Que bom que vieram. Estou melhorando — diz, se sentando. É
possível ouvir Grace correndo e brincando com uma amiguinha no andar de
baixo. — Por favor, peça para que façam silêncio!
Os dedos de Polly cobrem seus olhos, mostrando cansaço. Ela esfrega o
rosto.
— Vou falar com elas — Damon diz e sai rapidamente. Eu sei que ele
está fugindo.
— Achei que não viesse. É só uma crise de labirintite, nada sério.
— O médico que disse ou essa é a sua opinião? — Nicholas provoca, me
forçando a lhe dar um soco fraco no braço.
Eu entendo a raiva que Nick tem do pai, nada justifica abandonar os
filhos, e entendo a raiva que sente da avó, mas, às vezes, prefiro que ele evite
provocar as pessoas, porque sinto que podem descontar em mim.
— Ficamos sabendo que estava com enxaqueca — conto.
— Sim, muito bom da sua parte vir me visitar. Será que algum de vocês
pode me dar água?
Me apresso e ando até a mesa de cabeceira, onde há um copo e uma
jarra. Nick continua parado com as mãos nos bolsos da calça, o cabelo
desajeitado e a jaqueta de couro cobrindo tudo.
— Então, como estão as coisas na Universidade? — Polly pergunta. Lhe
dou o copo e nossos olhares se encontram por alguns segundos. — Já tiveram
a chance de conhecer os alunos novos? Quer dizer, Nick já os conheceu. E
você, Alice?
— Já. — Respiro fundo e me afasto. Ela está me desafiando, me tirando
do sério.
Engulo em seco, eu sei como lidar com pessoas iguais a Polly
Thompson, porque essa é igualzinha a Katherine.
— A dor de cabeça deve ser por causa de tudo que aconteceu — digo,
ela franze o cenho e alterna o olhar entre Nick e eu. — A morte da sua nora
deve ter te afetado profundamente, não é? Eu entendo. — Meu tom sarcástico
e falso faz com que um riso estranho tente surgir em sua face, mas Polly
também sabe jogar.
— É, com certeza. Pumpkin era um doce.
— Claro. — Me viro para Nicholas, que está boquiaberto. — Vou
esperar lá fora.
Assim que saio sinto o veneno escorrer por entre meus lábios, mas,
dessa vez, ele não é só meu.
35.1

O DESASTRE PERFEITO
"Porque eles vão te perseguir até a escuridão.
Sim e eles vão perseguir você até você cair.
E eles vão te perseguir até o seu interior.
Até que você não possa mais rastejar."
KALEO | Way Down We Go

ALICE WONDERS

Nick demora para sair do quarto, enquanto isso, sinto meus pulmões
queimarem quando respiro. Adrenalina. Me encosto numa das paredes
extremamente brancas do segundo andar da casa de Polly e baixo a cabeça.
Eu não acredito que joguei o mesmo jogo que ela, que a respondi à
altura sem precisar ser rude ou mandá-la ao inferno.
A luz alaranjada do entardecer entra por uma das grandes janelas,
iluminando o corredor. Respiro fundo, ouvindo a porta se fechar.
— O que foi aquilo? — ele me pergunta e não posso evitar sorrir ao
olhar em suas íris.
— Ela não vai jogar comigo. — É tudo que consigo dizer. Nick parece
animado. Ele sorri e assente, me analisando. — Alex está certo, eu não sou
boa.
— O que quer dizer?
— O que você ouviu, mas não da forma que ele acha. Eu não sou trouxa,
já chega.
Assim que termino a minha declaração, me sentindo mais certa do que
nunca, suas mãos seguram em minha cintura. Nicholas se aproxima com
rapidez e me pressiona contra a parede.
— Eu não quero que seja boa, confesso que gosto de quando é sincera e
um tanto cruel.
— Que bom. Eu posso ser muito, muito cruel. — Nossos lábios se
encontram e seu beijo quente me consome.
Nós não somos bons e disso todos sabem, estamos cansados de correr
contra os comentários, contra as regras. Basta jogar o jogo. Ser boazinha não
me ajuda em nada.

Entro na fraternidade ouvindo a discussão. Todas as meninas parecem


ignorar os sons, como se estivessem acostumadas com eles, mas eu acelero o
passo e me enfio na cozinha, me deparando com Chris e Maddy.
Nenhuma das duas está calma.
— Você é uma otária, acha mesmo que ele gosta de você? Que
palhaçada é essa? — Christina grita. Madison ri e se apoia na ilha de
mármore.
— Essa palhaçada é a minha vida, acho que já estava na hora de eu
começar a vivê-la!
— Com Thomas Jackson? Sério? Que porra, Madison! — Então, os
olhos da Vender me encontram, queimando-me. — Isso é culpa dela. Ela
colocou essas ideias na sua cabeça.
Maddy se vira no mesmo momento e me fita.
— Do que estão falando? — questiono, erguendo as mãos em minha
defesa.
— A Madison está saindo com aquele idiota dono de boate, seu amigo!
— Ah, o problema é a boate? — brinco, fazendo Maddy rir para mim.
Ando até a pia, agarro um copo limpo e começo a enchê-lo de água.
Chris parece furiosa.
— O problema? Ele é um idiota. — Começa a caminhar na minha
direção. — Ela estava namorando com alguém, com Nicholas Thompson,
então você apareceu! Não consegue ver? Está destruindo a vida de todo
mundo, tirando as pessoas do trilho!
Mantenho o silêncio, não posso discutir com ela, não tenho argumentos.
Desde que apareci todos mudaram muito e, talvez, eu tenha os influenciado
um pouco.
Talvez eu seja um caos necessário.
— Não vai dizer nada? Está acabando com essa cidade!
— Não, Chris, você está! Você e seu vício idiota em superficialidade e
perfeição. Você e suas regras desnecessárias! — Maddy contesta.
— Minhas regras? Antes dela chegar, todos seguiam essas regras!
— Desculpe se eu não apoio seu teatrinho. Isso tudo é uma falsidade da
porra — digo e, como reação, Chris arranca o copo da minha mão. E ela joga
a água na minha cara.
— Christina! — Madison grita, porém não me sinto surpresa.
— Vê se acorda, Wonders! Você não vai sair ilesa!
— Eu posso sair com alguns arranhões, mas não serei a única.
O silêncio entre nós diz tudo. Ela me entende e eu a entendo. Chris está
presa as regras dos criadores da falsa utopia, as leis que não existem. Os ricos
mandam e eles têm papeis a cumprir, eles são personagens, com vidas
planejadas pelos pais. E isso não é justo, todos sabemos.
Entretanto, na cabeça da Christina Vender, o justo nem sempre é bom e
vice-versa.
Ela se força a viver nisso, Chris tem seus próprios motivos, fortes
demais para que a garota possa acordar. Fortes demais para que possa fugir.
Ver tanta gente escapando desse teatro deve doer, porque ela não pode.
Então, Vender sai da cozinha com calma, sem olhar para Madison, sem
continuar o assunto.
Todas nós sabemos qual é o preço da perfeição que ela tanto gosta.

Seco meu cabelo com a toalha enquanto Madison me encara,


boquiaberta e sentada sobre a minha cama, com as pernas cruzadas.
— Você está diferente — diz.
— Isso é ruim ou bom? — pergunto, ela dá de ombros. — A Chris me
tira do sério, mas acabei de lidar com a Polly Thompson, então...
— É, estava preparada — Madison suspira. — Sabe que não está
destruindo a vida das pessoas, não é?
— Às vezes eu sinto que estou.
— Alice...
— Não, Madison. Não vamos falar daquilo!
— Você poderia ao menos tentar, por mim! Eu estou me esforçando,
Alice, muito. E Tommy está me ajudando, mas acho que quero conversar
agora.
— Eu não sei se estou pronta, Maddy, mas fico feliz que se sinta assim
— conto, me deitando na cama da Andressa, que parece bem ausente
ultimamente.
Tantas coisas acontecem ao mesmo tempo em Wiston Hill, que nunca
sei o que se passa pela cabeça da ruiva.
— Como você começou a beber?
Os olhos dela me fitam com curiosidade, apesar de eu ter dito não.
Respiro fundo, jogo a toalha na escrivaninha e a encaro seriamente.
— Achei que o álcool pudesse me ajudar.
— Ajudar a quê?
— Katherine Wonders me odeia e sabe me ferir. Eu passei anos tentando
ser a filha perfeita, mas é impossível. Ela não quer a filha perfeita, ela quer
me machucar, sempre quis. Então, depois de certo tempo eu desisti, eu não
sentia dor, mágoa e nem raiva. Eu queria desaparecer.
— Foi quando começou a beber — conclui por mim. — Eu comecei a
fazer isso quando tinha dez anos. A minha irmã mais velha é bailarina
profissional, ela é linda, perfeita, talentosa. E eu era a amiga da Chris Vender,
entende? Daí, o ensino médio começou, as líderes de torcida pareciam
interessantes, as festas, os garotos e Nicholas Thompson. — Sorri, me
fazendo imitar o seu gesto. — A gente se conhece desde crianças, ele era um
amigo até então. Enfim, eu queria ser...
— Intocável. Você queria ser idolatrada.
— Todo mundo ao meu redor era e eu queria o mesmo. Eu perdi peso,
me enfiei em roupas bonitas. O dinheiro eu tinha, o nome e a aparência
também. De repente, todos me olhavam.
— Eu tenho certeza de que olhavam antes. Quem começou a olhar foi
você mesma, se convenceu de que precisava disso.
Maddy dá de ombros.
— Eu não conseguia, não consigo ficar satisfeita. — Algumas lágrimas
começam a cair de seus olhos. — Eu não preciso dessa perfeição idiota!
Concordo com ela. Talvez estejamos acordando, talvez essa conversa
tenha sido necessária.

Quando passo pelos corredores da fraternidade, vejo uma das portas


abertas. É o quarto delas, Chris e Maddy. Sei que não nos damos bem e sei
que estou cansada de ser boazinha, mas sinto que precisamos conversar. Paro
à porta, observando-a. Ela mexe no celular com impaciência.
— Christina — sussurro. A menina me encontra e um biquinho surge
em sua face. — Sabe que essa coisa toda é besteira, não? Essa raiva que sente
de mim...
— Besteira? As coisas estavam nos lugares certos antes de você chegar.
— Dessa vez ela mantém o tom baixo. — A minha melhor amiga estava aqui,
comigo, sempre.
— Madison estava infeliz, será que não consegue ver isso?
Uma lágrima escorre e Chris a seca com pressa.
— Ela estava bem e amava o Thompson. Todos estávamos bem!
— Não estavam e você sabe. Não pode me culpar, uma hora ia
acontecer!
— Você apareceu com essa sua rebeldia e seus problemas, você
começou tudo isso e agora eu estou afundando por sua causa.
Afundando por minha causa?
— Até Mateo? — ela pergunta, com ênfase.
— Até ele? Não sei do que está falando, mas eu quero distância daquele
garoto!
— Ele não quer distância de você. — Suas palavras fazem minhas
pernas tremerem. Eu não quero Mateo Price perto de mim, nunca, de jeito
nenhum.
— Então, Alice, não vai se defender?
Rio nasalado, desacreditada. A garota me culpa pelo namorado ser um
babaca! É impossível falar com Chris Vender, é impossível a convencer de
que todos estão errados.
Antes de sair pelo corredor, me lembro de uma última coisa.
— Chris — chamo, ela me encara com dúvida. — Todos guardamos
segredos, não sou a única. Não se esqueça disso.
— Eu nunca me esqueceria.

Parece que o calor retornou à Wiston Hill. Rolo incansavelmente na


cama, sem conseguir pegar no sono, e Andressa ainda não retornou. Há algo
de errado nisso, ela está distante, estranha.
Aperto os olhos com os dedos, percebendo que não conseguirei dormir.
Suspiro, respiro fundo, me viro mais uma vez. Impossível.
— Merda — sussurro.
E seguido do som da minha voz, surge o som do celular vibrando. Abro
os olhos com dificuldade, me adaptando a iluminação da tela do aparelho,
então, o deslizo sobre a mesa de cabeceira.
Tommy — aparece nas notificações.
Faço uma careta, confusa. O relógio mostra que já passou das duas da
manhã! Atendo com pressa, sentindo um arrepio incomum.
— Alice, precisa vir ao hospital — ele diz. Me sento na cama num pulo,
assustada com o que ouvi.
— Como assim?
— A Madison passou mal, muito mal. Ela está sendo atendida. Acho
que não é mais um segredo, Alice.
Não é mais um segredo.
Agora todos sabem que Madison tem seus próprios problemas.

O corredor branco me deixa tonta, eu ando com pressa, passos


acelerados. Foi fácil encontrar o hospital, o único de Wiston Hill.
Quase corro, procurando por Thomas, procurando pela loura. Há
silêncio ao meu redor, quartos e pessoas preocupadas. Viro à direita e vejo a
jaqueta marrom, o corpo conhecido.
— Tommy! — chamo, fazendo-o me olhar no mesmo momento. Ele
parece aliviado. — Como ela está? — questiono quando chego mais perto.
— Bem. Ela passou mal e desmaiou, eu precisei a trazer para o hospital,
não sabia o que fazer.
— Você fez o certo.
Noto a ruiva sentada num banco atrás dele e me aproximo. Ela se
levanta e me abraça.
— Andressa, não te vejo há dias, está distante! — Quando seu corpo se
afasta do meu, noto a palidez em seu rosto, a confusão misturada a tristeza.
— Precisamos conversar. Bem, eu preciso conversar com alguém.
— Tudo bem, nós podemos conversar — digo, segurando em suas mãos.
— Vocês podem ir, eu fico aqui. Quando eles a liberarem eu te chamo
— Tommy fala, entregando-me um sorriso de canto.
A ruivinha caminha ao meu lado pelos corredores do hospital, até
chegarmos à um canto isolado o suficiente, perto de um setor desativado e
cheio de placas nas paredes.
— Está estranha — sussurro.
— Eu sei. Eu sei disso.
— Vai me contar o que está acontecendo? Sabe que pode confiar...
— Eu acho que sou bissexual. — Andressa se encosta na parede à minha
frente, encarando-me. Sou pega de surpresa.
— Tudo bem.
— Eu sinto isso há um tempo, mas nunca parei pra considerar que,
talvez, de fato, possa ser verdade.
Continuo em silêncio, a analisando.
— E eu namoro, sempre namorei com um garoto. Me senti julgada antes
mesmo de me assumir para eu mesma. O que vão dizer? Que eu sou
assim, porque meus pais são gays? Que eu não posso ser bissexual, porque
namoro com um garoto ou que estou confusa? O que vão espalhar dessa vez?
— Eu te entendo, Andressa, mais do que imagina. Eu entendo todas
essas questões, mas seus pais serem gays não tem nada a ver com a sua
sexualidade. Sim, muita gente vai falar besteira. Há muitas pessoas idiotas
por ai, ruiva.
— É, eu tenho noção disso. Sempre fui a filha de dois homens, sei como
é. E meus pais me dariam apoio, eu sei disso também. A questão é...
— O que vão pensar de você? — interrompo-a. — As pessoas vão
pensar muitas coisas de você, boas e ruins, e elas podem estar certas, se você
pensar o mesmo; mas muitas vezes estarão erradas. Andressa, o que você
pensa de si mesma?
Ela fica boquiaberta, porém, quieta.
— Alguns vão se basear na sua sexualidade ou em algum erro do seu
passado, como aquelas fotos, para te julgar. E sim, podem ser cruéis, mas
pior que isso é se esconder de si mesma. Eu sei que existe o preconceito
também, e sei que parece fácil quando falo, mas não deixe esse medo te
forçar a viver fingindo ser outra coisa. O que você sente não é errado.
— Eu só... eu precisava me abrir com alguém — diz e sorri, com
lágrimas nos olhos. — Eu contei ao Benjamin como estava me sentindo e ele
foi compreensivo. Eu pedi um tempo.
— Está se sentindo bem com isso?
— Eu namoro com o Ben há anos, Alice, desde o colégio. Acho que
preciso me afastar um pouco, fazer outras coisas, conhecer outras pessoas.
Não sei. Conversamos sobre isso também, então sim, estou bem, estou mais
leve.
— Ótimo! Isso é ótimo! Você tem todo meu apoio, Andressa. — Sorrio.
— Agora, vamos voltar e ver como a loirinha está, certo?
A ruiva assente e começamos a caminhar, mas ela me para, puxando-me
pela blusa roxa.
— Obrigada.
A última coisa que sinto é o seu abraço apertado.

Vejo Nicholas virar o corredor com pressa, enfiado em sua jaqueta de


couro e com seus cabelos bagunçados, como se tivesse acabado de acordar.
Atrás dele está Jack, andando tão rápido quanto.
— O que aconteceu? — pergunta ao se aproximar.
— O esperado, ela passou mal depois de ficar sem comer — Thomas
conta. — Mas está bem, ela acordou um pouco confusa e pegou no sono de
novo. Você demorou.
— Eu estava na mansão, vim o mais rápido que pude.
— Tudo bem, você veio! — digo, me levanto e o abraço. Nick me aperta
com força.
— Gente, alguém chamou a Chris? — Andressa questiona enquanto
Jack se senta ao seu lado, roubando meu lugar.
— Não é uma boa ideia, elas estão distantes — respondo e todos
concordam.
Ainda não podemos ver Maddy e minutos se passam no tempo em que
esperamos num corredor isolado. Ninguém tenta puxar assunto, estamos
cansados e preocupados.
— Podemos conversar? — peço a Nick, quebrando o silêncio.
Ele assente e nos levantamos. Vamos ao mesmo lugar que fui com
Andressa e quando paramos num canto, o encosto contra a parede e o fito
com animação.
— Olha, eu errei no passado, Nick, fiz uma coisa que me assombra até
hoje. Eu fui uma idiota, mas estou cansada.
Ele sorri e sua mão toca em meu rosto, seus dedos agarram a minha nuca
enquanto ele espera.
— Isso tudo com a Madison e comigo… você tem razão, precisamos
parar. Precisamos de ajuda. — Sorrio, mas noto a confusão em seu rosto. —
Talvez eu só esteja me sentindo bem agora, mas eu posso ver que preciso
parar de beber. Eu acho que tive um choque de realidade, não sei. Quero lidar
com os meus problemas no meu tempo, mas eu quero e vou te contar tudo
quando me sentir confortável, prometo. Mas eu preciso que saiba como me
sinto agora.
— Obrigado — ele sussurra e me puxa, dando-me um beijo na testa. —
Eu fico muito feliz, Alice, mesmo. Estarei aqui com você e vou esperar. Sabe
disso.
— Eu sei, amor. — Lhe dou um selinho e ele ri baixo. — Eu não quero
ser igual a minha mãe.
Essa confissão me escapa, sendo solta contra seus lábios. Nicholas me
encara surpreso.
— Você é Alice Wonders, não é igual a ela. Pode acreditar em mim.
Assinto, sabendo que dessa vez ele está certo. Eu não sou igual a
Katherine e farei de tudo para não ser.

Madison abre os olhos com calma, respirando levemente. De um lado


estou eu, do outro Tommy, e aos pés da cama, Nick.
É manhã e a luz do sol invade o ambiente.
— Bom dia — digo quando ela me encontra. — Como está?
— Melhor, eu acho...
— Você ficou sem comer, Madison — Tommy a repreende com doçura.
A menina se vira para ele, surpresa. — Eu não sabia o que fazer, então te
trouxe para o hospital.
— Não devia ter feito isso. — Ela chora. — Eu não posso. Todo mundo
vai me olhar e comentar e ter dó!
— Mas não está sozinha, nunca esteve. — Nick a acalma. — Você
precisa de ajuda, de tratamento.
Tommy agarra a sua mão, posso ver um sorrisinho pequeno aparecer no
rosto dela.
— Nada que falarmos será suficiente, mas você sabe da verdade,
Maddy. Sabe que precisa parar! Então, por favor, pare.
Ela não responde, as suas lágrimas tomam conta.
— Maddy, conversamos hoje, se lembra? Lembra do que eu disse? Você
precisa ver como é maravilhosa, precisa entender! Não tem de agradar os
outros, não tem de ser a filha ou amiga perfeita — sussurro.
— Eu sei disso. Eu já entendi isso há muito tempo, mas não é fácil,
Alice.
— Não, não é, mas você já entendeu e já sabe que precisa de ajuda. Isso
é um começo, certo?
— Certo — ela concorda, fungando. — Não quero mais isso, não quero
passar mal, não quero me sentir assim.
Ninguém a responde, sei que sentimos um alívio quando Madison diz
tais coisas. Ela também teve um choque de realidade, porque nunca acordou
no hospital antes.
— Isso está te matando. Você tem que parar. — Tommy soa
preocupado.
— Eu quero, de verdade. — Eles se olham. — Eu quero...
Talvez esse dia tenha sido o mais estranho e mais importante para
alguns de Wiston Hill.
Não vale a pena viver para os outros e não vale a pena ser boazinha
sempre, principalmente com quem se afoga no próprio veneno. Levou
tempo, mas todos nós descobrimos isso.
36

AINDA
"Estávamos muito perto das estrelas,
nunca conheci alguém como você,
alguém caindo tão forte."
The Neighbourhood | Reflections

ALICE WONDERS

Madison não ficou muito tempo no hospital, na verdade, quando


acordou precisou ouvir um sermão do médico — que estava completamente
certo —, então foi liberada. Ela e Tommy pareciam mais próximos que antes.
Eu pude ver nos olhos dele que cuidaria dela.
Nicholas me puxou para fora do quarto assim que Maddy começou a
arrumar as suas coisas, me levando à uma varanda isolada do hospital.
— O que quer? — brinco quando ele me coloca contra a parede,
olhando em meus olhos. — Me trouxe aqui pra me beijar?
— Não, não exatamente. — Nossos lábios se encontram. — Queria te
dizer que você é incrível e que não vou te levar pra casa.
Faço um biquinho, eu esperava passar o dia com ele.
— Não vai à aula? — pergunto, puxando-o pela camiseta.
— A Polly piorou. As dores de cabeça estão horríveis, pelo que fiquei
sabendo. E eu prometi a Grace que passaria a manhã com ela. — Nick dá de
ombros. — Damon vai viajar, volta amanhã à noite.
— Entendi. Bom, se é por causa da Grace, eu te desculpo.
Nicholas ri e me beija de novo. Seu selinho aquece meus lábios.
Estamos todos cansados, passamos a noite no hospital e assim que
Maddy acordou, Andressa e Jack conferiram se ela estava bem e partiram.
Mas o resto de nós ficou e nadamos em preocupação.
— Pode voltar com Tommy? — pergunta e eu assinto. — Semana que
vem serei completamente seu, prometo. Grace vai à escola, nada de aulas em
casa. Damon que decidiu.
— Olha, eu meio que concordo com ele. — Solto sua camiseta e me
ajeito, ainda encostada contra a parede e com seu corpo à minha frente. —
Ela precisa socializar, conhecer crianças, largar do pé da Quinn…
— Ela merece ficar longe da Polly, mas a minha avó não queria que
convivesse com crianças normais. Uma Thompson deve ser diferente. — O
sarcasmo em sua voz é nítido.
— Ela tem medo, sua família tem um histórico gigante quando o assunto
é decepcioná-la. — Rimos juntos. Nicholas faz um biquinho e concorda. —
Então, vou pedir carona agora, antes que aquele casal suma.
Nick me acompanha pelos corredores, de volta ao quarto de Madison.
Quando entramos, os dois nos encaram. Maddy está dentro de um vestido
azul claro e Tommy parece mais cansado que todos nós juntos.
— Podemos ir? — ele pergunta.
— Bom, será que pode me deixar na fraternidade? Nick precisa ir à
mansão.
Tommy afirma, retira a chave do carro do bolso e sai à nossa frente
enquanto Nicholas agarra em minha mão, me puxa e me entrega outro beijo
suave.
— Te vejo na festa, princesa.

Seis da manhã em ponto. O carro de Thomas estaciona à frente da


fraternidade.
— Vai ficar? — chamo Madison, sentada no banco da frente. —
Entendo se não quiser.
Ela nega com sutileza.
— Preciso ir pra casa, quero apresentar Tommy à minha mãe e contar
tudo que aconteceu. Ela tem que saber. — Sua voz está leve, como se
finalmente, e apesar de tudo, ela conseguisse ter forças para se levantar e
lutar contra isso.
Como se a verdade tivesse a atacado.
— Certo. E mais uma coisa, Maddy, a gente vai cansar de dizer que
você é linda e suficiente, mas sei que em alguns dias isso não será tudo. Em
alguns dias você não estará feliz com si mesma, não se sentirá alegre. Mas
são dias e eles vão passar, está bem?
Ela assente e pega nas pontas de meus dedos, se virando para trás e
olhando em meus olhos.
— Obrigada, de verdade.
— Te vejo na festa? — pergunto. A loura afirma, então, me viro para
Thomas. — Você?
— Não acho uma boa ideia.
Bufo.
— Ele vai sim! — Maddy exclama, fazendo Tommy fingir animação. —
Nós dois vamos. Te vejo hoje à noite.
Eu concordo, sorrio e desço do carro com calma. Entrar na fraternidade
é como invadir o inferno, mas nunca sei se ele é realmente aqui ou na mansão
Thompson.
A casa é linda, a arquitetura é chamativa, as flores à frente estão
sobrevivendo ao outono, mesmo assim, nada me anima. Eu sei como é por
dentro, eu sei como todos agem por aqui.

De todo o Campus, o único lugar vazio nesse horário é o centro de


natação, e mesmo sem estar calor, sinto falta de afundar completamente sob a
água — como fazia depois da escola em Nova Iorque.
Quando mergulhei fundo nessa tarde, após a aula, e senti a água fria em
minha pele, foi como voltar para casa, mas não de uma forma ruim. Eu me
reencontrei. Dentre tantas coisas em Nova Iorque, nadar era a única que eu
realmente gostava de fazer, como Nicholas adora andar de moto.
Por isso escolhi a praia.
E ganhei Thompson e todo o resto.
Meus cabelos já estão molhados e meus músculos cansados, quando
ouço a voz ecoar pelo salão onde duas piscinas fundas e grandes ficam,
rodeadas de bancos e paredes cheias de tijolos de vidro.
— Nadando? — Penso em ser óbvia e grosseira, contudo, quando me
viro na piscina, encontro Jayden me observando. — Boa tarde.
— Boa tarde. Está me seguindo? — questiono me arrastando até à beira.
Ele se abaixa, chega mais perto.
— Não exatamente, eu estava de passagem pelo prédio, a quadra de
basquete fica logo atrás. Eu te vi.
Sorrio como resposta. Jayden é doce, sincero e amigável. Ainda me
pergunto o que o atraiu em Christina, talvez ela tenha um lado que eu não
conheço, ou que ninguém conhece na verdade.
Me apoio no piso e me tiro da piscina. Jayden abre espaço, deixando-me
sair. Agarro uma toalha num dos bancos e me seco enquanto ele espera.
— Vai à festa? — pergunto, apertando o pano contra meus fios pesados
e longos. — Você tem que ir, Jayden, ou vou te buscar pessoalmente.
Ele ergue os braços em defesa e anda na minha direção, mantendo uma
distância adequada.
— Eu vou, Wonders. Já me decidi. Você estava certa, não adianta ficar
me escondendo.
— Isso mesmo. Tenho estado certa em relação a muitas coisas nesses
últimos dias, menos em relação a mim — solto baixo, ainda assim, ele
ouve. Claro que ouve.
— O que quer dizer? Está tudo bem? — Jayden cruza os braços e,
apesar de se segurar muito para não fazer isso, acaba passando os olhos por
meu corpo.
— Ah, sim, claro — minto. Agora está, mas isso não dura para sempre.
— São só algumas coisas, alguns problemas. Nada demais.
— Olha, você mal me conhece e sabe dos meus problemas, vai ficar me
devendo.
— Ah, para. — Rio e ele faz o mesmo. — São coisas pessoais, daquelas
que a gente tenta esquecer, sabe?
— Isso não funciona, de verdade, confie em mim.
— Diz o garoto que tem um caso com a Vender — arrisco, mas Jayden
leva uma mão ao peito e faz uma careta, caçoando.
— Certo, você me pegou. Eu tenho questões a resolver também, mas
não posso fazer isso sozinho.
— Já pensou em falar com a Christina? Em convencer ela a ficar com
você apesar do que o pai pensa?
— Já — ele suspira. — Mas você não o conhece e também não sabe
quem Mateo é.
— E parece que todo mundo por aqui sabe muito bem, não?
— Temos nossos motivos, acredite.
— Ele tem me perseguido, sabia?
— Mateo?
— Esse mesmo. É irritante — conto. — E a Christina acha que a culpa é
minha, ela acha que eu estou tentando algo com ele. Até parece.
Jayden rola os olhos e ri.
— Ela sabe que não é verdade, todos sabem. Mateo é a pessoa mais
insuportável que conheço, eu ficaria longe dele.
— Eu tento, mas o garoto não deixa.
Novamente, os olhos de Jayden passam por meu corpo, sinto que isso é
uma espécie de resposta. Mateo me acha gostosa, ele mesmo disse, mas ser
irritantemente indecente não ajuda em nada. Na verdade, me achar gostosa e
ser um nojento quanto a isso, só faz dele um ser indesejável.
— Tudo bem então, Alice. Eu te vejo na festa. — O menino tenta
disfarçar quando nota que percebi seu olhar. — Não conte a Chris que eu
vou.
— Certo, será uma surpresa — digo, fazendo Jayden rir ao se afastar.

Adentro meu quarto com pressa e dou de cara com Hannah e Andressa,
as duas me encaram como se eu fosse um fantasma, uma surpresa, algo
inesperado.
— Eu moro aqui também — digo, notando os olhares estranhos. — No
caso, quem não mora aqui é você. — Aponto para a menina de cabelos azuis
e ela semicerra os olhos, fazendo um biquinho.
— A gente estava falando de você — a ruiva confessa.
— Sobre mim? O que foi dessa vez? — As ignoro um pouco, jogando a
mochila sobre a cama e deixando os fios molhados se soltarem do coque.
— Você e Nicholas, certo? — Hannah brinca. — Quando vão se
assumir? É sério, já está óbvia essa relação, Alice.
A encaro com certa seriedade.
— Você veio até aqui me perguntar sobre o meu relacionamento com o
Nicholas?
Seus olhos brilham, cheios de malícia.
— Não, eu vim ajudar com a festa, mas as meninas da fraternidade são
rápidas. Já arrumaram tudo... Acabei encontrando a ruiva e começamos a
conversar.
— Conversar sobre mim?
— Exatamente.
— É ótimo saber que vocês não tem vidas. Sério, vamos falar sobre você
e Jack! — Rio e Hannah rola os olhos.
— Só estamos curiosas. Vocês dois parecem bem próximos, mas não te
ouço falando dele. Quer dizer, não mais — Andressa explica.
— Você estava bem ausente. Nós dois estamos juntos, como
exatamente, eu não sei, mas juntos.
— Namoram? — Hannah se joga na minha cama e me fita.
— Não. Não namoramos.
— Então o quê? — Andressa questiona.
— Nós estamos juntos, eu já disse. E ele — um suspiro me escapa —
disse que me ama.
— Nicholas Thompson disse que te ama? — Hannah parece chocada, o
que me faz apenas assentir, sentindo minhas bochechas queimarem. — Isso
aconteceu mesmo? Não consegue perceber?
Dou de ombros, mentindo. Elas se entreolham, então, me olham.
Eu consigo perceber que o amo, mas não posso contar ainda. Bem, não
quero contar.
— E vocês só estão juntos, mesmo depois disso? — A ruiva continua,
usando um tom mais doce, diferente de Hannah. Balanço a cabeça em
concordância. — Certo. Interessante.
— Interessante? — Hannah ri.
— Olha, a vida é minha, vocês podem parar de comentar sobre ela como
se fosse uma série ou um livro que acompanham? Nós estamos juntos, Polly
Thompson me odeia e Chris Vender deve estar planejando uma vingança
agora mesmo. Essa é a temporada mais atual da minha vida.
— Bom, daria um ótimo roteiro — Andressa solta, me obrigando a rolar
os olhos.
Me arrasto até o banheiro e fecho a porta com força, mas ainda posso
ouvir Hannah Lewis dizer:
— Não vai escapar, Wonders, temos uma festa!
Um sorriso surge em meu rosto. Elas me irritam, mas, em tão pouco
tempo, se tornaram extremamente importantes para mim.

Toco a campainha sabendo que isso fará a cabeça de Polly explodir.


Quem abre a porta dessa vez é Nicholas Thompson, seus olhos se perdem em
meu corpo quando ele me vê.
— Oi — sussurra e mostra um sorriso. Estou enfiada num top verde
neon e numa saia apertada da mesma cor. — O que está fazendo aqui?
— Vai mesmo me deixar aqui fora? — brinco. O menino ajeita os fios
bagunçados enquanto noto sua calça e camiseta brancas. Ele está pronto.
Thompson abre passagem e eu adentro, indo até a escada.
— Eu vim te buscar.
— Achei que fôssemos nos encontrar na fraternidade. — Seus olhos não
param de examinar meus seios. — Mas adorei a surpresa.
— Bom saber. O que estava fazendo? Cadê a Grace? — Olho ao redor e
nada. Ninguém.
— Ela saiu com a Quinn, foram tomar sorvete.
— Você já ia para a festa então?
Ele assente, mas não fala. Sua cabeça aponta para um objeto grande no
centro de uma sala, um piano preto.
— Eu estava tentando descobrir como se toca aquilo. — Nick anda até o
lugar e se senta no banquinho. — A minha mãe sabia.
É óbvio que Thompson sente falta de Pumpkin, afinal, ele a ama e eu
entendo isso.
Sobre o piano há uma fotografia que eu ansiava por ver. Nunca havia
analisado Pumpkin Thompson e ela está linda na foto, entre Nick e Wine,
com Grace ainda bebê nos braços. Me pergunto o que aconteceu, o que
mudou? Seu sorriso parece verdadeiro, não há tristeza em seus olhos.
— Ela era realmente linda — sussurro. Nick ergue a cabeça e me
encontra, depois fita o retrato.
— Era sim. Sabe? — pergunta, apontando para as teclas.
— Um pouco. — Me junto a ele, colada ao seu corpo.
Eu amava piano, música, balé e outras coisas quando criança. Isso, antes
da relação com a minha mãe quebrar tudo e me deixar perdida.
Antes de eu me desconhecer.
— Posso tocar? — pergunto e Thompson assente, sorrindo de canto.
Uma música de infância me vem à mente e soa pela sala de acordo com
que vou me lembrando das notas. Logo me sinto com seis anos novamente.
Chega a ser nostálgico, triste e bom ao mesmo tempo.
Katherine odiava música, mas John e eu compartilhamos dos mesmos
gostos. Ele me acompanhava em tudo, se sentava ao meu lado e ouvia. Meu
pai adorava me ouvir.
Me pergunto quando isso mudou.
O som ecoa pela casa de Nicholas e toma conta do lugar. Eu não erro,
não engasgo, não tenho dúvidas. Sei uma boa parte da música de cor, mesmo
depois de anos. Quando acabo, me viro e noto que Thompson sorri
sutilmente.
— Você toca tão bem quanto a Pumpkin.
Fico vermelha no mesmo instante, não era a minha intenção fazê-lo
recordar ainda mais da mãe.
— Me desculpe.
— Por? Foi lindo, eu só me lembrei dela e isso não me deixa triste.
— Pumpkin nunca te ensinou a tocar piano?
Ele nega.
— Eu posso fazer isso, se quiser, mas terá que me ensinar a andar de
moto.
Minha estratégia funciona e Nicholas ri de uma forma deliciosa.
— Vou pensar sobre isso!
Eu gosto do som da risada dele, de como seu sorriso perfeito me anima.
E gosto de vê-lo assim.
37

O QUE QUEREMOS
"Quando eu puser meus lábios em você,
sentirá arrepios subirem e descerem
por sua espinha por mim.
Farei você chorar por mim,
quando eu puser meus lábios em você.
Ouvirei sua voz ecoando
durante toda a noite para mim."
Maroon 5 | Lips on You

NICHOLAS THOMPSON

A música já ecoa pelas ruas de Wiston Hill. A festa ganha da última que
tivemos na Tigerx, quando as aulas começaram. Ela ganha, porque todas as
cores neon, roupas, luzes e pessoas, parecem mais animadas. Mas talvez eu
só ache isso porque Alice Wonders está comigo.
Apenas comigo.
E ela dança lentamente à minha frente enquanto aproveito da minha
bebida. Ela dança com Andressa, mas sabe que meus olhos estão presos em
sua cintura e quadril. Presos em como ela é completa e irresistivelmente
linda. Alice não evita me olhar, ela não tenta disfarçar. Está dançando para
mim e, depois de uma hora de festa, posso dizer que mesmo sem bebidas —
ela me disse uma vez que precisava de álcool para dançar bem — é ótima no
que faz. Me sinto melhor ainda por saber que a menina está sóbria.
Nossos olhos se encontram algumas vezes e vejo seus lábios se
movendo, falando algo que não entendo, enquanto Tommy e Jack continuam
conversando ao meu lado, sem notarem a minha ausência.
Ela repete a mesma frase pela terceira vez, eu percebo. Alice
sussurrou: “me siga”.
Entro na cozinha com uma garrafa quase vazia de cerveja em mãos. A
curiosidade me consome, me devora. Dou mais alguns passos e noto Alice
Wonders nas pontas dos pés, tentando pegar alguma coisa num dos armários.
— Quer ajuda? — brinco, segurando uma risada. Antes que ela possa se
virar, miro em sua bunda perfeitamente encaixada na saia e em suas coxas
bem desenhadas.
Deliciosa.
— Agradeço se puder parar de rir de mim — reclama num tom doce. A
menina se vira e encontra meus olhos. — Algum idiota colocou os copos lá.
— Aponta com a cabeça.
Eu abandono a garrafa sobre o balcão e sigo até ela.
— Me chamou aqui por causa de um copo?
— Não exatamente. — Um sorrisinho malicioso surge em sua face.
Abro uma das portinhas, que antes Wonders tentava alcançar, e pego um
dos copos vermelhos de plástico.
— Vou beber refrigerante — diz, se justificando.
— Eu não esperava que fosse morrer de sede. Sei que não vai beber.
Alice sorri, caminha até a geladeira, procura por um garrafa de
refrigerante e se serve.
— Você dança bem.
— Não viu nada — conta, me deixando mais curioso.
— Então, me chamou aqui pra me provocar e pedir um copo? — Me
aproximo novamente da menina, parando ao seu lado. — Tentador.
— Tentador.
Alice agarra em minha camiseta e me puxa, colocando-me contra seu
corpo. Ela se apoia na ilha de mármore e fita meus olhos. Há perversão nas
íris azuis dela, há vontade. Então, a beijo com ímpeto, porque eu a desejo
tanto que não consigo me conter. Quando nosso lábios se encontram é como
se nossos corpos queimassem, é diferente.
Na primeira vez em que beijei Alice Wonders, quando a levei à mansão
Thompson e a joguei na minha cama, quando achei estar vivendo só mais
uma aventura, mais uma coisa com uma garota, nosso beijos eram suaves,
ainda assim, fortes.
Agora são deliciosamente ferozes, como se nossas almas se esbarrassem.
E quando nos separamos há tremor, há confusão, porque somos bons juntos.
— Sabia que isso pode ser errado? — questiono, apertando sua cintura
nua. — Isso entre a gente pode ser completamente errado.
— Se for, quebraremos mais uma regra — ela conta e morde o lábio. —
E eu quero quebrar muitas regras com você, Nicholas.
A tensão é óbvia, a urgência mais ainda. Eu a quero. Talvez esse não
seja o momento certo, no meio da festa, aleatoriamente, mas é agora e no
agora, eu a quero.
— Eu te amo — conto contra seus lábios e mordo-os com dedicação.
Alice geme baixinho, me levando à loucura.
— Ei, vocês dois! — A voz surge, nos afastando. É a Madison. — Eu
não queria interromper, mas interrompendo, vamos jogar verdade ou desafio.
Topam?
— Pode ser — Wonders soa animada. Tenho de concordar, quando na
verdade queria agarrar em sua cintura, colocá-la sobre o balcão e devorá-la
aos poucos.

Numa das salas mais quietas alguns já estão sentados em círculo. Nele
encontro Andressa, Tommy, Jack, Christina, Mateo, Hannah e Brenda —
minha prima. Juliet já chegou e apenas observa.
— Vem! — Alice chama, sentando-se. Me sinto nervoso quando meus
olhos topam com os de Mateo.
Todos estamos juntos para o bem ou para o mal e esse jogo pode acabar
sendo divertido ou bem doloroso.
As primeiras rodadas são interessantes e rimos um pouco. Christina não
parece tentada a acabar com a brincadeira, ela está fingindo gostar da festa,
de Alice e de mim. Ela está usando da situação, atuando. E Chris Vender
sempre atuou bem.
— Alice, sua vez — Hannah diz. — Verdade ou desafio?
— Desafio — Alice responde com ênfase.
— Ah, então — ela esperava por verdade —, beije o Nicholas.
— Esse é o desafio mais fácil — Jack brinca.
Em menos de segundos as suas mãos estão em minha camiseta, ela se
ajoelha sobre o tapete branco, se inclina e me beija. Alice sorri contra meus
lábios e posso jurar que demoramos muito mais do que parece. Sinto seus
dedos suaves em minha mandíbula, descendo por meu pescoço.
Estamos na frente de todo mundo — lembro, para controlar o meu pau.
— Já chega, casal — Andressa pede e me afasto, agradecido por não ter
uma ereção aparente agora.
— Sua vez! — Alice aponta para mim. — Verdade ou desafio?
— Desafio.
— Tira a camiseta.
— Você quer que eu tire a camiseta?
Era pra ser um jogo divertido, mas verdade ou desafio nunca fica apenas
na diversão.
Depois do primeiro beijo, tudo desanda.
— Todo mundo quer que você tire a camiseta — é a ruiva quem
sussurra e algumas das meninas concordam.
— Bom, com todo mundo ela quer dizer as meninas, porque eu,
sinceramente, não quero te ver sem camiseta — diz Jack, fazendo Thomas
dar risada.
Assim que agarro na beira do tecido e o retiro, os olhos de todas
encontram meu abdome e me sinto um tanto desconfortável, faz certo tempo
que isso não acontece. Mas quando Andressa pisca algumas vezes, desviando
o olhar, tenho de admitir, é divertido.
— De nada — Alice sussurra para elas.

Talvez todos estejam bêbados demais quando a vez volta para Alice. E
talvez todos fiquem nervosos demais ao notarem que Christina deve fazer a
pergunta. As risadas param no mesmo momento e esperamos.
— Verdade ou desafio? — Chris questiona num tom ameaçador. Eu sei
que não pode ser tão ruim, ela nunca desafiaria Alice a fazer algo com Mateo,
porque queimaria de ciúmes.
Ela não chegaria a esse ponto. Nunca.
Mas Mateo Price não parece acreditar nisso, há um sorriso de canto
estranho em sua face. Ele quer que ela o mande fazer algo.
— Desafio — Alice diz sem hesitar.
Muitos selinhos foram dados, Andressa me beijou, Jack me beijou,
Hannah beijou a Madison. Tudo sem malícia, sem desejos ocultos. Apenas
um jogo. Ninguém foi forçado a nada, nem a provar coisa alguma, mas para
Chris Vender se tornou uma chance. Uma vingança.
Jack me fita, percebendo meu nervosismo.
— Sete minutos no céu — ela revela. — Com o Thomas.
Suspiro no mesmo instante. É ruim, mas não tão ruim.
— Chris... — Maddy tenta e é interrompida.
— Naquele armário. — Aponta para duas portas brancas onde capas de
chuva e casacos são guardados. — Aceita?
— Isso é bem desnecessário — ouço Madison sussurrar.
Nós dois sabemos o que Chris está tentando fazer. Maddy e eu
namorávamos e agora, Vender quer desfazer os casais, quer destruir nós dois
com um desafio idiota. Mas eu conheço bem o Tommy e a Alice, sei que
também entendem esse joguinho.
O silêncio toma conta por instantes.
— Ali? — Wonders aponta e Vender assente. — Está bem.
— Parece divertido — Tommy concorda. Eu e Madison rimos baixinho,
ninguém caiu no truque da menina e ela sabe.
Ela está vendo.
— Enquanto isso, o jogo continua — Chris diz assim que Alice fecha a
porta.
Tenho de confessar, uma pontada irritante cresce em meu peito,
contudo, sei que é apenas raiva das atitudes de Christina Vender, dos jogos
dela. Eu odeio esse tipo de coisa.
E cinco minutos se passam lentamente enquanto outras perguntas são
feitas, verdades são reveladas e beijos são dados. Juliet parece bem no meio
de tudo, apesar de ser nova e não entender a malícia por trás de algumas
frases prontas.
— Vou pegar uma cerveja. — Agarro minha camiseta e saio, indo à
cozinha, sabendo que Alice e Tommy ainda estão naquele armário, sabendo
que Vender me olha cheia esperança.
Ela quer que eu me irrite, ela quer me atingir.

Quando entro na cozinha, a primeira pessoa que encontro é Jayden,


procurando por uma cerveja gelada na grande geladeira.
— Você veio! — exclamo e me aproximo. Ele me encara, sorri e rola os
olhos.
— Tenho que reconhecer, Alice é teimosa.
— Mas costuma estar certa sobre algumas coisas. Que bom que
apareceu. — Me enfio na frente do garoto e pego outra garrafa. — Estamos
jogando verdade ou desafio.
— E onde está Alice e toda aquela persuasão que ela carrega? — Jayden
brinca, fingindo seriedade.
— Ah, é verdade. Está no céu. Sete minutos no céu com Thomas
Jackson.
Percebo-o ficar boquiaberto. Ele ri, balança a cabeça enquanto abro a
minha garrafa, e se apoia no balcão.
— Isso não te incomoda?
— Me incomodaria se ela já não tivesse ido ao céu com ele,
provavelmente por bem mais que sete minutos — conto. — Pra ser sincero,
confio neles.
— Fiquei sabendo sobre ele e a Madison. A Christina acha isso um
absurdo tão repugnante que ela não consegue acreditar ser verdade.
— A Christina ainda vive no teatrinho do ensino médio. Você sabe, sem
ofensas.
Ele suspira. Jayden sabe mais que todos como Chris não é boa em
desapegar. Ela poderia crescer e deixar coisas infantis e aparências para trás,
ela poderia ir contra o pai se realmente quisesse. Mas o teatro já conhecido é
mais fácil, porque não é necessário arriscar.
— Sabe que gosto dela — Jayden lembra. — Gosto muito, mas, às
vezes, me pergunto se vale a pena.
— Se ela vale a pena? — Me encosto ao seu lado.
— Se nós valemos. A Christina já deixou claro que não vai se separar do
Mateo. Ela não vai, eu sei, a conheço. É tão teimosa quanto Alice e isso está
começando a nos machucar.
— Tome uma decisão pelos dois.
— Sim. — Então, dá um breve gole. — Eu a quero e não posso viver
como o amante pra sempre. Não podemos fazer isso, mas Mateo não é bom.
Ele nem ao menos parece bom.
— Ele é um babaca que só vai a machucar, mas todos tentaram avisar,
Jayden. Ela não quer saber.
Ele assente e bebe mais um pouco.
É verdade, todo mundo conhece os lados dos Price, principalmente de
Mateo. Ele é igual ao pai, indesejável e indelicado. O único motivo de haver
um relacionamento entre a garota e ele, é o dinheiro.
De qualquer forma, não vale a pena.

Alguns dos que jogavam devem ter desistido durante o tempo que passei
na cozinha. Verdade ou desafio é um jogo divertido, porém rápido. Ninguém
tem tantas ideias e nem todos querem se beijar.
Fica repetitivo — e é isso que Hannah me diz ao arrancar a cerveja da
minha mão quando volto ao que sobrou do círculo, me ajeitando no sofá,
acompanhado de Jayden.
— Você veio! — Alice exclama apontando para ele e se senta no braço
do sofá, ao meu lado. Abraço sua cintura, a apoiando, e rio de sua reação. —
Eu sabia que viria.
— Você é teimosa e persistente — Jayden diz e brinda sozinho. — Mas
estava certa.
Posso ver, no outro canto da sala, que Chris nos olha com fúria e
curiosidade. Ela não o convidou, certamente acreditava que o garoto fosse
ficar longe o suficiente da festa, mas todas as residentes podem chamar
pessoas. E Wonders é uma delas.
Por isso, Jayden está com a gente, conversando com Alice e despertando
ainda mais a raiva da Vender.
— Bom, até agora está divertido — Maddy opina e se aperta ao lado de
Tommy, na poltrona à nossa frente.
As luzes neon ficam apenas na sala de entrada, onde há música e
bêbados, além dos corredores e andar de cima. Na sala do piano decidiram
manter o tom normal, onde agora conversamos esquecendo completamente
do tema da festa. Todos estão animados, parece que a semana, apesar de
agitada, foi boa.
— Sabe o que eu vi? — Jayden interrompe algumas risadas. — Um
aparelho de karaokê na sala. Era pra ser parte da festa?
— Ah, era sim, mas as pessoas precisam ficar bêbadas pra começarem a
cantar — Wonders explica, gerando alguns risos.
— Ah, que pena. Eu ia me arriscar, mas estou sóbrio demais pra fazer
esse tipo de coisa.
— Na verdade — sinto meus dedos apertarem o quadril de Alice que
desce o olhar, me encontrando —, você está me devendo.
— Devendo? — questiona.
— Sim. Me disse que sabe cantar, mas nunca cantou. Eu queria ouvir...
— Ah, você tem que fazer isso! — Thomas se envolve e Maddy
concorda.
— Não, de jeito nenhum. Não vou cantar na frente de todo mundo!
— Mas você disse que sabe cantar — provoco. — Ou não sabe?
— Eu sei! — Seus olhos me incendeiam. — Mas quando eu fazia essas
coisas, costumava estar bêbada. E não estou bebendo, portanto, sem cantoria.
— Não, não, não. Você tem que cantar comigo! — Jayden ordena e se
levanta num pulo. — Será divertido, podemos fazer uma competição.
Ele disse as palavras certas, ela gosta de ser desafiada.
— Eu vou ganhar — Alice fala com mais certeza do que deveria. —
Vamos fazer assim, se eu cantar bem, você me ensina a andar de moto. —
Seu indicador aponta para mim e nego brevemente, fechando os olhos, mas
rindo. — Ah, sim!
— É uma boa! — Jayden diz. — Vamos, eu deixo o Nick escolher a
música. Um dueto!
— Eu quero ver isso — Jack continua.
— Não, eu não concordei com os termos. — Todos já estão de pé, mas
insisto. Não sei se consigo deixar Alice subir numa moto quando ainda me
lembro de Elle.
— Você não precisa concordar — Wonders sussurra. A olho com certo
desânimo e fico feliz por ter uma conexão com a garota, que me entende no
mesmo momento. Não posso arriscar. — Sem termos então. Vou cantar sem
termos.
Abro um sorriso, satisfeito. Não gosto de condições como essa, a qual
não conseguiria tornar verdade. Pelo menos não agora.

Jayden sobe no pequeno palco e estica a mão para ajudar Wonders que,
com um impulso, se coloca ao lado dele. Me deixaram escolher a música e
enquanto preparam o microfone, meu olhar se encontra com o da garota.
— Não acredito que vou fazer isso — sussurra, me fazendo rir. Me
apoio numa das paredes, esperando. A tela pequena ao lado dos dois é ligada,
onde a letra já aparece. Noto-a respirar fundo, o nervosismo em seus olhos é
nítido. Alice disse que não queria cantar na frente de todos, parece que a
minha princesa é realmente tímida.
Bom, nem tão tímida.
Quando a batida de Rock And Roll All Nite do Kiss, toma conta, percebo
que ela conhece bem a letra. Espero ansiosamente para ouvir a sua voz, dou
um gole na cerveja e Jack se encosta ao meu lado. Um risinho surge na face
de Alice e ela começa.
Puta que pariu — penso.
A voz da menina é perfeita, forte e impactante o suficiente. Se eu tivesse
a conhecido assim, enquanto canta, com certeza teria me apaixonado de
primeira. Me sinto hipnotizado.
Quando o refrão chega, Jayden continua. Ele sempre cantou bem, mas
não tão bem quanto Alice.
— Ela canta bem pra caralho — Jack solta, rindo e animado.
— Notei — digo, gaguejando. Tenho de confessar que estou um tanto
surpreso.
Não consigo parar de admirá-la, Wonders é incrível e não faz ideia
disso. A sua voz ecoa pela sala e apesar de muitos estarem assistindo,
cantando junto ou apenas chocados, me sinto preso a seus olhos azuis —
aqueles que agora encaram Jayden —, e eu só consigo pensar numa coisa:
porra, eu amo essa garota.

Abro um sorriso quando ela caminha na minha direção, mas Alice


morde o lábio inferior, como se um pensamento muito proibido estivesse
passando por sua mente. Como se ela planejasse algo.
E eu gosto disso.
— Cantou bem! — Jack diz e sorri para ela. — Melhor do que eu
esperava.
— Cala a boca — falo, o encarando. Alice gruda os dedos em minha
camiseta e cola o seu corpo ao meu. A abraço gentilmente, sabendo que, na
verdade, queria fazer outra coisa. Queria a colocar contra a parede e beijar
cada partezinha de seu corpo. Vê-la no palco despertou instintos que eu nem
imaginava ter.
— Obrigada. Eu achei que fosse ser um desastre.
Jack inclina a cabeça para o lado, como se estivesse a analisando.
— Ah, não foi, com certeza não — conto, sentindo sua pele contra a
minha.
— Não foi mesmo, mas não acho que a Chris pensa o mesmo. — Jack
aponta com a cabeça e todos encontramos Vender parada num canto da sala,
com os braços cruzados e o nariz empinado. Mateo não está presente, então,
ela pode demonstrar seu ciúme.
Jayden, entretanto, não parece preocupado. Ele ri enquanto conversa
com o mais novo casal, Madison e Thomas.
Os olhos de Chris nos queimam, o que me faz rir baixinho.
— Ela vai me matar — Alice sussurra e se vira para mim.
— Ela vai tentar — meu amigo diz e sai, indo de encontro com Hannah.
— Ela vai mesmo, é melhor dormir com uma faca sob o travesseiro —
brinco. Wonders me dá um tapa no ombro ainda machucado. Rio da sua
reação, eu adoro quando ela fica irritada.
— Tenho uma ideia melhor — confessa. — Você.
— Eu? Não sei se vou caber sob o seu travesseiro.
Os olhos azuis rolam.
— Não pensei nesse lugar. Duvido que ela vá tentar me matar com você
ao meu lado.
— Achei que não precisasse de proteção.
— Não preciso, Nicholas. — A sua respiração quente me aquece, sua
voz sai leve e sensual. — Não é bem disso que preciso.
— Espero poder te dar o que precisa, então. — E nossos lábios se
encontram com voracidade. Quando me dou conta, estou mordendo a pele de
seu pescoço, fazendo-a rir baixinho em meu ouvido, apesar de todos ao nosso
redor.

Quem se importa com alguns vasos quebrados? A empurro contra a


parede do corredor silencioso e Alice faz o mesmo comigo. Estamos quentes,
porque o nosso desejo é grande demais para ser descrito.
Alice me pressiona contra um armário pequeno, suas unhas cravam em
minha pele por cima da camiseta que visto. Aperto sua cintura, deixando
marcas em seu corpo.
Não estamos calmos, mas sim ofegantes.
Ouço algo cair no chão quando ela me empurra mais uma vez contra o
armário.
— Eu vou fazer o que eu quiser — solta, tomada por sofreguidão —
com você.
— Pode fazer o que quiser.
Arfo até que outro beijo interminável nos consome.
Eu não consigo, não posso me controlar. A minha excitação é óbvia,
quando colo meu corpo ao seu, quando a faço gemer baixinho com beijos
estratégicos em seu pescoço, quando mordo sua orelha, sinto sua coxa em
minha ereção visível.
E Alice ri ao notá-la.
— Sério? — Ouvimos e nos separamos sem vontade alguma. Nossas
cabeças viram para o mesmo lado e encontramos Christina parada, nos
olhando. — Você contou pra ela?
— É claro que alguém ia nos interromper — reclama baixo.
— Você contou pra ela, por isso o Jayden apareceu!
— Chris, do que está falando? — Dou um passo à frente, confuso, solto
Alice e encontro Vender quando essa se apressa em nossa direção. Sei que a
discussão é entre nós.
— Você é idiota? Contou sobre a minha vida, as minhas coisas.
— Como se ninguém mais soubesse, como se fosse um segredo — digo,
apesar do estresse e da ereção irritantemente forte.
Eu preciso de Alice e Christina Vender está me atrapalhando.
— Vai à merda, Thompson! — A mão fria encosta em meu peitoral com
pouca força, pronta para me afastar, me empurrar. Wonders se move atrás de
mim, porém estou preso aos olhos da Vender. — Essa menina é um
problema, você não nota?
— Quem está criando o problema é você, Chris.
— Eu, sério? Vai defender a sua namoradinha? Sabia que ela esconde
coisas? Sabia que o ex-namorado dela está na cidade? Devia se perguntar o
porquê dele a odiar tanto. — Enquanto a menina continua, Juliet aparece no
fim do corredor e nos observa. — Ela não deve ser tão perfeita quanto acha!
— Olha aqui — Alice avança, se colocando à minha frente —, acho
melhor você cuidar da sua vida.
— Eu estou cuidando da minha vida, quem deveria fazer isso é você,
Wonders. Você convidou o Jayden? Isso é um jogo, não? Está jogando
comigo?
— Vai se foder, Christina. Acha mesmo que o mundo gira ao seu redor?
— Alice... — Tento a interromper, mas sou ignorado. Juliet se aproxima
aos poucos, curiosa.
— Eu ouvi coisas sobre você. Então, Wonders é uma alcoólatra? Seus
problemas com bebidas dão uma história e tanto, não? O que mais seu ex-
namorado sabe, em? O que ele…
Basta eu piscar e ouço o barulho. Alice dá um tapa no rosto da Chris, ela
a atinge com força, deixando uma marca avermelhada na face da menina.
— Vai à merda! — Wonders grita e se distancia.
— Já chega — digo sem necessidade e empurro Alice para trás de mim.
— É melhor você ir embora, Christina. — A loura cobre o rosto, que
provavelmente arde. Ela me olha com certa vergonha, mas quando encara
Wonders, seus olhos queimam de raiva.
— Vai pagar por isso.
— Que bom. Pode ser numa outra hora?
Chris fecha a cara, ela não consegue mais afetar a menina. Ouvimos os
sons dos saltos da Vender ecoarem enquanto ela some pelo corredor.
— Está tudo bem? — Juliet finalmente se intromete. — Meu Deus.
— Tudo ótimo — Alice diz, respira fundo e me fita. Estou perplexo, a
encarando com admiração e choque.
Talvez esses sentimentos combinem.
— Certo — Juliet sussurra.
— Preciso terminar uma coisa, pode nos dar licença?
Alice não sabe esconder a sua fúria misturada a malícia. A novata
percebe rápido que há algo acontecendo, então concorda e se retira, ainda
confusa.
Assim que ficamos sozinhos, Alice gruda em minha camiseta e me puxa
para perto.
— Achei que...
— Errado — fala, sem saber o que eu ia dizer. Nossos lábios se chocam
e Alice me beija com furor.
Ela está furiosa.
E eu gosto muito disso.

Com um empurrão ela me joga sobre a cama. A porta trancada e a


música alta, que ecoa pela casa, acordam a minha imaginação. Eu poderia
fazer tantas coisas com essa garota.
Wonders se coloca sobre mim e suas mãos deslizam por meu peitoral,
fito seus olhos, sua lascívia explícita neles. Ela retira minha camiseta com
calma, depois, sorri maliciosamente.
— O que vai fazer comigo então... — Sou surpreendido por um beijo
ardente.
— Eu não queria bater na Chris — confessa contra meus lábios. Assinto,
ofegante. — Ela me provocou.
— Eu sei — digo e grudo em seu top, mas Alice me empurra de novo,
me impedindo de tocá-la. — Tenho que dizer, gostei do que vi.
— É? — Ela arfa, apoia as mãos em meu abdome e rebola lentamente
em meu colo, me segurando contra a cama. Já estou duro, mas Wonders quer
me levar ao limite, ela quer me destruir.
— Quer dizer que te deixei excitado?
— É — respondo com pouco ar. A minha respiração falha.
— Bom saber. Eu posso fazer o que quiser com você.
Uma música um tanto perfeita começa a tocar. Wonders rebola no ritmo
dela, seu quadril se move com dedicação. Seguro em sua cintura, desço
minhas mãos por sua bunda, apertando-a. Meus olhos se prendem nos
movimentos que faz.
— Espero que não tenha uma faca sob o travesseiro — brinco. Ela ri, se
inclina e me beija.
— Tenho algo pior.
Alice sai de cima de mim, me deixando ansioso. Apoio-me nos
cotovelos, fitando-a. Wonders dança para mim, cada movimento faz meu
corpo queimar. Alice rebola e tira a saia, ficando de top e calcinha. Mordo o
lábio, não posso aguentar. Ela continua, todo seu quadril se mexe, sua cintura
bem desenhada me deixa atento.
Seus dedos grudam na beira do top e o tiram com lentidão. Porra, ela é
deliciosa. Seus seios são perfeitos e todo seu corpo me parece com o paraíso.
O paraíso mais perverso.
— Nenhum pecado se compara a você, Alice Wonders.
Recebo um sorriso de canto como resposta. Ela se aproxima, abaixa e
abre a minha calça, nossos olhos se encontram e a garota não tira a atenção
das minhas íris. Alice puxa a minha cueca junto, tudo com certa calma.
Ela se coloca de pé, pega na beira da calcinha e a desce pelas pernas,
deixando-a cair no chão. A garota não precisa de ajuda, da gaveta da mesa de
cabeceira ela tira uma camisinha e a veste em mim, me causando arrepios.
— Dessa vez, eu vou te foder. — Wonders sobe em meu colo e se
encaixa perfeitamente, colocando-me dentro dela, apoiando suas mãos em
meu peitoral. — E quero te ver gemendo pra mim, Thompson.
Ela é apertada, quente, e está muito molhada.
— Você é safada pra caralho. — Fecho os olhos, tomado pelo prazer de
estar dentro dela. Wonders começa a se mover lentamente.
Suas mãos mantêm meu corpo grudado ao colchão enquanto meu pau
anseia por mais. Alice sabe como me fazer perder a cabeça. Noto por seus
gemidos que está satisfeita com a sensação que tem.
Não quero ficar apenas a assistindo, quero tocá-la, quero fazer suas
pernas tremerem.
Agarro em sua cintura e a puxo para perto, Alice ri de surpresa quando
seu corpo se deita sobre o meu, entretanto, um gritinho lhe escapa quando a
jogo no colchão e me coloco por cima. Saio de seu corpo assim que mudamos
de posição e desço por ele, beijando-o.
Alice está morna, sua pele macia me faz querer mais e mais. Meu pau
lateja, implorando para entrar na menina novamente, porém me contenho.
Entre as suas pernas vejo sua excitação, sua boceta rosada me chama e não
posso me segurar. Meus lábios a tocam com delicadeza e faço questão de
encontrar seus olhos enquanto a chupo com calma. Não dou atenção ao seu
clítoris, quero que peça por isso.
Eu aproveito de seu sabor e sentir seu corpo se contorcendo me deixa
satisfeito. Minha língua passeia por seus grandes lábios, meus dentes os
mordem com fraqueza. Seu gosto enche a minha boca. Toco em sua parte
mais sensível e os dedos de Alice agarram em meus cabelos, implorando por
mais.
— Nicholas, não para, por favor.
Seus olhos se fecham com força e a menina inclina a cabeça para trás.
Me dedico aos movimentos circulares, mantenho o ritmo ouvindo sua
respiração pesada.
— É bem ai — murmura — não para.
Meu pau implora, mas respondo a chupando ainda mais. Suas pernas
começam a tremer quando Alice tem um orgasmo e, se depender de mim,
esse será apenas o primeiro da noite. Assopro seu clítoris e ouço sua
risadinha sutil, subo por seu corpo e quando nossos lábios se encontram, ela
respira fundo, me roubando o ar.
— Por trás — pede. Sorrio de canto, um tanto confuso. — Me fode por
trás.
Sua ideia é tentadora, apesar de eu amar olhar em seus olhos.
— Você gosta disso?
— É a minha posição favorita — conta num suspiro. Alice lambe meus
lábios, fazendo meu coração acelerar. — Me fode com força e por trás. Eu
quero gozar de novo.
Ela me empurra com vontade e se vira de costas para mim, ajoelhada
sobre a cama e apoiando as mãos na cabeceira.
— Eu vou meter em você, até não aguentar mais.
Agarro em sua cintura e num impulso me enfio nela por trás, sua boceta
me aquece. Alice rola os olhos e inclina a cabeça, encostando-a em meu
ombro e me deixando ver todo o prazer que sente quando começo a me
mover com força. Ela sorri com maldade, me olha nos olhos e faz questão de
me provocar. Me apoio na mesma cabeceira e, com a outra mão, toco em seu
clítoris já sensível.
Wonders geme cada vez mais alto, seus sons me dominam, me mostram
quando continuar ou parar e agora eu sei que ela me quer, muito.
Sua mão acompanha a minha e faz com que minhas caricias em seu
clítoris não pare. Estou gemendo em seu ouvido, me sentindo cada vez mais
fundo em seu corpo. Ela começa a arfar com mais intensidade.
Alice vai gozar, posso sentir lá embaixo.
— Eu vou… — ela anuncia sem fôlego e se entrega a sensação quando
dou uma última estocada. Gozamos juntos e nos sentimos tremer, nossos
corpos estão cansados.
Wonders mexe o quadril em movimentos circulares antes que eu retire
meu pau dela.
— Duas vezes — sussurro em seu ouvido e ela ri.
Me mover com força dentro dela é delicioso, mas vê-la sorrindo e
satisfeita é melhor ainda.

Quando estamos sozinhos, sinto que podemos ser tudo. Um caos, uma
tempestade ou a perfeição. Podemos e somos. E quando estamos em salas
grandes, lotadas e em meio à luzes neon, eu sinto.
Sinto que Alice Wonders é o meu paraíso particular, meu caos
necessário.
Ela é tudo que quero e escolhi querer.
Então, enquanto dançamos — com seu corpo colado ao meu —,
enquanto rimos entre pessoas que agora se tornaram nossos amigos mais
próximos, nos divertimos e deixamos o calor tomar conta, nada passa por
nossas mentes.
Ah, e está quente, muito quente em pleno outono.
E mesmo assim, enquanto a noite se desenrola, regras são quebradas e
segredos são escondidos, enquanto vinganças são planejadas e mentiras
mantidas, algo muito ruim pode estar acontecendo.
Ou melhor, algo muito ruim acontece.
Enquanto sorrimos, uma parte do nosso mundo desmorona e nem
fazemos ideia disso.
Ainda.
37.1

PURA MALDADE
"Mentiras são difíceis de disfarçar,
deixe-me lutar sem ficar maluco com isso.
Largue seus péssimos julgamentos.
Quem disse que eles fazem parte de nossas vidas?
Você é dono do dinheiro.
Você controla a testemunha."
Duran Duran | Notorious

NICHOLAS THOMPSON

O frio consome meu corpo enquanto caminho pelos corredores do


hospital, procurando por Damon. Eu sei que muitos acham que ela merece,
muitos estão rindo agora, mas meu coração acelerado não me deixa pensar
como um filho da puta frio pensaria.
Não sei fazer isso. Não consigo fingir não me importar, mesmo sabendo
que ela odeia todas as minhas escolhas. Meus ouvidos não funcionam, nem a
minha boca. Na verdade, nada está funcionando direito, me sinto um tanto em
choque.
— Em qual quarto? — Ouço Alice perguntar para uma enfermeira
enquanto me encosto numa parede, pronto para começar a hiperventilar. A
menina consegue a informação, então, anda até mim. — Vem, eu sei onde a
Polly está.

Quando a festa estava em seu momento mais agitado, com todos


bêbados — eu inclusive — e rindo, Quinn apareceu pela porta da frente da
fraternidade. Isso não chamou muita atenção, ela é nova e parecia mais uma
convidada.
A garota adentrou a casa com uma certa palidez no rosto, me procurou e
me encontrou ao lado de Alice na cozinha. Eu bebia e ela conversava com
Hannah e Jack, que nos acompanhavam.
Quinn me olhou sem saber o que dizer e eu a encarei, confuso.
— Veio pra festa? — Alice perguntou por mim.
— Não, não. — A menina balançou a cabeça, gaguejando. — Preciso
que venha comigo, Nick.
No mesmo momento eu sabia que havia algo de errado. Na mansão
Thompson, quando algum desastre ocorre ninguém conta na frente dos
outros. Eles soltam um venha comigo, porque querem evitar fofocas.
Mas eu não estava na mansão Thompson, por isso, Quinn ficou
esperando por uma atitude que não tomei.
— O que aconteceu? — Tentei e ela balançou a cabeça. Eu temia que
fosse algo com Grace, mas não era, eu sentia que não era. Não poderia ser.
— Vem — a garota pediu novamente.
— Me conta agora.
Quinn passou os olhos por Hannah e Jack, ignorando Alice, já que a
considera íntima o suficiente. O casal parecia tão curioso quanto o resto de
nós.
— Não vamos espalhar fofocas — Hannah avisou e bebeu mais um
pouco. Claro que era mentira, os dois estavam bêbados e assim não poderiam
cumprir uma promessa.
O problema era que eu também estava bêbado, sem poder medir o peso
dos acontecimentos. A única sóbria era Alice Wonders, lutando contra o vício
e, até então, vencendo.
— Eu vou falar com você — Wonders disse e saiu, antes que eu pudesse
a segurar. — Vem.
Ela grudou no braço de Quinn e a puxou para um lugar mais calmo da
cozinha. Eu as observei o tempo todo e a expressão de surpresa nos olhos da
Alice me foi impactante.
Algo havia acontecido.

Ela me ajuda a sentar numa cadeira, todo o álcool consumido me ataca.


A confusão em minha mente é a mistura de surpresa e bebidas.
— Você está bem? — Damon pergunta, me analisando com os braços
cruzados, enquanto Grace dorme no pequeno sofá da sala de espera.
Não respondo, não consigo. Algo estranho cresce em meu peito, eu sei
que não devia sentir alívio, mas sinto. Pelo menos não aconteceu nada com a
minha irmã. Pelo menos foi com ela. E sei que tal pensamento é errado, mas
meu cérebro alcoolizado não me ajuda a raciocinar decentemente.
— Nick, está tudo bem? — Alice sussurra, se abaixando à minha frente.
Nossos olhos se encontram e eu assinto, mentindo. — Você bebeu muito, tem
certeza?
Assinto mais uma vez.
— Vai ficar tudo bem — Damon diz, não sei se está se referindo a mim
ou a Polly. — Os médicos disseram...
— Certo, Damon, pode pegar água pra gente? — Alice o corta sem
doçura dessa vez. Eu sei o que está fazendo, está me poupando. Meu pai
também entende, ele sai com calma e nos deixa sozinhos.
— Meu estômago está revirando — murmuro, como se nunca tivesse
bebido. Alice encontra meu olhar novamente e sorri de canto.
— Você tem que colocar isso pra fora ou não vai raciocinar direito —
ela explica. Assinto, agora, por entender que é verdade. — Não posso
prometer que tudo vai ficar bem, não igual seu pai faz.
— Não prometa — peço. Eu sei como promessas podem ser quebradas
com rapidez. Alice pega em minha mão e eu aperto seus dedos. Estou
enjoado e confuso.

Quando Wonders voltou ao balcão da cozinha, seu sorriso havia sumido.


Quinn ficou no canto onde Alice a deixara e apenas nos observou.
— O que foi? — perguntei, mas a menina grudou em meu braço, me
puxando. E eu a obedeci, como nunca havia obedecido alguém antes.
Alice me levou até a porta dos fundos e então, sorriu sutilmente.
— A sua avó está no hospital.
O impacto foi grande, mas o alivio também. Não era algo com Grace.
— O que aconteceu?
— Ela estava com enxaquecas, se lembra? Acontece que a labirintite
dela atacou, Nick. A Polly caiu da escadaria.
A escadaria interna da mansão Thompson, linda, grande e
completamente perigosa para crianças e bêbados.
— Ela rolou escada abaixo e desmaiou, seu pai a encontrou quando
voltou pra casa. Precisa ir ao hospital.
Eu concordei no mesmo momento, sem saber o que fazer. Estava
travado, havia bebido e meu cérebro não me ajudava.
— Quer que eu vá com você? — Alice questionou. Balancei a cabeça
num sim.
Saímos pela porta dos fundos com Quinn nos seguindo, entramos em
seu carro e ela nos deixou no hospital.

Damon entrega a garrafa de água para Alice, ainda ajoelhada à minha


frente. Tento controlar a minha respiração, nunca tive crises de ansiedade,
não sei como agir em relação a isso. O meu histórico com dificuldade de
controle de raiva é grande, mas a ansiedade nunca me consumiu.
É algo novo e terrível, mas momentâneo.
— Tome — Alice diz, depois de tirar a tampa. Minhas mãos não
tremem, só estão extremamente frias. — É melhor beber um pouco.
Dou um gole e sinto meu estômago revirar, sinto minha mente quase
acordar.
— Beba mais um pouco.
Eu o faço. Eu o faço tão rápido que o enjoo me consome. Assim que
devolvo a garrafa para a menina, ela a tampa, coloca numa das cadeiras e me
analisa.
— O que vai fazer? — Damon pergunta enquanto fecho os olhos. A
tontura voltou.
— Eu quero que ele vomite. Todos beberam demais hoje.
— E você? — Ouço-o questionar.
— Eu não estou bebendo. — O som da sua voz é suave. — Tenho
alguns problemas com bebidas, estou tentando parar.
Damon não responde, acho que ele assente, mas não tenho coragem
suficiente para abrir os olhos.
— Nick, vem comigo.
Eu gemo como resposta, um gemido curto e nada simpático.
— Acho melhor eu não me levantar, Lissie. — Uso o apelido que Jack a
deu. Sei que tudo está girando, que estou fora de mim e que posso fazer um
grande estrago.
— Vem comigo, agora! — É uma ordem e antes que eu possa dizer não,
seus braços grudam em meu corpo e ela faz um esforço enorme para me
colocar de pé. Eu dou risada. Sou pesado, Wonders nunca conseguiria me
levantar. — Nicholas, por favor — ela implora, ainda fazendo força.
Abro os olhos e continuo rindo, por isso, uma careta surge no rosto da
menina.
— Agora entendo porquê todos odeiam bêbados — sussurra. Estou
cansado demais para discutir, cansado demais para qualquer coisa. Me
levanto e me apoio em seu corpo. — Está bem?
— Acho que vou vomitar à qualquer momento, mas sim, bem.
Wonders rola os olhos e me arrasta pelos corredores do hospital,
pacientemente. Depois de certo tempo, chegamos à um banheiro e ela não
hesita em entrar comigo.
— Tem que ficar lá fora — sussurro.
— Thompson, cala a boca. — Um risinho me escapa ao ouvir sua frase.
Alice me enfia numa das cabines, tranca a porta e, no mesmo momento,
eu escorrego para o chão.
— Está tonto? — Fecho os olhos, ouvindo sua voz. — Nick, quer
vomitar?
Assinto brevemente.
— Sai daqui — peço.
— De jeito nenhum.
— Alice Wonders — a encaro, erguendo a cabeça —, sai daqui.
Talvez fique óbvio em meus olhos a seriedade do que estou falando.
Não a quero do meu lado, vendo-me regurgitar. Não a quero me dando apoio
em um momento assim. Eu não mereço e ela também não.
— Você me viu passar mal uma vez, na frente do Red Hell. Não vou
sair, é melhor fazer logo o que tem que fazer.
— Não é tão fácil assim — brinco e a menina faz um biquinho.
Quando começo a rir de novo, a tontura me ataca, me deixa perdido.
Meu estômago revira, o gosto amargo sobe para a minha boca e, antes que eu
consiga me controlar, coloco tudo para fora, apoiado na privada.
Não sei por quanto tempo fico inclinado, respirando fundo, esperando
até ter a certeza de que estou bem.
— Agora você vai lavar o rosto, beber água e vou te comprar um café
forte.
— Não precisa cuidar de mim — sussurro, sentindo suas mãos em meu
corpo. Eu a ajudo e me coloco de pé.
— Se você não calar a boca, vou te dar um soco na cara.
— Confio em você, sei que sabe bater forte.
Me lembro do tapa que ela deu em Christina, de como a face da menina
ficou vermelha, das marcas de dedos.
Alice me leva à pia e eu faço exatamente o que ela manda. Quando
voltamos ao corredor onde Damon nos espera, me sento na mesma cadeira
enquanto tomo um café nada bom. Já me sinto voltando ao normal.
— Melhor? — Wonders pergunta, sentada ao meu lado. Afirmo com um
murmúrio. Agora tudo parece mais fácil, minha cabeça não gira tanto.
— Você é boa nisso.
— Anos de experiência. — Alice me entrega um olhar afetuoso e
suspira baixo. — Está bem em relação a tudo isso?
Eles esperam que eu diga que sim, afinal, Polly não é a melhor pessoa
em Wiston Hill, mas continua sendo a minha avó. Com tudo de ruim e de
bom, ela é parte da minha família. Eu também me pergunto o que Polly
precisaria fazer para que eu a odiasse.
— Não posso mentir — sussurro para não acordar Damon, que pegou no
sono facilmente, nem Grace.
— Ela é a sua avó, sei que a ama.
Não respondo. Alice me entende, ela consegue compreender o
sentimento por trás da raiva, porque, apesar de todas as merdas que Katherine
fez, o sentimento é o mesmo. Ela ainda se preocupa com a mãe.
Depois de certo silêncio e espera, um médico entra na sala, sua
expressão demonstra preocupação e alívio ao mesmo tempo.
— Está tudo bem — ele diz assim que me levanto. Alice se ajeita e me
acompanha. — Polly ficará bem, mas a queda foi séria.
— O que aconteceu exatamente?
— Ela bateu a cabeça, entretanto, o que me preocupa mesmo é a
situação da coluna da sua avó.
Nesse mesmo momento, Damon acorda, ouvindo essa parte da conversa.
— O que quer dizer? — ele pergunta.
— Polly Thompson está com uma fratura séria na coluna — o olhar do
médico passa por todos nós —, acredito que possa ter perdido os movimentos
das pernas.
— O quê? — exclamo.
— Não é uma fratura incurável, ela pode fazer fisioterapia, mas tenho
certeza de que sua avó não conseguirá andar quando acordar.
O silêncio nos consome.
Polly Thompson não poderá mais andar.
37.2

PEQUENA E MENTIROSA
"Eles dizem que a vida é um carrossel
girando velozmente, você tem que saber domá-la.
O mundo está cheio de Reis e Rainhas
que cegam os seus olhos e roubam os seus sonhos.
É o Céu e o Inferno, oh pois é."
Black Sabbath | Heaven and Hell

ALICE WONDERS

Nicholas precisou sair um pouco, sei que ele ainda está enjoado e que
não quer pensar sobre o que aconteceu. Por mais que tudo em mim
grite não, acabei ficando dentro do quarto com Polly Thompson. Sozinha.
Eu peço para que ela não abra os olhos, para que espere até alguém
voltar, mas como sempre, não adianta. E a mulher começa a tentar dizer algo
enquanto acorda lentamente.
— Damon — sussurra. Polly até parece inofensiva deitada nessa cama
de hospital, sem saber o que lhe aconteceu.
— Ele saiu — respondo com insegurança. No mesmo momento a cabeça
dela se vira na minha direção e Polly abre os olhos com uma surpresa que me
deixa sem fôlego. — Como está se sentindo?
— O que você está fazendo aqui? — Não respondo. — Onde está meu
neto? O que você está fazendo aqui, garota?
Respiro fundo. Ela me odeia, isso não é uma novidade.
— O seu neto precisou tomar um ar e eu estou aqui, porque não quis te
deixar sozinha.
Polly ri baixinho.
— Claro que não quis, mas eu prefiro ficar sozinha.
— Tudo bem, então acho que posso sair — digo, me levanto da poltrona
e começo a andar até a porta.
— Espere. Já que estamos aqui, finalmente à sós, podemos conversar
sobre algumas coisas.
Ah não. Puta que pariu, ela é venenosa até no hospital. Polly me encara
como se eu fosse o jantar, pronta para me caçar, devorar e destruir. Paro ao
lado da sua cama, olhando em seus olhos.
— Você e meu neto...
— Não acho que seja da sua conta.
— Namoram? — Polly arqueia uma das sobrancelhas. Rio baixinho,
indignada, tendo de cobrir os lábios com as costas da mão.
— Não. Não exatamente — respondo com firmeza.
— Isso é bom. Vocês não deveriam fazer isso, não devem ficar juntos —
suspira. — Eu sei que você me entende, Wonders. Eu me preocupo com o
Nicholas, quero o melhor para ele, sempre.
— Jura? — pergunto com sarcasmo.
— Sim, eu juro. — Um sorriso forçado aparece em seu rosto. — A
última coisa que quero é que meu neto se envolva num relacionamento igual
ao dos pais. Pumpkin e Damon, dois jovens irresponsáveis.
— Me desculpe, Polly, mas duvido que queira o melhor para o seu neto.
— Eu sei que duvida. Eu te conheço, menina, sei que causa problemas,
sei sobre a sua família. Não sou burra. Meu neto não pode ficar com você,
espero que reflita sobre isso. Espero que entenda. Eu o amo, já você, Alice
Wonders, o que pode oferecer a Nick?
Pisco algumas vezes, sem saber o que responder. Ela duvida dos meus
sentimentos, Polly Thompson acha que estou usando Nicholas para me
divertir, que sou um problema ou que gosto de causar problemas.
— Eu não tenho a intenção de...
— Ninguém tem a intenção, não é? Mas sempre acontece. Vocês dois
não foram feitos para ficarem juntos, por mais que ache isso, por mais que
pareça isso. Nicholas já tinha tudo quando você surgiu.
— Sabe o que eu acho, Polly? — Ela me fita com curiosidade. — Que
está tão presa a essa amargura que nem se preocupou com seu próprio estado
quando acordou, não quis saber sobre o que aconteceu. Está tão afundada
nessas mentiras que se perdeu da realidade, e na realidade você está deitada
numa cama de hospital. Mas acho que prefere discutir a minha relação com
seu neto do que saber sobre a sua saúde. É patético e triste.
— Cala a boca, garota. — Seu tom muda no mesmo instante, me
fazendo sorrir. Eu gosto da sinceridade. — Você não faz ideia de quem eu
sou, te aceitei na minha Universidade por um motivo apenas, notas boas e o
nome Wonders. Mas saiba que não vou lidar com uma novata destruindo a
minha cidade e, muito menos, a minha família.
— O seu medo é perder a coroa. Todo esse controle, essa
superficialidade, você gosta...
— Não está em Nova Iorque, senhorita, saiba disso.
— Muita gente me falou a mesma coisa, mas percebi que a podridão
vive em qualquer lugar, não é, Polly? Ou podemos começar a falar de
Pumpkin Thompson?
Seus olhos encontram os meus e sua pele fica pálida. Nenhuma outra
palavra sai por entre seus lábios. Polly sabe do que estou falando, da teoria de
Thomas, da ideia de que algo a mais aconteceu com Pumpkin. Se sua própria
neta, Wine, acreditava nisso antes de fugir, quem sou eu para duvidar?
— É melhor não falar sobre o que não sabe.
— Melhor pra você ou pra mim? — Não posso evitar esticar os lábios
num sorriso ao perceber seu nervosismo. — É bom descansar, Polly, sua
queda foi feia.
A mulher se controla e vira a cabeça, encarando o teto. Eu não dou a
mínima, tento me importar por Nicholas, por dentro estou morrendo de
vontade de continuar a discussão.
Assim que o silêncio retorna, Thompson aparece. A porta se abre com
calma, o garoto entra, encontra os olhos da avó e depois os meus.
— Está tudo bem? — pergunta. O clima estranho é óbvio, mas não
contarei que discutimos e duvido que Polly o fará.
— Tudo ótimo — minto. — Sua avó acabou de acordar.
Ele anda até o lado da cama, examinando-a.
— Você está bem? Como se sente?
A senhora abre um sorriso que até parece doce, mas sei que é o mais
falso que já vi. Polly está queimando de raiva, sei que me detesta, que não me
queria no quarto, que preferia acordar sozinha, até porque, ela está sempre
sozinha.
— Eu me sinto bem, só um pouco de dor nas costas. O que aconteceu?
— Você precisa descansar, depois falamos disso. — Apesar de
preocupado, Nicholas não soa amigável, ele não segura a mão dela e nem
sorri toda hora. Eu sei que a ama, mas não consegue esquecer das atitudes de
sua avó.
Ele não consegue fingir.
— Eu acabei de descansar, Nicholas. Acabei de acordar. — A mulher se
mexe um pouco e, provavelmente por isso, nota algo de estranho. Ela tenta se
sentar e não consegue. — O que aconteceu? Me deram remédios?
Entendo a sua pergunta, ela quer saber o porquê de não conseguir mexer
as pernas.
— Deram alguns pra dor — Nick responde.
— E o que aconteceu? — Parece mesmo que ela se esqueceu, a
confusão fica visível em seus olhos.
— Você caiu, Polly. Caiu da escada.
A mulher franze o cenho, duvidando. Polly suspira e recomeça.
— Eu não consigo mexer as minhas pernas — diz.
Nesse momento eu reparo que preciso sair, preciso ficar fora do quarto.
Por mais que a deteste, não posso continuar ouvindo suas palavras agora. Não
posso ficar para ver o que vai acontecer quando descobrir sobre a fratura na
coluna. Não quero ouvir seu ódio, que se espalhará pelo ambiente.
Primeiro, Polly Thompson sentirá raiva, e depois, dor.
— Antes que vocês conversem, preciso ir — digo baixinho. Apenas
Nick me olha. — É melhor eu deixar vocês sozinhos.
Caminho até a porta, a abro e saio, esperando que ele não me siga.
Porém, Thompson o faz e agarra em meu braço com delicadeza.
— O que foi? — pergunta num tom de real preocupação.
— Nada. Está tudo bem, mas nós dois sabemos o quanto a sua avó não
gosta de mim. Prefiro ir embora.
— Não precisa. Sabe que não precisa.
— Na verdade, Nick, eu preciso sim. — Sorrio fracamente. — Mas vou
ficar bem, relaxa. Eu te vejo depois, é melhor passar um tempo com a sua
avó.
— Você parece estranha, estava assim quando entrei no quarto.
Aconteceu algo entre vocês?
— Não, nada disso — minto mais uma vez, me acostumando com a
ideia. Nada aconteceu. — Acho que preciso de tempo, você precisa de tempo
e ela precisa saber a verdade. Esse é o momento certo pra eu voltar à
fraternidade.
— Alice você...
— Te vejo amanhã. — Lhe entrego um beijo na bochecha.
Polly Thompson não aprova meu relacionamento com Nick, isso é
óbvio, mas até onde iria para conseguir o que quer?
O que faria?

Quando entro na fraternidade não consigo me animar de novo. A casa


ainda está lotada e a música ecoa pelos corredores mais escondidos. Me enfio
num dos banheiros, lavo o rosto e decido ir até meu quarto. Andressa, Jack e
Hannah estão na sala, conversando e rindo. Ainda bem que não me
perguntaram sobre o que aconteceu. Subo cada degrau com certo cansaço. Eu
não bebi uma gota sequer, não me deixei levar e fico feliz por isso, mas por
não estar bêbada, sinto sono. Não consigo ficar ligada a noite toda.
Sigo pelo corredor e quando chego perto do quarto de Chris e Maddy,
vejo a porta aberta e ouço outra discussão.
— Você o trouxe aqui! — Chris grita.
— Ele é meu namorado, Christina! Você precisa parar de agir assim.
— Assim? Sabe o que estão dizendo sobre você? As pessoas estão...
— Espalhando a verdade. — Maddy a interrompe. — Eu preciso de
tratamento, Chris, e não me importo se estão falando. Você tem que entender
que as coisas não funcionam como quer.
— Então, não se incomoda com as fofocas e comentários? Você era
perfeita...
— Ninguém é perfeito, Vender. Nós duas sabemos disso. E, pela
primeira vez, estou feliz, quer mesmo destruir esse momento? Eu tenho um
namorado que gosta de mim e amigos que me ajudam, por que não consegue
fazer parte disso?
Me pergunto em que momento Madison aprendeu a ser tão sincera
consigo mesma e em que momento Thomas a pediu em namoro.
— Eu sou sua amiga, a sua melhor amiga. Como pode dizer isso?
— Você não age como se fosse minha amiga, Christina! Faz de tudo pra
manter aparências ridículas, como se estivéssemos no ensino médio, com
garotos do time ao redor e pompons ridículos nas mãos. Não somos mais
líderes de torcida, não somos mais as garotas populares do colégio. Nada
disso. Precisa desapegar.
Chris fica quieta, o que me surpreende.
— Age como se ainda estivéssemos naquela fase, você com Jayden e eu
com Nick. Não é assim, sabe que não é. Se fosse, Mateo não estaria na
história. Christina, as coisas mudam, pelo amor de Deus, entenda isso ou vai
se destruir.
— Você vai se destruir, Maddy. Eu era sua melhor amiga, te ajudava em
tudo. Eu te fiz...
— Não diga isso. — A garota responde com calma. — Não diga que me
fez ser quem sou, porque eu não gosto dessa pessoa. Ela não é real. Eu passei
anos tentando ser a filha perfeita e a menina perfeita do colégio, com notas
boas e roupas bonitas, e tudo isso pra ficar ao seu lado, ser sua amiga. Essa
perfeição idiota não existe. Agora eu vejo, as meninas como Hannah, Alice,
Brenda, elas não são ridículas ou problemáticas igual você gosta de dizer.
— O quê? — Chris solta com ênfase.
— Elas são fodas pra caralho, porque não fingem ser uma mentira, elas
não têm medo. E quando têm, fazem algo sobre.
— A sua amiga Wonders não é tão perfeita assim, Maddy.
— Eu já disse que ninguém é perfeito. Essa é uma ideia que você criou
na sua cabeça.
De repente a discussão para, vejo uma sombra e Christina sai do quarto.
Ela me nota, segura a respiração, me mede e desaparece pelo corredor.
Entro no cômodo, onde Maddy arruma algumas roupas.
— Pegou pesado — digo. A loura sorri quando me vê. — Eu ouvi.
— Achei que tivesse saído com o Nick e eu não peguei pesado, falei a
verdade.
— A verdade dói.
Ela suspira.
— É, doeu em mim também. — Maddy se joga sobre a cama, cruza as
pernas e me encara. — Onde estava?
Não respondo, penso se devo contar ou se os Thompson preferem
manter segredo.
— Alice, onde estava? Parece desanimada. — Agora ela me analisa.
— Hospital. — Não consigo esconder. — A Polly passou mal, caiu da
escada. Ela está internada, mas acho que bem.
— Acha?
— Continua me odiando, então, acho que está bem.
Madison abre um sorriso fraco, curto e falso. Ela pode ver o quanto me
dói admitir isso. Polly me odeia e eu temo que essa circunstância acabe por
me afastar de Nick.
— Eu não entendo, ela nem te conhece direito.
— Ela não precisa, Madison. Polly não me quer com ele, porque não sou
a garota perfeita que deveria entrar para a família Thompson, assim como
Pumpkin não era.
— E eu era? — A loura se inclina, agarra em minha mão e me puxa para
que eu me sente ao seu lado. — A Polly também não me conhece direito,
tenho certeza de que quando a notícia sobre meus problemas se espalhar, ela
não vai me querer por perto.
— Pode ser — sussurro, Maddy faz um biquinho. — Acho que eu e
Nick precisamos dar um tempo.
— Ah, de jeito nenhum. Vocês demoraram muito pra chegarem aqui, à
isso, e ainda nem se assumiram.
— Você não entende, Maddy, ela vai usar da situação pra conseguir a
atenção do Nick. Preciso me afastar um pouco, eu não posso o deixar
escolher entre nós duas e esse será o jogo da Polly.
Maddy pensa e então, concorda.
— Parece mesmo o tipo de coisa que ela faria. Nick ainda está muito
abatido por causa da Elle, ele ainda sofre, se culpa.
— Eu sei. A última coisa que quero é que Thompson se machuque mais,
Madison. Ele não merece. Vou me afastar enquanto for necessário.
Um sorriso verdadeiro aparece em seu rosto. Franzo o cenho sem
entender.
— Vocês combinam. Olha, eu errei muito com o Nick, muito mesmo.
Eu o amo, mas não da forma que achava, eu me iludi e o usei.
— Nick não é inocente.
— Não mesmo. Ele me usou também e agora, acabou. Sabe por quê?
Dou de ombros.
— Porque você apareceu. No começo achei que fosse um problema, mas
você era a solução.
Suspiro aliviada e me jogo na cama, sentindo meu corpo cansado.

Decidi passar a tarde sozinha na biblioteca, já que Nicholas precisava


ver a avó e a irmã. Maddy prometeu me encontrar depois da primeira
consulta com a psicóloga. Ela está determinada a melhorar.
Enquanto isso, a minha consciência grita, porque sei que preciso estudar,
preciso de notas. Eu vim para Wiston Hill com essa ideia em mente. Sentada
à uma mesa isolada, ao lado de uma grande janela, enfiada numa blusa
marrom e numa calça jeans preta, eu anoto algumas coisas em meu caderno.
Comigo há um copo de café já vazio, um livro clássico e algumas canetas
coloridas.
O silêncio é reconfortante, mas não dura para sempre.
Claro que não.
— Oi. — Ergo a cabeça, surpresa. Juliet me encara com um pouco de
timidez, parada ao meu lado e dentro de um vestido cinza. Seus cabelos
cacheados estão presos num coque. — Podemos conversar?
Ela sorri e eu assinto, ainda perdida.
— Claro — gaguejo. — Sente-se.
Juliet o faz imediatamente. Ela se ajeita no banco do outro lado da mesa
e me analisa. Me sinto julgada, seus olhos passam por cada detalhe do meu
corpo.
— Entendo porquê Nick e Alex gostam de você — comenta, o que me
faz revirar os olhos. — Desculpe, não quis soar...
— Intrometida?
— Isso. — A menina também é linda com seus cachos perfeitos e seus
lábios carnudos. — Eu quero pedir desculpas.
— Por?
— Meu irmão — enfatiza, como se fosse óbvio. — Ele é um idiota. —
Juliet olha para o meu braço, a manga comprida está dobrada, deixando as
marcas dos dedos de Alex à mostra. — Bem idiota.
— Nenhuma novidade, só não achei que Alex pudesse chegar a esse
ponto, mas a culpa não é sua.
— Bom, eu poderia ter falado algo, ter impedido o pai dele de aceitar
esse convite para estudar aqui.
— Isso não é justo, você também ganhou essa oportunidade, Juliet. A
WH University é uma das melhores, aproveite! Os meus problemas com o
seu meio-irmão não têm a ver com você.
— Mesmo assim, me desculpe por isso e também porque flertei com
Nicholas quando cheguei. Não sabia que estavam juntos.
— E quem nunca flertou com Nicholas?
Ela ri.
Não gosto de intrigas ou brigas sem razões. Se eu puder resolver todos
os meus problemas, me sentirei mais feliz que nunca, mas nem tudo que
queremos, podemos ter.
— Certo. E ontem... aquele tapa.
— Claro que você viu isso também.
— Vi sim. Aquela era Christina Vender?
Assinto sem dizer muito.
— Precisa saber, Alice, eu não quero problemas, mas vi meu irmão
conversando com essa garota hoje e ela disse algo sobre você pagar pelo que
fez.
Sinto um bolo na garganta, as palavras me fogem.
— Como?
— Acho que deve tomar cuidado. Meu irmão sabe coisas sobre você,
não é? Segredos? — Não respondo. — E ele vai usar disso.
É impressionante como nenhuma calmaria dura em Wiston Hill. Eu sei
que segredo ele pode revelar, porque é o pior deles. É o meu maior pesadelo.
38

FIM
"Você continua sonhando e tramando algo obscuro.
Sim, você continua.
Você é venenosa e eu sei que isso é verdade.
Todos os meus amigos acham que você é viciosa,
e eles dizem que você é suspeita."
Two Feet | I Feel Like I’m Drowning

CHRISTINA VENDER

É impossível tirar a imagem da minha cabeça, a minha memória me trai.


Jayden e Alice cantando juntos. Posso fingir não sentir raiva, posso me olhar
no espelho pela milésima vez e dizer a eu mesma que não foi algo planejado,
que Alice Wonders não é tão venenosa quanto eu queria que ela fosse.
Mas é mentira. Eu sei que ela o convidou. Alguém contou sobre os meus
segredos, sobre a minha vida.
Desde que chegou, Alice Wonders tem causado problemas. É assim que
uma tempestade começa, com pequenas chuvas. Primeiro ela separou Maddy
e Nick, depois se juntou a Andressa, então, decidiu se aproximar do Jayden.
Tudo já era péssimo, mas agora, os limites parecem não existir. Ela veio
para destruir Wiston Hill, apesar de Madison achar que Alice é um caos
necessário, eu sei que no fim não haverá agradecimentos. Foi assim com
Pumpkin e Damon. Todos sabem.
Damon se deixou conquistar facilmente pelo rostinho bonito e sorriso
perfeito da garota e Nick está fazendo a mesma coisa.
Algumas regras não devem ser quebradas — reafirmo todas as noites
antes de dormir.
A minha bochecha ainda dói, admito que Alice sabe bater bem. Eu
nunca entrei numa briga e tenho certeza de que não ganharia uma.
Essa era a última coisa que eu esperava que ela fizesse.
E ela fez.
Quando me tranco no banheiro do meu quarto na fraternidade, tento ao
máximo segurar as lágrimas. Meu coração acelerado me deixa ofegante,
Alice já me humilhou o suficiente. Eu sei que não sou uma vítima, nunca quis
ser, mas me sinto completamente destruída. E tenho me sentido assim nos
últimos dias. O meu reflexo, o rosto da Chris Vender, me encara. Há algo de
diferente, Madison preferiu ficar com o namorado e a novata, Nick acha que
eu preciso mudar e os outros nem se aproximam.
Eu espero, e desejo, não estar errada. Não quero chorar, não vou, e nem
pretendo pedir desculpas.
Me controlo depois de alguns minutos, apoio as mãos na pia e baixo o
olhar, não quero me ver. Me sinto patética e dolorida. Alice Wonders
consegue confundir meus sentimentos. Estou furiosa, cansada e magoada,
mas principalmente, confusa. Não sei mais se estou fazendo o certo, apesar
de acreditar nisso.
Não sou a melhor pessoa de Wiston Hill, nunca quis ser. Há algo em
Pumpkin e Alice que me irrita.
Elas são cativantes.
Uma vez que você as conhece, acaba as adorando. Foi assim com todos,
de Jack Carter à Nicholas Thompson, e nada como uma personalidade
cativante para me deixar enjoada.
Minha cabeça gira um pouco com esses pensamentos. Preciso me sentar
e preciso de uma bebida. A única coisa boa da noite é que Mateo está,
provavelmente, me traindo com alguém. Me humilhando ainda mais.
Saio do banheiro e me jogo na cama, me encosto na parede e agarro os
joelhos.
Não posso voltar para a festa. Se isso tivesse acontecido há alguns anos,
no ensino médio, eu teria erguido o queixo e agido com normalidade, como a
principal da casa, mas algo no fundo — bem no fundo mesmo — da minha
mente, me diz que não sou a principal. Não mais.
A atual versão da Madison diria que esse é o efeito de nascer sendo o
centro das atenções, tendo tudo de mão beijada, sem esforços, usando de
sobrenomes. Perfeita desde sempre. Eu não precisei de muito para que alguns
gostassem de mim no início, o nome Vender os fazia tremer — de inveja,
felicidade ou raiva —, mas depois notei que precisava ser a única.
E eu queria ser a única.
A filha querida, a herdeira esperada, a melhor dançarina de balé, a
oradora da turma. E com pouca simpatia e muita arrogância, me
tornei a Chris Vender. Não precisei de mais esforços depois disso, eu era a
oradora sempre que quisesse, ninguém ousava colocar outra em meu lugar.
Eu era a capitã das líderes de torcida, porque eu simplesmente quis.
E isso dói.
Lembrar dessas coisas me machuca, porque agora ninguém está olhando
na minha direção. Nem Jayden, o garoto que amo. Nem Mateo, a pessoa que
mais odeio no mundo.
Aceitar um casamento arranjado pareceu loucura para Nick, que um dia
foi próximo de mim, mas eu sabia que seria difícil encontrar alguém que
realmente gostasse da pessoa que eu era e me esforço para continuar sendo.
Manipuladora e venenosa, alguns dizem. E claro, muitos garotos queriam
isso, mas não para sempre.
Quando meu pai comentou sobre a ideia, eu já conhecia Mateo. Eu sabia
sobre seus podres, seus erros imperdoáveis e, naquele momento, pela
primeira vez, eu tinha me apaixonado. Era a primeira sim, com certeza. Eu
achava que gostava de Nick, mas ele nunca me deu uma chance. Então,
Jayden apareceu, paciente e doce. Bom. Só bom.
Ele era tudo que eu tinha no meio de mentiras familiares e manipulações
sociais, e ele ainda é.
Nunca me arrisquei, nunca ousei mostrar outro lado meu às minhas
amigas ou amigos, mas com Jayden eu sou a verdadeira Christina — se é que
ela existe, se é que ela é melhor que essa. Porém, naquele momento, como eu
disse, meu pai me queria com um menino rico. Namorem, ele pediu, como se
estivéssemos no século passado ou até antes do século passado. Não
namoramos, mas Mateo tentou de tudo.
Meu pai ficou bravo, ansioso, decepcionado. E depois, furioso. Eu
aceitei, namorei com Mateo. Poucos beijos e nada de mãos dadas. Isso até ele
fingir ser alguém adorável, até ele me mostrar um lado falso que ia contra
todos os boatos sobre a sua pessoa. E então, fomos para algo além de beijos.
Eu me culpei, porque ainda gostava de Jayden. Eu me culpo. Daí, Mateo
Price se revelou alguém que eu não queria por perto, mas aos olhos de
muitos, o menino combinava comigo.
Nós dois éramos cruéis e eu não gostava, e nem gosto, da fama que eu
tenho — venenosa — mas me acostumei com ela. Me acostumei com o
teatro, porque eu preciso dele para viver, meu pai precisa. Não importa o que
sinto por Jayden, não conseguirei ficar com ele. E eu queria ser forte o
suficiente para me livrar desses sentimentos que me forçam a ser essa
Christina.
Mas não posso. Não consigo.
Se conseguisse, já teria ido embora há muito tempo, assim como Wine
Thompson.

Não acredito nas palavras que Madison me diz. Ela chamou Alice,
Hannah e Brenda de fodas. Ela as admira e as prefere.
— O quê? — questiono com ênfase enquanto minha cabeça lateja.
— Elas são fodas pra caralho, porque não fingem ser uma mentira, elas
não tem medo. E quando têm, fazem algo sobre.
— A sua amiga Wonders não é tão perfeita assim, Maddy.
— Eu já disse que ninguém é perfeito. Essa é uma ideia que você criou
na sua cabeça.
Por anos Maddy foi a única em quem confiei de verdade, mesmo
Andressa, que me era próxima, nunca chegou tão perto dos meus
machucados. Mas como todos sabem, duas pessoas não guardam segredos.
Uma sempre contará algo e Madison Foxx sabe de muitas coisas, ela conhece
os meus medos.
Ela não me vê como a Christina Venenosa Vender, e sim como a Chris.
Quando saio do quarto dou de cara com Alice Wonders. Ela parece
chocada com a discussão que acabou de ouvir, a segunda entre Maddy e eu.
Sei que Alice notou minhas lágrimas, mas, com certeza, irá fingir que não o
fez.
A minha face ainda arde por conta de seu tapa, não posso a encarar
agora.
Eu tento ao máximo parecer bem na frente de todos enquanto caminho
pela fraternidade, até chegar aos fundos onde há uma piscina e um jardim.
Estou ofegante, mesmo andando numa velocidade normal. Os pensamentos
me consomem e as palavras de Madison me machucam.
Paro de andar quando chego à um dos bancos de madeira num lugar
isolado. Apesar do calor, a maioria das pessoas está dentro da casa.
Fecho os olhos e limpo a mente.
— Eu não acredito. — Não acredito que Alice conseguiu mudar tantas
coisas sem ter que fazer algo sequer. Apenas a sua presença, seu sorriso, fez
tudo sair do eixo.
— Não acredita em quê? — Quando abro os olhos novamente, encontro
Jayden me analisando. — Está tudo bem? Te vi saindo...
— O que veio fazer aqui? — pergunto, sendo direta. — Na festa.
— Alice me convidou.
Claro que convidou!
— E você achou que seria uma boa ideia? Ela te convidou e você
aceitou, simples assim? E quanto a nós?
Jayden parece estressado, como se guardasse trilhões de segredos. Ele
olha ao redor, respira fundo e me encara.
— Não há nós nessa festa. Você é a única tocando nesse assunto.
— Não deveria ficar no mesmo lugar que eu. Mateo sabe que
namoramos, ele sabe que...
— O que, Christina? Ele sabe o que todo mundo sabe? Ele sabe que
ainda te amo?
Suspiro. Não posso ouvir isso, não agora.
— A sua presença aqui pode causar problemas...
— Duvido. Acho que você sempre usou essa desculpa comigo, porque
tem medo de ser a Christina Vender na minha frente.
Franzo o cenho e rio, tomada por descrença. Do que ele está falando?
— Você se divide, Chris. É uma pessoa diferente em cada ocasião e não
queria ser cruel na minha frente, não é?
— Não é isso...
— Eu ia ficar em casa, perder uma festa boa só porque você queria. Não
me parece justo, toda essa relação não me parece justa.
Encontro seus olhos e vejo que Jayden está sério demais, o que me causa
arrepios. Rio de nervoso, sentindo uma veia pulsar em meu pescoço.
— Isso é culpa dela, só pode ser! — exclamo, ele nega. — Alice. Ela te
chamou, ela te convenceu...
— Alice só foi educada. Ela está com o Nick e ele é meu amigo. Não
entendo essa sua implicância, a menina não fez nada de ruim.
Dessa vez, eu gargalho.
— Você precisa parar, Christina.
— Está defendendo ela? Sabia que Alice me bateu? 'Tá vendo essa
marca? — Aponto para a minha bochecha, esperando que ainda esteja
vermelha — Foi ela!
— Não pode ser. — Jayden balança a cabeça.
Me levanto num pulo e me coloco à sua frente.
— Então, pergunte pro seu amigo, ele estava lá. Não é justo, depois de
tudo que tenho que fazer...
— Não! Tudo que você se força a fazer — ele me interrompe.
— Está dizendo que a culpa é minha?
— Não, Christina! — Jayden bufa e eu deixo as lágrimas escorrerem. —
A culpa não é sua, mas se você realmente quiser, pode sair dessa situação.
Você tem todo apoio do mundo aqui, até mesmo do Nick, mas vive se
convencendo de que não...
— É mentira. E eu não tenho como fugir, isso decepcionaria o meu pai.
Jayden já brigou feio com Mateo por minha causa, ele não gosta quando
o garoto me toca, mas tive que convencê-lo de que sei me cuidar. Entretanto,
não sei.
Só sei mentir. É um dom dos Vender.
— Eu não vim aqui para brigar. Estava me divertindo até...
Agora, eu o interrompo:
— Cantando karaokê com ela? Claro, que estava se divertindo.
Jayden suspira uma última vez. Sua paciência se esgotou e ele apenas
passa por mim, não me olha, não tenta novamente.
Ele parte sem emitir um som sequer.
A manhã não demora a chegar. Abro os olhos como se tivesse saído do
pior sono possível. Me sento sobre a cama e encaro a janela.
Sol, mas frio.
No fundo me sinto mais cansada do que nunca. Eu demoro um pouco
para voltar à realidade, conseguir sair da cama e me arrumar. Só então,
quando termino, noto que estou acordada. Noto que Wonders realmente me
deu um tapa na noite passada, um tapa que já doeu o suficiente, mas na frente
de Nick e da notava, doeu mais.
Um tapa que não achei que pudesse levar. Eu a tentei, a provoquei para
ver se o faria, entretanto, não imaginei que fosse chegar à esse ponto.
Eu sei que estava a tirando do sério de propósito. Foi apenas uma
consequência, mas acontece que a ação dela também irá gerar consequências.
Ação e reação.

No Waver's vejo Andressa trabalhando no caixa. Ela não anda até as


mesas hoje, o que me deixa tranquila. A última coisa que quero é ser
lembrada ainda mais de como Alice é uma ótima amiga, uma ótima namorada
e uma ótima pessoa, apesar de todos os seus problemas e sua personalidade
explosiva.
Me sento numa das mesas isoladas. A grande janela parece ainda maior,
principalmente enquanto a luz do sol entra por ela e atinge a minha pele.
Comerei o de sempre, salada de frutas.
Uma garota baixinha aparece com um meio sorriso, ela, com certeza, me
conhece e deve achar que não me recordo do seu nome. Contudo, tenho uma
boa memória, só costumo fingir indiferença. Emma tem cabelos curtos, na
altura dos ombros, cacheados e louros. Seus olhos são verdes e algumas
sardas decoram suas bochechas.
Ela me encara e então, pergunta:
— O que vai querer?
— Salada de frutas e suco de laranja — respondo sem animação, sem
simpatia. A examino de cima à baixo. A garota não é magra, não exatamente,
ela tem algumas curvas detalhadas e uma tatuagem na panturrilha.
Emma assente e sai, incomodada com o meu olhar. Enquanto ela parte, o
sininho toca sobre a porta de entrada.
Alexander Chelton. O novato, meio-irmão de Juliet Rhodes que tive o
prazer de conhecer na noite anterior. Eu sei que ela quer se juntar a
fraternidade, mas duvido que consiga uma vaga na casa se continuar andando
com Alice.
Duvido, porque eu sou a líder daquele lugar.
Alex entra, sorri para algumas meninas sentadas numa mesa ao lado da
porta e anda até o balcão. Ele é bonito, os cachos escuros e curtos parecem
bagunçados, mas lhe dão um toque de sensualidade. Alex tem um sorriso
magnífico e um corpo bem construído. Claro que Nicholas tem tudo isso, a
beleza, a mandíbula desenhada e a atitude.
O que mais prende as garotas a Thompson é a atitude e isso Alex não
possui, é óbvio. Se Nick tivesse entrado por aquela porta, teria virado
assunto, o tema dos cochichos, mas tudo que Alex conseguiu foi uma boa
encarada de algumas garotas curiosas.
Isso não o deixa menos atraente.
Eu sei que ele veio para Wiston Hill com uma intenção, sei que
namorava com Alice Wonders, porque a história se espalhou. Sei que
Alexander não gosta de Nick.
Mas ainda há muito o que descobrir.
Ele faz um pedido e analisa o lugar. Seus olhos me encontram e eu
sorrio com maldade, como sempre. Alex pisca uma vez para mim antes de
começar a andar na minha direção.
— Bom dia, Christina. — Ele para ao meu lado. Ergo a cabeça, encontro
suas íris e rolo os olhos.
— Oi, Alexander, ou melhor, ex da Alice — provoco. Nos conhecemos
outro dia, quando ele deixou escapar que a novata tem problemas com
bebidas.
O menino balança a cabeça como resposta.
— Você a odeia, não é mesmo? — Ele ri baixinho e se senta à minha
frente, sem ser convidado.
Mordo a bochecha por dentro, porque não é isso o que sinto.
— Não exatamente. Não somos amigas próximas, mas não posso dizer
que a odeio.
— Bom, você não gosta dela — ele conclui. — E eu estou passando pela
mesma coisa.
— Veio se sentar comigo pra falar mal da Alice Wonders? — Apoio os
cotovelos na superfície e me inclino para frente, chegando mais perto do
menino.
— Não, só se você quiser falar. Ou ouvir. Na verdade, me sentei aqui
porque você é bonita e não me detesta.
— Por que detestaria?
— Porque tenho certeza de que aborreci a Alice com a minha mudança e
devo ter aborrecido mais pessoas.
— Isso te preocupa?
Emma chega com a comida, enquanto ela me serve ficamos em silêncio,
nos encarando. Quando a garota sai, ele continua.
— Nem um pouco — responde.
Como um pedaço de maçã e o fito.
— Você não odeia a Alice, só a quer de volta.
Alex dá de ombros.
— E você a quer longe, bem longe daqui.
Dou de ombros também.
— Ela fez amigos bem rápido, muita gente a acha maravilhosa — caçoo.
— Alice Wonders não é perfeita, ela cometeu erros também, como todo
mundo. A diferença é que os Wonders sabem esconder o lado podre deles. Eu
queria a convencer a ir embora, voltar para Nova Iorque ou voltar pra mim,
mas é impossível, o Nicholas a protege bem.
— Na verdade, parece que a Alice não precisa de proteção. — Me
lembro do tapa e a minha pele arde. Não vou mencionar, mas a lembrança faz
meu coração acelerar. Estou com raiva novamente. — Não vai me contar
sobre os segredos dela? — pergunto e bebo um pouco do suco.
— Bem, fiquei sabendo que você faz fofocas online. — Alex se encosta,
deixando a postura de lado. Seus olhos focam na paisagem externa. — Ou
algo do tipo.
— Mais ou menos, eu tenho uma conta na rede social da universidade.
— De fofocas? — Ele ri. — Não vou caçoar, parece que todos em
Wiston Hill gostam de fofocas e segredos.
— Você quer que eu poste sobre, não quer? — Semicerro os olhos. Ao
ouvir a pergunta, Alex volta a me encarar. — Acha que o segredo dela é tão
ruim que vai a fazer voltar correndo para Nova Iorque?
— Talvez não — ele suspira. — Wonders é teimosa e agora ela tem
amigos aqui, pessoas que gostam dela. Isso não existe em Nova Iorque. Mas
Alice sabe ser autodestrutiva quando quer.
Parece algo sério e eu quero saber o que é. Se for tão humilhante e
doloroso quanto o tapa que levei, irei postar. Eu prometi uma vingança, disse
que ela ia pagar.
— Se me contar, Alice não voltará correndo para os seus braços e nem
irá embora, não é?
— Ela não vai voltar comigo, nunca, mesmo se eu não contar. — Alex
fica sério. — Eu tô cansado de correr atrás dela, cansado de a querer tanto e
ser desprezado. Alice nunca me amou, ela sempre gosta da pessoa errada! —
A raiva dele é notável. — Talvez eu só queira que ela fique por aqui e sofra.
— Você só não quer ir embora, Alex. Gostou de Wiston Hill, não é?
O menino sorri de canto, com muita malícia em seu olhar.
— Quer mesmo saber? — ele pergunta e eu tomo um pouco do suco. —
Talvez esse segredinho acabe com aquela relação dos dois, talvez Nick a
deteste depois disso.
Duvido muito, o passado do Thompson também não é dos melhores,
mas vale a pena arriscar, vale muito a pena. Assim como ela arriscou me
bater, assim como arriscou cantar karaokê com Jayden.

Já tenho o post em mente quando volto para o meu quarto. Me sinto


feliz, ao mesmo tempo, enjoada. É um segredo sério. Se eu compartilhar isso,
todos ficarão chocados, mas muitos irão me odiar por expor esse lado de
alguém. Uma parte minha implora para que eu não faça isso, ela me mostra o
peso das minhas ações, mas a ignoro com esforço.
Ainda vale a pena arriscar, porque ainda sinto minha bochecha arder.
Quando abro a porta dou de cara com Mateo, deitado sobre a minha
cama.
— Oi — gaguejo. — O que está fazendo aqui?
— Vim te convidar pra jantar — diz, mas não há animação em seu rosto.
Ele se coloca de pé e me encara.
— Ah, eu não sabia... mas não posso, tenho trabalhos da faculdade.
Ele ri baixinho, notando a mentira.
— Claro — murmura.
— Talvez uma outra hora. — Pareço doce, quando, na verdade, não
consigo controlar meu tom de voz. Odeio como fico ao seu lado.
Eu posso ser horrível, mas não tão horrível quanto Mateo.
— Uma outra hora então. — O garoto suspira e começa a sair, sorrindo.
Um alívio cresce em meu peito e, tão rápido quanto surgiu, desaparece.
Sinto os dedos dele em minha pele, apertando meu braço com a intenção de
machucar.
— Eu te vi conversando com o Jayden ontem — sussurra em meu
ouvido e me puxa para mais perto. Meu braço dói. — Eu disse para ficar
longe dele. Eu avisei. É melhor não fazer isso de novo.
— Não o convidei pra festa — respondo baixinho, gemendo de dor.
Seus dedos afundam ainda mais em minha pele. — Foi a Alice.
Mateo me solta no mesmo momento. Foi a Alice. Minha raiva apenas
cresce.
O garoto sorri, me analisa e então, diz:
— É bom que tenha sido.

Não consigo controlar a raiva que sinto. As marcas dos dedos de Mateo
ficaram em minha pele, o tom de sua voz ficou em minha memória. Eu tenho
medo dele e todos sabem.
Mas tenho ainda mais medo do meu pai.
Alice Wonders causou isso, ela convidou o Jayden.
Eu choro baixo enquanto encaro a tela do computador.
— É culpa dela — sussurro e aperto o enter.
39

CONSCIÊNCIA
"Todas as imagens foram banhadas em preto,
tatuando tudo.
Todo o amor tornou-se prejudicial,
transformou meu mundo em escuridão.
Tatuou tudo que vejo.
Tudo o que sou, tudo o que serei."
Pearl Jam | Black

ALICE WONDERS

O sol do domingo entra pela janela queimando toda a minha visão.


Esfrego os olhos, sentindo minha cabeça latejar. Demorei para conseguir
dormir, as palavras de Juliet ficavam ecoando em minha mente.
Alex vai usar disso.
E eu sei que, apesar de ter sido doce comigo quando namorávamos,
Alexander consegue ser cruel. A raiva ensina isso a qualquer um. Nunca
confiei nele, mas quando se vive na mesma cidade, frequenta a mesma escola
e festas, é difícil se esconder.
Andressa está sentada na cama dela com as pernas cruzadas, o
travesseiro no colo e a atenção toda voltada ao celular. A encaro por alguns
segundos, mas a menina não nota.
— Bom dia! — exclamo, me espreguiçando.
— Bom dia! — A ruiva gagueja e coloca o aparelho de lado.
— Tudo bem? Parece nervosa — pergunto e ela sorri forçadamente. —
Na verdade, parece que está escondendo algo.
— Claro que não!
Mentira. Andressa não sabe mentir, ela não consegue olhar nos meus
olhos, não consegue parar de sorrir.
— Me conta agora! Você sabe que vou descobrir mais tarde.
— Eu não sei como te contar. — O desânimo aparece em sua face.
Andressa encara as próprias mãos e fecha os olhos. — Olha o que a Chris
postou.
Assim que a ruiva termina, agarro o celular, destravo a tela e vejo a
notificação. Nicholas me enviou três mensagens, Tommy está me
procurando, Hannah e Jack me ligaram. O que de tão ruim pode ter
acontecido numa madrugada? Eu fui para a cama cedo na noite de ontem, não
faço a menor ideia do que Christina Vender postou.
Quando entro na página, a primeira coisa que leio é acidente em Nova
Iorque. Não preciso de mais, os arrepios me consomem.
— Eu não acredito nisso — sussurro, as lágrimas já tentam escapar. Ela
fez isso comigo, ela espalhou meu segredo. Sei que alguns vão achar ser algo
simples, mas para mim é sério.
O acidente em Nova Iorque foi o auge do meu problema. O auge do meu
alcoolismo. Christina Vender passou de todos os limites postando isso, mas
Juliet me avisou. Alex sabia e ele contou.
Ele usou disso.
Na postagem explica como eu estava namorando e acabei brigando com
o tal garoto durante uma festa, ela não divulgou o nome dele. Conta sobre
como bebi a noite toda e o principal, conta sobre como fugi dele, com raiva, e
entrei num carro. Sobre como eu acelerei e perdi a noção do que fazia.
Conta sobre como bati numa árvore e capotei diversas vezes.
Conta sobre como nunca tive um coma alcóolico, e sim, um coma por
causa do acidente.
Está tudo lá, escrito, divulgado. Meu coração quase para quando termino
de ler o post. Naquela noite um garoto com quem eu saía, me traiu. Nós
discutimos numa festa na mansão da minha antiga amiga, Ruby. Ele gritou e
eu gritei, ele tentou me segurar e eu lhe dei um tapa na frente de todos.
As fofocas começaram em Nova Iorque naquele momento.
Então, eu bebi mais do que já tinha bebido e quando percebi que queria
ficar sozinha, decidi sair da casa. O menino tentou me seguir, ele entrou no
carro preto e antigo que tinha, porque sabia que eu ia fazer alguma merda. No
meio do caminho minha visão ficou completamente embaçada e a minha
cabeça girou.
Eu desmaiei antes do carro bater.
O garoto me encontrou, chamou a polícia e as ambulâncias. Eu entrei
em coma e assim fiquei por semanas. Meus pais esconderam tudo isso da
melhor forma possível, com dinheiro.
O tal garoto não contaria. Tudo aquilo aconteceu numa estrada isolada,
era noite, estava frio e, por sorte, ninguém viu. Eu sumi e quando acordei,
percebi o que tinha acontecido. Meu pai conversou comigo, depois o médico,
depois o menino. Ele me pediu desculpas, o nosso relacionamento não
passava perto de ser maravilhoso, eu gostava da companhia, mas nosso
talento era causar problemas juntos e isso não é uma coisa boa.
Não era amor, eu queria provocar Katherine e ele sabia disso. Nós
éramos amigos e nos entendíamos, mas confesso que eu comecei a sentir algo
a mais por ele. Daí, toda a confusão aconteceu.
Quando abri os olhos, ele pediu para que eu ficasse bem. Nunca mais
nos falamos e doeu por um tempo. Eu não o queria por perto, mas não o
culpava, afinal, quem decidiu dirigir bêbada fui eu.
Agora, todos sabem por causa de uma postagem ridícula da Christina. Se
ela tivesse falado do acidente, seria ruim, mas ela mencionou tudo: a briga, o
relacionamento, as bebidas, o coma.
Toda a vergonha que eu escondia.
— Alice, está tudo bem? — Andressa pergunta, notando o meu silêncio.
Percebo que minhas mãos tremem, eu respiro com dificuldade.
— Ei! — alguém chama da porta. Ergo a cabeça, me sentindo perdida.
Brenda me encara com certa preocupação. — A Chris está chamando todas as
meninas.
A Chris. Claro. Ela planejou isso.
Me levanto com pressa e Andressa faz o mesmo, nós seguimos juntas
pelos corredores e apesar da raiva, a dor é maior. Eu ainda quero bater no
rosto dela, ainda quero a xingar, mas toda a memória do acidente me ataca.
Eu sempre bebi, cheguei a passar mal, a vomitar, mas naquela noite eu
quase morri. É um trauma, algo que não consigo explicar. Naquela noite eu
percebi como posso me destruir.
— Alice... — Andressa clama, me seguindo. A ignoro e acelero o passo.
Desço cada degrau e quando chego no último vejo todas as meninas da
fraternidade.
Nenhuma me olha nos olhos, a não ser por Madison.
— Ora, ora — Chris diz. Eu espero. — Que bom que está acordada,
precisamos conversar.
— Você postou isso. Por quê? — Me aproximo, parando à sua frente.
— Eu disse que ia pagar — Chris sussurra apenas para mim. Toda essa
merda por conta de um tapa? Ela não cansa de tentar me destruir, na verdade,
acho que Vender gosta disso. A menina eleva o tom de voz e continua: —
Seu ex-namorado, o novato, me contou tudo. Que horrível, não é?
— Christina, isso não tem a ver com a gente — Maddy tenta.
— Claro que tem! — exclama, fingindo indignação. — Não podemos
deixar uma alcoólatra nessa casa. Nós temos festas, bebidas… não podemos
controlar a Alice. E se ela causar outro acidente? — Um sorrisinho falso
surge em seu rosto. — Não podemos ter alguém como você na fraternidade.
Fico sem palavras, sei o que vem em seguida.
— Precisa fazer uma votação, as coisas não funcionam assim! —
Andressa se intromete.
— Deixa ela — digo. Eu percebi o olhar de todas as meninas, elas não
se colocarão contra a Chris e eu não quero que me defendam. Brenda me olha
e sussurra um sinto muito. — Você gosta disso, não é? Eu não te entendo, de
verdade.
— Não precisa me entender. — Há muita aspereza em sua voz.
— Isso tudo é patético.
— E você vai fazer o quê? Me bater de novo? É melhor tomar cuidado,
duvido que não esteja guardando mais segredos.
Pisco algumas vezes, estou cansada. Uma discussão com essa garota não
vale a pena.
— Não. Você não vale a pena — digo e me viro, subindo os degraus
novamente.
— É bom arrumar as suas coisas! — Chris grita.

Enquanto dobro cada peça de roupa — das poucas que tirei das malas
—, Andressa me observa. Ela fica encostada no batente e Maddy me ajuda.
— O que vai fazer?
— Arranjar um lugar pra ficar — digo com a voz rouca.
— Que tipo de lugar? — A ruiva continua.
— Andressa, eu não sei! — exclamo, paro e fecho os olhos para não
chorar.
Eu não faço a menor ideia do que fazer.
— Alice, vai ficar tudo bem! — Maddy me abraça, eu sinto seu toque,
seus braços ao meu redor. — Isso que aconteceu está no passado, a Christina
só quer te atingir.
— Você sabe melhor do que ninguém, vocês duas sabem. Isso ainda me
machuca por motivos que não consigo explicar.
As meninas ficam em silêncio. Andressa passou por isso com as fotos
que Chris espalhou e Maddy sabe como é ter um segredo que te deixa
envergonhado.
Abro os olhos novamente.
— Ler aquilo me lembrou da pior parte da minha vida. — Eu não quero
chorar, entretanto, parece impossível controlar a minha voz e as lágrimas.
— Você tem a gente agora, Alice. Não importa o que ela postou, eu sei
que te machuca, mas vai ficar tudo bem — a ruiva fala, usando de seu tom
doce. Ela caminha até o meu lado e também me abraça. — Pode ficar na
minha casa, tenho certeza de que meus pais não vão se incomodar. Eles
gostaram de você.
— É uma oferta e tanto, mas não posso...
— Por favor — Andressa insiste. — Vem comigo.
— Com você? — Maddy questiona.
— Se a Christina pretende expulsar as pessoas com segredos que ela
acha serem horríveis, eu vou sair. Não quero ficar aqui, essa casa é tóxica.
— E eu? Também não quero ficar por aqui. — A loura soa um tanto
desesperada. A amizade dela com a Vender está em crise e eu sei disso.
— Gente, eu não quero que vocês deixem a fraternidade por mim.
— Quem disse que é por você? — Andy rola os olhos e sorri. — É por
mim. Esse lugar se tornou um ninho de cobras.
— Ele sempre foi. — Maddy ri. — Vou falar com o Tommy, talvez ele
me deixe ficar na Red Hell por um tempo.
— Não é cedo demais para morarem juntos? — questiono brincando.
Ela sorri.
— Eu não gosto de esperar — Madison diz isso secando algumas
lágrimas que me escapam. — Agora, vamos arrumar essas coisas e te levar
até a casa da Andressa. Vou pedir pro Thomas nos dar uma carona.
— Ótimo! — a ruiva exclama.

Enquanto estamos colocando as malas no carro, ninguém — da


fraternidade — nos observa. As coisas correm normalmente e Chris parece
ter saído. Vejo uma silhueta conhecida do outro lado da rua, Juliet aparece
dentro de um top cinza e uma calça larga e preta. Ela atravessa e anda até nós.
— Alice?
— Oi, Juliet.
— Está se mudando? — Um sorriso de nervoso surge em sua face.
— Parece que alguém não leu as notícias — Brenda brinca, ajudando a
colocar a última mala no banco de trás. Ela se ofereceu, porque sei o quanto
gosta de Nick. Brenda também odeia essa sociedade idiota de Wiston Hill.
— Notícias? — Juliet franze o cenho.
— Você me avisou. Alex contou algumas coisas. — Dou de ombros.
Estou desanimada, pálida e com os olhos vermelhos. — O que veio fazer
aqui?
— A Christina me disse que eu posso morar aqui, só preciso passar na
entrevista.
— Então, boa sorte — respondo. — Morar nesse lugar é realmente um
desafio.
Juliet não entende o que quero dizer, ela me fita com dúvida. Não é de
se esperar outra coisa, a menina é nova, ainda não conhece o veneno que
Chris Vender gosta de soltar.
Me enfio no carro e fecho a porta, deixando-a sem uma explicação.

Quando paramos na frente da casa da Andressa, fico admirada com a


beleza. Todas as paredes são de madeira em seu tom mais escuro, há grandes
janelas e portas. Parece uma cabana, numa parte isolada da cidade, perto da
divisão com Aurora Hill. Há muitas árvores ao redor e folhas secas.
— Nossa — sussurro, absorvendo cada detalhe.
— Eu sei, já era pra você ter conhecido esse lugar — a ruiva diz e sorri.
Ela abre a porta de trás do carro e sai, sem pressa.
— Vai ficar bem? — Tommy pergunta, me analisando.
— Não sei, vou tentar.
Ele assente.
— Não precisa aparecer na Red Hell se não estiver bem. — Thomas
sorri de canto e faço o mesmo, agradecida.
Maddy, Thomas e Andressa me ajudam com a pouca bagagem e quando
tudo é colocado em frente à grande casa, o casal parte.
— Vamos, meus pais querem te conhecer melhor.
Andressa agarra duas mochilas e eu pego a última mala, andamos juntas
pela pequena trilha até chegarmos à entrada. A grande porta de madeira está
destrancada, a ruiva a empurra e me dá a passagem.
O interior é mais lindo ainda. Por fora parece uma cabana chique, mas
por dentro é moderna, extensa e bem iluminada. Logo depois do hall de
entrada há uma sala com quadros enfeitando as paredes, uma televisão grande
e dois sofás pretos. No centro de tudo, uma mesinha. O conceito aberto é bem
utilizado.
Assim que deixamos as coisas no lugar, andamos até a sala de jantar.
Mark e Conor estão tomando café. Os fios escuros e castanhos do primeiro,
se destacam, já Conor parece interessado no jornal, seus músculos são
visíveis, seu cabelo é claro e há sardas em sua pele.
Quando aparecemos, eles se viram e nos encontram.
— Chegamos — Andressa diz com hesitação. Tento sorrir, mas não
consigo. Estou nervosa, não quero ser um incômodo. O casal se entreolha e
depois me analisa.
A ruiva avisou que estávamos à caminho, mas duvido que tenha
explicado tudo.
— A famosa Alice Wonders, finalmente na nossa casa — Mark brinca.
— Que bom! A nossa filha falou muito bem de você.
Andressa larga o meu braço, anda até o homem e lhe entrega um beijo
na bochecha.
— Mandamos preparar um quarto, espero que goste. A vista é linda —
Conor diz.
— Não precisavam ter se preocupado — solto, ainda com a voz rouca.
— Mas obrigada.
— Imagina. Nós lemos o que a Chris postou, foi cruel da parte dela.
— Bom, ela é uma Vender e eles são assim. — Mark força um sorriso.
— Saiba que não temos problemas com você, Alice. É muito bem-vinda.
— Obrigada — sussurro. — Eu mal conheço vocês...
— Ah, não tem problema. — O louro se levanta e sorri para Andressa.
— Se sinta em casa. Isso aqui é muito grande, de qualquer forma. — Ele
aponta para o redor. — E sentimos falta da nossa filha, que bom que ela
decidiu sair daquela...
— Casa — Mark o interrompe, prevendo o palavrão que seu marido
poderia soltar.
— Isso. Casa.
— Tudo bem, gente. Vou levar a Alice para conhecer o lugar, vocês
estão sendo receptivos demais — a menina brinca, me fazendo rir pela
primeira vez.
Apesar de serem diretos, Conor e Mark são completamente simpáticos.
Andressa gruda em meu braço e me arrasta pelos corredores, mostrando
cada canto da grande casa. Todos os quatro quartos, um dos pais, um da irmã,
o dela e o de hóspedes, com seus banheiros próprios. Depois, o escritório, a
sala de estar, a cozinha e o quintal dos fundos. Estamos perto da praia isolada
à qual Nick me levou uma vez e o cheiro do mar toma conta do ambiente.
— Tem certeza de que eles não vão se importar? — pergunto enquanto
ela coloca dois pratos com queijo na ilha de mármore, no centro da grande
cozinha bem iluminada. As grandes janelas nos rodeiam e posso ver as
árvores no quintal, além da água ao fundo. Eles moram num tipo de colina, o
mar fica logo abaixo e seria perigoso para uma criança, mas Leah Morgan, a
irmã, já tem quatorze anos.
— O máximo que eles vão fazer é se preocupar, mas não se
incomodam. Mesmo — Andressa conta e fecha a geladeira de duas portas,
igual a que temos na mansão Wonders.
— Qual dos dois é o médico?
— O Conor é o arquiteto, Mark é médico.
Assinto e mordo um pedaço de queijo.
— Obrigada, Andressa. Eu não teria para onde ir...
A menina me interrompe e sorri.
— Para! Desde que chegou sempre me tratou bem, sei que posso ser
irritante, mas você nunca foi grossa. Você me deixou tentar ser sua amiga e
agora somos, então não precisa me agradecer. Meus pais mal ficam em casa,
eles preferem Aurora Hill, onde trabalham. Temos um apartamento lá,
pequeno, mas aconchegante.
— A sua irmã costuma ficar sozinha, então?
— Às vezes, ou na casa de amigos. Meus pais são presentes, mas não
gostam tanto de Wiston Hill. Mark trabalhava no hospital daqui, mas pediu
transferência. Conor trabalha aqui e em Aurora, por isso essa casa fica no
meio das duas cidades.
Apenas sorrio como resposta, me perdendo em pensamentos e
preocupações.
Não tenho coragem para me encontrar com Nick, depois que saí da
fraternidade ele me ligou quatro vezes e Jack me mandou mensagens, mas eu
não posso falar com eles. Me sinto envergonhada, eu decidi que contaria a
Nick meu segredo quando estivesse bem, mas fizeram isso antes de mim.
Não sei o que ele está pensando agora e tenho medo de descobrir.
— Preciso ir ao Heaven Bar — conto. — Todos estão me enchendo de
mensagens, a Hannah me falou que se eu não responder, ela vai chamar a
polícia. Acho que preciso falar com um deles pelo menos.
— E quanto a Nick? — Andressa me encara.
— Ainda não.

Hannah já está atrás do balcão quando entro no bar. É domingo, há


poucos clientes, poucas vozes e fofocas. Andressa me acompanha, ela decidiu
que me deixar sozinha não é uma opção.
— Finalmente — Hannah diz, o alívio em sua voz me deixa arrepiada.
Posso estar bem agora, mas não sei por quanto tempo isso vai durar.
— Me desculpe, eu...
A menina balança a cabeça, me calando. Me sento num dos banquinhos
e a ruiva fica de pé ao meu lado, apoiada no balcão.
— Tivemos que sair da fraternidade, por isso ela demorou pra responder
— Andressa conta.
— O que quer dizer com sair?
— A Chris me expulsou. — Há algo de diferente em mim, não sinto
emoção alguma ao mesmo tempo que estou despedaçada. Solto tal frase com
uma falsa indiferença e encontro os olhos da garota.
Hannah parece chocada.
— Claro que expulsou — sussurra.
— Tudo bem, eu tô na casa da Andressa.
— Quer falar sobre o que ela postou?
— E o que tem pra falar? É tudo verdade, dessa vez a Christina não
mentiu. Eu fiz aquela merda.
— Tudo bem, mas — Hannah procura pelas palavras —, você não
machucou outras pessoas certo? Foi um acidente...
— Não, não foi. Entrei num carro sabendo que estava bêbada, eu assumi
um risco. Quase me matei por causa de um vício que não consigo largar.
Posso ter brigado naquela noite, mas a culpa ainda é minha.
Elas não falam depois disso. O silêncio toma conta por minutos.
Eu quero uma bebida, quero virar uma garrafa, mas Andressa e Hannah
não me deixarão. Elas não podem me deixar.
— Nicholas está preocupado — conta. — Ele quer conversar. Por favor,
não faça isso com ele.
Sorrio sem vontade.
— Poderia ligar — Andressa me diz, mas balanço a cabeça, negando.
— Eu estou com vergonha dele e de todo mundo.
— Alice, ter um segredo desses espalhado por ai é uma merda, eu sei,
mas o Nicholas te ama, ele está surtando. Por favor, não faça isso com vocês
dois — Hannah insiste.
Fico quieta. Sei que estou nos ferindo, sei que ele precisa de respostas,
mas necessito de tempo.
— Por favor, Hannah, só diga a ele que estou bem.
Ela nega, porém sua boca concorda.
— Farei isso.

Andressa prometeu que faria um almoço e é isso que ela faz enquanto
leio Alice no País das Maravilhas, sentada na cama de hóspedes. O livro
preferido do meu pai que sempre amou a história da garota que se perde num
mundo fantástico.
Então, ele me deu o nome Alice.
Nunca entendi o que o livro quer dizer, o que é a verdade e o que é
loucura, mas agora, a única distração que consigo encontrar é entre as
páginas deste clássico.
Ouço a campainha tocar. Estamos sozinhas, ainda não conheci a irmã da
Andressa e os pais dela trabalham hoje. Me levanto da cama com certa
curiosidade crescendo em mim e quando chego à beira da escada, noto a voz
familiar.
— ...por favor, Andressa, eu sei que ela está aqui — Nicholas implora.
— Eu preciso ter certeza.
— Nick, ela precisa de tempo e espaço. Alice está bem.
— Eu a conheço, ruiva, ela não está bem coisa nenhuma. Eu já sei de
tudo...
Quando essa última parte chega à mim, corro de volta para o quarto.
Meu estômago se aperta, minha cabeça lateja e só então a ficha cai.
Todos sabem de tudo.

Andressa não deixou o Nicholas me ver, ela disse que era melhor ele
esperar, que eu falaria com ele na segunda-feira durante a aula. E é claro que
não vou. Eu quero me afastar do caos que Christina causou em minha mente.
Andressa acaba dormindo cedo, às oito horas já está na cama. O silêncio
toma conta da residência, estamos a sós.
Me levanto sabendo que não pegarei no sono e coloco uma roupa
simples: blusa preta de mangas compridas e uma saia jeans. Meus cabelos
estão soltos e um tanto arrumados.
É assim que saio escondida para ir à Red Hell. Ela está fechada hoje,
mas Tommy sempre foi bom com conselhos e não me importo se vai me
julgar, preciso de colo e, apesar da ruiva ser boa nisso, não aguento mais
escutar que tudo vai ficar bem.
Entro pela porta dos fundos e caminho até a parte principal da boate.
Thomas está sozinho, bebendo e olhando para o nada. O assusto quando
apareço.
— Alice? O que 'tá fazendo aqui?
— A casa da Andressa é muito silenciosa às oito e meia da noite.
Ele ri baixinho e esconde a garrafa na prateleira, então, limpa o copo.
— Precisa conversar?
— Sim.
Me sento à sua frente, minhas mãos tocam no balcão frio e não consigo
olhar em seus olhos.
— Tudo aquilo é importante pra você, não é?
— Eu queria deixar pra trás, apagar da minha memória. Foi horrível,
Tommy, você não tem noção. Quando eu saí do hospital, depois do coma...
— Essa é a pior parte — ele suspira. — Eu não sabia que tinha ficado
em coma.
— Foi um coma induzido. Quando eu saí do hospital meus pais já
tinham dado um jeito em tudo, nas aulas que perdi, nas fofocas e nas
perguntas.
— E quanto ao garoto? A Chris não falou muito sobre ele. — Tommy
apoia os cotovelos no balcão e se inclina pra frente, chegando mais perto.
— Ele foi embora de Nova Iorque, nunca mais conversamos.
— E vocês se gostavam?
O olhar de Thomas é forte, ele me encara, olhos nos olhos.
— Todas essas coisas não passam de um borrão — confesso. Cheguei a
gostar de Matthew, mas amar? Não. Amar não. Eu confiei e ele me
decepcionou.
Depois que bati naquela árvore, tudo virou um borrão horrível e
enjoativo.
Tommy fica em silêncio, esperando que eu diga mais alguma coisa,
afinal, o procurei para conversar.
— Eu sei que foi um acidente e sei que fui culpada, sei que estava
bêbada, que sou alcoólatra, que não devia ter feito aquilo. Acredite, eu sei de
tudo isso — suspiro e finalmente ergo a cabeça. Thomas parece confuso, ele
nunca me viu assim antes. O pânico transparece, pela primeira vez Tommy
não sabe o que fazer. Ele apenas me analisa.
As lágrimas começam a cair, molhando minhas bochechas. Minha voz
se torna trêmula e mal consigo continuar.
— Eu sei de tudo isso, Tommy. Todo mundo fica me dizendo que essas
coisas estão no passado, mas não é verdade! — Soluço. — Eu acordo todos
os dias e penso em como tenho que parar de beber. Quando, finalmente,
consigo chegar em algum lugar, a Christina faz isso.
— Alice, eu não posso dizer que tudo vai ficar bem. Não posso dizer
nada, mas você é forte, já enfrentou esse passado...
— Você não percebe? — quase grito em meio ao choro. — Eu nunca
enfrentei essa merda! Meus pais limparam a minha sujeira, depois
esconderam tudo debaixo do tapete. Me acostumei a ignorar a verdade, mas
agora todos sabem. Eu fui obrigada a olhar pro erro que cometi, estou com
vergonha e com medo de nunca mudar. Eu estou...
Me calo, não sei mais o que sinto. Tudo que disse é real, o que
aconteceu me afeta, porque me mostra o quão grande meu problema é. O fato
de eu ter ignorado tudo isso me deixa mais magoada ainda.
— Acho que precisamos começar pelo básico, se você quer sair dessa
situação, precisa parar de chamar de problema. — O fito, sem entender. —
Foi o que a psicóloga da Madison disse. Ela tem bulimia e você é alcoólatra.
Diga alcoolismo, pare de esconder o que é.
Mordo a bochecha por dentro, ele está certo, mas a palavra parece forte
demais, clara demais.
— Eu só queria entender.
— Entender o quê?
— O porquê da Christina me odiar tanto. — Outro choro começa. —
Nunca fiz nada contra ela, tudo bem, eu dei um tapa na cara dela ontem, mas
desde que cheguei a Vender não me deixa em paz. Eu queria entender — bato
com as duas mãos no balcão, tentando me segurar — o porquê dela fazer isso
comigo.
Tommy não fala, ele fica quieto, esperando.
— Ela gosta de me magoar, é isso? Ela teve a capacidade de ir atrás do
Alex pra descobrir essas coisas. Não é possível que não tenha notado o quão
importante essa história é pra mim...
— A Christina não te odeia, Alice. — Assim que ouço suas palavras, eu
suspiro.
Estou cansada, minha garganta dói, minha cabeça lateja e todo o resto
parece dormente.
— Ela tem inveja. — Rio nasalado. — É sério, Wonders. Ela inveja
quem você é e o que você tem. Chris Vender é cruel e fria, mas só por fora.
Ela também tem medos e segredos. Sei que não justifica, mas a Vender não te
odeia.
— Isso é pior. — Baixo a cabeça. — Se ela me odiasse, teria uma
justificativa. Chris só me machuca pra alimentar o próprio ego e eu não
entendo, mesmo.
— Eu sei, mas sou daqui, pode confiar em mim. Eu cresci no meio
dessas pessoas, Alice. Olha pra mim. — Obedeço. — A Christina foi criada
pra ser perfeita.
— Parece que todo mundo aqui foi, isso é ridículo!
— Eu sei e você sabe, mas essa ideia foi enfiada na cabeça de cada um
desde pequeno e alguns arriscaram fugir das regras idiotas, mas ela não. A
Christina vive num inferno e não mostra isso pra ninguém. Ela quer ser
perfeita.
Balanço a cabeça, não consigo acreditar que alguém possa fazer essas
coisas só para ficar no topo. Não posso acreditar nisso.
— Talvez eu não devesse ter vindo para Wiston Hill. Acho que ela está
certa, eu não combino com esse lugar...
— Alice...
O interrompo.
— Era pra eu ter morrido naquele acidente. Quando acordei do coma
semanas depois, todos ficaram surpresos. Eu me machuquei muito. Talvez eu
devesse ter morrido.
— Não fala isso! — Tommy grita. — Sei que não é muito, mas se
tivesse morrido nunca teria conhecido Nick e eu nunca teria te conhecido. —
Encontro os olhos de Thomas, que estão cheios de lágrimas, assim como os
meus. — Você é uma das garotas mais incríveis que já conheci, é engraçada,
linda e divertida. Por sua causa tive coragem de falar com a Madison.
— Minha causa?
— Eu não podia falar pro Nicholas acabar tudo com a loura, só porque,
talvez, eu estivesse gostando dela. Daí, ele se apaixonou por você.
Rio baixo ao descobrir isso.
— Eu achava que a Madison não era pra mim. Ela é uma Foxx, linda e
inteligente.
— Não imaginei que logo você tivesse medo de falar com uma garota.
— Não era medo. Eu não sigo a maior parte das regras, mas mexer com
Polly Thompson e a família perfeita dela não me parecia ser uma boa ideia,
mesmo gostando da Madison.
Assinto e noto que parei de chorar. Meu corpo reclama, minhas mãos
tremem, mas consegui desabar em algum lugar.
E eu confio em Tommy.

Estamos deitados lado a lado na cama de casal que ele tem em seu
quarto da Red Hell. Encaramos o teto, mantendo o silêncio. Nenhum de nós
quer dormir ou falar.
— Não conta pro Nick que estou aqui. Ele descobriu que eu estou com a
Andressa e apareceu por lá.
— Precisar falar com ele, Alice. O garoto 'tá preocupado.
Me dói saber que Nick deve estar pensando nessa situação toda, mas me
sinto cansada. Não quero tocar no assunto, não quero olhar em seus olhos
azuis.
Horas se passam e ainda estamos acordados. O relógio marca cinco e
meia. Madrugada. Faz frio. Me viro na cama para analisar Tommy, que no
mesmo momento agarra o celular e lê uma mensagem.
— Droga — sussurra. — Preciso ir até a fraternidade.
— Às cinco da manhã?
— Parece que a Christina notou que a loura quer sair da fraternidade,
elas discutiram. Droga!
— É melhor você ir.
— Não quer uma carona até a casa da Andressa?
— Não, não — suspiro. — A ruiva deve estar dormindo e a casa dela
fica um pouco longe. Deixei um bilhete na cama. Ela vai ficar bem.
— Certo. Tenta dormir um pouco, eu volto logo!
Assinto e Thomas sai com pressa.

Quando abro os olhos novamente, já é manhã. O relógio do meu celular


marca seis horas em ponto e a bateria está quase acabando.
Parece que fui espancada ou algo do tipo. Tudo dói. Meus músculos
estão cansados, a minha mente não funciona, mesmo com esforço. Eu estou
destruída.
Não mudei de opinião sobre o que disse na noite anterior, se eu não
tivesse me mudado para Wiston Hill, nada disso teria acontecido. Eles
estariam afundando em mentiras, segredos e falsidade, mas eu estaria longe
desse caos que agora me devora.
Tempestades atraem tempestades, entendo o que Vender quis dizer.
Me sento na cama de Tommy, jogando as pernas para fora do colchão.
Todas as notificações ainda estão na tela, Nick me ligou de novo, mas sabe
que não vou falar com ele. Não consigo. Jack mandou uma
mensagem, espero que esteja bem, ele disse. Tomo coragem e clico nas
notificações de Nicholas. Vários textos brilham na tela, começam na manhã
de ontem e acabam na madrugada de hoje.
09h00: Alice, por favor, fale comigo.
10h12: Alice, eu preciso saber se você está bem! Isso está me
destruindo também.
13h45: Princesa, por favor, me responda.
16h30: Alice, sei que não quer me ver. Sei disso e preciso que você
saiba que não estou bravo, não estou chateado.
17h18: Só me diga se está bem.
20h00: Por favor.
04h00: Eu te amo.
Me arrependo no mesmo momento, ler as mensagens dele não me
ajudou. As palavras de Nick aumentaram a minha dor e agora eu sei o que
estou causando. Thompson não merecia isso, ele não merecia nada disso.
Eu sou um problema. Nicholas ficaria melhor sem mim, sem essas
merdas todas. Nem coragem para contar o que sinto eu tenho. Ele merece
mais, ele precisa de mais.
E agora, eu não sou nada.
O bolo preso em minha garganta decide sair e eu deixo o celular cair no
chão. Eu deixo as lágrimas escaparem, uma por uma, então, todas. Eu choro
como uma criança, eu choro com desespero. Minhas mãos tremem, me sinto
soluçar. Estou me perdendo, parecia algo tão insignificante, um passado tão
distante.
É o que acontece quando não confrontamos nossos problemas, nossos
monstros. É o que acontece quando fingimos que tudo está bem.
Mentir não ajuda. Fugir não ajuda.
Um dia tudo volta, mais forte que antes. Nem todo dinheiro dos
Wonders pode me ajudar agora, não pode me livrar da dor que uma
lembrança causa. Eu sou a culpada pela minha própria destruição. Eu fingi
estar bem, agi como se nada tivesse acontecido naquela noite.
Mas aconteceu. E continua acontecendo.
Quando me dou conta, estou encolhida no chão do quarto de Thomas,
presa aos sentimentos confusos. Me coloco de pé, apoiando-me na mesa de
cabeceira. O eco das palavras de Nick sobrevivem em minha mente.
Eu te amo.
Como posso estar com ele quando não consigo estar comigo?
Caminho pelo corredor que leva à Red Hell, cambaleando e chorando.
Finalmente chego ao balcão de vidro.
Eu preciso resistir. Se me culpo tanto, por que não consigo mudar? Nem
todas as palavras da Andressa poderiam me acalmar agora. Nada mais pode,
por isso, abro uma garrafa qualquer de bebida e a viro com pressa. Eu deixo o
álcool queimar a minha garganta, deixo as lágrimas saírem, deixo a dor me
tomar.
Eu deixo de lado tudo que queria controlar.

Já estou completamente bêbada quando a porta se abre e um vulto surge


no canto da Red Hell. Se antes eu me sentia perdida, agora não sei onde
estou. Não me reconheço. Não sou a Alice Wonders, sou o que restou depois
de anos errando e tentando. Sou o que Katherine dizia.
— Ah, você está aqui. — Ouço e então percebo não ser Tommy. Ergo a
cabeça com calma e encontro os olhos de Mateo.
Ele me fita com malícia, suas íris escuras estão presas ao meu corpo.
— Mateo Price — falo com a língua enrolada. — O que mais pode
piorar?
Ele ri, analisa a garrafa de bebida e depois minha expressão. Estou
vazia.
— A sua noiva querida decidiu falar sobre mim ontem, você leu? Uma
ótima matéria. — Viro a garrafa, bebo mais um pouco e dou risada. — Ela
tem que ganhar um prêmio.
— É. Com certeza — ele sussurra, confuso.
— A maior hipócrita de Wiston Hill. Ah, claro, esse seria o prêmio
certo.
Mateo ri baixinho enquanto começa a andar na minha direção. Não
gosto disso, mas não consigo fugir. Meu corpo não parece ser meu. Ele para à
minha frente, me pressionando contra o balcão, com cada braço de um lado
do meu corpo e as mãos apoiadas no vidro.
— Sabe, eu queria te encontrar sozinha há um tempo — diz perto do
meu rosto, mas eu apenas me inclino para trás e me afasto.
— Sério? Acha que a sua noiva vai gostar disso? — Empurro-o com
uma das mãos, mas não tenho força alguma. — Ela não gosta de mim,
lembra?
Mateo morde o lábio e se coloca contra meu corpo com mais força. Eu
tenho medo do que ele deseja fazer.
— E onde está o seu namoradinho? — ele pergunta. Me sinto enjoada,
meu estômago dói. Viro o rosto, tentando me livrar de seu hálito quente.
De repente, o garoto se afasta. Mateo me examina de cima à baixo.
— Ela te destruiu mesmo. — Ri.
— Você é um idiota, sabia? Um babaca! E a sua noivinha é uma
hipócrita. Ela acha que só eu tenho segredos? — Não consigo me segurar,
não sei mais o que estou fazendo. — Ela não é perfeita.
Mateo cruza os braços e me encara.
— Você não sabe do que está falando — diz, porém noto a tensão em
sua mandíbula.
— Bom, eu acho que você — aponto para seu rosto e me aproximo —
sabe muito bem do que estou falando, não é? Ela não te ama...
Um biquinho forçado aparece em minha face e finalmente tiro Mateo do
sério. O menino agarra em meus ombros e toda sua fúria me ataca.
— Cala a porra da boca! — grita.
— Você é patético, muito patético. Ela sabe disso. A Christina sabe...
— Se continuar, eu vou acabar...
— Comigo? — provoco e ele para de me apertar. Suas mãos ainda estão
em meus ombros e nossos olhos se encontram. — Você sabe que ela te trai
com o Jayden, sabe que ela não te ama. É patético — termino.
Por um momento acho que Mateo está em choque, que não vai agir.
Posso ver em seus olhos o quão arrebatadora a verdade pode ser e, por isso,
dou uma risadinha acidental.
Contudo, ele grita, quase uiva. Suas mãos me agitam e Mateo me joga
contra algo, o chão talvez. Tudo que sinto é uma dor intensa na cabeça,
depois disso, tontura.
É horrível.
De repente, tudo escurece.
39.1

NUNCA MAIS
"Você está me enfrentando,
assombrando meu coração.
Estou no fim do mundo contigo."
JPOLND | The End

ALICE WONDERS

Eu reconheço o cheiro logo que acordo, o perfume doce da Andressa.


Me esforço para abrir os olhos, aos poucos vou enxergando a luz, o quarto e
as pessoas.
Aos poucos volto à realidade.
A dor em minha cabeça é forte e meu corpo parece mais cansado,
minhas pernas estão dormentes e meus dedos, frios. Entretanto, não me sinto
bêbada.
— Acordou! — alguém exclama. Percebo o tom animado e aposto em
Madison. Quando consigo olhar ao redor, me espanto com a quantidade de
gente.
Thomas, Andressa, Madison e Hannah. Os encaro, um por um,
esperando por uma resposta.
— Como se sente? — Tommy pergunta e vejo o nervosismo em sua
expressão. Ele deve estar furioso e eu devo estar demitida.
— Dor — sussurro. — A minha cabeça dói.
Me lembro exatamente do que aconteceu, me lembro de ter provocado
Mateo de uma forma irracional, me lembro de suas mãos apertando minha
pele e me lembro de ser empurrada.
Depois disso, apenas borrões.
— É pra doer mesmo, você se machucou feio — Hannah se intromete.
— O quê...
— Parece que você bebeu demais, Alice. — Sei que a ruiva usa de seu
tom doce para disfarçar a raiva que sente. Eu preocupei a todos. — Acabou
desmaiando e batendo a cabeça na beira do balcão de vidro.
— Espera, eu... — Minha voz está fraca. Posso argumentar, contar que
Mateo esteve lá, mas eu sou alcoólatra.
É mais fácil acreditar no simples.
E o simples é, eu bebi, caí e acabei no hospital.
— Achei que estivesse tentando melhorar — Thomas começa. — Mas
bebeu quase uma garrafa toda de rum, tem noção disso? Queria se matar? Te
deixei sozinha por minutos e você fez essa merda!
Ele parece mais que furioso. Eu quero contar a verdade, sei que bebi
muito, mas não bati a cabeça por causa disso. Quando me esforço para soltar
as palavras, todos ouvimos uma confusão no corredor. As vozes altas nos
interrompem e a porta se abre.
— Ele 'tá aqui, não consegui impedir — Jack diz, sem reparar que estou
acordada.
— Nick? — pergunto e Hannah assente. Todos se entreolham e tomam
uma decisão.
— É melhor deixar ele te ver — ela sussurra.
Não posso fazer isso, mas antes que eu abra a boca para negar, todos
saem. E todos estão chateados.
Assim que o quarto fica vazio, Thompson entra com pressa. Ele anda até
o lado da minha cama, me encara e examina com suas mãos trêmulas. Ele
tenta dizer algo, mas não consegue.
— Eu estou bem.
— Você não queria falar comigo. — Seus olhos mostram a tristeza que
ele esconde. Encaro suas íris e me sinto mais culpada ainda. — Eu só queria
te ver. Sabe que pode confiar em mim...
— Eu sei, mas não posso confiar em mim, não é? Você leu o que a Chris
postou?
Ele assente e respira fundo.
— E o que acha?
— Era esse o segredo? Aquele que você ia me contar quando estivesse
pronta?
Eu confirmo enquanto seus dedos alisam minha bochecha.
— Alice eu...
Parece que o destino não nos quer juntos. Quando Nick começa a falar, a
porta se abre e um médico alto, sério e de cabelos grisalhos, entra. Seu sorriso
é animador.
— Acordou! Ótimo. Precisamos conversar — ele diz e Nick concorda.
— Posso ficar se você deixar — sussurra para mim.
— Fique.
Assim que digo isso, vejo o alívio dominar seu corpo. Nicholas suspira e
espera.
O doutor fala sobre o álcool e o ferimento. Por sorte, não foi sério. Bati
a cabeça e desmaiei, mas de acordo com os exames, não terei problemas.
Preciso tomar cuidado com o machucado, posso ir para casa e se sentir dores
de cabeça preciso retornar. Ah, e claro, nada de bebidas. O médico se mostra
preocupado com o fato de eu ter chegado ao hospital completamente
alcoolizada, mas afirmo e reafirmo que estou bem.
O doutor — que descobri se chamar Trevor — sai.
Nick me reexamina, mais calmo dessa vez. Eu sei que tenho muito o que
dizer, quero o abraçar e chorar, quero pedir desculpas e contar a história real.
— Me desculpe — começo. Antes de tudo, preciso tocar num assunto
delicado, um que agora me deixa sem ar. — Eu acho que fiz uma besteira.
Nick franze o cenho e agarra a minha mão, nossos dedos se juntam de
uma forma carinhosa.
— Nick, eu não queria, eu juro — algumas lágrimas caem, minha
cabeça lateja —, mas acabei contando pro Mateo sobre a Chris e o Jayden.
É notável o choque em sua face, ele fica boquiaberto. Nick parece
indignado.
— Por que fez isso?
— Eu bebi e eu...
— Foi uma vingança? Seja sincera!
Seu tom se torna áspero e um medo irracional me ataca. O medo de
perdê-lo por minha própria causa.
— Não! Eu juro que não! Eu estava bêbada e magoada, eu juro, Nick!
Eu só acabei contando, acabei falando demais.
Ele ri de nervoso, então, se afasta um pouco.
— Eu não acredito nisso, não acredito que fez isso. Você prometeu que
não ia se meter. — Volto a cair em lágrimas, a soluçar. — Não tô bravo nem
magoado. Eu estava preocupado, Alice, em dois dias tantas coisas
aconteceram, primeiro com a Polly e depois com você.
— Nicholas, por favor!
— Tudo bem, eu entendo. Ela te machucou, eu sei. E sei que você tem
todo direito de entrar no jogo, de fazer a mesma coisa, eu só não vejo como
alguém ganha sem sair destruído. Mesmo.
— Nick, por favor. — Com certo esforço me sento. Ele está longe e se
afastando ainda mais. — Tente entender, o que a Chris fez me destruiu, você
não tem ideia! Eu não aguento mais. Eu só faço merda, fiz isso de novo. Eu
sei, mas me desculpe!
— Tudo bem, Alice, mesmo. — Não está tudo bem. — Acho que todos
nós precisamos de um tempo. Você principalmente.
— Não vá embora...
— Eu preciso. Mas prometo que vou te ver depois, daí, poderemos
conversar.
Essa é a última coisa que Nick diz antes de se retirar. Eu sei que o
machuquei, que o evitei e afastei, sei que agi igual a Vender. Sei de tudo isso
e muito mais. O entendo, ele acha que eu estava me vingando, que bebi e que
desmaiei.
Eu não contei tudo — desde o acidente até Mateo Price —, porque não
quis esconder os meus erros e agora encaro as consequências.

Tommy mais uma vez me leva até a casa da Andressa, os pais dela não
voltaram, ainda estão em Aurora Hill. Thomas não me olha, mas faz questão
de dizer uma última coisa.
— Posso estar furioso, mas sei que é difícil e que precisa de ajuda.
Todos nós sabemos, Alice, e todos nós fazemos merdas. O Nicholas está
confuso, mas também entende isso. Apesar de tudo, não está sozinha.
Não digo muito, só concordo. Eles estão furiosos, porque estão
preocupados. Hannah inventou uma desculpa para se afastar e Jack foi atrás
de Nick. Sei que Maddy e Andressa se forçam a ficar, sei que as duas
também estão apreensivas e irritadas.
Me contaram que Andressa viu meu bilhete e foi até a Red Hell, ela me
encontrou e chamou a ambulância. Eu perdi pouco sangue, mas havia
desmaiado. A ruiva viu as bebidas, em seguida, Tommy chegou junto de
Maddy.
Mais um acidente, mais uma merda de segredo e uma merda de fofoca.
— Vou pra Red Hell com o Tommy, se precisar pode me chamar —
Madison diz antes de sorrir.
— Vou tentar deixar vocês em paz. — A minha amargura é contagiosa,
ela fecha o rosto, assente e sai.
Depois de entrarmos, Andressa me coloca na cama e me cobre. Ela não
puxa assunto.
— Andressa — chamo quando ela caminha até a porta —, me desculpe.
— Você pode pedir desculpa e pode errar de novo. Tudo bem — nossos
olhares se encontram —, mas é difícil me preocupar com você, Alice.
— Acha que eu não sei disso?
— Não faço ideia. — Ela dá de ombros. — Mas ainda estou aqui.
— Acho que você é a única que restou — sussurro e ela sorri.
A ruiva não continua, apenas se vira e parte.
40

PENA
"Não é sua culpa eu estragar tudo,
não é sua culpa que eu não sou o que você precisa.
Querido, anjos como você
não podem voar para o inferno comigo.
Eu sou tudo o que eles disseram que eu seria."
Miley Cyrus | Angels Like You

ALICE WONDERS

Dessa vez quem não atendeu meus telefonemas foi Nicholas. Ele tem
me evitado, mas sei que todos nós precisamos colocar as ideias no lugar.
Muita coisa mudou em pouquíssimo tempo, menos tempo do que eu
esperava, até porque, nunca imaginei que fosse me apaixonar por ele.
Andressa me prendeu na casa dos pais por três semanas, o atestado
justificou algumas das minhas faltas nas aulas que não me interessam mais.
Nada me interessa mais.
E eu não saí, porque sei que seria errado. Ela tem tentado tomar conta de
mim, mesmo sem trocarmos uma palavra. É como estar sozinha numa casa
lotada, é como ter de enfrentar as consequências do meu erro, embora queira
me esconder debaixo da cama.
Nos últimos dias tentei me convencer de que sou errada para Nick e de
que ele é errado para mim, mas é mentira, sei disso. O que temos, ou
tínhamos, era bom e real. Eu só queria poder voltar no tempo, queria ter
coragem para dizer que o amo. Queria ter feito isso antes.
Porque agora não sobrou muita coisa.
Olho para a passagem que seguro entre meus dedos, o destino não me
agrada, a data muito menos. O que importa é que em alguns dias estarei fora
de Wiston Hill.
Eu preciso compensar pelo caos que causei. Acho que alguns não se
incomodaram tanto, como Maddy e Tommy, mas outros sentiram o peso das
minhas atitudes. Eu sei que Chris Vender nunca foi simpática, agradável ou
boa comigo e sei que ela tem os motivos mais fúteis do mundo para isso, mas
nunca quis chegar ao seu nível, nunca quis bater nela — apesar de todas as
provocações.
Quando Nick me perguntou se eu estava me vingando e eu disse que
não, menti. Eu percebo agora que menti. Estava bêbada e machucada, mas eu
tinha noção do peso das minhas palavras, eu sabia que Mateo me odiaria e a
odiaria junto. Eu sabia que a farsa dela acabaria, que fofocas seriam
espalhadas. Talvez, no fim, sejamos todos iguais, completamente fodidos e
quebrados. Talvez a tempestade que causei tenha se juntado a de Chris
Vender.
E eu noto tudo isso enquanto vejo minhas malas prontas, enquanto me
preparo para sair dessa casa depois de semanas. Não faço ideia de como os
outros estão, ninguém veio me visitar e isso se deve a falta de respostas. Não
tenho respondido as mensagens, é melhor que fiquem longe.
Madison saiu da fraternidade e agora está se tratando. Isso é suficiente,
ela não precisa de mim, muito menos Tommy, Jack, Hannah ou Juliet.
Ninguém precisa.
As coisas são assim, elas vêm e vão, ajudam e destroem. Eu fui assim e
Nicholas também. Sei disso agora.
Por estar sozinha comigo mesma há algum tempo, por ter encarado meu
reflexo e meus erros, decidi mudar. Decidi que preciso de ajuda, mas isso tem
que acontecer longe daqui. Eu não quero mais beber, não quero ser essa Alice
que sofre por coisas que não pode controlar.
Eu preciso me ajudar.

Avisto Christina sentada num banco à frente da fraternidade, na pequena


varanda. Ela parece cabisbaixa e, com certeza, sofreu com as consequências
das minhas ações. Das nossas.
Atravesso a rua com calma e me aproximo. Quando paro à sua frente,
espero. Ela demora a erguer o olhar.
— Podemos conversar? — pergunto e mesmo assim, Chris continua
quieta. — Por favor.
— Por favor? — ela murmura e me olha. Há um hematoma roxo perto
de sua mandíbula e um corte em sua boca, os dois são recentes. — Claro, por
que não?
— Isso — a examino — aconteceu...
— Por sua causa. Mas foi justo, certo? Eu espalhei uma coisa sua e
você...
Chris para de falar, simplesmente se interrompe. Suspiro sabendo que
Mateo fez tal coisa. Me sento ao seu lado e espero.
— Se sente melhor? — Vender me pergunta.
— Pior — digo e ela ri. — De verdade. Eu não vou mentir, estava com
raiva de você e acabei bebendo. Isso não é desculpa, eu sei, falei demais. Não
fazia ideia de que...
— Mateo sempre foi assim, explosivo. Ele não é gentil como o Nick,
não é carinhoso, nem está apaixonado por mim. — Chris me encara. — Você
tem sorte.
— Você também tem, o Jayden te ama. E pra ser sincera, o Nicholas me
odeia agora, por causa de tudo. Ele acha que eu joguei sujo.
— Eu joguei sujo — ela declara, chocada. — E quanto ao Jayden, não
sei o que vai acontecer.
— Você não está mais com o Mateo, certo?
Christina nega, balançando a cabeça.
— Meu pai viu as marcas, ele não fazia ideia de que Mateo era assim.
Disse que não preciso me casar e ameaçou acabar com os negócios que fez
com os Price. Está se sentindo culpado, me deixou em paz — Chris suspira.
— Isso já é uma coisa boa. Olha, eu vim aqui pedir desculpas, mas
percebi que não é suficiente. Eu sinto muito mesmo, Chris, nunca quis que
isso acontecesse com você.
— Tudo bem, novata. — Ela soa áspera. — Ele nunca me bateu antes,
mas sempre teve esse jeito, essa postura, sabe? Mateo é ameaçador e um
imbecil.
Nossos olhos se encontram, me sinto sem ar.
— Por que não contou para o seu pai? Por que não tentou acabar com o
noivado?
— Você não entenderia. — Um sorriso fraco surge e Vender dá de
ombros. — Nem eu entendo. Agora acabou. Acho que isso é bom mesmo.
Concordo balançando a cabeça.
— Ele tem que enfrentar as consequências também. Mateo te agrediu,
Chris, não é certo...
— Alice, esquece, está bem? — Seus olhos brilham quando ela me
pede tal coisa. — Por favor, esqueça tudo.
Mordo o lábio, não posso fingir que os hematomas no rosto da Vender
não existem, entretanto, não quero me meter e acabar piorando as coisas.
— Eu vou embora, como você sempre quis. Pensei em te contar
pessoalmente — ela não parece surpresa —, mas não conte ao Nick.
— Sério?
— A gente já se machucou o suficiente, Christina. Deixe esse segredo
de lado, você logo terá o que quer.
Pela primeira vez, a loura concorda comigo.
— Tudo bem. Faça o que quiser, Alice, mas ir embora não vai resolver
merda nenhuma, estará sempre presente, de uma forma ou de outra.
Ignoro seu comentário e me retiro com calma, desço cada degrau e
caminho pelas ruas nem tão vazias enquanto minha mente se perde na
memória dos hematomas.
Eu também sou culpada, mas nada justifica o que ele fez com a Chris.

Minhas pernas doem e minha mente está cansada. Meu corpo não
colabora mais comigo.
Não contei a verdade a Nicholas, não revelei o que realmente aconteceu
na Red Hell. Todos ainda acham que eu desmaiei de tanto beber e isso é
suficiente, não quero ser a protagonista de outro drama.
Quando chego no parque da cidade, vejo algumas crianças correndo e
uma delas me reconhece. Grace corre na minha direção, me chamando.
— Alice! — ela exclama e me abraça. Retribuo o gesto, há muitos dias
não recebo um abraço forte. Me sinto quase chorar. — Estava com saudades!
— Eu também, pequena.
— O Nick está ali! — Grace aponta sem discrição alguma.
Encontro os olhos de Thompson, que me observa de longe. Ao seu lado,
Polly me queima com o olhar. Ela ainda está numa cadeira de rodas.
Vejo-a dizer algo, mas não me importa.
Não mais.
— Eu sei, Grace, mas hoje eu preciso resolver algumas coisas, está
bem?
— Não vai falar com o Nick? — Ela faz um biquinho.
— Não — sussurro, segurando o choro. Eu queria, mas nós dois nos
machucamos muito. — Eu preciso ir.
A menina parece insatisfeita, Grace concorda sem ânimo algum e volta
correndo para o irmão. Nick me olha uma última vez e eu faço o mesmo com
ele.
Talvez eu crie coragem para dizer adeus, ou até breve.

O jantar foi estranho, Conor e Mark voltaram para casa e parecem mais
preocupados comigo. Precisei avisar que vou embora antes que eles
tentassem me expulsar de uma forma educada. Não quero ser um peso.
Andressa me olhou de canto de olho quando eu disse que sairei da casa
deles, ela não entendeu. Então, depois da janta, a ruiva faz questão de parar
no quarto de hóspedes.
— Não vai assistir as aulas? — questiona e me analisa, parada na
entrada do cômodo.
— Eu tranquei o curso.
— O que? Seu pai sabe disso? — É um bom argumento, mas John sabe
de tudo, ele sempre soube por mensagens e ligações.
Ainda confio em meu pai.
— Sabe sim. Tive que contar, porque vou pra casa, Andressa.
— Como assim?
— Não posso morar com você, não há vagas no dormitório e a
fraternidade não é uma opção. Preciso me tratar e me afastar de tudo isso.
— Com tudo isso, quer dizer nós? — Ela não parece brava.
— Olha, eu fiz coisas erradas e sei que você ficou sabendo. Falei com a
Christina hoje. — A ruiva entra e se senta na cama, a sua curiosidade é
notável. — Me sinto mais culpada ainda.
— Mas não precisa ir embora.
— Se eu quiser melhorar, se quiser me livrar de todo esse peso e esse
passado, esses erros, preciso sim. É como um recomeço.
— Mas pretende voltar? — Algumas lágrimas aparecem em seus olhos.
— Não sei. Quem é que sabe?
De repente nos encontramos em silêncio, nós duas queremos chorar. Eu
preciso de tempo, desde que cheguei à Wiston Hill vivi os melhores
momentos da minha vida, entretanto, encarei muito veneno e muita raiva que
não era direcionada apenas à mim. Tentei me manter de pé e finalmente notei
que não vou conseguir.
Não vou conseguir, porque preciso me acertar com meus problemas e
fantasmas, assim como Nick se esforçou para se resolver com os dele quando
cheguei.
Suspiro enquanto Andressa morde o lábio, segurando as lágrimas.
Talvez eu possa resolver uma última coisa, não será da forma mais adequada
e tenho certeza de que Nick perderá o controle, mas ver os hematomas no
rosto da Chris me deixou furiosa.
— Preciso te contar algo. Nick não pode saber disto agora, ninguém
pode, está bem? Depois que eu for embora, faça o que achar melhor com este
quase segredo.
Ela assente, mantendo-se quieta. Então, eu conto sobre o que aconteceu
na Red Hell, sobre Mateo, o assédio, o empurrão e o machucado. Depois,
comento sobre Chris Vender.
Andressa fica chocada.
— Não pode esconder uma coisa dessas, não depois do que ele fez com
a Chris! É agressão.
— Andressa, você prometeu. Vamos ser realistas, a Chris nunca
confirmaria e eu estava bêbada. Todo mundo acha que caí porque...
— Eu sei, eu também achava. — Ela engole o choro.
— É, mas não foi bem isso que aconteceu e eu ia contar tudo no
hospital, mas parecia que vocês já tinham uma boa versão. Ninguém queria
me ouvir, eu estava cansada.
— Me desculpe. — Ouço-a sussurrar.
— Por? Andressa, você me trouxe pra sua casa, me deixou ficar aqui
depois de tudo. Você foi uma amiga de verdade, não importa o que pensou
quando...
— Importa sim! Era pra eu ter te escutado, mas me afastei. Não foi
justo.
— Não importa mais, de verdade.
E quando termino de dizer isso, ela me abraça com força, me arrancando
o fôlego.
É tarde quando ouço as vozes na casa, estou quase pegando no sono,
mas, de repente, as luzes do corredor são acesas.
— Alice, acorda! — Leah, irmã mais nova da Andressa, soa
desesperada.
A ruiva surge em seguida.
— A academia está pegando fogo. Temos que ir para o hospital agora, o
Jayden estava lá dentro!
Meu coração acelera. Eu achei que minhas últimas horas em Wiston Hill
seriam tomadas por calmaria, mas não.
É como uma bola de neve. Caos e mais caos.
Me levanto num pulo e me junto a elas. Mark nos leva até o hospital e
somos as primeiras a chegar. Nenhum dos nossos amigos está presente ainda,
o que é bom, já que a maior parte deles me odeia agora e eu não gostaria de
ver o Nicholas.

Abro a porta do quarto onde colocaram Jayden e entro com calma. Ele
me observa sem dizer uma palavra.
— Está tudo bem?
— Sim, mas não por sua causa — solta com toda grosseira do mundo.
— Foi o Mateo, sabia? Anos atrás ele colocou fogo num dos prédios da
Universidade e agora, na academia.
— Me desculpa, de verdade Jayden, eu...
— Você o quê, Alice? Sente muito? A Chris pode ter sido horrível com
você, eu li a notícia, mas apagar fogo com fogo...
— Eu não tive a intenção.
— Claro que não. — Ele ri. — O que você quer, afinal? Ser perdoada?
Tudo bem, eu te perdoo, entendo a sua raiva.
— Eu não imaginei que o Mateo...
— Não era da sua conta! — exclama.
— A minha vida também não era da conta da Christina! — grito. — Não
foi certo, eu sei, mas todos estão me tratando como a única errada. A atitude
dela também teve consequências! O que fiz gerou reações mais visíveis, mas
a Chris continua errada. Não quero me defender, não estou mais nem menos
certa, mas não é possível que agora eu tenha me tornado um monstro.
Jayden suspira. Pela primeira vez, desde que entrei no quarto, ele me
olha com compreensão.
— Eu sei — diz. — O pai dela não me queria junto da filha, desconfio
que seja porque sou negro e não faço parte da alta sociedade. — Sua risada é
de indignação. — Isso me incomodou sim, no começo. Agora eu estou no
meio de pessoas como você, tenho uma bolsa de estudos na universidade e
sou capitão do time. As coisas mudaram, mas aos olhos do Ash Vender, eu
continuo sendo um garoto pobre que não tem o direito de se apaixonar pela
filha dele.
— Isso é besteira, Jayden. Vocês dois merecem ser...
— Eu também sei disso e eu sabia antes de quase morrer num incêndio,
antes de virar um alvo pra raiva de um garoto nojento e mimado — ele
suspira. — Vocês todos tem seus problemas, Wonders, mas o que o dinheiro
não faz? Você estuda aqui, porque tem um sobrenome importante. Bateu o
carro enquanto dirigia bêbada e nem foi presa por isso, seu pai ajeitou tudo.
A Christina, Madison, Nicholas, Andressa, todos vocês. Mas nenhum
consegue tirar um tempo e olhar para os próprios erros e para as escolhas de
merda que fazem. É ridículo. Nenhuma quantia consegue tirar essa dor de
vocês, essa falsidade, essas mentiras. Na verdade, chega a ser triste. Vale a
pena?
— Não, e eu sei. Pode acreditar que eu sei de tudo isso.
— Que bom.
Jayden não continua falando, o que me mostra que o assunto morreu.
Quando volto para o corredor, Andressa entende meu olhar. Preciso sair
daqui, preciso esquecer de tudo.
Ele está certo. Nenhuma quantia, grande ou pequena, consegue nos
afastar de quem somos de verdade.
41

CUSTO
"Então, nós mentimos para sermos perdoados,
venderíamos qualquer coisa
só para comprar o que não somos.
A qualquer custo.
Nós matamos o nosso caminho para o céu."
Michl | Kill Our Way To Heaven

NICHOLAS THOMPSON

Parece que a noite tomou conta de Wiston Hill, e continuaria assim se as


chamas não estivessem consumindo tudo. Meus olhos ardem enquanto
observo o incêndio se acalmar. Os bombeiros já chegaram, Jayden está a
salvo, mas algo em mim me deixa desesperado.
Estou perdendo a cabeça aos poucos.
Eu sei muito bem quem foi o filho da puta que fez isso. Mateo Price
nunca foi bom em esconder seus crimes, na verdade, ele não é bom em nada.
Na manhã de hoje vi o rosto da Christina e ela tentou disfarçar, tentou colocar
o cabelo na frente, obviamente, não funcionou.
Há um hematoma grande e roxo perto de sua mandíbula, além de um
corte em seu lábio. Fiquei arrepiado e depois senti meu peito queimar, como
o prédio da academia agora queima. Eu fiquei com raiva, ou mais que isso,
fiquei com ódio.
Eu tenho muitos motivos para me afastar de Chris Vender, que à todo
momento tentou estragar meu relacionamento com Alice Wonders. Ler a
notícia sobre o acidente em Nova Iorque me machucou, eu sei o quão
importante era para garota me contar tais coisas no momento certo e sei o
quão ridícula foi a atitude da Chris.
Por isso, quando a vi na aula hoje de manhã, decidi conversar com ela.
Sem agressões ou xingamentos, eu só queria entender o porquê de odiar tanto
a Wonders. Entretanto, ao me aproximar, vi o hematoma.
Outra memória surgiu naquele momento.
A memória de que Alice contou tudo para Mateo, de que Alice bebeu e
desmaiou. A memória do quão desastroso foi aquele dia, e uma tristeza me
atacou. Eu me sentei ao lado da Chris e fiz apenas uma pergunta:
— Foi ele?
Ela manteve o silêncio, todos sabemos que Mateo é um imbecil, mas
nunca imaginei que ele realmente a agredisse. Eu tinha minhas teorias,
achava que o relacionamento era tóxico e que Mateo era controlador, mas ver
o rosto da Chris mudou isso.
A menina não me respondeu.
— Foi ele — concluí. — Sabe que Mateo vai pagar por isso, não sabe?
Vender murmurou um uhum. Ela não tem escolha, não pode opinar. Não
mais. Seria besteira o defender e seria burrice me impedir.
— Duvido muito que seja da forma certa — sussurrou antes de se
encostar na cadeira e abaixar a cabeça, para que ninguém a analisasse mais
que o necessário.
Há semanas as fofocas têm se espalhado. Jayden, Chris, Mateo e Alice
são o foco delas. Agora todos sabem das coisas que acontecem e
aconteceram.
Os hematomas, os erros, os vícios. Não há como esconder.

Eu estava dormindo quando Jack recebeu uma ligação. Nós dois


corremos até a academia e aqui estamos até agora. Os bombeiros apagaram o
fogo e uma ambulância levou Jayden ao hospital.
Não sobrou nada.
— Que merda — Jack sussurra, se jogando na grama do outro lado da
rua. Observamos o prédio destruído.
— Mateo fez isso, é o jeito dele dizer que está puto — conto e bufo. —
Parece que voltamos ao ensino médio.
— Bom, aquela merda no ensino médio pareceu mais um acidente. E
achei que o Mateo tivesse mostrado a raiva dele quando bateu no rosto da
Christina. Todo mundo já sabe...
— É, todo mundo sabe. — O olho com seriedade, implorando para que
cale a boca. — Chris postou sobre Alice, que contou ao Mateo, que bateu na
Vender e, praticamente, tentou matar o Jayden.
— Não está procurando pelo mais errado, está? — Jack me encara,
esperando por uma resposta. Bufo novamente. — Eu realmente acho que,
talvez, a Alice não tivesse total intenção. Ela estava...
— Vamos mudar de assunto? Sério, não quero falar sobre isso.
Me jogo na grama ao lado dele, o cheiro de queimado se espalha ao
nosso redor. Alguns policiais ainda conversam na frente do antigo prédio, os
observo.
— Você não foi visitar a Alice, foi? — questiona. Eu nego. — Babaca.
— Eu pedi pra mudar de assunto!
— Claro, prefere evitar falar da merda que todo mundo fez. Olha eu sou
o único que não está furioso com ela, parece que todos decidiram odiar a
Wonders.
— Se não está furioso, por que não faz uma visita? — O provoco e Jack
suspira, tirando os olhos de mim.
— Não entendo porquê está tão bravo, ela contou o segredo da Christina
pro Mateo, mas Alice não o conhecia direito, não sabia que ele ia fazer essas
merdas. Tenho certeza de que ela achava que ia acabar com o relacionamento
da Vender e pronto, talvez causar algumas fofocas, mas não uma tentativa de
homicídio, se é que...
— Foi ele — reafirmo. — Eu não sou idiota, Jack! Você sabe e sempre
soube muito bem que o incêndio anos atrás foi culpa do Mateo.
— É verdade. — Dá de ombros. — Você, Nicholas Thompson, não está
furioso com a Alice e sim com si próprio. Ela bebeu de novo, era um risco, a
menina é alcoólatra, mas está tentando. E ela acabou com o teatro da Chris,
vamos concordar, apesar das consequências, estava na hora. Então, o que há
de tão ruim...
— Eu me culpo — conto rapidamente, cuspindo as palavras. Parece que
tirei um peso enorme das minhas costas. Jack me olha com certo choque e,
então, ri. — Ela veio pra essa cidade e estaria bem se não fosse por mim.
Chris não a odiaria tanto e Polly não teria...
— Essa merda de novo — ele me interrompe. — Você se culpava antes,
por causa de outra garota, agora vai usar a Alice? Ah, pelo amor de Deus.
Jack se coloca de pé e me encara uma última vez, olhos nos olhos.
— Nicholas, um monte de merda aconteceu com todo mundo. Vai
mesmo perder a garota que você ama, porque acha que deve ficar sofrendo
pra sempre, sozinho e amargurado? De verdade, eu prefiro a sua versão
antiga, aquela do ensino médio.
— Aquela que vivia com machucados no rosto? — Que vivia em brigas
e quebrou seu nariz?, penso.
— Pelo menos você não se arrependia por coisas sem sentido.
Ele sai caminhando lentamente pela grama, me deixando sozinho.
Talvez Jack esteja certo, eu nem tentei ouvir o que a menina tinha a dizer,
nem tentei dar uma chance a ela, porque estava com raiva de nós dois.
Entretanto, quando vejo o outro lado, Chris sofreu e agora está livre.
Jayden sobreviveu e tenho certeza do que Jack disse, se Alice soubesse o
quão cruel Mateo pode ser, não teria contado, mesmo bêbada.
Ela não fazia ideia, só arriscou mover uma peça no jogo idiota que a
própria Vender começou, mas Wonders tem o talento de atrair tempestades.
Quanto ao Red Hell, o desmaio e o machucado, eu fiquei assustado. Já a
vi beber, já a vi chorar, mas nunca a vi desacordada por conta de um
acidente. Ela estava se recuperando quando a lembrança se espalhou, quando
Chris postou aquilo, e sei que doeu muito.
Não posso ficar furioso com isso.
Quando me dou conta do quão insensato estou sendo, sinto vontade de
me socar. Como posso ter a deixado de lado por semanas, ter a abandonado
no hospital?
Naquele dia eu me senti confuso, Polly estava em casa, numa cadeira de
rodas, quando Jack apareceu e me contou sobre Alice e o acidente na Red
Hell. Meu coração parecia querer sair do peito, eu tremia e suava frio. Entrei
no quarto e a vi bem, acordada e um tanto atordoada, então, ela decidiu me
contar sobre seu erro e se eu tivesse analisado isso antes, teria notado que
Alice só queria ser sincera, ela não queria esconder o que fez. Wonders me
disse que revelou tudo a Mateo, ela pediu desculpas e eu a julguei.
Sou um imbecil.
Conheço Mateo Price e seu lado explosivo, eu sabia que uma grande
destruição viria em seguida. Ela não. E ela estava machucada, magoada e
completamente envergonhada, pude ver em seus olhos e mesmo assim, parti
seu coração. Eu a deixei antes de falar mais coisas, antes de ser indelicado ou
algo do tipo. Eu pedi por um tempo, porque era necessário para nós dois.
Porém, prometi fazer uma visita e não cumpri essa promessa.
Talvez eu também deva pedir desculpas.
Entro no jardim da mansão Thompson com pressa. Quero me arrumar,
pegar a minha moto e acelerar até a casa da Andressa. Quero fazer Alice me
perdoar.
Talvez as coisas fiquem melhores agora, talvez possamos ser sinceros
um com o outro.
Quando estaciono a moto, me dou conta de que alguém está saindo pelo
portão dos fundos que leva à uma rua isolada. Observo a cena e não
reconheço a pessoa, meus olhos ardem com as luzes dos postes que Polly
mandou colocar no jardim — até que foi um bom investimento.
Deixo de lado o que vi, pode ter sido qualquer um, qualquer visita
aleatória. Subo os degraus, abro a porta da frente e avisto Brenda
conversando com Polly.
Nesse mesmo momento, a ficha cai.
Era Mateo Price. Ex namorado da minha prima rebelde e sem noção, ex
noivo da Chris e atual foco da minha raiva. Eu adoraria bater bem forte em
sua mandíbula, até ver uma marca aparecer nela, igual a marca que vi no
rosto da Christina.
— ...obrigada. — Ouço a minha prima sussurrar, terminando alguma
conversa.
— Sério? Ele esteve aqui? — As encaro. Brenda pula de susto e me fita,
ela está dentro de um vestido branco e por cima, veste uma jaqueta azul clara.
Há mechas rosas em seu cabelo.
— Nicholas, oi — diz, disfarçando.
Enquanto penso numa reposta adequada, me aproximo do seu corpo e
nossos rostos quase colam.
— Brenda, você trouxe Mateo Price aqui?
— Eu não tinha escolha! — ela sussurra.
— Não tinha escolha? Ele bateu na Christina e tentou matar o Jayden
naquele...
— E se o incêndio foi acidental?
— Ah, sério? — grito e me afasto, rindo de nervoso. Minhas mãos
tremem, o suor escorre por minha nuca. — Vai dizer que não sentiu o cheiro
de gasolina barata na roupa dele? Para de ser sonsa, Brenda!
— Eu não tinha...
— Ele te ameaçou? — A encaro, esperando que diga sim, que me dê
mais uma motivo para odiá-lo.
— Já chega disso! A sua prima fez o certo, ela trouxe Mateo aqui e eu
resolvi o problema. — Só então me lembro da presença de Polly. É estranho
vê-la numa cadeira de rodas, sem poder se colocar entre nós com tanta pressa.
— Brenda não merece muito da minha atenção, mas o garoto é um Price.
— Você resolveu o problema? — A olho com fúria, Polly parece engolir
em seco, mas mantém a seriedade. Me aproximo das duas. — Então, me diga
como.
— Polly, não... — Brenda tenta.
— Isso não é da sua conta! — minha avó sussurra, olhando diretamente
para mim.
— É da minha conta sim! Todo mundo sabe que aquele merda bateu na
Christina e todo mundo vai saber que ele colocou fogo num dos prédios. Com
os boatos que estão sendo espalhados por ai, vão ligar uma coisa a outra.
Mateo queria se vingar...
Polly me interrompe e fecha os olhos.
— Você não tem como provar que Mateo fez isso, Nicholas.
— Não. Eu realmente não tenho, mas — sorrio, pronto para dar o golpe
final — descobri uma coisa que funciona muito bem em Wiston Hill. Fofoca.
Sabe? Boatos, segredos, mentiras... tudo vira uma boa fofoca. E quem não vai
acreditar em mim? Afinal, sou um Thompson, neto da reitora...
— Cala a boca! — Brenda grita, me fazendo rir mais.
— Já chega, eu disse que o problema foi resolvido. Mateo deve estar
saindo da cidade agora e...
Ela se dá conta do erro que cometeu. Eu só precisei estressar a todos,
fazer a situação ficar feia ou quase feia, então, Polly soltou o que tanto
escondia. Ela me encara com decepção, está desapontada com si mesma e
Brenda parece em choque.
— Igual a Noah?[ii] Igual a ele? Pagou para que saísse da cidade quando
aquelas coisas aconteceram, não foi? E fez isso com Mateo. — Chego cada
vez mais perto, me inclino para frente e encontro o rosto de Polly, olhos nos
olhos. — Mateo Price agrediu Chris Vender e tentou matar um garoto. Se os
sobrenomes não te importam mais, o nível dos crimes que ele cometeu,
deveria. E você pagou pra ele sair da cidade e ficar impune?
— Nicholas, por favor... — Brenda chora como uma criança.
— Já chega disso! Chega de usar seu dinheiro pra controlar tudo e todos,
chega de se meter na minha vida e chega de destruir as pessoas dessa cidade.
Essa foi a gota d'água, Polly.
Minha avó parece ter se engasgado no próprio veneno.
— Wine, Elle, Pumpkin, Alice, Madison, Chris... é tudo sua culpa.
— Você não entende. — Ela sorri, achando ter razão.
— Não. E não quero entender esse seu jogo sujo! — exclamo, me viro e
ando até a porta. — Ele não vai escapar tão fácil assim.
A última coisa que vejo é Damon no topo da escadaria, ouvindo tudo.

A estrada está nublada, o vento está frio, contudo, nada me para.


Continuo acelerando até chegar na parte isolada, perto da divisão com Aurora
Hill. À minha direita há árvores e à minha esquerda, um penhasco.
Quando vejo outra moto à frente e reconheço a roupa daquele que a
pilota, me sinto ferver. O calor me ataca, minha pele queima.
Estou com raiva.
Acelero sem me preocupar com acidentes, sempre fui melhor na moto
que Mateo, comprovamos isso no colégio. Não o deixarei escapar, não vou
esquecer e fingir que nada aconteceu, de jeito nenhum.
O ultrapasso e paro à sua frente. Ele freia e um sorriso petulante surge
em seu rosto, assim, noto que nenhum de nós se preocupou com a segurança
dos capacetes. Estávamos com pressa, Mateo queria fugir e eu quero acabar
com ele.
— O que você quer? — pergunta com certo nervosismo. Mateo desce da
moto e anda até mim.
Sinto minhas pernas se movendo, vou em sua direção. Estou fora de
controle, por isso, quando Mateo chega perto, a primeira coisa que faço é
socar a sua cara com tanta força que ele cai no mesmo momento. Seu corpo
se choca contra o chão e eu continuo. Me abaixo, seguro em sua camiseta e
continuo.
Eu o soco no mesmo lugar, acabo com o rosto perfeito dele, da mesma
forma que fez com Christina. Depois de uns sete socos — ou mais — meus
dedos começam a doer e sangrar. Há cortes em sua face, ele também sangra,
se mantém consciente, mas não consegue lutar contra mim. Por isso, eu
paro. Quero saber o que vai fazer.
— Achou que ia fugir de mim? — pergunto, o chacoalhando. — Achou
mesmo que ia fazer aquela merda...
— Olha pra você Thompson. — Mateo ri. — Não somos tão diferentes
assim.
O soco mais uma vez e solto seu corpo. Ouço sua cabeça se chocar
levemente contra o asfalto.
— Isso, me bate de novo.
Mateo Price me tira do sério, sua risada me irrita. Estou irado,
entretanto, cheguei ao limite. Ele está destruído, pode continuar rindo se
quiser, mas seu rosto está acabado. Isso não resolve as coisas, não é o certo,
mas meu peito está mais calmo.
— Vai me matar? Vai fazer o quê? — pergunta enquanto respiro com
dificuldade.
— Eu já fiz o que tinha que fazer — sussurro.
Ao fundo ouço um carro se aproximando, ergo a cabeça e encontro o
veículo. É Damon. A porta do passageiro se abre, Brenda se joga para fora e
corre na minha direção.
— Nicholas! — exclama. — Já chega!
Sorrio de canto, feliz por ter chegado antes dela. Quando a menina passa
por mim, seguro em seu baço e digo:
— Não acredito que esteja defendendo esse lixo, ainda mais depois dele
bater numa garota.
Ela se engasga, em choque, se dando conta do que está fazendo.
Ando até a moto, me coloco sobre ela e acelero, partindo.

Bato a porta do meu quarto no dormitório quando entro. Jack está com
Hannah e assim, não preciso responder perguntas. Ando até o banheiro e lavo
os dedos com água fria. Eles doem, há cortes leves e o sangue escorre
lentamente.
Ainda sinto raiva, ela não é fácil. Mateo deve estar com dor agora,
mesmo assim, meu peito queima. Talvez seja minha culpa, me sinto um
idiota pelo que fiz com Alice e por não ter me desculpado.
Então, ouço a porta do quarto se abrir. Os passos ecoam.
— Jack? — pergunto.
Nenhuma resposta.
Não acendi as luzes, me encontro no completo escuro até ela aparecer à
porta do banheiro. Alice me analisa e acende a luz, fazendo meus olhos
arderem.
— Acho que não me pareço com o Jack. — Um alívio percorre meu
corpo, esfrio no mesmo momento. É ela em meu quarto. Eu precisava disso.
Desligo a torneira e rio baixo, apenas para mim. Só eu entendo o que
estou sentindo.
— Não mesmo — sussurro. — É mais bonita que ele.
Alice entra no cômodo e agarra a minha mão, examinando os
machucados.
— Quem acabou com o nariz quebrado dessa vez? — Sua voz está
baixa, calma.
— Mateo Price — conto. A garota ergue o olhar, encontrando meus
olhos.
Alice Wonders é perfeita.
— Eu vim pedir desculpas — diz.
— Não — respondo com aspereza e praticamente fujo dela. Me solto de
seus dedos e volto para o quarto. Alice me segue com hesitação. — Eu devo
pedir desculpas.
Não posso olhar em seus olhos quando digo isso, porque dói. Fui um
idiota, a machuquei.
— Nicholas eu...
— Sei que você não fez por mal quando contou a Mateo e sei que estava
magoada com o que a Chris postou, por isso bebeu.
Ela fica em silêncio, me sento na beira da cama e a analiso antes de
prosseguir. Sua cabeça está abaixada e os braços, cruzados.
— Eu fui um babaca, Alice, te deixei sozinha. Me desculpe. Não queria
ter feito isso e só me dei conta...
— Depois — ela completa, eu concordo. — E precisamos conversar. —
Alice se senta na cama de Jack e cruza as pernas. Respiro fundo, mantenho
meu silêncio. Ainda estou aprendendo a lidar com o medo de perdê-la por
conta dos meus erros.
É um tanto egoísta pensar na dor de viver sem Wonders, mas é tudo que
tenho. Medo. Eu sei que ainda não acabou, Alice só caiu e bateu a cabeça,
mas penso no acidente de Nova Iorque, penso em Mateo, penso em minha
mãe. Tantas coisas podem acontecer.
Assim, eu espero. Precisamos mesmo conversar.
— Como você está? — pergunto.
— Eu vou embora. — Alice solta de uma vez, me deixando confuso. —
Vou pra Nova Iorque.
— O quê?
— Eu preciso ir, Nick. — As lágrimas em seus olhos são visíveis. —
Depois de tudo isso descobri que meus pais estão se separando, então, vou
morar com John e minhas irmãs.
— Espera, o que disse? — Não prestei atenção numa palavra sequer,
apenas na parte de ir embora.
— Katherine foi embora e...
— Não, Alice, sobre você ir embora! — exclamo, a calando.
— Eu preciso ir. Nós temos muitas coisas pra superar.
Suspiro, tentando extrair algo de suas palavras. Ela vai embora por
minha causa ou por conta de seu próprio passado?
Um frio em meu estômago me deixa em silêncio. Eu devo mesmo ter a
machucado, todos devem. Alice passou por tantas coisas em poucos dias,
num lugar que não conhece direito, com pessoas que se aproximaram muito e
se afastaram rapidamente. Ela sofreu com as mentiras, as brigas e a falsidade
dos outros.
E eu fugi quando poderia ter a ajudado.
— Tudo isso me destruiu. Mentiras, boatos, veneno. Muita coisa
aconteceu e eu não posso mais ficar, preciso resolver os meus problemas e só
me dei conta quando a Chris postou aquela notícia.
— Alice, depois de tudo eu só quero que fique. Eu te quero aqui comigo,
sei que fui um idiota, mas...
Ela suspira.
— Eu não posso mais, Nick, não agora. Quando li sobre o acidente notei
que não superei coisa alguma, eu só fingi que não tinha acontecido e me fiz
esquecer. Mas é real, foi real e foi um erro. Eu preciso de tempo.
A entendo completamente. Eu nunca fingi que as coisas com Elle,
Pumpkin e Wine não haviam acontecido, mas decidi me apegar a elas. Eu não
queria superar e não queria arriscar, até que Alice me convenceu de que eu
precisava seguir em frente.
No caso dela, Wonders nunca seguiu em frente. Ela mentiu para si
mesma por anos, então, foi obrigada a encarar a verdade.
O silêncio nos consome, mas nossos olhares continuam conectados.
— Alice, eu tenho muito medo de te perder. Não tinha notado isso até
você dizer que vai embora.
Wonders sorri fracamente.
— Talvez eu não devesse estar na frente do Heaven naquele dia. Teria
sido muito mais fácil.
— Está dizendo que se arrepende?
Ela nega com calma e se levanta. Alice anda até um canto do quarto,
pensando, e fica de costas para mim.
— Não vai me convencer a ficar.
Bufo. Eu preciso convencê-la, eu preciso que fique comigo. Ela é tudo
que eu quero. Wonders trouxe a verdade e mudou as pessoas sem realmente
tentar. Alice só precisou ser ela mesma, sem teatros, sem superficialidade.
Será que não percebe que todo o caos foi necessário? Há muita coisa
para resolver ainda, mas preciso dela comigo. Eu só preciso dela.
Eu a quero ao meu lado.
Me sinto um tanto egoísta também, porque sei o quanto Wonders precisa
de tempo, sei que quer se entender com o passado, com seus erros, com seus
medos. Mas o frio me consome. E se eu nunca mais voltar a ver seu sorriso?
E se eu nunca mais puder a abraçar fortemente? Até mesmo suas lágrimas me
farão falta.
Ninguém sabe o que pode acontecer. Em poucos dias um caos pode se
instalar, devorar e partir, sem que ninguém esperasse por ele.
A vida é um carrossel idiota. Uma montanha-russa, às vezes.
E se ela vai, quando volta? Afinal, ela volta?
— Alice — me levanto, ando até seu corpo e agarro em sua cintura —,
eu te amo.
— Não vai me convencer — diz baixinho. Essa menina sempre foi
teimosa demais.
— Eu te amo muito.
Não me sinto errado por a querer tanto. Polly Thompson e Chris Vender
não podem mais me controlar. Todo o caos, todas as lágrimas e todos os
problemas valeram a pena, porque ela vale a pena.
— Eu também te amo — me surpreende. Nunca a ouvi dizer isso antes,
apenas imaginei. Sua voz sai cheia de certeza e ela se vira para mim. — Eu te
amo, Nicholas. Te amo há muito tempo e eu confesso que não queria sentir
isso, no começo eu não queria me apaixonar por você. Acontece que é
impossível, porque eu te quero. Eu gosto das mínimas coisas, eu gosto do seu
sorriso e da sua impaciência, gosto da sua voz, do seu calor, da sua
intensidade. Eu te amo mais do que deveria e isso é muito.
Suas mãos encostam em meus braços, Alice encara meus músculos e
não meus olhos. A garota está chorando e eu estou confuso.
Ela disse que me ama.
Eu preciso beijá-la, preciso, desesperadamente, convencê-la a ficar. Me
aproximo do seu corpo, prendendo-o contra a parede, e Alice sorri.
— Me desculpe, mas eu vou embora — sussurra perto dos meus lábios.
Mesmo sabendo que talvez ela realmente decida partir, a beijo com
intensidade. Eu a amo como nunca imaginei ser possível amar alguém. Posso
estar repetindo a mesma loucura de Damon e Pumpkin, mas agora entendo.
Não é errado e nem difícil como disseram que seria. O amor não é difícil, ele
exige coisas, exige atitudes e exige paciência, mas é bom.
Não é simples, mas é incrivelmente forte.
Eu amo Alice Wonders e ela me ama. Agora eu sei disso, com toda
certeza.
— Fique — sussurro, separando nossos lábios. Ela só me entrega um
sorriso curto e um olhar melancólico, como se tentasse decorar cada detalhe
do meu rosto.
— Eu te amo, Nicholas.

O sexo não foi só sexo, eu a tinha comigo e tentei ao máximo não pensar
no fato de que Alice ia embora. Eu senti seu calor, sua calma. Estávamos
diferentes. Então, quando Alice pegou no sono apertada contra meu peito, eu
tive certeza de que não podia a perder, não posso a perder.
Mas também notei ser necessário.
Quando acordei ela já não estava comigo. Alice deixou um colar ao meu
lado, sobre o travesseiro. A serpente que eu tanto adoro.
Ninguém sabe o que vai acontecer depois, mas eu tenho certeza de que
para a ter de volta, preciso a deixar ir. Alice necessita de tempo e eu devo isso
a ela.
Não posso interferir.
E se ela voltar, quando voltar, estarei aqui. E continuarei a amando.
42

DEPOIS
"Haverá felicidade depois de você,
mas houve felicidade por sua causa também.
Ambas as coisas podem ser verdadeiras.
Existe felicidade em nossa história."
Taylor Swift | Happiness

NICHOLAS THOMPSON

O cheiro dela está desaparecendo. Ainda me lembro dele, do aroma de


cerejas, mas parece que nunca aconteceu. Quanto mais o tempo passa, mais
distantes ficamos.
Faz quase três semanas que Alice foi embora, ela voltou para Nova
Iorque e me deixou apenas com lembranças de que, um dia, uma vez, eu tive
coragem suficiente. A mesma coragem que Damon teve.
Eu brinquei com o fogo e não me queimei. Na verdade, gostei do caos
que Alice trouxe, acho que todos gostamos. E agora, ela partiu. Eu aceito
seus motivos, a menina precisa de espaço, mas no meu peito há um vazio.
Não sei se Wonders voltará, não sei se a verei novamente.
Mas sei que a amo.
Acho que corríamos esse risco desde o começo, nos apaixonamos rápido
e não foi errado como alguns achavam que seria. Foi, e é, bom. A gente sabia
que isso ia acontecer, tentamos evitar, mas ficar longe de Alice me era
impossível. E não me arrependo, não mesmo.
Por isso, agora estou enfiado num auditório gigante junto de outros
alunos da Wiston Hill University. Faz mais de trinta minutos que estão
falando sobre o acidente na academia, o incêndio, o crime. Eles optaram por
não tocar no nome de Mateo Price, por não trazer à tona o quão filho da puta
ele é.
Faltei todos os dias depois da partida de Alice, mas Polly me deu um
ultimato. Ela invadiu o meu quarto na mansão Thompson e me mandou sair,
me mandou beber ou andar de moto. Me mandou fazer qualquer coisa, mas
parar de pensar nela, porque isso a irritou.
Minha avó ainda não gosta dela, sei que admira a coragem de Wonders,
a audácia, mas não gosta da menina.
Polly falou sem parar, ela reclamou — sabendo ser boa nisso —, e me
convenceu de que frequentar as aulas seria melhor do que ouvir a sua voz.
— Essa falação não acaba nunca. — A loura ao meu lado, Christina,
murmura me tirando dos devaneios. Eu pensava nos lábios de Alice mais uma
vez. — Afinal, o que vai acontecer agora?
Devo admitir que nunca gostei do jeito dela, mesmo sabendo dos seus
segredos. Parece que finalmente a menina decidiu se aproximar — ou
reaproximar — de algumas pessoas, até porque, era a sua única opção.
Ninguém gosta de ficar completamente só e acho que a Vender já ficou assim
por muito tempo.
Nos últimos dias ela tem me procurado, conversado. E eu ouço, apesar
de tudo.
Bufo sem ter uma resposta para a sua pergunta.
— Estou falando do Mateo — ela diz, encarando meus dedos ainda
machucados. Depois de o socar na cara várias vezes seguidas, acabei
enfrentando a dor dos ferimentos. — O que vai acontecer?
Christina sabia que eu ia atrás dele. A menina me conhece, ela soube no
momento em que a questionei sobre os hematomas que agora já estão
sumindo.
— Depende — suspiro com o ombro da loura colado no meu. — Ele não
será preso.
— Claro que não. — Chris bufa enquanto avistamos Polly Thompson
subir no palco. — Eu disse que não precisava ter feito aquilo, Mateo Price é
intocável.
— Ninguém é intocável.
— Você é, sempre foi. Ou será preso pela briga? Por ter quebrado o
nariz do Jack, por ter socado a cara do Mateo...
— O pai dele tem bons advogados — reclamo. — E você optou por não
tocar no assunto, não levar à frente.
— Mas o Jayden levou.
Não há provas, não há como dizer que Mateo Price colocou fogo na
academia, não há como afirmar que ele queria Jayden morto. E eu,
sinceramente, não acho que ele queria isso. Mateo gosta de assustar, mostrar
o quão terrível pode ser se quiser.
O garoto sempre agiu assim, com todos.
— Ele não me batia — Chris confessa baixinho. — Ele apertava o meu
braço às vezes, não era delicado, mas não me batia. Mateo perdeu a cabeça.
— Não importa, Christina, ele te machucava. Afinal, por que não
terminou isso antes?
Os olhos da Vender me encontram com raiva, ela me examina por
segundos intermináveis.
— Porque eu não queria decepcionar o meu pai. — Sorri friamente. —
Não é óbvio? Ele e o pai do Mateo são sócios, trabalham na mesma empresa,
conversam e almoçam juntos aos domingos. Ele gostava dos Price.
— Olha, você precisa mesmo parar de tentar agradar os outros. —
Assim que digo tais coisas, me dou conta: ela não tenta. — Na verdade,
precisa parar de querer ser melhor que os outros.
— Fácil falar.
— Não, não é.
O silêncio entre nós toma conta. O auditório está quieto, exceto pela voz
de Polly Thompson ao microfone, indicando a data de inauguração da nova
academia, além da construção de mais um prédio. Ela gosta disso, construir
coisas por cima de mentiras.
Mateo Price fez um acordo muito bom, na verdade, perfeito. Ele não
pode voltar à Wiston Hill, isso foi decidido entre Polly e seu pai. Ele não
pode voltar a tocar na Christina ou em mim — aparentemente a minha avó
não gosta das brigas que tivemos durante os anos —, e nem pode tocar na
Alice.
Isso foi uma exigência minha.
Andressa me contou sobre o que ele fez na Red Hell, sobre como a
empurrou após descobrir os segredos da Christina e eu queimei de raiva.
Eu ainda queimo.
Jayden pediu para que Mateo cumprisse alguma pena, mas sem provas
não há como. Na verdade, Polly impediu que provas fossem encontradas. Ela
dirigiu tudo, como se fosse um filme.
Enfim, todos concordaram. Mateo Price saiu de Wiston Hill — como já
pretendia fazer antes de eu o agredir —, sem poder voltar. A família Price
pagará pelas reformas e construções.
Perfeito, superficialmente perfeito.
A falação continua ao meu redor. A voz da minha avó ecoa e eu sei que
cada um nessa sala, sobretudo os mais próximos da Alice, entendem o que
realmente aconteceu. Polly nem se esforça mais para acobertar as coisas.
Ela não precisa, estamos todos cansados.
— Então, acabou — Chris sussurra, interrompendo meus pensamentos
mais uma vez. — Tudo acabou.
Ela está falando sozinha, eu sei. Tudo acabou, toda a falsidade, a
superficialidade, toda a ideia de perfeição, a ideia de ser melhor. Tudo acabou
quando o prédio pegou fogo, quando Alice contou a verdade a Mateo, quando
ela — sem notar — trouxe à tona o lado mais sensível de cada um, os pontos
fracos.
Mesmo assim, algo dentro de mim me diz que não estamos no final. Não
de verdade.
Me viro, tentando encontrar mais rostos já conhecidos, e vejo Jack e
Hannah. Os dois estão juntos na última fileira de cadeiras do grande
auditório. Mais para frente, Madison Foxx, Andressa Morgan e Juliet Rhodes
descansam. Elas têm conversado muito ultimamente.
Descobri que Maddy chora quando se lembra da Alice, porque ela a
abandonou depois da tempestade. Acho que todos a abandonamos.
É difícil saber onde tudo isso começou, onde as coisas começaram a se
encaixar — ou desencaixar, depende do ponto de vista. Foi quando Wonders
chegou? Quando ela conquistou cada um? Foi com a primeira fofoca de Chris
Vender? Foi com o nosso primeiro beijo? Foi no enterro da minha mãe, na
volta do meu pai, no namoro de Tommy e Maddy, na chegada de Alexander?
Ou foi quando ela se deparou com a verdade sobre si mesma? Alice
Wonders não é tão diferente de todos nós, ela foi criada ao redor da
superficialidade, dinheiro, segredos e mentiras. Ela é assim e, de alguma
forma, conseguiu escapar.
Alice nunca quis agradar a todos, nunca quis ser melhor ou especial. A
menina era ela mesma, com toda a dor e toda a bagunça, por isso eu a amei.
Por isso a amo. Por isso, ela causou tanta chuva num mundo falsamente
colorido. Porque ela era real.
Mas Alice Wonders também tinha segredos, ela tinha coisas a esconder
de si própria. E a verdade dói.
Também não sei se tudo começou a andar quando Chris postou sobre o
acidente. Talvez não exista um culpado, todos nós somos culpados. Todos
temos nosso próprio caos e isso nem sempre é ruim. Quem sabe Alice
Wonders tenha nos unido numa bagunça deliciosa e dolorosa, em algo
necessário.
Eu repito, ela foi, e é, necessária.
Alice não era daqui, não conhecia os moradores desde a infância, não
vivia nas mentiras e teatro de Polly. Alice Wonders chegou e fez o que achou
ser certo, o que todos tinham medo de fazer. Ela nunca odiou Madison,
mesmo tendo motivos para isso, ela nunca se afastou da Andressa e nunca foi
uma babaca com a Hannah. Ela amou Grace e me amou. Wonders fez as
pessoas rirem e as fez chorar. Alice fez a Christina encarar a realidade pela
primeira vez, fez Polly Thompson se calar como nunca antes. Ela reanimou
Jack e deu coragem a Tommy.
Ela quebrou tantas regras, muitas nem existiam de verdade, eram só
coisas que nos forçávamos a seguir.
E eu sinto falta dela.
Eu sinto falta de Alice Wonders todos os dias.
Mas sempre há um depois para uma tempestade.
42.1

AGORA
"Eu ainda quero você,
mas não pelo seu lado ruim,
não pela sua vida assombrada.
Só por você."
Foxes | Devil Side

NICHOLAS THOMPSON

— Seu aniversário 'tá chegando — Jack diz, me entregando um cigarro e


se encostando no carro antigo do Tommy, ao meu lado. — Aquela falação
toda foi um saco.
— Eu sei — murmuro e trago. — Eu sei das duas coisas. — Rimos.
A Red Hell está fechada hoje, o calor ainda não retornou à Wiston Hill e
já é fim de tarde. Não temos muito o que fazer.
— Você não quer que eu toque no assunto, certo? — ele pergunta e me
encara com curiosidade.
— Alice ou...
— Você e a Chris Vender parecem próximos.
Trago mais uma vez e solto a fumaça lentamente.
— Ela ficou muito sozinha — revelo. — Eu sei que a Chris não era
muito amigável...
— Amigável? — Jack ri e tira os olhos de mim, encarando o chão à
nossa frente. — Eu não acho que você esteja errado, Nick, seria muita
sacanagem deixar ela sozinha agora.
— Seria o tipo de coisa que a Vender faz.
Ficamos em silêncio por alguns segundos. Não virei o melhor amigo da
Christina, mas ela precisa de alguém para perguntar se está bem. Além disso,
parou de odiar a Alice.
Ela parou de sentir algumas coisas.
Até Maddy está cogitando a perdoar.
— Como estão as coisas com a Polly? Nunca imaginei que você fosse
voltar à Mansão. — Essa foi mais uma mudança. Quando Alice partiu eu
decidi ficar mais tempo em casa com Grace e Damon, decidi que não preciso
odiar meu pai. — É estranho.
— Vai parar de ser estranho. — Apago o cigarro, jogo a bituca no chão
e suspiro. — Quero voltar para o dormitório, eu já passei um bom tempo em
casa.
— E a Grace?
— Ela vai ficar bem, parece mais próxima do Damon. Afinal, cadê o
Thomas? Ele está demorando muito.
— Não sei, disse que ia se arrumar.
— Se arrumar? — Rio, me desencosto do carro e vou de encontro com a
porta da boate.
Eu, Jack e Thomas íamos ao Heaven hoje para beber, conversar e tentar
esquecer algumas coisas, mas, aparentemente, Tommy está atrasado.
Abro a porta com rapidez e me enfio no salão vazio.
— Tommy! — grito ao vê-lo no telefone, seu tom de voz é baixo, não
consigo ouvir muita coisa. — Vamos, cara!
— Espera, Thompson! — exclama na minha direção e anda até o
corredor que leva aos quartos.
É óbvio, Thomas não quer que eu ouça. Jack aparece ao meu lado e me
encara com dúvida.
— Nós vamos ou não?
— Quando ele terminar o que está fazendo.
Volto com o garoto para a rua e noto que a noite já começa a aparecer.
Enfio uma das mãos no bolso da calça, procurando pelo celular para ver que
horas são. Não quero voltar cedo, porque não quero me encontrar com a
Polly, mas não posso ir embora tarde.
Assim que meus dedos se afundam no bolso apertado, sinto uma
corrente fria tocar neles. Eu sei o que é e sei porque está aqui. Não me movo,
me deixo travar quando me lembro do colar de serpente da Alice.
— Thompson, o que foi? — Jack questiona, percebendo a minha falta de
palavras e a minha expressão de surpresa. Eu ando com o colar, porque gosto
de me lembrar dela, mas, às vezes, me esqueço de que ele me acompanha.
— Nada — minto, gaguejando. Volto ao lado do carro e bufo de forma
agressiva.
— Você nunca soube mentir pra mim. Está pensando na Alice, como
sempre.
— Nem sempre — minto mais uma vez. Eu gosto de pensar na minha
teimosinha. — Só não consigo falar com ela.
— Talvez ela não queira falar com você e talvez não seja pessoal. Alice
precisa de tempo, sabe disso.
O encaro com certa tristeza em meus olhos.
— Eu sei e também sei que todo mundo a tratou mal pra caralho, Jack.
Todo mundo achou que a Alice tivesse feito uma merda, nós agimos com
superioridade, como se nunca tivéssemos errado.
— Nick, foi ruim pra todo mundo e a Alice não foi embora por isso, ela
foi embora porque...
Antes que ele possa explicar o que pensa, Thomas surge à porta, nos
interrompendo. Ele parece agitado, completamente ansioso.
— Está tudo bem? — pergunto. Seus olhos encontram os meus e o vejo
mentir.
— Sim, ótimo. Vamos? Não posso voltar tarde, tenho que cuidar de
algumas coisas.
— Madison? — Jack brinca e Tommy finge rir, mas eu sei, não é disso
que ele está falando.
— Não, dessa vez não.

Ficamos em silêncio enquanto Thomas dirigia pelas ruas de Wiston Hill,


enquanto ele nos trazia ao Heaven Bar. Hannah já nos esperava, apoiada no
balcão e completamente animada com a ideia de um encontro e conversas.
Ficamos quietos e digerindo tudo por dias, agora precisamos entender que
não há nada a fazer.
Joe, o dono do Heaven, a deu uma folga. Hannah Lewis se sentou com a
gente numa mesa isolada, perto do jukebox. Madison chegou depois de certo
tempo, ela estava na psiquiatra.
Por minutos consigo me distrair, rir e conversar sobre coisas aleatórias.
— A que vamos brindar? — a loura pergunta, se apertando ao lado de
Thomas. — Quer dizer, vamos brindar a algo, certo?
— Alice Wonders? — Jack provoca. Nos calamos no mesmo instante.
— Sério, por que agem como se ela tivesse morrido ou sei lá? Alice foi
embora porque quis, ela precisava. Não é pecado tocar no nome dela.
Posso notar a exaustão na voz do garoto, é como um desabafo. Nos
encolhemos quando Wonders é citada, nos culpamos.
— Jack tem razão, Alice precisava ir — conto, baixando a cabeça. —
Mas acho melhor não fazer esse brinde, por motivos óbvios.
Alice é alcoólatra, esse é o motivo óbvio. Não quero envolver o nome
dela e bebidas na mesma frase, nunca mais. Eu a vi sofrer por isso, por
poucas vezes, mas vi.
— Certo, então vamos brindar ao seu aniversário — Hannah continua,
tentando mudar o clima que se instalou à mesa. — Está chegando.
Rio e rolo os olhos. Todos estão muito mais animados que eu, é claro,
mas gosto de fazer aniversário.
Fico pensando se Alice se lembrará da data. Há dias tento ligar para ela
e quando não desligo pensando em deixá-la em paz, a menina não atende.
Todos à mesa continuam conversando, mas só consigo focar na
ansiedade de Thomas, em como ele ainda parece preocupado com algo.
Depois da tal ligação, o menino não conseguiu mais parar de olhar o celular.
— Então, Nicholas, quer uma festa? — Maddy pergunta e sorri. Eu
penso em dizer não, mas para quê? Está na cara que a menina planeja algo.
— Madison, eu te conheço há anos. Você sabe que odeio surpresas —
conto e bebo mais um pouco da cerveja.
— Não é surpresa se você sabe que vou fazer a festa, querendo ou não.
— Há certo brilho em seus olhos. Me anima saber que a loura conseguiu
superar o que tivemos.
Agora somos bons amigos, apenas.
— Olha, eu aprovo a ideia da festa — Hannah se intromete. — A gente
precisa de um pouco de diversão.
— Que tal na Red Hell? — Maddy pergunta e se vira para Tommy, que
não está prestando atenção alguma na nossa conversa. Ele parece focado no
celular, como se esperasse por algo. — Thomas!
— Oi! — Os olhos do menino passam por todos nós. — O que na Red
Hell?
— A minha festa de aniversário. — Há rispidez em minha voz. Não
gosto de surpresas, nem de segredos, e Thomas sabe disso. Já entendi, o que
quer que esteja acontecendo não deve chegar até os meus ouvidos. Ele se
escondeu rapidamente quando o encontrei falando com alguém hoje.
Tommy está mentindo dessa vez, ou melhor, omitindo.
— Acho melhor não, vou fechar a Red Hell por uns dias — ele diz,
calmamente. — Pode ser em outro lugar. Que tal na sua casa?
— Na minha casa? — Rio. — Com Polly Thompson? Tem certeza de
que quer isso?
Apesar de estarmos nos divertindo, há uma tensão presente, e parece que
essa nos persegue desde a manhã após o incêndio.
— Meus pais vão sair da cidade por uns dias. Pode ser na minha — Jack
sugere. Eu não entro na mansão dos Carter há anos, só de pensar nisso, sinto
arrepios.
— Na verdade, parece ótimo — Thomas responde antes de mim. — Se
todo mundo concordar, claro.
— Por mim tudo bem. — Tiro tais pensamentos da minha mente. Elle
Carter é passado, ela já se foi e merece ser lembrada, mas não da forma que
eu lembro. Sem essa dor, culpa e tristeza.
Talvez reencontrar algumas partes do passado não seja algo tão ruim.

Quando Tommy estaciona à frente do dormitório, eu não desço


imediatamente. Preciso perguntar sobre o que tanto pensa, mas não sei se
devo. Descobri que algumas pessoas preferem não tocar em certos assuntos.
Fico sentado ao lado do menino, no banco do passageiro, olhando para o
prédio. Me mantenho quieto e Thomas também. Não há pressa, nem palavras.
— Você sente falta dela — ele sussurra, percebendo que encaro a janela
do meu quarto. — Não é?
— Cada dia mais e, ao mesmo tempo, parece que Alice está
desaparecendo. — O fito. — Você não sente falta?
Tommy assente sem animação. Ele foi o primeiro a ficar bravo com a
garota, a repreendê-la.
— Acho que em alguns momentos eu poderia ter tomado outra atitude
— revela. — A minha relação com a Wonders é diferente da sua, Nick.
— Eu sei, vocês dormiram juntos.
— Não tô falando disso. — Thomas bufa. — Ela é diferente. Alice
surgiu do nada numa festa na Red Hell, eu dormi com ela e não imaginei que
fosse a encontrar de novo. Depois disso, cada vez mais, a garota se
aproximava. Foi completamente inesperado.
— E ela gostava de você. — É verdade, Wonders confiava em Thomas.
— Você agiu da forma que Alice esperava, Tommy. Não precisa se culpar.
— É, mas todo mundo está pegando um pouco da culpa, não é?
Principalmente depois da verdade, depois do Mateo...
— Com quem estava falando? — Não consigo me lembrar desse garoto,
por isso, o interrompo. Quando Andressa me contou sobre a forma que Mateo
tratou Alice na Red Hell, antes de a agredir, fiquei furioso. Eu queria bater
mais nele.
E ainda quero.
Demorei para aceitar o fato de que cada soco não mudaria o passado e
não traria Alice de volta.
— Quando?
— No telefone. — O encaro, olhos nos olhos. — Você não queria que
eu ouvisse.
— E claro que você notou. — Antes que eu possa abrir a boca para
responder, o menino continua. — Nicholas, eu acho que você ainda vai me
odiar, ou não. Depende. Mas não vou te contar nada agora.
— Então era sobre mim?
— Não vou te contar nada agora.
— Talvez eu já esteja te odiando.
— O meu medo é isso piorar — sussurra e liga o carro, quase me
expulsando. — Me prometa uma coisa, quando algumas coisas vierem à tona,
não vai quebrar meu nariz.
Penso um pouco. O que ainda pode vir à tona? O que ainda pode ser
revelado? Thomas parece sério, ao mesmo tempo, calmo.
— Não vou te prometer nada agora.
É tudo que digo antes de descer do carro e andar até o dormitório.

O meu ritual diário.


Eu pego o telefone, procuro pelo número e ligo, sabendo que ninguém
vai atender. Alice não vai atender. E eu só queria ouvir a voz dela.
— Nicholas — Jack chama, tentando me fazer desistir. Eu não
respondo, continuo sentado na cama, segurando o colar e ouvindo os toques.
Chama uma, duas, três, quatro, cinco e, finalmente, para. — Ela não atendeu,
não é? — o meu amigo pergunta, cruzando os braços, parado à porta do
banheiro.
Nego.
— Você mesmo disse que quer a dar espaço. Deixe ela pensar, Nicholas.
— Eu vivo numa indecisão diária, Jack. Eu quero que ela fique bem,
quero dar espaço, mas preciso saber o que está acontecendo.
— Você não precisa saber, Thompson! — exclama e anda na minha
direção. — Você quer saber, é diferente. Não sei se consegue ver isso,
provavelmente não, porque é um masoquista, mas está se torturando. Alice
veio aqui, ela disse tchau pra você — Jack enfatiza a última parte. — Só pra
você. Acha que ela queria que ficasse sofrendo? Não é justo!
Respiro fundo e engulo qualquer resposta que possa aparecer. Ele está
certo, eu gosto de ficar me torturando, me culpando, me cobrando. Alice
conversou comigo, ela disse que me ama — e isso ainda ecoa na minha
cabeça.
Apenas essas coisas importam.
— Pare de se torturar, cara. — Jack se joga no colchão à minha frente.
— Mesmo. Você precisa parar. Ela vai falar com você quando estiver melhor.
— Tudo bem — respondo contrariando um lado meu, aquele que deseja
ligar novamente. Jogo o celular na cama e tento focar em outras coisas. —
Tommy está escondendo algo.
Jack suspira e tira a camiseta.
— Que tipo de coisa?
— Eu não sei, ele só me disse que vou odiá-lo por algo — bufo. —
Acha uma boa ideia fazer a festa na sua casa?
— Na verdade, eu ia perguntar isso. Você vai ficar bem?
— Jack, eu gostava muito da sua irmã — revelo, baixando a cabeça. O
silêncio que segue as minhas palavras é de surpresa, eu não falo de Elle com
frequência e, talvez, esse seja um erro. Engulo em seco e continuo. — Eu
gostava muito mesmo, mas não ficarei sofrendo. Não mais. Eu não posso.
— Você não a amava, não é? — Nossos olhares se encontram. — Quer
dizer, não igual você ama a Alice.
— Elle era muito especial pra mim e eu a amei sim, mas é diferente.
— Foi o que eu disse, é diferente — murmura e anda até o banheiro
mais uma vez.
— Vou ficar bem com a festa, mas só se vocês chamarem a Christina.
— Nem fodendo. — Ele ri alto antes de fechar a porta na minha cara.

Acordo com o som estridente do telefone tocando ao meu lado na cama.


No começo achei que estivesse sonhando, achei que Alice pudesse estar
retornando as minhas ligações. Daí abri os olhos e notei que é real.
O som é real.
— Atende logo, porra — Jack reclama rolando no colchão.
Agarro o aparelho, minha visão ainda está borrada, meus olhos ardem,
mas consigo ler o nome na tela. O nome que tanto amo.
Alice Wonders.
Atendo entrando em desespero, há mais seis ligações registradas.
— Alice? — exclamo alto o suficiente para fazer Jack acordar. Ele me
encara com surpresa e confusão nos olhos.
— Oi, oi — alguém diz. Não é a voz de Wonders, o tom é jovial, calmo.
— Você é o Nicholas ou Nick?
Me pergunto o que deve ter acontecido para me ligarem de manhã, mas
apenas respiro fundo e respondo.
— Sou eu sim.
— Nick, meu nome é April. A gente não se conhece, bom, eu te conheço
mais do que deveria — ela fala como se não tivesse noção da confusão que
me causa. — Bom, eu sou a...
— Irmã mais nova da Alice — termino.
— Ah, então você me conhece. Que ótimo — brinca e ri docemente.
Mesmo ansioso, um lado meu gosta da garota e do seu jeito.
— April, vamos começar de novo. Está tudo bem?
— Com a Alice? Sim, sim — diz enfatizando cada resposta. Suspiro de
alívio. — Eu contei pra ela que você não para de ligar, sabe, toda hora, todo
dia. Alice está internada, Nick.
— Internada? — Engasgo.
— Numa clínica de reabilitação, foi ideia dela. Antes de ir, a minha irmã
me contou sobre Wiston Hill e sobre você. Ela deixou o celular comigo e
ontem foi dia de visita, Alice me pediu pra atender quando comentei sobre as
suas ligações. Ela pediu pra eu te contar a verdade.
— E como ela está?
— Ela está melhorando. Algumas coisas mudaram por aqui também...
— Seus pais? — questiono ao me lembrar da separação.
— A minha mãe foi embora, o que não faz muita diferença, pra ser
sincera. Alice vai ficar bem, Nicholas.
— Nick. — É instintivo.
— Tudo bem, Nick. — Algumas vozes surgem ao fundo, cobrindo a de
April. — Eu preciso ir, tenho aula agora.
— Obrigado, April — sussurro antes da menina desligar.
A conversa acaba tão rápido quanto começou. Meu coração relaxa, meus
arrepios cessam. Alice está bem e ela quer que eu saiba disso.
— April? — Jack joga as pernas para fora da cama e me encara.
— April Wonders, a irmã mais nova da Alice.
— E ela te ligou? — O menino não é muito esperto pela manhã, ele
demora para associar as coisas, principalmente quando é acordado contra a
própria vontade.
— Alice está bem — explico. Jack franze o cenho. — Parece que ela se
internou numa clínica de reabilitação, por isso não atende as minhas ligações.
— Eu não esperava por isso — conta.
Nem eu, mas me sinto feliz em saber que está tentando. E agora, estou
menos desesperado.
Alice está bem.
43

FALTA
"Oh você está me derrubando,
assombrando meus sonhos.
Eu gostaria de acabar com o mundo com você."
JPOLND | The End

NICHOLAS THOMPSON

— Demorou — Chris diz quando paro a moto na frente da fraternidade.


— Achei que não viesse.
Tenho dado caronas a ela desde que Jayden se afastou. Os dois não estão
mais juntos, aparentemente o incêndio foi o ponto final da relação e Chris,
que nunca imaginei poder se abalar, chorou em meu ombro por uma noite
inteira.
Até porque, sou o dono do único ombro que restou.
— Ainda duvida de mim? — questiono e ela sorri de canto, sem ânimo.
Chris Vender pega o capacete da minha mão e o coloca sem ajuda.
Ela ainda parece a mesma menina superficial, mas eu sei que algo
mudou. Já os outros fazem de tudo para não admitir que Chris pode ser
diferente. Ela não virou outra pessoa, mas melhorou.
Não posso dizer que estava certa, na verdade, a Vender errou muito;
contudo, tenho que reconhecer, ela está tentando parar de fazer as mesmas
merdas de sempre.
— É bom se segurar — murmuro e me ajeito sobre a moto. Christina
segura na minha cintura sem se atirar em mim, como costumava fazer.
Eu piloto com toda velocidade pelas ruas ainda vazias de Wiston Hill,
indo até o Waver's. A viagem não demora muito e, pela primeira vez, não há
um peso em meu peito, não há um desespero me consumindo. Não me sinto
ansioso.
Jack está certo, não posso ficar me torturando, esperando que Alice me
odeie. Porque sim, um lado meu quer isso, quer o sofrimento.
A menina está bem e isso me importa mais que qualquer outra coisa.
— Pode pedir o que quiser — Chris diz assim que o sino da porta da
lanchonete soa sobre a nossa cabeça. Ela se afasta com pressa, indo até uma
mesa isolada.
Ando até Andressa que, pelo visto, não vai à aula hoje. Deve estar
cansada das palestras e falações sobre o incêndio e as regras da universidade,
que a Polly insiste em fazer.
— Está andando muito com ela — logo comenta. Apoio as mãos sobre o
balcão e a encaro. — Viraram amigos?
— Acha que devo a ignorar?
A ruiva suspira e nega.
— Depois de tudo que a Chris fez, não posso dizer o que é justo ou não.
Eu não seria imparcial — confessa. Andressa ainda sente raiva pelas fotos
espalhadas na internet e não é para menos. Ela foi humilhada e Chris Vender
é a responsável.
— Eu só acho que todos nós sofremos o suficiente. Ninguém estava
completamente certo, não é?
A ruiva sorri de canto, me mostrando que, na verdade, ela sempre esteve
certa. Ela nunca fez algo de ruim, nunca foi horrível com a Alice e nem
comigo. Andressa foi a mais imparcial de todos nós.
— Talvez, você tenha errado menos — sussurro. — Pode servir o de
sempre, panquecas. — Mudar de assunto se tornou uma tática muito útil. —
Por favor.
Eu não quero mais ouvir as opiniões alheias, me sinto errado e certo por
estar fazendo companhia a Vender, me sinto culpado pela partida da Alice e
me sinto quebrado. Ver o quão doce Andressa sempre foi não ajuda.
Eu não consigo colocar metade desse peso nela, porque a garota é a
menos errada, se é que errou.
Quando me aproximo, noto que Christina ajeita o cabelo, encarando seu
reflexo na câmera do celular. Me jogo no banco à sua frente e a analiso.
— Não se cansa disso? — ela pergunta.
— De você? Já me cansei há muito tempo. — Rimos juntos. — Do que
está falando?
— De tentar ser legal comigo, Thompson. Você não precisa fazer isso, é
óbvio que todo mundo está com raiva de mim. Eu sei que fiz muita merda,
você precisa parar de me proteger do efeito delas.
— Não tô te protegendo — minto, me encostando e fingindo
indiferença. — Mas acho que já basta de sofrimento, não?
— Não seria um sofrimento, seria justo. Todo mundo arcou com as
consequências, menos eu.
— Então, vai bancar a arrependida? Quer que eu te deixe sozinha e
comece a te ignorar, é isso? — Percebo o quão ríspido estou sendo. Rio de
nervoso e indignação. — Você não tem limites mesmo, Vender.
— Não quero bancar a coitada — reclama. — Não preciso que você
finja gostar de mim. Eu estraguei muitas coisas, até pra você, e ainda não te
ouvi me xingar. — Um biquinho surge e Christina cruza os braços.
Ficamos em silêncio, um encarando o outro, sem muita paciência com
nossas próprias mentes. Eu sorrio com frieza e ela me examina de cima à
baixo.
— Você pode continuar bancando o bonzinho, mas não é assim, nunca
foi. Eu te conheço, Nicholas Thompson.
— Quer saber? Eu poderia sim parar. Eu poderia jogar na sua cara o
quão venenosa você foi, mas nem sei por onde começar! Pelo colégio, que
tal? — Me inclino para frente e apoio as mãos na mesa. — As fofocas sobre a
minha irmã, a forma como tratava Elle Carter. Foram tantas coisas, não é,
Christina?
A loura engole em seco e morde o lábio, se mantendo quieta.
— Você não saiu de cima da Alice desde que ela chegou em Wiston
Hill, e por quê?
— Eu não gostava dela — gagueja.
— Não gostava ou tinha inveja? Todo mundo gostou da Alice, ela nem
precisou se esforçar, mas e você? Todo esse teatro e essa atuação idiota. Tudo
isso pra nada? Pra ser a segunda melhor? A esquecida?
— Você não sabe do que está falando! — exclama com raiva e lágrimas
nos olhos, batendo as duas mãos na mesa.
Todos que estão no restaurante se viram para nós, eles nos encaram e
deixam o silêncio dominar o lugar. Até mesmo Andressa parece chocada.
Christina joga alguns fios para trás dos ombros e se ajeita, fingindo não ter se
quebrado por dentro.
Eu a atingi.
— Você me pediu pra parar de ser bom.
Depois da discussão, Chris evitou até mesmo olhar para mim. Dessa vez
ela me apertou quando pilotei até o Campus, era raiva. A loura entrou sozinha
no prédio principal, me deixando para trás e trinta minutos adiantado. Ela
exigiu que eu chegasse cedo, mas agora não encontro muita utilidade para o
meu tempo.
Não há o que fazer, apenas esperar, e em momentos como esse eu me
sinto afundando em memórias. Me sento num dos degraus na frente do
prédio, acendo um cigarro e tento matar meus pensamentos.
— Nicholas — alguém chama. Me viro com pressa e encontro os cachos
de Juliet, soltos e lindos.
A menina se ajeita ao meu lado, mesmo sem ser convidada, e me fita.
— Não te vejo há alguns dias — comento e tiro minha atenção de seu
corpo, encaro a Harley-Davidson modelo Iron 883, estacionada à alguns
metros de nós.
— Digo o mesmo. Quando vai me levar para andar de moto? — Ela é
direta. Juliet tem tentado se aproximar desde que chegou em Wiston Hill.
Arregalo os olhos e a encaro, rindo sem querer.
— Você poderia tentar ser mais sutil.
— E-eu — gagueja —, só queria um passeio. Não estou flertando com
você. — A menina faz uma careta.
— Sendo sincero, Juliet, parece que está sempre flertando. Mesmo.
— Isso é bom, você nunca vai saber quando eu estiver.
Ela sorri maliciosamente e se volta à Harley. Admiro esse lado da
menina, ela é destemida e eu gosto disso.
— Mas é sério, eu nunca andei de moto.
— Nunca? Nunca mesmo?
Juliet move a cabeça numa negativa, enquanto eu trago.
— Posso te levar pra algum lugar depois da aula. — Não quero ser rude
com ela, a garota parece legal. — É só escolher.
— Que tal a praia? Heaven Bar.
Assinto, pensando nas bebidas e no cheiro do mar.
— Você sabe que não vai rolar nada entre a gente, não é? Quer dizer, eu
e a Alice...
— Você gosta muito dela, Nick. — Juliet volta a me olhar, ela ergue as
sobrancelhas como se estivesse falando sobre algo óbvio. — Eu sei disso,
todo mundo sabe.
— Ótimo — sussurro.
— Alexander não vai mais incomodar vocês, ele está preso no
dormitório há uns dias, não quer sair. Acho que percebeu a cagada que fez.
— Ou está bebendo muito — sussurro mais uma vez. Juliet franze o
cenho. — Tenho me encontrado com ele mais do que gostaria, Alexander
parece ter se perdido nessa merda toda.
— Ele achava que gostava da Alice e claro que o nome daquilo não era
gostar, era obsessão. Quando viu o que a Chris postou, se arrependeu na hora.
— Bom saber, assim não preciso quebrar a cara dele. — Confesso que já
cogitei isso milhares de vezes, mas nunca cheguei perto do menino.
Porém eu queria.
Juliet ri baixinho e, dessa vez, olha para as próprias mãos.
— Me perguntei várias vezes o porquê de não ter feito isso ainda — diz.
— É uma ótima pergunta.
— Bom, você pode me responder no Heaven, depois da aula. — Quando
a analiso, ela sorri de canto. — Eu não estou flertando, Nick.
Respiro fundo, eu realmente não sei quando Juliet está sendo simpática
ou se atirando em mim. Ela tem um jeito sensual de falar e sempre escolhe as
expressões faciais erradas.
— Não achei que estivesse — minto e apago o cigarro.
A garota se levanta e parte sem puxar mais conversa. Ela sabe a hora de
ir embora.

A aula terminou rápido. Eu estava presente dessa vez, anotei tudo, ouvi
cada palavra. Me mantive focado como nunca antes e Chris, às vezes, se
virava para trás, me examinando.
Ela me pediu para ser cruel, mas tem medo de eu partir e a abandonar.
Não farei isso, apesar de tudo, ela não merece. Quando saímos da sala, Chris
me parou no corredor e disse que passará a tarde na biblioteca, o que me foi
uma ótima notícia, visto que vou sair com Juliet.
Algumas aulas em Wiston Hill parecem ser mais longas que outras e
esse é o caso da novata. Me sento nos degraus à frente do prédio, esperando-
a, e nada. Apenas demora e silêncio.
Agarro o maço de cigarros, pronto para voltar a fumar, quando ouço o
celular tocar em meu bolso.
O mesmo nome de antes. Alice Wonders.
— April? — suspiro ao atender.
— Ai que bom, você se lembra de mim — brinca, me fazendo rir
baixinho. Eu preciso a conhecer pessoalmente, a menina tem o mesmo senso
de humor e respostas afiadas da irmã. — Gostei de conversar com você,
Nicholas.
— Nick — corrijo de novo. — Só Nick.
— Certo, só Nick. Gostei de conversar com você.
— Alguém já te disse que você é a mais irritante das Wonders? — Rio
mais uma vez.
Já, toda hora. Alice aprendeu tudo comigo. — April soa ofegante. — Eu
queria conversar de novo, também tenho um recado da minha irmã.
— E só lembrou disso agora? — provoco.
— Pode calar a boca? Preciso terminar de contar o que ela pediu. Eu
tinha aula, não posso usar meu celular na sala — respira fundo —, meu
professor me mataria.
— Você não pode usar o celular na escola?
— Dependendo da aula, não posso nem respirar.
— É notável, está ofegante — brinco e a garota fica brava. Parece muito
com a Alice.
— Eu estava na aula de ginástica! Olha, a Alice disse que vai te mandar
um presente e ela pediu pra você usar, por favor.
— Um presente? Usar?
— A ligação falhou, por um acaso?
E novamente, solto uma risada. Eu jurava que ninguém poderia vencer
Alice no quesito irritante e engraçada, mas estava errado.
— Deixa eu te perguntar, tem um motivo pra Alice ter deixado o celular
com você e ter te pedido pra falar comigo?
— Eu sou a preferida dela, claro. Você vai usar o presente? — pergunta
e, finalmente, para de arfar.
— Acho que vou, não tenho ideia do que é.
— Bom, quando descobrir, me conte. Tenho que ir.
April não espera por um tchau, ela apenas desliga. Fico boquiaberto por
segundos que parecem não ter fim, não sinto que acabei de falar com uma
menina de quatorze anos, ela é esperta demais e tem as respostas certas para
os momentos errados.
Encontro Juliet ao meu lado e guardo o celular no bolso.
— Demorou — digo.
— Isso dá câncer, vai te matar. — Ela aponta para o maço.
— Sabe, essas coisas estão escritas na caixa, não precisa me contar.
A menina rola os olhos e me assiste levantar.
— Está pronta?
Ela assente com animação.

Cada vez que acelero, Juliet agarra mais em minha cintura. Ela me
aperta com agressividade e desespero, temendo cair. Me divirto no começo,
mas quando noto seu nervosismo, opto por parar perto da praia. Estávamos
quase chegando no Heaven, mas acho que ela precisa respirar.
Estaciono e espero. Juliet parece ter travado.
— Está tudo bem? — pergunto num tom doce, nem todos se divertem
em motos. Me lembro da primeira vez em que andei com Alice, de seu
sorriso animador, sua respiração lenta, de como ela adorou a adrenalina.
Juliet não me responde. Desço o olhar e encontro seus dedos unidos,
apertando meu corpo, agarrando em minha cintura.
— Sabe, é muito emocionante, mas muito assustador. — Ouço-a
sussurrar e acabo rindo. Ela me solta com calma. — Não posso opinar ainda.
— Tudo bem, nem todo mundo gosta. Prefere ir andando ao Heaven?
Não ouço sua resposta, ela parece quieta demais para alguém que adora
flertar com estranhos. Retiro o capacete e me afasto, saindo da Harley-
Davidson.
— Podemos ir andando — enfatizo, encontrando seus olhos castanhos e
lábios carnudos. — Se quiser.
— Não seria justo, você tem uma moto. Acho que posso aguentar até lá.
— Rola os olhos.
— Não vou te forçar a fazer algo que não quer, Juliet. Podemos andar —
repito. A garota sorri levemente e assente, aproveitando para analisar meu
abdome e peitoral cobertos pela camiseta.
Depois de alguns segundos, nos ajeitamos e eu me coloco ao lado da
moto. Juliet anda comigo até o bar e eu arrasto a Harley pelas ruas.
— Sente falta da Alice? — É a primeira coisa que pergunta, para
quebrar o silêncio. — Quer dizer, vocês eram bem próximos.
— Sinto sim — suspiro, tudo que quero é mudar de assunto. Sei que a
garota está bem, mas não posso comentar sobre, a saudade me consome.
Há sentimentos que não consigo controlar.
— O que estava acontecendo entre vocês, afinal? Pareciam um casal,
mas me disseram que...
— Quem te disse? — questiono tentando soar amigável.
— Tommy, o seu amigo. Ele me disse que você e Alice não
namoravam...
— Não, a gente não namora, mas estamos juntos. Ou estávamos.
— E como isso funcionava? — Juliet está animada, ela faz perguntas
como se fosse uma criança curiosa. Acelero o passo e, ao seu lado, atravesso
a rua.
Nós dois paramos no estacionamento do Heaven Bar.
— Só funcionava, não sei explicar. — Deixo a moto numa das vagas e
examino a garota.
— Isso nunca funcionou pra mim — conta e suspira. Parece que mais
alguém tem segredos.
Dessa vez, opto por não ser curioso.
Todos nós tivemos nossas vidas colocadas de cabeça para baixo, tudo
porque alguém queria espalhar fofocas e mentiras. Juliet Rhodes merece ter
espaço e o direito de esconder coisas dos outros, mesmo que seja a única com
esse direito em Wiston Hill.
Aceno com a cabeça, a chamando para o bar. Juntos entramos no lugar
vazio, onde Hannah já está trabalhando. Assim que a porta se fecha, a
baixinha de cabelos azuis me encara e abre um sorriso.
— Finalmente alguém que eu gosto — brinca. Pisco para ela e então, a
mesma nota Juliet ao meu lado. — Ora ora, parece que a novata veio
conhecer o bar.
— Hannah, certo? — a menina pergunta e se joga num dos bancos.
— Sim, e você é Juliet Rhodes. Te vi na festa da fraternidade. É a Irmã
do Alex...
— Ele não é meu irmão, nossos pais se casaram — corrige no mesmo
instante.
Aparentemente, a menina não gosta de ser chamada de irmã do
Alexander. Juliet insiste em afirmar que não são da mesma família, não de
verdade.
— Certo. — Hannah sorri. — E o que vai querer?
— Uma cerveja — responde.
— Rum? — A bartender me fita e eu confirmo, me colocando ao lado de
Juliet. — Claro.
Hannah pega duas garrafas, uma é para a novata e a outra está cheia da
minha bebida preferida. Ela me serve com calma, desliza o copo pelo vidro
do balcão e me encara.
— Fiquei sabendo que a irmã da Alice te ligou.
— O seu namorado nunca vai aprender a guardar segredos, não é?
Hannah rola os olhos.
— Não temos segredos, Nicholas. Alice está bem?
— Sim.
— De verdade? — A baixinha parece preocupada e não duvidosa. —
Ela está sem beber mesmo?
— Reabilitação — sussurro.
— O quê? — Juliet indaga e nos encara. Troco alguns olhares com
Hannah antes de continuar.
— Ela escolheu isso, Alice quer ficar sóbria.
As duas se calam, o momento perfeito para mudar de assunto.
— Vão à minha festa? — Soo áspero, é estranho chamar de minha
festa quando na verdade, não gosto de festas de aniversário, só gosto da data.
— Claro, acha que vou perder isso?
— Que festa? — Juliet pergunta em seguida.
— Meu aniversário está chegando, vão fazer uma festa na casa do Jack.
A novata sorri esperando que alguém a convide, mas não o faço. Essa
parte fica para os organizadores de tudo, ou seja, Jack, Hannah e Madison.
— Me passa seu número, está convidada. Eu te mando o endereço e
hora. — Hannah diz.
As duas continuam conversando e me esquecem por alguns segundos.
Nenhuma palavra me chama atenção, isso porque estou perdido, encarando a
mesma pessoa desde que a encontrei isolada num canto qualquer.
Alexander está jogado num banco, segurando uma garrafa vazia e
olhando para o nada. Eu não havia notado sua presença, mas ele está aqui, se
embriagando.
O menino parece completamente quebrado.
— Eu já volto — digo, me afastando das garotas. Sei que elas notam até
onde estou andando, mas não me param.
Me coloco ao lado da mesa e espero, é como testar meus limites. Eu
quero quebrar a cara dele. Há apenas quatro pessoas no Heaven hoje,
ninguém vai reclamar, e Juliet parece desejar que eu faça isso.
Alex fica parado, olhando para a mesa limpa. Ele não me encara.
— Beber não vai te ajudar — solto.
— Eu não quero ajuda. — Então, ele ainda está vivo. O menino pisca
algumas vezes e mantém a postura. — Quero beber.
— Deve ter um bom motivo pra isso, não?
A minha vontade é de bater em sua mandíbula com um soco perfeito,
mas não posso. Sei que não posso. Entretanto, se Alex me der um motivo...
— Você veio aqui jogar na minha cara? Me contar que ficou com ela...
— Não fiquei — sussurro. Alexander ergue a cabeça, sorri fracamente e
encontra meus olhos.
— Viu só? Alice não gosta de ninguém, só dela mesma.
— Você pergunta se fiquei com ela como se Wonders fosse um objeto.
— Para com esse papinho. Ela te deixou, não foi? Alice te abandonou
igual fez comigo, igual fez com...
— Eu não quero saber, mesmo. É melhor você só beber e calar a boca,
Alex. — Eu desisto, não preciso de muito para perder a paciência.
Me viro, pronto para partir. Juliet e Hannah nos assistem, há muito
silêncio ao redor, nossas vozes são as únicas que ecoam pelo bar.
— Sério? Vai falar só isso? — Ouço-o berrar. Paro, de costas para o
menino, e respiro fundo. — Eu achei que ela gostasse de você de verdade e
confesso que fiquei com inveja, mas — ele ri — ela te deixou.
Tento ao máximo, me esforço, me lembro da terapia, mas nada funciona,
não agora, não com ele ofendendo Alice enquanto eu sei que a garota foi
embora por outros motivos. Me viro num impulso e o agarro pela camiseta.
Alex parece satisfeito, ele queria isso.
— Nick! — Hannah brada.
O coloco contra o jukebox, me inclino para chegar perto do seu rosto,
quero que ouça cada palavra que vou lhe dizer. Quero que me entenda.
Eu não preciso socá-lo, Alex já está quebrado.
— O seu problema — digo, ele presta atenção —, é achar que a ama.
— Eu a amo — sussurra.
— Não, não ama. Você a machucou, sabia que ao contar aquele segredo
ia acabar com ela, se a amasse não teria feito isso. Você ficou a perseguindo e
insistindo.
— Eu só queria ela de volta — Alex ainda fala baixo, enquanto me sinto
quase berrando.
— E quando não conseguiu, decidiu a magoar? Isso não é amor, é
egoísmo. Você é um egoísta, o que está sentindo agora é culpa. — Eu
finalmente o solto. — Isso ai é culpa, você sabe que machucou a Alice, você
sabe o que fez.
— Eu não queria...
— Queria sim! Queria! — exclamo. — E conseguiu. Então, pode beber
até cair nesse chão, pode se fazer de vítima e chorar, mas eu não vou te bater.
Eu não vou tocar em você, porque é isso que quer.
Alexander desliza, encostado no jukebox, e atinge o chão. Ele abaixa a
cabeça e deixa algumas lágrimas escorrerem.
— Você merece sentir culpa — digo.
É verdade. É a mais pura verdade. Todos merecemos.
E ele sabia de algo que podia acabar com a Alice e usou disso por puro
egoísmo. Ele a queria e quando não teve, a destruiu. Isso é ridículo, coisa de
gente mimada e egocêntrica, algo que odeio.

Respiro fundo, deixo o sal que dança no ar tocar a minha língua. Tudo
parece calmo e certo na praia vazia. Penso em Alice e no que deve estar
fazendo.
— Isso foi... — A voz de Juliet ecoa.
— Idiotice. Eu não devia ter falado com ele.
— Não, Nick, tudo que disse é verdade e Alex precisava saber disso. Por
um momento achei que fosse bater nele...
— Eu ia bater nele — a interrompo. — Mas nem isso Alexander merece.
— Certo. — Ela caminha e para ao meu lado. — Você diz que está bem,
mas não parece.
Essas palavras me deixam mais quieto. É verdade, apesar de saber que
Wonders está se tratando, o peso de tudo que aconteceu nos últimos dias está
sobre meus ombros. Eu a amo, de verdade, de uma forma inexplicável. E eu
tenho medo, muito medo do que pode acontecer daqui pra frente.
Eu a quero de volta, bem e melhor, mas a quero.
Tudo que dissemos em nossa última noite juntos ecoa em minha mente.
Eu achei — por breves segundos — que tinha a convencido, mas Wonders
sumiu.
Na manhã seguinte, ela já havia partido.
Isso ainda dói. O impacto de acordar e não a encontrar, o silêncio, o
cheiro espalhado pelo ar, a falta de sua voz. Tudo me deixa perdido, porque
não tenho a certeza de que a verei novamente.
Não tenho mais certeza alguma. Ela pode optar por ficar longe, apesar
do que sentimos.
— Ela te ama? — Juliet questiona, roubando meu ar. — Alice te ama?
— Seria mais sensato perguntar se eu a amo — respondo
grosseiramente, sem a fitar.
— Isso já está bem mais que óbvio. Mas e Alice? Ela te ama?
Um silêncio surge. Devo dizer que sim? Devo dizer que não sei? As
duas respostas me deixariam em dúvida, afinal, será que ela ainda me ama?
— Ela me disse que sim uma vez — confesso e encontro os olhos
castanhos de Juliet —, mas as coisas podem mudar.
— Podem? Eu não acho que vão. Ela te ama tanto quanto você a ama,
Nick.
— Isso não significa que ela vai voltar.
— Talvez não precise, talvez você vá até ela. As coisas mudam.
Suspiro. É uma boa teoria.
— Pode demorar, Nicholas, mas tenho certeza de que Alice não te culpa,
não tanto quanto você mesmo se culpa. Isso sim é idiotice.
Só há uma certeza, eu a amo tanto quanto ela disse me amar. E isso não
muda tão fácil.
44

TEMPO
"Você pode se esconder, mas não pode correr.
Não, você não pode recuperar o dano que causou
com medo do que você pode se tornar."
Sam Tinnesz | Man or a Monster

NICHOLAS THOMPSON

Ouço o som do celular do Tommy, ele toca uma, duas, três vezes e
então, o garoto o agarra antes que eu possa perguntar quem é. Novamente,
Thomas se afasta de mim ao atender, ele caminha até outro quarto da casa de
Polly Thompson.
— Segredos? — Jack pergunta. Assinto, me esforçando para ouvir uma
palavra sequer, mas não consigo.
Amanhã é meu aniversário e hoje estamos todos juntos no meu quarto
da mansão Thompson, conversando.
— Acha que é algo sério? — o menino continua.
— Eu não faço ideia. — Jack me entrega o cigarro que fumava e eu
termino. Trago e volto a falar: — Mas Tommy não quer que eu saiba.
— Posso perguntar se quiser.
— Acha mesmo que ele vai te contar? Thomas não é idiota, ele sabe que
você vai abrir a boca.
Jack faz um careta e me encara. Estou de pé à grande janela, observando
o jardim, já ele está sentado na minha cama, todo jogado no colchão macio.
— Eu sei guardar segredos — diz, me fazendo rir baixo. Ele não sabe.
— Obrigado pela piada, estava precisando.
Um certo silêncio surge e nos ignoramos por um tempo.
April não me ligou mais, há dias que tenho esperado por alguma
informação e nada. Tenho certeza de que as coisas não mudaram e Alice
ainda está bem, o que me incomoda agora é saber que Christina não foi
convidada para o meu aniversário.
— Fez o que pedi? — pergunto para Jack, ele franze o cenho enquanto
trago por uma última vez. — Sobre a festa.
— O que exatamente? — Ele nem considerou o meu único desejo.
— Convidar Chris Vender.
— Não — conta. — Eu nem levei essa ideia à Hannah.
— É o meu aniversário, você ainda sabe disso, não? Eu posso escolher
meus convidados...
— Convide você mesmo, Nicholas. — Há seriedade em sua voz. —
Olha, eu também acho sacanagem deixar ela de fora das coisas, a tratar mal,
mas não posso tomar essa decisão. Não sabendo que Madison e Andressa
estarão lá.
— Até onde eu sei, elas não odeiam a Chris — murmuro, entretanto, ele
ouve.
— Até onde você sabe. — Jack bufa e se ajeita.
— Ela fez merda, eu sei disso.
Dou de ombros, eu não a deixarei sozinha. Seria péssimo, ela também
tem de superar algumas coisas.
— Não acha que ela ficou boa do dia pra noite, certo? — Nossos olhares
se encontram.
— Pelo contrário. Não posso exigir que Chris mude e vire outra pessoa,
ela é assim. Mas acho que notou por si própria, que não precisa ser tão
horrível.
— Eu espero que isso seja verdade, Thompson. — Não, Jack não espera.
Ele tem total certeza de que Chris ainda é a mesma.
Fico quieto, desejando que ele mude de assunto, esperando que Tommy
volte, mas na verdade quem aparece é Quinn. Ela para à porta, nos fita por
segundos e engole em seco.
— Sim? — Tento soar doce, a menina sempre foi tímida e fica sem jeito
quando há muita gente ao redor, principalmente quando essas pessoas são eu,
Jack e Thomas.
— A sua avó ligou, está voltando da fisioterapia. Vão buscar a Grace na
casa da amiga e...
A voz suave dela é interrompida pela voz grossa e rouca de Thomas,
parado atrás da garota.
— Acho melhor eu ir embora então — diz, fazendo Quinn pular de
susto. Ela cora, se vira e sorri, toda sem jeito. — Oi — ele termina.
Jack ri baixo e vira o rosto, para que a menina não note. Fico em
silêncio, segurando a risada. A garota é um tanto engraçada, me sinto mal por
vê-la agir assim quando estamos por perto, mas de certa forma, me divirto.
— Obrigado, Quinn — sussurro deixando-a em paz. Ela parte com
pressa.
— Ela é sempre assim? — Tommy questiona, entrando no cômodo. —
Eu estudei com ela, mas não me lembro...
— Ela só é tímida. Às vezes conversamos — faz tempo que não me
sento para fazer isso.
Quinn trabalha para nós há anos, desde adolescente. Ela começou cedo.
A menina é linda e extremamente inteligente, gosta de crianças e filmes de
comédia romântica, tem dois gatos, mora com o irmão mais velho e o pai. A
cor favorita dela é roxo. Descobri tudo isso em tardes aleatórias, quando ela
criou coragem para me olhar e abrir a boca.
— Bom, vou embora com o Thomas. Não quero ver a sua avó.
— Por que? Ela não te odeia — conto, os dois riem mais uma vez.
— Obrigado por me lembrar — Tommy sussurra.
Jack se ergue num pulo e me dá um tchau. Os garotos conhecem o
caminho até a porta e seguem por ele. Logo me vejo sozinho num grande
quarto, olhando para a tela do celular e para o colar de serpente, pendurado na
cabeceira da minha cama.
O melhor presente seria ver seu sorriso novamente, com toda certeza.
Desde o acidente, minha avó tem se preocupado muito com a ideia de
voltar a andar. Ela vai à fisioterapia com frequência, nunca falta, e Damon a
acompanha. Eles deixam Grace com Quinn, com amigas, ou no colégio, e
seguem até o hospital.
Algumas coisas mudaram mesmo, meu pai não quis ir embora de novo,
nem quando meu avô o chamou para uma viagem, ou quando Polly o
questionou sobre a sua volta. Damon está gostando de Wiston Hill, de ficar
com a família. Às vezes conversamos e não sinto mais a mesma raiva, mas
tudo isso foi depois da partida de Alice.
Eu finalmente compreendi como ele se sentia quando Pumpkin sumiu,
quando sua vida virou um inferno. Ele começou a odiar a cidade e todos
daqui, porque se lembrava dela. Claro que, Damon tinha filhos para criar e
simplesmente os abandonou também, mas não posso odiá-lo por sentir essa
dor.
De certa forma, eu o entendo.
— Oi! — alguém exclama à porta e já sei que é Grace Thompson. Largo
o celular e a encontro. A menina está de calça jeans e camiseta branca, ela
cresceu alguns centímetros. Seus cabelos estão soltos e um sorriso animador
aparece em sua face.
Antes que eu possa responder, Grace pula na minha cama.
— Oi — digo e a acompanho, me jogando no colchão. — Se divertiu na
casa da sua amiga?
Ela engatinha e se deita ao meu lado.
— Sim. — Poucas palavras.
Grace não é de falar pouco, ela gosta de fazer perguntas que nem sempre
sei responder, gosta de comentar sobre as coisas, contar sobre seu dia. E ela
adora uma fofoca. Mas hoje, a menina parece quieta demais. Minha irmã se
deita em meu peito, deixando-me abraçá-la, então, suspira.
— O que foi? — Não consigo me segurar, quero saber.
— Amanhã é seu aniversário. — Fico quieto. — Alice vem?
Como explicar para alguém de seis anos que Wonders está numa clínica
de reabilitação, que ela está se tratando e ficando melhor? Como contar a ela
tudo que aconteceu?
— Não, ela não vem — sussurro e beijo-lhe no topo da cabeça.
— Vocês brigaram?
— Não, a gente não brigou. Ela só está longe, sabe? Está resolvendo
algumas coisas.
— Igual a mamãe.
Congelo ao ouvir tal fala. Grace era muito nova, um bebê ainda, quando
Pumpkin desapareceu. Ela não se lembra, porque não tem como se lembrar,
mas sabe que nossa mãe existe.
Ela é esperta e ouve coisas pelos corredores da mansão, mais coisas que
eu. A menina sabe bem mais do que deveria.
— Grace, a mamãe morreu — lembro e meu peito dói.
— Mas antes ela sumiu — a pequena se põe de joelhos e me encara —,
igual a Alice.
Não, não foi igual. Minha mãe desapareceu, eu não sabia onde ela
estava, não tive notícias até descobrir que havia morrido. É diferente, tem de
ser diferente.
— Não, pequena. — Uma mecha de seu cabelo me incomoda, a coloco
atrás da orelha antes de continuar. — Alice precisa de tempo. Ela não sumiu
pra sempre, está bem?
Grace assente, ainda desanimada.
— Naquele dia, no parque — suspira —, ela falou comigo, mas não quis
falar com você.
Eu sei, me lembro bem de Alice me olhando com tristeza, como se
quisesse conversar, mas eu estava bravo com tudo e todos. Ela não se
aproximou, na verdade, falou com a minha irmã e partiu.
Doeu. Muito.
— Vocês brigaram? — repete, me trazendo de volta ao presente.
— Não, Grace, a gente não brigou. Estamos bem, eu prometo.
A menina faz um biquinho, acho que não confia em mim. Então, ela se
deita novamente em meu peito, deixando o silêncio tomar conta.

Meu corpo dói, talvez seja por estar tão parado, não tenho treinado
ultimamente.
Encho um copo com água gelada enquanto olho para o jardim através da
grande janela da cozinha. Já é fim de tarde. Fico imaginando como seria meu
aniversário se Alice e Pumpkin estivessem aqui. As palavras de Grace me
consomem, “ela sumiu igual a nossa mãe”.
— Pensando em algo? — Ecoa pelo cômodo. Damon está parado à porta
de entrada, encostado no batente e com os braços cruzados. — Viu Grace por
ai?
— Ela está dormindo no meu quarto, parecia cansada. Deve ter se
divertido na casa da amiga.
Desligo a torneira, me viro e bebo o líquido, procurando me refrescar.
— As amigas dela deviam vir aqui também. — Meu pai caminha até a
ilha de mármore e apoia os braços nela.
— Acho que terá de convencer a Polly antes. Afinal, como ela está?
— Fale com ela. Sei que está com raiva, Nick, mas precisa falar com a
sua avó. — Suspiro ao ouvir tais coisas. — Essa casa é grande o suficiente,
mas quer mesmo ficar fugindo?
— Eu não tenho muito o que dizer.
— É claro que tem. — Sai como um murmúrio. Me pergunto se Damon
está falando comigo ou com ele mesmo, afinal, nós dois escondemos
sentimentos. — Está pensando na Alice? — Muda de assunto.
— Na maior parte do tempo, talvez.
— Você gosta mesmo dela, não é? — Afirmo, quieto. — E Alice voltou
para Nova Iorque?
— É o que parece. Eu faria a mesma coisa se fosse ela, esse lugar
consegue destruir as pessoas.
— Pessoas destroem pessoas — corrige. — Lugares não.
Pode ser. Nós nos destruímos todos os dias.
— Amanhã é seu aniversário, vai fazer uma festa?
Nego rapidamente e largo o copo sobre a pia. Não quero uma tarde
familiar, não com Polly aqui.
— Jack, Madison e Hannah estão fazendo uma festa surpresa.
— Se você sabe, não é surpresa. — Ri baixinho e eu o acompanho.
— Não gosto muito de surpresas. Será na mansão dos Carter, com
poucos convidados. Nada muito sério.
Damon assente e não continua o assunto, ele parece pensativo, como se
uma forte nostalgia tivesse o atacado.
— Eu fico pensando na sua mãe — diz. Quase engasgo ao ouvir isso. —
Ela adoraria estar aqui, sabe? E Wine...
— Já chega, pai — ordeno.
O homem me olha com admiração, talvez chocado por eu ter,
finalmente, o chamado de pai.
— Eu não quero pensar em como seria se elas estivessem aqui. As duas
não estão aqui.
Damon assente. Não gosto muito desse tipo de sentimento, da dúvida.
Será que gostariam de ter conhecido a Alice? Será que fariam parte da festa
surpresa? São perguntas que não têm respostas.
— Vou passar a manhã em casa, saio à noite pra festa — digo, deixando
a cozinha.
— E quando vai falar com a sua avó?
Não respondo, porque não tenho o que dizer. Não quero falar com a
Polly, não quero a acusar de coisas que para mim, são culpa dela. Não quero
ouvir seus motivos e nem me sentir mal por ela estar numa cadeira de rodas.
Polly Thompson sabe me fazer sentir culpado e prefiro ficar longe desse
sentimento por enquanto.
45

DE VOLTA
"Porque eu estou de volta à estrada
e estou batendo no porta-voz,
ninguém vai me pegar em outra armadilha.
Então olhe para mim agora,
eu estou apenas dando o troco,
não tente brincar com sua sorte,
apenas saia do meu caminho."
AC/DC | Back in Black

NICHOLAS THOMPSON

Quando abro os olhos na manhã do meu aniversário, é como se toda a


luz estivesse me consumindo. Há sol, mesmo que fraco. E apesar de ser
outono, carregado de tons laranjas, ventos frios e folhas secas, sinto calor.
Apesar de todo o silêncio ao redor da mansão Thompson, o som da
campainha me faz rolar na cama. É estridente e repetitivo, ecoa pelos
corredores da casa.
Me levanto num pulo e noto a quietude ao redor. A mansão está vazia,
aparentemente. As cortinas do meu quarto estão fechadas e a porta
entreaberta. Alguém esteve aqui, é notável.
Desço cada degrau com calma, deixando a pessoa apressada apertar o
botão mais vezes. O som faz minha cabeça quase explodir, porém não me
sinto irritado. Agarro na maçaneta e abro a porta de uma só vez.
— Bom dia! — Jayden fala, reclamando. — Achei que não fosse
atender.
Eu não sei muito o que dizer, acabei de acordar, além disso, não vejo o
garoto há dias. Ele sumiu depois do acidente, terminou com Christina e
desapareceu.
— O que faz aqui? — pergunto de forma áspera. Jayden coloca as mãos
na cintura e me examina.
— Vim jogar basquete. Não te encontrei no dormitório, imaginei que
estivesse aqui. Feliz aniversário.
— Feliz aniversário? Você desapareceu, não queria falar com ninguém.
Ele assente e suspira baixo. Jayden estava furioso, sei disso, mas se
afastou de todo mundo, até dos que não tinham nada a ver com o seu
relacionamento. Até dos que o avisaram por anos.
— Eu sei disso e me desculpe. Notei o quão péssimo era meu
relacionamento com a Chris. Eu só precisava pensar, Nick.
— Tudo bem. E agora que já pensou, decidiu jogar basquete comigo?
— Mais ou menos. Bom, é seu aniversário e achei que a gente...
— Entra logo — reclamo e lhe dou a passagem. Jayden entra de uma
vez, meio tímido, meio sem jeito. Nós andamos juntos até a cozinha, sem
muita conversa.
— Polly está?
— Sim — a mesma responde, nos pegando de surpresa.
Minha avó está em sua cadeira de rodas, sentada à janela da cozinha,
lendo o jornal. Parece quieta e calma demais.
— Bom dia — Jayden gagueja, a cumprimentando. Eu me mantenho
quieto, a ignoro um pouco.
Ainda não quero falar com ela.
— Bom dia, Jayden. E bom dia, Nicholas.
Rio baixo.
Abro um dos armários, pego o cereal, encho uma tigela e coloco leite.
Os dois me observam em silêncio. Começo a comer tentando ignorar seus
olhares, seus pensamentos altos.
— Feliz aniversário — a mulher quase sussurra. A encaro quando
termina a última palavra. Polly parece cabisbaixa, ela não gosta de ficar
sozinha, não de verdade, e parece que Damon e Grace sumiram. — Vai
passar o dia em casa?
— Não.
— Vai fazer uma festa?
— Realmente se importa? — questiono e até Jayden congela.
Nenhum de nós quer discutir sobre isso, ultimamente temos fugido de
confusões. Ela sabe que estou mais chateado que bravo, sabe que me feriu
muitas vezes.
Polly sabe que errou e continua o fazendo.
— Tem alguma notícia da Alice?
Sinto-me esquentar. A pergunta da mulher ecoa pela cozinha. Solto a
colher com raiva e ela bate contra a tigela, fazendo com que o som agudo nos
incomode.
Eu poderia responder, mas Polly nunca gostou da Alice, ela não se
preocupa, só quer ter certeza de que a menina está longe o suficiente.
— Acho melhor a gente ir — digo e Jayden assente.

Já estou suando quando ele faz a última cesta. Não aguento mais
correr pela quadra, meu corpo implora por um descanso. Observo a bola
quicar algumas vezes e apoio as mãos nos joelhos, inclinando-me para frente.
Estou ofegante.
— Precisa voltar a jogar. — Jayden ri. — Está tudo bem?
— Tudo ótimo, só desacostumei.
— Dá pra ver.
Andamos juntos até um dos bancos do jardim e nos sentamos. Preciso de
tempo, ar fresco, água.
— Tenho que perguntar...
— Alice está bem — conto, o interrompendo. — Não tenho falado com
ela, mas sei que está bem.
— Como?
— Longa história. Wonders voltou pra Nova Iorque.
— Acho que peguei pesado com ela, sabe? — Não, não sei. Arqueio a
sobrancelha e o encaro. — Alice foi me ver no hospital, depois do incêndio.
Eu falei algumas verdades, mas acho que...
— Todo mundo pegou pesado, Jayden. Ela não foi embora só por isso.
O garoto assente, mantendo-se quieto. Alice foi embora porque não
conseguia mais lidar com si própria, não foi apenas nossa culpa.
— Fiquei sabendo da festa.
— E você vai?
Ele ri e nega brevemente.
— Na verdade, isso aqui é um tchau, Nick. Eu vou embora de Wiston
Hill hoje à noite.
— O quê? — exclamo e me coloco de pé. — Como assim?
— Consegui uma bolsa em outra universidade. Eu vou embora hoje, mas
a minha família vai ficar. Acho que preciso de mudanças.
Não posso dizer que está errado, na verdade, Jayden passou por muita
coisa, desde o colégio esteve preso numa espécie de jogo da Christina, esteve
preso a sentimentos que não sabia se eram reais. E ele descobriu da pior
forma que não eram.
Eles não se amam mais. Necessidade não é amor, eu sei bem disso.
— Já falou com a Chris? — Arrisco perguntar. Ele balança a cabeça,
afirmando.
— Foi difícil falar com ela de novo, mas sim.
— E vocês não sentem nada um pelo outro?
— Não mais. Acho que no colégio era diferente, a gente tinha alguma
coisa, mas com o Mateo e todo esse teatro, a perdemos. Eu já a amei um dia,
depois se tornou necessidade.
— Ela precisava de alguém que não fosse o Mateo, alguém que fosse
real.
— Ela não precisava de mim — conclui fazendo um arrepio me atacar.
Congelo no mesmo instante.
Era assim com Madison, nós dois precisávamos de alguém e por isso
nos enganávamos. A gente nunca se amou, não da forma certa, não o
suficiente para namorarmos. E então, Alice apareceu para mim e Thomas
para ela.
Me pergunto o que mudou. Talvez eu não precise de Wonders, eu a
quero. É diferente.
— Acha que pode dizer a Alice que sinto muito? — Jayden pergunta e
se levanta.
— Acho.
— Então, feliz aniversário, Nicholas. — Um sorriso curto surge em sua
face. — Espero que ela volte, de verdade.
Suas palavras me são como um soco no estômago. Jayden sempre me foi
um amigo próximo, apesar de todas as coisas que já aconteceram ao nosso
redor. Me sinto péssimo ao saber que ele vai embora.
— Eu também — sussurro, o abraçando.
Parece que muita coisa mudou, mais do que eu esperava.
Eu escovo os dentes — sem camisa, usando apenas uma calça jeans
surrada — enquanto Grace pula na minha cama como se nunca se cansasse.
Ela está mais animada que eu.
— Me deixa ir à festa, deixa, deixa, deixa! — pede. Do banheiro eu
apenas nego com a cabeça.
Lavo a boca e me apoio no batente, olhando-a. A menina faz um
biquinho, para de pular e cruza os braços.
— Não é uma festa pra sua idade, pequena.
— Mas eu quero cantar parabéns — insiste, ainda de pé no colchão.
— Vamos fazer assim, amanhã a gente compra um bolo e canta
parabéns, pode ser?
— Pode.
— Então, já chega de pular nessa cama. — Ando até ela. Grace se joga
nos meus braços e ri baixinho. — Está ficando pesada.
— Mentira! — reclama. — Você já vai?
— Sim, só preciso terminar de me vestir.
Quando coloco a garota no chão, ela me abraça sem pensar duas vezes.
Estou acostumado com isso, Grace gosta de demonstrar afeto, ela não se
parece com nosso pai. Pumpkin era assim, doce, sentimental e sensível.
A camiseta preta está jogada numa cadeira no canto do quarto, a agarro e
visto-a com calma. No andar de baixo Quinn chama por Grace e a menininha
parte, correndo pela mansão. Assim que seus passos param de soar pelo
andar, ouço meu celular tocar.
Atendo sem olhar quem é.
— Oi — digo.
— Nick?
Minhas pernas tremem no mesmo momento. É ela. Fico em silêncio,
talvez esteja em choque. Me sinto respirar pesado.
É ela.
— Por favor, fala alguma coisa. — Alice ri baixinho.
— É você.
Não consigo pensar em outras palavras, meu cérebro não funciona.
Alice está me ligando pela primeira vez em dias.
— Sim, sou eu e — suspira — feliz aniversário.
Quero agradecer, quero dizer que a amo, quero chorar. Qualquer coisa,
preciso fazer qualquer coisa que seja, dizer qualquer coisa, mas não consigo.
— Eu queria ter ligado antes, mas não podia.
— Não importa — murmuro. — É você.
Sinto meu corpo perder a força, sento-me sobre a beira do colchão.
— Não me diga que está em choque. — Ela ri baixinho. — Eu precisava
te ligar, precisava dizer que não me esqueci do seu aniversário.
— Você está bem?
— Por incrível que pareça, sim. Estou ficando bem. E você?
— Bom — respiro fundo, tentando me recuperar da surpresa —, as
coisas mudaram um pouco por aqui.
— Isso é ruim?
— Não, de jeito nenhum.
Não temos assunto, estamos presos a saudade e memórias. Por
enquanto, ouvir a sua voz é suficiente, mas gostaria de sentir seu cheiro, seu
toque. E Alice sabe disso.
— Vai fazer uma festa?
— Jack vai fazer uma na casa dele. Alice, eu senti sua falta.
Ela não responde. Wonders fica em silêncio por um minuto, então,
recomeça.
— Bom, é seu aniversário. Eu prometi que me vingaria hoje, lembra?
Lembro sim, de quando dormimos juntos pela primeira vez.
— Não poderia esquecer.
— Terá que ficar pra depois então. — Rimos juntos. — Nick, essa é a
minha primeira ligação desde que cheguei na clínica. Eu tô me esforçando.
A sua voz é suave, como se estivesse quase chorando.
— Eu sei que está. Fico feliz. — Um riso surge do outro lado. — Falei
com a April e preciso saber, por que deixou o celular com ela?
— Eu sabia que você ia gostar dela, April se parece comigo e é um tanto
sarcástica. Se deram bem?
— Posso dizer que sim. Ela parece ser bem esperta também.
— E é. Me diz, como estão as coisas com Maddy, Andressa, Chris e os
outros?
— Todos estão bem. Escuta, Alice, a ruiva me contou sobre o que
aconteceu na Red Hell, sobre...
— Não quero falar disso, não agora — me interrompe. — Prefiro saber
de você, não tenho muito tempo.
— Eu sinto muito.
— Não tem porquê sentir, Nick. Eu precisava de um choque de
realidade e a culpa não foi sua. Sabe, eu queria te dar um presente
pessoalmente, mas não vou conseguir.
— Pode me contar o que é?
— Não, ainda não. Você vai descobrir.
Rolo os olhos com a sua resposta, quase me esqueci do quão teimosa
Alice Wonders consegue ser. Ela sabe me atiçar e me deixar inquieto.
— Me conta o que está fazendo agora.
— Falando com você — suspira. — E talvez eu esteja mordendo o lábio.
Rio alto com a última parte. Eu adorava vê-la mordendo o lábio.
— Não me diga uma coisa dessas, Alice — brinco. — Sinto sua falta.
Eu te amo, sabe disso, não?
— Eu sei, Nick. Tenho que ir, mas feliz aniversário.
— Tudo bem — sussurro.
— Também sinto sua falta.
É tudo que ouço antes dela desligar.

Alice deixou claro que não queria falar sobre sentimentos e nem do
passado. Um lado meu acredita que ela não queria ouvir o quanto sinto falta
dela, o quanto a desejo.
E ela não disse que me ama.
De qualquer forma, escutar sua voz e, acima de tudo sua risada, me
animou. A garota parece bem e sei que está. Isso me é suficiente.
Quando ando de moto pelas ruas de Wiston Hill, só consigo pensar nas
mãos de Wonders me agarrando, segurando em minha camiseta. Só consigo
me lembrar da sensação de tê-la comigo, fazendo algo que gosto.
Alice também começou a lutar boxe e eu adorava vê-la treinando. Ela
é magnífica e não faz ideia disso.
— Feliz aniversário! — Jack grita ao abrir a porta, ele segura um copo
cheio de cerveja e me puxa para dentro. Na casa há poucas pessoas, todas
conhecidas.
É óbvio que começaram sem mim. O garoto já está um tanto bêbado.
— Achei que fossem esperar pelo aniversariante — reclamo, roubando a
bebida.
— Bom, o aniversariante costuma se atrasar sempre! — Hannah brinca e
me dá um abraço.
Madison, Andressa, Juliet, Brenda, Margot — a irmã gêmea de Jack —,
e Chris, me esperam na grande sala de estar. Entro com o casal e todos gritam
surpresa, mesmo sem realmente ser uma. Não consigo segurar a risada.
— Eu convidei a Chris — Hannah sussurra em meu ouvido. — Achei
que fosse gostar.
Ela está certa, eu queria que a loura viesse. Não me sentiria bem com ela
sendo excluída.
Cada garota insiste em me dar um abraço apertado, me sinto sem ar logo
após o primeiro.
— Não sei se queria me ver aqui — Brenda diz baixo. Não conversamos
mais após a minha briga com Mateo.
— Você é da minha família, claro que queria.
Ela sorri sutilmente.
Em seguida, Chris se aproxima, pronta para não me abraçar. Ela não
gosta de demonstrações de afeto e, para todos os efeitos, não somos amigos.
Nunca fomos. Christina sempre me provocou, desde o colégio, e não acredito
que vá parar agora.
— Olha, obrigada por me convidar — diz, sem me tocar.
— Achei que a Hannah tivesse feito isso.
Os olhos dela se enchem de lágrimas.
— Sei que foi você quem pediu, Nick.
Assinto, a puxando para meu peito contra a sua vontade. Chris não me
empurra e nem me evita, ela me abraça suavemente e algumas lágrimas
escorrem de seus olhos.
Vender sabe que não a deixarei sozinha, não mesmo.
— Certo, agora falta o idiota do seu namorado — Hannah brinca,
apontando para Maddy.
— Verdade, cadê o Tommy?
Me sento numa poltrona da grande sala e fito cada convidado. Eu e Jack
somos os únicos homens.
— Ele disse que já volta — Maddy conta.
— Já volta, então, ele esteve aqui?
— Sim, trouxe as meninas e saiu — Margot termina. — Ele parecia
estranho, sei lá.
Todos franzem o cenho e a encaram. Como resposta, a dançarina dá de
ombros e se joga sentada no braço do sofá.
— É verdade, ele está estranho — constato. — Escondendo algo.
— Não gente, ele não... — Madison tenta.
— Está sim! — Jack exclama. — Todo de segredinhos, falando com
alguém por telefone.
— Ah, para, Jack! — A loura continua.
Percebo Chris rindo num canto, ela nunca teve isso, amigos discutindo
por coisas bobas. Parece estar gostando, apesar de ainda não se encaixar.
— Certo! — Andressa, finalmente, abre a boca. — Podemos discutir
isso quando ele chegar, agora precisamos beber.
— Exatamente! — Hannah concorda.

Faz mais de uma hora de festa e Tommy ainda não apareceu. Madison,
obviamente, não conseguiu esconder a ansiedade. Ela fica com o celular na
mão, se distrai facilmente e liga para ele às vezes.
— Tommy vai aparecer — sussurro em seu ouvido, andando até a
grande geladeira de duas portas dos Carter. — Ele só está sendo o Tommy.
— É, pode ser.
A loura parece preocupada.
— Madison — puxo uma garrafa de cerveja e a coloco sobre o balcão
—, não deixe as piadas do Jack te afetarem.
— Não é isso, Nick. Na verdade, acho que vocês estão certos, Thomas
está estranho.
— Estranho tipo?
Ela apoia as duas mãos na ilha preta de mármore e me encara.
— As ligações. É verdade, outro dia ele acordou do nada com o som do
telefone, quando atendeu, saiu do quarto. Não me deixou ouvir.
— E?
— Eu perguntei quem era, ele disse ninguém. Tommy ficou uns dez
minutos conversando com ninguém?
Dou de ombros, não quero alimentar as teorias da Madison, mas sei que
está certa. Há algo de errado por aqui.
— Deixa isso pra lá, está bem? Que tal se a gente começar com o
parabéns?
— Nick, você odeia parabéns — ela me lembra.
— Não hoje!
Depois de juntarmos todos na cozinha, Andressa acende cada vela e
apaga as luzes. Eles cantam parabéns com animação e eu rio de nervoso.
Consigo me divertir, apesar de não gostar desse momento.
Enfim, chega a hora de apagar as velas. Me inclino para frente e
assopro. Antes que a chama desapareça, Margot me lembra:
— Um pedido, Nick!
Ah claro, um pedido. Faço o primeiro que aparece em minha mente sem
pensar muito sobre e, então, apago as velas de primeira. Juliet acende as luzes
e, no mesmo momento, como se fosse um fantasma, a menina surge.
E ela para na entrada da cozinha, sorrindo de canto.
Há algo em seu olhar que diz: estou de volta.
46

VINHO
"Espero que um de vocês volte
para me lembrar de quem eu era,
quando eu for desaparecendo..."
Zendaya & Labrinth | All For Us

NICHOLAS THOMPSON

Ela reapareceu.
— Feliz aniversário — diz, sorrindo levemente.
O silêncio tomou conta da cozinha, ninguém sabe o que fazer, o que
dizer ou como reagir. Todos estão em choque, encarando-a como se fosse um
fantasma. De certa forma, ela é.
Um fantasma do passado.
A primeira a emitir qualquer som que seja é Margot, mas soa como uma
espécie de murmúrio, como se falasse com si própria. Pisco algumas vezes,
para tentar acordar. Jack cai sentado numa das cadeiras, analisando a menina
de cima à baixo.
— Desculpa pela demora — Thomas está parado atrás da garota. Ele
cruza os braços e baixa a cabeça.
Agora entendo seu aviso há dias atrás. Algo estava prestes a acontecer e,
talvez, eu o odiasse por isso. Não estamos confortáveis, exceto por Juliet que
parece realmente confusa.
— Wine? — Madison sussurra. A ficha caiu para ela e, em seguida, cai
para o resto de nós.
Wine Thompson — minha irmã — está na cozinha, à nossa frente. É
real, nada de sonhos ou alucinações.
Após anos, ela voltou.
— Achei que seria uma boa aparecer agora.
— E eu não — Thomas murmureja.
Não tenho como reagir, não tenho palavras. Eu senti falta dela todos os
dias, eu e Wine éramos próximos demais. Vê-la hoje, com vinte anos e
completamente diferente, me causa arrepios.
— Onde esteve? — Margot pergunta, olhando em seus olhos.
Wine parece sem jeito, ninguém para de a encarar. Estamos surpresos e
se ela soubesse da metade das coisas que aconteceram nos últimos dias,
entenderia. Meu coração parece que vai explodir e minha respiração fica
pesada. Me vejo atravessar a cozinha com passos largos e certa pressa. Ela
me olha, confusa, mas então, eu a abraço fortemente. Não acredito que
estamos na mesma sala! Depois de três anos, Wine voltou.
Minhas lágrimas escapam contra a minha vontade, há raiva e tristeza em
mim. Não era para ela ter partido, Wine é minha família, sempre foi e eu a
deixei sumir. Desaparecer.
Por anos ignorei sua existência, por anos fingi não sentir sua falta, mas
eu sei o quanto doeu. Pumpkin e em seguida, ela. Eu me senti sozinho e sem
nada, além do mais, Grace ainda era um bebê e Damon havia se mudado.
— Eu não acredito — sussurro, a apertando contra meu corpo. — Por
onde esteve? Por que voltou?
Me afasto da menina, seguro seu rosto com as duas mãos e o analiso.
Está diferente, ela cresceu, não é mais a garotinha de dezessete anos, aquela
de cabelo castanho claro e olhos brilhantes. Aquela que adorava começar uma
discussão com Polly Thompson.
Wine pintou os fios de preto, estão muito escuros, mas suas sardas ainda
brilham em sua face. Os olhos azuis se iluminam quando encontram os meus.
— Também senti saudade — conta, sussurrando. — Feliz aniversário!
A puxo novamente, abraçando-a. Eu não poderia ter ganhado um
presente melhor.

A observo enquanto ela toma um pouco da cerveja, sentada no primeiro


degrau que leva aos fundos da mansão dos Carter. Ela ajeita a blusa preta de
mangas compridas, que combina com a calça jeans azul escura e um tanto
larga.
— Por onde esteve? — pergunto mais uma vez. Sei que estão nos
observando de dentro da casa, mas quando olho por cima do ombro,
disfarçam bem.
— Eu precisava ir embora, sabe?
Sei sim, parece que todos precisam fugir de Wiston Hill por um tempo.
Wine suspira antes de prosseguir, então, para de encarar a piscina.
Ela se torna à mim.
— A casa deles sempre foi diferente da nossa, não é? — Dou de
ombros, sem entender. Ela examina as paredes da mansão, as cores. — Preto
e branco, mas quente. Já a mansão Thompson é fria, branca, sem muito pra
observar.
— Exceto pelo jardim que a nossa mãe fez — lembro-a. — Você não foi
embora por causa da falta de cores, Wine.
— Não. Eu fui embora, porque a nossa avó é insuportável, porque a
nossa mãe sumiu e porque você estava sofrendo pela Elle e não queria me
ouvir. Não sei se quer ouvir dessa vez, mas não faz diferença.
— Eu fui um idiota quando te disse que estava ficando louca. Eu sei, me
desculpe.
— Nicholas Thompson pedindo desculpas? O que aconteceu, em? O que
mudou? — Ela ri, me fazendo esticar os lábios numa tentativa de imitá-la. —
Eu soube da Alice. Thomas me contou tudo.
— Que bom, eu não saberia por onde começar.
— E é verdade que gosta dela?
— Mais do que você pode imaginar — sussurro, um tanto
envergonhado. Wine me conhece de verdade, ela sabe que nunca quis me
apaixonar, que nunca planejei algo assim para mim.
Mas as coisas mudam.
— Isso é diferente, mas é bom, Nick.
Sorrio, agora de verdade.
— Não vai me contar sobre o que fez nesses anos todos? Por onde
esteve? Você passou uns três anos sumida, sem dar notícias.
— Thomas sabia onde eu estava, ele sempre soube. — Ela me encara,
esperando por uma reação, mas ainda não sei o que dizer. O choque me
consome, meu estômago se revira. — Há coisas que você não sabe.
— Estou percebendo. Pode me contar agora?
Wine sorri com malícia.
— Polly me emancipou. Foi um acordo, se quisesse parar de ouvir a
minha voz, teria de me emancipar.
— Nunca fiquei sabendo disso. Por que nunca fiquei sabendo disso? —
Meu tom vai mudando, estou ficando nervoso.
— Porque essa era a outra condição, ela não queria que você soubesse.
Eu seria para sempre a garota que fugiu de casa. Não conseguia mais ficar
por aqui, esse lugar estava me destruindo, Nick. A Polly me emancipou em
sigilo e Damon aceitou tudo, ela o convenceu.
— Até ele sabia?
— Sim, sabia dessa parte, mas não imaginava que eu ia sumir depois.
Na manhã seguinte, quando o processo foi aprovado, eu arrumei minhas
coisas e fui embora, me mudei pra Nevada.
— Com Sophy, a irmã do Tommy — concluo.
A irmã mais nova do Thomas mora em Nevada, ela faz faculdade e
preferiu sair de Wiston Hill. Wine sempre esteve sob os cuidados dos
Jackson.
— Me contaram sobre o acidente da Polly e todo o resto, eu decidi que
era hora de voltar, sabe? Já tenho vinte anos, não preciso de um documento
assinado pela nossa avó. Não mais.
— Então, foi um acordo? Você parava de perguntar por nossa mãe e ia
embora, você me deixava, mas por quê?
Ainda me sinto inconformado, Wine trocou nossa família por que outra
coisa? O que era tão importante?
— A minha liberdade.
Sua resposta me tira o ar. Ela trocou tudo que tinha por liberdade, pelo
direito de fazer o que quisesse com a sua vida, pela distância das regras de
Polly, pelo direito de ser imperfeita. Coisas que Wiston Hill não permite.
E faz sentido, porque eu já pensei nisso.
— Você é mais forte que eu — conto.
— Não sou, Nicholas. — Ela sorri e olha em meus olhos. — Tem que
ter muita coragem pra ficar e encarar as coisas, pra viver com os erros. Eu
fugi, o que não é ruim, mas é fácil. Alguém tinha que ficar pra ser o
bonequinho perfeito da Polly e só sobrou você.
— E Grace.
De repente seu semblante entristece. Wine para de sorrir e olha para
baixo.
— Como ela está?
— Com seis anos — digo, ainda assistindo sua mudança de expressão.
— E esperta.
— Claro, ela é uma Thompson. Mas — suspira —, ela sabe de mim?
Engulo em seco, elas não se conhecem, não de verdade. Grace era um
bebê quando todos partiram, ela não se lembra do rosto da nossa irmã, nem
das coisas que aconteceram.
— Ela sabe sim, eu contei algumas histórias. Grace sabe sobre a
Pumpkin também.
Novamente, Wine parece pensar em algo ruim. Dessa vez, ela volta a
encarar a piscina.
— Morta, não é?
Congelo. A garota está sendo um tanto fria ao mencionar nossa mãe.
— Sim, isso mesmo. Ela morreu.
— Precisamos falar sobre isso? — pergunta e então, pigarreia. —
Precisamos falar sobre isso.
Agora, ela afirma, me fazendo unir as sobrancelhas em dúvida.
Precisamos falar sobre o que exatamente? Sobre a morte da nossa mãe? Sobre
Wine não ter aparecido antes para o funeral ou sobre tudo que aconteceu?
— Damon voltou — conto, mudando de assunto.
— Fiquei sabendo. Como vocês estão?
— Melhor. Ele parece ser meu pai agora.
— Espero que eu possa voltar a ser sua irmã — diz, me obrigando a
olhá-la com certa hesitação. Wine mudou muito, nem se parece com a garota
de dezessete anos que eu conhecia, aquela que adorava implicar comigo e
fugia para o meu quarto quando levava uma bronca.
— Você nunca deixou de ser, Wine.
Ela sorri de canto e me analisa.
— Eu quero conhecer essa Alice quando ela voltar. De acordo com o
Tommy, ela conseguiu te conquistar mesmo.
Assinto com animação, sei que é verdade.
— Você vai gostar dela. Wonders é incrível. — Um silêncio surge, me
dando a oportunidade perfeita para perguntar sobre o que ela quer conversar.
— O que quis dizer com...
Como sempre, interrompidos. Thomas surge à porta e nos encara, os
braços cruzados e o olhar sério me fazem parar de falar.
— Wine, alguém quer conversar com você — atrás dele, Margot Carter,
a antiga namorada da minha irmã, espera. — E eu preciso falar com o
Nicholas.
A garota assente, se levanta e sai. Vejo ela e Margot caminharem até um
lugar isolado e percebo que há muito para resolver.
— Bom, eu disse que ia fazer uma coisa...
— Eu não tô com raiva, Tommy — conto.
O menino parece perplexo, descruza os braços, franze o cenho e se senta
ao meu lado.
— Não mesmo, nem um pouquinho? Porque você costuma se irritar
fácil e eu não tô a fim de levar um soco na cara.
Rio baixo e bebo o que resta da minha cerveja.
— Obrigado por cuidar dela, de verdade, Thomas.
— Eu não precisei, Wine é forte e inteligente.
Encontro seu olhar e vejo que está sendo sincero.
— Eu me ofereci pra ajudar, Nick. Ela me disse que ia embora, mas só
tinha dezessete anos. Eu precisava fazer algo antes que tudo desse errado.
— Então, você ajudou.
Ele costuma fazer isso, eu o conheço bem. Tommy não gosta de pensar
no que pode dar errado e deixar acontecer mesmo assim.
— Eu queria te contar sobre ela, mas Wine não deixou. Ela disse que o
momento certo chegaria. Eu sempre liguei, uma vez por semana. Ela
terminou o colégio e arrumou um emprego. Eu queria que Wine fizesse
faculdade, mas ela não quis, não agora.
Me sinto bem ao saber que durante todos esses anos, ela fez o que tinha
que fazer e tomou conta de si própria. Wine não sofreu, alguém estava
cuidando dela. Eu nunca imaginei que Thomas tivesse as respostas que eu
tanto precisava.
— Bom, agora só me restar ver a cara da Polly quando Wine voltar pra
casa.
— Que Deus nos ajude — ele brinca.

A festa durou pouco, todos ficavam quietos quando Wine entrava na


sala. Madison tentava puxar assunto, mas não conseguia destravar ou falar a
coisa certa, por isso, achei melhor voltar para mansão, afinal, muita coisa
aconteceu num só aniversário.
Enquanto ajeito a moto e espero Wine se decidir sobre ir embora comigo
ou não, Madison se aproxima.
— Foi uma festa e tanto, não?
— Acho que sim. — Rio.
A loura para ao meu lado e espera, mas não tenho o que dizer.
— Está bem? Quer dizer, com tudo isso...
— Sim — a interrompo. — Eu tô bem, prometo.
— Certo. Que bom! E eu precisava dizer que fiquei feliz por ter
convidado a Chris, nós duas conversamos e eu percebi que ela está tentando,
mesmo.
— É bom saber disso, Maddy. Apesar de tudo, ela precisa de alguém.
— E quem não precisa? — Um sorriso leve aparece e a loura me entrega
um beijo na bochecha antes de sair.
Depois dessa surpresa, precisamos descansar. Thomas disse que levará
todos para casa, depois voltará ao Red Hell com a loura, já que estão,
temporariamente, morando juntos.
Demora alguns minutos, mas Wine decide ir até a mansão, ela sobe atrás
de mim na moto, veste um capacete e se prepara. Damon, Grace e Polly não
estão esperando por isso.

Estaciono a moto na frente da grande escadaria que leva à porta de


entrada. Wine se levanta rapidamente, cheia de ansiedade. Ela me olha
enquanto tira o capacete e percebo o seu desespero.
— Não sei se é uma boa ideia — diz.
— É uma ótima ideia, não pode esperar mais três anos.
Ela assente, mordendo o lábio. Nós dois sabemos que isso terá de
acontecer em algum momento. Grace nunca a viu e Damon não pronuncia
seu nome.
Vai doer e chocar, mas será necessário.
Subimos cada degrau juntos, lado a lado. Eu destranco a porta com
calma enquanto a respiração de Wine se torna audível. Quando o hall de
entrada aparece, ela hesita um pouco, mas adentra.
— Você não vai embora de novo, sabe disso, não?
Ela me olha com certo choque, mas entende que é real, é a verdade. Não
pode fugir duas vezes.
Depois de fechar a porta, a acompanho pela casa. A voz de Grace ecoa
pelos corredores e, aparentemente, todos estão na cozinha. Levo Wine até o
cômodo, como se ela fosse uma visita.
A menina está vermelha, há lágrimas em seus olhos, entretanto, essas
não caem.
— Vamos — peço quando chegamos perto da entrada. Wine respira
fundo e me segue.
Damon, Quinn e Grace estão fazendo biscoitos e Polly está sendo
obrigada a observar, sentada à grande janela.
— Já voltou? — Meu pai pergunta, rindo de algo que não consegui
ouvir. Eles estão se divertindo.
— Sim, eu...
Não sei o que dizer e não preciso. Wine aparece logo atrás, calando cada
um deles. Todos ficam surpresos e Polly congela. Ela não se move, apenas
fita a minha irmã com frieza.
— Wine? — Damon sussurra, tão chocado quanto eu fiquei. — Filha?
— ele diz com a voz trêmula. O homem sai de trás da ilha e anda até a
menina.
Damon a abraça fortemente, se entregando as lágrimas.
Parece que o choque não é tão ruim assim. Grace desce do banquinho
com a ajuda de Quinn, ela corre para os meus braços e eu a ergo de primeira.
— Quem é? — pergunta baixinho.
— A nossa irmã — revelo. A pequena fica boquiaberta.
— Wine?
Assinto. Wine Thompson voltou, agora estamos todos juntos. Quer
dizer, quase todos.

A ficha de Damon demorou a cair. Ele soltou Wine e a examinou.


Depois do reencontro, nos juntamos na confortável sala de estar.
— Me desculpe, me desculpe por tudo — ele pede, alisando o rosto
dela. Meu pai analisa cada detalhe, como se estivesse procurando pela
adolescente que desapareceu.
As coisas mudam em três anos, ela não é mais tão jovem.
— Tudo bem, pai — ouço-a sussurrar.
— Você é a minha irmã? — Grace que, até então, estava quieta e no
meu colo, questiona se encolhendo.
Damon e Wine a encaram, confusos e um tanto preocupados. Ela ainda é
uma criança, talvez seja demais para ela.
— Sou sim — conta, chorando um pouco. — Sou sua irmã, Grace.
— E você tem quantos anos? — A pequena continua, me fazendo rir um
pouco. Ela gosta de questionar as pessoas.
— Vinte — Damon responde dessa vez.
— Por que foi embora, Wine? — A voz doce e infantil nos pega de
surpresa, e então, Wine Thompson chora copiosamente no colo de Damon.
Nós dois fomos fortes, um para ir e o outro para ficar, mas agora eu
percebo o quanto doeu nela o fato de ter deixado tudo para trás, tudo que
amava e de que precisava.
Não foi tão simples assim.
— Me desculpa — Grace sussurra, achando que feriu a nossa irmã. A
pequena se solta dos meus braços e corre até Wine, abraçando-a. — Não
precisa chorar, bobinha.
Eu sonhei várias vezes com a volta da minha irmã, com ela entrando
pela porta da frente, mas nenhum sonho se compara a isso. Imaginei que
pudesse ser confuso, mas animador. Na realidade, há dor, felicidade e
nostalgia misturados nesse momento. Isso porque Wine voltou e trouxe uma
parte do passado junto dela.
Uma parte que todos se esforçaram para superar.
Wine Thompson sempre foi doce como o vinho, suave e forte da mesma
forma. Ela era uma mistura que poderia deixar qualquer um tonto e, claro
que, em três anos algumas coisas mudaram. Ela foi de tempestade à garoa.
Wine parece mais calma.
A única coisa que me preocupa é saber que enquanto estava longe, nós
lidamos com nossos erros do passado juntos, todos nós, e agora que voltou
terá de fazer isso sozinha.
Afinal de contas, ela parou de fugir e decidiu vir pra casa, essa que não é
tão perfeita.
47

ANTES E DEPOIS
"E se no final você quer tanto perdoar,
mas você não pode esquecer."
Cold War Kids & Bishop Briggs | So Tied Up

NICHOLAS THOMPSON

Me sinto acordando com ressaca, meu corpo dói por completo, minha
cabeça está explodindo. Não bebi tanto na tarde de ontem, na verdade, a festa
acabou assim que Wine apareceu e quando me lembro disso, meu estômago
se contrai. De repente, todos esses anos que passamos longe um do outro
parecem irreais.
Meu quarto está mais silencioso e calmo hoje. Na cozinha abro a
geladeira e pego o suco de laranja, me sirvo lentamente enquanto alguns raios
de sol começam a atravessar as janelas da mansão. Eu pretendia voltar para o
dormitório, mas depois de ontem preferi ficar por aqui, não quero que a
minha irmã suma de novo.
— Bom dia — a voz sussurra. Ergo a cabeça e a encontro à minha
frente, com os cabelos presos num rabo de cavalo frouxo, o corpo encaixado
numa camiseta preta e numa calça de moletom. — Não achei que fosse
acordar nessa casa de novo.
Dou um sorriso singelo e tomo um gole da bebida gelada.
— Dormiu bem? — pergunto. Wine sorri e caminha até a ilha de
mármore.
— Depois de ouvir cada história que a Grace tinha pra contar, acabei
pegando no sono.
Ah, eu imagino, a pequena adora falar e não se cansa disso.
— Sei bem como é — digo. — E o que achou?
— Bom, a Grace contou muita coisa sobre você, Polly, nosso pai e
Alice.
De repente meu sorriso volta, claro, Alice me ligou ontem e eu estava
quase me esquecendo disso. Ouvi a sua voz e pude ter certeza de que está
bem, certeza de que ainda há a possibilidade de volta.
— Parece que a Grace também gosta dessa menina.
— É, ela gosta sim. Alice é incrível — declaro. O olhar de Wine muda,
como se não esperasse ouvir isso. — Conseguiu conversar com a Polly?
— Felizmente, não. — Ela sorri e rouba meu copo. — Pra ser sincera,
não quero nem tentar, Nick. Acho que não tenho toda essa paciência e
falsidade.
— A nossa avó vai agir como se estivesse feliz por você ter voltado.
— Claro. Tenho certeza de que ela não mudou durante todos esses
anos...
Nós dois rimos. A gente conhece bem a nossa família, sabemos dos
pontos negativos e positivos. Polly tem passado muito tempo sozinha e
depois de ontem, deve estar queimando de raiva, afinal, elas tinham um
acordo: Wine poderia ser livre e fazer o que quisesse, se fosse embora.
— Fiquei sabendo que você não tem falado com ela — me lembra,
mostrando um biquinho. — Damon me contou, aliás, ele parece diferente.
— Ele está diferente. E não, não tô falando com a Polly.
— Vai me contar o porquê?
— Pelo óbvio, Wine. Você mesma me disse que o Tommy te contou
tudo que aconteceu nos últimos meses.
Nossos olhares se encontram.
— Agora você também acha que ela é manipuladora, não? — Um
sorriso maldoso e de canto aparece. Me sinto envergonhado.
Há anos nós dois discutimos, porque eu não queria acreditar que a minha
avó podia, e ainda pode, ser alguém horrível. Eu não queria acreditar que ela
estava feliz com o sumiço de Pumpkin e que, talvez, tivesse algo a ver com a
história.
Eu não queria, contudo, eu sempre soube.
— Ela sempre consegue o que quer — explico.
— E essa é a quase definição de manipuladora, mas acho que deve falar
com ela, de verdade.
— Ah, tudo bem. — Rio de nervoso. — Agora você acha que tudo pode
ser resolvido numa conversa? Que eu posso me sentar na frente dela e fingir
que não sei o que fez e o que tentou fazer? Sabe, eu fiquei aqui por anos,
obedecendo ordens...
Wine me interrompe:
— Você nunca obedeceu a ordens, Nick. Você sempre gostou de irritar a
Polly e fazer o que bem desejava, não adianta usar a desculpa de que ficou
preso com ela por anos, você nunca foi o neto perfeito.
Engulo em seco. Eu nunca fui o neto maravilhoso que Polly Thompson
tanto queria, na verdade, fiz tudo que eu desejava da forma que achava ser
certo e, assim, ela reclamava e gritava.
Sempre funcionou dessa forma, mas às vezes, me esforcei para manter a
harmonia e o silêncio na mansão.
— Ela passou de todos os limites, Wine. Todos.
— Quais limites, Nick? Os seus? Porque pra Polly eles nunca existiram.
Você só está cansado...
— Pode ser, mas ficarei distante pelo tempo que puder. Aliás, pretendo
voltar para o dormitório.
Minha irmã aperta os lábios um contra o outro, enquanto analisa a
situação.
— Hoje?
Assinto sem animação, pego o copo agora vazio e me viro de costas para
ela, lavando o objeto na grande pia.
— Vou ter que ficar sozinha aqui?
— Você sempre gostou de ficar sozinha — comento, ainda sem a olhar.
— E precisa resolver as suas coisas, não?
— Que coisas? Parece que tudo mudou.
Percebo o desânimo na voz de Wine e me torno a ela, pronto para tentar
descobrir o que tanto esconde. Seria errado manter segredos, ainda mais
depois desse retorno inesperado. Eu aceitei bem o fato de que Tommy sabia
de tudo, isso não significa que outras novidades serão bem-vindas.
Minha mente está cansada.
— Margot é uma delas — relembro e noto seu rolar de olhos. — Você
sabe que ela ainda gosta de você, Wine. E muito.
Um sorrisinho malicioso surge em meu rosto, eu sei que a minha irmã
também gosta da garota e, para ser sincero, Wine e eu nunca tivemos esse
tipo de conversa sobre relacionamentos e sentimentos.
Tudo que sei é, ela e Margot tinham algo que acabou tão rápido quanto
começou.
— Afinal, vocês namoravam ou não? — Sou direto. A dançarina e irmã
de Jack é linda, inteligente e tímida, além de que combina perfeitamente com
Wine Thompson, a teimosa e rebelde.
Ela suspira e não me olha nos olhos, encara as próprias mãos apoiadas
no balcão de mármore.
— Prefiro não falar sobre isso agora.
— Você não sabe a resposta? — insisto, me aproximando mais. Ela
ergue a cabeça e encontra meu olhar.
— Você quer falar sobre Alice Wonders? Acho que não. O mesmo serve
pra mim.
Engulo em seco.
— Tudo bem, desde que resolva as coisas. Acredite, Wine, tentar fingir
que o passado não aconteceu é doloroso e inútil, afinal, ele aconteceu.
Ela força um sorriso de concordância.
— Acredite, eu tentei — confesso.
Eu tentei muito e sei que ela também. Talvez todos os moradores de
Wiston Hill tenham tentado.

Entro no quarto que eu ainda divido com Jack. Hannah está dormindo
calmamente e, por sorte, vestida. Ouço o chuveiro ligado e percebo que a
porta do banheiro está fechada.
Meus passos são calmos, caminho até a cama onde antes eu dormia com
Alice e coloco o pingente de serpente em minha mesa de cabeceira. Evito o
encarar por muito tempo, todas as vezes em que o observo, me pego
pensando no dia em que o vi pela primeira vez.
Era noite de festa na Tigerx. Era tarde também. Alice estava brava
comigo, tão brava que chegava a ser divertido, e ela viu Madison me agarrar
no meio da grande sala da fraternidade. Ela correu e fugiu para o Red Hell. E
agora eu penso nisso e sorrio feito bobo. Eu sorrio, parado de pé em meu
quarto, segurando uma correntinha simples, eu sorrio pensando em seus
xingamentos que logo viraram beijos.
Mentiroso de merda — ela disse, depois comentou que eu a olhava
como se quisesse devorá-la, o que era um tanto real, mas na época eu não
sabia que estava fascinado por cada detalhe da garota.
Talvez essa seja a verdade, a gente nem se conhecia direito e foi isso que
nos aproximou. Ela era uma novidade que logo se tornou a minha coisa
favorita. Eu me apaixonei por Alice em pouquíssimo tempo e duvidamos
desse sentimento no começo, porque era forte, confuso, estranho e parecia
errado.
Apenas detalhes.
Agora eu sei que não preciso de anos para amar alguém, não há regras
para esse sentimento. Eu a amo, porque como um desconhecido, vi a verdade
que os mais próximos não viam. Alice fez o mesmo comigo e com todos os
outros de Wiston Hill.
— Sorrindo sem motivo? — Hannah pergunta, me encarando enquanto
se ajeita na cama.
— Mais ou menos. — Deixo de lado a serpente e as memórias que me
consomem. — Eu estava pensando na Alice.
— Em que momento, exatamente? — Ela sorri.
— Em quase todos.
— Nick, eu preciso perguntar, por que não vai atrás dela?
— Quando Alice foi embora, deixou claro que precisava de espaço. Ela
precisa ficar sozinha por um tempo, sabe? Eu respeito isso.
— Mas você sente falta dela, não?
— Sim, só que ir atrás da Alice só iria me ajudar, me fazer bem. Quando
ela quiser me ver de novo, vai dizer.
— Certo. — A menina joga as pernas para fora da cama. — E a sua
irmã? Como é ter Wine de volta?
Pisco algumas vezes, me lembrando disso. Ainda não me acostumei com
a ideia de tê-la na mansão e na minha vida de novo. Foram anos sozinho, me
apegando a ideia de nunca mais a ver.
— Confuso, não é? — Ecoa pelo quarto antes que eu possa responder.
Jack nos encara, enfiado numa camiseta preta e numa calça jeans. Seus olhos
me observam com cuidado, como se estivesse preocupado.
— Bastante. Eu nunca achei que Wine fosse voltar, nunca mesmo.
— É, a Margot também não. Sabe se as duas vão resolver as coisas?
— Não faço ideia.
Jack suspira e se senta ao lado de Hannah, ele sabe o quanto Margot
esperou mais do que todos os outros, o quanto ela chorou quando a minha
irmã desapareceu sem dizer tchau.
— Eu pedi pra ela falar com a Margot, mas não posso me meter nisso.
— Eu só acho que, quando Wine foi embora ela deixou muitas coisas
inacabadas e agora tem que as resolver.
Eu fico quieto, pois Jack tem razão. Wine simplesmente desapareceu,
sem adeus, sem explicações. Ela fugiu de questões que eu não conhecia, ela
abandonou tudo e todos por causa de um acordo com a Polly.
— Pretende voltar para o dormitório? — Hannah continua a conversa.
— Sim, eu já avisei a minha irmã. Não consigo mais ficar naquela
mansão e estava pensando em trancar o curso — confesso por último.
— Trancar? Como assim e por quê? — ela questiona, chocada.
Sinceramente, eu esperava que todos fossem concordar comigo.
Rio baixinho e encontro os olhos de Jack, que me julgam sem sutileza.
— Hannah, eu quase não assisti as aulas, estava muito distraído...
— É, com a Alice. — O garoto ri.
Dou de ombros e aguardo outra reação.
— Honestamente, Nick, eu não costumo me importar com isso, mas e
quanto a Polly? Ela vai ficar furiosa — Hannah explica.
Sim, Polly Thompson odiará a minha decisão, estarei alimentando a
raiva dela. Me coloco de pé, os fito por uma última vez e chego à uma
conclusão.
— Se depender de mim, ela ainda vai ficar muito furiosa.
Hannah parece chocada e Jack não esperava por menos, não depois de
tudo que aconteceu. Posso ver em seus olhos que gosta disso, ele já me viu
assim antes, anos atrás, quando o mundo pegou fogo.
Quando eu não me importava.
Começo a andar em direção à saída, quando a voz de Jack comenta:
— Só espero que não se arrependa dessa vez.
Os arrepios me consomem.
Eu também espero. Não quero mais essa culpa e esse medo de fazer algo
errado, algo que possa causar um caos imenso. Me sinto assim desde que
descobri que Mateo estava indo embora, desde o momento em que soquei a
sua cara.
Pego na maçaneta e abro a porta, absorvendo cada palavra de Jack.
— Nick, isso chegou pra você. — Hannah chama uma última vez. —
Quase me esqueci.
Me viro e avisto um envelope branco em sua mão. O agarro com pouca
paciência e saio, tentando focar nas minhas próximas decisões.
Eu quero respostas.
Polly Thompson não construiu essa falsa utopia com honestidade e
família. Ela colocou cada prédio sobre uma mentira, ela fez cada acordo em
sigilo. Ela enterrou coisas, pessoas e verdades que agora, eu quero para mim,
nem que eu tenha que desenterrar cada corpo ou derrubar cada construção.
Quando Wine foi embora ela estava furiosa, nós discutimos muito e eu
sei que hoje minha irmã espera que eu acredite em suas teorias, porque ela
voltou no momento certo. Se ela tivesse aparecido antes da Alice, nada teria
mudado.
Quero saber porquê Pumpkin sumiu no meio da noite, quero saber como
ela conseguiu manter meu pai longe, quero saber como Polly controla tudo e
todos. Não vou questionar a morte da minha mãe, isso doeria demais, seria
cruel, mas preciso saber o que aconteceu antes disso.
Se a minha avó fez um acordo com a própria neta para que essa sumisse,
o que fez com Pumpkin, que não suportava? O que ela faria com Alice?
Por mais que seja horrível pensar nas possibilidades e pintar Polly como
a vilã, sei que pode ser real. Sei que ela sabe ser cruel, não cruel como Chris
Vender — que apesar de tudo, sofria com as próprias ações.
E eu neguei as coisas por muito tempo. Eu fechei os olhos, me forcei a
não superar a morte da Elle, me forcei a continuar num relacionamento
superficial com a Madison. Todos nós ficamos atuando e isso acabou no
momento em que encontrei os olhos de Alice Wonders, no momento em que
ela me perguntou se eu gostava do que via e tudo que consegui pensar foi
“com certeza”.
Naquele momento as coisas mudaram. E, infelizmente, para aqueles que
gostam de drama, não pretendo ficar sofrendo. Não mais. Já basta de teatro,
mentiras e manipulações.
Se eu puder, deixarei Wiston Hill inteira queimar, deixarei o fogo tomar
conta de tudo, porque ainda tenho Alice e, apesar da distância, esse
sentimento nunca pareceu tão real.
48

ESTOU PARANOICO?
"Quem está batendo à sua porta?
Você tem muito a responder por.
Quem está dormindo em sua cama?"
Adam Jones | You Can Run

NICHOLAS THOMPSON

Chris Vender não parou de ligar até eu atender. Foram no total cinco
ligações enquanto eu treinava na academia que Damon construiu na própria
mansão, isso quando tinha uns dezoito anos.
Polly não está presente, como sempre, estamos nos evitando. Ela foi à
fisioterapia e Grace ficou com Wine e Quinn.
— Pode vir agora? — Chris pergunta com impaciência, mas parece um
pouco triste. — Eu realmente preciso de ajuda.
Bufo baixo, não quero que ela ouça. Sei que desde a volta da minha
irmã, estou um tanto estressado. A única coisa que me acalma é a ideia de ter
uma família de novo — ou pela primeira vez, para ser sincero — e Alice.
Chris decidiu sair da fraternidade, assim como Andressa e Madison. Ela
quer voltar à casa do pai até conseguir um lugar para morar sozinha, um lugar
onde possa resolver sua própria vida, sem influências ou regras.
— Só vou tomar um banho.
Ela suspira do outro lado e murmura algo como obrigada.

Assim que desço da moto, encontro os olhos de Juliet me encarando. Ela


ingressou na casa no pior momento, não sei se esse lugar vai durar muito
tempo.
— Chris está tentando, desesperadamente, arrumar algumas malas —
conta, rindo um pouco.
— É, ela nunca teve que fazer isso sozinha.
Subo cada degrau da escadaria de entrada e paro na frente da garota.
— Vai ficar por aqui, na fraternidade?
— Bom, acho que preciso arranjar um lugar pra morar. Eu mal cheguei e
todo mundo está saindo.
Suspiro observando seus olhos que me examinam com cautela. É uma
situação bem chata essa, ser a novata num lugar tão problemático, mas algo
me diz que Juliet dará conta.
— Você poderia concorrer à presidência daqui. Essa casa precisa de
algumas mudanças urgentes, sabe?
Ela fica boquiaberta e não me responde.
— Você vem de fora, sabe lidar melhor com os problemas.
— Não tenho tanta certeza disso.
— Te garanto, Juliet, você será a melhor presidente dessa fraternidade
em anos. Deveria tentar.
A menina segura um sorriso, ela disfarça com esforço.
— É melhor ir, a Chris está te esperando — sussurra para mim.
Assim que entro percebo o clima estranho, é como se algo tivesse
mudado na casa, como se toda a superficialidade tivesse se desgrudado das
paredes e partido. Subo cada degrau seguido por essa sensação estranha.
A porta do quarto da Chris está aberta, entro sem bater.
— Finalmente. — Ouço-a exclamar do banheiro, me encarando através
do espelho. — Eu acho que tenho muitas coisas.
A sua cama está cheia de roupas e os armários revirados.
— Você sabe que vai se formar um dia, não é? Por que trouxe tanta
coisa pra cá?
Christina rola os olhos, então, se vira para mim.
— Eu não achei que fosse voltar pra casa do meu pai!
— E quer mesmo fazer isso? — Nossos olhares se encontram. — Quer
voltar a morar com Ash?
Chris pensa um pouco enquanto anda na minha direção.
— Apesar de tudo, Nicholas, ele ainda é meu pai. Sei que entende isso
— sussurra a última parte, se referindo a Damon. — Ash é exigente e, às
vezes, um babaca.
— Machista, hipócrita e egoísta — completo.
— E meu pai. Não vou ficar lá pra sempre, só por algumas semanas.
Minha mãe vai me ajudar a encontrar um apartamento em Aurora Hill ou por
aqui mesmo.
Christina se senta na beira da cama, que antes era de Madison, e olha
para as próprias coisas.
— É isso mesmo que quer? Sair de Wiston Hill? — Eu sei que a
resposta é não, Vender cresceu por aqui e ainda não tem a coragem para ir
embora.
Ela nega brevemente.
— Mas acho que preciso de um emprego.
— Nisso eu posso te ajudar. — Me sento ao seu lado. — Fiquei sabendo
que há uma vaga na biblioteca.
Os olhos dela se iluminam e um sorriso curto aparece.
— Seria ótimo, acha que consigo?
— E por que não? Você quer estudar literatura, seria uma ótima opção.
Mas primeiro tem que arrumar essa bagunça!
Chris ri baixinho.
— Qual das?
— Todas.
Christina assente se colocando de pé. Ela começa a dobrar algumas das
roupas espalhadas e eu apenas observo. Uma pergunta ainda me atormenta e
sei que, talvez, eu não deva mencioná-la.
De qualquer forma, não consigo me segurar.
— Preciso saber de uma coisa...
Ela me encara, segurando um vestido florido. Chris rola os olhos e me
mede de cima à baixo com malícia.
— Se eu tinha algum interesse em você?
— Bom, não era isso... — Sou interrompido mais uma vez.
— Sim.
Congelo no mesmo momento, minhas mãos ficam dormentes e sorrio de
indignação. Nunca imaginei que palavras como "você é um idiota
egocêntrico" pudessem virar "você é um idiota egocêntrico, mas eu gosto
disso”.
E é assim que soa para mim.
— Sim, eu tinha um interesse em você. Não pode me culpar por isso. —
As bochechas dela coram. — Você era o garoto popular da escola, mas não
por causa de um time de futebol ou basquete. Você era, e ainda, é diferente.
Continuo quieto, sorrindo sem saber o porquê. Talvez escutar Christina
Vender assumindo seus sentimentos seja algo surreal.
— Todas as garotas... — ela continua.
— Não imaginei que tivesse a capacidade de se comparar a todas as
garotas — brinco e Vender faz uma careta, atirando o vestido em mim. —
Você não me suportava.
— Talvez essa seja a questão. — Chris me analisa. — E você nunca me
deu uma chance.
— E não vou dar. Isso nunca rolaria entre a gente, Christina —
confesso, me colocando de pé à sua frente. Ela faz um biquinho. — Mas te
ouvir dizendo que me queria já está ótimo.
— Não, só estará ótimo quando me contar o porquê de nunca ter...
— Jayden, Mateo, sua personalidade irritante e sua soberba. Posso fazer
uma lista. E nunca gostou de mim, não é? Eu era um egocêntrico de merda,
metido e...
— Eu sei de tudo isso, chega! — ela pede, voltando a dobrar as roupas.
A ajudo agora, peça por peça, e o silêncio domina o quarto. Pelo que
parece, Christina desistiu de tentar algo comigo, mas não me contou se ainda
quer. E, para ser sincero, prefiro não saber.
Esse segredo ela pode carregar sozinha.
— Essa é mais uma coisa que nunca vou descobrir — sussurra, me
deixando curioso. Chris suspira e finge não notar a minha presença. — Nunca
vou saber como é ter um pouco do Nicholas Thompson, certo?
Dessa vez, acho que enrubesço.
— Não, sinto muito.
Ela ri, como se não fosse importante, e termina de dobrar as roupas. Eu
faço tudo que Vender me pede durante uma hora exata, não demoramos
muito para terminar e logo o quarto parece outro, completamente organizado.
Nos sentamos lado a lado na antiga cama da Madison e encaramos as
malas prontas.
— O que ia perguntar, Nicholas? — ela me lembra.
— Você não vai gostar — confesso. — Mas, queria saber se parou
mesmo de usar...
Chris se mostra chocada, o que me cala.
— Foi uma vez.
— Não, não foi.
Nós dois sabemos do que estou falando.
— Eu nunca mais tomei os comprimidos, Nick, nenhum deles, nem nada
do que Noah vendia.
— Noah e Mateo, sabe disso. Eu me lembro muito bem das vezes em
que te vi chapada, Christina.
— Eu não uso mais! — exclama. — Foi um erro, está bem? Você
prometeu que não ia contar pra ninguém.
— E não contei, certo? Mas nós sabemos da verdade, Chris. Você teve
problemas.
Naquela época Wiston Hill inteira teve problemas, mas Noah e Mateo
trouxeram um tipo diferente de crise. Drogas, bebidas e festas já existiam em
excesso por aqui, entretanto, os dois conseguiram usar disso para começar um
caos.
Antes de Jayden e do noivado com o imbecil do Mateo Price, ela acabou
usando algumas coisas, eu descobri e a ajudei. Mesmo assim não viramos
amigos, não naquela época. Me lembro de tudo, principalmente da promessa
que Christina fez.
— Eu nunca mais toquei num daqueles comprimidos. Só fiz isso
algumas vezes, Nick, e prefiro não me lembrar.
— É, a Alice também preferia se esquecer dos erros do passado, mas
você fez questão de lembrá-la deles, não é?
De repente, Vender se encolhe. Ela nota a hipocrisia em nossa conversa.
Eu nunca espalharia seu segredo, mas não é justo ter tratado Alice da forma
que fez, quando já cometeu erros gigantescos.
— Eu sinto muito por isso, Nick.
— É, eu sei. Relaxa, não vou tocar nesse assunto de novo, eu prometo.
Só precisava ter certeza.
— Já faz anos, foi antes da Wine desaparecer. Eu tô bem.
— E quanto a tudo que aconteceu, Chris? Não é possível que esteja tão
bem assim.
— O que quer dizer?
— Que deveria procurar ajuda. Deveria conversar com alguém sobre as
drogas, Mateo, seu pai…
— Eu não preciso disso. — Ela ri, tentando provar que está bem. —
Deixei essas coisas pra trás.
— Não, você está as ignorando. Sabe, um psicólogo te diria que isso se
chama negação.
Christina rola os olhos e suspira.
— Você é suficiente, não preciso de um…
Interrompo-a sem paciência:
— Chris! — A garota me olha nos olhos. — Estou te pedindo para
tentar, só isso. Eu te ouço, mas não sou imparcial. Até que ponto pode confiar
em mim? E você passou por muita pressão, foi agredida, Vender, não pode
fugir disso.
— Tudo bem — sussurra. — Eu vou pensar sobre.
Assinto, satisfeito. Eu sabia que mencionar os comprimidos e as drogas,
que seu ex-noivo vendia com o melhor amigo, não era uma boa ideia, mas eu
precisava, assim como precisava dizer tudo que penso sobre a situação.

Assim que colocamos todas as malas no carro da Chris, nos despedimos


brevemente. Ela precisa voltar para a casa do pai e prometeu que vai à
biblioteca, tentar arranjar um emprego.
Já eu, subi na mesma moto de sempre e pilotei pelas ruas vazias de
Wiston Hill. Me levei à mesma estrada onde Elle morreu e, pela primeira vez,
não senti tristeza. Talvez porque perto do fim dela, há o penhasco onde Alice
esteve comigo, do qual pulamos juntos. E eu prefiro pensar nisso enquanto
observo o mar agitado.
Às vezes eu me pergunto como tantas coisas puderam acontecer em tão
pouco tempo. Eu me forço a analisar cada pequena mudança desde que Alice
chegou. Se estivesse nesse mesmo lugar, olhando a mesma praia, há um ano
atrás, eu não seria esse. Estaria com Madison num relacionamento sem
futuro, pensando numa garota que já amei, tentando imaginar o paradeiro de
Pumpkin e Wine. Mas agora, nesse exato momento, eu sei que não preciso
me preocupar com essas coisas. Sei que Madison e Tommy estão felizes
juntos, sei que Alice ainda se lembra de mim e sei que a minha irmã voltou.
Só me resta uma questão, uma que silenciei por anos. Antes de morrer,
para onde Pumpkin foi? Por que ela desapareceu sem dizer tchau, sem se
explicar?
Minha mãe nunca faria isso, eu sei, sempre soube, mas era menos
doloroso fingir que não.
E enquanto as ondas se chocam contra as pedras do outro lado da praia e
o vento esfria meu rosto, eu penso em quantos segredos cada um daqui
esconde. Eu penso em Polly Thompson e penso em tudo que ela pode manter
longe de mim, até porque, foi exatamente isso que fez com Wine. Ela sabia
de tudo.
Polly sempre soube.
Então agora, quando penso no passado, só me resta uma questão: o que
mais Polly Thompson sabe?

Abro a porta da mansão me atentando ao silêncio presente, passou da


meia noite e todas as luzes estão apagadas. Faço questão de olhar em cada
quarto e percebo que todos dormem. Damon pegou no sono com Grace em
sua cama, provavelmente depois da garota falar demais. Wine deve estar
cansada da viagem, a observo por alguns segundos, abraçada com um
travesseiro e enfiada num pijama antigo. Polly também dorme profundamente
e não pode se levantar sem que eu ouça, já que precisa da cadeira de rodas.
Nenhum momento seria tão perfeito quanto esse.
Entro no escritório da minha avó, abro a porta com cautela, tentando não
fazer barulho. As luzes estão acesas, me enfio no cômodo e caminho até a
grande escrivaninha.
Se ela tivesse algo a esconder, sei que não se esforçaria muito para isso.
Wine era a única que queria respostas e ela não estava presente nesses
últimos anos. Polly não tinha que controlar a minha curiosidade, ela sabe que
eu não entraria em seu escritório.
Mas as coisas mudam.
Se Polly não me contou sobre a emancipação da minha irmã mais nova,
o que ela não mencionou sobre Pumpkin? De repente, tudo parece fazer
sentido. Minha avó sempre consegue o que quer, foi assim com a saída de
Mateo de Wiston Hill, por exemplo.
Ela sabe manipular e me manipulou o suficiente.
Abro as gavetas e remexo nas coisas, papeis e documentos, tentando
deixá-las da forma que estavam antes, contudo, não encontro muito. São
pastas e pastas, fotos, assinaturas e cheques.
— Merda — murmuro cada vez que leio uma frase escrita num papel
qualquer que não me interessa.
Abro a outra gaveta, nada. Mais uma, nada. Então, decido mexer na
principal, a que fica no centro da mesa. Quando a puxo, a primeira coisa que
vejo é a certidão de óbito da minha mãe, aquela que Polly me mostrou ao dar
a notícia. Aquela que li com pressa.
Todavia, agora tenho todo tempo do mundo.
Agarro o papel e presto atenção em cada letra, afinal, no documento
consta a hora, dia, lugar da morte, causa e todas as outras informações que
procuro. Minha respiração falha quando leio Califórnia. Se Pumpkin fugiu de
Wiston Hill, ela continuou no estado? Por quê e onde?
Por incrível que pareça, essas partes não estão preenchidas, como se
algo estivesse sendo escondido. Não há hora, endereço, nada. Apenas o
estado e causa.
Califórnia, 2017. Causa: overdose acidental por analgésicos opioides.
Por algum motivo, ler essas coisas me causa um arrepio na espinha.
Polly Thompson sempre foi boa em enterrar segredos e pessoas.
49

QUEIME
"Começando um incêndio,
porque tudo que você realmente queria
era só ver o mundo queimar.
Então, veja-o queimar."
Klergy & Valeria Broussard | The Beggining of The End

NICHOLAS THOMPSON

Talvez o jogo da Polly seja o pior de todos.


Não consegui dormir durante toda a noite, não depois de encontrar o
documento que me fez questionar tudo e todos. Wine sempre teve suas
teorias mas, agora, eu tenho as minhas.
Polly com certeza sabe do que aconteceu, parando para pensar, ela
sempre tentou me envenenar contra Pumpkin depois dessa partir. Mas e se ela
não partiu?
Em Wiston Hill eu já vi de tudo, ganância, ambição, maldade,
superficialidade, mentiras, segredos, crimes sendo acobertados, dinheiro
comprando o inacreditável. Então, eu tenho que considerar a possibilidade da
minha avó não ser apenas cruel, talvez ela tenha passado dos limites.
Polly sempre gostou de regras, perfeição — e colocou isso na cidade que
construiu —, mas as pessoas daqui não são bonecas, não são controláveis,
pelo menos não à todo momento. Isso significa falhas e falhas significam
crises. E crises significam: passar dos limites. Se todos passamos, por que
não ela?
Mesmo assim, pensar no quanto Polly teria que odiar a minha mãe para
a mandar embora, me causa arrepios, enjoos. Pumpkin era tudo que eu mais
amava e Polly sabia disso. Se as teorias estiverem certas, se as mentiras
forem mais perigosas do que imagino, ela não pode dizer que me ama. Nunca
poderá dizer isso.
Assim como Alex fez com Alice, é puro egoísmo. Ela se livrou do
problema, mas não considerou os danos. Ela não me considerou e sempre
disse estar fazendo o que faz, pelo meu bem.
Acho que mentir virou um costume.

Quando entro na cozinha, Wine já está de pé, bebendo um pouco de


suco de laranja como se nunca tivesse partido. Depois de algumas horas com
ela na mansão, me sinto no passado. Parece normal demais tê-la de volta.
— Bom dia — diz, sorrindo. Ela me analisa um pouco, mas não esboço
animação. Minha irmã sempre me conheceu bem o bastante, sempre
conseguiu me ler.
Ela suspira por mim e põe uma das mãos na cintura.
— O que foi, Nick?
— Eu quero saber, Wine, sobre o que queria falar comigo?
A menina franze o cenho, sem entender.
— Quando mencionou a nossa mãe, no meu aniversário, você disse que
precisávamos falar sobre isso. — Percebo-a engolir seco. Me aproximo aos
poucos, deixando-a sem ar. — Você sabe de alguma coisa que não sei?
Wine nega brevemente, balançando a cabeça.
— Por que está perguntando isso, Nick?
Ela ergue o olhar, sendo mais baixa que eu, precisa erguer a cabeça
também. A encaro, olhos nos olhos, com toda seriedade possível.
— Porque desde que voltou, eu tenho começado a pensar em coisas que
não me vinham à mente por anos. Parece que esses pensamentos voltaram
com você, Wine. Não faz sentido.
— Do que está falando? Me explica logo!
— Nossa mãe, antes de morrer, o que aconteceu com ela?
As bochechas da minha irmã coram, ela abre e fecha a boca.
— Se a nossa avó te emancipou em segredo e mentiu pra todo mundo
por anos, se ela te mandou embora, o que fez com a nossa mãe? Por que
Pumpkin morreu assim, de repente?
Quando termino, Wine não tem respostas. Ela apenas me encara como
se esperasse por esse momento há anos, mas com tudo que aconteceu naquela
época eu não podia considerar mais um caos, mais uma mentira. Eu não
podia pensar nessas coisas.
Agora posso.
— Me fala — peço, sussurrando.
— Agora quer falar disso? Eu me perguntava o mesmo, lembra?
Afirmo, mantendo o silêncio.
— Eu não sei de nada, Nick. — Há frieza em sua voz, como se não
quisesse tocar no assunto. — Parei de me preocupar com essas coisas quando
fui embora. Desculpe.
Não consigo acreditar nisso, depois de todas as brigas ela simplesmente
desistiu? Rio de indignação e entrego-lhe o atestado de óbito, o qual Wine
agarra com cautela.
— Eu queria esquecer também, mas encontrei isso ontem. Não acha
estranho?
— Não. — Sua resposta sai com urgência, quase que imediatamente.
— Não? O documento está praticamente em branco! Eu devia ter notado
quando Polly me mostrou isso, mas não consegui...
— Notado o quê? — Ecoa atrás de mim. Nossa avó entra na cozinha,
empurrada por Quinn, em sua cadeira de rodas.
Quando percebo sua presença, puxo o papel da mão de Wine e o dobro,
escondendo-o.
— Nada. Deixa pra lá — digo baixo.
A mulher é levada até a mesa de café da manhã, perto da grande janela
da cozinha. O silêncio se estabelece enquanto Polly se ajeita, sei que ela está
prestando atenção, aticei a sua curiosidade.
— Nick — Wine sussurra, chegando bem perto —, deixa isso pra lá! É
sério! Afinal, a nossa mãe morreu, certo? Mexer nessas coisas não vai fazer
bem pra ninguém!
É um tanto engraçado ouvir isso saindo da boca de Wine Thompson, a
que antes tentava destruir Polly e descobrir tudo que ela escondia no
escritório. De qualquer forma, só me resta aceitar que não vou conseguir
respostas tão fácil assim, até porque, ninguém em Wiston Hill irá querer me
ajudar.
Deve ser mais simples continuar ignorando algumas coisas.
— Eu volto para o dormitório hoje — conto enquanto saio da cozinha.
Antes de voltar ao quarto que divido com Jack, precisei comprar um
bolo — como havia prometido a Grace — e cantar parabéns com ela e nosso
pai. Recolhi tudo que estava em meu quarto, todas as roupas que pretendo
usar e, depois disso, consegui escapar da mansão.
Dessa vez, não pretendo retornar.
Giro a maçaneta com calma e percebo que Jack não está. O silêncio me
consome assim que entro no lugar. Jogo a mochila nem tão cheia sobre a
cama e, em seguida, me sento.
Alice não me ligou mais, nem April. Me pergunto se ela está bem, se
pretende voltar logo. Queria contar a ela sobre tudo que aconteceu, sobre a
volta de Wine.
— Finalmente, achei que fosse ficar preso naquela casa! — Jack
exclama ao entrar.
— Quase fiquei, mas estava perdendo a cabeça...
— Como assim? — Ele retira a camiseta e se joga na cama, encarando o
teto.
Não sei se devo contar, Jack vai dizer a mesma coisa que Wine, para eu
ficar fora disso. Para esquecer.
— Nada, cara. Eu só queria saber sobre a minha mãe.
Ele me fita sem entender.
— Bom, ela morreu, não? Quer dizer, você não fala da Pumpkin desde...
— Eu sei, Jack. Esquece, faz de conta que não mencionei isso agora!
Odeio sermões e, provavelmente, terei de escutar um quando revelar
meus pensamentos.
— Tudo bem, só não faça uma merda.
— Não vou.
Sei que não posso afirmar isso, mas é melhor concordar.

Já passa das dez da noite e eu, como sempre, estou enfiado na Red Hell.
Não contei o quanto bebi e nem quero saber, mas depois de trancar o curso e
passar a tarde ignorando as teorias que me surgiam, preferi encher a cara.
Não aguento mais pensar em Alice e não posso ficar me lembrando do
passado, até porque, não terei respostas. Seria como tortura.
— Não acha melhor ir pra casa? — Roxy, a bartender, pergunta.
— Eu sempre bebi por aqui, Roxy — lembro-a de meses atrás, antes de
Wonders. — Eu tô bem.
Não é uma mentira, ainda não me sinto tonto e nem enjoado.
Conseguirei passar dessa noite, provavelmente.
— Bom, o Thomas que mandou perguntar.
— Fala pro seu chefe me deixar em paz — exclamo, sabendo que ele
pode ouvir.
Madison também é bartender agora e passa cada minuto me observando
com cuidado, esperando que eu faça algo de errado. Mas tudo que quero é
rum, doses e doses de rum. Só isso.
Sinto que mais uma hora se passa e minha mente fica vazia pela
primeira vez. Eu posso entender a Alice agora, beber não ajuda, não resolve
os problemas, mas ilude bem.
Dessa vez, quem se preocupa é a loirinha.
— Nem pergunta — ordeno quando ela se aproxima, apoiando os
cotovelos no balcão de vidro.
— Nick, você já bebeu demais. Está tudo bem?
Rio levemente, sem motivo.
— Por incrível que pareça, sim. Às vezes eu sinto culpa por algumas
coisas, mas está tudo bem.
Eu precisava tirar isso do meu peito. Madison fica surpresa.
— Eu fiz a Alice se sentir mal, abandonada e triste. Eu deixei a minha
mãe e irmã desaparecerem e nunca questionei isso. Quer dizer, agora Wine
volta e vamos agir como se nada...
— Não tem porquê ficar se culpando. Ela voltou, ponto! — Thomas se
intromete. — Para de pensar nessa merda de passado e em relação a Alice, se
resolva com ela. Beber não vai te ajudar, Wonders já provou isso.
— Ah, eu sei.
— Olha, todo mundo fez alguma merda e sobre a sua irmã, foi escolha
dela ir embora, Nick — Maddy tenta.
— Assim como é sua escolha encher a cara — Tommy termina. — Já
chega disso, chega desse melodrama. Vai pra casa!
Antes que eu possa argumentar, ele sai, deixando-me sozinho com a
loura. Thomas nunca teve paciência para crises emocionais e, honestamente,
eu também não.
Talvez esse seja o problema, nesse momento nem eu me aguento.
— É melhor ir embora antes que ele te arraste pra fora — ela diz,
sorrindo de canto.
— É melhor mesmo — concordo e entrego-lhe um sorriso.
Madison sempre foi paciente.
Me levanto com calma e quando tenho a certeza de que consigo andar,
caminho pela boate tentando lidar comigo mesmo. Eu odeio a culpa, o
sentimentalismo e crises como essa. Tudo que quero é me controlar, afinal,
essa merda toda não importa mais.
Todo esse drama é passado.
Do lado de fora da boate encontro a minha Harley-Davidson, consciente
de que estou bêbado demais para pilotar. Apenas me sento sobre ela e espero.
— Você não vai pilotar essa merda. — A voz soa pela rua vazia.
Thomas me fita como se esperasse por isso. — Eu te levo para o dormitório,
Nicholas.
Rolo os olhos, bufo e me arrasto até o carro dele.

Tommy dirige devagar pelas ruas vazias.


— Quer mesmo ter uma crise dessas agora? — ele pergunta, tentando
quebrar o silêncio. — Sabe que é...
— Ridículo — interrompo.
— Então por que...
— Por nada. Porque decidi ser um idiota hoje. Serve essa resposta?
— Serve, mas só pra você saber, é um idiota todos os dias, Nicholas.
A risada me escapa e paro de encarar Thomas por alguns minutos.
Analiso as ruas, calçadas e placas.
— Tem notícias da Alice?
— Reabilitação, sem celular — solto.
— Uau — sussurra. — Isso é bom, certo?
Me viro para o garoto que me olha rapidamente e, em seguida, volta a
encarar o caminho.
— Tem que ser.
O silêncio retorna, nos rodeando, e não precisamos nos esforçar para
conversar, já que conhecemos um ao outro. Tommy não gosta de perder
tempo e eu odeio assuntos aleatórios.
Logo, ele estaciona à frente do dormitório, do outro lado da rua. Antes
de descer eu sinto meu celular vibrar em meu bolso da jaqueta e enfio a mão
para pegá-lo, entretanto, o que retiro é um envelope.
É aquele que Hannah me entregou, para o qual não dei tanta atenção.
— Agora pode, por favor, parar de encher a cara por hoje? — Thomas
questiona, mas não respondo. Analiso o envelope branco e saio do veículo
sem dizer um a sequer.
Ouço o menino reclamar, mas ignoro. Quando atravesso a rua, antes de
entrar na casa, rasgo o papel e sinto o suor em minha nuca. São duas
passagens para Nova Iorque e um bilhete escrito:
“Espero que traga seu traseiro bonito até aqui, te amo”.
E claro, assinado por ela.
Alice Wonders.
49.1

ME ARRASTANDO DE VOLTA
"Talvez eu esteja muito ocupado sendo seu
para me apaixonar por outra pessoa.
Agora pensei bem sobre isso,
me arrastando de volta para você."
Arctic Monkeys | Do I Wanna Know?

NICHOLAS THOMPSON

Assim que abro os olhos, não me sinto cansado. Pela primeira vez em
dias consegui dormir de verdade, consegui afastar a minha mente de todas as
merdas que têm acontecido.
Não me lembro muito do que fiz ontem, nem de como entrei no
dormitório, mas sei que encontrei duas passagens de avião num envelope,
esse que chegou há poucos dias para mim.
Beber não ajudou, a dor de cabeça da ressaca começa a aparecer e a
boca seca se junta a ela. Olho ao redor, Jack já acordou e está sentado à
escrivaninha, mexendo num notebook. Meus olhos ardem por causa da luz
que adentra pela janela ao meu lado.
— Bom dia — murmuro, fazendo-o me olhar brevemente.
— Até que enfim, acordou. Eu já estava pesquisando por primeiros
socorros.
Rio pouco com a sua piada, minha cabeça lateja quando falo ou me
movimento. Sento-me na cama e penso, me lembro de descer do carro do
Tommy, encontrar a carta... e depois disso? Como entrei na casa?
— Você chegou cansado ontem — conta, percebendo a minha distração.
— E bêbado.
— É, eu sei. Você se lembra de como eu...
Sou interrompido, Jack nem espera eu terminar a pergunta.
— Bom, você chegou segurando um envelope, jogou ele aqui e depois
se jogou na cama. Parecia exausto, te deixei dormir.
É notável, já que ainda estou com as roupas de ontem. Sei que fiquei
surpreso e sem reação ao encontrar o presente da Alice, mas eu precisava
descansar longe da mansão e de Polly Thompson.
Apesar da ressaca, funcionou.
— O que era no envelope? — ele pergunta.
— O presente da Alice.
Jack finalmente se vira pra mim e me fita, cheio de curiosidade.
— Presente? E o que é?
Sorrio, notando seu tipo estranho de animação. Eu nunca imaginei que
Wonders fosse me mandar isso, mas eu tinha certeza de que quando ela
quisesse me ver de novo, me contaria.
E eu esperei.
Alice sabe que nunca saí da Califórnia, ela sabe que conhecer Nova
Iorque — além de a encontrar novamente — seria algo grande para mim. Até
a minha irmã mais nova, Wine, já conheceu outros lugares. Sempre vivi na
bolha que Polly criou, apesar de todo dinheiro e oportunidades.
Para ser sincero, não pensei que, dessa vez, eu realmente fosse até ela.
Quando Juliet me disse que isso poderia acontecer, achei improvável, mas
como nunca antes, as coisas mudaram.
Eu não tenho como recusar esse presente.
Jack parece aflito, aguardando uma resposta.
— Nicholas, me conta!
— Ela me mandou passagens.
— De avião? Alice te mandou passagens de avião?
— Pra Nova Iorque, sim.
O menino ri, pensa e, então, gagueja ao perguntar.
— E você vai?
Dessa vez, eu sorrio. Quero muito ir, quero a ver mais uma vez e quero
sair de Wiston Hill, mas não me preparei para isso.
— Eu pretendo — digo. — Ainda não me acostumei com a ideia.
— Cara, você nunca saiu do estado! Quer dizer, ela te deu o melhor
presente possível...
— Ficar fora desse lugar por uns dias?
— Isso também! — Ele parece feliz, Jack sabe que preciso dessa
distância, desse tempo, sabe que talvez possa me fazer bem. — Você tem que
ir, Thompson.
— Eu sei.
— É Nova Iorque!
— Eu também sei disso. — Rio, me levantando com dificuldade.
Me levo até a escrivaninha onde o envelope descansa e o pego
novamente, agora leio cada detalhe.
— Qual o dia da viagem? Quanto tempo tem pra arrumar as coisas?
— Dois dias, hoje e amanhã.
— É suficiente. E são duas passagens. — Os olhos de Jack brilham.
Um silêncio aparece e nos encaramos por instantes.
— Cara, quer ir comigo?
— Eu iria, mas estamos em semana de provas. Você não sabe disso,
porque não prestava atenção nas aulas.
Ah sim, claro, as aulas. Eu tranquei o curso, já que perdi tudo de
importante e me distraí demais nesses meses.
— É melhor arranjar um acompanhante logo! Você tem várias opções,
na verdade.
Eu sei e Wonders também sabe. Ela me deu a chance de levar alguém
específico, alguém que também precise de tempo ou alguém que possa gostar
de vê-la.
Nesse momento, a única certeza que tenho — e a única coisa que não
faz a minha cabeça doer — é que irei vê-la novamente.

Entro na mansão com calma, não me importo de me encontrar com a


Polly. Eu não estou tão furioso, entretanto, ainda não quero conversar.
Damon está na sala, vendo televisão.
— Bom dia! — exclama quando me encontra. Parece feliz e, de certa
forma, isso me deixa satisfeito. Meu pai também passou por muita coisa.
— Bom dia! Cadê todo mundo?
Ele abaixa o som da televisão e espera até eu me sentar no sofá.
— A sua avó está no escritório, Grace saiu com Quinn e Wine foi
encontrar a menina dos Carter, a namorada dela...
— Margot — relembro.
— Isso!
Me surpreende saber que Wine conversou sobre Margot com nosso pai,
saber que ele aceita o relacionamento dela e a sexualidade sem
questionamentos. É um tipo bom de surpresa, daquelas que te acalmam.
Não queria viver mais uma tempestade.
— E você, Nick, o que veio fazer? Nunca vem à mansão sem motivo.
— Queria saber se está tudo bem.
— Até agora, tudo ótimo. A sua avó está um pouco amarga — suspiro
ao ouvir tal coisa —, mas sabemos que é por causa do acidente.
— E por causa da Wine.
Ele faz um careta, se negando a aceitar que a própria mãe mandou sua
filha embora, que Polly não queria que a minha irmã tivesse voltado.
Falando nisso, preciso te avisar que tranquei o curso.
— Mas, por quê? Sempre gostou de literatura…
— Não é por isso, pai. Eu perdi muita coisa, me distraí bastante e acabei
deixando as aulas de lado. Já estamos na semana de provas e não aprendi
muito, acho melhor voltar ano que vem.
— Desde que volte a estudar, tudo bem. Já é grande o suficiente, sabe o
que fazer. — Damon parece confiar em mim e apesar de gostar disso, acho
que não deveria o fazer. Não completamente.
Até agora foi fácil me comunicar com meu pai, mas sei que ainda
preciso contar algumas coisas. Tenho que me abrir mais, porque Damon está
interessado e eu devo a todos, incluindo Pumpkin e eu mesmo, um pouco de
paciência e compreensão, afinal, nunca fui uma pessoa fácil de se lidar.
— Damon, preciso saber onde está meu passaporte — começo, sendo
direto.
Ele franze o cenho, unindo as sobrancelhas. Damon não me pergunta o
porquê.
— Eu guardei seus documentos numa pasta há um tempo, estão no
escritório da sua avó.
— Tudo bem. Vou precisar deles, na verdade, acho que já está na hora
de eu cuidar das minhas coisas.
Meu pai parece confuso, um tanto em choque. Eu sempre fui o
queridinho — de certa forma — da Polly. Nunca precisei trabalhar ou cuidar
dos meus documentos, problemas e todo o resto. Admito isso, porque sei que
é a mais pura verdade.
Contudo, a verdade nem sempre é boa e ser essa pessoa me tornou
manipulável. Por anos vivi sob a sombra de Polly Thompson, sob as suas
mentiras e suas vontades, e eu sabia disso. Até quando me opunha, estava
jogando o jogo dela. Era como se a minha avó já esperasse pelas minhas
atitudes impensadas antes mesmo de eu as tomar.
A mais pura manipulação.
Mas agora ela não sabe que peça mover, porque o destino a pegou de
surpresa.
— O que tem em mente, Nicholas?
— Alice me mandou um presente, pai. Duas passagens para Nova
Iorque.
Damon fica boquiaberto, ele me analisa vendo a certeza que tenho. Eu
vou até ela, queira ele ou não.
— Gosta mesmo dessa menina?
— Gostava mesmo da minha mãe?
De repente o tom muda e meu pai suspira. Ao me julgar estará se
julgando, porque ele sabe que cometeu muitos erros e acertos, sabe que se
apaixonou intensamente por Pumpkin.
— Eu espero que dê tudo certo entre vocês. Mesmo. — Encara a
televisão. — Se você quer vê-la, tem meu total apoio, filho.
Os arrepios despertam. Damon não está contra mim, na verdade, ele me
apoia. Eu tinha uma noção errada do meu pai, entretanto, ele nunca me
ajudou a ter a certa.
— Preciso que saiba, Nick — nossos olhares se encontram —, nunca
quis te deixar. Eu queria muito voltar, mas parecia que a Polly não me
desejava por perto. Eu devia ter tomado uma atitude, ter aparecido de repente,
igual a sua irmã. Você é meu filho, não dela. Eu devia ter cuidado de você e
das meninas!
Suas palavras são reais, eu sinto. Damon também carrega um pouco de
culpa, mas por outros motivos.
— Está tudo bem, pai. Você voltou e isso importa mais do que imagina.
Ele sorri sutilmente, tentando disfarçar seus sentimentos.
— Precisa dos documentos, certo?
Damon se coloca de pé antes de mim, ele me guia pela mansão até o
escritório da Polly, sem imaginar que o invadi outro dia, sem imaginar que
tenho minhas teorias sobre ela e Pumpkin.
Ele mesmo abre as duas grandes portas e entra, assustando minha avó
que parece ler algo.
— Nicholas? — pergunta quando nota a minha presença.
Não respondo, ainda não quero conversar. Damon anda até uma mesinha
excluída, com um abajur sobre ela. Ele abre a gaveta, sem se explicar.
— O que estão fazendo? — Polly questiona. — Fiquei sabendo que não
tem ido às aulas, Nicholas.
— É verdade — murmuro. — Eu parei, não quero continuar estudando
agora.
A palidez toma conta da face da mulher, ela não esperava por isso.
Percebo-a raciocinar por alguns segundos, como se desejasse acordar de um
pesadelo.
— Como assim? Você não pode fazer isso.
Damon a olha e ri baixo.
— Ele pode sim. E aqui estão seus documentos, fique com eles agora.
Meu pai me entrega a pequena pasta e evita olhar a própria mãe.
— Documentos? Por quê? — Polly continua tentando.
— Porque eu pretendo ir até Alice.
É a última coisa que digo antes de sair da sala, deixando-a sozinha com
suas crises e surtos. Eu não preciso mais disso, nunca mais.

Quando entro no Heaven Bar, onde Jack me obrigou a ir, todos estão
reunidos, bebendo e rindo, exceto por Hannah que trabalha.
— O que está acontecendo? — pergunto a menina de cabelos azuis, que
dá de ombros. Me apoio no balcão e analiso o grupo risonho sentado à uma
mesa isolada.
— Estão comemorando algo.
— O quê?
Ela ri.
— Como vou saber? Eu tenho que trabalhar!
Tento ignorar o mau humor da Hannah e me levo até eles, que notam a
minha aproximação.
— Finalmente! — Thomas vocifera, sorrindo.
Ainda não faço ideia do que se trata, mas todos estão presentes. Juliet,
Andressa, Chris, Maddy, Tommy, Jack, Margot, Brenda e até mesmo Wine.
— Isso é uma festinha particular ou o quê? — Me jogo num lugar
desocupado.
— É seu aniversário. Quer dizer, acho que interrompi a última festa,
então decidi fazer isso — Wine conta com animação e noto como ela e
Margot estão juntas.
Parece que tudo voltou ao quase normal.
— Sabe que não precisava.
— Claro que precisava, me deu um motivo pra beber! — Jack exclama.
Eles parecem realmente animados e tenho que admitir, gostei da ideia.
Além do mais, fico feliz por terem chamado a Chris.
A noite passa lentamente e consigo me distrair bastante com conversas,
bebidas e risadas. Momentos assim são difíceis de esquecer, mesmo durante
uma tempestade.

Quando alguns já parecem cansados demais, eu me lembro de que


carrego duas passagens para Nova Iorque. Essa pode ser a minha melhor
chance para escolher um acompanhante.
Mas quem?
Todos gostam da Alice e são próximos dela, exceto por Brenda, Chris e
Wine. Todos gostariam de vê-la, gostariam de pedir desculpas e ouvir a
mesma coisa.
Quando penso em começar a falar, minha prima o faz antes.
— Aproveitando o momento, preciso dizer que vou embora dessa
cidade.
Eu realmente espero que seja para qualquer lugar onde Mateo Price não
esteja. Brenda tem um péssimo gosto para namorados, alimentado pela sua
rebeldia sem causa, até porque, nunca teve que aturar a Polly Thompson.
— Pra onde? — Wine pergunta.
— Pensei em Los Angeles, combina comigo.
Eu rio um pouco. Realmente combina. Brenda sempre teve essa vontade,
se ela chegar à Hollywood, realizará um sonho.
— Tem certeza? — me intrometo.
— Muita gente já foi embora de Wiston Hill — Margot lembra. —
Mateo, Alice, Jayden...
Eu queria ouvir outros nomes nessa lista, como Alexander, mas ainda o
vejo por ai e sei que espera que Alice o perdoe.
Ele se prendeu a uma ilusão horrível.
— Eu tenho certeza. Se tudo der errado, eu volto — Brenda diz.
— Você sempre poderá voltar — declaro, a pegando de surpresa.
A nossa relação não era boa, ela costumava ficar contra mim por
motivos que não entendo. Brenda sempre quis se juntar a pessoas como
Mateo Price e isso nunca me pareceu normal, até porque, ele a tratava como
lixo. Ela é minha prima, vê-la se afundando numa relação dessas costumava
me machucar, e eu tentei a impedir, mas nem todos querem ajuda.
Ainda não sei se ela entendeu a realidade.
— Também preciso aproveitar pra contar que a Alice me ligou outro dia.
— Alguns ficam surpresos. — E ela disse que está bem e está numa clínica
de reabilitação.
— Reabilitação? — Chris perde o ar. — Por causa do que...
— Não, essa foi uma escolha dela, Chris. Não tem a ver com o que você
postou, Alice queria ajuda.
— O que ela tem? Eu não... — Wine soa confusa e um tanto
envergonhada por perguntar isso.
— Alice é alcoólatra — Madison conta e a minha irmã assente,
mantendo-se quieta.
— No meu aniversário eu recebi duas passagens pra Nova Iorque, na
verdade, ela me mandou essas duas passagens.
— Se são duas — Hannah aparece, se intrometendo —, quem você vai
levar?
Essa é uma boa pergunta. Engulo em seco ao ouvi-la, até porque, agora
parece que todos querem ir. Talvez seja um teste, talvez Wonders também
queira saber quem eu vou escolher.
De qualquer forma, em pouco tempo estarei num avião, indo para Nova
Iorque.
49.2

DECISÕES
"Esta é a vida real e você tem vivido o ficcional.
Eu não quero ferir seu coração, querido,
mas se eu tiver que cortá-lo, sei que vou."
Bishop Briggs | Pray (Empty Gun)

NICHOLAS THOMPSON

Demoro um pouco na ligação, tentando convencer a Andressa de que


não precisa levar muito à Nova Iorque, afinal, não temos ideia de quanto
tempo vamos ficar.
As passagens são apenas de ida.
Os pais dela não tentaram a impedir quando a convidei para ir comigo
— já que as suas provas ainda não começaram e ela foi a única que cuidou da
Alice. Na verdade, eles a encorajaram.
A ruivinha também precisa sair um pouco desse lugar.
— Então, vai mesmo à Nova Iorque? — Jack pergunta, se arrumando
para sair.
— Sim, eu disse que ia. Não vou mais desistir das coisas, cara.
— Finalmente. E acho que fez uma boa escolha, a Andressa merece
rever a Alice antes de todos nós.
— É, eu sei.
Ando até o banheiro e me coloco à frente da pia, analiso minhas
tatuagens através do espelho, as mesmas que Alice adorava contornar com as
pontas dos dedos enquanto estava deitada, sem roupas, ao meu lado.
E eu sinto falta disso.
Lavo o rosto com água fria, me acostumando com a ansiedade. A
verdade é, vou viajar pela primeira vez e estou animado com isso.
— Falou com a Polly? Sabe que precisa...
— Eu sei — o interrompo. — Já falei, mas não fiquei pra escutar a
opinião dela.
— Não precisa ficar, acho que vai descobrir.
— E eu não. — Há certa rispidez em minha voz. — É sério, Jack, não
importa o que ela vai tentar fazer, não vou ficar. Eu tenho vinte e dois anos e
meus documentos...
— Mas não tem o dinheiro.
É como um soco na cara. Eu poderia fazer de tudo, mas o dinheiro é
dela. Não posso ser tão independente quanto quero enquanto continuar
usando das coisas que estão no nome de Polly Thompson.
— Não tinha pensado nisso, certo?
Nego brevemente. Eu ainda tenho Damon, sei que ele não me deixaria
sozinho. Meu pai pode não ser rico como a minha avó, mas tem bastante
dinheiro.
— Vou pensar sobre essas coisas quando eu voltar — confesso. Talvez
esteja na hora de eu começar a trabalhar.
— Não sei como nunca notou esse detalhe, Nicholas. — Saio do
banheiro e o encontro sentado na cama, me encarando. Não sei do que Jack
está falando dessa vez. — Por que acha que a Alice trabalhava? Porque ela
precisava do dinheiro? Fala sério.
É claro que a menina queria independência, principalmente financeira.
Ela é próxima do pai, mas sempre soube que sua mãe pode ser cruel ao ponto
de deixá-la sem nada.
E Alice se cuidou para que isso não acontecesse.
— Ela é mais esperta que eu — relembro. Jack rola os olhos e me
entrega um risinho debochado.
— Pelo menos você está acordando pra vida agora.
É, eu concordo, e me sinto bem com isso. Posso ver a verdade que
sempre existiu, mas me neguei a entender. E quando penso nessas coisas, as
teorias acendem em minha mente. Ainda quero saber o que aconteceu com
Pumpkin, entretanto, prometi a mim e a Wine que não tocaria nesse assunto
— pelo menos por um tempo.
Minha irmã acabou de chegar, não merece ser perturbada com essas
coisas, não agora.
— Quando tudo aquilo aconteceu eu sabia que nada ia mudar depois.
Era como se o caos não tivesse efeito, mas agora, é diferente — Jack
comenta.
— É, eu sei. Dá pra sentir a mudança no ar.
— E a sua avó não deve estar feliz com isso.
Dessa vez, eu rolo os olhos.
— Precisa mesmo falar dela toda hora? A Polly é horrível quando quer e
odeia tudo isso que está acontecendo. Já pode parar de me testar, sei que quer
ter certeza de que não vou voltar atrás.
— Tudo bem, eu só queria confirmar.
Suspiro, irritado. Jack adora me tirar do sério e ele sempre duvida de
mim.
Quando me jogo em minha cama e o silêncio quase toma conta, a porta
do nosso quarto se abre com violência. É Juliet, e ela não parece feliz.
— Nick, eu preciso de ajuda! — grita ao me ver. Eu e Jack ficamos
abismados com a expressão da menina. — Tem a ver com o Alex.
Bom, eu, sinceramente, não quero saber.
— O que tem ele? — Jack pergunta.
— Acho que vai fazer alguma loucura.
— Que tipo de loucura, Juliet? — A fito com pouca animação.
— Ele estava falando algumas coisas sem sentido, tinha bebido, mas
eu...
— Que loucura, Juliet? — acentuo, me colocando de pé.
— Ele mencionou um penhasco, numa estrada. Eu não sei, Alex mudou
desde que Alice foi embora.
No mesmo momento Jack também se levanta. Nós dois sabemos onde o
menino está, sabemos o que ele deve estar pensando em fazer. Acontece que
nessa época do ano as ondas estão fortes e elas batem contra as paredes do
penhasco.
Quando pulei com a Alice, não havia tanto vento, nem movimentação,
mas agora seria suicídio. Ninguém conseguiria nadar ou se arrastar até a praia
e, com certeza, seria levado de encontro com as rochas do outro lado.
Passo pela menina, esbarrando em seu ombro sem querer.
— Achei que não conhecesse ele de verdade — murmuro, lembrando-a
de que nunca conviveu com o menino antes de Wiston Hill, de que não sabe
se ele realmente mudou.
Afinal, ela morava no Texas com a mãe e padrasto, já ele, em Nova
Iorque.
Dessa vez, ela não fica com medo enquanto piloto a moto com pressa
pelas ruas de Wiston Hill e, depois, pelas estradas que levam ao pequeno
centro, onde Alice e eu almoçamos com os pais dela.
Juliet me aperta, mas não pede para que eu pare, ela sabe que não
podemos perder tempo. Alexander está bêbado e fora de si.
Jack me segue com a moto, ele pilota tão rápido quanto eu e passamos
por todas as curvas necessárias até chegarmos no tal penhasco.
Lá está ele, segurando uma garrafa do que parece ser vodca,
cambaleando e olhando o mar agitado. Estaciono no acostamento e desço
com pressa.
— Alex — chamo e ele se vira com agressividade. Mantenho a
distância, sei que é melhor tomar cuidado. — O que vai fazer?
Ele ri um pouco e bebe em seguida. A menina, sua meia-irmã, fica atrás
de mim. Percebo-a tremer e seus olhos estão focados na expressão do garoto.
Alexander parece perdido.
— Você pode largar essa garrafa? — Jack pede, mas de novo, o garoto
ri.
— Pra quê? Hum?
Profundamente bêbado, se ele não se jogar, vai cair sem querer. Está
cambaleando, andado de um lado para o outro, falando enrolado.
Apesar de tudo, temo por Alexander.
— Alex, vamos embora, por favor — Juliet implora.
— Eu não vou embora! Eu. Não. Vou. Embora. Eu vou pular. — Ri um
pouco. — É isso que vou fazer. Eu não quero ir com você, não quero viver
essa vidinha patética nessa cidade. — Alex se vira e encara o mar. — Deve
ser divertido! Eu quero me divertir, sair pra nadar! — grita. — Quero
esquecer esse lugar…
O menino volta a nos olhar e Juliet franze o cenho, preocupada e
confusa.
— Do que está falando? — ela continua e dá um passo à frente, fazendo-
o dar um passo para trás.
— Da Alice. Eu a quero, sabe? Eu a quero e você a roubou de mim! Ela
gosta mais de você! Ela nunca gostou de mim! — A mente do menino não
está funcionando direito. Alexander aponta para mim com a mão que segura a
garrafa.
— Eu não a roubei de você, Alex.
— Nick — Jack me avisa, se eu tentar discutir isso agora, nada vai
acabar bem. — Não.
Suspiro. A última coisa que quero fazer é convencer ele de que está
certo, é dizer que sim, eu a roubei. Tudo isso para salvar a vida desse idiota.
— Alex, vamos embora — a menina tenta mais uma vez.
— Eu não vou com você! — Ele brada tão alto que Juliet pula de susto.
— Você não é nada pra mim! Nada. Não é minha irmã, para de tomar conta
de mim! Eu tô cansado de ficar no meu quarto, ir à aula e voltar pro meu
quarto! Isso tudo é uma merda.
Basta ouvir tal coisa e Juliet se cala. Posso ver o choque em seu rosto,
mas ainda assim, preciso impedir o imbecil do Alexander de se jogar num
mar agitado, provavelmente sem saber nadar nele.
— Tudo bem, tudo bem — me intrometo. Dou alguns passos à frente e
ele não reage. — Você está certo. Tem razão. Você gosta da Alice, não é
justo. Eu sei.
— Não, não é justo! — ele grita de novo.
— Sei disso, Alex. Se você vier com a gente, podemos resolver isso,
você pode conversar com ela.
— Não, não. Ela não quer falar comigo.
— Ela vai falar com você, Alex. E eu vou falar com você.
Dou mais alguns passos, chegando perto o suficiente.
— Nick está certo, vem com a gente — Jack tenta. — Você não quer se
jogar daqui, quer? Fala sério, se fizer isso não vai poder ver a Alice de novo.
— Isso! Não pode fazer essa loucura, Alex.
E, de repente, ele recua. Alexander para e pensa, respira fundo, larga a
garrafa que se choca contra o chão e, então, encara suas próprias mãos.
— Vocês têm razão, tem razão. — Concorda com a cabeça. — Eu não
quero morrer — ri —, só queria nadar.
Um alívio se instala em meu peito. Ele desistiu.
— Mas estão mentindo pra mim — conta e me encara. — Ela não vai
mais falar comigo, sabe disso. — O frio em minha espinha me avisa que não
conseguimos. — Ela nunca mais vai falar comigo.
Num piscar de olhos, Alex anda para trás e se joga do penhasco. De
forma impensada, vou junto, tento segurá-lo e acabo caindo com o menino.
— Nicholas! — Jack grita e o som ecoa pelas montanhas.
Há raiva em meu peito, quero socar Alexander até ele parar de fazer
essas merdas. Todo o calor que toma conta de mim desaparece quando caio
na água fria e sinto as ondas fortes. Consigo encontrar Alex debaixo da água
e o puxo pela camiseta. Ele reage, tenta se afastar, mas é fraco e, eu sim, sei
nadar. Conheço essa praia como ninguém. Quando conseguimos respirar
novamente, outra onda toma conta, nos afundando. Certo medo me ataca, não
vou morrer por causa desse imbecil e não o deixarei morrer. Não mesmo.
Eu preciso matá-lo com as minhas próprias mãos.
— Nicholas! — Dessa vez, não tenho certeza de que estou ouvindo a
voz de Jack. Meu peito queima e ao olhar para cima, encontro os dois que
ficaram no penhasco.
A minha mente se cala.
Não posso respirar por causa do garoto que continua lutando e me
impedindo de salvá-lo. Por sorte as ondas param por segundos e voltamos à
superfície, onde consigo fazer o que tanto queria, dar um soco na cara de
Alex. É como uma pancada estratégica, agora ele ficará quieto.
Depois de o deixar perdido, o levo comigo, apesar das ondas fortes, até a
praia. Meu corpo dói e se cansa, mas preciso sair desse mar agitado.
Afundamos algumas outras vezes, eu sinto o vento frio do outono contra a
minha pele que congela.
— Nick! — Ecoa pelas montanhas na voz de Juliet.
E eu finalmente chego à areia, jogo Alex sobre ela e deixo-o acordar
sozinho. Tudo que faço é rolar de barriga para cima e encarar o céu escuro.
Quase morri por causa de um idiota que mal conheço.
— Eu não queria... — ele fala, tossindo.
— Não perguntei e se não calar a boca, vai levar outro soco — digo,
embora esteja ofegante.

Os paramédicos me examinam e concluem que estou bem. Há vários


curiosos na praia agora, observando de longe enquanto colocam Alexander
numa ambulância.
— Isso foi loucura — Jack diz, se sentando ao meu lado na areia. Um
cobertor me esquenta, porém me seco naturalmente. Meus lábios tremem um
pouco e disseram que estão roxos.
— Era pra eu deixar ele morrer?
— Não, claro que não. Mas eu não tinha certeza de que ia se jogar atrás
dele até ver o seu olhar quando Alex pulou. Eu imaginei que isso pudesse
acontecer no momento em que você deu um passo à frente.
— Pessoas idiotas fazem coisas idiotas — sussurro.
Observo Juliet entrar na ambulância com o menino que a ofendeu há
minutos atrás e a mesma preocupação aparece em seu rosto.
— Por que será que a gente se força a isso? — pergunto e Jack não
entende, até encontrar a mesma garota.
— A quê?
— Se importar com quem não vale a pena. Alexander não dá a mínima
pra ela e mesmo assim...
— Porque, às vezes, a gente não escolhe. Sabe disso mais do que todos.
É verdade, não escolhemos sentir certas coisas. Eu ainda não sei porquê
pulei atrás do menino, claro que não ia o deixar morrer, mas podia ter
acontecido algo comigo na tentativa de o salvar. De certa forma, foi burrice.
— Nick! — Ouço chamarem. Wine e Damon se aproximam correndo,
cheios de preocupação.
— Ele está bem — diz Jack. — Continua um idiota, mas bem.
Rolo os olhos enquanto minha irmã se abaixa para me analisar. Ela
segura meu rosto entre as duas mãos e procura por machucados.
— Está tudo bem mesmo? Você não se machucou?
— Eu sou o mais velho, lembra? — reclamo, tremendo de frio.
— Não é melhor irmos ao hospital? — Ela me ignora completamente.
— Não é melhor levarmos ele ao hospital? — Encara Damon, que me encara.
— Está tudo bem, juro. Só estou com frio.
— O que estava fazendo? — Damon pergunta, indignado.
— Alexander bebeu e ameaçou se jogar, ele queria nadar em pleno
outono, pra esquecer os problemas — explico, fazendo Jack rir ao meu lado.
— Mas é óbvio que ele não sabe nadar.
— Acabaria morrendo — meu amigo conclui. — Daí, seu filho decidiu
bancar o herói e foi atrás.
Mais uma vez, rolo os olhos.
— Essa foi a coisa mais descuidada que podia ter feito — Wine me
repreende.
— Descuidado seria o deixar morrer. Eu não ia conseguir — conto.
— Mesmo com o cara sendo um babaca que acabou com o psicológico
da Alice? — Meu amigo provoca.
— Ele é um babaca, mas talvez precise de ajuda. Alex está meio
perdido, sabe? E eu não brincaria de vingança agora.
— Claro que não — é Damon quem encerra a discussão. — Vamos, vou
te levar até a mansão e te dar algo quente pra tomar. Precisa tirar essas roupas
molhadas.
Eu penso em dizer não, mas debater logo agora não me parece uma boa
ideia. Eu obedeço e Jack vai comigo.

O sofá está bem quente e com todas as cobertas que Wine fez questão de
colocar sobre meu corpo, começo a sentir calor. Descobri que Polly não está,
fez uma viagem urgente para acompanhar o meu avô em alguns negócios.
Sorte a minha.
E acho que, na verdade, minha avó está fugindo de tudo que aconteceu
na sua cidade. Não a culpo por isso e prefiro que não esteja aqui nesse
momento.
Madison me observa com preocupação, ela ainda cuida de mim como
quando namorávamos. Tommy assiste um filme na grande televisão e Wine
prepara uma sopa com a ajuda de Margot. Parece que tenho várias babás,
nem Grace recebe tanta atenção.
— Por que fez isso? — Hannah pergunta.
— Não sei, tente deduzir — falo.
Jack e ela estão sentados no chão, me observando.
— A gente tentou convencer ele a não pular, mas não deu certo.
— Você não é um negociador — me lembra.
— Da próxima vez, eu vou pedir pro cara esperar até um chegar. Daí,
ele pula — caçoo e Thomas ri.
— Da próxima vez? Você faria isso de novo se precisasse? — Madison
parece chocada.
— Eu nem tive tempo pra escolher fazer isso, Maddy, só aconteceu.
Agora, já chega desse interrogatório!
— É real. Nicholas Thompson nunca muda — Hannah suspira ao dizer.
— Errado se salvo o cara, errado se não salvo. Vocês podem se decidir?
Todos me olham ao ouvirem tal coisa. Acho que qualquer decisão seria
considerada idiota e completamente irresponsável, por isso não pensei para
agir. Não podia considerar os prós e contras, não dava tempo.
— Sabe — agora as cabeças se viram para Tommy —, ele só precisa de
rum e pronto, vai ficar bem.
— Sério? — Maddy o encara.
— Sério. Nicholas não é uma criança, estão cuidando dele como se fosse
um garotinho que caiu no parquinho e ralou o joelho.
— Obrigado — enfatizo.
— A gente está cuidando dele como se fosse uma pessoa normal que
pulou de um penhasco, numa água fria, pra salvar um imbecil — Madison
reage.
Não acredito que vamos começar uma discussão.
— A primeira briga de vocês não será por minha causa. E Tommy está
certo — falo, jogo as pernas para fora do sofá e retiro algumas das cobertas.
— Eu não preciso de toda essa atenção.
— Não precisa mesmo. Achei que todo mundo soubesse o quão idiota o
Nicholas é. Por que da indignação? — Chris diz e ri ao entrar na sala.
— Ela tem razão — Tommy sussurra.
— Eu tô bem, sobrevivi e Alex sobreviveu. Pronto. Agora, vocês podem
ir pra casa. Eu não estou mais congelando e, sim, sou um idiota.
— Tem certeza? — Jack pergunta.
— Absoluta.
— Tudo bem, então.
Hannah e ele se levantam, assim como Tommy, mas esse precisa
convencer Madison a ir embora. Logo os quatro saem, deixando apenas
Christina.
— Acho que posso ficar um pouco, não? Acabei de chegar. — A loura
caminha pela sala até onde estou. Concordo e lhe dou espaço para que se
sente no sofá. — Consegui o emprego na biblioteca.
— Isso é ótimo!
— Daí, eu recebi a notícia de que você pulou de um penhasco pra salvar
o ex da Wonders.
— Daria uma fofoca e tanto, por que não faz um post?
— Não tenho mais uma conta, Nick. Eu excluí. Me diz, por que fez
isso?
— Porque ele ia morrer, era óbvio.
— E você o salvou, mesmo depois de...
— Eu não deixaria aquele imbecil morrer, mesmo o odiando. Ainda
quero socar a cara dele. Alex acha que ama a Alice e eu sei que não é
verdade.
Ela dá de ombros.
— Falando nela, está ansioso?
— Pra viagem?
— Isso. — Chris joga alguns fios para trás do ombro. — E pra ver a
Wonders.
Sorrio sem motivo, só de imaginar.
— Estou sim, mas acho que não vou comentar sobre esse acidente.
— Quase acidente. Era uma tragédia anunciada.
— Anunciada pra quem?
— Pra quem quisesse ver — ela conta. — Alex ficou bem perdido
depois de tudo que aconteceu. Ele se sente culpado, errado e certo, tudo ao
mesmo tempo. Acho que doeu ver o que ele também causou. Eu o entendo
um pouco.
— Não vai pular de um penhasco, certo? — franzo o cenho e a menina
ri. — Se for, me avise antes.
— Não gosto de água fria.
Dessa vez, eu rio. Chris parece mais simpática e menos odiosa, gosto
disso.
— Vai ficar bem? — pergunto e a loura abre um sorriso.
— Provavelmente. Não é o fim do mundo certo?
— Não, ainda não.
— Então, acho que consigo superar. Marquei uma consulta com a
psicóloga, como você disse.
— Fico muito feliz com isso!
— Espero que Alice também supere tudo. Quando falar com ela, por
favor, diga que sinto muito.
— Tudo bem.
Christina me entrega um último sorriso antes de se levantar e se despedir
rapidamente. Então, ela sai como os outros.
Wine conseguiu fazer uma sopa deliciosa, o que me deixou intrigado.
Quando a pirralha foi embora de casa não sabia nem fritar um ovo. Ela e
Margot sumiram pela mansão em seguida, depois de eu afirmar umas três
vezes que estou bem.
Sozinho e na cozinha, tomo a terceira dose de rum, tentando me aquecer
mais. Uma bebida não vai me matar, não depois de tudo que aconteceu hoje.
— Nick! — Ouço a voz doce e a reconheço de primeira. Andressa entra
na casa com pressa e passa pelas portas da cozinha da mesma forma. Ela me
abraça com força. — O que aconteceu? Você está bem?
A aperto de volta.
— Sim, eu estou bem, ruiva. Mesmo.
— Benjamin me contou, ele também ficou preocupado. — Digamos
que, apesar de não sermos amigos agora, fomos um dia, e Ben sabe disso. Ele
se lembra. — Tem certeza de que está bem?
Afirmo, balançando a cabeça. Agarro o copo que descansa sobre a ilha
de mármore e bebo mais um pouco. Andressa se aproxima e analisa o líquido.
— Álcool?
— Rum — corrijo.
— Deve estar bem mesmo. Me diz, no que estava pensando?
— Em nada, absolutamente nada.
É verdade, eu não pensei, apenas agi.
— Não vou te repreender — sussurra.
— Obrigado, acho que muita gente já me lembrou de que eu podia ter
morrido. Como se eu não soubesse...
— Imagino. Alex está bem?
— Infelizmente e felizmente, sim. Ainda quero socar a cara dele.
— E quem não quer?
Dou risada no mesmo momento, Andressa nunca foi do tipo agressiva,
mas vê-la assim é um tanto fofo e divertido.
— Bom, eu meio que fiz isso — confesso. A menina arregala os olhos,
mas seus lábios se esticam. — Tive que socar ele pra poder sair do mar, Alex
não parava quieto.
— O lado positivo é que pode usar a desculpa de estar salvando a vida
dele.
É claro, tudo tem seus dois lados. Eu matei a vontade de agredir Alex
enquanto, ironicamente, salvava a vida dele.
— Acho que morrer seria muito fácil, sabe? Encarar a verdade é mais
complicado e ele tem que encarar as merdas que fez. Ele tem que entender
que a Alice não gosta dele.
— Por isso não o deixou morrer?
— Talvez. Quem é que sabe? Mas, com certeza, não foi por eu ser uma
pessoa extremamente boa. Um lado meu queria largar aquele babaca no mar e
ir embora.
— Ainda bem que esse lado não ganhou.
Concordo e bebo o resto do rum.
— Eu vim aqui saber se tem certeza de que quer que eu vá com você.
— Alice mandou duas passagens de ida pra Nova Iorque, Andressa, e eu
te escolhi. Você vai comigo.
— Certo. Acha que ela quer me ver?
— Claro que sim. Ela gosta de você, sabe disso.
A menina sorri fracamente e apoia os cotovelos na ilha.
— Viajamos amanhã, tem ideia de onde vamos ficar? — questiona.
— Ainda não, mas tenho quase certeza de que a Wonders planejou tudo.
Eu vou esperar.
— Tudo bem.

Acordo às três da manhã com o celular tocando ao meu lado, o som é


irritante e alto. Agarro o aparelho com pressa e leio o nome na tela:
Alice Wonders.
Deve ser April. Atendo com pouca animação, meu corpo está dolorido e
eu preciso dormir.
— April Wonders, tem noção de que horas são?
— E você disse que me contaria sobre o presente, mas tive que descobrir
pela minha irmã — reclama num tom doce. — Você vem, certo?
— Sim, amanhã mesmo.
— Eu vou te buscar no aeroporto. Alice disse que você e a outra pessoa
vão ficar aqui em casa.
Me sento na cama sem entender, acho que ouvi errado. Vou ficar na
mansão dos Wonders?
— Eu te espero no aeroporto, está bem?
Concordo com um murmúrio, sem vontade de questioná-la. Ainda não
consigo acreditar que a princesa realmente planejou tudo, que ela quer que eu
fique na casa de sua família.
April desliga quando confirmo e posso, finalmente, voltar a dormir.

Antes de ir para o aeroporto, decidi parar no hospital. Preciso de muita


paciência para encarar Alexander sem quebrar a cara dele.
Abro a porta do quarto que as enfermeiras me indicaram e entro com
calma.
— Nick — Juliet sussurra, surpresa por me ver. O menino me olha, mas
não diz um a sequer. — Achei que fosse viajar.
— E vou, mas tenho tempo. Pouco tempo, na verdade. Eu queria saber
se estão bem.
— Quer saber se não morri? — ele caçoa. — Não, você conseguiu
bancar o herói.
— Alex, chega! — ela implora.
— Tudo bem, eu tô acostumado com gente imbecil. — Não me
contenho. O sorriso de Alex parte no mesmo momento. — Eu não sei porquê
te salvei, não sei porquê vim aqui hoje, mas ainda posso me arrepender. Eu
me controlo e muito pra não quebrar a sua cara toda vez que te vejo,
Alexander, mas eu não ia te deixar morrer. Você tem que aprender a encarar
as merdas que faz, a vida não é doce, mas também não é amarga.
— Isso ajuda muito. — Ele ri.
— Se está tão mal, deveria conversar com alguém, com um psicólogo.
Tem gente aqui que se importa e pode te ajudar. — Fito Juliet rapidamente, e
ela baixa a cabeça. Me viro, pronto para sair do quarto, quando me lembro de
uma coisa. — Ah, eu não roubei a Alice de você, pra ser sincero, essa
situação só está uma merda por sua própria causa. Aprenda a lidar com isso
também.
Ele fica quieto ao ouvir a verdade em relação a Alice. Alexander está
quebrado, mas não posso ser bonzinho, contar mentiras e dizer que tudo está
bem. Nada está bem, ele pulou num mar agitado depois de encher a cara, ele
se convence todos os dias de que ainda pode voltar com a Wonders.
Alexander vive uma mentira e quando uma parte — mesmo que pequena —
da realidade aparece, ele não aguenta e se destrói. Se continuar se forçando a
essa merda, nada vai melhorar.
— Nick! — Me viro mais uma vez, antes de fechar a porta. Juliet sorri.
— Boa viagem!

Wine me abraça com força e eu lhe entrego um beijo no topo da cabeça,


enquanto isso, Andressa se despede dos pais e da irmã.
— Eu te amo, se cuida! — Wine sussurra. Ela ergue o olhar e me encara
com seriedade. — Tente não pensar sobre certas coisas.
Sei do que está falando, sobre Pumpkin e Polly, com certeza.
— Vou me cuidar, pode deixar.
— Aproveita pra conhecer Nova Iorque. Manda um abraço pra Alice —
Damon pede, se aproximando com Grace no colo.
Me despeço de todos e quando chega a hora, embarco com a ruiva.

Andressa faz questão de me deixar sentar ao lado da janela, ela já viajou


antes, já esteve em aviões. Eu sempre tive dinheiro e oportunidades, mas
nenhuma vontade ou tempo.
— Está ansioso? — pergunta.
— Muito. Faz tempo que não a vejo.
— Nem tanto. Um mês, certo?
— Um pouco mais. Acho que as circunstâncias não ajudam.
— Tem razão. — Ela sorri. — Parece que muito mais tempo passou.
Eu decidi levar Andressa porque ela sempre cuidou da Alice, desde que
a conheceu. As duas dividiam o quarto e confiavam uma na outra. Andressa
Morgan foi a única que continuou falando com a Wonders quando tudo
desmoronou.
Ela foi a única que a ouviu de verdade.
Então, a ruiva só pode ser a escolha certa.
— Acha que vai gostar de Nova Iorque? — questiona, quebrando o
silêncio que já parecia natural.
Eu a olho com delicadeza antes de responder, a menina só quer puxar
assunto.
— Nesse momento, espero gostar de andar de avião.
— Não vai me dizer que está com medo. — Andressa abre um sorriso de
deboche. — Sério? Nicholas Thompson com medo de andar de avião?
— Não é medo.
Ela segura um riso.
— Relaxa, é estranho quando decola, só isso.
Eu não respondo, porque sei que a ruiva não acredita em mim. Talvez
seja mais ansiedade que medo. Eu quero sair logo do chão, ter a certeza de
que verei Alice, certeza de que em horas estarei em Nova Iorque, do outro
lado do país.
O pingente descansa em meu bolso, uma lembrança, até porque, sinto
que já me esqueci do seu cheiro. Entretanto, não me esqueci de como é bom a
beijar ou assistir seu sorriso.
Não demora, todos os cintos são colocados, todos os passageiros se
ajeitam e o avião começa a seguir seu caminho pela pista de decolagem.
Andressa parece distraída, lendo um livro que não reconheço de
primeira.
— O que é? — pergunto. Ela me olha confusa e eu aponto com a cabeça
para a capa do livro. — Jane Austen — digo.
— Orgulho e Preconceito. — A menina o fecha, mantendo um dos
dedos dentro, para marcar a página. — Na primeira vez em que levei Alice à
biblioteca, ela queria ler esse livro. Eu meio que peguei nas coisas dela.
— Não é um dos meus favoritos, mas é bom.
— Acho que poderei opinar quando...
De repente, paro de ouvir sua resposta. O avião decola e o impacto me
faz colar as costas no encosto. Me sinto bem, não é ruim como eu pensava.
— Nicholas? — ela chama, notando que encaro o lado de fora pela
janela.
— Não é tão ruim — sussurro.
— Eu disse.
Não conversamos novamente. A viagem segue em silêncio e minha
mente recorda de situações aleatórias que não têm ligações umas com as
outras.
Primeiro penso em como Wine se importava com Pumpkin, com a
verdade, e hoje quer que eu deixe isso de lado. Penso em como Thomas sabia
de tudo, em como Alice chegou e partiu tão rápido. Penso em Elle Carter e
toda a bagunça daquela época.
Quando estamos distantes podemos analisar com mais cuidado e eu
posso ver o quanto erramos e o caos que criamos, mas parece que ele já
acabou.
Ou, está prestes a acabar.

Eu não faço ideia de como April Wonders é. A garota disse que estaria
no aeroporto nos esperando.
— Ela disse onde... — Andressa começa.
— Não. Ela só disse que estaria aqui.
Talvez as irmãs se pareçam um pouco, talvez haja uma semelhança para
me guiar.
— Tudo bem, eu não faço ideia de como ela é — confesso.
— Mas eu sei como o pai da Alice é — Andressa diz e aponta. John
Wonders está sentado num banco ao lado da sua provável filha. Acontece que
April não é parecida com a irmã, ela é loura e bem baixinha.
Caminhamos até os Wonders, mas antes de eu os chamar, a garota me vê
e abre um sorriso.
— Então, você é o Nicholas Thompson? — com rapidez, questiona.
Afirmo e sorrio de volta. — Agora entendo a minha irmã.
Andressa segura o riso e eu tento ao máximo não fazer o mesmo que ela.
Apenas dou uma piscadinha para a loura que faz um biquinho.
— April, por favor — John pede e se levanta. Ele suspira e nos recebe
com simpatia. — É muito bom vê-los novamente. Nicholas e Andressa,
certo?
O cumprimento com um aperto de mão e a ruivinha o abraça.
— Alice me contou sobre vocês. Todos vocês — April revela. A garota
se levanta e para ao lado do pai, ela sorri para Andressa, mas seus olhos
continuam me analisando com dedicação.
— Fico muito feliz em recebê-los na minha casa, Alice gosta de vocês.
E tenho que dizer, muito obrigado. Parece que cuidaram dela.
— Ela é muito importante pra mim, John — conto. O homem suspira,
aliviado, e assente.
— E você é muito importante pra ela, pelo que parece — ele diz. Fico
sem palavras, não pensei que Alice fosse contar ao pai sobre mim. —
Vamos?
Nós concordamos e caminhamos juntos até o estacionamento.

A mansão Wonders, em meio à movimentada cidade de NY, é


completamente diferente da que pertence a minha família. Ela fica entre
várias construções, que estão uma ao lado da outra, e não tem um jardim ou
quintal. A calçada leva direto aos degraus da casa e na rua, algumas árvores
enfeitam. O prédio é moderno, com paredes externas brancas e detalhes em
preto — incluindo a porta da frente.
Faz frio em Nova Iorque e todo o ambiente acompanha o clima, as
folhas secas enfeitam o redor. As luminárias quebram o padrão de cores,
sendo essas douradas.
— A sua casa é linda! — Andressa sussurra.
— A minha irmã também acha — April diz.
Não tem como odiar, Alice adora laranja e pôr do sol, que parecem
muito presentes por aqui.
John estaciona na frente da grande escadaria que leva à entrada. Não
precisamos fazer muito, já que trouxemos poucas malas. O homem sobe os
degraus e Andressa o acompanha, os dois se dão bem, começam uma
conversa. Já eu, estou preso aos detalhes do lugar.
— Nick! — April chama, parada ao meu lado e sorrindo. — Finalmente
te conheci.
Ela é linda, os olhos são da mesma cor dos de Alice — extremamente
azuis —, os lábios rosados são bem desenhados e as bochechas, coradas.
— Você não parece tão irritante pessoalmente — caçoo.
— Eu sou um amor.
A analiso um pouco e sorrio de canto.
— Como a sua irmã está? — Encontro seu olhar e a pequena dá de
ombros.
— Ela tem momentos ruins, sabe? As primeiras crises de abstinência
não são fáceis, mas Alice conseguiu passar por elas. Minha irmã quer sair da
clínica.
April se vira e caminha até um dos degraus, eu a sigo e me acomodo ao
seu lado.
— Como assim, sair da clínica?
— Alice não consegue ficar lá por muito tempo, ela se sente presa.
Minha irmã quer seguir com o tratamento, mas de casa.
— Acha que é uma boa ideia?
— Ela prometeu que vai continuar indo às consultas com o psiquiatra e
que vai se esforçar ao máximo — suspira. — E eu preciso saber, você é o
namorado dela?
Não ouço essa pergunta há um tempo e não tenho uma resposta certa.
Respiro fundo e solto:
— Acho que ainda não.
April faz questão de arquear a sobrancelha quando ouve o ainda, até
porque, já passou da hora de eu virar o namorado da Alice.
50

QUÃO CEDO É AGORA?


"Como você pode dizer
que faço as coisas do modo errado?
Eu sou humano e preciso ser amado,
assim como todo mundo precisa."
The Smiths | How Soon Is Now?

ALICE WONDERS

A ansiedade não me ajuda em nada.


Eu espero que as passagens tenham sido entregues para Nicholas,
porque se foram, ele deve ter chegado em Nova Iorque ontem.
E espero muito que ele venha me ver.
Não faz tanto tempo, mas sinto sua falta. Desde o momento em que
entrei num avião — cansada e quase desmoronando —, cheguei em Nova
Iorque e abracei meu pai, tenho me esforçado. Eu não aguentava mais ser
aquela Alice. As minhas decisões, vícios e problemas, estavam acabando
com o que havia sobrado de bom em mim e notei quando li a postagem que
Chris publicou.
Eu fiquei com raiva, ela não tinha esse direito, mas, de certa forma, me
foi como um impulso, me fez vir à reabilitação. Claro que, isso não torna as
coisas melhores. Eu pude pensar, durante o tempo no avião, em como agi
igual a Vender. Bebida não é desculpa, eu fui uma tremenda filha da puta
quando contei a verdade a Mateo. Também não era meu direito.
Não sei se as coisas mudaram em Wiston Hill, não consigo imaginar
como tudo deve estar nesse exato momento. Eu deixei para trás um incêndio,
lágrimas e Nick. Ele era tudo que eu queria e tive que abrir mão disso por
certo tempo, porque eu precisava melhorar por mim e por todos que se
preocupam comigo. Eu sempre precisei, desde que comecei a beber para
esquecer os problemas.
Quando cheguei em casa tive certeza de que meus pais estavam se
separando. April me contou tudo, me descreveu as brigas e as decisões de
John. Parece que meu pai, finalmente, acordou para vida. Katherine já tinha
ido embora quando pisei na mansão novamente, ela levou tudo que a
pertencia. Não disse tchau, não se importou. Típico da minha mãe. E agora
meu pai trabalha menos, ele sabe que tem que tomar conta das filhas, Cherry
e April, sabe que elas precisam dele.
Igual eu precisei um dia.
John pôde ver o estrago em nossa família causado por anos de mentiras.
Mentíamos para nós mesmos, agora ele sabe disso, sabe que vivia no
escritório ou em viagens porque não aturava os surtos da Katherine. Sabe que
ela não quer, nem nunca quis, ajuda. Deve ter doído, sempre dói perceber a
verdade.
Foi bom eu ter voltado, era necessário para a minha família também, e
dois dias depois de chegar em Nova Iorque, eu já estava nessa clínica.

Abro os olhos depois de pegar no sono. Todas as tardes após o almoço,


me sinto cansada. O horário de visitas iniciará logo e não quero ficar
pensando nisso.
A luz forte do sol entra pela pequena janela do meu quarto. Jogo as
pernas para fora da cama e me sento, deixando o livro que eu lia, Drácula,
cair no chão.
— Alice? — Soa pelo quarto. É Mia, uma das enfermeiras. Ela auxilia o
Doutor Kean, que agora tenta me ajudar a enfrentar todas as crises, pesadelos
e momentos de abstinência.
A olho esperando por algo, mas não respondo.
— O horário de visitas começa em quinze minutos — avisa. — Tem
certeza de que quer ir embora?
— Sim, só vou me arrumar.
Mia sorri e parte em silêncio.
Confesso que sempre odiei a ideia de estar presa numa clínica de
reabilitação, longe dos meus pais, cercada por médicos e enfermeiros,
fazendo reuniões em grupo, andando no jardim. Não me parecia ser uma
grande coisa, tentei uma vez e não aguentei uma semana, mas agora, cheguei
com a mente tão exausta que não consegui recusar, e deu certo.
Meu estômago revira com a ideia de ver o Nicholas, também quero
descobrir quem ele trouxe para me visitar. Para quem ele deu a segunda
passagem?
Me enfio numa blusa de moletom — da cor verde escuro —, numa calça
legging preta e visto tênis confortáveis. Hoje o dia está calmo e frio, apesar
do sol, o outono parece mais forte. Os corredores estão quase vazios,
enquanto ando por eles com uma pressa escondida, alguns me dizem oi ou
acenam com a cabeça. Eu apenas paro de caminhar quando chego na grande
sala com paredes de vidro e uma televisão gigante. Os sofás marrons
combinam com os outros móveis e há uma cozinha bem ajeitada ao lado,
mesas redondas ao redor, estantes cheias de livros e uma varanda que leva ao
grande jardim da clínica.
Me sento numa poltrona esquecida no canto da sala, os quinze minutos
viram cinco rapidamente e quando isso acontece, parece que o tempo para.
Meu coração bate com força, mas respiro fundo. Aprendi a lidar com a minha
ansiedade logo nas primeiras semanas, as crises não foram fáceis, mas o
doutor Kean tem muita paciência.
Dois minutos e alguns parentes chegam, pessoas se levantam e se
abraçam.
Me encolho na poltrona, esperando ver Nicholas aparecer pela grande
porta, mas nada acontece. Meu coração se acalma de repente, porém minhas
mãos ainda estão frias. Respiro profundamente e foco em outra coisa, encaro
meus dedos ignorando o suor que começa a escorrer por minha nuca. Eu
estou com saudade e queria vê-lo.
Um bolo já começa a surgir em minha garganta quando ouço a voz
suave.
— Alice — me chama. Ergo o olhar e o encontro vindo em minha
direção.
Me coloco de pé num pulo e Nicholas me puxa para perto do seu
peitoral, me abraçando com força. Ele beija o topo da minha cabeça e sinto-o
cheirar meu cabelo. Preciso me colocar nas pontas dos pés para agarrar em
seu pescoço e retribuir o abraço.
— Quase me esqueci do quanto que é alto — brinco e ele ri contra a
minha pele.
— Quase me esqueci do seu cheiro.
Estar perto do calor de Nicholas Thompson me é completamente
delicioso e reconfortante. Eu gosto disso.
Eu o amo.

Nicholas caminha ao meu lado pelo grande jardim da clínica. Ainda não
conversamos desde que ele chegou, a sala de visitas estava cheia e decidi o
trazer até a fonte que fica atrás do prédio. As folhas secas enfeitam o lugar
tomado pela cor laranja.
— Muitas coisas mudaram — ele diz, finalmente. Eu senti falta da sua
voz. — Sabe? Em Wiston Hill.
— Isso é ruim? — Aperto a sua mão.
— Não exatamente, algumas mudanças foram inesperadas.
— Me conta — sussurro e o encaro, notando que Nick me analisa com
cautela, como se estivesse procurando por detalhes diferentes.
— Primeiro, preciso te pedir desculpas. Eu cansei de ficar carregando
aquele peso, Alice, eu me culpava por muita coisa.
— Eu sei e te falei isso antes, se lembra?
Nick sorri de canto como resposta.
Nos sentamos num banco de madeira, eu cruzo as pernas sobre ele e
Thompson faz questão de ficar bem perto de mim. Senti falta disso, dessas
conversas e trocas de olhares, da proximidade entre a gente. Nick sempre me
entendeu, desde o primeiro momento. É como se conseguíssemos ler a mente
um do outro, por isso, noto que está escondendo algo.
— O que aconteceu por lá?
Thompson me encara, olhos nos olhos, e suspira.
— Quer mesmo falar disso?
— Quero — afirmo com certeza.
— Jayden e Brenda foram embora. — Essa parece ser a parte mais
simples. — Mateo também.
— O que aconteceu com ele depois que eu saí? — Preciso desviar o
olhar, encarar Nicholas enquanto me lembro desse dia é horrivelmente
doloroso.
— Bom, já que ele obviamente colocou fogo na academia, mas ninguém
conseguiu provar, minha avó fez um acordo com o pai dele. Mateo não pode
voltar pra cidade e a reconstrução do prédio fica por conta dos Price.
Aquele merda merecia muito mais, não entrar em Wiston Hill é pouco,
gastar dinheiro que ele obviamente tem, não é nada.
— Eu fiquei com raiva dele, Alice, quando descobri sobre o Red Hell.
— Por isso falei pra Andressa te contar depois de eu ir embora. Eu sabia
que você ia perder a cabeça, Nick.
Ele encara o jardim à nossa frente e sorri de canto, com maldade.
— Que bom que quebrei a cara dele antes de descobrir essa parte da
história — diz, voltando a me olhar.
Quando fui me despedir, ele já havia brigado com Mateo e ainda nem
sabia da verdade, por isso não contei, por isso deixei para depois. Nicholas já
estava com raiva.
— Foi suficiente. Agora acabou. — Sorrio, lembrando de tudo que
aconteceu. — E quanto a Christina?
— Outro motivo pra eu querer arrebentar o Mateo — ele suspira e eu
rolo os olhos. — Eu não quis deixar ela sozinha, acho que a Chris está
melhor, sabe? Tentando, pelo menos.
— Ela também fez bastante merda, mas não quero que fique sozinha.
Pra ser sincera, a Christina fez o que achava ser certo e se machucou com
isso. Não justifica, mas é suficiente.
— Eu sei. Ela pediu desculpas, Alice.
Penso um pouco, algumas pessoas não mudam com tanta facilidade e eu
sempre soube que o problema da Vender era a noção de certo e errado que
tinha, a vontade de ser perfeita num lugar imperfeito.
— Eu já a desculpei há muito tempo — sussurro.
— Ela saiu da fraternidade, voltou pra casa do pai até arranjar um lugar
e conseguiu uma vaga na biblioteca. Mas o relacionamento dela com o
Jayden acabou...
É bom saber que Chris Vender finalmente acordou.
— É, as coisas mudaram. E quanto a gente?
Nick olha em meus olhos, sem sorrisos, sem beijos. Ele apenas me olha
com calma, delicadeza, e não me responde.
— Acha que as coisas mudaram, Nicholas?
Ele suspira, me fazendo abaixar a cabeça.
— Eu não sei — sussurra.
— Eu ainda te amo, sabe disso, não? — Todo o ar desaparece quando
digo tal coisa, meus pulmões queimam. — Te amo há bastante tempo,
Thompson, eu só precisava te contar. — O encaro. — E isso não mudou, não
pra mim.
O menino sorri e seus olhos brilham.
— Eu estive pensando em algumas coisas, sabe? Por exemplo, você quer
ser mãe? Nunca falamos sobre isso...
Nick se cala e ri com timidez.
— Você não está...
— Planejando? Não. — Ele me examina. — Eu só quero saber, porque
consigo me imaginar passando anos com você.
— Bom — preciso desviar o olhar novamente —, sim. Eu quero. E
você, quer ter filhos?
Um breve silêncio surge enquanto alguns pássaros passam voando acima
de nós, enfeitando o céu azul de outono.
— Eu nunca planejei conhecer uma garota e me apaixonar, acho que se
você não tivesse aparecido, essas ideias nem passariam pela minha cabeça.
Quando penso em família, bom, eu criei Grace sozinho, claro que com a
ajuda da Quinn e sob as ordens da Polly, mas eu era o único presente.
Nicholas fica extremamente fofo quando fala da irmã e eu gosto de vê-lo
assim, mas dessa vez, a sensação que tenho é de que há algo por trás. Algo
que ele não me contou e sabe que não posso descobrir sozinha, estou muito
longe de Wiston Hill.
— Isso interfere na sua decisão?
— Não sei se seria um bom pai, Alice — ele diz de uma só vez.
— Não é por causa do seu pai, certo? Aquele clichê, meu pai foi ausente
e por isso não quero ter filhos?
— Não. — Ri alto. — Não é por isso, eu só não sei se devo...
— Já chega de pensar no que deve fazer, me diz o que quer fazer.
Nicholas se vira e encara o grande jardim. Ele se inclina para frente no
banco e apoia os cotovelos nos joelhos.
— Eu teria filhos com você — sussurra e noto suas bochechas corarem
pela primeira vez.
Mesmo sem ser em alto e bom som, eu sei que ele considera essa opção
e eu não preciso de certeza agora, afinal, somos novos e estamos lidando com
muito.
— Isso é suficiente — conto, fazendo-o me olhar.
— Eu teria uma família com você, Alice.
Agora, eu rio e fico sem jeito.
— Certo — Nicholas muda de assunto —, seu pai quer ter certeza de
que você vai ficar bem se for embora da clínica hoje.
— Vou ficar bem, eu prometo.
— Não acha arriscado? — Os olhos azuis do menino me queimam,
esperando por uma resposta sincera.
— Mais ou menos. Eu tenho você e a minha família. Preciso ir pra casa,
Nick, sei que não posso beber de novo, conheço os riscos e as
consequências.
Thompson agarra a minha mão com força e examina cada detalhe do
meu rosto, se aproximando de mim. Parece que tirei um peso das costas ao
dizer a verdade, não estou fingindo como Katherine, não estou tentando
agradar a todos.
Eu quero mesmo melhorar.
— Eu sempre estarei aqui, Alice.
Meu peito se aquece quando ouço suas palavras. Nicholas parece feliz e
orgulhoso, o que me deixa satisfeita comigo mesma. Eu mudei primeiro por
mim, mas é bom saber que essa decisão afeta quem eu amo de uma forma
positiva.
— Acho que com tudo isso, precisamos resolver outra coisa. — Mordo
o lábio. — O que somos?
— Amigos? — Ele mesmo ri. — Posso te apresentar como Alice
Wonders, a minha namorada, se quiser.
— Não, ainda não — suspiro. — As coisas mudaram, certo? —
Nicholas franze o cenho. — Eu não sou mais a Alice bêbada na frente do
Heaven. Não sou mais aquela pessoa que preferia beber a encarar os meus
problemas...
— Você não entende mesmo, Wonders? — me interrompe. Faço um
biquinho involuntário. — Você sempre foi forte, incrível e linda. Talvez
esteja descobrindo isso agora, mas eu sei desde o começo. Não me apaixonei
por você porque estava bêbada e tinha problemas pessoais, eu me apaixonei
por quem você é, seu sorriso, sua forma de agir.
Eu odeio me encolher, mas Nicholas me causa arrepios quando me diz
coisas assim. Não consigo controlar as reações do meu corpo, a cor das
minhas bochechas.
— E é bom saber que ainda te faço corar — ele provoca.
— Espero que ainda faça outras coisas.
Nick ri um pouco antes de toda aquela malícia tomar conta das suas íris
azuis.
— Eu acho que podemos nos conhecer de novo — diz, mudando de
assunto.

Os cabelos ruivos balançam com o vento, Andressa me espera encostada


no carro que John emprestou a Nicholas. Ela sorri de canto e a minha ficha
cai. Ele a escolheu.
— Finalmente — diz e me puxa para um abraço típico da ruiva, forte e
confortável. — Senti sua falta.
— Também senti a sua — sussurro em seu ouvido enquanto ela me
aperta contra seu corpo.
— Seu pai nos mandou aqui pra te buscar e te levar em segurança até a
sua mansão maravilhosa — brinca ao me soltar.
— Então, você gostou da mansão?
— Ela é linda, eu adorei!
A animação da menina não mudou muito e não precisava. Andressa
sempre foi incrível.
— Vamos? — Nick pergunta e fecha o porta-malas.

É estranho estar em Nova Iorque novamente, sair da clínica, andar de


carro, ver as ruas. É estranho ter Nick e Andressa comigo.
A ruiva fez questão de ir no banco de trás e me deixar ir com Thompson
na frente.
— Andressa — chamo, entretanto, os dois me encaram. — Nicholas me
contou sobre a Chris, vocês conversaram...
— Ainda não — ela confessa de uma só vez, como se isso estivesse
entalado em sua garganta. — Não consegui. Eu não gosto de lembrar do que
ela fez, não quero falar sobre. Ainda não.
— Eu entendo. — Acho que a Vender feriu mais a ruiva que qualquer
outro de nós.
— Tenho que admitir, ela está diferente e isso é bom. Espero que
continue assim. Madison conseguiu conversar com ela.
— E como a Maddy está? — Olho diretamente para Nick, que dirige
com calma.
— Bem. Ela se mudou pra Red Hell até encontrar um lugar... — o
menino me explica.
É bom saber que as coisas não ficaram ruins depois de todo o caos.
Parece que as peças estão, finalmente, se encaixando. Entretanto, não sou
idiota, Nicholas e Andressa trocam olhares pelo espelho retrovisor à todo
momento, como se escondessem algo.
Decido não ignorar a situação.
— Vocês me contaram tudo?
— Sim. Tudo. — Há firmeza na voz dele.
Thompson está mentindo, primeiro porque sei quando ele não conta a
verdade e, segundo, porque Andressa não me respondeu. Ela se virou e
encarou a janela do carro assim que ouviu a minha pergunta.

April Wonders parece mais baixa que antes, mas se eu fizer essa piada
com certeza irei irritá-la. A menina se levanta num pulo e me abraça com
força quando entro na sala da mansão, acompanhada por Nicholas e
Andressa.
— Demoraram — minha irmã reclama e me solta. — Ah, sim, ele é
muito bonito.
Agora Nick sabe que o elogiei para ela, ótimo.
— April, sério? — pergunto, sussurrando.
— Bom saber que falaram de mim — Nick caçoa, parado ao meu lado.
— Ele já tem o ego inflado, aí você fala essas coisas...
April segura uma risada no mesmo momento em que Nick e eu trocamos
um olhar. Noto que a malícia de antes cresceu. Ele me encara com vontade,
apesar de um sorrisinho estar presente.
— Cadê o nosso pai? — Tento desconectar nossos olhares e me volto à
baixinha.
— Precisou ir até o escritório, ele disse que volta para o jantar.
— Cherry? — Minha outra irmã também não está presente, o que não
me é uma surpresa. Ela gosta de bancar a rebelde da família.
— Estudando na casa de amigos, fugindo. — A loura dá de ombros. —
Como é que eu vou saber?
— Tudo bem — Andressa se intromete, indo até April. — Podemos
deixar a Alice e o Nicholas sozinhos um pouco, certo?
A baixinha me analisa com maldade, me fazendo rolar os olhos.
— A gente pode sair para tomar café. — April Wonders sussurra.
— Café em Nova Iorque? Perfeito!
Andressa puxa a minha irmã pelo braço, com delicadeza, e elas passam
por nós disfarçando as risadas. As duas desaparecem sem dizer tchau.
Me viro e encontro Nick, sei que ele quer o mesmo que eu.
— Acho que deixei claro demais — fala.
— Como assim?
Uno as sobrancelhas em dúvida, cruzo os braços e desço minha atenção
por seu peitoral.
— Eu posso ter pedido pra Andressa sair com a sua irmã.
— Você pode ter pedido? — Ele ri da minha reação. Eu não duvido
mais de Thompson. — Tudo bem, Nicholas. Eu me lembro de ter conhecido
a sua mansão, então, o que quer ver na minha?
O olhar dele me queima e Nick dá dois passos à frente, ficando
extremamente próximo de mim, me fazendo erguer a cabeça para encará-lo.
— Eu já conheci a maior parte ontem, quando cheguei, mas que tal a
cozinha?
— Gosta de cozinhas? — brinco.
Nick aproxima nossos rostos, ele me puxa para perto com as duas mãos
em minha cintura e quase cola nossos lábios.
— Gosto do que dá pra fazer nelas — sussurra.
Eu mordo o lábio, é automático. Isso o atiça ainda mais. Thompson
fecha os olhos, se controlando, tentando não me agarrar nessa sala. Eu posso
ver tudo, sei que quer tirar as minhas roupas.
— Vem comigo — digo e o puxo pela mão até a escada que leva ao
segundo andar. — Acho que não conheceu o meu quarto.
O garoto me segue em silêncio, subindo os degraus, depois virando o
corredor e, finalmente, chegando ao último quarto — o meu. Entro andando
de costas e um arrepio frio percorre a minha espinha quando Nick me encara
com as íris azuis escuras. Eu gosto disso. Meu coração acelera ao ouvir a
porta se fechar.
O menino se apressa até mim, me arrancando arfadas leves, e me vira de
costas para ele. Os lábios de Thompson logo aquecem meu pescoço com um
beijo delicado.
— Seu quarto é lindo — diz.
— Você tem certeza? Nem o olhou direito.
Sua boca está perto da minha orelha, Nicholas faz questão de mordê-la
antes de responder.
— Já vi o suficiente.
As mãos dele agarram na beira da minha blusa verde e a arrancam com
destreza. Assim que o tecido sai e é atirado ao chão, me coloco de frente para
Nick.
Eu preciso vê-lo.
— Você é linda — sussurra e me beija intensamente. O calor dos nossos
corpos se une, nossas peles estão muitíssimo quentes.
— Me mostra o quanto sentiu minha falta — peço perto da sua orelha,
acordando cada pelo no corpo do garoto.
Nicholas morde meu pescoço com desejo, me fazendo gemer baixo. Ele
desce até a minha clavícula, seu lábio inferior desenha cada centímetro da
minha pele e Nick tem calma, muita calma.
Eu sinto à vontade entre as minhas pernas, o quero agora, minha
intimidade não consegue lidar com as provocações de Thompson. Meus
dedos puxam seus fios de cabelo, mas minha cabeça se inclina para trás,
aproveitando cada beijo. Em meus seios, ele deposita chupões delicados que
não deixarão marcas.
É delicioso.
Nicholas me empurra lentamente até a cama e morde minha mandíbula,
meu queixo.
— Eu senti muito a sua falta — diz.
Tiro meus tênis com rapidez, sem ajuda das mãos. Ainda estou presa as
íris que agora me analisam. Nick me coloca sobre o colchão e fica por cima,
suas mãos ágeis retiram meu sutiã.
— Apressado — brinco quando a peça preta de roupa sai e ele a atira ao
nosso lado.
— Quer que eu vá mais devagar?
— Nunca.
— Ótimo.
Thompson não espera, ele beija meus seios com vontade. Enquanto
chupa um, seus dedos brincam com o mamilo do outro. Eu não consigo mais
controlar meu corpo, tudo que faço é gemer baixinho e tentar não me
contorcer de prazer.
Nick não demora muito, ele desce contornando com beijos os músculos
da minha barriga, me fazendo morder o lábio inferior para não gemer alto
quando abocanha minha cintura. Inclino o quadril e o deixo retirar minha
calça e calcinha de uma só vez. Quanto termina, o menino tira a própria
camiseta e, sem hesitar, se abaixa e beija minhas coxas.
— Nicholas... — gemo baixinho, agarrando em seu cabelo, puxando
seus fios. Ele gosta disso, gosta de me ver assim, eu sei.
Thompson mordisca cada parte da minha pele, beija, chupa. Ele me
conhece bem, sabe como fazer. O garoto sobe, trilhando com o lábio inferior
a parte interna de uma das minhas coxas, chegando à virilha.
— Você é deliciosa — diz, antes de me beijar novamente.
— Já me... — Quase não termino de responder, Nick beija meu clitóris
apenas para me provocar, tentando me fazer pedir por mais. Eu suspiro
intensamente. — ...disse isso.
Quando o olho, aquele sorrisinho irritante e malicioso está em sua face,
me deixando com raiva e vontade, calor e frio. Esse garoto é um idiota
egocêntrico.
Nick começa a me chupar, eu sinto sua língua brincando com minha
intimidade, me fazendo ficar mais molhada. Suas mãos agarram em meu
quadril e nossos olhos continuam conectados. Eu o assisto fazer o que quer,
mas ver como Nicholas adora me ter, como ele adora beijar meu corpo e
principalmente lá embaixo, é mais excitante ainda. Eu não consigo ficar
parada, meu corpo se contorce e meus sons aumentam de volume.
O calor é forte, as sensações, mais ainda.
— Não para... — me pego sussurrando e me sento, mantendo-me
inclinada para trás, com uma mão apoiada no colchão e a outra puxando seus
cabelos.
E ele sorri.
— Para de dar risada — gemo baixinho, o observando. Meus olhos
reviram de prazer, minha respiração fica pesada, meus gemidos tomam conta
do quarto e estou completamente molhada.
Thompson não para de me chupar, ele sabe como gosto que faça. Eu
murmuro seu nome e começo a arfar com intensidade. O garoto me penetra
com dois dedos, ele brinca comigo, me atiça. Nicholas me toca nos lugares
certos.
— Eu quero que goze nos meus dedos, Alice.
Suas palavras são como uma ordem. Meus músculos se contraem, mas o
clímax ainda não chega. Meus pensamentos estão perdidos numa onda
incontrolável de prazer.
— Nick — me escapa, alto o suficiente para que ele saiba que meu
orgasmo está próximo.
Eu ainda sinto seus beijos quentes, seus chupões em meu clitóris,
quando chego lá. Minha cabeça se inclina para trás e meus braços perdem a
força. Eu me deito no colchão e tudo que posso fazer além de sentir cada
pequena parte do orgasmo, é rir.
Agora, meus dedos agarram no lençol e Nick sobe por meu corpo.
Quando abro os olhos, ele está me analisando com um sorriso malicioso no
rosto.
— O que foi? — pergunto, arfando.
— Eu adoro como você ri — Nick me beija rapidamente — quando
chega lá — sussurra a última parte contra meus lábios.
Meus dedos descem por seu peitoral enquanto ele me beija, abrem sua
calça, se enfiam dentro dela e apertam seu membro sobre a cueca. Nick geme
baixo contra a minha boca, mas um riso o escapa.
— É, eu também gosto de como você ri — digo e ele me encara, mas
não pego leve. Eu aperto seu membro com delicadeza novamente, fazendo
Thompson gemer contra a própria vontade.
Eu poderia dizer que esqueci o quão gostoso ele é, mas seria uma
mentira. Eu nunca me esqueceria de seu abdome definido, de seus músculos,
suas veias aparentes em seus braços e mãos. E claro, do seu tamanho perfeito
— não estou falando da altura, apesar dessa também ser agradável.
Eu sou boa em tomar o controle da situação, talvez Nick ainda não saiba
disso. Rapidamente o envolvo entre minhas pernas e, num impulso, mudo a
posição, me colocando por cima. Posso ver o choque misturado a desejo em
seu rosto, quando apoio as mãos em seu peitoral e deixo meus cabelos caírem
sobre a sua face.
— As coisas mudaram — sussurro.
Quem agora trilha cada parte do seu corpo com beijos, sou eu. E adoro
isso. Nicholas ri entre gemidos, ele se diverte. Beijo seu peitoral, mas em seu
abdome deixo marcas leves dos meus dentes. E Nick se contorce sob mim.
Os olhos de Thompson me acompanham, o garoto me assiste. Me sento,
agarro em sua calça e a retiro com calma, junto da cueca. A puxo deixando-o
nu. Nicholas morde o lábio, mas não fala comigo. Ele espera.
Nossos olhares se encontram e, como sempre, Nick não se contém, ele
se senta e tenta me agarrar, mas minhas mãos o empurram de volta para o
colchão.
É excitante fazer o que quero com ele.
Thompson rola os olhos, mas obedece. Meus dedos quentes tocam em
seu membro, apertando-o sem muita força. No mesmo instante, Nick segura
um gemido.
— Não vai conseguir ficar em silêncio por muito tempo — provoco-o.
Ele sorri e se esforça para que nenhum som escape. — Não é justo. Você me
faz gemer alto, eu posso fazer o mesmo...
— Claro — arrisca dizer e, assim que o faz, eu me inclino e coloco seu
membro em minha boca. Nick suspira sem poder se controlar. — Porra,
Alice.
Eu sei que ele gosta disso. Continuo com os movimentos de vai e vem, o
chupo com vontade e faço questão de olhar em seus olhos enquanto o faço.
Nicholas geme mais a cada minuto, ele desistiu do silêncio.
— Alice... — fico sem fôlego quando o ouço murmurar meu nome.
Nick não consegue esperar mais, ele se senta, me puxa pelos braços e
me coloca em seu colo. Antes mesmo de perguntar sobre a camisinha, me
inclino e abro a gaveta da mesa de cabeceira.
Ele ri ao ver o pacotinho e o agarra. Nicholas a veste e quando termina,
eu o empurro de volta ao colchão.
— Achei que era pra eu te mostrar o quanto senti a sua falta — diz,
rindo.
— Mudei de ideia.
Me ajeito e coloco seu pau dentro de mim com calma, gemendo
enquanto o faço. Há tempos não transamos e meus músculos se contraem,
pedindo por isso. Thompson está tão fundo e apertado que mal consigo
manter o silêncio, a sensação é arrebatadora.
Nick agarra em minha cintura, a aperta, e começa a arfar. Eu rebolo com
lentidão, com as mãos apoiadas em seu peitoral. Me movo aos poucos,
mexendo o quadril, sentindo-o e o levando à loucura.
Ele sorri e me observa, nós dois estamos gemendo baixinho, rindo entre
os sons. Nicholas entra e sai do meu corpo sem muita força. Me inclino para
frente, eu quero mais, o quero com intensidade. Meus movimentos aceleram,
minha cintura se mexe com mais dedicação, minhas unhas cravam em sua
pele. Nick geme e suas mãos apertam minha bunda.
— Geme pra mim — ordeno e ele ri, mordendo o lábio. Nick me assiste
como se eu fosse a melhor coisa no universo.
Me ajeito em seu colo e continuo, não quero parar, não quero que acabe.
Eu gosto de fazer milhares de coisas com Nicholas, mas confesso que adoro
transar com ele.
Jogo meus cabelos de lado e Nick agarra em meus seios. Seguro uma de
suas mãos e a desço por meu corpo, alisando minha barriga, e fazendo-o tocar
em meu clitóris.
Ele sabe o que desejo. Não precisamos dizer nada.
Nick me acaricia com movimentos circulares enquanto continuo
movendo o quadril. Eu sinto outro orgasmo se aproximando, meus músculos
se contraem, meus braços perdem a força, o suor escorre por minha nuca,
meus gemidos aumentam, minha respiração falha e o toque de Nicholas me
leva ao limite.
Assim que seu dedo se afasta do meu clítoris, eu gozo e caio por cima
de seu corpo, aproximando nossos lábios. Os olhos dele brilham e se
encontram com os meus. Nick coloca uma mecha de cabelo atrás da minha
orelha, então, me beija.
Eu percebo-o me abraçar, e agora, Thompson toma o controle. Ele move
o quadril com força, me penetrando antes mesmo do meu orgasmo passar.
— Nicholas... — sussurro, sentindo-o entrar fortemente em mim. O
menino me beija e me cala, mas não consigo o acompanhar, eu só consigo
gemer e fechar os olhos, me entregando ao prazer. — Não para, não para,
não para — peço contra seus lábios, minha voz parece fraca.
Nick me aperta mais e continua com os movimentos, eu sinto o calor
aumentar em meu sexo. Thompson me fode com força, de uma forma
deliciosa.
— Eu não vou parar — grunhe e me beija.
Assim que nossos lábios se tocam, Nicholas suspira e o orgasmo nos
atinge. Meus músculos não me respondem, não consigo me mover, apenas
tremer e arfar. Seu peitoral sobe e desce com a sua respiração pesada e sinto
cada movimento contra meus seios.
— É, você realmente sentiu a minha falta — digo, olhando em seus
olhos. Eu o beijo na bochecha e Nicholas sorri.
Deitada em seu peito, percebo que estou extremamente cansada, mas
não quero dormir. Quero sentir seu toque, enquanto acaricia meus cabelos.
Quero o calor da sua pele.
— Eu te amo — sussurro de olhos fechados e ouço Nicholas suspirar.
— Eu te amo muito, Alice.
— Nick — ele murmura como resposta —, você está escondendo
alguma coisa de mim. Eu sei.
— Pode fingir que não sabe?
Nego.
— Me conta.
— Algumas coisas mudaram demais. Wine apareceu.
Abro os olhos abruptamente. Não posso ter ouvido certo, Wine, a irmã
dele, voltou? Me apoio em seu peito e levanto a cabeça para poder o olhar
enquanto explica isso, para entender direito.
— A sua irmã? Wine?
— Sim. — Nick me encara como se essa fosse a coisa mais simples de
se compreender. Pelo que sei, a garota sumiu por anos. — Ela apareceu no
meu aniversário.
— Como assim? Eu...
— Eu ia te contar depois. — Thompson se senta na cama e respira fundo
antes de continuar. — Ela não fugiu, Polly fez um acordo com Wine. Se a
minha irmã parasse de causar problemas, ela poderia ser emancipada e ir
embora para viver a própria vida, mas eu não podia saber da verdade.
— Isso é bem baixo da sua avó... — solto sem pensar.
— Eu já não sei se a Polly tem limites. Wine é a neta dela e passou
todos esses anos em Nevada com a irmã do Tommy.
— Aquele idiota sabia onde ela estava? Por que não te contou?
Nick ri e concorda.
— Porque ele não queria e não podia.
— Então, durante todos esses anos, Wine estava bem?
Nicholas assente e ri mais uma vez da minha indignação.
— Eu fiquei confuso no começo, mas agora parece normal. Parece que
ela nunca foi embora.
— E Margot? — Me lembro de terem me contado sobre o
relacionamento das duas.
— Elas estão se resolvendo. Depois do incêndio tudo foi adiado,
inclusive as apresentações de dança. Wine vai na apresentação da Margot.
Nick parece feliz com a volta da irmã, eles eram próximos e sei que
Wine foi embora em um péssimo momento.
— Quer me contar mais alguma coisa? — pergunto e ele desvia o olhar.
— Eu tô tentando esquecer, mas acho que não vou conseguir. É sobre a
minha mãe.
— O que tem ela?
— Depois de ouvir o que a minha irmã me contou sobre esse acordo
com a Polly, fiquei me perguntando até onde a minha avó iria. O que
aconteceu com a minha mãe antes dela morrer? E eu encontrei o atestado de
óbito...
— Você disse que tinha visto esse documento antes.
Eu quero ficar quieta e ouvir, mas minha mente acelera tentando
acompanhar todos os últimos acontecimentos.
— Eu vi, mas a Polly foi esperta. Primeiro me disse que Pumpkin tinha
morrido, depois me mostrou o papel. Eu não prestei atenção, mas agora eu sei
que aquilo é um documento falso.
Arqueio a sobrancelha, sem entender.
— Quase não está preenchido, Alice. A Polly está escondendo alguma
coisa.
— Eu não quero te deixar paranoico, mas já passou pela sua cabeça que
a sua mãe pode estar viva?
Nicholas se cala e me fita com certo choque.
Eu tenho a minha resposta, ele nunca pensou nisso ou, talvez, tenha se
forçado a não pensar.
— O caixão estava fechado e o documento é falso. Ela desapareceu no
meio da noite? Eu não tô dizendo que a Pumpkin está viva, mas...
— Quando pensou nisso? — ele pergunta.
— Não sei, passou pela minha cabeça algumas vezes, mas não quis dar
atenção. Você estava sofrendo com tudo, eu achei que tocar no assunto fosse
te machucar.
Nick assente e respira fundo, colocando as ideias no lugar.
— Prefiro deixar essas coisas de lado por uns dias — conta e me puxa
para perto. — Quero aproveitar o tempo que tenho com você, Alice.
É, eu também prefiro, afinal, ele vai embora em algum momento.
51

CEREJAS
"Você nunca estará sozinha,
de agora em diante,
mesmo que você pense em desistir
eu não vou deixá-la cair.
Quando toda a esperança se for,
sei que você pode continuar.
Nós vamos sobreviver a esse mundo."
Nickelback | Never Gonna Be Alone

ALICE WONDERS

Nick me ajuda a arrumar a grande mesa de jantar, ele coloca os pratos


enquanto eu levo a comida. O garoto também me ajudou a preparar o
macarrão, visto que Andressa e April sumiram pela cidade. Já faz bem mais
de duas horas e as meninas ainda não voltaram.
— O que acha que estão fazendo? — ele pergunta, se colocando atrás de
mim e agarrando em meu quadril. Solto os últimos garfos sobre a mesa e
suspiro.
— Eu não faço ideia, você que mandou a Andressa sair... — Rio
baixinho. — Eu não confiaria na April.
— Bom, ela é a sua irmã. — Nick me beija no pescoço e se afasta.
— Por isso mesmo. Como foi passar um tempo com a minha família?
— Foi calmo. Acho que seu pai estava um pouco sem jeito. — Enquanto
ele me conta, volto à grande cozinha e me apoio no balcão preto. Nicholas
me segue e para do outro lado, à minha frente. — April gosta de conversar,
mas não igual a Grace.
— Imagino que não tenha conhecido a Cherry.
— Não mesmo.
— Ela se afastou de mim há um tempo, sabe? E até agora não voltou.
Eu posso dizer isso sorrindo, mas dói saber que minha irmã não quer me
ver, que ela não confia na minha mudança. Cherry acha que voltarei a beber
em breve, ela acha que sou como a nossa mãe.
— Vocês ainda não conversaram? — Nick me olha nos olhos, ele
percebe o desânimo que escondo.
— Ela não quis. Não quer. Mas Cherry só tem dezesseis anos e é tão
teimosa quanto eu. Uma hora ela vai ter que falar comigo. — Sorrio
sutilmente. — Certo?
— Acho que sim.
É, ele não pode afirmar. Ninguém sabe, somos inconstantes, mudamos
de opinião e, às vezes, não perdoamos.
Nick tenta me animar, ele me analisa com certa doçura e sorri,
mostrando que tudo está bem agora e que continuará bem, se depender dele.
Eu não consigo me segurar quando vejo seu sorriso maravilhosamente
perfeito, rolo os olhos e faço um biquinho.
— Às vezes eu não gosto de você — digo, ele une as sobrancelhas em
dúvida. — Você me faz sentir boba.
— E isso é ruim? — caçoa. — Também não conheci o seu irmão.
— Ele estuda num colégio interno, só aparece nas férias.
Nick assente, se mantendo em silêncio. Estou faminta, desde que
cheguei em casa não comi nada, apenas matei a saudade do garoto e depois,
peguei no sono. Mas posso ver que Nicholas não está interessado na comida.
Sua expressão esconde algo, talvez uma pergunta ou uma revelação.
— O que foi? — questiono, fazendo-o sorrir com falsidade. — Me conta
logo.
— Nada. Eu só estava pensando em algumas coisas. — Como sempre, e
eu quero saber o que são essas coisas, mas antes que eu possa perguntar, Nick
continua: — A sua relação familiar parece melhor, mas...
— Nem tanto. A minha mãe foi embora, finalmente.
Nicholas fica boquiaberto. Ele precisa se lembrar de que Katherine não é
Pumpkin. A minha mãe nunca foi próxima de mim, nunca quis ser uma mãe
de verdade, não posso sofrer por isso e nem posso fingir que me importo. Eu
não dou a mínima.
— Me diz, Alice, não sente nada por ela?
— Talvez, mas a maior parte dos sentimentos que tenho são negativos.
Esse papo de perdoar e esquecer não vai funcionar entre a gente. Katherine
não me criou pra gostar dela.
— É que, ouvir você dizendo isso... eu não sei, parece frio.
É, em relação a Katherine Willow, não mais Wonders, eu sou bem fria
mesmo.
O silêncio toma conta da cozinha enquanto olhamos para as nossas
próprias mãos, enquanto pensamos em tudo que sentimos e tudo que
superamos. As coisas parecem diferentes.
— Ei — ele chama e eu ergo a cabeça. — Não tô te julgando, é que
somos opostos em relação as nossas mães.
— Eu sei disso. — Estico os lábios num sorriso, para tentar mudar o
clima. — A Katy também começou a beber quando era adolescente, digamos
que a minha mãe tinha problemas familiares, principalmente com o pai, que
era bem conservador. Eu não sei, não me contaram muito. Ela até gostava do
John, mas só se casou porque engravidou... de mim.
Nick percebe onde quero chegar. Eu nunca fui desejada, nada da vida
dela foi, e as bebidas viraram algo comum. Contudo, o garoto não estende o
assunto.
Quando voltamos ao normal, Andressa aparece no corredor, com April
logo atrás. As duas seguram sacolas de lojas caríssimas e riem de algo que
não ouço.
— Meu Deus — Nick exclama. — Elas compraram Nova Iorque inteira
— sussurra enquanto as meninas se aproximam. Não seguro a risada.
— Oi! Chegamos — April conta o óbvio. — Vocês prepararam o jantar?
— É, e vocês fizeram compras? — Arqueio a sobrancelha, analisando a
quantidade de coisas. — Quem pagou por tudo isso?
— Euzinha! — Andressa sorri e ergue os ombros, segurando duas
sacolas em cada mão. — Meus pais me deram um cartão e disseram "divirta-
se”.
— Eu tenho certeza de que não significava "compre tudo que ver pela
frente” — Nick repreende. Andressa faz um biquinho e suspira.
— Alguém vai morrer quando voltar pra casa — caçoo, conquistando
seu olhar furioso.
— Olha, você que deveria estar se divertindo. — A ruiva aponta para
Nick. — Afinal, poderia ter morrido e nem estaria em...
Pronto. Ela se cala e, em sua face, eu vejo o choque. Andressa
mencionou algo que não devia e eu sei bem disso.
— Do que ela está falando, Nicholas? — pergunto, o encarando. Ele rola
os olhos, bufa e fita a ruiva com uma raiva incontrolável.
— Me desculpa — ela sussurra.
— Como você quase morreu? — continuo.
— Eu vou levar a Andressa lá pra cima agora — April tenta. — A gente
volta quando vocês terminarem.
A dupla some tão rápido que nem dá tempo de impedi-las. Eu queria a
ruiva presente caso ele minta para mim, caso ele tente fazer tudo soar menos
preocupante do que realmente é.
Mas Nick continua em silêncio.
— Eu sabia que você estava escondendo alguma coisa! Achei que fosse
sobre a sua irmã, mas...
Eu mesma me interrompo. Não preciso terminar a minha frase, sei que
Nicholas me entendeu. Ele não me olha, o que me faz andar até seu corpo e
parar à sua frente com os braços cruzados.
— Me conta!
— Eu não queria te preocupar.
— Então, me conta — continuo. — Eu sei quando mente, sei quando
esconde algo e nós dois sabemos que segredos não duram pra sempre.
Ele suspira e assente.
— Lembra daquele penhasco? — Penso um pouco e, depois de
segundos, me recordo de quando pulamos no mar juntos. — Nessa época do
ano é perigoso saltar de lá.
— Claro, é outono — concluo. Não sou burra, sei que as ondas devem
estar fortes com os ventos frios, sei que o mar de lá nunca foi calmo. Sei de
tudo.
Quando pulamos foi loucura mas, agora, seria burrice.
— Alexander — diz. Já sei que algo ruim está por vir. Me apoio no
balcão e espero. — Ele está bem mal, sabe, depois de tudo...
— O que aquele imbecil fez agora?
— Ele bebeu e ameaçou se jogar do penhasco.
Ruim, mas nem tanto. Eu convivi com Alexander por tempo suficiente
para saber que é um covarde, ele nunca se jogaria, pelo menos eu acho que
não.
— Aquele menino é obcecado por você, Alice. Eu, Jack e Juliet
tentamos conversar...
Suspiro, imaginando o final da história
— ...mas ele pulou.
— Ele pulou? — eu grito e Nick fecha os olhos.
— E eu meio que pulei atrás.
Mas que...
— Você perdeu a cabeça? — Noto que estou berrando. Minha voz sai
mais alta do que o planejado, minha garganta dói.
Nicholas fica quieto.
— Você só pode ter perdido a noção, pulou no mar atrás daquele
imbecil? Você não pensou antes? Você não...
As lágrimas fazem meus olhos arderem e apenas isso retira a expressão
despreocupada do rosto de Nicholas. Ele sabia que eu ia surtar ao ouvir o que
fez, mas não imaginou que fosse me machucar com isso.
As piores ideias passam pela minha cabeça. E se eu tivesse recebido a
notícia da sua morte ao invés da sua visita? E se ele estivesse morto ou
machucado? O que eu ia fazer?
Não consigo lidar com essa sensação, é como se um peso imenso
estivesse em meu peito, como se todo ar ao redor fugisse de mim.
— Alice — ele me chama.
Tudo que faço é me apoiar no balcão da cozinha e tirar meus olhos do
seu corpo, focar em outra coisa. E eu choro com intensidade.
Suas mãos me puxam para um abraço e de forma irracional, tento me
afastar, tento fugir do seu calor.
— Eu não morri.
— Mas e se tivesse morrido? O que eu ia fazer se você morresse? —
Molho sua camiseta com as minhas lágrimas. — Você não pode fazer isso
comigo, não pode!
— Eu não morri! — Nick me aperta. — Eu não morri. Me desculpe, mas
não posso dizer que me arrependo, Alice.
Me solto com delicadeza e encontro suas íris. Nicholas parece certo do
que diz.
— Eu não pensei antes de pular, não deu tempo, mas apesar daquele
imbecil me irritar profundamente toda vez que respira, eu não podia deixar
ele morrer.
— Não tinha outra opção?
— Não encontrei outra. — Suas mãos seguram meu rosto e me fazem
continuar o olhando. Nick sorri sutilmente e prossegue: — Era deixar ele
morrer ou pular atrás. Não pensei sobre.
— Foi arriscado.
— Eu sei, amor. — Me abraça. — Mas eu tô bem. Eu percebi que foi
arriscado depois de sair do mar. Eu notei o que podia ter acontecido, mas não
aconteceu.
— Você precisa parar de ser um idiota — brinco e dou risada.
— Eu, idiota? — Thompson sorri.
— E como foi? O que aconteceu?
As mãos do menino me soltam e consigo me afastar um pouco, voltando
a me sentir calma. Ele está bem e isso importa. Apenas isso importa, na
verdade. Para ser sincera, eu não gostaria de saber que Alexander morreu,
mesmo com tudo que aconteceu.
Alex é um babaca iludido, mas não merece esse final. Nick fez a coisa
certa e errada ao mesmo tempo.
— Eu pulei. Alex não parava de se debater, afundou várias vezes e me
levou junto. Tive que socar a cara dele pra conseguir...
— Espera, você socou ele? — O olho com indignação, mas sei que estou
sorrindo, animada com a ideia de ver Alexander levando um soco do Nick.
Bem, eu mesma queria ter feito isso.
— Eu precisei — enfatiza. Franzo o cenho com desconfiança. — E quis.
Mas consegui tirar ele do mar e depois o levaram pro hospital enquanto eu
congelava.
Pela primeira vez, desde que ouvi o começo dessa história, suspiro de
alívio. Nick parece mais calmo também, ele não gosta de me ver chorar, isso
ficou claro. Nicholas não quer me machucar.
— Você gostou de eu ter — suas mãos me puxam pela cintura e me
colocam de frente para o seu corpo — socado a cara dele?
— Talvez. — Agarro em seu pescoço. — Mas eu queria ter feito isso
sozinha. Aliás, vamos voltar a treinar boxe, certo?
— Certo.
Thompson ri baixinho e colamos nossos lábios num selinho rápido. Ao
fundo o som da porta da frente surge e os passos ecoam pelo corredor.
— Boa noite — John diz com animação.
O olho, feliz por estar em casa, e me levo ao seu abraço que já me
espera. John me aperta contra seu peito e beija a minha testa.
Finalmente estamos em casa, dessa vez, sem falsidades.
Durante o jantar notei que Nick e meu pai puxaram assunto, acontece
que os dois gostam de beisebol e basquete, o que os aproximou um pouco. Eu
não entendo bulhufas dessas coisas, mas fiquei animada com conversa.
— Alice, você pretende voltar pra Wiston? — Andressa pergunta
enquanto arrumamos a mesa.
O olhar de Nicholas se volta à mim e ele finge não prestar atenção, está
limpando a louça com o meu pai, ajudando a ajeitar tudo. Contudo,
Thompson também está curioso.
— Eu ainda não sei o que vou fazer, ruiva.
— Bom, se você voltar, quero ir junto! — April brinca e John ri. — O
que? Cherry foi, você foi, Katherine foi…
— Depois, talvez durante as férias ou feriados — ele conclui,
encerrando o assunto.
Nós duas conhecemos John Wonders muito bem e sabemos quando ele
não quer falar sobre algo. Agora, meu pai não quer falar sobre mais
novidades.
— Afinal, quem fez o jantar? — John pergunta. Nick e eu trocamos
olhares.
— Nós dois — digo.
— A gente se ajudou — Thompson explica.
O homem parece satisfeito. Ele ainda não me interrogou sobre Nick, não
quis saber sobre meu relacionamento ou planos futuros, entretanto, parece
aprovar a situação.
Os dois se deram bem.

Me enfio sob o edredom enquanto o som do chuveiro faz meu corpo


relaxar. Me encosto no travesseiro e sinto o cheiro de casa — lavanda, vindo
do lençol.
Nada mudou no meu quarto, as coisas continuam nos lugares em que
deixei, até mesmo a bagunça é a mesma. April disse que não queria arrumar,
que se tudo ficasse igual não sentiria a minha ausência. Mesmo assim, me
abraçou com força quando voltei para casa.
Ela e Cherry nunca foram próximas, as duas não se dão bem, mas April
me seguia, ela sempre gostou de passar o tempo comigo. A loura é engraçada
e divertida, além de ser muito inteligente. Tenho orgulho da minha irmã.
Queria poder dizer o mesmo dos outros dois, mas Cherry Wonders decidiu
bancar a rebelde e Mike prefere Katherine a todos nós.
É complicado demais, porém, nesse momento, eu aproveito a quietude.
Um toc toc soa. É a ruiva.
— Podemos conversar?
— Claro, vem cá — digo. A menina acelera o passo e se joga ao meu
lado na grande cama de casal. — Do que quer falar?
Ela sorri, parece cabisbaixa.
— Eu senti a sua falta, Alice, todos os dias. Gosto da Madison e da
Juliet, mas elas não são você. Quer dizer...
— Eu entendi — sussurro, conquistando seu olhar. A ruiva me encara e
as suas íris verdes brilham. — Acredite, eu também senti a sua falta, ruiva,
todos os dias. Eu acordava sozinha naquele quarto da reabilitação e pensava
em como você sempre estava animada de manhã.
Ela ri, movendo os ombros.
— Eu acho que você é a minha melhor amiga, de verdade — confesso e
a deixo boquiaberta.
Andressa não diz um a, ela se inclina e me abraça com força, acho que
não esperava ouvir isso um dia. Eu me dei conta de que Ruby, aquela com
quem Alex me traiu, nunca foi minha amiga. Ela queria a atenção que os
Wonders tinham, mas Ruby nunca gostou de mim, nunca me apoiou e nunca
ficou ao meu lado apesar de tudo.
Andressa, entretanto, continuou comigo. Todos decidiram se afastar e
ela ficou e me ouviu. Não significa que acha certo o que fiz, claro, mas a
ruiva foi paciente.
Ela procurou me entender.
— Você também é a minha melhor amiga — sussurra em meu ouvido.
Respiro fundo, porque agora sei que nós duas sentimos o mesmo.
Eu posso confiar na Andressa e ela em mim.
— Estou atrapalhando algo? — Nick pergunta quando volta ao quarto.
Eu o vejo antes da ruiva — que está de costas para o garoto —, por isso
mordo o lábio. Ele está enrolado numa toalha e seu abdome brilha com as
gotículas ainda presentes.
— Minha nossa! — ela sussurra quando o encontra. A soco no braço
como resposta. — Quer dizer, não, não atrapalha.
— Tudo bem. — Nick ri, um tanto sem jeito.
— Acho melhor eu ir, certo? — A menina me olha ao perguntar.
— Certo — falo baixinho.
— Está bem.
Andressa dá uma última analisada em Thompson antes de sair. Ela faz
um biquinho sensual e se retira saltitando, eu sei muito bem que Nick é
gostoso, não a culpo por isso. A ruiva faz o favor de fechar a porta, me
deixando sozinha com o menino.
— Um pouco constrangedor — ele brinca ao arrancar a toalha, ficando
completamente nu.
Minha nossa, ele é tão gostoso! Nick se vira de costas e agarra a calça
de moletom que havia deixado sobre a escrivaninha. Pela primeira vez me
pego olhando para a sua bunda. Essa parte deliciosa do seu corpo me chama
atenção, eu poderia mordê-la.
Nicholas se enfia na roupa e se vira novamente, sem notar a minha
malícia.
— Você podia ter demorado mais um pouquinho pra se vestir — brinco.
— Eu estava analisando.
Rimos juntos, agora somos íntimos, amigos e um pouco mais. Podemos
rir e podemos chorar na frente um do outro.
É algo bom, confortável.
Thompson se deita ao meu lado, enfiado sob o mesmo edredom branco.
Apenas os abajures estão ligados e as cortinas fechadas, mesmo assim, a luz
da lua atravessa a janela.
— Gostei do seu quarto. Pôsteres de bandas nas paredes...
— É, eu gosto de música — conto.
— E livros.
Nick se refere a estante gigantesca e sem espaço. Romances, suspenses e
fantasias a enfeitam. Ele lê alguns dos títulos que consegue enxergar.
— Sabe do que mais eu gosto, Thompson?
O garoto me olha.
— De você. — Sorrio ao dizer. Ele me puxa para perto e me deixa deitar
em seu peitoral. Faz frio e nos aquecemos juntos.
Nick acaricia meus cabelos enquanto aproveito da sua pele, do seu calor
e da sua presença. Eu queria sexo quando o vi pela primeira vez na frente do
Heaven, mas hoje, apenas o quero.
— Amanhã vamos sair — revelo. — Eu sei que essa é a primeira vez
que você viaja, precisa conhecer mais que a decoração do meu quarto.
Ele ri e apaga a luz do abajur.
52

MOMENTOS
"Segredos que tenho mantido em meu coração
são mais difíceis de esconder do que eu pensei.
Talvez eu só queira ser seu.
Eu quero ser seu."
Arctic Monkeys | I Wanna Be Yours

ALICE WONDERS

Eu nunca o vi tão animado.


— É uma pena não termos uma moto — digo ao entramos no Central
Park, caminhando lado a lado. Nick observa cada pequena coisa, mas tenta
disfarçar.
— Eu não sei se andaria de moto em Nova Iorque. É diferente de Wiston
Hill, por lá as ruas são vazias...
— Aqui tem bastante trânsito mesmo. Quer se sentar? — Aponto para o
banco de madeira à nossa frente e ele assente.
A paisagem está linda, mais do que o normal, talvez seja culpa do
outono. Nós dois nunca passeamos assim, aproveitando do silêncio, olhando
ao redor.
— Alice, eu preciso te perguntar uma coisa. — Nick me olha e espera
por uma autorização. Ele está bonito, enfiado num moletom preto com capuz.
Sorrio levemente, deixando que continue. — Eu sei que você tem esse
problema, mas...
— Com esse problema, você quer dizer alcoolismo?
Nicholas concorda e tenta não me fitar enquanto termina.
— Eu te via beber, mas nunca desconfiei, nunca passou pela minha
cabeça. Quer dizer, todo mundo bebia bastante, até eu fazia isso quando
estava estressado…
— Eu também bebia quando estava estressada ou ansiosa e isso virou
uma necessidade, um costume. É diferente.
— Então, me explica, por favor — Nicholas pede, olhando em meus
olhos dessa vez. — Eu me preocupo e sei que o tratamento é longo. Quero
poder te ajudar.
É muito reconfortante saber que o garoto pensa dessa forma, que ele me
quer por perto apesar dos riscos de recaídas. Nicholas está do meu lado.
— Se eu tinha um problema, bebia. Uma briga? Bebia. Qualquer coisa
virava um motivo, fosse felicidade ou tristeza, eu bebia. Eu sabia que não era
certo, que o álcool não me ajudava a superar as coisas, mas chegou à um
ponto em que eu não conseguia me controlar, sabe? Eu só precisava beber.
Ele se cala e pensa um pouco sobre.
— Eu nunca te vi negar uma bebida — sussurra.
— Pra quê? Se alguém me oferecesse, ótimo. Eu vivia me convencendo
de que estava bem, de que não dependia do álcool. O engraçado é que eu via
a minha mãe fazendo o mesmo e achava ridículo.
— Katherine não vai procurar ajuda?
Dou de ombros. Eu não faço ideia, porque ela nunca quis parar de beber.
Aprendi nos últimos anos que para melhorar, é preciso ter vontade. Se forçar
a fazer algo no qual não acredita ou que não quer, é burrice. Afinal, como
superar um problema se você nem o considera um problema?
A ajuda é sempre bem-vinda e faz tudo parecer um pouco mais fácil,
entretanto, o primeiro passo tem que ser seu.
O silêncio toma conta do parque, parece que não há vozes e risos ao
nosso redor, apenas o vento frio e as folhas secas.
— A minha mãe bebe desde que nasci, Nick. Eu via isso em casa e ao
contrário do que todos esperavam, não me afastei das bebidas por isso. Eu
comecei a beber, porque achava que ia me ajudar. Eu já tinha um fator
genético e a ansiedade piorou muito, mas eu sempre neguei tudo isso. Era só
mais uma dose.
— Que acabou virando outras milhares.
Assinto e ele sorri de canto, entendendo a dificuldade por trás de tudo.
Parece ruim quando, na verdade, é péssimo. É horrivelmente complicado.
— Sente vontade de beber de novo?
— Eu mentiria se dissesse que não.
Estamos muitíssimo cansados, passamos o dia nas ruas de Nova Iorque.
Thompson conheceu Manhattan, fomos da Broadway até o Central Park,
depois Times Square e almoçamos em Hell's Kitchen. Foi um dia agitado,
espero que April e Andressa tenham se divertido assim.
Nos jogamos num banco no terraço da minha casa, observando o jardim.
— Eu nunca imaginei que fosse conhecer Nova Iorque — ele sussurra e
ri. Nick está admirado. — O Halloween é bem mais legal por aqui que em
Wiston Hill!
Todos os enfeites o deixaram maravilhado, as casas com abóboras, as
crianças animadas. Tudo.
— Parece feliz, espero que tenha gostado!
— A melhor parte foi poder fazer isso com você, Alice. — Nossos
olhares se encontram. — A gente não ia se conhecer de novo?
Faço um biquinho enquanto Nick agarra a minha mão. Ele aquece a
minha pele fria.
— Quer começar agora?
— Eu vou embora em dois dias, então, seria bom.
Meu peito se aperta, Nicholas precisa voltar para Wiston Hill, ele
também tem coisas para resolver, pessoas para encontrar. Wine acabou de
retornar à sua vida e não pode ser abandonada agora.
O que me conforta é saber que temos muito tempo pela frente.
O menino olha ao redor, admira as folhas secas, o jardim. Ele parece
mais calmo, sem preocupações, mas sei que as aparências enganam. Eu
conheço Nicholas o suficiente para entender seus motivos, para notar que
pensa em Pumpkin e nas teorias que a envolvem.
— Pode me dar um cigarro? — sussurro e ele me encara sem entender.
Estou me referindo a noite em que nos conhecemos.
Nicholas arqueia a sobrancelha, ainda confuso. Eu sorrio de canto,
mostrando a minha intenção e ele finalmente compreende.
— Não tenho um. Desculpe — diz. — Nunca te vi por aqui.
— É porque, dessa vez, você é o novato.
Rimos juntos por um breve instante, fazendo Melissa, a moça que cuida
das rosas, nos encarar — agora ajoelhada no jardim, longe de nós, cortando
aquelas que murcharam.
— Sou Nicholas.
— Alice — suspiro ao lembrar. — Gosta do que vê? — Seus olhos me
encontram.
— Desde o primeiro momento em que te encontrei, sim, eu amo o que
vejo.
Enrubesço, minhas bochechas queimam com intensidade. Me sinto
esquentar com a tensão no ar, é como se tivéssemos voltado no tempo, sem
bebidas e bares dessa vez.
— Qual a sua cor favorita, Alice? — ele pergunta, fitando diretamente
minhas bochechas.
— Acho que laranja, depende do momento. Às vezes mudo de ideia. E a
sua, Nicholas?
— Azul. — Me surpreendo, achei que fosse vermelho como meus
lábios. — Por causa dos seus olhos.
Nicholas Thompson me faz sorrir. Talvez ele sempre faça isso, acho que
no começo eu não queria admitir, não queria deixar acontecer, mas estou
completamente apaixonada por esse garoto.
Tudo que quero é estar com Thompson pelo tempo que puder.
— E o que está fazendo aqui em Nova Iorque, Nicholas?
— Eu vim visitar uma garota.
— Ah, sério? E está flertando comigo?
— É, Alice, eu acho que essa garota terá que esperar.

Foi fácil mandar Melissa, a jardineira, embora. Ela não fez muitas
perguntas. Estamos sozinhos, Nicholas e eu. Meu pai decidiu voltar ao
escritório e Andressa mandou uma mensagem, está na Broadway com a
April.
Thompson agarra a minha cintura com as duas mãos, uma de cada lado,
e me coloca sobre o balcão da cozinha enquanto nossos lábios se tocam com
intensidade. Nosso beijo representa tudo que queríamos ter feito na noite em
que nos conhecemos. Na noite em que ele entrou no Heaven e eu fui para
casa.
Thompson arranca a minha blusa de uma só vez e a joga no chão. Seus
beijos trilham meu pescoço, minha clavícula. Ele me morde levemente, me
esquenta.
— Não acha que a garota que veio ver vai ficar com ciúmes? — brinco.
Seus olhos encontram os meus e Nick sorri.
— Eu acho que não.
— Que bom. — Mordo o lábio, provocando-o. Nicholas agarra em
minha nuca enquanto analisa meus olhos. Estamos conectados.
Eu o puxo pela camiseta e o beijo novamente, não consigo olhar em suas
íris por muito tempo, elas me atiçam, estão cheias de malícia. Com as duas
mãos, retiro o tecido que cobre seu peitoral, deixando-me alisar sua pele com
as pontas dos dedos. Nick já tenta abrir a minha calça, ele está com certa
pressa hoje.
— Eu faço isso — falo, me levantando. O menino me assiste desabotoar
e deslizar a tal peça de roupa por minhas pernas, ficando apenas de calcinha e
sutiã pretos.
— Você é linda — diz, fitando meus seios.
— Eu sei — afirmo e ele ri.
Nicholas abre a calça enquanto me examina. Estamos cheios de vontade,
não queremos calmaria nem pausas. Ele se aproxima de mim com lentidão,
me encostando na ilha da cozinha, sua mão desliza pela minha barriga e
avança para dentro da minha calcinha ao mesmo tempo em que colamos
nossos lábios.
Eu suspiro sentindo seu toque quente. Nick primeiro vê o quão molhada
estou, contornando meus grandes lábios, e depois, toca em meu clítoris, me
fazendo agarrar em seu braço.
Nosso beijo para, prefiro olhar em seus olhos e sei que Thompson gosta
de me assistir. A sensação se intensifica, o prazer toma conta do meu corpo.
E continuamos nos olhando.
— Eu te quero, Thompson — sussurro e o puxo pela nuca.
Ele me responde, me penetra com dois dedos, sabendo que não é errado.
Desde o começo vacilamos achando que isso era um erro, mas não. Isso é
bom, nós dois somos perfeitamente imperfeitos e gostamos disso.
Seus dedos param e o garoto retira a mão de dentro da minha calcinha.
Nick agarra em minha cintura e afasta seus lábios dos meus, contudo, nossas
testas continuam coladas e nossos olhos fechados. Respiramos o mesmo ar
quente.
— Alice, namora comigo — ele sussurra, me fazendo encará-lo. Nossos
olhares se encontram, mas eu não respondo. — Namora comigo, amor?
— Acabamos de nos conhecer — brinco. Ele ri e me beija.
— É, eu sei, mas acho que já te amo.
Seguro o rosto de Nicholas entre as minhas mãos, analisando cada
detalhe da sua face, e vejo a confusão em seu olhar. Ele realmente acha que
há a possibilidade de eu dizer não?
— Namoro — digo, arfando levemente. Nick sorri no mesmo instante e
me puxa para perto.
Eu quero isso há bastante tempo, mas só agora encontramos o momento
certo.
Ele beija meu pescoço e eu me viro de costas para seu corpo, Nick não
demora para descer a minha calcinha. Apesar de termos tempo, nos queremos
muito.
Seus lábios continuam tocando a minha pele. Uma pausa breve surge,
percebo-o retirar algo do bolso. O pacotinho brilha entre seus dedos e
Thompson o abre com destreza, vestindo a camisinha em seguida.

— Eu te amo — sussurro e ele me fita, encostando seu queixo em meu


ombro. Suas mãos me abraçam e Nick se coloca em mim com lentidão. Ele
me penetra com gentileza.
— Eu também te amo, Alice.
É tudo que sussurra antes de me levar ao mais intenso prazer, enquanto
segura em minha cintura e eu me apoio na ilha de mármore. Nicholas se
move da maneira que eu gosto, com força, mas sem exagero.
Sinto sua respiração quente em minha pele, seu toque ardente. E eu sei
que estou no lugar certo. Eu sempre estive e nunca me arrependerei de ter ido
à Wiston Hill, afinal, foi onde encontrei a minha tempestade e o meu arco-
íris.
53

EM CASA
"Bem, estou vivo.
Seu sangue está bombeando por essas veias.
Eu vou te pegar de surpresa,
estou voltando para pegar a rédea."
Toulouse | No Running From Me

NICHOLAS THOMPSON

O laranja no céu de Wiston Hill me lembra que agora namoro com Alice
Wonders.
Estar de volta em casa depois de três dias fora, é estranho. As horas de
voo passaram rapidamente, Andressa ficou animada ao descobrir que somos
um casal — como ela mesma diz.
Eu gosto de estar com Wonders e me afastar dela, voltar para o outro
lado do país, não me agrada, mas sei que preciso resolver algumas coisas.
Nós dois acordamos cedo hoje, conversamos e nos despedimos.
Ela mencionou as teorias sobre Pumpkin, não falou para eu esquecer
disso. Alice apenas me pediu para ter cuidado.

Thomas nos espera no estacionamento do aeroporto, encostado em seu


carro antigo, fumando um cigarro.
— Voltaram! — exclama enquanto eu e Andressa arrastamos as nossas
bagagens até seu corpo. Fiquei surpreso quando vi a única mala da ruiva
fechar, afinal, ela gastou muito dinheiro em Nova Iorque.
— Como estão as coisas por aqui? — pergunto quando nos
aproximamos.
— Como estão as coisas por lá? — Ele sorri para Andressa e se volta à
mim novamente. — Alice Wonders e tudo mais...
— Ela está bem, Alice voltou pra casa.
— Isso é bom! — Thomas traga e continua esperando por algo que
desconheço.
— E agora eles namoram! — Andressa conta com animação, fazendo o
garoto erguer uma das sobrancelhas.
— Finalmente, já estava na hora.
Rio da sua resposta.
Ele me ligou ontem à noite, me avisou que estaria me esperando no
aeroporto, pediu para eu não demorar. Achei que Damon viesse, de qualquer
forma, só quero a minha cama no dormitório, se for possível.
Depois de entrarmos no carro — Andressa atrás e nós dois na frente —,
Tommy liga o veículo e o retira da vaga com destreza.
— As coisas ficaram bem por aqui? — ela pergunta.
— Mais ou menos. Nem tanto — Thomas ainda segura o cigarro entre
os lábios. — Em três dias coisas horríveis podem acontecer.
— Thomas, do que está falando? — questiono com meu tom rude e
impaciente.
— Madison teve uma recaída, ela acabou no hospital de novo. Está
melhorando, só que nada é tão fácil assim. A gente esperava por isso.
— Mas ela está bem agora? Quer dizer... — Andressa soa assustada.
— Sim, mas está desanimada, foi uma recaída feia. Ela ficou sem comer
e eu nem notei. — Há culpa em sua voz. — Mas agora está se recuperando e
indo mais vezes à terapia.
— Quero ver a Madison — ordeno.
— Eu estou levando vocês até a mansão dos Thompson, como a sua
irmã pediu — Tommy sussurra.
— Não interessa, eu também quero ver a Maddy! — A ruiva parece
extremamente preocupada e bem irritada.
— Tudo bem, mas será rápido.
Assinto sem continuar o assunto e ele dirige com calma até Wiston Hill.

Todos sabemos que sempre há uma chance de recaída, o tratamento não


é fácil, se manter longe da ansiedade não é simples. Alice me explicou isso.
Então, preciso ter certeza de que Madison está bem.
O carro para na rua isolada onde o Red Hell fica. Eu e a ruiva saímos
dele com pressa, abrimos a porta da frente e nos enfiamos na casa noturna.
Maddy está arrumando a prateleira de bebidas.
— Vocês chegaram. — Ela sorri quando nos vê. Atrás de nós, Tommy
espera.
Andressa corre para a loura e a abraça com força. Elas voltaram a ser
amigas depois que a Alice chegou, começaram a andar juntas e quando
Wonders partiu, continuaram assim.
Não presto atenção na conversa delas, apenas me levo até a Maddy e
espero. A loura se afasta da ruiva e me fita.
— Ela está bem? — pergunta.
— Sim, muito bem. E você?
A garota dá de ombros. Eu não quero questioná-la e não sei o que dizer,
então a puxo para perto e a abraço com força, beijando sua testa.
— Vou ficar bem, prometo — sussurra.

Andressa optou por ficar na Red Hell com a loura, então Tommy me
apressou, ele quer me deixar na mansão logo.
Seus dedos giram a chave enquanto o silêncio nos devora dentro do
carro.
— Ela precisa de você — conta com certa melancolia. Eu o olho,
confuso. — Vocês tem essa amizade que nunca vou entender, Nicholas. A
Madison precisa de você.
— Tommy ela...
— Está comigo — me interrompe. — Nós namoramos, eu sei, mas o
que ela sente por você também é forte e não posso competir com isso.
— Não precisa. Nós somos amigos há muito tempo, eu fui o primeiro
pra quem ela contou tudo que escondia. Ela também precisa de você.
Thomas assente.
— Eu sei, mas é diferente — conclui.
Entendo bem o que quer dizer, eu sentia isso em relação a Alice, ela
sempre pedia ajuda a Tommy e nunca vou entender o porquê, ela também
precisava dele.
É diferente, porque Madison e eu nos conhecemos profundamente,
conhecemos as mentiras um do outro, porque vivemos juntos por muito
tempo como amigos e amantes. Nós fingimos juntos. Eu a vi chorar milhares
de vezes e ela me viu queimar de raiva. Isso não significa que nos amamos da
mesma forma que Tommy a ama ou que Alice me ama. Só estamos
acostumados a cuidar um do outro e isso não acabará tão cedo.

O caminho até a mansão não é longo, mas parece que Thomas está
fazendo de tudo para demorar. Ele dirige com lerdeza apesar das ruas vazias.
O silêncio me irrita um pouco, além da velocidade do carro, e eu não tenho
no que pensar. Minha mente está quieta depois de encontrar a Alice, estou
calmo.
— Me diz, depois da minha viagem e exceto pela Madison, tudo ficou
bem por aqui?
Thomas ri baixinho antes de me responder.
— A sua avó não está na cidade, se quer saber. Então sim, tudo ficou
ótimo.
— Como sabe sobre a Polly? — O fito com seriedade. Tommy dá de
ombros.
— A sua irmã tem o costume de me contar tudo, diferente de você.
— Justo. Você tem o costume de esconder coisas e pessoas — relembro
e Thomas engole em seco.
Eu não reclamaria disso, não quero iniciar uma discussão, mas ele
escondeu a minha irmã por anos. Thomas sabe da maior parte dos segredos
de Wiston Hill, entretanto, não os revela. Enquanto isso, ninguém conhece os
segredos dele.
— Quer falar sobre?
— Pra quê? — Desvio o olhar, já estamos no quintal da mansão
Thompson.
Ele não insiste, não tenta me deixar com raiva. Eu poderia odiá-lo por
ter mantido esse segredo longe de mim, por me ver sufocar durante anos. Eu
me culpava enquanto Thomas Jackson sabia a verdade.
O garoto estaciona longe dos degraus que levam à porta de entrada. Ele
para e espera.
— Quer que eu desça? — sussurra e, por um momento, penso que está
falando sozinho. — Posso ir embora.
— Do que está falando, Tommy? Você pode descer se quiser — caçoo,
porém a sua expressão ainda é séria.
— Às vezes eu preciso mentir pra você, Thompson. — Franzo o cenho,
sem entender. — Agora desce.
Nunca me senti tão confuso, ele estava conversando normalmente e de
repente ficou frio, sério e me expulsou do seu veículo. Há algo de errado, eu
sei, eu sinto.
Obedeço a ordem de Thomas e me coloco de pé perto do jardim. O
garoto faz o mesmo, anda até o porta-malas e o abre, retirando a minha
bagagem.
— Pode ir, eu levo pra você.
— Não precisa. — Rio de nervoso e vou até Tommy. — Eu posso levar
a minha própria mala.
— Nicholas, para de ser teimoso! — reclama e dá um passo para trás.
— É sério Tommy, o que está acontecendo? — Ele me olha nos olhos e
bufa.
Thomas está mais estranho que o normal e eu sei que esconde algo, ele
não é tão bom em mentir, apenas em omitir. Seus olhos desviam dos meus e
fitam a grande mansão.
— Você vai descobrir em alguns segundos.
— O que? Por que...
É tudo que consigo questionar antes de me virar e avistar Wine no topo
da escadaria, ao lado de alguém que me parece ser Pumpkin Thompson.

Não consigo me mover. As minhas pernas não me obedecem, a minha


boca não funciona. Tudo que faço é ficar parado, encarando a mulher que se
aproxima lentamente, que desce cada degrau vindo em minha direção.
E eu não consigo respirar. Me sinto no mar de novo, com a água
entrando em meus pulmões, fazendo-os queimar. Meu peito está pesado,
minha garganta arde. Eu já estive em choque antes, mas agora é diferente.
Até porque, ela deveria estar morta.
Pumpkin acelera um pouco, ela corre com animação, me puxa e me
abraça. No mesmo momento em que sinto a sua pele, em que sinto o seu
cheiro, é como voltar à superfície. Minha mãe está aqui, me abraçando.
Fico sem reação, ainda parado e deixando-a fazer o que quer. Todas as
questões que eu tinha em mente, sobre o que havia acontecido com ela,
sumiram. Eu estou queimando de raiva. Por incrível que pareça, tudo que
sinto é raiva, até que as duas mãos de Pumpkin seguram meu rosto e seus
olhos azuis me fitam. Ela me analisa, examina cada mudança.
— Eu senti a sua falta — diz, chorando. Nem isso eu consigo fazer, meu
corpo travou, minhas palavras não saem. — Faz tanto tempo, Nicholas.
Minha mente deve estar distante agora, eu me lembro dela mais nova,
entretanto, continua linda. Os fios louros e longos brilham na pouca luz do
sol que restou, suas íris são claras, como as de Alice.
A minha mãe está aqui, de verdade.
Retiro meus olhos dela, sentindo a respiração pesada, e vejo Wine e
Thomas nos observando com cautela. Eles também não tem ideia de como
posso reagir.
— Onde esteve? — pergunto quando a encontro novamente. Pumpkin
ainda me analisa com doçura. — O que aconteceu, mãe?
Depois da primeira palavra, as lágrimas agem como um incêndio, elas
tomam conta de tudo. Elas me dominam. Eu choro, porque me sinto em
desespero.
— Eu senti tanto a sua falta — acabo sussurrando e a puxo para um
abraço. Meu corpo volta a funcionar. — Era pra você estar morta...
— Eu não morri e nem te abandonei — revela enquanto retribui o
abraço.
Talvez a raiva, tristeza e choque tenham se misturado, porque não sei
definir o que sinto. Só sei que nunca me senti tão em casa quanto em seus
braços.

Pumpkin ainda parece a adolescente que eu via em fotografias antigas.


Ela ainda parece a garota que Damon conheceu em 1991. Seu vestido preto e
seus tênis combinam, minha mãe não mudou muito.
Ela me guia até a sala principal e me faz sentar no sofá. Ainda sinto o
choque me percorrer, Pumpkin está em casa.
— Eu senti a sua falta — diz mais uma vez e se ajeita ao meu lado. Não
consigo me expressar, meu peito arde.
Encontro seus olhos e tento acordar, só pode ser um sonho, só posso
estar dormindo ao lado da Alice ou no avião. Ainda nem cheguei à Wiston
Hill, certo?
— Por onde esteve? — repito e ela parece preocupada com a minha
expressão.
Precisam entender, Pumpkin desapareceu há anos e depois me disseram
que ela estava morta. Eu me obriguei a acreditar na história da Polly, eu me
obriguei a aceitar e, de repente, me dou conta de que as teorias que eu
escondia de mim estavam certas.
Ela nunca morreu.
Até a Alice me avisou.
— Sua irmã e Tommy me contaram tudo que aconteceu.
— Tommy? — sussurro em dúvida e o encontro na sala. Dessa vez,
quero quebrar a cara dele. O garoto foi ao enterro e não me disse nada? —
Você sabia disso o tempo todo? Você sabia que ela estava viva, sabia que a
minha mãe estava viva? — grito em sua direção.
Não consigo dominar o que sinto, minhas reações são impensadas.
Contudo, Tommy apenas dá de ombros.
— Nicholas! — minha mãe chama e me faz a olhar. — Nós vamos te
explicar tudo.
— E você vai sentir muita raiva — Wine conta e se junta a nós no sofá.
Se vou queimar, que seja de uma só vez. Meu peito já arde o suficiente.
Espero que a história seja tão boa — ou péssima — quanto imagino.
54

MENTIRAS E PECADOS
"Você pode desfazer esse sorriso forçado,
eu sei onde você esteve.
Isso tudo tem sido um amontoado de mentiras."
Phil Collins | In The Air Tonight

NICHOLAS THOMPSON

Pumpkin espera que eu me acalme, ela espera que eu consiga absorver


tudo em poucos minutos, afinal, ainda há mais gente envolvida nessa história,
como Damon.
Eu ando de um lado para o outro na sala, respirando fundo. Eu penso em
bons motivos para não quebrar cada enfeite ridículo ou vaso idiota. Sei de
quem é a culpa, elas não precisam me contar essa parte. Polly Thompson
sempre soube que Pumpkin está viva, isso não me é uma novidade agora.
— Nick, por favor — minha mãe pede e eu paro de me mover. Sua voz
ainda é a mesma, é doce.
— Me conta o que aconteceu! Por que ficou longe durante todo esse
tempo? — imploro olhando em seus olhos, percebendo as lágrimas neles. —
E por que todo mundo sabia, menos eu?
— Você não podia — Thomas começa. — Está bem mais que óbvio que
não tem autocontrole. — Ele cruza os braços e caçoa.
Eu paro, penso, respiro.
— Eu conversei com você, Wine. Eu te contei sobre a certidão de óbito,
eu perguntei se você sabia de algo!
Minha irmã bufa, ela parece tão nervosa quanto eu. Talvez tenham
planejado esse momento, mas nada poderia se dar conforme o roteiro. Somos
imprevisíveis.
— Eu não podia te contar, Nick. Será que consegue ouvir por um
segundo?
A antiga Wine Thompson volta, completamente irritada e sem paciência.
Ela se levanta e me encara com raiva, já que não estou sendo compreensivo.
Acontece que eles sabem o quanto amo a Pumpkin e sabem o quanto sofri
com todas as mentiras.
— Então, me explica. — Lhe dou a chance. Ela volta ao sofá, mas eu
fico de pé, esperando.
— Eu sabia onde nossa mãe estava, descobri meses depois de ir embora
de Wiston Hill.
— Como?
— Quinn, a babá — Thomas se intromete. — Acontece que a sua avó
tem muitos inimigos. Quinn sabia de algumas coisas, não tudo. Ela me
procurou, porque eu sabia onde Wine estava.
Quinn, a tímida e obediente? Aquela que praticamente criou a Grace?
— Eu te disse, estudei com ela — Tommy termina. — E ninguém
suporta a Polly. A menina viveu aqui por um bom tempo, o suficiente pra
conhecer as mentiras da sua avó e não podia concordar com isso, ela achou
cruel.
Eu sempre soube que Polly Thompson escondia coisas, mas não
imaginei que Quinn estivesse contra ela.
— Tommy me contou tudo. Depois de uns meses a menina achou alguns
documentos no escritório, ela tirou fotos — Wine continua. — Foi ai que eu
descobri.
Pumpkin fica quieta, até agora a sua parte da história não chegou.
— Descobriu o quê? — Olho diretamente para a minha mãe.
Um silêncio se inicia, isso me mostra o quão sério o assunto está se
tornando. Polly a mandou embora? O que ela fez afinal? Parece que todos
estão com medo de me contar.
— Naquela noite, depois da discussão, a sua avó colocou alguma coisa
na minha bebida, Nick — Pumpkin conta. — Eu acordei numa clínica
psiquiátrica, como se tivesse motivos para estar lá. Eles me disseram que eu
tentei me matar, que estava com depressão, que usava drogas. Era mentira,
claro.
Meu peito dói com essa revelação, Polly passou de todos os limites
possíveis, ela trancou a minha mãe num lugar estranho, longe da família. Ela
a jogou fora como se fosse um objeto e agiu como se nada tivesse acontecido.
Polly continuou vivendo enquanto cada um de nós sofria para se
acostumar com o desaparecimento. Depois, ela deu um jeito de se livrar da
curiosidade da Wine. Ela sempre consegue o que quer e eu tenho total certeza
disso, eu sei o quão horrível a minha avó é e me pergunto até onde iria para
ferir Alice Wonders. Afinal, ela também não gosta da novata.
E eu fico quieto, absorvendo cada parte da história.
— Nossa avó pagava a clínica anualmente, pra não ter que lidar com
isso todos os meses. Eu não podia interferir, Nick — Wine explica. — Mas
logo depois do pagamento desse ano, eu dei um jeito de tirar a nossa mãe de
lá.
— Espera, você sabia onde ela estava?
— Wine me tirou de lá no começo desse ano, Nick, quando ela
conseguiu arrumar os documentos, quando ela conseguiu comprovar que eu
estava bem e quando ela teve certeza de que a Polly não ia descobrir. Antes,
eu só a via em visitas.
— E por que voltou agora? — Há certa rispidez em minha voz, não
entendo o porquê da demora.
— Parecia certo. Eu não sei. — Pumpkin chora. — A gente precisava de
tempo, mas quando soubemos do enterro eu fiquei furiosa. Eu precisava
aparecer.
A ficha finalmente cai.
— Você ficou internada naquele lugar por anos, sem ninguém? — Me
sento ao seu lado.
— Eu recebia visitas da sua irmã e do Tommy, mas passei bastante
tempo por lá.
Eu me dou conta de que Damon também não faz ideia, ele não sabe que
Pumpkin está viva. Conheço meu pai o suficiente, sei que ele ficará
enraivecido.
— Quinn enviava fotos da Grace e de todo o resto. Eu acompanhei tudo,
filho, eu sempre te acompanhei — ela sussurra deixando as lágrimas caírem.
— Eu não te contei antes da viagem porque você ia explodir e enfrentar
a Polly. Ela, com certeza, ligaria pra clínica pra saber da nossa mãe e acabaria
descobrindo que Pumpkin já não estava mais lá.
— Talvez você tenha razão — sussurro e olho para Wine, que hesita. —
Eu só queria que isso tivesse acontecido antes.
Pumpkin me abraça.
— O que importa é que aconteceu e eu estou aqui agora, Nick. Não
pretendo ir embora.
Quando fui para Nova Iorque eu achava que já tinha recuperado uma
parte da minha família, achava que tinha tudo que poderia ter. Nunca
imaginei que minha mãe pudesse aparecer.
— Você nem conheceu a Grace — conto, sem tentar controlar o choro.
Pumpkin me aperta ainda mais contra seu corpo. — Ela se parece com você.
— E você se parece tanto — suas mãos agarram em meu rosto e minha
mãe me analisa — com seu pai.
Antes soaria como uma ofensa, mas agora entendo Damon, sei que
passou por muita coisa. Ser igual ao meu pai não é algo ruim, até porque,
antes de eu nascer ele foi contra tudo e todos para poder amar a minha mãe.
E eu faria o mesmo por Alice, caso Polly se intrometesse.
— Eu senti tanta saudade, filho.
— Me desculpe mãe, me desculpe por não ter te procurado, por não ter
tentado mais. Eu queria, mas...
— Eu sei de tudo que aconteceu, Nick. Você passou por muita coisa,
não merecia sofrer mais. E eu te amo. Eu te amo muito, Nicholas.
— Eu também te amo, mãe.
Não consigo evitar, foram horas, dias, meses, anos sentindo a sua falta,
me esquecendo do seu rosto, me segurando para não questionar tudo. Foram
anos evitando me lembrar do seu nome, evitando olhar para fotos. Anos
encarando Grace e pensando no motivo por trás do seu sumiço.
Anos em que toda a memória me causava dor e essa era imensurável.
— Eu só não queria que desse errado, Nick — Wine começa e chora
também. — Não podia dar errado, não dessa vez!
— Eu sei — murmuro e a puxo para um abraço.
Ainda me sinto num sonho daqueles intensos, nós três juntos, nós três na
mesma casa depois de muito tempo. Os minutos parecem horas e quando nos
separamos, noto Thomas no canto da sala, observando tudo.
— Do que você não sabe, afinal? — questiono e ele ri baixinho. Vejo a
satisfação em seu rosto.
— Eu acho que posso ir embora, já fiz a minha parte.
— O que quer dizer? — Wine o encara.
— Antes do meu pai morrer, ele me pediu uma coisa — seu olhar
encontra o de Pumpkin —, pra tomar conta da sua mãe.
— Você era muito novo... — ela diz.
— Mas eu sabia que ele sempre gostou de você e eu prometi. Acho que
cuidar de você também significa cuidar da sua família — Tommy conclui, se
vira e parte antes que possamos responder.

Contar a ela tudo que aconteceu não foi tão complicado. Eu comecei
pelas coisas mais importantes e Wine me ajudou, já que sempre acompanhou
Wiston Hill, apesar da distância. Comecei por Elle Carter e o acidente, contei
sobre a mãe dela, Greer Carter, a melhor amiga da minha mãe.
Depois, pulei todos os anos e parti para Alice Wonders. Eu queria que
ela soubesse da menina e narrei cada parte importante, terminando na viagem
para Nova Iorque. Contei sobre todos os problemas e todas as respostas.
— Vocês estão namorando? — Wine exclama ao ouvir essa parte. — Eu
realmente preciso conhecer a Alice.
É, nem eu imaginava que isso pudesse acontecer. Estou namorando de
verdade, com alguém que amo.
— E você gosta dela? — Pumpkin questiona.
— Mais do que posso explicar. Ela é incrível.
Minha mãe sorri com doçura e aperta a minha mão. Sei que para
Pumpkin basta eu estar feliz, mas elas gostariam uma da outra, Alice se daria
bem com a minha mãe.
De repente, é como se nada tivesse mudado, como se todo o tempo e a
distância nunca tivessem existido. Isso dura pouco, porque ouço a porta da
frente se abrir e a risada da Grace ecoar pelos corredores.
Ninguém pode se preparar para isso, ninguém espera por algo assim.
Damon aparece com a menina ao seu lado, ele está rindo,
completamente distraído. Quando dizem que me pareço com meu pai eu sei
que é verdade e, por isso, tenho total certeza de que ele irá surtar.
O homem primeiro encontra Wine, em seguida eu, e quando seus olhos
se conectam com os da minha mãe, o silêncio nos devora. Nunca vi as íris
azuis de Damon Thompson se tornarem escuras como a noite. Ele se cala,
fica pálido e suas mãos tremem sutilmente.
— Pumpkin? — sussurra sem acreditar no que está vendo. Minha mãe
não responde, ela também conhece Damon.
Em poucos segundos ele sobe as escadas com pressa, posso ver a raiva
em sua postura. Me levanto num pulo e o sigo, Damon está tão furioso
quanto eu fiquei. Wine agarra Grace e a leva para a cozinha, já Pumpkin me
segue.
— Damon! — ela chama, mas ele está focado. A ira o tomou.
Meu pai abre a porta do escritório da Polly enquanto ainda estou
distante, na beira da escada. Tão logo ele entra no tal cômodo, posso ouvir
objetos sendo atirados. Minha mãe e eu seguimos até a sala e da porta o vejo
revirar tudo. Damon está destruindo as coisas da Polly, ele quebra os vasos,
as gavetas, atira papéis ao alto, derruba as cadeiras. O barulho é alto e me
preocupo com Grace, ela nunca conheceu esse lado do nosso pai.
Mas eu o entendo.
— Pai, precisa parar. — Avanço para dentro do escritório. Damon
continua, ele grita. — Pai!
O homem me ignora completamente, apenas berra e derruba as coisas
das prateleiras. Em segundos não sobra nada.
— Damon! — Pumpkin exclama, fazendo-o parar. Ela passa na minha
frente, se enfia na sala e percebo a calmaria que domina meu pai quando ele
encontra os olhos da minha mãe.
Os dois parecem conectados, me pergunto se é assim que fico quando
vejo Alice. Pumpkin caminha até Damon, que apenas a analisa,
desacreditado.
— Foi ela, não foi? — ele pergunta, segurando o choro. Minha mãe
assente, ela sabe que meu pai se refere a Polly.
Sua própria mãe mentiu e o manipulou dessa maneira.
— Você precisa se acalmar ou vai assustar a Grace — explico. Damon
assente e respira fundo, deixando Pumpkin o abraçar. Ela examina cada
detalhe do seu rosto, cada mudança.
— Tudo bem. Tudo bem — murmura. — Eu só... eu...
— Eu sei, pai.
Damon agarra na cintura da minha mãe e a afasta com delicadeza. Ele a
analisa, segura seu rosto entre duas mãos e parece admirado.
— Você está viva!
— Eu nunca te deixaria, amor — Pumpkin diz.
Percebo então que os dois precisam de tempo, precisam conversar e
entender tudo que aconteceu, já eu preciso respirar fundo, bem longe de toda
essa bagunça.
Wine consegue acalmar Grace e a distrair o suficiente. O silêncio na
mansão toma conta enquanto esperamos, sei que Damon e Pumpkin têm
muito o que conversar. Minha cabeça está explodindo, imagino a dele. Se eu
fosse forçado a acreditar na morte da Alice Wonders por anos, também
quebraria todo aquele escritório.
A única coisa que quero ver agora é a reação da minha avó.
Me apoio na ilha da cozinha e espero, respirando cada vez mais fundo.
Sei que Polly ficará muito mais que surpresa, o seu mundo irá desmoronar de
vez, já que todos os seus feitos estão sendo descobertos. Ela deixou Mateo
escapar, ela sumiu com a minha mãe e minha irmã. O que mais Polly
Thompson fez durante esses últimos anos, ou melhor, meses?
— Nick — Wine sussurra, entrando na cozinha —, ela dormiu no sofá
— se refere a Grace.
Como vamos explicar para a garota que nunca conheceu a mãe e foi no
enterro dela, que tudo não passava de uma mentira cruel?
Apenas assinto e me mantenho em silêncio. Minha irmã me analisa por
alguns segundos, ela sabe que ainda estou furioso.
— Me perdoe por tudo isso, por favor — Wine pede com doçura.
— Perdoar?
— Pelas mentiras e segredos, por favor.
A única resposta que tenho é um suspiro, afinal, foram muitas mentiras e
segredos. Foram anos perdidos e vivendo na casa da minha inimiga.
Polly Thompson não me ama. Isso não é amor.
— Você me perdoa? — ela insiste e faz um biquinho involuntário.
— Você fez o que achou certo e, pra ser sincero, era certo. Polly teria
acabado com tudo isso se descobrisse. A culpa é dela.
Minha irmã concorda. Wine nunca tentaria controlar a minha fúria, seria
inútil.
De repente, o celular toca em meu bolso. O pego com pressa e leio o
nome Alice na tela.
— Precisa atender — Wine afirma e se retira.
— Alice — sussurro. Ouço a sua risada de satisfação e sinto meu peito
se acalmar. — Tudo bem?
— Claro! É que você não me avisou que tinha chegado em Wiston Hill,
eu fiquei esperando. Lembra, combinamos?
Suspiro, é verdade. Eu prometi que ligaria assim que chegasse no
dormitório, acontece que meu caminho mudou e muito.
— Me desculpe. Não, o avião não caiu — tento, entretanto soo áspero.
— O que aconteceu, Nick? — Ela sempre nota. Alice parece ter mudado
também, assim que percebeu meu tom de voz.
Por onde devo começar? Pelas mentiras da minha avó ou pela volta da
Pumpkin? Que parte é mais importante?
— Bom, é difícil de explicar...
— Só me fala — ela pede com doçura e paciência.
— Acontece que você estava certa. — Um silêncio surge. — Pumpkin
não morreu, na verdade, ela estava na mansão quando cheguei.
— O quê? — exclama de tal forma que me faz lembrar da sensação que
tive ao ver a minha mãe novamente.
Eu congelei.
— Pumpkin nunca fugiu, Polly fez tudo. Ela mentiu, como sempre.
— Me explica isso direito, Nicholas!
Eu não demoro muito para contar tudo a Alice, começo pela parte certa,
o dia da briga. A discussão entre Polly e Pumpkin. Eu narro cada detalhe que
acabei de descobrir e faço questão de mostrar o quão puto estou, afinal, eu
chorei por um caixão vazio.
Quando terminamos, Wonders parece mais chocada que eu, ela fica sem
palavras e tenta mudar de assunto algumas vezes. A conversa acaba rápido,
nos despedimos enquanto a preocupação cresce em sua voz.
Alice sabe que há muito acontecendo por aqui.

Eu, Wine e Grace assistimos desenhos, já que a mais nova não


conseguiu dormir por muito tempo. Ela fica quieta pela primeira vez, sei que
reconheceu a loura que viu. Sempre a mantive perto das fotografias da nossa
mãe.
— Está tudo bem? — Soa pelo cômodo. Pumpkin surge seguida de
Damon que parece mais calmo. Os dois nos analisam e a mulher fita a menor
de nós.
— Sim — digo e sorrio.
Como não estar bem se a minha mãe reapareceu? Eu achei que nunca
mais a veria.
— Podemos conversar, Grace? — Damon anda até ela e se senta ao seu
lado. A menina mantém o silêncio, assente com calma e espera.
Eu não quero fazer parte disso, será estressante, a pequena tem apenas
seis anos. Abro espaço e deixo Pumpkin se sentar entre Grace e eu.
— Quem é ela? — a menina sussurra e examina o rosto da nossa mãe,
então, se vira para Damon. — Parece a mamãe.
Dói cada vez mais.
— Essa, Grace, é a sua mãe — Damon solta de uma só vez. O olhar da
garota mostra a sua confusão, ela não entende muito bem, mas é esperta.
— Mamãe morreu — diz. — Não morreu?
Seus olhos vão de encontro com os de Pumpkin, que está prestes a
chorar.
— Você morreu — Grace afirma. — Eu vi o caixão.
— Na verdade, princesa, aquilo foi um engano — meu pai explica e a
baixinha faz um biquinho.
Pumpkin ergue a mão e tenta encostar no rosto da Grace, mas a mesma
recua um pouco, ainda assustada e provavelmente confusa.
— Grace — me intrometo, não quero que Pumpkin sofra mais —, é
verdade. Essa é a nossa mãe.
— Pumpkin? — Ela olha para a loura que assente e sorri.
A mais nova finalmente deixa que os dedos quentes da nossa mãe
toquem em seu rosto, tirando alguns fios da frente dos seus olhos e
examinando a filha que não pôde conhecer.
— Eu queria tanto te conhecer — Pumpkin sussurra.
— Você é legal como o Nick disse?
A mulher sorri e olha para Damon.
— Eu espero que sim.
Pela primeira vez em anos a minha família está numa sala, sem
problemas, brigas ou mentiras.

Wine planejou tudo da forma certa. Ela esperou pelo momento mais
adequado, me deixou viajar por alguns dias e se aproveitou da ausência da
Polly. Tudo se encaixou da melhor maneira possível.
Ontem nós choramos e afundamos em raiva, mágoa e revelações. Hoje,
esperamos por minha avó na sala da mansão, ela voltará para casa com meu
avô e mal posso esperar para ver a sua reação.
Wine e Pumpkin estão de volta.

A porta se abre lentamente e já prendo a minha respiração. Sei que


Damon está nervoso, por isso mandamos a Quinn sair com a Grace.
Pumpkin está confortável na única poltrona, enfiada num vestido de
mangas compridas e com os fios soltos. Ela me analisa e depois examina o
marido. Fingimos bem, meu pai e eu, nosso peito queima, mas por fora
estamos calmos.
Em questão de segundos a cadeira de rodas aparece sendo empurrada
por George, meu avô. Quando os dois entram na sala, a mulher olha primeiro
para Damon, Wine e eu, sentados juntos no sofá.
— O que estão fazendo? — Polly pergunta, confusa.
Não temos tempo para explicar, George já entendeu tudo.
— Meu Deus do céu! — ele exclama ao encontrar Pumpkin. De repente,
Polly Thompson se vira e entra em choque.
Eu poderia dizer que ela irá desmaiar, mas não acredito nisso. Polly é
forte o suficiente. Noto-a engolir em seco, suas mãos tremem, sua pele
empalidece, mas a mesma se mantém firme.
Agora, precisamos conversar sobre algumas coisas.
55

ANOS
"Tenho a sensação de que meu corpo é pertencido,
a sensação de que meu corpo não é meu."
K. Flay | The President Has a Sex Tape

NICHOLAS THOMPSON

— Oi, Polly — Pumpkin diz e sorri para a minha avó.


Todo o ar presente na sala se torna frio. O silêncio nos consome e com
ele, pensamentos lutam em minha mente. Por onde devo começar? Sei que
Damon tentará manter o silêncio, sei que ele está se controlando e Wine já
conhece a índole da nossa avó muito bem para ficar estressada.
— Pumpkin? — George, meu avô, parece muito mais que confuso. —
Mas você...
— Estava morta — digo, interrompendo-o. Todos me olham, porque
meu tom de voz é áspero o suficiente. Eles me encaram, porque não sabem o
que fazer. — Não estava?
Polly não me responde. Ela fica quieta e me fita com hesitação,
imaginando o que vai acontecer.
— O que você colocou naquele caixão, afinal?
Silêncio, nenhuma resposta.
Pumpkin alterna o olhar entre eu e a mulher na cadeira de rodas, ela nos
observa como se eu fosse avançar na Polly, mas não seria capaz disso.
Ninguém precisa temer que eu agrida a minha avó, até porque, eu sim tenho
limites.
— Me diz, o que você colocou naquele caixão? — Me mantenho firme e
olho em seus olhos, agora escuros. Ela não me responde.
— Nicholas, do que está falando? Só pode ser um engano — George
tenta e, com isso, Damon suspira.
Meu avô não conhece a própria esposa, já que ela fez de tudo para o
manter longe de Wiston Hill. Ela fez de tudo para o afastar das suas
atrocidades.
— Polly sabe do que estou falando — conto.
— A sua avó não seria capaz, não mesmo... — Sua inocência me irrita.
Eu sei do que ela é capaz, sempre soube.
— Não seria? — Faço questão de me levantar. — Polly deixou um
garoto escapar da cidade depois de agredir a namorada e colocar fogo na
academia. Ela pagou para outro, anos atrás, ir embora e parar de vender
drogas aqui. Polly fez um acordo com Wine para que ela sumisse e parasse de
procurar por Pumpkin. Ela fez tudo isso e mais, essas são apenas as coisas
que eu conheço.
George a fita com descrença. Agora o choque o domina, meu avô não
reconhece a mulher com quem se casou.
— Isso é verdade, Polly? — pergunta, sem obter resposta.
— Ela internou a Pumpkin numa clínica psiquiátrica por anos, a afastou
da Grace, do Nicholas e de mim. Polly fez isso, pai — Damon explica com
calma, mas noto seu punho cerrado. — Ela disse que a minha esposa tinha
morrido e que a minha filha tinha fugido.
— Polly! — George exclama com vontade. A mulher ergue a cabeça e o
encontra. — Isso é verdade?
A frieza no olhar dela confirma tudo. Polly Thompson arqueia a
sobrancelha e encara Wine diretamente.
— Como descobriram onde ela estava? — pergunta e George quase
desmorona com essa questão, ele está conhecendo uma nova versão da mãe
dos seus filhos.
— Acho que nada fica escondido pra sempre, vovó.
— Não importa — Polly suspira. — Não quero a Pumpkin na minha
casa.
É incrível, até depois da máscara cair ela continua assim. A mulher não
irá desistir tão cedo, a sua soberba é grande demais.
— Sério? — Damon ri de nervoso. — Não precisa se preocupar com
isso, então. Vou pegar a minha esposa e filhos, e sair dessa mansão. Pode
ficar tranquila.
Nem eu esperava por isso, sabia que a Polly ia tentar expulsar a minha
mãe, mas não imaginei que Damon tivesse planejado algo caso ela o fizesse.
Meu pai ameaça sair da sala sem continuar o assunto, quando a mulher
questiona com um tom de deboche:
— E quanto a Grace?
Todos a encaramos. O que quer dizer? Afinal, ela é filha do Damon e da
Pumpkin.
— Ela vai comigo, é a minha filha!
— E de repente — Polly vira a cadeira para o meu pai e ri — você se
lembrou disso?
— Quer mesmo tocar no assunto, mãe?
Eu não acredito que a minha avó está usando esse argumento, ela tocou
no ponto fraco dos meus pais, eu sei. Os dois estiveram ausentes por anos,
mal conhecem a menina.
— Quer mesmo que eu revele seus outros segredos? — Damon se
aproxima. — Tem certeza?
Polly congela mais uma vez e mantém o silêncio.
— Foi o que pensei.
— Do que está falando? — Pumpkin se intromete com sutileza. — Que
segredo?
Damon, então, percebe que algo escapou, algo que não pretendia nos
deixar saber. Algo, talvez, pessoal.
— Agora conta, pai — ordeno.
— A sua avó me mandou embora quando a sua mãe desapareceu. Ela
disse que se eu continuasse tocando no assunto, ia tirar a guarda de vocês de
mim.
— O quê? — Wine exclama, em choque.
— Eu não podia arriscar. Tudo que ela quer, consegue. Polly ia tirar
vocês três de mim.
— Você fez isso com o seu próprio filho? — George fica cada vez mais
pálido.
— Seus segredos nunca acabam, não é? — Pumpkin encontra os olhos
da minha avó, as duas se encaram.
Antes a minha mãe tentava ser agradável com a mulher, mas hoje, ela
sente raiva.
— Tudo bem, chega. — George volta a falar. — Vocês não vão sair
dessa casa, ainda temos o baile de fim de ano e as festas da Universidade.
Precisam ficar até lá.
— Será bem difícil, George — minha mãe sussurra.
— Vocês precisam. Depois nós podemos conversar sobre essa mudança.
Agora, eu os quero aqui. Ninguém sai dessa casa antes do baile de inverno!
— Vocês realmente acham que vão conseguir competir comigo? —
Polly fala, a rispidez em sua voz é nítida. — Eu mando nessa cidade.
Por um momento eu percebo o quão ridículo essa frase soa e me pego
rindo baixo com Wine — que finalmente se levanta e reage:
— Não, não manda. Pelo menos não sozinha. Os Carter, Vender, Price,
Foxx, todos eles mandam aqui, vovó. E acho que vão odiar descobrir que
mentiu durante todos esses anos quando virem a Pumpkin na cidade.
— Isso se ninguém entrar em choque — continuo.
Damon sai da sala no mesmo instante, ele já suportou o suficiente.
— Seu reinado acabou, Polly — revelo e me retiro, deixando-a sem
palavras, fazendo Wine sorrir com maldade.
Às vezes o inimigo está dentro da sua própria família.

Jack já me espera no Waver's, noto pelo vidro da janela. Imaginei que,


depois de tudo, seria bom almoçar fora. Enfim, Pumpkin aceitou reencontrar
a sua melhor amiga, Greer Carter, que não sofreu só com o seu
desaparecimento, mas também com a morte da filha. Eu não contei a Jack o
que estou prestes a fazer, apenas pedi, e quase implorei, para que trouxesse
Greer. E ele o fez.
Quando entro no pequeno restaurante retrô, o sino toca acima da minha
cabeça. Andressa, que está no caixa, sorri para mim e assim que vê Pumpkin,
empalidece. Eu torço para que ela não grite, afinal, está vendo uma morta.
— Essa é a sua... a sua... — tenta, mas falha. Até as outras meninas no
restaurante, as garçonetes, parecem em choque.
— Você sabe quem ela é — digo.
Pumpkin agarra em meu braço e sussurra em meu ouvido:
— Todo mundo está olhando, Nick.
— Eu sei — encontro seu rosto —, era pra você estar morta, ninguém
esperava por isso. Não é sempre que fingem um enterro.
Ela rola os olhos e sorri sutilmente, mas suas bochechas coram.
Pumpkin se tornou o assunto principal, pelo menos Jack e Greer estão longe
da entrada.
Me levo ao balcão e Andressa tenta agir com normalidade. Ela ajeita o
avental e pisca com exagero.
— Eu — sorri — não tô entendendo nada.
— E quem está?
De repente, a ficha cai. Andressa nota o quão impactado todos estamos.
Ela não sabe o que aconteceu, mas pode ver pela minha expressão que foi
algo sério.
O silêncio devora os nossos corpos por alguns segundos.
— A gente pode pedir? — Pumpkin sussurra e para ao meu lado.
— Claro.
— Dois hambúrgueres clássicos — minha mãe diz. — Por favor.
Andressa assente com um falso sorriso no rosto e mãos tremulas. Ela
enrubesce e nos deixa caminhar pela lanchonete, enquanto todos disfarçam e
tentam desviar o olhar. Greer está de costas para nós, mas Jack, à sua frente,
pode me ver de acordo com que me aproximo.
Ele não demora a sussurrar um puta que pariu. Eu percebo como Jack
tenta disfarçar, como tenta evitar que a mãe olhe para trás, mas não consegue
por muito tempo, isso porque seus olhos estão presos em Pumpkin.
Assim que chegamos à mesa, Greer se vira com calma, sentindo a
presença de alguém. E ela congela ao encontrar os olhos da minha mãe. A
mulher fica sem palavras, perdida. Ela me analisa, boquiaberta, depois volta
para Pumpkin.
— Mãe? — Jack chama, tentando a trazer de volta. Talvez tenha sido
uma péssima ideia fazer isso agora, sei que Greer ainda não superou a morte
da filha, sei que, às vezes, ela fica mal, psicologicamente. — Mãe!
Ela não responde, continua olhando para a loura ao meu lado.
— Você... morreu — sussurra, confusa. Seus lábios tremem e sua pele
perde a cor.
— Não. Não morri, Greer.
Basta essas palavras para que a mãe de Jack desabe e comece a chorar.
Sei que o susto causa reações diferentes, quando alguém morre não
esperamos ver essa pessoa de novo e quando isso acontece, só pode ser um
sonho ou um pesadelo.
— Nós vamos te explicar tudo — falo, me sentando ao lado de Jack e
deixando que Pumpkin faça o mesmo com Greer. — Mas precisa ficar calma.
A mulher assente sem parar de analisar a minha mãe.
Eu pensei que seria difícil, tinha isso em mente quando vim ao Waver's
com Pumpkin, mas acontece que foi fácil. Greer ouviu cada parte da história
e pareceu furiosa com ela. Se antes alguns membros da alta sociedade já não
gostavam da Polly, agora, eles têm um motivo maior para isso.
Depois do almoço, Jack e eu preferimos as deixar conversando por um
tempo, já que não se encontram há anos. Elas pareciam felizes, animadas.
— Eu não acredito que a sua avó fez isso — o garoto diz enquanto
andamos pelo parque que fica perto da lanchonete.
Me jogo no primeiro banco de madeira e não respondo. Ainda não sei
como me expressar sobre tudo.
— Acha que ela fez coisa pior? — ele continua.
— Ameaçou tirar a minha guarda e das minhas irmãs do meu pai,
mandou Wine embora, sumiu com a minha mãe, deixou um filho da puta sair
impune. Sim, ela fez.
Jack dá de ombros e se ajeita ao meu lado, suspirando em seguida.
— Sério, isso chega a ser loucura. Quer dizer, ela mentiu demais, até fez
um enterro. O que tinha no caixão?
— Também queria saber, mas tenho medo de abrir aquilo e descobrir
que Polly já cometeu assassinato.
Ele ri da minha expressão e frase. Pode ser uma piada feita num tom de
voz cansado, mas é real. Ela tem limites? Eu não sei mais. Polly ainda guarda
segredos, ela esconde cartas na manga.
— É sério — Jack pigarreia —, todo mundo vai surtar. A cidade não é
grande, já viram a sua mãe. Isso vai se espalhar.
— Eu quero que se espalhe. — O encaro. Ele franze o cenho. — Quero
que todo mundo saiba quem Polly Thompson realmente é.
— Sabe que isso vai fazer todo mundo começar a falar da sua família,
não é?
— Da minha família não, da Polly.
Ele concorda sem me repreender.
— Chris faria um bom trabalho com isso. — Ri ao lembrar. — Ela e
aquele site. Afinal, o que aconteceu com ele?
Puta que pariu, o site! Seria ótimo ter um post contando sobre os podres
da Polly. Sempre fui contra ele, mas estou cansado de todos respeitarem essa
mulher.
Na verdade, acho que eles têm medo dela.
— A Christina desativou. Ela poderia postar só mais essa coisa — caçoo
com uma ideia em mente.
— Nicholas, você ainda não aprendeu! Ações têm consequências, sei
que a Christina fez muita merda, mas quer mesmo a envolver nisso tudo?
Sabe que a Polly vai revidar.
— Ela é uma Vender — respondo secamente.
— Pra ser sincero, não acho que a sua avó se importa com isso.
Nesses últimos meses aprendi que ações têm reações, se Vender postar
qualquer coisa sobre o assunto, pode acabar se prejudicando. Polly daria um
jeito, ela sempre gostou muito da garota, mas não pelo que Christina é e sim
pelo que ela tem.
— É melhor deixar todo mundo saber naturalmente, Nick. Eles vão
notar que a sua mãe está viva. — Jack ri.
E quem não notaria? Pumpkin e Damon eram o casal principal do lado
mais rico de Wiston Hill, chamavam atenção de todos desde que se
conheceram e, apesar dos anos, as pessoas ainda sabem os nomes deles.
Isso marcou a cidade, mas Polly nunca gostou dessa história.

Pumpkin parece mais calma, finalmente em casa. Ela examina tudo pela
janela do carro, olha cada detalhe das ruas de Wiston Hill.
— Está tudo bem? — pergunto baixinho. Ela sorri e me fita. — Deve ser
estranho voltar depois de todos esses anos.
— Deve ser estranho me ver voltar — conta, mas nego. Eu queria que
ela voltasse e acreditava que essa era uma ideia impossível. — Eu perdi muita
coisa da sua vida.
— Nem tanto, mãe — brinco. — Você perdeu a Alice, isso é verdade.
— Alice. Sim. Você foi até Nova Iorque...
— E eu iria de novo. Gosto muito dela. — Claro que não consigo olhar
para minha mãe enquanto digo isso, foco na estrada e tento não parecer um
bobo.
Pumpkin sorri de canto e suspira, sei que está cansada. Muita coisa
aconteceu de uma só vez.
— Eu espero que a relação de vocês seja melhor que a minha com seu
pai. — O que? O relacionamento dos dois era ótimo. Franzo o cenho e a
encaro. — A gente sempre deu certo, mas muita coisa atrapalhou, Nick.
Ah sim, e todas foram culpa da Polly.
— Você merece ser feliz, mãe. Sei que perdeu muitos anos, mas agora
voltou e meu pai ainda te ama.
Pumpkin enrubesce enquanto um sorrisinho tímido aparece em seu
rosto, eu me lembro disso, ela fazia com frequência.
— Eu sei. E você também merece.
Um silêncio surge, nós dois não sabemos o que dizer. Nos conhecemos
bem e mal ao mesmo tempo.
— Estava pensando em levar a Grace numa terapeuta infantil, sabe?
— Acho bom, muitas coisas aconteceram. E você também deveria falar
com alguém.
— É, eu sei... Enfim, hoje vou levá-la à aula de balé — conta.
— Isso é bom. E a Grace dança muito bem.
— Ah, eu sinto falta disso. Dançar.
Minha mãe era incrível, a melhor da turma. Claro que não chegou a
trabalhar com isso, mas nunca parou de praticar. Grace tem os mesmos
gostos que Pumpkin.
— Você ainda pode dançar, mãe. O teatro está sempre aberto.
— Talvez eu volte a fazer isso.
56

MISERICÓRDIA
"Eu sou um nome que você vai lembrar,
sou mais do que apenas uma emoção.
Eu serei o maior de todos os tempos. Cuidado.
Eu sou uma força que você vai temer."
The Score | Glory

NICHOLAS THOMPSON

O suor já escorre por minha nuca. Meu corpo está cansado, mas a mente
pede por mais. Continuo socando o saco de pancadas sem piedade. Ir para
Nova Iorque ajudou, mas nada se compara a socar alguma coisa, essa que
poderia muito bem ser a cara de Alexander por exemplo. Claro que prefiro
evitar confusões agora.
Eu decidi treinar logo pela manhã, quando acordei. Ainda estou me
acostumando com a ideia de ter Pumpkin fazendo panquecas e Grace a
ajudando. Wine e Margot parecem ter voltado, já que não se desgrudam. E
Damon está sorrindo, pela primeira vez em anos.
Isso tudo é bom, mas me faz pensar em uma coisa: Alice ainda está
longe e, apesar do nosso reencontro, eu sinto sua falta. As ligações não
matam a vontade de tocar em seu corpo ou dormir ao seu lado.
Não é a mesma coisa.
Por isso, eu tento focar em outras atividades, como andar de moto, jogar
sinuca, socar sacos de pancada e arranjar um emprego.
Faz uma semana que Pumpkin voltou e agora todos sabem. Todos
mesmo. E eu prometi a mim e a Jack que quando chegasse de Nova Iorque
iria arranjar um lugar para trabalhar, claro que demorei mais para isso, já que
o passado decidiu retornar comigo.
Joe, o dono do Heaven, não hesitou. Ele me deu o emprego de primeira.
Sempre fui um cliente muito presente e o conheço há anos. Joe sorriu e
cruzou os braços, ele é um homem grande, musculoso e com uma barba
gigante. Eu fiz o mesmo e esperei, até que ele dissesse sim com a sua voz
rouca.
Trabalho três vezes por semana no Heaven Bar, junto de Hannah. Eu
fiquei satisfeito e feliz, porque, pela primeira vez, tenho algo meu. Jack tinha
razão, eu dependia da Polly, por isso ela fazia de tudo e não precisava se
explicar.
Alice se animou quando ouviu a novidade e eu fiz questão de me
aproveitar do assunto para perguntar sobre a sua volta. Não tive resposta.
Ainda me atormento com a questão, e se Wonders não voltar?

Finalmente o horário da pausa. Sei que estou pegando pesado, mas me


sinto melhor treinando. A minha mente não se preocupa com os problemas ao
redor enquanto meus músculos se cansam.
Agarro a garrafinha d'água que trouxe comigo e deixei sobre o banco.
Assim que a abro, a voz estridente e animada ecoa pela academia, me
fazendo revirar os olhos.
Christina se aproxima dizendo:
— Nicholas Thompson. — Naquele tom levemente irritante que ela
domina muito bem. A encaro e percebo que Juliet a acompanha, suspirando
pelo mesmo motivo que eu.
Chris ainda tem um jeito de patricinha, como naqueles filmes clichês.
— Christina Vender — respondo. Ela se aproxima com rapidez, as botas
vermelhas e com saltos, batem no chão. — Parece feliz de novo.
É verdade, a menina está normal, sorrindo e sendo a Vender que é. Sem
o lado ruim, claro.
— Te ver sem camiseta ajuda — brinca e analisa meu abdome sem
censura alguma, ainda faz questão de sussurrar um uau.
— Achei que eu não tivesse limites — Juliet caçoa. Rio baixinho, mas
continuo esperando por uma explicação. O que fazem na minha casa?
— Enfim — Chris enfatiza, rolando os olhos —, como é ter a sua mãe
de volta? Parece uma coisa meio zombie, não?
— Christina! — a novata exclama em choque. Tudo que faço é rir,
nunca analisei por esse lado.
— Pelo menos não é igual a Cemitério Maldito. As coisas parecem
normais, de verdade.
A loura se senta no banco da academia e segue me observando.
— É como se tudo estivesse voltando ao normal, então. Até demais.
Acho que vai gostar de saber, mas Alex vai embora — Juliet revela com
pouca animação.
Meu coração acelera, tudo que eu mais quero é não ter que ver a cara
desse idiota toda vez em que caminhar pelo Campus.
— Só não me diga que ele vai voltar pra Nova Iorque!
Eu sei que o garoto ainda não desapegou da Wonders, sei que ele a quer,
independentemente das vontades dela. E agora, a menina está em Nova
Iorque.
— Não, não. Ele vai pro Texas, com o pai e a minha mãe — conta. —
Eles descobriram sobre o acidente no penhasco, sobre as bebidas e tudo mais.
— Bom, pelo menos ele vai embora. As coisas parecem bem por aqui,
pela primeira vez — Chris constata, mas eu posso ver certo desânimo nos
olhos de Juliet.
A novata se senta ao lado da loura e suspira, fazendo-nos a encarar.
— Acontece que se ele for embora, eu também vou.
— Espera, o quê? Você acabou de se inscrever pra ser líder da
fraternidade, não pode ir embora! — Chris reage.
— Polly queria o Alex nessa universidade, não eu. O pai dele pediu pra
que ela me aceitasse.
— Isso é verdade, mas Polly não pode te mandar embora — Chris
parece chateada. — Eu não acho que ela faria isso agora.
— Christina tem razão. — As duas me olham, ignorando meu abdome
suado. — Pumpkin acabou de voltar, todos estão comentando. Ela não vai
arriscar causar mais uma confusão.
— Tudo bem, mas igual a Chris disse, isso é agora. E o agora não é pra
sempre.
— Relaxa, Juliet. Você não vai embora de Wiston Hill, pode ter certeza.
— Vender soa mais real, mais amiga. Ela segura a mão da novata e a aperta,
fazendo a menina finalmente sorrir.
Uma coisa é real, Polly não investirá num novo caos enquanto os
comentários sobre Pumpkin se espalham. Seria arriscado demais e a minha
avó é inteligente o suficiente para isso. Mas o depois me preocupa.
Sempre que falamos de Polly Thompson, o clima fica estranho. Todos
sentem o peso das mentiras dela, que dança no ar e nos sufoca. Querendo ou
não, somos afetados pelos erros de minha avó.
— Mudando de assunto — Christina retoma a conversa e chacoalha a
cabeça, se desapegando do tema anterior —, vou dar uma festinha em casa.
Podem vir?
— Na sua casa? Quer dizer, a casa dos Vender? — Juliet parece
impressionada, confesso que eu também. Chris franze o cenho, sem entender
a nossa reação.
— Sim, na minha casa. Meus pais viajaram, eles só voltam perto do
baile e a mansão está vazia. Será legal.
Me lembro da última vez em que estive na gigantesca mansão dos
Vender. Eram férias de verão, ensino médio, último ano. Eu me recordo de
ter dormido com uma parente da Chris, enquanto todos bebiam e se jogavam
na grande piscina, mas seu nome desapareceu da minha memória.
— Então, vocês vão? — ela implora com o olhar.
— Olha, você nunca deu uma festa só para amigos, Chris... — começo.
— As coisas mudam, Thompson. Eu quero dar uma festa em casa de
novo, mas com poucas pessoas. Eu não estou mais na fraternidade e acho que
todo mundo precisa de um pouco de diversão.
Juliet me olha enquanto pensa sobre, é visível a mudança da loura, mas
ainda desconfiam dela. Estou curioso, não consigo dizer não. Tenho que ir à
festa.
— Certo. Eu vou — conto e ela sorri.
— Ótimo. Hoje será a minha última noite de sossego. Minha prima
chega na cidade amanhã e eu preciso cuidar dela.
— Que prima?
— Maggie.
Uno as sobrancelhas, lembrando daquela festa do ensino médio, quando
eu dormi com alguma Vender, tentando descobrir se essa garota é
a tal garota.
— Essa mesmo, Nicholas.
Christina entende a minha expressão, ela me conhece há anos e sabe
quando estou pensando em algo que não devia. Pode ter me odiado pela
maior parte do tempo, mas Chris consegue me ler rapidamente.
— De quem estão falando? — Juliet ri de nervoso e nota a nossa troca
de olhares.
— Da minha prima um ano mais nova. Nick já dormiu com ela há uns
anos, numa festa, na minha casa. Não é, Thompson?
As duas me olham, esperando por uma explicação. Juliet ergue as
sobrancelhas e me analisa de cima à baixo, ela me mede como se eu tivesse
cometido o pior erro possível.
— Você dormiu com uma Vender? — indaga.
— Era uma festa, eu bebi. Todo mundo bebeu. Era pra gente se
divertir...
— E você decidiu fazer isso com a minha prima? — Chris caçoa.
— Eu, sinceramente, prefiro me esquecer desse detalhe. Agora eu
namoro — além de ser ótimo poder dizer isso, é um bom argumento para esse
momento —, e não pretendo dormir com a Maggie de novo.
— Que bom! — Christina exclama. — Então, vocês vão à festa, certo?
Por favor!
— Eu já disse que sim.
Fitamos Juliet, que pensa, faz um biquinho e rola os olhos.
— Tudo bem, eu vou nessa festa!
É, parece que teremos uma nova história para contar sobre a mansão
Vender.

Jack não está mais hesitante quanto a Chris. Ele sabe que ela está se
esforçando, tentando deixar todo aquele veneno e falsidade de lado.
O garoto se enfia numa camiseta enquanto eu espero, sentado na cama.
Precisei passar no dormitório para me trocar e, com isso, descobri que ele
também vai à mansão Vender.
— Sabe, faz tempo que não entro naquele lugar — conta, com um pouco
de animação na voz. — Não sei se me sinto à vontade com isso, mas vamos
ver.
— Não é uma armadilha, Jack. — Rimos juntos. — Chris não está
planejando matar todo mundo.
— Se ela estivesse, você não saberia. — Ele se encosta na cômoda e me
encara. — Tem falado com a Alice?
— Às vezes, por telefone. Ela está aproveitando o tempo com a
família...
— E você com a sua — Jack sussurra de uma forma áspera. Não
entendo de primeira o que ele quer dizer, mas então me lembro, pra ele não é
tão fácil. Elle Carter morreu de verdade.
Apesar de Greer, sua mãe, estar feliz com a volta de Pumpkin, apesar de
Margot e Wine estarem namorando de novo, algumas coisas não mudam.
Essa dor que ele sente pela falta da irmã não vai embora.
— Quer falar sobre isso? — pergunto sem olhar em seus olhos.
— Não. Só vamos logo pra essa festa, cara.
Jack caminha até a porta, pronto para sair, porém eu sei que se deixar
esse momento passar, não terei outra chance. Nós evitamos falar disso por
muito tempo, deixamos os fantasmas no passado, mas tudo nos destruiu. E
continua destruindo. Precisamos resolver os problemas que fingimos não
existir.
— Jack, senta ai — ordeno. Ele para, de costas para mim, bufa e, então,
me obedece.
— Eu não preciso dessa conversa, Nick.
— Tem certeza? Você sempre me diz que preciso resolver os meus
problemas, mas acho que nós dois precisamos...
— Resolver o nosso problema? — Ele ri de nervoso e me olha nos
olhos. — Minha irmã não vai voltar depois dessa conversa, ela não vai
aparecer em Wiston Hill. Elle estava no caixão, não foi uma mentira.
Toda a dor retorna com mais intensidade. A dor de quando descobrimos
sobre o acidente, a dor da espera por uma boa notícia, a dor de vê-la ligada a
aparelhos no hospital.
— Ela não vai voltar — conto, como se não soubéssemos. Como se uma
esperança ainda pairasse no ar. — Elleanor morreu. Ela morreu, Jack, e eu
sinto muito.
— É, você sempre sentiu muito, Nicholas.
O garoto guarda uma raiva, ele a reprime e, nesse momento, eu lhe dou a
chance de soltá-la.
— Eu sei que errei muitas vezes — tento.
— Todo mundo errou, você não mandou a minha irmã subir naquela
moto. Isso foi escolha dela, mas...
— Eu poderia ter feito algo, certo? Ter a impedido, não sei.
Ele concorda.
— Eu também poderia ter feito algo.
A surpresa me ataca. Jack se culpa pela morte da irmã, ele deve ter seus
motivos e agora eu entendo, ele não me odeia. Jack tem raiva de si próprio.
— Como assim?
— Ela gostava de você, mas era minha irmã. Se eu estivesse lá, quer
dizer, eu não estava presente, Nicholas. Não a ajudei, não conversei...
— Jack, você não tem culpa alguma. Também não mandou a Elle subir
naquela moto!
— Se nenhum de nós dois tem culpa, então... — ele suspira, cansado
desse assunto.
— Talvez não haja um culpado. Eu demorei muito pra superar tudo isso,
mas ainda dói.
Jack me olha como se passasse pelo mesmo.
— Você superou, Nicholas. Eu não sei se consigo, não completamente.
— Consegue. Ela era a sua irmã e não precisa se esquecer disso, você
amava a Elle. Eu sei e ela sabia, mas não adianta viver com essa aflição.
Ele ri nasalado e baixa a cabeça, concordando.
— Eu vivia falando isso pra você.
— E estava certo. Jack, essa culpa que a gente sente não vai trazer a
Elleanor de volta.
Um silêncio confortável surge, nós dois absorvemos o que contamos. Eu
acreditava que Jack me culpava por tudo e estou chocado com a verdade.
— Não é o fim do mundo, certo? — ele pergunta com calma.
— É doloroso, mas não é o fim. Tudo que aconteceu nos últimos meses
prova isso.
— Parece que as coisas estão voltando ao normal.
— Não, normal não, estão melhorando.
Meu amigo sorri de canto e assente. Apesar de todas as perdas, nós
temos muito, ganhamos muito e melhoramos muito. O tempo passou e, agora,
alguns fantasmas podem desaparecer. Eu ainda sinto falta de Elle, ainda
penso nela, mas sem ter um peso nas costas. E Jack precisa fazer o mesmo.
— Alice vai voltar? — Mudando de assunto. Sei que se preocupa com a
menina, os dois se aproximaram bastante.
— Eu não sei.
— Espero que ela volte. — Jack sorri. Precisamos focar no agora, o
antes já nos machucou o suficiente. — Espero de verdade.
É, eu também.
A mansão dos Vender continua a mesma: gigante, parecendo um
castelo, e com um grande jardim ao redor. Estaciono a moto à frente da
entrada assim como Jack. O carro de Tommy já está aqui, o que significa que
alguns dos poucos convidados já chegaram.
— Pronto para entrar no covil? — Jack brinca, me fazendo rir. Chris
pode estar diferente, mas a sua família ainda é a mesma.
— Você não consegue se controlar, não é? — Ele dá de ombros.
Subimos os degraus de tijolos e chegamos à entrada.
— Tem algum código ou a gente só bate na porta?
— Jack, precisa parar ou vai soltar uma dessas piadas de covil na frente
da Christina — sussurro, segurando o riso.
A mansão é escura, em tons de marrom e bege, todas as luzes são
amarelas e deixam o jardim ainda mais sombrio. A casa fica um tanto longe
da praia e é isolada, seria um cenário perfeito pra um terror dos anos oitenta,
as festas de Halloween dos Vender sempre foram ótimas por isso.
Toco a campainha e espero. Ouço os passos contra o piso de madeira
ecoando do lado de dentro, de repente, a porta se abre. Chris Vender está
enfiada numa numa blusa branca e numa saia jeans azul e curta, os seus fios
estão presos num rabo de cavalo.
— Vocês vieram — ela exclama com animação. — Entrem.
O garoto o faz depois de mim, ele parece desconfiado, mesmo sem ter
motivos para tal. Eu sei que Chris Vender consegue ser ruim — de certa
forma —, mas não como Chris Hargensen em Carrie. Não tomaremos um
banho de sangue de porco.
— A sua casa é escura — ele comenta. As cores não combinam com a
região, por aqui os tons de decoração são próprios do calor, ou seja, claros. A
mansão dos Vender não se adequa.
De qualquer forma, é linda e sofisticada, além de ser chamativa.
— Eu sei, meu pai gosta desse tipo de coisa. Apesar da praia e do calor,
moramos no meio das árvores e faz frio — Christina explica, nos guiando
pelos corredores.
Finalmente chegamos ao cômodo principal, onde recebem visitas. Há
dois sofás brancos, quadros nas paredes, estantes e um piano, tudo muito
arrumado e confortável.
— Nossa, demoraram — Hannah diz ao entramos na sala. Em seguida,
ela vai até Jack e os dois se beijam.
— Achei que teria mais gente — falo.
— Bom, preciso falar com vocês, por isso fiz essa reuniãozinha. E
chegaram bem na hora.
— Falar sobre o quê? — Margot pergunta, sentada ao lado de Wine no
sofá, bebendo alguma coisa que não reconheço num copo vermelho de
plástico.
— Sobre mim — solta, sem notar o quão estranha essa resposta é. Todos
a encaramos com certa dúvida. — Eu quero falar sobre tudo que fiz pra
vocês.
— Não tem necessidade — Andressa reage no mesmo momento e se
levanta de uma poltrona. Ela está séria, como nunca antes.
— Tem sim. Eu preciso resolver isso — Chris tenta.
— Mas eu não preciso! — A ruiva fica nervosa, ela larga o copo e parte
com pressa por um dos corredores da casa, fazendo Madison a seguir.
Eu sei que alguns de nós sofreram mais que outros nas mãos da
Christina. Sei que muitos precisam jogar a verdade na cara dela, mas eu já fiz
a minha parte, já me resolvi com a menina.
— Olha, eu não quero brigar. — Vender quebra o breve silêncio que
surgiu após a reação da ruiva. — Eu só quero pedir desculpas e precisava de
todos vocês juntos.
— Eu acho que não deu muito certo — Hannah caçoa e Jack a repreende
com o olhar.
Chris está segurando o choro, ela se joga num sofá desocupado e respira
fundo. Deve ser difícil encarar o que fez e, pior ainda, encarar quem foi
afetado por suas ações.
— Você pode tentar — Tommy diz, parado do outro lado da sala. —
Tenta.
— Eu só queria pedir desculpas por tudo. Para o Nicholas, por ter sido
uma idiota, por ter tentando te separar da Alice. E para o Jack, por causa das
coisas que falei pra irmã dele. Hannah, eu também fui uma idiota com você.
Wine e Margot, eu não tinha o direito de me meter na vida das duas. Me
desculpem por tudo isso. Eu sei que errei muito e nenhuma palavra pode
mudar o
passado, nada pode. Mas eu espero que possam, ao menos, tentar me suportar
daqui pra frente. — Algumas lágrimas escorrem por suas bochechas.
— Conseguiu — Tommy responde.
— Ainda não acabei, me desculpe por ser uma babaca com você. Maddy
é minha amiga e está feliz, eu devia ter respeitado isso. E você é legal.
Thomas assente, mantendo o silêncio.
— Acho que eu também fui uma idiota, mas essas coisas estão no
passado. — Hannah é a primeira a declarar.
— Você fez o que fez, Vender, mas estamos bem agora — Jack conta.
— Ele está certo — Wine termina. — A gente só precisa se conhecer de
novo, sem toda aquela falsidade que você carregava.
Chris ri baixinho e se deixa chorar. Faço questão de me sentar ao seu
lado, ela parece aliviada, mas não o suficiente.
— Não será tão fácil assim, não comigo. — Andressa volta. Seus olhos
verdes estão irritados, vermelhos, e ela cruza os braços. — O que vai dizer?
Chris a encara sem ter palavras.
— Eu quero ouvir! — a ruiva ordena. — E acho que todo mundo tem
que ouvir, já que todos nessa sala viram aquelas fotos.
É verdade, todos viram. Eu as recebi no meu celular antes da aula, eu
notei a vergonha no rosto da Andressa e me sinto culpado por ter invadido a
sua privacidade, mesmo que sem querer. Eu tento tirar aquilo da minha
memória, mas não é fácil.
— Eu não sei o que te dizer — Christina sussurra enquanto chora. —
Me desculpe, eu não tenho o que dizer.
Andressa está fria, não demonstra muita emoção. Seus olhos encontram
os de Vender e ela sorri de nervoso.
— Porque nada que você disser vai apagar o que fez!
— Andressa, eu sei disso! Eu sei disso, eu juro, e o que fiz é um crime.
Eu não posso me desculpar pelo que fiz, eu te destruí, te humilhei e isso é
imperdoável.
— Que bom que sabe.
— Eu sei, eu sei disso, mas eu não consigo continuar assim, não consigo
ficar no mesmo cômodo que você sem que olhe na minha cara, sem que fale
comigo!
— Você era minha amiga, Christina.
Todos assistem a discussão sem intervir. Elas precisam desse momento,
nós precisamos.
— Eu sei.
— Se sabe de tudo, por que fez o que fez?
O silêncio predomina. Nenhuma das duas continua e o clima começa a
ficar estranho. Vender não tem uma resposta, obviamente. Ela não sabe por
que fez aquilo e esse é o real problema.
— Eu fui impulsiva, sempre fui assim — a loura recomeça. — Eu fazia
coisas ruins, mas passei de todos os limites com você. Eu traí a sua confiança.
— E isso é o que mais dói — Andressa revela. — Nós brigamos por sua
causa, porque eu queria te ajudar, e você decidiu armar pra mim ao invés de
conversar...
A dúvida surge no rosto de alguns, por um momento se perguntam sobre
o que estavam discutindo naquele dia, contudo, eu sei. Chris me contou,
porque apesar de me detestar, eu era o único disposto a ouvi-la. A ruiva
queria a afastar dos comprimidos que encontrou em seu quarto.
— Eu nunca pensei desse jeito, Andressa, eu não tinha essa capacidade.
Eu só agi.
— E agora consegue ver o que fez? — A ruiva ri baixinho. — Como eu
posso acreditar em você de novo? Não tem um dia em que eu não ande pelo
Campus pensando que todos estão rindo de mim ou se lembrando das, fotos e
isso não vai embora com um pedido de desculpas.
Christina se levanta e fica de frente para Andressa.
— Eu não posso arrumar isso e, sim, agora eu vejo o que fiz. Eu tô
tentando e entendo se não puder me perdoar. Entendo, porque você não pode
se esquecer do que aconteceu, mas eu só estou te pedindo pra tentar, por
favor!
— E você vai tentar também? — A ruiva morde o lábio, segurando o
choro.
— Olha, Andy — Madison se intromete —, acho que ela já está
tentando. Eu sei que não é suficiente, mas é um grande começo.
— Não precisamos voltar a ser melhores amigas, mas por favor,
Andressa, não me odeie pra sempre!
Chris desmorona com seu último pedido, o que me abala um pouco.
Fico divido entre a abraçar e deixar que tudo continue da forma que está, mas
quando menos espero, a ruiva puxa a loura pelos braços e a aperta contra seu
corpo.
Parece que elas, finalmente, tiveram a conversa, assim como Jack e eu.
Quando se separam, Chris seca as próprias lágrimas e olha para Madison.
— Me desculpe por não te apoiar. Eu sabia que você precisava de ajuda
e não dei atenção. Não fui uma amiga de verdade, Maddy. E me desculpe por
te colocar contra a Alice.
— Tudo bem, isso não importa mais — a pequena sussurra.
De repente, o peso dos erros do passado some e o ar se torna limpo pela
primeira vez.

Christina Vender ainda chora, escondida no corredor perto da escada


que leva ao segundo andar. Demorou uns quinze minutos para todos se
animarem e voltarem a beber, mas a loura partiu sem ninguém perceber.
Eu a segui, claro, porque precisava saber se está bem. Não posso lidar
com mais gente pulando de penhascos.
— Ei — chamo, vendo-a encostada numa parede, tapando o rosto com
as duas mãos. — Chris, olha pra mim.
Ela obedece e eu paro à sua frente. Agarro em seus braços e os afasto de
seu rosto, forçando-a a me encarar.
— Eu sabia que seria difícil, mas doeu mais do que eu imaginava...
— Eu vi — sussurro.
— Andressa tem razão, nada pode arrumar o que fiz.
— Chega, Chris — ordeno. Ela franze o cenho. — Você conversou com
todo mundo, está se resolvendo com cada um de nós. Essa culpa não vai te
fazer bem. Chega. Já disse o que tinha pra dizer e ouviu o que tinha pra ouvir.
— Eu sei. — Ela funga, segurando mais lágrimas. — Mas falar é fácil. E
ainda falta uma pessoa.
— Quem? — Uno as sobrancelhas.
— Alice Wonders.
A tristeza fica visível no rosto da garota. Eu a abraço fortemente e beijo-
a no topo da cabeça, tentando afastar esse sentimento dela.
— Você pode fazer isso depois. Agora, precisa esquecer o passado.
— Nick — sua respiração atinge meu peitoral —, eu fui à psicóloga.
Você tinha razão, me fez bem e acho que pode me ajudar um pouco.
Me desencosto de Christina apenas para olhar em seus olhos.
— E você também pode contar comigo, sempre pôde — lembro e ela
sorri de canto.
— Apesar de tudo — sussurra.
— Apesar de tudo, Chris.
O outono já deixa o inverno chegar à Wiston Hill. Aqui não faz frio de
verdade, não neva, não usamos casacos pesados como em Nova Iorque, mas
o vento congela nossos corpos.
— Pensando? — pergunto ao me aproximar de Thomas, que fuma um
cigarro, parado na varanda dos Vender.
— Tentando não pensar demais.
— E no que você não está pensando? — Me ajeito ao seu lado e espero.
— Algo que eu deva saber?
— Não, Nicholas, não tô escondendo mais nada de você. É que, as
coisas mudaram bastante.
— Mudaram mesmo. Você realmente aceitou as desculpas da Christina
ou só...
— Aceitei. — Tommy me olha de soslaio. — Ou tentei aceitar. Ela foi
sincera, isso é bom.
— Então, no que está pensando? — pergunto novamente e retiro um
maço do bolso. Consigo escolher um cigarro e o acender antes de Thomas me
responder.
— Maddy — ele sussurra. — Acha que ela vai ficar bem? Bem como a
Alice?
— Alice não está cem por cento ainda, Tommy. A lourinha é forte, ela
vai conseguir. Só precisa de tempo e apoio.
— Eu sei disso, não vou desistir dela.
O silêncio toma conta do redor da mansão, nós dois temos coisas em
nossas mentes e eu não consigo segurar meus pensamentos por muito tempo.
— Você sempre gostou dela, não é? Desde...
— Mais ou menos — Thomas confessa e ri baixinho. — Eu achava que
vocês não mereciam um ao outro, não desse jeito.
— Tommy, você sempre teve um interesse pela Madison. Eu notei, não
sou tão lerdo assim. Ela é a única garota capaz de te fazer ficar quieto e sem
jeito.
— Que ótimo saber disso — caçoa.
— Por que não me contou?
— Com certeza, eu ia chegar em você e dizer: Nicholas eu gosto da sua
namorada, achei melhor avisar. — Ele me encara. — Vocês dois nunca
tiveram um relacionamento perfeito, mas não seria uma boa ideia.
Realmente, Tommy tem razão. Eu sempre cuidei da Maddy e fui amigo
dela, nosso relacionamento estranho não me impediria de ter ciúmes.
Desconfiar que Thomas gostava da loura era uma coisa, confirmar isso seria
outra. Ele me conhece bem, sabia que o certo era manter o silêncio.
Mas, talvez, esse não tenha sido o certo para ele.
— Bom, ela gosta de você — relembro. — Nem considerava essa opção,
não é? — Rio dele que suspira e baixa a cabeça, disfarçando um sorriso.
— Não, nunca. Mas ela ainda gosta de você.
— Já te disse que é diferente, Tommy. — Bufo, sem paciência para esse
tipo de conversa. Eu não gosto de quando ele desconfia dos sentimentos da
loura.
— Eu sei, Nicholas. Não tô reclamando! — Nossos olhares se cruzam e
noto a sinceridade nos olhos dele. Thomas dá de ombros. — Eu não vejo
problema nisso, você é uma pessoa importante na vida dela.
— Que bom que não quer quebrar a minha cara — brinco.
De certa forma é estranho saber que Tommy e Alice dormiram juntos,
que os dois se conhecem de uma forma que não consigo entender. E também
é estranho saber que namorei com a Madison e agora somos apenas amigos.
Todos nós. Nunca imaginei que isso pudesse acontecer.
É como acordar de um pesadelo.
— Olha quem está vindo. — Tommy aponta com a cabeça. Alexander
surge sob as luzes do jardim, caminhando com calma. Ele já me encara,
apesar da distância. — Quer que eu fique?
— Séria ótimo. Não pretendo salvar a vida dele de novo.
Apago o cigarro e espero. O garoto não sobe os degraus, ele fica parado
no jardim da frente, abaixo da varanda. Alex me fita e sorri de canto.
— Conseguiu o que tanto queria, não é? — pergunta.
— Primeiro, como descobriu sobre esse lugar?
Ele tinha que aparecer numa noite como essa, quando as peças estão se
encaixando.
— Juliet costuma me contar as coisas, mesmo quando não quero saber
— reclama.
— Você é um filho da puta por a tratar assim, sabia? Juliet fez de tudo...
— Eu não dou a mínima.
Sei que a menina decidida e engraçada sente algo pelo babaca do Alex,
afinal, eles não são irmãos, não de verdade, e nunca conviveram juntos antes
de Wiston Hill.
— O que quer? — Tommy tenta acabar com a quase discussão.
— Eu soube da sua mãe, que péssimo — Alexander me provoca, a raiva
cresce em meu peito. — Vou embora, Nicholas, mas antes, queria ter certeza
de que sabe de tudo que a sua avó fez.
— De que merda está falando? — Thomas se intromete.
— Então, vocês não sabem. — Alex ri, olhando para mim. — Bom, vai
acabar descobrindo. Ela fez mais coisas do que você imagina, afinal, Polly
não queria a Alice nessa cidade, não é?
Ele arqueia a sobrancelha e sorri com certa petulância antes de se virar e
sair lentamente. Penso em chamá-lo, em pedir para que me conte, mas não
lhe darei esse gosto.
Alexander vai embora e isso é tudo que importa.
— Sabe do que ele está falando? — Tommy me pergunta com a voz
baixa.
— Não faço ideia — nos olhamos —, mas também acho que vou acabar
descobrindo.

A fala de Alexander ficou presa em minha mente, assim como seu


sorrisinho irritante e a sua coragem de ir até a mansão dos Vender.
Não consigo deixar isso de lado e durante toda a festa, ou o resto dela,
pensei em conversar com Juliet sobre o que sente por Alex, contudo, não é da
minha conta e a menina não vai assumir que gosta daquele babaca, muito
menos para mim.
Todos se distraíram depois do choro e acabaram bebendo demais.
Tommy foi embora logo, deixando Maddy com Andressa, Juliet e Chris.
Wine e Hannah foram à casa de Jack e Margot.
Assim que eles partiram, decidi fazer o mesmo. Subi na moto e, ao invés
de ir para o dormitório, voltei à mansão dos Thompson, onde toda a minha
família está, as partes boas e ruins dela.

Entro com calma na casa, as luzes apagadas indicam que todos estão
dormindo e não quero os acordar agora, ainda mais com esse cheiro de
bebidas e cigarros preso a minha roupa.
Subo cada degrau e viro no corredor. A mansão está silenciosa, como
sempre. Me enfio no meu quarto, encosto a porta, acendo a luz, jogo a
jaqueta de couro no chão e me sento na beira da cama. A chuva começa a cair
do lado de fora e junto dela, meu celular toca. O retiro do bolso e me
surpreendo ao ver que Wonders está me ligando por vídeo.
Não penso duas vezes antes de atender.
— Boa noite. — Alice diz, toda animada.
— Boa noite, amor. Me ligando por vídeo?
— Por que nunca fizemos isso antes? Quer dizer, a minha irmã, que é
bem mais jovem — ouço a risada de April ao fundo —, me deu essa ideia
depois de rir de mim.
A loura e baixinha se joga no colchão, ao lado de Alice.
— Eu achei que seria legal e é bem mais confortável pra vocês —
comenta. — Oi Nick.
— Oi April. Foi uma ótima ideia. — Pisco para ela, que cora igual a
irmã normalmente faz. Me ajeito sobre a cama, pronto para saber do dia de
Wonders. — Como estão as coisas?
Alice suspira ao me ouvir.
— Bem, até agora. E por aí?
— Estranhas. Alex foi embora, ele vai morar no Texas com o pai.
— Que bom — sussurra. Noto que April começa a mexer no próprio
celular e tira sua atenção de nós.
— Eu acabei de voltar da casa da Chris, ela fez uma reunião.
— Sério? Pra quê?
— Pedir desculpas. — A surpresa aparece no rosto de Wonders. — E
conseguiu.
— Falando da Christina, como ela está, sabe, depois que Jayden foi
embora?
— Bem, pelo que parece. Ela está superando tudo isso.
Paro de encarar seus olhos e me permito analisar a sua blusinha de alças,
toda branca, e seus seios apertados dentro dela. Eu sinto muitas coisas por
Wonders, desde amor à desejo, e nós dois sabemos disso.
Mordo o lábio disfarçadamente, mas ela nota e ri baixinho.
— Nicholas, seu safado! — Desvio o olhar e ela muda de assunto. — Eu
preciso perguntar, como você sabia desse relacionamento dos dois?
— Não era um grande segredo — caçoo. — Conheci o Jayden no
colégio, eu gostava de praticar basquete, sabe?
— Você era do time?
Rio um pouco e nego.
— Não passei nem perto de ser, mas o Jayden queria entrar e treinava
nas horas vagas. Acontece que o pai dele adorava, então, o criou pra isso.
— Bom, deu certo. Ele joga bem — Alice lembra.
— Sim. O pai do Jayden foi pra outro estado depois do divórcio, era
policial, e morreu quando ele tinha uns dez anos.
— Entendo. — Wonders não está me olhando, ela analisa o próprio
quarto enquanto pensa na história que conto. — Como a Chris entra nisso?
— A gente se encontrava na quadra, eu chegava atrasado por vários
motivos e via os dois conversando. Depois, ela começou a assistir os jogos.
Eles foram se aproximando.
— Ah, sim — Alice sussurra e um silêncio surge antes dela mudar de
tópico. — Eu sinto sua falta, Nick.
— Eu também, princesa. Eu não ia perguntar, mas você pretende voltar?
— Ainda não tenho uma resposta — sussurra. Fica claro que não quer
tocar no assunto. — Isso não é uma negativa.
— Que bom. Todo mundo sente sua falta por aqui.
Um sorriso fraco aparece em seu rosto.
Eu tenho certeza de que se Alice não voltar, eu me mudo para Nova
Iorque. Minha família está bem e eu não pretendo viver grudado a ela para
sempre. Quero ter a minha vida e, principalmente, quero que seja ao lado de
Alice Wonders.
— Me conte sobre o seu dia — peço.
— Está bem frio por aqui, então, a gente assistiu alguns filmes. Eu
ganhei da April e do meu pai no pôquer, claro.
— Parece muito bom, agora falta ganhar de mim.
— Quer mesmo se arriscar, Nicholas?
Mordo o lábio.
— Ah, com certeza. Você vai ter que tirar toda a sua roupa.
— Strip pôquer, sério?
Assinto, notando que as minhas pupilas dilatam quando fito seus seios
novamente. Alice me analisa, nós dois estamos nadando em malícia. Ela cora,
mas morde o lábio, me provocando.
— Wonders...
— Minha irmã está aqui do lado, Thompson — relembra com uma voz
baixa e, no mesmo instante, Pumpkin bate na minha porta e entra com calma.
Meu corpo esfria rapidamente.
— É, eu tenho alguém aqui também — conto, deixando-a confusa. —
Preciso te apresentar uma pessoa.
Chamo minha mãe, que obedece com tranquilidade. Ela se senta ao meu
lado na cama e percebo que Alice fica sem palavras.Wonders quieta é algo
que nunca vi antes. Ela sempre tem uma resposta.
— Essa é a minha mãe — digo e Pumpkin sorri, também tímida.
— Ah — ela gagueja. — Oi, é um prazer finalmente te conhecer,
mesmo que seja por vídeo.
— Te digo o mesmo, Alice. Então, você é a namorada do meu filho?
As bochechas da menina coram de tal forma que me pego segurando um
riso. Alice morde o lábio e tenta responder, mas a sua voz não sai, então, ela
assente.
— Ele fala muito de você.
— Ele também me falou de você — conta. — Nick sentiu muito a sua
falta.
Pumpkin sorri.
— Eu imagino. Fico feliz por ele ter te encontrado. — É, eu também
fico feliz por isso, por decidir beber naquela noite e ficar à frente do Heaven.
— Vou deixar vocês conversarem — minha mãe diz, se retirando.
— Não, não. Por favor, não precisa ir. Eu vou dormir agora.
Nunca imaginei que Wonders fosse tímida e também sei que ela quer me
deixar passar um tempo com a minha mãe.
Viro o celular para mim, a fim de me despedir.
— Eu falo com você amanhã? — pergunto.
— Sim, claro. Antes me diga, a Maddy está bem?
— Ela teve alguns problemas, mas está melhorando. Madison é forte,
vai conseguir.
— Eu sei que vai — Wonders suspira. — Boa noite, amor.
— Boa noite, princesa.
Alice me entrega um sorriso doce antes de desligar. Eu fico preso a
memória do que acabou de acontecer. Ela é linda, completamente engraçada
e divertida, eu gosto de conversar com Wonders, gosto de ver suas bochechas
corarem, de perguntar sobre o seu dia.
E gosto ainda mais da sua presença.
— Ela é linda — minha mãe fala, me tirando dos devaneios. Pumpkin se
senta ao meu lado novamente. — Dá pra ver o quanto gosta da Alice.
— Acho que algumas pessoas notaram antes de mim.
Ela ri.
— E como foi a sua noite?
— Boa. Fui numa festa e quero dormir em casa hoje.
— Isso é ótimo. E, Nick, seu pai me contou que você decidiu estudar
literatura.
— Sim, eu estudava, mas tranquei o curso por um tempo. Volto depois
dos bailes.
— Eu fiquei feliz com isso, sempre me perguntei o que ia escolher.
— Você me incentivava a ler, mãe.
Pumpkin sorri com animação e suspira em seguida. Minha mãe não
continua o assunto, ela se levanta, indicando a sua saída.
— Bom, eu vou dormir. — A mulher ajeita os fios louros e me examina
por uma última vez. — Vê se toma um banho e descansa, posso sentir o
cheiro de bebida. Boa noite, filho.
Ela me disse boa noite, depois de anos.
— Boa noite, mãe. — Quase engasgo nas palavras, afinal, ainda não me
acostumei.
Pumpkin me deixa sozinho para pensar no sorriso de Alice, em suas
bochechas vermelhas e, infelizmente, me lembrar das palavras de Alexander.
57

OLÁ
“Quinze centímetros de salto,
ela entrou na boate
como se não fosse problema de ninguém.
Minha nossa, ela assassinou todo mundo
e eu fui sua testemunha.”
Beyoncé & The Weeknd | 6 Inch

NICHOLAS THOMPSON
Uma semana depois.

O tempo passou com certa lentidão.


Desde que Chris conversou com todos nós, tenho a visto mais próxima
de Andressa e Madison. Tiveram que adiar o baile de inverno por duas
semanas, já que a academia está sendo reconstruída e minha avó passou por
momentos conturbados — essa foi a desculpa que deram, claro. Na verdade,
querem evitar o caos do momento o máximo possível.
Minha irmã e Margot decidiram assumir o relacionamento que fingiam
não existir anos atrás. Isso tudo em uma semana, mas apesar das mudanças
constantes, Wiston Hill está calma — até demais. Sinto falta de uma boa
tempestade.
— Você não vai encher a cara, certo? — Hannah pergunta, deslizando o
segundo copinho de tequila pelo balcão.
Nego, mesmo sem saber a resposta, e viro a bebida.
É aniversário de Christina Vender, um momento perfeito para uma festa.
O Heaven Bar está animado, cheio de luzes neon em tons de azul e
convidados que conheço. Maggie, entretanto, não parece tão feliz e eu
prometi a Chris que não me aproximarei da garota, afinal, já dormirmos
juntos e Vender tem certeza de que a sua prima faria isso de novo.
A aniversariante surge sorrindo pelo corredor do Heaven. Ela caminha
até onde estou e me entrega uma piscadinha.
— Está atrasado!
— Eu posso me atrasar, o aniversário não é meu.
A loura rola os olhos.
Aproveito para analisar suas roupas, seu top preto e sua calça bege um
tanto larga, mas presa em sua cintura. Chris se apoia no balcão ao meu lado.
— E meu presente?
— Ah, é verdade. Eu me esqueci — caçoo. Hannah ri, mas a Christina
faz um biquinho. — Mentira, Vender.
Do bolso de trás da calça eu retiro uma caixinha pequena e a entrego
com calma. Chris se ajeita, tira a tampinha e puxa o simples colar de dentro.
Nele, há uma pedra pendurada, algo que escolhi por um motivo, claro.
— O que significa? — pergunta, analisando o objeto.
— Primeiro, combina com o seu cabelo. — Rimos. — É citrino, não tem
a ver com seu signo, mas dizem que ajuda a ter felicidade e elimina os medos
e a ansiedade. Também equilibra o ego.
Ela faz uma careta.
— É perfeito — Hannah zomba.
— Você pode pesquisar sobre depois. Acho que combina com esse seu
momento.
Chris baixa o olhar e examina o colar por uma última vez. Ela sorri
sutilmente e, então, encontra meus olhos.
— É ótimo, Nicholas. Obrigada.
Suas mãos me entregam o objeto e fico em dúvida. O que ela quer?
— Pode colocar em mim? — Chris se vira de costas, tira os cabelos do
caminho e me deixa encaixar a corrente em seu pescoço. Assim que termino,
ela gira o corpo e volta a me fitar, enrubescendo um pouco.
— Feliz aniversário — digo, agarro em sua mão e a entrego um beijo
leve. Vender não responde, ela sorri de canto e sai, sem continuar o assunto.
— É, você ainda deixa algumas garotas sem ar — Hannah comenta e
desliza outra dose de tequila pelo balcão, dessa vez, ela beberá comigo.
— Eu só fui legal. — Mordo o lábio.
— Ah claro, Nicholas Thompson só foi legal. Um brinde a isso então.
— E nós dois viramos os copinhos.
A música alta ecoa pelos corredores do Heaven e acredito que possa ser
ouvida da praia. Maddy e Tommy sumiram — teoricamente, porque tenho
certeza de que estão se pegando em algum lugar.
Hannah continua servindo os convidados, pessoas que me são familiares
— devo ter as conhecido no colégio — e meninas da fraternidade. Não tenho
muito o que fazer, vim à festa por Chris Vender, que não desgruda de
Andressa e Juliet. Jack está fumando e minha irmã parece mais interessada na
conversa com Margot.
Fico pensando na primeira vez em que vi Alice Wonders. Ela realmente
acha que só prestei atenção em seu corpo quando estávamos do lado de fora
do Heaven, mas é mentira. Naquela noite eu a encontrei antes de sair para
fumar, eu a vi bebendo sem companhia. Eu sabia que ela era nova, sempre
soube, mas seu nome não me era conhecido.
Eu a analisei enquanto andava até o corredor dos banheiros e decidi
fumar um cigarro qualquer quando sumiu do meu campo de visão. Não
imaginei que a mesma menina fosse sair do Heaven e me encontrar do lado
de fora.
Para ser sincero, ela me fascinava desde a primeira vez em que a vi de
longe. A achei linda, despreocupada, nervosa e desanimada. Eu fiquei
curioso. Alice me fez querer saber quem ela era de verdade e, por isso, me
deixei levar quando me pediu um cigarro.
A sua voz era mais doce do que eu havia imaginado, seu cheiro e seus
flertes eram melhores ainda. A fascinação cresceu.
Depois daquilo eu entrei no Heaven e me escondi num canto qualquer,
eu joguei sinuca e continuei a analisando enquanto a menina tomava mais
algumas doses. O bar estava cheio, ela não me encontrou em meio à
multidão. E eu a vi partir sozinha, me segurando para não ir atrás. Eu sabia
que seria errado, ela estava bêbada. Alice foi embora e eu fiquei no Heaven
por mais algumas horas. Naquela noite eu me desapeguei da visão que tive,
da pergunta que me fez — gosta do que vê? — e da cor dos seus olhos.
Mas na manhã seguinte a memória me atacou e me consumiu.
Agora, sentado num banco desse mesmo bar, só posso aproveitar desses
pensamentos. Naquela noite eu não imaginava tudo que estava prestes a
acontecer, eu não sabia que Wonders se tornaria a minha namorada, a garota
que amo. Entretanto, nesse momento, tudo faz sentido. O destino brincou
com a gente, separou e uniu, mas nos fez ficar juntos. Não tenho porquê
reclamar.
Prometi a Hannah que não beberia muito, quatro doses de tequila e
pronto, acabei. Ela não quer me servir mais nada, nem mesmo rum. Diz que
não posso pilotar uma moto estando bêbado e tem razão.
Ouço as conversas paralelas ao meu redor, porém continuo sentado em
meu pequeno banco redondo, com os cotovelos apoiados no balcão e o colar
de serpente entre as mãos. Ao fundo, a introdução de Wicked Game, de Chris
Isaak, começa a tocar. Eu a reconheço logo, a música favorita da minha mãe,
aquela que dancei com Alice no baile de máscaras.
Hannah me analisa com cuidado, nossos olhares se encontram e ela sorri
no segundo em que a letra começa. A voz me é familiar, doce e suave,
combinando perfeitamente com o ritmo. Sei que uno as sobrancelhas em
dúvida, porque Hannah aponta com a cabeça para algo atrás de mim e eu me
viro sem entender muito.
Lá está ela, Alice Wonders, num palco pequeno de karaokê, cantando
cada partezinha e me olhando enquanto o faz.
Eu poderia a assistir por horas, Alice tem uma voz maravilhosa. Quando
o som acaba, a menina sorri de canto e sua timidez retorna. Ela coloca uma
mecha de cabelo atrás da orelha e desce do pequeno palco, desfilando dentro
de sua saia jeans e blusa preta apertada e de mangas compridas. Os saltos de
suas botas batem no chão e eu juro que posso ouvir cada passo até ela me
alcançar.
É como se estivéssemos num lugar silencioso, o que seria o oposto do
Heaven Bar.
Ninguém mais importa, não agora.
— Achei que não fosse voltar — comento quando seu corpo para à
minha frente.
— Menti. Eu já tinha planejado algumas coisas.
— Eles sabiam, não?
Alice morde o lábio.
— Muita gente sabia, Thompson. Eu te disse que precisava ir, mas não
falei que seria pra sempre. Sentiu minha falta? — pergunta, se encaixando
entre as minhas pernas e me olhando nos olhos.
— Mais do que imagina.
Eu a beijo com delicadeza e vontade. A beijo para matar toda a saudade,
para me lembrar do seu cheiro, do seu gosto, da sua pele.
Eu a beijo como se dependesse disso.
Alice está linda. O batom vermelho, agora desbotado, enfeita seus
lábios, e os cabelos dançam sobre seus ombros. Paro de beijá-la apenas para a
observar.
— Olha só quem temos aqui! — A voz nos distrai. Chris Vender se
aproxima, toda animada. A loura para ao nosso lado e espera por uma reação
minha.
— Sabia disso?
Vender sorri de canto antes de responder.
— Eu sei de tudo, Thompson. E é meu aniversário, certo?
Concordo e percebo a troca de olhares das duas.
— Eu meio que consegui o número da Christina. Nós conversamos.
— Meio que conseguiu? — Encaro Alice que suspira.
— Andressa. — Ah, claro, todas elas planejaram isso. — A ruiva
sugeriu que eu voltasse hoje.
— E deu certo — Vender sussurra. — O aniversário é meu, mas o
presente é seu, Thompson.
Não consigo segurar a risada, Chris mudou demais, chega a ser estranho.
Contudo, eu gosto dessa sua nova versão, por mais divertida que a antiga —
aquela que me odiava — fosse.
A loura se afasta e me deixa aproveitar da companhia de Alice.
— O que vamos fazer hoje? — Seus olhos encontram os meus. — Tem
algo em mente?
— Você planejou tudo — relembro. — O que vamos fazer, Alice?
— Bom, estamos no Heaven. É uma boa oportunidade pra gente...
— Se conhecer de novo?
Ela sorri e assente, seus dedos brincam com a beira da minha camiseta,
sinto sua pele contra a minha.
— Tudo bem, novata. Prazer, sou Nicholas Thompson.
— Alice Wonders.
— Alice, gostaria de andar comigo?
— Andar com um desconhecido? — Um biquinho surge.
— Eu fiquei sabendo que você foi na casa de um desconhecido há
alguns meses.
Me refiro a primeira vez que ela entrou na mansão Thompson.
— Bom argumento, Nicholas.
Me levanto com pressa e, antes de sair, aceno com a cabeça para
Hannah, que parece satisfeita. Alice segura na minha mão por vontade
própria e me acompanha até o lado de fora do bar, onde a noite já toma conta
e o cheiro do mar se espalha pelo ar.
A porta se fecha atrás de nós e me apresso a puxar seu corpo para perto
do meu. Coloco a menina contra a parede, como na primeira vez em que nos
vimos. A pego de surpresa, fazendo-a suspirar.
— Eu acho que a gente já se conheceu o suficiente, novata — brinco e
Wonders refreia um sorriso. — Não concorda?
— Se eu disser que sim, o que vai fazer?
Os olhos de Alice brilham com a luz que os ilumina, aquela azul, da
placa do Heaven Bar.
— Primeiro me diz.
— Sim, a gente se conhece o suficiente.
E com a sua resposta, eu agarro em seu corpo e a beijo com vontade.
Nossas respirações falham, suas mãos seguram em minha camiseta e as
minhas, em sua cintura e nuca. Wonders me puxa para mais perto, como se
isso fosse possível. Ela me deixa limpar o batom de seus lábios, me deixa a
tomar por completo — ou quase. Sua boca me aquece, nossas línguas se
encontram e meu coração acelera. Seu beijo é delicioso, quente, intenso.
Sinto sua perna entre as minhas, esbarrando em uma sutil ereção, então, a
solto, precisando recuperar o ar. Alice arfa incansavelmente, mas um
sorrisinho bobo descansa em seu rosto.
— Por que não fez isso naquele dia, seu idiota? — Um soco atinge meu
peitoral e eu rio.
É, esperamos demais para qualquer coisa. Eu queria ter arrancado o
cigarro de sua mão, ter a colocado contra essa mesma parede e a devorado
com voracidade.
— Por que você não fez? — retruco. Eu sei que Alice pensava no
mesmo e poderia ter me beijado, eu não ia a impedir.
Wonders apenas rola os olhos e morde o lábio, me provocando. Ela faz
um biquinho enquanto Tommy e Madison se aproximam pela calçada larga.
Eu sei muito bem o que estavam fazendo no carro dele, estacionado num
lugar isolado da praia.
— Eles parecem bem — ela sussurra antes do menino a avistar e se
aproximar com pressa. Me afasto do corpo da garota e deixo-a falar com os
dois.
— Alice Wonders? — ele quase grita. Tommy a puxa para um abraço
que a faz perder o equilíbrio. Enquanto isso, Maddy fica desacreditada.
— É, ela voltou — sussurro para a loura que sorri e os separa, se
enfiando no meio e puxando Alice para si.
— Também senti sua falta — ela diz para Madison.
— Eu não sabia que ia voltar!
— Bom, eu planejei as coisas com a Chris e a Andy — Wonders
confessa.
— E por que não me contou?
— Porque você ia deixar escapar.
— Não ia não! — Maddy soa brava, mas sei que não passa de atuação.
— Ia sim — Tommy e Alice retrucam em uníssono.
— Ia mesmo — concordo.
— Tudo bem, eu não sou boa com segredos alheios, mas fico feliz que
tenha voltado.
— E eu fico feliz que estejam bem e juntos. — Alice pisca para os dois e
Tommy esboça um sorriso.
Não aguento mais esperar, gosto de ver a alegria de Wonders ao
reencontrá-los, mas preciso dela.
— Tudo bem, o reencontro foi ótimo. Agora, eu quero a atenção da
Alice todinha pra mim — conto e Thomas ri.
— Isso é um pouco egoísta, não acha? — Madison reage.
— Pergunta pra Chris, eu sou um idiota egocêntrico, lembra?
A loura rola os olhos e antes que possa argumentar, Tommy a puxa com
delicadeza para longe de nós e para dentro do Heaven.
— A gente se vê depois — ele diz ao abrir a porta. Maddy não se
despede, só faz um biquinho e se retira.
Ficamos sozinhos novamente.
— Então, quer toda a minha atenção, Nicholas?
— Isso e — a empurro contra a parede — outras coisas.
— Você nunca para de ser malicioso?
— A culpa é sua, Wonders, que nunca para de me provocar.

Quando estacionei na frente do hotel já conhecido por nós, Alice sorriu


com maldade. Ela sabe o que tenho em mente, estamos reescrevendo a noite
em que nos conhecemos.
Fecho a porta enquanto ela analisa o cômodo pequeno e agradável.
— Eu me lembro desse lugar — sussurra. Alice anda em minha direção
e para na minha frente. — Me trouxe pra um hotel. Você tem muita
autoconfiança, não é, Nicholas?
— Tenho sim. E você, Alice, queria ir pra onde?
Ela olha para a cama, as paredes e, depois, encontra meus olhos.
— Não consigo pensar num lugar melhor que esse.
— Também tem muita autoconfiança, não é?
Wonders concorda e morde o lábio inferior. Não me controlo mais, a
agarro pela cintura e sei que sorrio enquanto o faço, mas ao beijá-la não há
doçura. Não somos doces, somos amargos, intensos, e eu adoro isso. Ela
cheira a cereja, mas não tem esse sabor. Alice é deliciosamente diferente.
Seguro em sua nuca e mantenho o beijo enquanto a empurro até a cama,
sem precisar de muito esforço. Antes que seus joelhos batam na madeira e ela
caia deitada sobre o colchão, arranco sua blusa preta, deixando-a de sutiã.
— Está com pressa, Thompson? — A menina me analisa ao perguntar e
joga os cabelos para trás dos ombros.
Meu corpo queima, não parece que estamos próximos do inverno. Alice
retira as botas e se deita no colchão enquanto me assiste fazer o mesmo com a
camiseta.
— Não cansa de me provocar, não é?
— Nunca — sussurra.
Seus lábios já não estão vermelhos como antes, mas ainda me
conquistam. Me coloco sobre a menina e me encaixo entre suas pernas que
apertam meu corpo. Beijo seu pescoço, sua clavícula, seus seios.
— Nicholas — chama e eu a encaro, me apoiando nos cotovelos. — Eu
quero agora.
— Acho que você que está com... — Nem termino, Wonders me puxa e
me beija com desejo, mordendo meu lábio inferior.
Nos devoramos lentamente.
— Eu não tenho camisinha, Alice.
— Mas eu tenho.
Essa menina é perfeita. Ela retira um pacotinho de um dos bolsos da saia
e, em seguida, volta a me beijar com vontade. Suas mãos grudam em minha
calça e abrem o zíper sem precisarem de ajuda. Eu subo sua saia jeans um
tanto apertada, dobrando-a para cima, e puxo sua calcinha. Numa breve
pausa, me ajeito e visto a camisinha, depois, toco-a em seu ponto fraco, seu
clítoris. Alice suspira e me analisa antes de qualquer coisa.
— Eu te quero pra sempre — geme e sorri para mim, que continuo
sentindo sua boceta molhada contra meus dedos.
— Pra sempre é muito tempo — conto.
— Exatamente.
E assim que ouço sua fala, a penetro com calma. Alice fecha os olhos e
inclina a cabeça para trás. Vê-la assim é a melhor coisa, gosto de a assistir
enquanto transamos.
Wonders agarra em minhas costas, como sempre, e suas unhas
desenham em minha pele. Começo os movimentos com lentidão, sentindo-me
dentro dela, sentindo o quão excitada Alice fica para mim. E continuo,
porque gosto dos seus gemidos baixos que logo aumentarão de volume.
Enquanto Alice olha em meus olhos e suspira de prazer, me movo com
vontade. Uma das minhas mãos agarra em sua coxa e a aperta, fazendo-a
sorrir maliciosamente.
— Nicholas — ela sussurra entre gemidos. A fodo com mais força,
fazendo a cama se mexer a cada estocada, e sinto como Alice é perfeitamente
apertada.
Ela é maravilhosa.
Começo a gemer sem conseguir disfarçar e a menina sorri, Wonders
também gosta de me assistir quando estou dentro dela. Ela me beija,
rompendo nossos sons. Agarro no lençol e faço questão de aumentar a
velocidade. As suas pernas me apertam com força e ela suspira contra meus
lábios.
O suor escorre por minha nuca. Seus sons já aumentaram o suficiente
para me deixar cada vez mais excitado e ela continua olhando em meus
olhos. Seu corpo se contorce com leveza quando a penetro intensamente.
— Eu vou... — Alice nunca termina essa frase. Seus dedos descem até
seu clítoris e Wonders faz movimentos circulares, posso senti-los contra a
minha pele.
— Vai gozar? — provoco e ela murmura um sim. Alice molha os lábios
e um gemido delicioso a escapa quando ela inclina a cabeça para trás
deixando o orgasmo a atingir.
Seu corpo treme, suas mãos me puxam para perto e o prazer que sinto é
mais forte que qualquer coisa. Eu sei que estou quase lá, não posso parar
agora. Alice geme em meu ouvido como se dependesse disso, desse
sentimento. Eu me enfio nela com mais ímpeto e minha respiração falha
quando gozo e me deixo cair sobre o corpo de Wonders, apertando os lençóis.
E como de costume, ela ri baixinho em meu ouvido.

Seu corpo aquece o meu e vice-versa, deitados na cama do hotel,


olhando para teto. Podemos dizer que nos conhecemos de novo e que não foi
amor à primeira vista, mas talvez, segunda ou terceira.
— No que está pensando? — Wonders contorna minhas tatuagens com
as pontas dos dedos. — Algo bom ou ruim?
— Em você. — Sou direto. — Não imaginei que fosse voltar, nem hoje,
nem depois.
— Eu não queria voltar, mas mudei de ideia. Vou continuar o tratamento
por aqui, preciso me cuidar e me manter longe de bebidas, mas vou ficar
bem.
— Vai, você vai ficar bem — afirmo mais para mim do que para ela,
que sorri sutilmente e me analisa de perto, se apoiando no cotovelo.
— A gente foi direto ao assunto, não?
— Sua saia ajudou um pouco. — Rimos.
— Mas eu sei que não está pensando apenas em sexo. — Alice arqueia a
sobrancelha como se pudesse ler a minha mente. — Fala logo.
— Antes do Alexander ir embora, ele me procurou e me disse uma
coisa.
— Nicholas, ele gosta de te provocar. Não pode dar atenção.
— Acontece que dessa vez, Alice, ele tem razão. Disse que a Polly
esconde mais coisas, que ela nunca gostou de você.
— Isso não é uma novidade. — Wonders faz um biquinho. — Acha
mesmo que ele falou a verdade? Pare de ficar se torturando.
— Eu não tô...
Ela me interrompe:
— Está sim, você tem essa mania! Por isso, Alex colocou essa ideia na
sua cabeça.
— Ainda duvida da Polly? — A menina não responde, apenas se deita
em meu peitoral. — Por várias vezes fiquei me perguntando o que ela faria
com você, principalmente depois de Pumpkin. Alexander é um babaca, mas
pode estar certo.
— Tudo bem, ele pode, mas se a sua avó fez alguma coisa, já foi. Está
no passado. "Pense no passado apenas se a lembrança lhe der prazer".[iii]
Rio um pouco da sua citação, a reconheço logo.
— Orgulho e Preconceito. Andressa leu esse livro por sua causa.
Wonders não continua a conversa, ela volta a contornar as tatuagens da
forma que fazia antes. Eu senti falta do seu toque, dos seus dedos percorrendo
a minha pele.
— Me deve um presente de aniversário — relembro e ela ri.
— Eu não me esqueci, Thompson.

Voltar ao Heaven não me parecia uma boa opção, além disso, não está
tão tarde para levar Alice à mansão. Dormir com ela em meu quarto será mais
confortável que dormir na cama do dormitório, até porque, acho que Jack e
Hannah passarão a noite por lá.
Abro a porta da casa e deixo que Wonders entre primeiro. Ela já está
nervosa, é visível. Seu corpo para no hall e a menina se encosta numa parede
enquanto vozes ecoam pelos corredores.
— Acha que é uma boa ideia? — me pergunta e faz um biquinho. —
Nick, eu nunca namorei assim. Quero conhecer a sua mãe e a sua irmã, mas
estou nervosa.
— Isso é visível, mas você vai se sair bem, amor.
Alice pensa um pouco enquanto lhe dou um selinho. Quando separamos
nossos corpos, a menina assente. Eu vou na frente, mas antes de chegarmos à
sala, uma voz nos chama no salão[SGS1] de festas, onde o piano fica. É
George, meu avô. Me viro e o encontro numa poltrona, lendo um jornal, e
decido ir até o homem. Wonders me segue em silêncio, segurando em minha
mão.
— Ah, Alice — ele reage com animação ao encontrá-la ao meu lado —,
que bom te ver.
— Te digo o mesmo, Senhor Thompson.
— George, por favor.
A garota enrubesce no mesmo instante. Faço questão de olhar em seus
olhos, para que saiba que está tudo bem.
— Estão namorando? — outra voz questiona. Nos viramos num pulo,
pegos de surpresa. Polly está em outra poltrona, com um livro em mãos.
Alice abre a boca, mas não responde. Seu toque ganha força, ela aperta a
minha mão.
— Estamos sim — conto. Decido ignorar a Polly e me torno ao meu
avô.
— Isso é ótimo! Alice é uma garota muito linda, Nicholas. Tem sorte —
George nos interrompe.
As bochechas da princesa ficam vermelhas, como se todo seu sangue se
unisse nelas. Wonders sorri de canto, coloca uma mecha atrás da orelha e não
hesita em responder.
— Se continuar falando assim, vou ficar sem jeito — ela brinca e
também ignora a presença da minha avó.
— Bom, então vai ficar sem jeito. — Os dois dão risadas.
George sempre foi descontraído, o completo oposto da esposa. Sei que
por esse motivo e outros, o casamento dos dois acabou há anos, assim como
sei que ele quer o divórcio.
— Seus pais estão na cozinha — conta.
— Ah sim, quero que Alice conheça a minha mãe.
— Então, vou deixar vocês em paz. — Meu avô pisca para nós e volta a
ler o jornal.
Caminhamos juntos para fora do lugar, passamos pela grande sala de
estar e quando vemos a luz da cozinha, Wonders aperta a minha mão. Eu
sinto o suor em sua pele, sei que ela fica ansiosa em situações como essa,
então, paro antes mesmo de entrar no cômodo.
— Precisa se acalmar — sussurro. — Alice, eu não quero te forçar a
nada.
— Eu já te disse, só estou ansiosa, juro que vou ficar bem.
— Certo. — Nossos olhares se encontram. — Não conhecia essa sua
timidez.
— É, às vezes ela aparece — brinca.
— Podemos entrar naquela cozinha?
Ela fecha os olhos, respira fundo e assente.
— Com certeza.
Beijo-a na testa e seguro em sua mão. Wonders volta a andar ao meu
lado e entramos no cômodo onde a minha família está reunida.
— Alice! — Grace é a primeira a reagir. Ela pula do banquinho e corre
na direção da menina, que se abaixa pronta para receber a pequena. — Você
voltou!
— Sim, voltei! Fiquei com saudades!
— Eu também — minha irmã sussurra.
Grace demora a soltar Wonders e quando o faz, me apresso a falar algo,
já que o silêncio ameaça surgir.
— Essa é Alice Wonders, a minha namorada. — Minha voz falha um
pouco, talvez eu também esteja nervoso.
— Oi, é muito bom conhecer vocês duas — ela diz, o que me faz rir
baixinho.
— Então, você é a Alice? — Pumpkin sai de trás do balcão e caminha
até a garota. Minha mãe faz questão de a abraçar com delicadeza, notando o
seu nervosismo.
Tento não me intrometer na interação delas, mas Wine me encara com
malícia. Seus olhos encontram os meus e a menina faz um biquinho.
— É, meu irmão tinha razão. Bonita. E finalmente te conheci!
— Obrigada. — Alice ri, sem jeito.
— Vão jantar com a gente, certo? — é Pumpkin quem pergunta.
— Na verdade, mãe, ela vai dormir aqui. A convidei pra passar um
tempo na mansão até decidir onde ficar.
— Perfeito!
Eu sabia que seria fácil. Pumpkin sempre foi simpática, mesmo quando
não gostava das pessoas. Ela faz questão de tratar Alice bem e, sutilmente,
respeitar o nervosismo da menina. Eu entendo o lado de Wonders, conhecer a
minha família é algo complicado — considerando o histórico dos Thompson.
De qualquer forma, parece que todos gostaram dela. Alice ajuda Grace a
arrumar a mesa, ela e minha irmã conversam sobre várias coisas, como Nova
Iorque e neve.
Quando tudo fica pronto, nos sentamos e jantamos. Chega a ser
divertido. Há certo alívio em meu peito, afinal, Alice está bem, assim como
todos os outros com quem me importo.

Ela sai do banheiro enfiada numa camiseta cinza e antiga minha.


Wonders digita algo no celular e eu a assisto.
Porra, ela é linda.
— Acha que gostaram de mim? — pergunta com doçura e deixa o
celular na mesa de cabeceira. Alice continua de pé ao lado da minha cama.
— Ah, eu sei que gostaram.
— Como sabe?
— Durante o jantar, a minha mãe conversou muito você. E a minha irmã
não sabe esconder quando não gosta de alguém.
Um sorriso delicado e fofo aparece em sua face, porém logo é
substituído por uma expressão banhada em malícia.
— Sabe, já que tudo deu certo, eu te devo um presente, não é?
— Ah, deve mesmo. — Rio enquanto ela planeja algo.
— E eu estava pensando em te dar ele agora.
— Eu ia adorar.
Alice agarra o celular e coloca uma música lenta o suficiente, daquele
tipo que me faz lembrar do Red Hell.
— Pretende me surpreender, Wonders?
— Cala a boca, Thompson.
Mordo o lábio, contendo um sorriso de satisfação. O ritmo lento se torna
sensual e o corpo de Alice se move com ele. Seu quadril se mexe com
destreza, suas mãos agarram na beira da camiseta e ela a tira lentamente, me
fazendo a querer mais e mais.
Apenas de sutiã e calcinha, Wonders engatinha pelo colchão até meu
corpo e se coloca sobre mim. Minhas mãos apertam suas coxas, Alice não
para de rebolar em meu colo, ela não para de me excitar. Tudo nela me faz
perder a cabeça e a garota me provoca com calma.
— A gente vai transar de novo — sussurro e ela ri.
Alice desliza as mãos pelo sutiã e o abre, passando-o por seus braços e o
atirando no chão. Droga, eu amo seus seios e não consigo me segurar, meu
autocontrole se torna inexistente. Meus dedos apertam seus mamilos com
delicadeza e ela geme baixinho para mim.
Esse é o melhor presente que eu poderia receber. Alice mentiu quando
disse que não sabe dançar, ela move o quadril como ninguém. Wonders
rebola em mim, me faz desejá-la. Ela não para até eu agarrar em seu corpo e,
com rapidez, mudar a posição, me colocando por cima.
Alice ri e morde o lábio, como sempre.
— Está gostando do presente? — pergunta.
— Ainda não acabou?
— De jeito nenhum. Mas hoje — suas mãos me empurram, fazendo-me
sentar na cama, de frente para ela —, eu fico por cima.
Ah, por mim ela pode ficar por cima quando quiser. Olhar para o corpo
de Alice Wonders é como encarar o paraíso.
A menina se levanta, nua à minha frente, seus joelhos vão de encontro
com o chão e seus dedos começam a soltar os cordões da minha calça.
— Quer ajuda? — a atiço, rindo um pouco. Sinto que o sangue corre
rapidamente por minhas veias, um calor anormal me devora.
Alice consegue terminar o que fazia, ela retira meu pau, nem tão ereto,
de dentro da cueca, puxando-o para fora, e o massageia sem leveza. Ela o
aperta da forma certa, tornando minha respiração curta.
— Alice, se você continuar…
— Vai fazer o quê? Me foder?
Seus olhos me fitam e um sorriso ladino me perturba. Ela está jogando
comigo. Puta que pariu, ela sabe fazer isso muito bem.
— Me chupa — ordeno, mas a menina arqueia uma sobrancelha, sem o
fazer. — É o meu presente de aniversário. Me chupa.
— Você não manda em mim, Thompson.
Um silêncio surge e me seguro para não a puxar e colocar em meu colo.
Alice continua movendo sua mão em torno de meu pau, agora duro e
latejante, dolorido e necessitado. Ela me mede com maldade.
— É, eu não mando em você — sussurro faltando com doçura em minha
voz. A ergo pelo braço, fazendo um sorriso delicioso lhe fugir, e a coloco de
pé.
Wonders parece confusa, ela ameaça me perguntar algo, porém se cala
quando digo:
— Mas posso te convencer — e de repente, puxo uma de suas pernas
para o meu colo, me dando passagem para o seu sexo.
Meus dedos vão de encontro com a sua boceta molhada e Alice se apoia
em meu ombro. Ela solta um gemido leve e baixo, que me obriga a penetrá-la
com dois dedos.
— Vai demorar mais um pouco pra me convencer — sussurra,
agarrando os próprios seios e jogando a cabeça para trás, tomada pela
sensação.
— Eu tenho todo o tempo do mundo — com a outra mão, lhe dou um
tapa ardente numa das nádegas redondas e grandes.
Alice geme e acaba movendo o quadril, involuntariamente, contra meu
toque. Seus sons são calmos, nem tão altos, mas me mostram o quanto
aprecia cada movimento.
— Nicholas, me chupa…
— Ah, agora você quer dar as ordens? — provoco-a.
— Por favor? — um biquinho fofo demais aparece. — Eu vou te
recompensar — brinca e ri baixinho.
— Não precisa — murmuro antes de me colocar no chão, de frente para
seu corpo. Alice se mantém com uma perna apoiada no colchão e a outra
esticada, de pé.
Me ajoelho no tapete e levo meus lábios de encontro com seu clítoris
sensível. Quando a chupo, sinto seu gosto se espalhando pela minha boca, a
garota está ficando mais molhada. Agarro em sua bunda e a seguro, faço
questão de lamber todo seu sexo, de a atiçar com tudo que sei fazer. Volto a
dedicar minha atenção a sua parte frágil e sinto suas mãos em meus cabelos.
Alice me deixa devorá-la.
— Nicholas, você… você é um pouco egocêntrico, mas — um gemido
alto lhe escapa — sabe usar a boca.
Rio contra sua boceta e noto suas pernas trêmulas, Alice goza para mim,
lenta e deliciosamente.
— Nick — murmura, atingindo o ápice. Ouvir meu nome em sua voz é
excitante. Me coloco de pé e a menina me olha, atordoada. Wonders respira
fundo e ri, sem saber o que dizer. — Você…
— Eu? — pergunto, mas acabamos rindo. Wonders se ajoelha no chão,
sem pensar duas vezes, e enfia meu pau na boca, me pegando de surpresa.
Ela me chupa como se quisesse retribuir pelo orgasmo. Alice parece
satisfeita e, ao mesmo tempo, necessitada. Há urgência no que faz com a
língua. Ela chupa a cabeça de meu pênis enquanto gemo e tento entender
como essa garota pode ser tão maravilhosa, em tudo. Percebo-a alisando um
de seus seios com a mão desocupada.
Alice ainda me quer, ela gosta disso, gosta do prazer.
Avisto seus lábios ao redor do meu pau e me controlo para não gozar
quando enfia toda a minha extensão na boca e assim fica por uns segundos.
Depois, Alice usa apenas as mãos.
— Chega — murmuro. A menina ergue a cabeça, confusa. — Eu te
quero agora.
Me sento na cama e ela se encaixa em meu colo. Alice junta nossos
lábios e suspira ao me ouvir dizer:
— Que bom que voltou.
— Eu também acho, amor — diz.

Acordo mais cedo do que planejava, Alice dorme ao meu lado, enfiada
em minha camiseta e sob edredons pesados. Faz frio nessa manhã.
Me levanto com lentidão, o quarto está escuro, a única luz que tenho é
aquela que invade o ambiente através do tecido da cortina. Não quero acordar
Wonders, ela deve estar cansada da viagem e de outras coisas.
Quando transamos não vamos com calma e, sinceramente, essa é a
melhor parte. Em contrapartida, cansamos em excesso e dormir juntos
também é maravilhoso.
Visto a minha calça e saio do quarto sem fazer barulho. Encosto a porta,
caminho pelos corredores da mansão — agradecendo pelo silêncio —, e me
levo à cozinha. Por incrível que pareça, Pumpkin já está acordada, assim
como Wine, que deve ter acabado de sair da cama.
— Nicholas, deveria colocar uma camiseta. Está frio — minha mãe
começa.
— Eu tô bem.
— É, a Alice aquece ele. Deve ter aquecido a noite toda. — Wine não se
contém.
— Ainda bem que você sabe — provoco e ela ri.
— Já chega vocês dois. Estão com fome?
— O Nicholas deve estar com muita.
Bufo com as palavras da minha irmã, ela desconhece limites e sempre
gostou de me tirar do sério. Parece que voltamos ao ensino médio.
— Você não cresce, Wine?
A garota me mostra a língua.
— Eu durmo de frente para o seu quarto, babaca, dá pra ouvir algumas
coisas.
— Te digo o mesmo.
Ela cruza os braços e faz um careta.
— Já chega, Nicholas e Wine. Parece que vocês ainda tem uns quinze
anos.
— É, ela parece ter quinze mesmo — continuo e minha mãe me entrega
um olhar furioso, me silenciando.
Não posso esconder que gosto desses momentos, eles não aconteciam há
anos. Eu senti falta de brigar com Wine e ouvir as reprovações da minha mãe.
Senti falta de acordar cedo e encontrá-las na cozinha.
— Adorei a Alice. — Pumpkin muda o assunto. — Ela é bonita,
inteligente, divertida e gosta muito de você.
— Essa última parte mostra que ela não é tão inteligente assim. — Wine
não para.
— Olha, você... — Nem termino.
— Eu tô brincando, Nicholas, também gostei da Alice.
Suspiro no mesmo momento, eu sabia que a minha mãe ia gostar dela,
mas Wine Thompson é do contra. Ela tem o costume de me irritar e fiquei
com medo do que poderia dizer.
— Alice toca piano — Pumpkin lembra. — Isso significa que você —
ela se apoia no balcão — pode aprender a tocar piano.
— É, Alice está me devendo algumas aulas.
Minha mãe sorri.
A ficha finalmente cai, eu sempre pensei que as duas fosses gostar uma
da outra e gostaram. Eu sempre quis que elas se conhecessem e se
conheceram.
O destino brincou com nós dois de formas inexplicáveis e só posso
agradecer a ele por isso.
58

DESTINO
"Porque você é a razão pela qual eu acredito no destino.
Você é o meu paraíso e farei qualquer coisa
para ser seu amor ou ser seu sacrifício,
porque eu te amo até o infinito."
James Young | Infinity

ALICE WONDERS

Acordar na casa de Thompson e encontrar com a família dele na cozinha


foi estranho. Meses atrás a mansão era silenciosa, a não ser por Grace, e
agora parece uma casa normal — exceto pela falta de decoração e o branco
exagerado.
Durante o café da manhã, Damon disse que viu uma casa na cidade e
acha que Pumpkin vai gostar. Parece que querem sair da mansão e eu
entendo, Polly mora aqui e mesmo com o tamanho do lugar e a distância, ela
ainda está presente.
Preciso admitir que congelei ao encontrar seus olhos na noite de ontem.
A mulher tem as íris frias, vazias de sentimentos. Não sei como George e
Polly se casaram, afinal, ele é simpático e engraçado.
Comemos panquecas, conversei com Pumpkin, que parece feliz com a
situação, e assisti desenhos com a mais nova. Depois do almoço Andressa me
ligou e, praticamente, me obrigou a encontrar com ela e Madison.
Não pode negar — disse. Então, Nicholas me levou de moto até a
mansão da ruiva.
Andressa abre a porta, seu sorriso só cresce quando ela me vê. A
ruivinha me puxa para dentro com animação e me abraça.
— Eu fiquei tão feliz por ter voltado!
— Também fiquei feliz por voltar — falo com dificuldade. O ar me
foge, ela faz questão de me apertar.
Nos separamos após alguns segundos e a ruiva me leva, toda saltitante,
até a cozinha. Ainda me lembro do caminho, dos dias que passei na mansão
dos Morgan. A decoração é a mesma, o ambiente é quente e silencioso. Eu
gosto dessa casa.
No outro cômodo, Madison nos espera. Ela bebe o que parece ser café e
sorri para mim.
— Nicholas não pode roubar a sua atenção agora — a loura provoca.
— Não mesmo, ele foi trabalhar. Entrou mais cedo, porque tirou folga
no aniversário da Christina.
— Ah sim. Ela vinha, mas bebeu demais e está de ressaca — Andressa
conta enquanto me serve um pouco de café.
— Sei bem como é — sussurro. A ruiva cora no mesmo instante e
quando parece que vai pedir desculpas, continuo: — Isso não me afeta em
nada, fica tranquila.
Andressa assente e me entrega a xícara, depois, encontra o olhar de
Madison e elas sorriem como se escondessem algo. Tenho a sensação de que
falavam de mim antes de eu chegar.
— Não gosto de segredos — digo.
— A gente só estava pensando, o reencontro com o Nicholas foi bom?
— A loura me encara. Os risos das meninas se unem num tom malicioso.
— Vocês não têm limites mesmo, não é? Foi melhor do que eu
imaginava, bem melhor.
— É de se esperar. Nick te queria só pra ele ontem — Maddy brinca.
Thompson me teve só para ele de maneiras indescritíveis. Estamos nos
conhecendo novamente e parece que, dessa vez, tudo dará certo. Meses atrás,
quando o vi na frente do Heaven, senti um frio na espinha, como se o caos
que nos atacou já estivesse presente. Mas agora, há calmaria.
Claro que o calor não partiu, ele faz parte de nós. É disso que gosto em
nosso relacionamento, apesar de termos mudado, não mudamos um com o
outro. Eu ainda o amo da mesma forma, desde que descobri esse sentimento
em mim. Desde que tentei fingir que não o queria.
— E estão, finalmente, namorando — Andressa interrompe meus
devaneios.
— Estamos nos conhecendo de novo, sabe? Depois de tudo que
aconteceu. — As duas concordam. — E quanto a você e Tommy?
Maddy faz um biquinho tímido.
— Estamos bem. Quando começamos a sair eu gostava dele como
amigo, mas Thomas me faz sentir diferente, entende? Eu ainda não sei se o
amo de verdade, tenho medo de apressar as coisas, mas ele diz que me ama.
— Você não precisa ter certeza de nada agora. É bom que estejam
felizes, mesmo assim, tem que saber que ter medo nem sempre é um instinto.
— Às vezes é burrice? — Andressa se intromete.
— Eu não usaria essa palavra, mas sim. Esse sentimento faz parte de
você por vários motivos, mas nem sempre está aqui pra te ajudar, Maddy.
— Faz sentido — sussurra e pensa sobre, enquanto tomo um pouco da
minha bebida.
O clima em Wiston Hill não chega aos pés de Nova Iorque, mas o frio,
ainda assim, é intenso. O vento me faz congelar. Nada melhor que um café
amargo e quente.
— Eu não ia tocar no assunto — comento, as garotas me encaram —,
mas você teve uma recaída?
A loura rola os olhos, suspira e abaixa a cabeça. Eu sei bem como é ser
questionada sobre esse tipo de coisa, eu entendo seu lado, mas falar com os
outros não é vergonha. Se abrir não é ruim. Também demorei para descobrir
isso.
— Uma só.
— E como está agora?
— Em alguns dias, quero comer tudo que vejo pela frente e acabo
fazendo isso às vezes. Depois eu me arrependo. Chega a ser desesperador
tentar me controlar. Eu não sei, quando me sinto nervosa ou ansiosa, eu vou
de oito à oitenta. A minha psiquiatra disse que é normal, que com o tempo e o
acompanhamento, vou aprender a lidar com essas crises. Preciso tomar meus
remédios no horário certo e seguir a dieta que meu nutricionista me passou.
— Está fazendo tudo isso?
Nossos olhares se encontram. Noto que Andressa morde o lábio, talvez
ela tenha a mesma dúvida. As pessoas têm medo de perguntar o que querem
saber, principalmente quando é relacionado a assuntos delicados.
— Eu me esforço bastante. Tenho seguido tudo direitinho, mas em
alguns dias eu acordo com vontade de desistir. Tommy está me ajudando
nisso, a me reanimar, a não jogar as coisas pro alto.
— Já se sentiu assim? — Andressa volta o assunto para mim.
— Eu acho que todo mundo já passou por dias como esses.
— Eu sei. — Ela limpa a garganta. — Mas vocês duas estão enfrentando
coisas bem mais estressantes e queria saber se já pensou em desistir.
— Nas outras vezes em que tentei parar de beber, antes dessa cidade e
tudo mais, eu sempre desistia. O mais fácil é desistir, sabe? Mas, dessa vez,
eu acho que estava decidida a parar. Mesmo assim, nos primeiros dias, tive
que me forçar a não pensar em sair da clínica. As crises de abstinência são
horríveis e a culpa, pior ainda.
— E agora? — Maddy continua.
— Agora eu tento focar nas coisas positivas. Eu bebia muito por
ansiedade, por problemas, e se tornou um vício. Eu sei que alguns dias serão
mais difíceis que outros, mas não posso desistir, não mesmo. Se eu o fizer,
não estarei só voltando a beber, estarei jogando fora tudo que conquistei, tudo
que me faz sentir feliz.
— Quem sabe, pensar assim me ajude um pouco — Madison sussurra
para si, mas o silêncio na cozinha não colabora.
— Nunca tente mudar por causa de outra pessoa, Maddy. Isso não
funciona. Faça por si mesma, o máximo que os outros podem fazer é te
apoiar.
Noto as lágrimas nos olhos da loura que respira fundo e me responde.
— Alice, me desculpe por ter te deixado. Você sempre me ajuda e eu
não fiz o mesmo depois da Red Hell. Me perdoa.
— Isso é passado, Madison. Não vamos focar nessas coisas.
Ela concorda e sorri com fraqueza, em seguida, termina de beber o café.
— Agora, chega desse assunto! — exclamo.
— Falando em passado — Andressa começa — eu estava pensando,
agora que não moramos mais na fraternidade, por que não alugar ou comprar
um apartamento perto do Campus? Podemos morar juntas, nós três. Eu já
achei um lugar.
— Parece ser uma boa opção. O que acha, Maddy? — Não consigo
segurar a animação, gosto dessa ideia.
— Eu gosto, mas vou ficar com o Tommy por um tempo. Eu me sinto
bem morando com ele.
— Então, acho que seremos só nós duas. De colega de quartos à colegas
de apartamento! — a ruiva comemora.
— Perfeito, mas o que vamos fazer hoje?
— Ver filmes! Andy separou alguns pra gente, mas acho que só tem
romances. — Maddy ri.
— E que tal mudar um pouco? Filmes de terror seriam uma boa.
Elas negam juntas, balançando as cabeças.
— Vão dizer que têm medo?
— Eu não sou muito fã desse gênero. — A ruiva faz uma careta e dá de
ombros.
— Coisas novas, Andressa. Vamos! Eu escolho, acabei de voltar pra
cidade.
— Tudo bem, acho justo — Maddy concorda comigo e como
recompensa, ganha o olhar furioso da ruiva, que não consegue negar o meu
pedido.
— Vocês escolhem da próxima vez! — insisto.
Andressa rola os olhos, mas assente. Ela gosta de coisas fofas e
dramáticas, mas meu tipo favorito de filmes é terror antigo, como os dos anos
oitenta e noventa.

Passamos a tarde assistindo a maior parte dos filmes do Wes Craven. As


duas gritavam nas cenas mais bobas e, às vezes, a ruiva se escondia sob a
coberta. Para mim foi superdivertido ver o medo no rosto das meninas.
Eu já tinha assistido todos os filmes que escolhi, por isso, fiz questão de
assustá-las quando o silêncio tomava conta.
Preciso dizer, esse dia foi maravilhoso e se Chris, Hannah e Juliet
estivessem com a gente, teria sido ainda melhor. Entretanto, a primeira estava
de ressaca, a segunda trabalha com Nick e a terceira precisava terminar um
trabalho para a faculdade.

Só quando abro a porta da mansão Thompson, o carro de Thomas parte.


Ele, como sempre, me deu uma carona.
Os corredores estão silenciosos. Grace não deve estar presente, senão, o
som da televisão estaria ecoando pela casa.
— Nick? — chamo e não obtenho resposta.
De acordo com que ando, vou ouvindo barulhos no segundo andar,
como se móveis fossem arrastados. Acho que a maior parte da família saiu,
mas alguém ficou para trás. Me resta descobrir o que está acontecendo.
Subo os degraus, passo pelo corredor extenso e sigo os ruídos agora
mais altos. As portas do escritório de Polly estão abertas e a luz, acesa. Hesito
um pouco, não quero encontrar a avó de Nick, não quero que ela me olhe
com aquela frieza, mas quando penso em ir embora e me trancar no quarto do
menino, reconheço a voz de Wine.
— Não tem nada aqui — ela diz.
Decido ir até o cômodo de uma só vez. Assim que chego à porta, os dois
quase pulam de susto e me encaram. A sala está revirada e organizada ao
mesmo tempo.
— Que merda estão fazendo?
A menina ri e Nick suspira.
— Quase me matou do coração. Eu já ia te buscar na casa da ruiva.
— Tommy me deu uma carona, ele foi buscar a Maddy. Eu te mandei
uma mensagem. — Entro na sala e analiso os papéis espalhados pela mesa.
— Entendo porquê não viu.
— Eu não consegui esquecer o que Alex me disse — revela. Cruzo os
braços, furiosa.
— Ele me contou e eu quis ajudar. — Wine sorri de canto.
— Certo, mas acho que revirar o escritório da avó de vocês não vai
resolver muito. Ela não é burra.
— Na verdade — Wine alterna o olhar entre nós —, isso faz sentido.
Polly não deve esconder os segredos dela aqui. Não mais.
— Em que outro lugar ela passa o tempo? — questiono.
— Desde o acidente, no quarto... — A ficha cai para Thompson antes
que eu possa pensar numa resposta.
O menino passa por mim e sai da sala com pressa, nos fazendo segui-lo.
Eu sei para onde Nicholas está indo e ele não vai desistir.
— Tem certeza disso, amor? — Tento, mas seus passos se apressam.
— Ela saiu, foi pra fisioterapia. Eu preciso fazer isso — é tudo que
Nicholas diz antes de abrir a porta e se enfiar no grande quarto de Polly
Thompson.
Quando me dou conta, todos nós estamos dentro do cômodo, revirando
as coisas. Há certa curiosidade em mim, se Alex sabe de algo, se ele disse a
verdade, o que foi que essa mulher fez? Mexo na pequena estante dela, Wine
procura no guarda-roupas e Nick tenta nas gavetas da mesa de cabeceira, até
que encontra o notebook da Polly sobre ela. A primeira coisa que ele faz é se
jogar na cama e o abrir.
— Não tem senha? — Wine pergunta e continua procurando por
qualquer coisa que seja.
— Claro que tem. Thompson, a senha mais idiota possível — ele caçoa.
Eu me sento ao lado de Nick e tento o ajudar.
O menino acessa o e-mail de Polly, ele desce a tela, sobe, abre o lixo e
não encontra muito nele.
— Espera, e se você entrar naquela pasta? — Me lembro de ter visto
uma marcada como importante.
— Qual?
— Aqui. — Assumo o controle do mouse e mostro o que vi. Clico duas
vezes e várias mensagens aparecem, todas elas para a mesma pessoa.
Alexander Chelton.
— Que merda é essa? — ele sussurra e abre a mais recente.
Há um arquivo anexado e Nick clica nele sem esperar muito. Enquanto o
computador carrega, Wine se aproxima de nós com os braços cruzados.
— São recibos — Nick sussurra. — Polly estava pagando Alex.
— Do que está falando? — pergunto e puxo o notebook para o meu
colo. Nicholas me deixa fazer o que quero, afinal, parece ser algo relacionado
à mim.
Eu consigo encontrar a mensagem que começou todo o resto e, enquanto
a leio, minha cabeça lateja. Pela primeira vez em dias, eu penso em
simplesmente desestressar da pior maneira possível.
— Você só pode estar brincando comigo — me pego comentando.
— O que foi, Alice? — Wine me encara com preocupação.
— Polly pagou para Alex vir à Wiston Hill. Ela fez isso.
Nick parece tão chocado quanto eu. Ele pega o computador e lê toda a
mensagem.
— Ele contou sobre o seu passado e o relacionamento de vocês.
— E aí, a sua avó o pagou para vir à Wiston Hill, pra tentar me fazer ir
embora. Ela sabia que eu não queria ver o Alexander.
— Isso foi uma baita sacanagem. Sério, a Polly é muito filha da puta. —
Wine ri de nervoso.
Eu me controlo para não fazer uma besteira, não acredito que a mulher
chegou à esse nível só para me afastar de Nicholas. Não acredito que ela acha
que tem esse direito, é ridículo e irritante.
Fecho os olhos e respiro fundo, meu coração volta ao normal.
— Alice, você está bem? — Nick pergunta e segura a minha mão. Eu o
olho e nego com a cabeça. — Isso aqui é passado, não precisa...
— Eu tô com muita raiva, Nicholas. Não vou fazer uma besteira, não
vou beber. Eu só vou acabar com a sua avó.
Os irmãos se entreolham com certo receio, mas eu tenho certeza, vou
destruir Polly Thompson. Eu poderia deixar isso para trás, ignorar, mas ela
sairia por cima e isso não vai acontecer.

A porta da mansão se abre e Polly Thompson entra, empurrada por


George. Atrás dela estão Damon e Quinn. Eu fiz questão de esperá-la na
frente da escada, enquanto tento digerir tudo que li naquelas mensagens.
— Oi Polly — digo e todos me olham com surpresa. O som que segue a
minha voz é o da porta se fechando.
— Onde estão minha mãe e Grace, pai? — Nicholas pergunta a Damon.
O menino decidiu ficar comigo e me deixou fazer o que eu quiser.
— No parque. Por quê?
— Porque eu preciso conversar com a Polly — conto. — Todo mundo
disse o que queria pra ela, mas eu não.
— Do que está falando, Alice? — George tenta.
— De como ela acha que tem o direito de se intrometer na minha vida.
De como ela pagou para Alexander vir à Wiston Hill e me fazer ir embora.
De como ela sabia de tudo e usou o meu passado contra mim, só porque não
me queria perto do Nicholas.
— Espera, o quê? — Damon soa realmente surpreso, mesmo depois de
Wine e Pumpkin.
O olhar da mulher encontra o meu, eu ando até ela e me abaixo à sua
frente — ficando da mesma altura.
— Sabe o que eu acho? Que esse é seu carma. — Polly não discute. —
Você ferrou com muita gente porque estava no topo. — Me levanto. —
Agora, me diz como é estar embaixo.
— Acha mesmo que estou por baixo, Alice?
— Eu acho que você não entendeu tudo que aconteceu. Seus planos
deram certo por um tempo, Polly, mas agora, tudo desmoronou. Ainda não se
deu conta?
Ela volta a ficar quieta, contudo, a sua seriedade me deixa satisfeita.
— Eu nunca abaixaria a cabeça pra você. Acho que gostou de ver o que
Alexander fez comigo, mas eu voltei. E todo seu passado voltou.
— Você não sabe com quem está falando.
— Eu sei exatamente com quem estou falando, Polly Thompson,
acontece que a coroa não está mais na sua cabeça. Me conta como é isso.
Nada, absolutamente nada. A mulher engole em seco e se cala no
mesmo instante.
— Espero que se lembre — sussurro, apenas para ela — que fui eu
quem começou essa tempestade.
A última coisa que vejo antes de me virar e sair, é o sorriso sumir do
rosto de Polly. Sua petulância se dissipa pelos ares e, para ser sincera, essa
visão me causa uma sensação maravilhosa.
59

FINAIS FELIZES
"Amor, estou dançando no escuro,
com você entre meus braços,
descalços na grama,
ouvindo nossa música favorita."
Ed Sheeran | Perfect

ALICE WONDERS

Ouço um clique de uma câmera segundos antes de abrir os olhos. A luz


já invade o quarto de Nicholas, me encolho sob os lençóis e encontro seu
sorriso.
— O que está fazendo? — Minha voz falha.
— Tirando uma foto sua.
— Dormindo?
— É, você fica fofa dormindo, não consegui resistir. — Ele morde o
lábio.
— Sabe, a gente tirou algumas em Nova Iorque e eu estava acordada
nelas. — Me ajeito um pouco e me deito em seu peito. Nick me abraça e
acaricia meus cabelos.
— Eu sei, mas você é linda.
— Você é um bobo. Que horas são?
— Dez — sussurra.
Não quero me levantar, se pudesse, eu ficava nessa cama com Nick, para
sempre. O frio não ajuda muito, apesar de ser minha época favorita do ano.
— Quer sair hoje? Não vou trabalhar.
— Pode ser. Agora, eu só quero ficar nessa cama.
Nick ri.
— Que tal tomarmos café? Estamos sozinhos na mansão, podemos fazer
outras coisas também...
Abro os olhos e encontro suas íris azuis me analisando.
— Eu acabei de acordar e você já está pensando em sexo?
— Isso é um problema? — Ele une as sobrancelhas.
— De jeito nenhum, mas aceito panquecas antes.
Nicholas me entrega um selinho e se levanta com pressa, seu abdome
definido, como sempre, rouba a minha atenção. Ele veste uma camiseta preta
e espera até eu sair da cama.
— Mas está tão friozinho...
— Alice... — ele pede, rindo.
Jogo as pernas para fora e faço um biquinho.
— Tudo bem, mas quero as melhores panquecas que você já fez na vida.
— Ah, não é só isso que vai receber, princesa.

Depois do café da manhã, apesar de toda a vontade que temos de transar,


o frio não colabora. Acabamos sob as cobertas — dessa vez no sofá da sala
—, tremendo e abraçados, além de completamente vestidos.
— Quer ver um filme? — pergunto e me encolho. Nick agarra o
controle e liga a televisão.
— Que tipo de filme você gosta?
— Terror, horror ou suspense.
— Sério? — Ele me encara e eu apenas assinto. — Achei que gostasse
de romances.
— Ah, por favor.
— É brincadeira. — Ri. — Quer escolher?
— Pode fazer isso. Ontem eu escolhi todos na casa da Andressa.
— Espera — Nick franze o cenho —, você fez a Madison Foxx assistir
filmes de terror?
— Exatamente. — Sorrio.
— Me convidem da próxima vez, eu preciso ver isso.
— Ah, para!
Nós rimos juntos. Maddy era a que mais se assustava, ela quase pulou
no meu colo. Sei que Nick a conhece bem e deve imaginar a cena.
Ele continua procurando por algum filme enquanto eu me aperto contra
seu corpo, mas todo esse conforto acaba quando o som da campainha surge.
— Ai, droga — reclamo baixinho.
— Deixa que eu atendo. Toma — ele me passa o controle —, pode
escolher o filme.
Nick se levanta e caminha com total desânimo até a entrada da mansão.
Ouço a porta se abrindo e a voz familiar de Christina Vender.
— Oi Thompson, posso falar com a Alice? — ela pergunta com doçura.
Nicholas não responde, mas seus passos ecoam pelo corredor. De
repente, a loura aparece, enfiada num casaco preto e pesado.
— Oi — diz e sorri.
— Oi, Christina. Senta aqui. — Ela obedece e Nick também volta ao
sofá.
— Eu não queria atrapalhar vocês, mas vim fazer um pedido importante.
— Que pedido?
— Primeiro, preciso saber se você está bem, se estamos bem. — Seus
olhos encontram os meus.
— Eu já te disse que sim umas mil vezes.
— Certo. Então, as meninas da fraternidade me aceitaram de volta, o
que me deixou surpresa, mas não posso concorrer à presidência. Não mais. E
com isso...
— Você vai pedir pra Alice concorrer? — Nick se intromete.
— Não, não. Eu queria que ela voltasse pra fraternidade.
Esse pedido me pega despreparada, não me imagino voltando àquela
casa depois de tudo que aconteceu. Eu sei que não posso morar com os
Thompson, preciso arranjar um lugar para ficar e a Andressa teve uma ótima
ideia, mas voltar para a fraternidade não me era uma opção.
Isso, até agora.
— O que acha? — Vender me olha com certa esperança.
— Bom...
— Isso não é bom — Chris sussurra e abaixa a cabeça.
— Eu voltaria, mas a Andressa quer alugar um apartamento para
morarmos juntas. E eu gosto dessa ideia...
— Eu entendo — me interrompe. — Mas se quiser voltar, ficarei feliz.
— E quanto a Maddy? — Nicholas pergunta.
— Ela prefere ficar com o Tommy por enquanto — conto. — O
problema não é você, Chris. Eu prefiro um lugar com menos gente e mais
liberdade, percebi que não sou boa em fraternidades. Fica tranquila.
A loura volta a sorrir.
— Tudo bem. Então, já posso ir embora. Preciso trabalhar.
A garota se levanta com pressa e quando Nicholas ameaça fazer o
mesmo, ela o para.
— Eu sei onde fica a saída. Vejo vocês depois.
Chris some pelos corredores, nos deixando sozinhos. Assim que a porta
da frente se fecha, o menino questiona:
— Pretende mesmo se mudar? Pode ficar aqui, se quiser.
— Não, não posso.
Ele me encara com seriedade, como se eu fosse uma boba. Respiro
fundo e me explico:
— A casa é da sua avó e eu não posso depender da sua família.
— Ninguém reclamou.
— Ainda — enfatizo e Nicholas bufa. — Eu preciso de independência,
Nick. Fui criada assim. Não tem que se preocupar.
— Não pode me dizer isso. Se eu parar de me preocupar com você, terá
que fazer o mesmo comigo.
Rolo os olhos e Nicholas ri, ele gosta de me irritar. Nick adora me ver
suspirando e o chamando de idiota, mas até que tem razão dessa vez, não
posso cobrar algo que não faço. E eu me preocupo com ele por motivos
óbvios, como pular de um penhasco para salvar um babaca.
— Tudo bem, Lissie. — Thompson rompe o silêncio. — E dividir um
apartamento com a Andressa parece ser uma boa. Eu estava pensando em
voltar pro dormitório também.
— Não achei que tivesse saído.
— Não saí, mas decidi ficar na mansão por um tempo, depois de tudo
que aconteceu. Meu pai quer se mudar e eu gosto de dividir o quarto com o
Jack.
— Exatamente. Seus pais pretendem recomeçar, Nick. Acho que seria
uma boa você voltar pra lá e eu me mudar. Ainda seríamos namorados e você
poderia me visitar no meu apartamento, sabe? No meu quarto. — Rimos.
— Tem razão, mas a gente pode pensar nisso depois, porque
sinceramente, não quero ficar longe de você nesse momento.
— Nesse exato momento? — Me aproximo de Nicholas, pronta para
beijá-lo, enquanto ele morde o lábio. O garoto agarra em minha nuca e me
puxa para perto, encontrando minha boca. De repente, suas mãos estão em
minha cintura e eu, no colo de Thompson.
— E quanto ao filme? — pergunto, ainda próxima de seu rosto.
— Quer mesmo ver?
— Quero sim, nunca fizemos isso juntos.
— Tudo bem, Wonders. Vamos ver o filme.
Volto a me sentar ao lado de Nick e ele me abraça com delicadeza. A
única certeza que tenho é que gosto de passar o tempo com o garoto, de deitar
em seu colo e sentir seus dedos em meus cabelos, de ouvir sua risada e sentir
seu cheiro de menta. Eu gosto de vários detalhes em Nicholas, como ele me
analisa e acha que não percebo, como ele suspira e molha os lábios em
seguida, como sorri sutilmente com coisas simples.
Gosto até de quando tenta me irritar. Estou apaixonada por cada
partezinha de Thompson e não consigo negar.

Nicholas não gostou muito da minha ideia, ele queria continuar no sofá
onde é seguro e quente, mas minha mente turbulenta quis tentar outras coisas.
— Você me disse que superou o passado, que não se culpa mais. Então,
me ensine a andar de moto! — ordeno, sem paciência.
O garoto bufa como sempre. Ele sabe que sou teimosa, não desisto fácil.
Se negar, ficaremos aqui, na rua e no frio, pelo resto da tarde.
— É perigoso, Alice.
— Então, vamos fazer assim, você nunca mais vai pilotar.
— Tudo bem — diz em tom de reclamação. Não sei quando Nicholas
aprendeu a ser paciente comigo, mas está se saindo melhor do que eu
imaginava.
Eu sempre venço pelo cansaço, era uma criança bem chata.
— A rua está vazia e pretendo ir em linha reta. Não precisa se
preocupar.
Nick se aproxima de mim, que cruzo os braços, e olha em meus olhos.
Tenho de erguer a cabeça para encontrar suas íris e ele suspira, sem vontade
alguma de realizar meu pedido.
— Você gosta de trocas, certo? — pergunta. Dou de ombros como
resposta. — Então, se eu te ensinar a andar de moto, me ensina a tocar piano?
— Não posso te ensinar piano numa tarde. — Acabo dando risada.
— Eu te digo o mesmo, Wonders! — ele exclama e ri de nervoso. —
Não posso te ensinar a andar de moto numa tarde.
— É claro que pode, eu aprendo rápido.
— Ah, e eu não? — Nicholas cruza os braços, como eu, e faz uma
careta.
— Quer mesmo discutir? — Nossos olhos não se desencontram. —
Agora, é sério?
— Quer saber? Quero sim. Vamos discutir, porque você é teimosa!
— E você não é? — Percebo que nossas vozes estão aumentando de
volume. Nick começa a andar, me fazendo dar passos para trás até atingir
uma parede.
— Você consegue tirar qualquer um do sério. Eu não vou te ensinar a
andar de moto — reclama.
— Alguém já te mandou à merda hoje?
De repente, ele ri. Thompson agarra meus pulsos e me surpreende com
um beijo quente. Não consigo ficar brava por muito tempo.
— Você é teimosa, não menti — sussurra contra meus lábios.
— E você gosta disso. Mas é sério — meus braços se colocam em torno
de seu pescoço e eu fico nas pontas dos pés —, me ensina.
— Não quero que se machuque.
— Por isso — um selinho —, você vai me ensinar.
Como eu disse antes, vencido pelo cansaço. Eu sempre ganho, é
impressionante e bem satisfatório. Seguro um sorriso quando ele concorda e
anda até a moto.
— Tudo bem, vamos.
Nicholas me ajuda a colocar o capacete e a subir na Harley, depois, me
mostra tudo que preciso saber sobre acelerar e frear. Ele me explica a mesma
coisa umas três vezes até que eu reclamo da sua insistência.
— Já entendi — digo e o mesmo bufa, criando coragem para me deixar
tentar. — Precisa relaxar, meu Deus.
— Alice Wonders numa moto, me diz onde isso pode me ajudar a
relaxar.
Rolo os olhos, sei que faço algumas loucuras, como pedir para que pule
de um penhasco comigo, mas não irei pilotar na direção de uma árvore e não
pretendo acabar no hospital.
— Posso tentar?
Ele fecha os olhos, respira fundo e assente.
— Como se eu pudesse te impedir.
Finalmente me preparo e começo. Até que parece fácil, consigo sair com
a moto e seguir em linha reta pela rua, mas evito acelerar muito, não quero
dar um motivo para Nicholas desistir. Por incrível que pareça, eu não caio.
Me sinto mais livre que nunca, é maravilhoso, entendo porquê Thompson
gosta tanto disso. Eu mesma me surpreendo quando faço a volta, como se já
soubesse pilotar há um tempo.
— Conseguiu — Nick comenta com certo choque. — Foi bem.
— Eu disse que ia dar certo. Quero tentar de novo, em outro lugar —
explico enquanto retiro o capacete.
— Você acabou de aprender, Wonders, não vou te deixar sair por aí
pilotando.
— Você pode vir comigo. Não sou uma criança andando de bicicleta,
Wiston Hill nem tem trânsito!
Nicholas ri nasalado e nega.
— Se você cair, eu vou junto.
— Ah, então você tem medo de eu te derrubar?
Faço um biquinho provocante que Nick logo nota. O garoto suspira e
ajeita os cabelos daquela forma que adoro, colocando-os para trás.
— De madrugada, pode ser? As ruas estarão vazias, posso continuar te
ensinando e você pode ir aonde quiser, menos pra estrada.
— Como assim, eu posso ir?
— Sim, Alice. — Nicholas encontra meus olhos. — Você vai numa
moto e eu noutra.
— Ah, você está brincando comigo! Vai mesmo me deixar pilotar
sozinha?
Nick ri da minha reação, fico superanimada com isso, desde que o
conheci penso em aprender a andar de moto, em sair por aí como ele faz.
— Você consegue — fala por último.
Por um segundo sinto meu coração acelerar. Thompson acredita em
mim, ele sabe que, apesar de correr certo risco, posso aprender. Nicholas sabe
que consigo e não está me impedindo.
Eu entendo que ele ainda tem seus medos, ainda se lembra do que
aconteceu com Elle, mas o fato de não estar me impedindo e sim, me
ajudando a fazer algo que quero, já me diz muita coisa sobre Nick.
Ele me encara como se tocar piano fosse a coisa mais difícil do mundo.
— Andar de moto não é tão complicado assim — brinca. — Acho que
você poderia começar por algo que não seja Beethoven.
— Sonata ao Luar não é tão complicado — conto.
Estamos sentados no mesmo banquinho, de frente para o instrumento, e
Nicholas parece bem confuso com tudo que mostrei.
— Alice, é Beethoven. Eu nunca toquei piano!
— Tudo bem, eu não sirvo pra ser professora, desculpe. — Rio um
pouco. — Mas pode aprender o começo.
— Posso tentar, se você me mostrar de novo. — Nossos olhos se
encontram e Nick sorri de canto. — Eu gosto de te ver tocando, por isso pedi
pra aprender.
Droga, as minhas bochechas queimam, estou corando.
— Era só ter me pedido pra tocar piano.
— Então, por favor. — Ele aponta com a cabeça.
Volto a tocar Moonlight Sonata do começo, tentando focar apenas nas
teclas, sem dar atenção aos seus olhos que me observam com cautela. Isso
não dura muito, eu começo a sorrir e acabo parando, já que o olhar de
Thompson me queima.
Ele morde o lábio e eu o encaro.
— Não vai aprender a tocar piano, vai? Só queria me ver?
Nicholas afirma.
— Ainda bem que sabe — diz baixinho.
— Pelo menos eu aprendi a andar de moto.
— É, pelo menos.

Pumpkin prepara o jantar com Quinn, enquanto eu e Nicholas ajudamos


Grace com a lição de casa — acontece que as da pequena ainda são fáceis.
Damon chegará mais tarde, ele foi à uma reunião com George, e Polly está
dormindo depois de tomar remédios para dor de cabeça.
— Eu vi a casa da qual seu pai falou — a mulher conta a Nicholas. —
Ela é linda e tem um jardim maravilhoso.
— Vocês vão mesmo se mudar?
Pumpkin une as sobrancelhas e o encara.
— Você não vem junto? — Ela ri.
— Na verdade, estou pensando em voltar para o dormitório e a Alice vai
morar com a Andressa.
— Ah sim, claro. Bom, acho que vamos nos mudar depois do baile de
inverno. Mas tem quartos pra todo mundo, se você quiser ficar com a gente
às vezes.
Nick sorri e assente, depois, encontra meu olhar. Estou satisfeita com
tudo que anda acontecendo ao nosso redor. Não tenho mais a sensação de que
paredes ainda irão desmoronar e — talvez — cair em nossas cabeças.
— A gente pode arrumar as coisas amanhã, se quiser — comenta
baixinho, eu balanço a cabeça, afirmando.
Me acostumar a ficar longe dele novamente será estranho, mas
necessário. Precisamos de espaço. Também penso em voltar para a
Universidade após o baile.
— Você pretende voltar a estudar? — questiono.
— Sim, claro.
— Queria voltar depois dos feriados e do baile — sussurro.
— Podemos fazer isso.
Nick pega o celular no bolso e lê algo na tela, tirando sua atenção da
nossa conversa por alguns segundos.
— Aconteceu alguma coisa? — Grace se intromete.
— Aconteceu sim, Juliet ganhou a eleição. Ela é a nova representante da
fraternidade.
Eu gosto de Juliet e sei que será uma ótima representante, sei que ela é
bem mais simpática do que Christina era. Além disso, a menina é nova e uma
novidade pode trazer mudanças necessárias.
— Chris Vender é a vice — Nick termina.
— Claro. Ela não abriu mão de tudo.
— Alguma coisa tinha que continuar igual. — Ele ri. — Estão dando
uma festa, Juliet nos convidou. Quer ir?
Um lado meu pensa em dizer sim, mas o outro tem medo de se enfiar
num lugar cheio de bebidas e adolescentes inconsequentes.
— Não precisamos ir — Nick lembra.
— Eu quero, mas não posso...
— Beber. Eu sei — me interrompe. — A gente pode ficar um pouco e
depois andar de moto. Não vou beber também.
— Tudo bem.
— Mas quem vai me ajudar com a lição? — Grace faz um biquinho que
quase me comove, mas não passa de pura atuação.
— Eu ajudo! — Quinn exclama. — Vocês podem ir à festa.
— Pode ser Grace? — Nick tenta e a pequena pensa um pouco. — Só
dessa vez?
— Pode ser — ela diz e sorri. — Mas só dessa vez.

A fraternidade nunca me pareceu tão animada. Mais uma festa neon,


agora, de inverno. Há neve artificial por toda parte e tons de azul enfeitam o
lugar.
— O que aconteceu por aqui? — Nick brinca enquanto passamos pela
sala.
— Juliet Rhodes.
Rimos juntos. Eu adorei o tema, a decoração e até mesmo as músicas.
— Quer encontrar com os outros? — Ele pergunta, aumentando o tom
de voz.
— E é possível fazer isso aqui?
Nicholas dá de ombros. A fraternidade está lotada, a não ser pelo quintal
dos fundos.
— Eu prefiro sair — digo.
— Sair da festa ou da casa? — Rolo os olhos como resposta. — Quer ir
ao jardim?
— Melhor.
Até porque, é impossível se mover nessa sala. Adolescentes ainda
sóbrios à procura de uma bebedeira são o sinônimo de caos e eu sei bem
disso.
Andamos juntos até a parte de trás da casa onde vemos Jack e Hannah se
pegando, encostados numa árvore qualquer.
— Eles sempre fazem isso?
— Acho que sim, eu evito assistir — Nicholas comenta e suspira. —
Prefiro fazer o mesmo, sabe?
— Ah, sei sim.
Suas mãos agarram em minha cintura e o garoto me puxa para perto.
— Quer fazer isso aqui? — sussurro.
— E por que não?
Nossos lábios se tocam e Nicholas não quer saber de calma. Enquanto
uma de suas mãos agarra em meu quadril, a outra toca em minha nuca. Ele
me beija com vontade, me tirando o ar, me roubando o frio, me aquecendo
completamente. Thompson faz meu corpo acordar, meus pelos se arrepiarem.
Sinto seus dedos em minha bunda e rio em meio ao beijo, Nick
aproveita e morde meu lábio, puxando-o. Ah, como eu gostaria de estar em
qualquer lugar mais isolado agora.
— Já chega, casal! — Ecoa pelo jardim quase vazio. No frio, todos os
convidados decidiram se enfiar na casa.
Percebo que Nicholas ergue uma mão e o vejo mostrar o dedo médio
para Jack que ri junto de Hannah. Não nos separamos, não paramos nem um
pouco, na verdade, tudo fica mais intenso. Nick me empurra até a parede
externa da casa e continua me devorando aos poucos. Ele beija minha
mandíbula, morde minha orelha e desce até o meu pescoço.
— Eu não acho uma boa ideia fazer isso aqui — conto antes que possa
descer mais um pouquinho e chegar à minha clavícula.
— Por que não? — Thompson para, ainda segurando em meu quadril, e
me olha nos olhos.
— Porque, se continuar, vou querer tirar a roupa e está muito frio.
— Eu não tô sentindo frio nenhum, Wonders. — Ele volta a me beijar
enquanto rimos.
O empurro um pouco, recuperando o fôlego.
— A gente vai acabar transando num quarto qualquer.
— Não precisa ser num quarto, pode ser no banheiro.
— Safado! — Lhe dou um tapa no braço. Nicholas sorri, seus dedos
quentes alisam meu rosto, contornando cada detalhe.
— O que quer fazer, princesa?
— Dançar?
— Achei que não soubesse dançar.
— Eu sei dançar, só não gosto muito. Mas quero dançar com você,
Nicholas.
Ele une as sobrancelhas.
— Essa música não é lenta.
— A gente não precisa de música.
Nick me dá um selinho, então, me guia até o meio do jardim vazio onde
Hannah e Jack estão. Ele segura em minha cintura e seus dedos me apertam
um pouco, eu me apoio em seus ombros e, de repente, estamos balançando de
um lado para o outro.
— Você foi a coisa mais inusitada que já me aconteceu — conta.
— Era pra ser só uma transa, não era?
— Eu acho que não. — Ele ri. — Acho que nunca foi só isso, desde o
Heaven Bar.
— A gente sempre terá o Heaven Bar — brinco.
— Eu te amo, Alice.
— Eu sei — digo e Nicholas suspira. — Só vou falar que te amo quando
não estiver esperando.
— Por mim, tudo bem.
De súbito, mudam a música para algo que combina com a situação.
— Agora sim, a música lenta — sussurro.
— Olha pra trás.
O faço e vejo Juliet nos observando.
— Acho que foi ela quem mudou — Nicholas me conta.
— Ah sim, Juliet Rhodes é uma ótima líder.
Nossos lábios se tocam com delicadeza enquanto nossos corpos se
movem lentamente. Se eu pudesse escolher estar em qualquer outro lugar,
não escolheria, porque estou com a pessoa certa, no momento certo.
E isso é tudo que quero.
60

ARCO-ÍRIS
"O amor não é aleatório,
nós somos escolhidos."
James Young | Infinity

ALICE WONDERS
Dois dias depois.

Quando saio da biblioteca — onde voltei a trabalhar — junto de


Christina, Nick já me espera. Ele parece ansioso e tem motivos para tal.
— Acha que ele consegue? — Chris me pergunta, ajeitando o casaco
marrom que veste. — Nick já sofreu muito.
— Foi escolha dele, só vou acompanhar.
— Entendi. Bom, espero que esse seja o ponto final que Thompson
procura. — Ela sorri de canto e desce os degraus.
— Christina, espera! — exclamo. A garota se vira e me encara. — Você
conseguiu seu ponto final?
— Estou quase.
É a última coisa que a loura diz. Ela termina de descer os degraus e parte
pelas ruas vazias de Wiston Hill, indo à psicóloga. Ando até Nicholas que
parece distraído, quando chego perto de seu corpo, seu olhar me encontra e o
garoto força um sorriso.
— Tudo bem? — pergunto e ele assente. — Quer mesmo fazer isso?
— Eu preciso e prometi a Jack, então...
Nicholas me entrega o próprio capacete, ele não trouxe outro. Franzo o
cenho sem entender muito.
— Você deveria usar um — comento.
— Vou ficar bem, Alice. Não vamos tão longe.
— Não gosto disso. — Apesar de estar reclamando, o coloco sozinha e
subo na moto. Minhas mãos abraçam seu corpo e Nick suspira antes de sair.
Ele queria deixar o passado para trás e me disse que conseguiu
conversar com Jack sobre Elle Carter. Os dois combinaram de visitar o
túmulo da menina e levar flores, mas Thompson não vai até o local desde o
enterro.
Passamos pelas ruas de Wiston Hill, ele acelera cada vez mais, quase se
esquece de que não está sozinho. Nick pega o caminho mais rápido e
demoramos poucos minutos para chegar ao cemitério. Ele para a moto ao
lado daquela que parece ser de Jack.
Retiro o capacete e me levanto, entretanto, Nicholas continua sentado,
sem vontade alguma de sair do veículo.
— Nick, você não é obrigado. A ideia é ótima, mas se não estiver
pronto...
— Não é isso, Alice — diz, me interrompendo. — Eu não me despedi
no enterro, não queria acreditar que Elle estava morta e quando a ficha caiu,
não quis voltar aqui. Esse é meu primeiro adeus à ela.
— Eu não sabia disso, me desculpe.
Me sinto mal por tentar agir com delicadeza e o ajudar, porque não
entendo a sua dor. Eu não sabia desses detalhes que ele esconde tão bem, eu
não fazia ideia de que Nick ainda pensa nela.
— Só quero fazer isso logo.
— Não, logo não. Faz isso direito — praticamente ordeno. — Do que
adianta vir aqui depois de todos esses anos e não se despedir direito?
— Ela não vai me ouvir, acho que não importa muito. — Se levanta e
me encara.
— Importa sim. Quer dizer que tudo que tiveram foi em vão? Ela pode
não ouvir, mas você vai.
Nicholas assente. Ele segura em minha mão e começamos a andar em
silêncio até o local onde Elle foi enterrada. Depois de caminhar um pouco,
vemos Jack, Margot, Hannah e Wine à nossa espera. Nick para, respira fundo
e seus dedos apertam os meus. Então, o garoto volta a andar.
— Você veio — Hannah comenta baixinho na minha direção. Eu sorrio
de canto como resposta. — Trouxemos flores.
— Elle adorava gérberas — Nick sussurra.
— Foi difícil de achar, já que estamos no outono, mas consegui — Jack
conta.
Enquanto conversam sobre as flores, me pego encarando a pequena
fotografia nas mãos dele. Elle Carter era linda, seus cabelos eram compridos
e, assim como seus olhos, castanhos. Dá para notar a pouca idade na imagem,
daquelas tiradas no colégio. O garoto a segura como se quisesse se lembrar
da irmã por uma última vez.
Sei que estou olhando para a primeira garota que Nick chegou perto de
amar, sei que ela faz parte do seu passado e respeito isso.
— Bom, acho que podemos colocar as flores — diz Margot, rompendo
meus pensamentos. Desvio o olhar e encontro-a. Ela faz um biquinho triste e
continua. — Faz tempo que não venho aqui.
Respiramos fundo e concordamos. Os irmãos são os primeiros a se
abaixar e deixar as gérberas sobre a grama. Margot não diz muito, ela parece
ter superado o acontecimento, mas Jack demora um pouco.
— Eu sinto muito — sussurra. — Queria ter feito algo, me perdoe,
Elleanor. Eu te amo.
O menino fecha os olhos com força, segurando as lágrimas. Jack se
levanta e dá uma última olhada na foto, depois, a enfia no bolso.
— E você? — Hannah encara Nicholas e o entrega o resto das flores.
— Eu preciso de tempo.
Todos os outros ficam em silêncio por alguns segundos, até que decidem
ir embora.
— A culpa não foi sua, Thompson — Jack diz ao amigo antes de partir,
sua voz sai trêmula, sem querer chorar. — Elle gostava de você e agora, isso
é tudo que importa.
— Eu sei.
— E eu não te odeio, caso esteja se perguntando.
— Não estou. Parei depois daquela conversa — Nick suspira.
Os dois se olham e se entendem sem terem de continuar o assunto. Jack
balança a cabeça e parte ao lado de Hannah. Wine e Margot os seguem, mas
posso ver a preocupação nos olhos da irmã de Nicholas. Ela me encontra e eu
sussurro um tudo bem.
De repente, estamos sozinhos.
— Se quiser que eu saia... — começo, mas Thompson me corta.
— Não, ela ia gostar de você. Sabe, a Elle me odiava no começo, achava
que eu era o amigo babaca do irmão e estava certa. Depois, ela se tornou a
minha amiga chata e irritante, além de teimosa. — Nicholas sorri de canto. —
Nunca namoramos.
— Então, o que aconteceu entre vocês?
— Eu não costumava namorar naquela época, Elleanor sabia e isso não a
impediu de ficar perto de mim. A gente não tinha algo sério, nos divertíamos,
mas éramos só amigos.
Nicholas se abaixa, coloca as flores que sobraram sobre a terra, e encara
a lápide.
— Me desculpe por ser horrível em tentar te esquecer e pior ainda em
pensar em você. Me desculpe por não ter vindo antes e por ser o amigo
babaca do seu irmão. Me desculpe por tudo que eu poderia ter evitado, Elle.
Thompson precisa desse momento, por isso, fico quieta e tento ao
máximo lhe dar privacidade. Contudo, ele toca no meu nome.
— Essa é Alice Wonders. Eu pedi desculpas, mas também preciso te
agradecer. Sem você, eu não seria o que sou hoje, não cem por cento. Você
me dizia que certas coisas acontecem como elas tem que ser e chamava de
destino ou carma. — Ele ri. — Também dizia que, às vezes, a gente não
entende, não na hora.
A sua fala me causa calafrios. Eu nunca entendi o meu próprio caos ou o
nosso encontro na frente do Heaven. É aquele famoso efeito borboleta, ações
e consequências, se você muda algo no passado, altera todo o resto. Algumas
coisas acontecem da forma certa.
Thompson se levanta, o garoto parece ter tirado um peso das costas.
Seus olhos encontram os meus e Nick me puxa para perto, me abraçando.
Tudo que faço é apertá-lo ainda mais, deixando seu cheiro de menta me
tomar por completo.

Depois da despedida viemos ao Waver's. Andressa não está trabalhando


hoje, então, outra menina nos atende. Ela anota o pedido e se afasta, toda
animada.
Nick, sentado à minha frente e quieto, toma um pouco de refrigerante.
— Você sabe que não precisa se esquecer dela, certo? — pergunto e
Nicholas ergue a cabeça, me encarando.
— Como assim? — Sua voz soa fraca e rouca.
— Superar o passado não significa esquecer. Você ainda pode pensar na
Elle, lembrar das coisas boas. Ela é parte de você.
— Pode ser — murmura.
A ideia de ir até o cemitério foi dele e é notável a força que precisou ter
para fazer isso.
— Se sente melhor agora?
— Por estranho que pareça, sim — suspira. Nesse momento, Nicholas
está psicologicamente cansado.
Sorrio com sutileza enquanto ele termina a bebida. A menina simpática
que nos atendeu nos traz a comida: dois hambúrgueres, um refrigerante e um
milkshake. Ela organiza os pratos sobre a mesa, sorri para mim e sai. Eu
penso em conversar com Thompson, só que não consigo forçá-lo a isso,
então, apenas começamos a comer.
— Não precisa ficar quieta — comenta, me pegando de surpresa. —
Desculpe se fui grosso com você.
— Não foi, eu só achei melhor ficar em silêncio. Eu quero te contar uma
coisa, você se lembra do acidente de carro?
— Sim — sussurra.
— O nome dele era Matthew — começo. — A gente se conheceu no
colégio e, pra ser sincera, ele era um idiota.
— E vocês namoravam?
— Não, a gente saía às vezes. Não sei, eu não suportava aquele imbecil,
mas ele me divertia.
— Você gostava dele — Thompson afirma e cruza os braços. O seu
olhar me faz admitir a verdade.
— Um pouco. Algo começou a ficar sério entre nós e eu o encontrei
com outra garota numa festa.
Nick franze o cenho enquanto paro para respirar.
— Eu não imaginei que fosse me sentir daquele jeito, acabei bebendo
muito e, enfim, você já sabe o resto. Meses depois, Alex se aproximou e a
gente começou a sair, mas ele dormiu com a Ruby, que eu chamava de
melhor amiga.
— E depois te quis de volta. Agora eu entendo. — Nick sorri de canto e
eu dou de ombros.
Ele não continua o assunto, assente e pensa sobre, mas não comenta.
Talvez estejamos sentindo o mesmo, aquele alívio. O peso em nossas costas
foi embora, finalmente.
O passado não pode mais nos machucar.

Thompson estaciona a moto na frente da mansão, já é noite, o céu está


escurecendo. Descemos juntos e caminhamos em silêncio até a porta da
frente. Antes que ele a abra, eu preciso perguntar:
— Tudo que aconteceu hoje te ajudou?
— Honestamente, não achei que fosse ser grande coisa, mas sim. Eu me
sinto melhor em relação a Elle.
Nicholas sorri para mim, suas mãos seguram meu rosto e seus olhos
analisam os meus.
— A conversa sobre o seu passado adiantou de algo?
— Sim — sussurro. — Eu já estava planejando te contar a verdade, mas
precisava ser na hora certa.
— E se sente melhor?
Eu apenas assinto. Nick se inclina e me beija com leveza, em seguida,
entramos na mansão que parece quieta demais. Caminhamos juntos até a sala
principal, onde Damon anda de um lado para o outro e Pumpkin o observa
com um sorriso no rosto, como se a confusão dele fosse engraçada.
— Está tudo bem? — pergunto e conquisto a atenção dos dois.
— Sim, eu acho — ela responde.
— Acha? Aconteceu alguma coisa?
Nick para atrás de mim e agarra em minha cintura. Ele encara os pais
com dúvida e acredito que faço o mesmo.
— Aconteceu.
— O quê? — Nicholas tenta.
— Bom, seu avô me chamou para outra reunião, eu achei que fosse algo
com todos os diretores, mas... — Damon para de falar e respira fundo.
— Mas o quê? Conta logo — me intrometo, fazendo Pumpkin segurar
um riso.
— Mas era só entre nós dois.
— E o que tem isso? — Nick tenta mais uma vez.
— Damon, pelo amor de Deus! — a mulher brada e continua: — Seu
avô o chamou para ser o diretor das instituições WHU.
— O que isso quer dizer? — pergunto com doçura, notando o
nervosismo do homem que se ajeita, sorri e termina de contar.
— Ele quer que eu seja o diretor da Universidade e de todo o resto de
Wiston Hill.
— Espera, mas a Polly é a diretora — Nicholas relembra.
— George a tirou da diretoria, houve uma votação. Todos concordaram
em colocar o seu pai, se ele aceitar.
— E você vai aceitar? — questiono.
— Eu quero, mas não sei se consigo dar conta desse cargo. Eu sempre
fiz parte das empresas e dos negócios, mas nada assim.
— Pai, uma certeza a gente têm, você será bem melhor que a Polly —
Nicholas brinca, fazendo-me segurar a risada.
— Tudo bem, essa é a primeira parte da novidade! — Pumpkin pula do
sofá e se coloca de pé, o vestido cinza balançando ao redor do corpo. — Nós
compramos a casa que seu pai falou. Ela é linda, grande o suficiente e tem
um jardim.
Nick trava, ele parece feliz e chocado com tudo que está ouvindo, seus
dedos me apertam de forma involuntária.
— Espera, meu pai é o novo diretor da Universidade e vocês vão mesmo
se mudar?
— É o que parece — Damon comenta e sorri, sem conseguir controlar a
animação.
— E quanto a mansão? — Me atrevo a perguntar.
— George e Polly ficarão com ela — o homem diz e ajeita o cabelo,
igual seu filho faz. — Nós vamos nos mudar alguns dias depois do baile,
acho que Wine ficará com a gente.
— Isso é ótimo — Nick exclama.
As coisas estão caminhando da forma certa. Admito que será estranho
ter Damon Thompson na diretoria da Universidade, mas com certeza, será
melhor que ter Polly Thompson. Ele sempre foi mais simpático e decente
enquanto a mulher só sabia separar as pessoas, criar intrigas e comprar tudo e
todos.
Digamos que Polly arriscou brincar com fogo e acabou se queimando.
Sorte dela não ter incendiado a cidade inteira.

Jantamos na mansão, todos se juntaram, exceto por Polly e George —


ele viajou de novo e ela prefere comer no quarto.
Quando terminamos, Quinn pede para esperarmos enquanto coloca
Grace na cama. A garota quer conversar com toda a família. Ela demora um
pouco e depois, surge pela porta da sala de jantar, com suas bochechas
vermelhas e um sorriso fraco.
— Bom, eu preciso avisar que não pretendo mais trabalhar na mansão.
— É a primeira coisa que diz, parada ao lado da mesa. Todos ficamos
confusos. — Quero voltar a estudar.
— Isso é ótimo, mas não tem que se demitir — responde Pumpkin.
Eu não opino, porque a entendo. Quinn passou anos cuidando de Grace
e agora quer cuidar da própria vida. Ela também precisa de mudanças.
— Eu aceitei um emprego no Waver's — revela. — Gosto de vocês e da
Grace, mas quero fazer outras coisas.
— Onde pretende ficar? — Nick pergunta.
— No dormitório, até a minha família se mudar de Aurora Hill para
Wiston. Não vão demorar muito.
— Tem certeza disso? Nós vamos sair da mansão em breve, pode vir
com a gente — tenta Damon.
— Eu tenho certeza, senhor Thompson, mas agradeço pelo tempo que
pude passar aqui.
— Não agradeça por aturar a minha avó — Nick se intromete, fazendo-a
rir baixinho.
— E quando você vai? — Wine pergunta.
— Não sei, pensei em me mudar na noite antes do baile, preciso
terminar de arrumar as minhas coisas.
— Já contou para Grace? — questiona Nicholas, com um certo tom de
preocupação.
— Contei sim, hoje à tarde. Ela entendeu. Bom, eu só queria que todos
soubessem, não vou mais tomar o tempo...
— Espera! — Damon exclama e se levanta antes que a menina se retire
da sala. — Olha, você pode se mudar no dia do baile, Quinn, porque é uma
convidada.
— O quê? — Ela une as sobrancelhas em dúvida.
— Você tem que ir ao baile, depois eu te deixo no dormitório, levo as
suas malas.
— Não precisa, eu posso...
— Precisa sim! — Nick insiste. — Você aturou muita coisa, por muito
tempo. Tem que ir para se divertir e não para tomar conta da Grace.
A garota que já é tímida, acaba corando ainda mais. Suas bochechas
erubescem como se pegassem fogo.
— E além disso, você tem que ir à apresentação de dança amanhã —
Wine continua.
— Também acho — seu irmão concorda.
— Eu agradeço, mas nem tenho vestido para o baile e...
— Eu também não tenho, mas podemos comprar um juntas — digo, até
porque, concordo com todos eles e não posso deixá-la arranjar uma desculpa
para fugir da gente.
— Tudo bem, eu vou — suspira. — Aliás, vocês precisarão de alguém
para cuidar da Polly depois que eu for embora, durante a fisioterapia, sabe?
— Não se preocupe, temos uma semana até o baile, acho que consigo
pensar em algo. Ela vai ficar bem, conhece Polly Thompson. — Damon
encerra a discussão.
A garota apenas sorri. Ela achava que ia se despedir e partir, como se
ninguém se importasse, como se todos os Thompson fossem cópias de Polly,
mas acabou sendo pega de surpresa. E para ser sincera, Quinn merece depois
de todo esse tempo. Eu mal conheço a avó de Nick e não a suporto, imagine
conviver com ela por anos, ouvindo milhares de reclamações e regras.

Nicholas sorri contra meus lábios antes de sair de cima de mim. Todo
meu corpo treme, como sempre, e o suor escorre por minha pele.
— Não se cansa disso? — pergunto quando ele se deita ao meu lado,
olhando para o teto.
— Você se cansa?
— De jeito nenhum. — Rimos. — Você é muito convencido, mas tenho
que admitir, ninguém nunca me fodeu assim.
— Imagino — brinca e rolo os olhos. — E eu nunca fodi ninguém
assim.
Passo a língua entre os lábios, satisfeita. Nicholas conhece o meu corpo,
eu não preciso dizer o que quero, ele sabe onde me tocar e como me fazer
gozar intensamente.
— As coisas estão dando certo, não é?
— Parece que sim, amor. — Nick me olha e sorri. Me viro para ele e me
deito em seu peitoral, sentindo seu cheiro de menta e seus músculos.
— Acha que a sua avó sentirá falta da Quinn?
— Ela vai fingir indiferença, mesmo odiando a notícia.
— E acha que ela está bem com tudo isso?
Sinto Nicholas alisando meus cabelos enquanto conversamos, ele
mantém um breve silêncio e move seus dedos para a minha face, acariciando-
a.
— Sinceramente, não — responde com firmeza. — Mas ela prefere ficar
longe de todo mundo do que pedir desculpas.
Ergo a cabeça e encontro seus olhos azuis, preciso saber se vai mentir
para mim.
— Se ela pedisse, você aceitaria?
Nick pensa e suspira.
— Não.
No instante em que ouço a sua reposta, sinto certo frio, mas quando
penso em tudo que ela fez, consigo entender o lado de Nicholas. Não é tão
fácil perdoar e Polly Thompson fez muita merda.
— Amanhã eu tenho consulta com a mãe do Jack — relembro. — Você
me leva?
— E se você pilotar a moto? — Seus olhos brilham ao me perguntar.
— Não, eu prefiro quando você faz isso.
— Então eu te levo. E que tal treinarmos boxe depois?
— Perfeito.
Me inclino e beijo Nicholas como se essa fosse a última vez, mas sei que
é apenas o começo.

O teatro da universidade já está lotado.


Wine parece extremamente ansiosa, Margot irá fechar a noite de
apresentações, então ainda temos tempo suficiente para aguentar o
nervosismo da menina. Nos sentamos todos juntos na primeira fileira e logo
atrás de nós estão os Carter.
Nicholas está lindíssimo em sua roupa formal, paletó e camisa. Ele me
deixou ajeitar seu cabelo e seu cheiro parece mais forte. Já eu, me enfiei num
vestido bege claro e em saltos finos. Nick demorou um pouco para voltar à
realidade depois que me viu, o que fez minhas bochechas corarem.
E claro, Damon reservou uma limusine, grande o suficiente para todos
nós, inclusive Polly que parece bem desanimada.
— A sua irmã não vai sobreviver até o fim da noite — comento
enquanto a segunda apresentação acontece.
— Eu sei, ela vai infartar antes da Margot subir no palco. — Nick sorri
de canto e me encara analisando a minha roupa, o pequeno decote, o colar de
serpente que ele me devolveu. Tudo.
— E você não vai conseguir fechar a boca se continuar me olhando
assim — sussurro em seu ouvido. Ele franze o cenho.
— O quê?
— Está babando, Nicholas — conto.
Ao rirmos baixinho e juntos, Grace se inclina para frente e se vira para
nós, mostrando-nos uma careta.
— Não podem conversar no teatro — reclama e cruza os braços.
Nicholas ergue uma das sobrancelha, indignado, e concorda deixando
Grace voltar-se à apresentação. Ficamos surpresos com a sua atitude.
— Uma garota de seis anos acabou de nos dar uma bronca? — Ri ao
perguntar. Cutuco seu braço para pedir silêncio, mas ao invés disso, recebo
um selinho leve e gostoso.
Tentamos ficar quietos pelo resto da noite, até que, finalmente, Margot
Carter sobe no palco. A dançarina contemporânea tem fama de ser a melhor
da turma. Wine se aquieta pela primeira vez, sem mexer as pernas ou suar
frio, e o silêncio consome todo o teatro enquanto Margot se move sob as
luzes azuis e fracas.
Eu poderia dizer que ela é uma ótima dançarina, mas a garota é muito
mais que isso. Ela se move com naturalidade, como se não houvesse
coreografia. É impossível olhar para qualquer outra coisa que seja, Margot é
magnífica e, mesmo assim, Thompson me analisa durante a apresentação.
Evito ao máximo devolver seu olhar.
— Eu não tô dançando — sussurro baixinho e o menino sorri de canto.
— Eu poderia te assistir pra sempre, Wonders.
Nicholas aperta a minha mão e se volta ao palco antes mesmo de eu
reagir às suas palavras. Não tenho como argumentar, a minha sorte é estar
escuro no teatro, do contrário, ele veria minhas bochechas queimarem.
Quando acaba, os aplausos tomam conta, o som ecoa pela sala e Margot
volta a ser a menina tímida de antes.

Após a apresentação, a festa acontece no salão principal de bailes.


Esperamos juntos pela irmã de Jack, preciso dizer a ela o quão talentosa é.
— Aqueles dois não se desgrudam — Nick comenta, apontando com a
cabeça para Tommy e Maddy.
— A gente também não.
— Mas merecemos. Você foi embora, lembra?
— Vai usar isso como desculpa por quanto tempo, Thompson?
— Ah, pelo tempo que der. — Nossos lábios se tocam num selinho
rápido. — Não vejo a hora de tirar esse vestido.
— É, eu também...
Para não perder o costume, somos interrompidos. Jack, Hannah, Wine e
Margot se aproximam.
— Apresento à vocês a minha irmã, a melhor dançaria que já conheci —
diz Jack com empolgação.
— O que acharam? — Margot não parece a mesma de antes, que se
movia num palco para milhares de pessoas, ela está tímida e corada.
— Foi incrível, não foi? — Wine pergunta.
— Foi mesmo — concordo.
As duas se entreolham, então, a dançarina rola os olhos. Nicholas parece
notar o que está acontecendo e se intromete:
— Não estamos mentindo por causa da Wine! Você foi incrível.
— É verdade, você dança muito bem — termino, a fazendo enrubescer
ainda mais. A garota agradece com um sorriso delicado e coloca uma mecha
de cabelo atrás da orelha.
— Eu preciso falar com os meus pais, vejo vocês depois — diz, se
retirando.
Margot e Wine desaparecem pelo grande salão em tons de dourado,
deixando-nos com o outro casal.
— Eu vi a Grace te dando uma bronca? — Hannah provoca, olhando
para Thompson.
— Mais ou menos.
— Nada de mais ou menos, foi isso mesmo — revelo. — Ela não gostou
de ver a gente conversando no teatro.
Os dois riem e a conversa continua. Nesses poucos segundos eu reparo
que Andressa, Chris e Juliet estão se divertindo juntas, o que me anima.
Ninguém foi deixado de lado.
— Ouvi dizer que seus pais compraram uma casa — comenta Jack.
— Ouviu dizer ou a sua mãe te contou? — Nicholas suspira em seguida.
— Você entendeu.
— Eles vão sair da mansão e meu pai será o novo diretor da
Universidade. Parece que compraram uma casa um pouco menor e perto do
Campus.
— Isso é legal. Agora, explica a parte de ser diretor — Hannah pede,
franzindo o cenho.
— Tiraram a Polly da diretoria e votaram em Damon — eu mesma
conto, animada com a mudança. — E ele aceitou.
— Tenho que dizer, é bem melhor que a sua avó.
— Ah, jura? — Nick brinca.
Sem que a gente note, a noite passa por nós com pressa, as horas
avançam e, de repente, estamos no fim da festa.
Nicholas não quer ir para casa, nenhum de nós quer deitar e dormir. Ele
me leva para fora do salão sem que ninguém note — como fez no baile de
máscaras — e me coloca contra a parede.
— Quer sair comigo?
— Sair com você? Já estamos juntos, Nick — caçoo.
— Eu conheço um lugar bem melhor.
Penso um pouco. A malícia nos olhos do menino é tentadora e seu
sorriso de canto, mais ainda.
— Então, vamos — sussurro.
Thompson agarra a minha mão e descemos os degraus do grande prédio.
Andamos pelo estacionamento até chegarmos à moto dele.
— Vestido e moto — comento.
— Exatamente. E se depender de mim, esse vestido sai de você
rapidinho. — Nick morde o lábio, me mostrando que está falando sério.
Encaro a Harley e balanço a cabeça em concordância. Faço um biquinho
teimoso e pego o capacete, o colocando sozinha. Em seguida, subimos na
moto e não demoramos a sair pelas ruas vazias de Wiston Hill.

Eu reconheço onde estamos, no lado mais isolado da praia. Confesso


que o vento frio de começo de inverno me consome um pouco, por isso, me
aperto ainda mais contra o corpo de Nick.
Ele contorna a areia e estaciona. Desço primeiro e retiro o capacete, já o
garoto continua sentado, me olhando.
— Que tal a gente nadar um pouco?
— Nadar? — exclamo. — Está frio.
— Você fica com frio quando estamos juntos?
— Nossa! — Semicerro os olhos e continuo: — Como você é
egocêntrico.
Ele ri e se levanta. Suas mãos pegam nas minhas e, repentinamente,
Thompson me puxa para perto. Nossos olhos se encontram e sei que está
planejando algo.
— Eu não vou nadar — falo com firmeza.
Nick arqueia a sobrancelha, morde o lábio e me ergue em seu colo.
— Thompson, nem pense nisso! — grito.
— Pensar no quê? — É tudo que ouço antes dele começar a andar até a
praia, em direção ao mar.
— Nick, não, não, não... se você me jogar no mar... — brado em
completo desespero, fazendo-o rir.
Já estou congelando antes mesmo de sentir a água fria, quando
Thompson me coloca de pé. Meu coração parece querer fugir do meu peito,
eu ofego.
— Às vezes, eu te odeio — resmungo.
— Achou mesmo que eu ia te jogar na água?
— Não duvido de você, não mais.
Me apoio em seus braços e tento retomar o equilíbrio, mas os saltos não
me ajudam. Thompson se abaixa, agarra nas tirinhas de meus sapatos e
começa a soltá-las.
— É melhor tirar isso — sussurra.
— Obrigada.
Ele me entrega os dois saltos e sorri, tentando me acalmar.
— Por que me trouxe à praia?
— Porque não tem ninguém na praia.
Ah sim, aquela mesma malícia deliciosa ainda está presente em seus
olhos.
— E o que pretende fazer aqui, Nicholas?
— Não sei, eu ia te jogar na água — brinca e ganha um soco no ombro
como resposta.
— É sério!
— Eu estou sério. Muito sério. Vem comigo!
Nick estende a mão e eu seguro nela, apesar de suas loucuras, ainda
confio nele. Seguimos juntos pela areia, caminhando até uma parte mais
escura, perto das rochas que envolvem o ambiente. O garoto para de andar,
me puxa para perto e me entrega um beijo que faz minhas pernas
estremecerem. Meus dedos soltam os sapatos e minhas mãos se apressam a
envolver seu pescoço.
Nos separamos por um instante.
— Seu vestido vai sujar um pouco.
— Que bom que não preciso mais dele — comento antes de Thompson
segurar em minhas coxas e me erguer, encaixada em seu corpo. Antes dele
me deitar na areia e se colocar por cima.
De repente, seus dedos estão sob o tecido, colocando minha calcinha de
lado enquanto nossas línguas se encontram. Eu gemo baixinho durante o
beijo, ele me toca no lugar certo. Nicholas faz meu corpo despertar ao
acariciar meu clítoris. Os arrepios me devoram e aproveito de todo o prazer
que ele me proporciona.
Nick desce seus beijos até meu pescoço e me penetra com dois dedos,
meu corpo esquenta imediatamente. Não existe mais frio, estamos quentes.
Thompson volta a me beijar, mas eu o quero, como sempre quis. Minhas
mãos agarram em sua calça e a abrem, ao mesmo tempo que ele procura por
algo nos bolsos.
— O que foi? — sussurro.
Ele retira um pacotinho que brilha sob a luz da lua. Nicholas se afasta e
veste a camisinha com calma, então, volta a me beijar.
Thompson não se coloca dentro de mim, ele continua me excitando aos
poucos, seus dedos ainda brincam comigo, seus lábios tocam em meu
pescoço e eu gemo baixinho. Quando me sinto perdida em sensações, ele me
penetra lentamente.
Nunca fizemos devagar, nunca fomos com calma, mas nesse exato
momento é tudo que quero. E Thompson se move com lentidão, ele entra e
sai de mim num ritmo delicioso e suave. Nicholas não me beija, ele se apoia
nos cotovelos e me assiste, ele me analisa enquanto também solta alguns
gemidos.
Nossos olhares estão conectados, nossos corpos estão queimando. Nick
continua me observando, eu inclino a cabeça para trás e me deixo levar pela
sensação. Ele sabe mexer o quadril e o faz da melhor forma possível.
Mesmo com a calma, a intensidade predomina.
— Não para — sussurro baixinho e ele sorri para mim. Nick encosta o
nariz no meu enquanto seus sons aumentam de volume. Agarro em seus
cabelos, colo nossos lábios. Eu o desejo de tal forma que mal consigo
entender.
O garoto para o beijo, mas geme contra a minha pele. Meus músculos se
contraem, sinto seu pau deliciosamente duro em minha boceta. Nick morde
meu lábio inferior no momento em que estremeço. Minhas pernas tremem e
minha respiração falha, o orgasmo é delicioso.
— Porra, goza pra mim, Alice — ele murmura aquecendo minha
bochecha com sua respiração.
Aperto-o entre meus joelhos e sinto-me perder o ar por alguns segundos.
A onda de prazer ainda me devora quando Thompson começa a acelerar um
pouco. Nossos olhos se encontram e vejo o quanto ele me quer.
— Porra, Nick — suspiro ao senti-lo mais fundo em mim. Meu primeiro
orgasmo mal terminou e ele já me penetra da forma certa, fazendo-me gemer
mais alto.
Thompson sorri de canto e morde o lábio, ele me assiste sufocar em
tesão quando minha boceta fica incrivelmente sensível. Eu gozo olhando em
seus olhos e enfio minhas unhas em suas costas, sob a camisa. Em seguida,
Nicholas faz o mesmo, ele suspira contra meus lábios quando chega lá.
De repente, estamos abraçados, ele sobre mim, e arfando.
— Não acredito que me fez transar na areia — comento, Nicholas ri.
— Na cozinha também.
Thompson volta a me olhar, há certo brilho em suas íris. Ele sorri de
canto e beija a minha testa. Dessa vez, o garoto não diz nada, ele não sussurra
para mim. Nick apenas se joga na areia ao meu lado, retira a camisinha e
encara o céu.
O silêncio parece adequado. Nós dois olhamos as estrelas enquanto
escutamos o mar.
— Ainda bem que eu fui ao Heaven naquele dia — diz, me fazendo
sorrir.
61

INVERNO
"Somos só eu e você.
Eles não podem ver o que eu vejo em você,
porque eu acredito em você.
Você é a única que eu escolho."
The Weeknd | As You Are

NICHOLAS THOMPSON
Uma semana depois. Baile de inverno.

Vestido longos e motos não combinam.


Foi isso que Wonders me disse ontem à noite, quando me ofereci para
buscá-la antes do baile, e hoje, ela fez de tudo para me manter longe do seu
novo e bagunçado apartamento. Eu consegui me controlar na maior parte do
dia, mas agora, a ansiedade me consome.
Estaciono do lado de fora do grande prédio, onde a festa está
acontecendo. Não parece o lugar que já conheço, há flores brancas para todos
os lados, luzes da mesma cor e alguns enfeites em azul. Um arco florido
enfeita a entrada e no jardim há bancos, um palco, mesas e até neve artificial.
Tudo parece perfeito, se não fosse pela falta que sinto de Alice. Era para
chegarmos juntos, mas a menina é teimosa e eu não queria discutir.
Desço da moto e me preparo para acender um cigarro quando ouço a voz
de Jack.
— Nicholas Thompson, onde está a sua namorada? — brinca, se
aproximando. Ao fundo vejo seus pais, Wine e Margot. Eles não param, vão
direto para o baile.
— Boa pergunta. Cadê a Hannah?
— Ótima pergunta. — Ele pega um dos meus cigarros e os acendemos
juntos. — Ela disse que vem com o Thomas.
— Alice vem com ele.
— O cara alugou uma limusine?
Seguro o riso enquanto trago. Eu também queria saber o porquê de todas
elas estarem fazendo isso, nos deixando ansiosos.
O silêncio toma conta por alguns segundos antes de continuarmos o
assunto.
— Hannah me disse que tem uma surpresa — comenta.
— Bom, eu não falo com a Alice desde ontem à noite. Mandei
mensagens, mas ela não respondeu. Não gosto nem um pouco disso.
— Você não gosta de esperar, Thompson.
— Não mesmo.

Parece que eu e Jack viemos juntos, afinal, estamos parados no mesmo


canto há minutos, enquanto todos se divertem. Andressa está com Benjamin,
apesar de terem terminado. Chris e Juliet conversam e dão risadas, minha
irmã e a namorada fazem o mesmo.
E eu me sinto cada vez mais nervoso, o suor escorre por minha nuca.
— Se continuar assim, vai acabar na emergência — Jack caçoa.
— Eu sei. Preciso de uma bebida — comento ao avistar um garçom que
passa por nós. Puxo uma das taças de champanhe.
— Acha que elas vão demorar muito?
— Tô tentando não pensar nisso.
Se continuar encarando o arco de entrada, nunca mais me esquecerei
dele. Todos os detalhes estão gravados na minha mente, todas as flores. Eu
realmente não aguento mais.
— É verdade que a Quinn pediu demissão?
— É sim, meu pai vai ajudar com a mudança depois do baile.
— Será estranho não ver as bochechas dela corando quando você
aparecer. — Rimos um pouco. — E quanto ao novo apartamento da Alice e
Andressa?
— Ele é bonito, grande o suficiente, caro também. Os pais delas
ajudaram a pagar. Agora só falta arrumar as coisas, está uma bagunça.
Não consigo focar em outros assuntos, eu só quero que Alice apareça
logo. Viro a taça de champanhe de uma só vez e sinto o leve álcool descer
pela minha garganta. Jack bufa ao meu lado, nós dois conhecemos bem as
garotas que namoramos e elas só podem estar combinando algo.
— Tudo bem, agora eu tô começando a ficar nervoso — ele comenta e
olha ao redor.
De repente, meu coração acelera.
Eu não dou a mínima para o que Jack está sentindo, não agora, não
quando avisto Alice Wonders descendo do carro de Thomas Jackson, enfiada
no vestido mais lindo que já a vi usando. Todo o tecido brilha com as luzes
ao redor, o branco dele é intenso. As alças finas estão presas em seus ombros
e seu cabelo está completamente solto. Alice usa aquele batom vermelho que
adoro.
— Aquela é a minha namorada — acabo dizendo e Jack ri.
— Ela está linda mesmo.
Alice caminha lentamente na minha direção e eu me apresso para ir até
ela.
— Demorei?
Ah, ela demorou o suficiente.
— Um pouco, mas te perdoo por isso. — Seu sorriso aparece. — Está
linda, extremamente linda, Alice.
Duas pedrinhas brilham em suas orelhas, são brincos. Em seu pulso está
a correntinha que lhe dei de aniversário e não vejo a serpente em seu pescoço.
— Você também está incrível — Wonders sussurra.
Sei que quando olho em seus olhos me perco no tempo. Eu fico sem
palavras, quanto mais a observo, mais a quero. É como um ciclo vicioso.
— Me acompanha? — Dou-lhe o braço e a menina assente, entrando no
baile comigo. Jack parece ansioso para ver Hannah, mas não tira seus olhos
de Wonders.
Andamos até o garoto ainda sozinho, reparando nos olhares de todos os
convidados. Ela roubou a cena. Ninguém ganha de Alice Wonders hoje. Não
para mim.
— Oi, Alice — ele gagueja, se esforçando para não fitar o decote que
ressalta os seus seios. — Você viu a Hannah por aí?
— Vi sim, ela veio comigo.
— E cadê ela?
Me viro para a entrada e avisto Maddy ao lado de Tommy, os dois
acenam para nós. Atrás deles uma garota me chama atenção.
— Jack, aquela não é a sua namorada? — Rio um pouco. Alice a
encontra primeiro.
— É ela — Wonders responde.
Jack fica fascinado, como na primeira vez em que a viu. Hannah pintou
os fios azuis de castanho, como eram antes. Seus cabelos estão presos num
coque e a menina está enfiada num vestido roxo com pedrinhas na cintura.
Não consigo assistir o encontro dos dois, porque Jack, boquiaberto e
completamente surpreso, anda em sua direção antes que ela chegue perto de
nós.
— De quem foi a ideia? — pergunto e encontro os olhos de Alice.
— Dela, mas eu escolhi o vestido.
— Claro.
Parece que todos estão perfeitos para essa noite. Maddy usa um vestido
azul, Chris escolheu um verde, Juliet um bege e Andressa, um cinza. Tons
diferentes para o inverno, mas nenhum tão frio e, ao mesmo tempo, tão
quente quanto o de Alice Wonders.
— Quer dançar? — questiono, ela me encara e sorri de canto, me
lembrando de que não gosta muito de dançar. — Quer beber alguma coisa?
Agora Wonders franze o cenho.
— Temos limonada. Seu suco favorito, não é?
— Ainda se lembra disso? — O brilho em seus olhos é hipnotizador.
— Claro que me lembro. Quer um pouco?
— Pode ser — sussurra. — Mas antes, quero um beijo, você ainda não
me deu um.
Meu coração começa volta a acelerar, eu a beijo sempre, mas hoje —
especialmente hoje — ela parece mais desejável. Talvez a ansiedade tenha
feito isso comigo. Wonders se coloca na minha frente e minhas mãos param
em sua cintura. Pela primeira vez, a menina não fica nas pontas dos pés, ela
se inclina e me beija, fazendo todo meu corpo estremecer.
— Não é tão difícil — suspira em meus lábios.
— Não, não é mesmo.
A aperto contra mim, agarro em sua nuca com uma das mãos e tenho o
que tanto quero: Alice Wonders. E a terei hoje, amanhã e, se tudo der
certo, sempre.
— Eu te amo — relembro assim que nos afastamos.
— Eu também te amo, Thompson. Agora, aceito a minha limonada.
É impossível não sorrir ao seu lado.
Caminhamos até a grande mesa, toda enfeitada. Há flocos de neve e
construções de gelo — que se estendem por todo o jardim. Num dos copos,
branco como o vestido de Wonders, coloco o suco e lhe entrego. Ela me
assiste com cautela.
— Sabe, você fica bem bonito nessas roupas formais — comenta e dá
um gole na bebida.
— Bonito?
— Eu diria — Alice me analisa de cima à baixo — gostoso.
— Você pode tirar toda essa roupa mais tarde, se quiser.
— Ah, eu quero muito. Mas só depois da festa na casa dos pais da
Andressa.
Franzo o cenho sem entender, não estou sabendo de festa alguma.
— Ela decidiu fazer isso depois do baile, sem os adultos por perto. Nós
vamos, certo?
Dou de ombros e concordo, como resposta Alice morde o lábio. Droga,
aquela sensação no estômago volta, como se tudo estivesse revirando.
Respiro fundo e tiro minha atenção de sua boca.
— Nicholas Thompson. — Thomas se aproxima junto de Maddy. —
Gostou do vestido?
Ah, claro que ele está me provocando. Apenas sorrio, afinal, é óbvio que
gostei.
— Você também está bonito — Madison comenta e estica os lábios
graciosamente.
— Nada comparado a Wonders.
O casal ri um pouco enquanto a menina cora. Me sinto cruel por fazê-la
enrubescer na frente dos outros, mas é a verdade, Alice está magnífica.
— A gente só queria dizer oi e saber se vão à festa da Andy — a loura
continua a conversa, tentando aliviar o lado da amiga.
— Acabei de descobrir sobre essa festa. Nós vamos? — Encontro os
olhos azuis de Wonders, que assente.
— Então, vemos vocês mais tarde.
Tommy e Madison saem juntos, nos deixando sozinhos novamente.
Quando me viro, vejo que Alice bebe todo o suco de uma só vez.
— Sede?
— Calor — responde.
— Notei, as suas bochechas...
— Cala a boca Thompson.
Se eu der risada, ela ficará irritada, então tento ao máximo segurar o riso
que insiste em escapar. Alice cruza os braços e olha nos meus olhos.
— Você quer rir, não quer?
— De jeito nenhum. Eu quero dançar. Quer dançar?
— Desviou rápido do assunto.
— Sou bom nisso. — A menina se aproxima de mim, fazendo-me
grudar em sua cintura. — E em outras coisas.
— Ah, sério?
— Muito sério. Se quiser a gente pode sair daqui e eu te mostro...
— Acabei de chegar, Nick! Se controle até mais tarde.
— Eu tento, daí vejo esse decote. — Meus dedos puxam um pouco o
vestido, me possibilitando ver seus seios.
— Para com isso, safado!
Alice ri e me empurra com delicadeza.
— É melhor a gente dançar, antes que você tire as minhas roupas.
— Dançar não me impede de fazer isso.
Nossas mãos se juntam e vamos até o meio do jardim, onde outros
casais já se movem ao som da música lenta e desconhecida. Ainda estamos
rindo e animados, mas Alice não demora para se colar ao meu corpo e relaxar
enquanto seguro em seu quadril. Ela me abraça e ergue a cabeça, encostando
o queixo em meu peitoral.
— Como os seus pais estão? — pergunta.
— Melhor impossível. Eles parecem felizes.
— Grace está se acostumando?
— Sim, ela já chama a Pumpkin de mãe e Wine de chata. — Rio
nasalado e Alice franze o cenho. — Você ainda não notou, mas a Wine é
chata.
— Eu a acho adorável.
— E chata — insisto. — Mas ainda é a minha irmã. Uma vez eu
perguntei para os meus pais se a gente podia trocar ela por um cachorro.
— Que absurdo! — Ela ri. — Mas já fiz o mesmo com o meu irmão.
— Queria o trocar por?
— Por nada, só queria me livrar dele. Mike era insuportável. Ainda é, às
vezes, quando fala comigo.
— E como está a sua família? — questiono e ela sorri.
— April entrou para as líderes de torcida e Cherry conseguiu não levar
suspensões esse ano. Elas estão bem e meu pai está mais presente.
— É — a puxo para perto —, parece que todo mundo está bem.
— E a gente?
— Ah não — faço-a unir as sobrancelhas —, nós estamos ótimos.
Já se passou uma hora e meia de baile. Precisamos nos sentar um pouco
já que Alice odeia usar saltos. Para mim, tudo fica perfeito quando estou
junto dela, mesmo com seus pés doendo muito e seu olhar ameaçador cada
vez que peço para tirar seu vestido.
— Olha quem eu encontrei — Wine diz, parando ao lado da nossa mesa.
Jack, Hannah e Margot a acompanham. Todos eles se sentam juntos de
nós.
— Meu irmão está bonito, não está? — continua, o que me faz revirar os
olhos.
Alice assente e me encara, mordendo o lábio e, claro, me
provocando. Mas que porra!
— Isso é raro — Wine sussurra.
— Olha, eu posso dizer o mesmo de você — atiço. Enquanto todos riem
e Alice suspira, a menina me mostra a língua como uma criança. — A Grace
é bem mais adulta, sabia?
— Que você? Sim, ela é — comenta.
— Vocês dois agem dessa forma o tempo todo? — Wonders se
intromete.
— Ah, você não faz ideia. Eles eram assim antes e, agora que tudo
voltou ao normal, só pioraram — é Jack quem explica.
Realmente, eu amo Wine Thompson, mas sempre nos tratamos assim.
Não estamos brigando de verdade, só gostamos de irritar um ao outro. De
qualquer forma, quando um de nós precisa de ajuda, sempre consegue.
Eu nunca a abandonaria.
— Amei o seu vestido — Margot diz, olhando para o tecido que cobre
Alice Wonders.
— É, eu também — arrisco.
De novo, ela cora, mas agora não tenta disfarçar. Alice tem de se
acostumar com isso, porque, se depender de mim, acontecerá com frequência.
Ao mesmo tempo que encaro os seus olhos sinto alguém me puxando
pelo braço. Quando me viro, vejo Grace.
— Dança comigo? — pede fazendo um biquinho. — O papai está
dançando com a mamãe.
— Claro, eu danço.
A pequena sorri para Alice e depois para mim. Me levanto com calma e
a acompanho até o meio do jardim, onde preciso a colocar sobre meus pés. O
sorriso da menina me quebra, faz meu coração se acalmar. Eu amo essa
garotinha desde o dia em que ela nasceu.
— Alice não vai embora, certo? — me pergunta.
— Não, ela não vai.
— E vocês vão ficar juntos?
— Nós já estamos juntos, Grace.
Minha irmã sorri com animação e suas bochechas rosadas ficam mais
fofas, as covinhas aparecem. Me torno rapidamente à mesa onde estava antes
e percebo que somente as meninas continuam por lá. Todas elas olham para
mim, sei que devem estar questionando-a sobre algo relacionado a nós, mas
ignoro.
Qualquer que seja a sua resposta, ela já deve ter me dito.

A casa da Andressa está lotada, todos os adolescentes que conheço


desde o colégio vieram. Assim que entramos, as primeiras que aparecem
ainda à porta, são Chris e a ruiva.
— Eu amei o seu vestido. — Vender analisa a roupa de Alice.
— Também adorei os de vocês.
— Ah para! Você roubou a atenção de todo mundo quando entrou
naquele baile — Andy conta. — Está maravilhosa!
— Ah, ela está. Não é Nicholas? — Christina olha em meus olhos, como
se estivesse me forçando a dizer algo, e eu percebo que um certo calor surge
em meu rosto.
Droga, quem está corando sou eu.
— Ela é maravilhosa — gaguejo um pouco. — Andressa, sua casa ainda
tem aquele terraço?
A ruiva me fita com desconfiança e assente.
— Temos sim, está todo enfeitado e vazio. Já sabe o caminho.
Passo pelas meninas segurando a mão de Wonders, que acena para elas,
se despedindo. Quando chegamos à escada que leva ao segundo andar, ela me
para.
— Terraço?
— Você vai ver. Vem comigo, princesa.
Alice faz um biquinho, mas me segue escada acima. Depois, passamos
por todo o corredor do segundo andar e subimos mais alguns degraus,
chegando ao lindo terraço dos Morgan. O piso é de madeira e algumas
plantas fazem parte da decoração. Há uma pequena cabana, luzes como as de
natal e um sofá.
— Nunca vim aqui.
— Eu imaginei — sussurro, puxando-a para perto da cabana cheia de
almofadas. — Queria ficar sozinho com você.
— E se outra pessoa vier...
— Não vai rolar. A Andy não deixa todo mundo subir aqui.
— Tudo bem, Thompson. — Alice se senta no braço do sofá e me
encara. — O que quer fazer?
— Primeiro, tirar os seus saltos.
A garota ri e puxa o vestido, me deixando tirar seus sapatos, um por um,
com calma. Depois, ela se levanta e se apoia em meus ombros.
— Dá pra ver toda a floresta e a praia daqui. Esse lugar é lindo.
— Você é linda.
— Disse isso a noite toda. — Um brilho surge em suas íris azuis quando
sorri para mim. O vento nos atinge e faz seus cabelos voarem, espalhando seu
cheiro doce de cereja.
— Eu quero passar um tempo com você, Alice.
— Já passamos muito tempo juntos nessa noite — ela sorri de canto.
— Não desse jeito. Eu te amo, Alice Louise Wonders, e já te disse isso
um milhão de vezes. Você foi o melhor presente que o caos conseguiu me
trazer. Algumas tempestades são seguidas por arco-íris, mas você,
princesa, você é os dois. Você consegue me fazer queimar ou congelar
quando quiser, como quiser. E nesse momento eu não preciso de muito, só
preciso passar um tempo com você, pra sempre.
— Nicholas — ela sorri, fica nas pontas dos pés e olha em meus olhos
—, você é o garoto mais egocêntrico e irritante que já conheci, mas também é
lindo, inteligente e descrever as suas qualidades levaria dias, acontece que
prefiro passar todos esses dias com você, porque eu te amo.
Nossos lábios se unem num beijo suave, me dando a certeza de que
agora, depois de tudo que aconteceu, depois de todo o tempo e toda
espera, Alice é, e para sempre será, a coisa mais inesperada que me
aconteceu. Com o caos em suas íris e o desejo em seus lábios, ela sempre será
a menina que fez meu coração disparar na frente do Heaven Bar.
EPÍLOGO
NICHOLAS THOMPSON
Alguns dias depois.

Coloco a caixa na calçada, em frente à casa. Meus pais parecem


extremamente animados com a mudança, afinal, o lugar é lindo. Alice me
disse que chegaria aqui em alguns minutos, pedi para me encontrar depois
que saísse da biblioteca.
Todas as nossas coisas já estão aqui, não sobrou nada na mansão além
de memórias. Pumpkin e Damon terminam de retirar as caixas de dentro do
carro que também compraram recentemente.
— Oi. — Ecoa pela rua. Alice se apressa na minha direção, enfiada num
vestido preto e florido, de mangas compridas. A menina quase pula em meus
braços e eu agarro em sua cintura.
Nossos lábios se encontram e desencontram rapidamente.
— Acabamos de trazer as coisas — conto e me encosto na moto, Alice
passa os braços por cima dos meus ombros. — O que acha da casa?
— É linda, marrom e com flores, janelas de madeira — comenta e ri um
pouco. Ah, a sua risada, esse é o melhor som que conheço. — Não tem todo
aquele branco.
— Não mesmo — concordo.
— E como a sua avó ficou?
— Wine diz que ela está rabugenta. A nova cuidadora vai precisar de
paciência até George voltar. — Lhe entrego um beijo de esquimó. — Quer
mesmo falar da Polly?
— Não! Afinal, por que me chamou aqui com tanta urgência?
— Queria te levar num lugar.
— Você não tem que ajudar com a mudança? — Ela me encara com
desconfiança.
— Eu ajudo depois. Vamos?
Wonders me analisa dos pés à cabeça e se afasta de mim, ela suspira e
assente.
— Vamos sim. Surpresa?
— Claro, princesa.
Como de costume, Alice coloca o capacete, mas dessa vez faço questão
de ajudá-la. A menina sobe na moto atrás de mim e agarra em meu corpo,
seus dedos me apertam por cima da camiseta.
— É melhor não me matar, Thompson — diz, me fazendo rir.
Há tantas coisas para pensar enquanto acelero pelas ruas de Wiston Hill,
enquanto sinto seu toque. Eu sei que ela está comigo e essa sensação é muito
importante para mim. Eu sempre amei andar de moto, mas quando o faço
com Wonders é como invadir o paraíso. É liberdade misturada a leveza, é
calma e nervosismo. Mas Alice me traz certo equilíbrio.
E ela completou mais de um mês sem beber, o que significa muito.
Passo por várias casas enquanto o laranja que Alice tanto adora toma
conta do céu. Estamos no entardecer, parece que o horizonte queima. E nesse
exato momento eu estaciono no penhasco de onde pulamos juntos, de onde
Alexander se jogou.
Ela desce da moto antes de mim e retira o capacete sozinha, seus olhos
azuis se perdem em todas as cores do céu. Eu poderia a assistir por anos,
porque Wonders é belíssima.
Ela caminha um pouco, encarando o horizonte, enquanto eu me
levanto.
— Por que me trouxe aqui? — pergunta. — Quer dizer, é lindo, mas te
conheço o suficiente pra saber que planejou algo, Thompson.
— É verdade. — Rimos.
Meus dedos, agora quentes, deslizam por sua mão e passam à sua
cintura. Alice me olha com doçura, suas mãos se apoiam em meu peitoral.
— Eu te trouxe aqui, Wonders, porque quero fazer algo especial.
— Algo especial? — Ela franze o cenho.
— Você gosta do entardecer, começo da noite e fim do dia. Um
recomeço, certo? E acho que tivemos isso há um tempo.
— A gente se conheceu de novo, no mesmo lugar. Então, posso dizer
que sim.
— E eu faria tudo de novo, Lissie, porque em todas as vezes eu estaria te
conhecendo. Eu te seguiria depois da festa até o Red Hell, eu te levaria pra
casa, te beijaria na frente de todas as garotas da fraternidade. Eu dançaria
com você no baile de máscaras e te ensinaria boxe mais uma vez. Eu te
seguiria até Nova Iorque, Wonders, e nunca me cansaria de dizer o quanto eu
te amo.
Ela suspira e vejo as lágrimas em seus olhos.
— Sabe, apesar dos pontos negativos, eu faria tudo de novo —
sussurra.
— A gente não tem como voltar e reviver, o que é bom, porque depois
de certo tempo não seria a mesma coisa. A primeira vez é única. Eu nunca
vou me esquecer da primeira vez em que te vi no Heaven ou entrando na sala
de aula. Nunca mesmo.
A menina sorri de canto e baixa o olhar por alguns instantes.
— A gente só pode continuar, não dá pra voltar. E eu pretendo continuar
com você pelo tempo que der. Por isso, Alice Wonders...
Os olhos dela me encontram novamente.
— ...quer se casar comigo?
O silêncio que surge me é ensurdecedor, meu coração está acelerado e
eu sei que minhas mãos estão úmidas, mas Alice não responde. Ela fica me
analisando com um brilho nos olhos.
— Eu quero, mas... — suspira.
Eu não esperava por um mas.
— Agora não. Eu quero me casar com você, Nick, mas temos muito
tempo e somos novos. Muita coisa aconteceu e eu sei que ainda poderemos
nos casar daqui um tempo.
— Isso é um sim?
Ela assente e me puxa pela camiseta.
— Isso é um com certeza.
— Mas não agora?
— Exatamente. Afinal, já temos um ao outro, não precisamos nos casar
nesse momento, não é?
— Não — suspiro. Seus lábios se aproximam dos meus. — Você já é
suficiente.
Nosso beijo é lento e quente, Alice me segura pela camiseta enquanto
aperto seu quadril.
— Eu te amo, Nicholas Thompson.
Wonders tem razão, afinal, como eu disse a Grace, já estamos juntos.
Não precisamos ter pressa.
E em meio à toda bagunça e a todo o quebra-cabeças que agora se
encaixa, Alice Wonders continua sendo o meu paraíso e o meu caos.
Ela é, e sempre será, tudo que quero.

FIM
EM BREVE
AS LOST AS YOU ARE
Toda história tem um começo, se Nicholas e Alice são o final, Pumpkin
e Damon são o início.
Agora estamos em Wiston Hill, 1991, quando a menina loura chegou na
cidade e o bad boy mais irritante de todos acabou a conhecendo.
NOTAS FINAIS
Espero que tenham gostado do livro! Venho aqui lembrar que se não
conseguiu encontrar uma moral para a história, leve essa em consideração:
todos têm segredos e todos lidam com algo em particular. A perfeição não
existe, portanto, usar dos pontos fracos alheios para manipulação ou piada,
não é legal. Talvez você também precise de ajuda.
E se você passa por algo como a Alice, saiba que há grupos de apoio,
terapia e alcoólicos anônimos. Procure ajuda, não fique acreditando no “só
mais uma dose.” Alcoolismo é algo sério, como qualquer outro vício, e
precisa de tratamento. Caso esteja na mesma situação que a Madison,
também procure ajuda, a bulimia é um transtorno alimentar grave que pode
ser fatal e eu sei que não é fácil encarar o tratamento, mas não adie! A sua
saúde é importante, por mais clichê que isso possa soar.
Falando da Christina, sabemos que Mateo saiu impune e isso é
revoltante, no cenário do livro vemos que o dinheiro dele foi de grande ajuda
para que não arcasse com as consequências de seus atos.
Abuso, seja psicológico ou físico, é crime. Não deixe isso passar.
Denuncie!
Agora só me resta agradecer novamente e dizer até breve. Nos vemos
em 1991.
AGRADECIMENTOS
Meu obrigada especial a todas as leitoras e leitores do Wattpad, que
acompanharam essa obra desde o início, comentando, se emocionando e
passando raiva. Vocês tornaram isso tudo ainda mais especial para mim.
E obrigada a vocês, leitores que chegaram até aqui, fico feliz por terem
dado uma chance ao meu livro e espero que tenham gostado.
Andressa (a ruiva), obrigada por me deixar usar seu nome e a cor do seu
cabelo para criar uma personagem que tem pouquíssimo a ver com você —
roubei seu gosto por leitura e sua paixão por romances também. Obrigada por
aguentar toda a falação sobre esse livro e por aturar meus surtos.
Obrigada, mãe e pai.
Eu amo vocês. Todos vocês.
E também amo esse casal, Alice e Nick. Obrigada, por me deixarem
criar o romance dos dois. Acho que também tenho que agradecer a mim, pela
paciência.
A todos que um dia me apoiaram, obrigada de coração.
Enfim, não esqueçam de avaliar o livro, porque isso me ajuda bastante.
E me sigam no Instagram, para receberem novidades e outros lançamentos!
Com todo amor,
Samantha Birdie.

[i] Sigla da Tigerx


[ii] Personagem que não aparece, faz parte do passado de Wiston Hill.
[iii] Quote/citação de Orgulho e Preconceito.

[SGS1]volta

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