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Distúrbios Hídricos e Hemodinâmicos

Nosso equilíbrio hemodinâmico é caracterizado por uma relação entre todo o


sistema cardiovascular. Como sabemos, nosso peso corporal é administrado pelo
volume de água (60-70%). Essa água é dividida entre os compartimentos intracelular
(2/3) e extracelular (1/3). Além disso, o extracelular se subdivide em intravascular e
extravascular ou intersticial. Toda essa quantidade de água é necessária para manter as
células e tecidos devidamente irrigados e nutridos, de modo a exercerem sua função
corretamente.

Assim, o sistema cardiovascular, juntamente com a distribuição de líquido,


funciona coordenadamente. O coração, ao bombear o sangue pelas artérias de grande
calibre, faz com que ele percorra o corpo, passando por vasos de médio e pequeno
calibre, arteríolas e, finalmente, capilares, onde ocorrerá a microcirculação (principal
local de troca de líquidos e nutrientes entre o sangue e o interstício). Quando esse
sangue “antigo”, sujo, venoso foi coletado, ele é direcionado até a circulação linfática
para passar por um processo de purificação e finalmente ser redirecionado ao coração.

Quando o organismo sofre um trauma, ele acaba sofrendo modificações em seu


funcionamento, como o aumento da pressão arterial, taquicardia etc. Todas essas
modificações acabam gerando distúrbios no sistema hemodinâmico corporal.

Hiperemia e Congestão
A hiperemia (aumento do fluxo sanguíneo) ocorre concomitantemente a uma
vasodilatação. Ela pode ocorrer de forma ativa (relacionado ao compartimento arterial
– dilatação arterial) ou de forma passiva (dilatação venosa ou congestão). Assim, a
hiperemia sempre é um processo ativo, enquanto a congestão é um processo passivo.

A dilatação arterial, ou hiperemia, principalmente à nível dos capilares, pode


ser fisiológica ou patológica. Fisiológica quando estamos em uma situação de fuga, de
esforço intenso, ou seja, quando o corpo precisa de mais suprimento sanguíneo para
levar os nutrientes às células, órgãos e tecidos. Já na patológica temos uma resposta
inflamatória, um choque anafilático, uma irradiação e até mesmo um traumatismo, que
quase sempre leva a uma resposta inflamatória. Histologicamente, percebemos que
ocorre um grande aumento no número de hemácias, bem como uma dilatação da artéria
em relação à veia, além de uma maior vermelhidão devido à grande reoxigenação
sanguínea. Além disso, a hiperemia pode ser local, pela liberação de óxido nítrico, ou
sistêmica, pela ação do SNC.

Já a dilatação venosa, ou congestão, é (quase) sempre patológica, pois causa o


represamento (acúmulo) do sangue. Esse acúmulo do sangue pode culminar, por
exemplo, em uma situação patológica localizada, como em um trombo, dificultando o
retorno sanguíneo e reduzindo a quantidade de sangue circulante, ou em um edema.
Além disso, existem situações patológicas generalizadas, como no caso da
insuficiência cardíaca, na qual os ventrículos reduzem o bombeamento. Outra situação é
a do útero gravídico, onde o aumento do útero causa venoconstrição. Histologicamente
é semelhante à dilatação arterial, porém o tecido fica cianótico devido ao acúmulo de
hemoglobinas desoxigenadas, deixando-o com coloração variando de um vermelho-
escuro ao azul.

No fígado ocorre a congestão passiva crônica, na qual o fígado apresenta um


aspecto de noz moscada, cheio de buracos enegrecidos  Insuficiência cardíaca à
direita (se fosse nos pulmões, poderia ser insuficiência cardíaca à esquerda). Na
congestão passiva crônica, a ausência do fluxo sanguíneo causa isquemia e,
consequentemente, hipóxia, resultando em lesão tecidual isquêmica e cicatrização.

Edema
O edema (acúmulo de líquido intersticial dentro dos tecidos, ou até mesmo em
cavidades) subdivide-se em não inflamatório e inflamatório, cada um com um
mecanismo diferente.

 Edema Não Inflamatório

No edema não inflamatório, o mecanismo é caracterizado por alterações nas


pressões hidrostática (vascular) e osmótica (coloide). A pressão hidrostática vascular
(PHV), como o próprio nome diz, relaciona-se com a pressão dos fluidos, enquanto que
a pressão osmótica coloide (POC) é caracterizada pela presença de proteínas
plasmáticas, que alteram a pressão. Assim, em situações normais, essas duas pressões
estão em equilíbrio, permitindo um leve efluxo de liquido para o espaço intersticial, que
logo é drenado pelo sistema linfático. Em situações anormais, produzidas por
obstruções, concentrações anormais de soluto etc., a PHV pode aumentar ou a POC
diminuir, ocasionando um maior efluxo de fluido para o espaço intersticial. Ao fluido
do edema que se acumula damos o nome de transudato, causado pela redução de
proteínas e células, sendo límpido (claro) e não coagulante. Assim, forma-se um
inchaço na região que é mole e indolor e, por conta disso, acaba gerando trombos,
compressões de vasos, nefropatia e insuficiência cardíaca. Clinicamente, observamos o
sinal de Cacifo, característico, que ocorre quando realizamos uma compressão e, após
cessar o estímulo, a deformação ainda permanece por um tempo.

 Edema Inflamatório

Já o edema inflamatório é causado por um aumento da permeabilidade. Assim,


por exemplo, pode ocorrer uma vasodilatação, provocando uma maior separação entre
as células epiteliais (como um balão de ar), bem como sua contração citoesquelética,
resultando na saída de água, neutrófilos, proteínas plasmáticas (impedem a coagulação)
etc. Tudo isso acaba culminando no aumento da permeabilidade vascular. Isso não
acontece no edema não inflamatório devido à não contração das células endoteliais,
permitindo apenas a saída de determinadas substâncias. O fluido que se acumula dentro
desse edema recebe o nome de exsudato, que, diferente do transudato, é rico em
proteínas e células, adquirindo caráter turvo, além de coagular. Obviamente, o
edema inflamatório é decorrente de um processo inflamatório, e pode advir de um
evento vascular ou de um evento celular. Clinicamente, percebemos um edema rígido e
extremamente dolorido, cuja palpação resulta em extrema dor.

Existem nomes específicos que são dados dependendo da região em que ocorre o
acúmulo de líquido. Assim:

 Anasarca (Edema Subcutâneo): Edema mais grave, atingindo


tecidos/órgãos subcutâneos, bem como acúmulo de fluidos nas cavidades;
 Hidrotórax: Cavidade pleural;
 Hidropericárdio: Cavidade pericárdica;
 Ascite ou hidroperitônio: Cavidade peritoneal.

Vale a pena ressaltar que a distribuição em equilíbrio depende do soluto


(determina a atividade osmótica de cada compartimento intracelular – como o potássio e
o sódio) e de proteínas.

 Causas

Em uma pessoa normal ocorre a saída de líquido do espaço arterial com um


aumento da pressão hidrostática. Já nas veias ocorre a entrada de líquido, pois o meio
intravascular está mais concentrado e existe um aumento de pressão osmótica. Já
patologicamente existem diversos sinais:

 Aumento da pressão hidrostática devido a tromboses, insuficiência cardíaca,


gravidez etc.;
 Redução da pressão oncótica devido à nefropatia e, consequentemente,
redução da síntese de proteínas plasmáticas;
 Problemas na drenagem linfática devido aos distúrbios de pressão,
mastectomia radical, irradiação axilar e até mesmo pela elefantíase, que atua
bloqueando os vasos linfáticos.

A seguir, discutiremos os pontos, destrinchando as causas e seus mecanismos de


ação.

 Pressão Hidrostática Aumentada

Aumentos locais da pressão intravascular podem resultar em comprometimento


do retorno venoso, gerando, por exemplo, um edema para aquela respectiva região.
Quando esse aumento é generalizado, por outro lado, ocorrem vários eventos
relacionados com a insuficiência cardíaca congestiva.

A insuficiência cardíaca congestiva reduz o débito cardíaco, que, por sua vez,
leva à hipoperfusão renal. Uma vez hipofundido ocorre a deflagração do sistema renina-
angiotensina-aldosterona, promovendo uma maior retenção de sódio e,
consequentemente, água (hiperaldosteronismo secundário – aumento na produção de
aldosterona e renina). Essa condição é benéfica em pacientes normais, porém em
pacientes que apresentam insuficiência cardíaca congestiva, o coração não consegue
aumentar seu débito em resposta ao aumento de volume. Assim, segue-se um ciclo
vicioso, caracterizado pela retenção de fluido  aumento da pressão hidrostática venosa
 piora do edema. O tratamento é feito restaurando-se o débito cardíaco, reduzindo as
concentrações de sódio, usando-se diuréticos, antagonistas da aldosterona etc.

 Pressão Osmótica Plasmática Reduzida

Como sabemos, a albumina é uma das principais proteínas sanguíneas,


representando cerca de 50% do volume proteico total. Assim, qualquer defeito que
acarrete na redução da síntese proteica da albumina pode provocar a redução da pressão
osmótica. Assim, por exemplo, podemos citar várias patologias, como o rim contraído
primário, degeneração hidrópica, isquemias em geral etc. Desse modo, independente da
causa, os baixos níveis de albumina (ou de pressão osmótica plasmática reduzida) levam
ao extravasamento do líquido para o espaço intersticial, gerando edema, volume
intravascular reduzido, hipoperfusão renal e hiperaldosteronismo secundário.

 Obstrução Linfática

Quando a drenagem linfática fica prejudicada, gera um linfedema (inchaço de


partes moles). Isso ocorre, geralmente, devido a uma obstrução causada tanto por uma
condição inflamatória ou neoplásica. Assim, por exemplo, podemos citar a filariose, que
quando não diagnosticada culmina na elefantíase.

 Retenção de Sódio e Água

Como já foi dito, a retenção de sódio e, consequentemente, de água, pode resultar


em edema devido ao aumento da pressão hidrostática e redução da pressão osmótica
plasmática.
 Tipos de Edemas:

 Anasarca (Edema Subcutâneo): Nível de tecidos ou órgãos (subcutâneo):


 Acúmulo/retenção de sódio  Afeta membros superiores e face (pálpebra
– parece um soco no olho, só que fica bem eritematoso);
 Insuficiência cardíaca direita  Afeta membros inferiores (ação da
gravidade no sangue – cianose).
 Edema Cerebral
 Não possui drenagem linfática;
 Crises hipertensivas com aumento da pressão intracraniana (causa
cefaleia, vômitos, convulsões e alterações visuais);
 Neoplasias;
 Traumatismo;
 Macroscopicamente  Aumento da massa cerebral, que contribuiu para
uma acentuação da pressão intracraniana.
 Edema Pulmonar
 Insuficiência ventricular esquerda  Acarreta na redução do sangue que
chega ao ventrículo, que, juntamente com a formação de um embolo, piora
a situação pulmonar;
 Insuficiência renal  Envolve a retenção de líquidos (acúmulo de sódio,
excreção excessiva de proteínas);
 Infecções pulmonares  Processo inflamatório (infeccioso) provocado por
um organismo induz vasodilatação e consequente aumento da
permeabilidade vascular;
 Deficiência na função ventilatória  Acarretada por acúmulo de líquidos
que provocam barulhos de bolhas de água (ruídos respiratórios), que são
originados quando o ar entra em contato com a água nos alvéolos.
 Radiograficamente  Apresenta coloração turva;
 Macroscopicamente  Acúmulo de água nos septos e posterior invasão do
líquido aos espaços alveolares (coloração eosinofílica).

Hemorragias
As hemorragias causadas por lesões/rupturas vasculares são ocasionadas por
traumatismos, enfermidades que atacam o sistema cardiovascular etc., sendo definidas
como o extravasamento de sangue no espaço extravascular. Elas podem se manifestar
de diversas formas diferentes, descritas a seguir:

 Hematoma: Acúmulo significativo de sangue armazenado nos tecidos;


 Equimose: Confundido com o hematoma, é um borrão que aparece na pele,
extenso (> 1-2 cm) e em forma de “lençol” (famoso chupão). Os glóbulos
vermelhos são degradados por macrófagos, a hemoglobina (vermelho-azulada) é
convertida em bilirrubina (azul-esverdeada  pode gerar icterícia) e,
posteriormente, em hemossiderina (marrom-dourada).
 Petéquia: Microlesões nas paredes dos vasos, de caráter puntiforme (1-2 mm) e
espalhado, sendo associada com redução da contagem de plaquetas, aumento
local da pressão intravascular ou defeitos na função plaquetária;
 Púrpuras: Hemorragias maiores que as petéquias (≥ 3 mm), possuindo um
limite definido devido a um acúmulo de hemossiderinas.

 Aspectos Clínico e Histológicos

Histologicamente, como existe uma lesão vascular, percebemos um grande


extravasamento de hemácias, bem como várias células inflamatórias (mais escuras) e
plaquetas (cascata de coagulação). Toda lesão de vaso induz a cascata de coagulação.
Nela, toda vez que se tem um processo hemorrágico, as proteínas são ativadas,
transformando o fibrinogênio em fibrina e ocasionando o caráter rosáceo.

Clinicamente, depende da quantidade de sangue perdida, da velocidade de


escape e do local da hemorragia.

 Hemorragia interna  Degradação da hemoglobina, mas reaproveitamento


do ferro;
 Hemorragia externa  Perda do ferro, podendo levar ao quadro de anemia
ferropriva.

Choque
O choque pode ser definido por um colapso circulatório, onde ocorre uma
redução no volume sanguíneo ou no débito cardíaco, ou seja, hipoperfusão sistêmica
tecidual.

 Tipos de Choque

Existem vários tipos de choques, cada um com suas características:

 Cardiogênico (obstrução da via de saída ou falha da bomba miocárdica):


 Infarto do miocárdio;
 Ruptura cardíaca;
 Tamponamento cardíaco;
 Embolia pulmonar (tromboembolismo – trombo que resulta em êmbolo)
Acentuada por elefantíase, tromboembolismo dos membros inferiores etc.
 Hipovolêmico:
 Hemorragias graves;
 Vômito; Perda de líquidos (causa espessamento sanguíneo)
 Diarreia;
 Queimadura;
 Traumatismo
 Séptico
 Infecção bacteriana disseminada  Septicemia;
 Lesão arterial (vasodilatação) com coagulação intravascular disseminada;
 Neurogênico:
 Anestesia (peridural, raquidiana principalmente)  Perda do tônus
muscular;
 Lesão de medula espinhal.

 Anafilático:
 Vasodilatação sistêmica + aumento da permeabilidade vascular;
 Reação de hipersensibilidade por IgE.

 Estágios do Choque

O choque pode vir de forma imediata, mas normalmente passa por vários
estágios:

 Precoce ou Compensatório
 Pequeno volume de sangue perdido;
o Vasoconstrição;
o Aumento da frequência cardíaca;
o Mecanismos compensatórios reflexos em geral (eixo renina-
angiotensina-aldosterona, estimulação simpática, ADH etc.)
 Progressivo ou Descompensado
 Persistência do choque com estresse do indivíduo  Hipóxia acentuada;
 Hipoperfusão tecidual e início da piora circulatória;
 Desarranjo metabólico, como acidose.
 Irreversível
 Comprometimento da pressão arterial;
 Morte isquêmica da célula  extravasamento de enzima lisossomal.

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